EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL
DA COMARCA DE CAMPO MOURÃO – PR
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por
intermédio de seu agente, que esta subscreve, com fundamento nos artigos 37,
caput e parágrafo 4º, 127 e129, inciso III, da Constituição Federal; no artigo 1º,
inciso IV da Lei Federal nº 7.347/85; no artigo 25, inciso IV, alínea “a” e “b” da
Lei nº 8.625/93; e na Lei nº 8.429/92, além de outros dispositivos legais
aplicáveis à espécie, vem, perante este r. Juízo, propor
Ação Civil Pública De Responsabilidade Pela Prática
De Atos De Improbidade Administrativa C/C. Ação De Declaração De
Nulidade De Ato Administrativo, CUMULADO COM PEDIDO LIMINAR DE
AFASTAMENTO DO CARGO, sob o rito da Lei 8.429/92 c/c Lei 7.347/85 e
subsidiariamente o rito comum em face de:
CARLOS AUGUSTO GARCIA, brasileiro, casado,
coordenador geral de governo do Município de Campo Mourão, portador da
cédula de identidade RG nº 3373919-2, inscrito no CPF nº 490.568.329-67,
residente e domiciliado na Rua Bonifácio Paes Carneiro, nº 129, jardim
Capricórnio, Campo Mourão/PR.
REGINA MASSARETTO BRONZEL DUBAY, brasileira,
casada, Prefeita do Município de Campo Mourão, portadora da cédula de
identidade RG nº 3.159.994-6/SSP-PR, inscrita no CPF nº 027.030.269-78,
residente e domiciliada na Avenida Irmãos Pereira, nº 1750, em Campo
Mourão/PR.
MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO, pessoa jurídica de
direito público interno, sediado na Prefeitura, Rua Brasil, 1487, Campo
Mourão/PR, representado legalmente pela Sra. Prefeita Regina Massareto
Bronzel Dubay.
I – DOS FATOS
No mês de abril de 2015, Marton Ávila Tezelli e Caroline
Tonet Tezelli, sócios da empresa BNY Maringá Administradora De Imóveis Ltda
Me, foram surpreendidos com a noticia advinda de maneira informal por
terceiros de que todas as suas propriedades foram objeto de decretos de
declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, por parte da
Prefeitura Municipal de Campo Mourão.
Em 17 de abril de 2015, em consulta ao diário oficial do
município, edição 1811, constataram de fato que haviam sido declarados como
utilidade pública três imóveis da empresa BNY. Essas declarações constaram
nos Decretos nº 6577, nº 6578, e nº 6579.
A empresa BNY visando tomar ciência dos detalhes das
referidas desapropriações, em 28 de abril de 2015, protocolizou na prefeitura
os pedidos de informação nº 3696/2015, 3697/2015 e 3698/2015. No entanto,
os pedidos permaneceram parados sem qualquer análise na Coordenação
Geral (COGEG) por aproximadamente quatro meses1.
Diante disso, é possível concluir que os decretos de
utilidade pública foram instituídos tão somente para criar dificuldades e
constrangimentos à empresa e seus familiares.
Isto se evidencia em razão de diversos motivos.
1 O que infringe a Lei Orgânica do Município e a Lei da Transparência, conforme protocolo de
fls. 132/133/134.
Primeiro, a rivalidade política entre a atual gestora do
Município, Regina Dubay e o coordenador Geral Carlos Garcia em face de
Tauillo Tezelli, ex-prefeito deste Município. A empresa BNY é de propriedade de
familiares do ex-prefeito Tauillo Tezelli, nora e filho, o qual disputou a última
eleição contra a atual prefeita. Além disso faz movimento de oposição a ela.
Os familiares do ex-prefeito, ainda, são proprietários do
site de notícias CRN (www.crn1.com.br), e das Rádios Colméia AM e Rádio T
FM, que jornalisticamente noticiam fatos a respeito da atual gestão municipal,
em desagrado a Prefeita. Como inclusive o recente “caso do mensalinho”, pelo
qual a atual Prefeita responde ação de improbidade, e alguns de seus
servidores foram presos em flagrante pelo GAECO.
Em segundo lugar, foram colhidos depoimentos nesta
Promotoria de Justiça, que demonstram claramente a motivação de
perseguição como fundamento para a confecção dos referidos decretos.
A testemunha Romullo Aguiar (fls.168) relatou que o atual
Procurador geral do Município, Márcio Berbet, questionou-o se os amigos dele
– referindo-se aos filhos do ex-prefeito – estariam muito bravos com eles
(gestores da Prefeitura). Romullo disse que não sabia de nada. Em seguida
questionou o motivo da pergunta. Márcio disse que era em razão do decreto e
futura desapropriação dos terrenos da família, e ainda afirmou que as
declarações de utilidade pública foram uma maneira de retaliação pelo
conteúdo jornalístico publicado pelo site . Disse ainda que a avaliação sobre os
bens quem tinha feito foi o próprio Município e que assim os familiares do ex-
prefeito receberiam, em caso de desapropriação, um valor a menor do que o de
mercado.
Outrossim, o jornalista Aldery Ribeiro (fls. 170) também
prestou depoimento no mesmo sentido. Disse ter notado o caráter de
perseguição política e pessoal quanto a confecção dos decretos.
Também foi ouvido na Promotoria o agricultor Renanceses
Salvadori (fls. 172), o qual disse que Laércio Dubay, marido da atual Prefeita,
lhe disse algo a respeito dos decretos em tom de ironia.
Em terceiro lugar e o mais grave: as três declarações de
utilidade pública foram feitas de uma só vez, relacionadas a imóveis situados
em locais distantes uns dos outros, para finalidades aparentemente diversas,
mas coincidentemente recaindo sobre os mesmos proprietários. Ainda, no
procedimento a motivação da declaração só apareceu no decreto de
declaração de utilidade pública. No decorrer do procedimento não houve
qualquer apontamento sobre a necessidade dos imóveis, tão pouco menção
por qualquer órgão da Prefeitura de Projetos em andamento que justificariam a
desapropriação. Sem levar em conta que o Município possui inúmeros imóveis
disponíveis em areais institucionais de loteamentos nos últimos anos
aprovados. (fls. 173/174);
Chama atenção, que em seu depoimento na Promotoria de
Justiça o Coordenador-Geral do Município Carlos Garcia (fls. 173/174) disse
que foi pessoalmente escolher os terrenos. Este comportamento não pode ser
considerado normal em uma Prefeitura de Município com aproximadamente
100 mil habitantes. O próprio Coordenador Geral sair em campo procurando
terrenos para desapropriar. O mais adequado, com certeza, seria designar uma
equipe técnica para tal escolha, baseando-se na real necessidade da
desapropriação do terreno para o Município. Estranha-se, muito que para todos
os projetos alegados para quais os terrenos seriam utilizados, estes até o
momento foram os únicos que foram declarados de utilidade pública.
Os três decretos foram expedidos no dia 15 de abril de
2015, na mesma data, como se evidencia pela cópia do diário oficial publicado
no dia 17 de abril de 2015 (05-06). Ou seja, três decretos desapropriatórios
com motivos distintos mas que recaíram sobre propriedade de uma mesma
pessoa. Pergunta-se por que só esses três?
E mais, em nenhum desses casos foi efetuada
comunicação prévia aos proprietários dos terrenos desapropriados. Veja-se
que, nos casos aqui narrados o nome dos proprietários não constaram nos
decretos de declaração de utilidade pública, como o Município normalmente
faz. Como demonstra o decreto 6671/2015, que menciona o proprietário.2
Mas não é só: a edição do diário oficial em que os decretos
foram publicados, estranhamente, não se encontrava disponível para consulta
no site da prefeitura, ao contrário também das demais edições, que podiam ser
acessados normalmente. Isso conforme comprova Escritura Pública De Ata
Notarial em anexo, lavrada em cartório da Comarca de Campo Mourão – PR,
Distrito de Piquirivaí em 28/04/2015 e registrada no livro 134-N, às folhas
117/119.
Ademais, importante ressaltar que as três propriedades
não são vizinhas, nem sequer próximas. Elas se encontram a quilômetros de
distância umas das outras: uma está localizada na saída para Maringá, outra
na saída para Goioerê e a terceira na saída para Iretama. O único ponto em
comum entre elas é serem de propriedade de familiares do ex-prefeito.
Em que pese haver divergência política, jamais pode-se se
aceitar, em um Estado Democrático de Direito, a utilização da máquina pública
2 Art. 1o Fica declarado de utilidade pública, para fins de desapropriação, para prolongamentoda Rua Uirapu, o Lote no 17-B, localizado na quadra no 11 da Vila Teixeira, Município eComarca de Campo Mourão, Estado do Paraná, com área de 564,77 m2 , de propriedade deMarcos Roberto Flores Betini, com os limites e confrontações constantes da Matrícula no32.706, do Registro de Imóveis 2o Ofício de Campo Mourão.
e prerrogativas inerentes de cargos públicos para perseguição particular e
política.
A Prefeita Regina Dubay assinou os decretos, tomando
ciência de todo o procedimento, e não tomou qualquer providência para evitar a
ilegalidade. Pelo contrário, mesmo sabendo do seu conteúdo e o desiderato de
Carlos Garcia, coordenador geral do Município quanto a desapropriação,
chancelou o ato de perseguição.
Portanto, os requeridos Carlos Augusto Garcia e Regina
Massaretto Bronzel Dubay em conluio, aproveitando-se das atribuições
inerentes aos seus cargos, cometeram atos de improbidade administrativa que
importaram em ofensa aos princípios que regem a Administração Pública, pois
agiram sem autorização e em desacordo com determinação legal e
regulamentar, como se verá adiante.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A Administração Pública, seja ela municipal, estadual ou
federal, é regida por um sistema jurídico diferenciado, o qual encontra-se
fundado e estruturado por princípios constitucionais e infraconstitucionais que
lhe inferem um caráter peculiar.
Destaca-se, dentre outros, o princípio da moralidade, da
legalidade, da impessoalidade, razoabilidade, da finalidade e da eficiência, que
devem ser primados e obedecidos, obrigatoriamente, pelos agentes que se
encontram às rédeas da Administração Pública.
Não só os princípios constitucionais estabelecem as regras de
conduta dos agentes públicos. Consoante com estes, diversas são as regras e
leis que estabelecem o procedere do administrador público no exercício do seu
poder delegado pelo povo.
O desrespeito e o descumprimento dos princípios que norteiam
a Administração, bem como das regras estabelecidas pela lei brasileira
constitui em grave violação ao tênue equilíbrio legal que separa a finalidade
pública da finalidade particular.
Tais atos, quando verificados, implicam na ocorrência da
improbidade administrativa, ou seja, a execução de ato contrário às regras de
probidade sujeitas aos princípios próprios da administração pública, bem como
das regras destas derivadas.
A Constituição Federal, amparada da legislação pátria,
estabelece em seu artigo 37, § 4º, que "os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, da perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
Todavia, como o citado preceito constitucional é norma de
eficácia limitada, só passou a produzir efeitos, ter aplicabilidade plena, com o
surgimento da Lei nº 8429/92, que definiu os atos de improbidade
administrativa, classificando-os em três espécies-atos que importam
enriquecimento ilícito (artigo 9º), atos que causam prejuízo ao erário público
(artigo 10) e atos que atentam contra os Princípios da Administração Pública
(artigo 11), e estabeleceu sanções, previstas no artigo 12, incisos I, II, III,
correspondentes, respectivamente àquelas três espécies.
Juntamente com as penalidades, o legislador reforçou a
obrigação de reparar o dano causado ao patrimônio público, o que já era
possível com base no artigo 129, inciso III, da Carta Magna, no artigo 159 do
Código Civil de 1916 e no artigo 1º da Lei 7437/85, previsão que ganhou
reforço com o artigo 25, inciso IV, a, da Lei n º 8625/93.
Embora a Lei 8.429/92, em seus artigos 9º, 10o e 11o conceitue
e traga rol exemplificativo de atos de improbidade administrativa, o resultado
lesivo e a transgressão à norma deverão ser verificados junto com a violação
dos princípios norteadores da Administração.
Preliminarmente, faz-se mister verificar que as condutas dos
requeridos, Carlos Augusto Garcia e Regina Massaretto Bronzel Dubay
violaram os princípios fundamentais da Administração Pública, em especial, a
legalidade, moralidade, a impessoalidade e razoabilidade.
2. DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
QUE ATENTARAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÂO
PÚBLICA
Os princípios da Administração Pública estão dispostos na
Constituição da República, em seu artigo 37, aos quais estão submetidos todos
os agentes públicos, em qualquer esfera de Poder, sujeitando o seu infrator nas
sanções de suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Reforça a Constituição, ainda, a Lei 8429/92 (Lei de
Improbidade Administrativa), ao prescrever, claramente:
“Art.11. Constitui ato de improbidade administrativa queatenta contra os princípios da administração públicaqualquer ação ou omissão que viole os deveres dehonestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade àsinstituições.”
Como se vê, os requeridos com as condutas já descritas
infringiram os princípios elementares da Administração Pública, sujeitando-se
as sanções pertinentes.
No dizer do jurista Paulo Bonavides:
“As regras vigem, os princípios valem; o valor que nelesse insere se exprime em graus distintos. Os princípios,enquanto valores fundamentais, governam aConstituição, o regímen, a ordem jurídica. Não sãoapenas a lei, mas O Direito em toda a sua extensão,substancialidade, plenitude e abrangência” ( in Curso deDireito Constitucional, Malheiros, 5ª edição, 1994, pág.260)
Para Celso Antônio Bandeira De Mello, na obra Curso de
Direito Administrativo, Malheiros, 5ª edição, 1994, p.451:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgrediruma norma qualquer. A desatenção ao princípio implicaofensa não apenas a um específico mandamentoobrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a maisgrave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade,conforme o escalão do princípio atingido, porquerepresenta insurgência contra todo o sistema, subversãode seus valores fundamentais, contumélia irremissível aseu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.Isso porque, com ofendê-lo abatem as vigas que osustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.”
Nesse sentindo, insta elencar em seguida os princípios da
Administração Pública violados pelos requeridos, na qualidade de Agentes
Públicos. A violação a estes princípios caracteriza a prática de atos de
improbidade, nos termos do artigo 11 da Lei 8429/92.
2.1 Da violação ao princípio da legalidade
A Administração Pública é regida pelo princípio da
legalidade, o qual significa, em relação à Administração Pública, que o
administrador só pode fazer o que a lei autorizar. Desta forma, a conduta da
administração deve seguir procedimentos previamente definidos e autorizados
por lei, e estar de acordo com os princípios que regem sua atuação.
Apesar de o ente público ter o dever de realizar suas
condutas vinculadas à lei, a própria lei abre exceções em que a Administração
possui uma pequena liberdade para agir. Essa pequena liberdade é
representada por uma margem de escolha conferida ao agente público, para
que este possa decidir, de acordo com critérios de conveniência e
oportunidade, qual a melhor conduta a ser realizada no caso concreto. Este é o
poder discricionário da Administração Pública.
Quando a Administração exerce seu poder discricionário,
ela está se utilizando de questões de mérito, chamado de mérito administrativo.
Em regra esse mérito administrativo não pode ser discutido pelo Poder
Judiciário, pois isso representaria uma violação ao princípio da separação dos
poderes. Mas excepcionalmente o Judiciário pode discutir o mérito, quando ele
possuir algum vício de validade, no caso da Administração Pública, uma ofensa
grave a algum de seus princípios.
Tal vício é justamente o que ocorreu na situação em tela.
O procedimento de desapropriação é dividido em duas fases, a fase
declaratória e a fase executória. A fase declaratória, objeto da presente ação,
tem como objetivo final a declaração da utilidade pública. Em que se pese
aparentemente os decretos, por si, de declaração no caso em tela, os de 6577,
6578 e 6579, obedeceram as formalidade legais, em sua forma, o
procedimento que o formou é completamente ilegal.
O procedimento antes da feitura do ato deve obedecer as
diretrizes principiológicas da administração pública. A procedimentalização para
a confecção de um ato administrativo serve como controle da sua legalidade.
Neste sentido, a lição de Marçal Justen Filho3:
Em suma, o processo é instrumento de grande relevânciapara o controle do poder estatal. Tomando-se aexpressão controle no sentido de fiscalização, o processopermite a verificação da regularidade dos atos decisórios.É possível determinar se a decisão foi precedida dasformalidades indispensáveis, com observância dosprincípios jurídicos pertinentes. A infração aoprocedimento acarreta, como regra, presunção deinvalidade da decisão anotada. Os terceiros ou a própriaautoridade que emitiu o ato dispõem da possibilidade dereconstrução histórica da formação e exteriorização davontade decisória.
Portanto percebe-se a importância de haver um
procedimento prévio a qualquer ato administrativo, sobretudo quando este
redundar na restrição de um direito.
Quando há interesse da Administração em realizar
alguma obra, ou algum serviço, é necessário que haja um planejamento, que
ela busque sempre as melhores propostas, as melhores opções, pois ela deve
sempre ter como finalidade o interesse público.
Portanto é evidente que diante do interesse em se
encontrar terrenos para que sejam realizadas determinadas obras, não cabe à
Administração simplesmente escolher certo terreno arbitrariamente, mas sim
levantar a relação de terrenos disponíveis no Município para que, após uma
análise de cada um, possa selecionar aquele que trará melhor custo-benefício
aos cofres públicos.
3 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 340.
Logicamente, alguns atos podem ser realizados de forma
mais célere, porém há atos que exigem um procedimento mais demorado,
como no caso da desapropriação. A desapropriação adentra no direito de
propriedade dos particulares, por isso mesmo pressupõe um procedimento
mais detalhado, exigindo que o administrador apresente a motivação para a
realização de tal ato, que demonstre que a Administração realizou a busca pelo
terreno de melhor custo-benefício e principalmente que comunique o
administrado que será desapropriado.
Esta última formalidade, decorrente dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, se encontra claramente
violada neste caso. Em momento algum a Administração, por meio dos
requeridos, comunicou os proprietários dos terrenos a respeito do interesse em
desapropriar tais terrenos, impedindo qualquer tipo de manifestação.
Celso Antônio Bandeira de Mello4 bem explica como o
princípio do contraditório e da ampla defesa decorre dos incisos LIV e LV, do
artigo 5º, da Constituição Federal:
Estão aí consagrados, pois, a exigência de um processoregular para que sejam atingidas a liberdade e apropriedade de quem quer que seja e a necessidade deque a Administração Pública, antes de tomardecisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lheoportunidade de contraditório e de defesa ampla, noque se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas.(grifo nosso)
No caso em tela, estar-se sem dúvida diante de uma
decisão gravosa a respeito da propriedade, como menciona Celso Antônio
Bandeira de Mello. Logo, no mínimo os proprietários dos terrenos deveriam ter
sido comunicados a respeito do procedimento de declaração de utilidade
pública.
4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 103.
Demonstrou-se ainda no procedimento um descompasso
entre o fim visado e os atos praticados em seu bojo.
Pelo que se infere dos documentos e declarações
colhidos no inquérito civil nº MPPR-0024.15.000616-1, não houve procura por
terrenos disponíveis no Município de Campo Mourão. Inicialmente foram feitas
apenas solicitações de avaliações dos imóveis: à fl. 19 há a solicitação de
avaliação do imóvel objeto do decreto nº 6579; à fl. 66 há a solicitação de
avaliação do imóvel objeto do decreto nº 6578; e à fl. 91 há a solicitação de
avaliação do imóvel objeto do decreto nº 6577.
É de se notar que nos pedidos de avaliação não há
nenhuma motivação, restando a dúvida: por quê o interesse de avaliar tais
terrenos para possível desapropriação? Em nenhum momento, antes da
publicação dos decretos, a Administração manifestou interesse em abrir ruas,
implantar projetos habitacionais ou instalar um parque tecnológico. Espera-se
que o administrador público busque sempre a melhor opção dentre as
disponíveis, isso pressupõe que haja uma procura.
Ora, de acordo com os documentos fornecidos pelo
Município de Campo Mourão, percebe-se que não houve nenhuma busca por
terrenos disponíveis no Município, o que houve foi simplesmente uma decisão
arbitrária de quais terrenos seriam desapropriados. A Administração deve
coletar todas as informações necessárias antes de realizar determinado ato,
neste sentido cita-se novamente Marçal Justen Filho5:
Por isso, a produção de ato regulamentar depende daobservância de formalidades prévias que assegurem àautoridade administrativa um processo de formação devontade completo, perfeito, informado por todos oselementos necessários e pertinentes. A ausência deobservância de um procedimento previamentedeterminado propicia a presunção de que a autoridadeadministrativa deixou de analisar adequadamente todas
5 Op. cit., p. 361.
as alternativas disponíveis e que a sua escolha resultoude juízos arbitrários. Enfim, a ausência de respeito aodevido procedimento configura exercício arbitrário dacompetência, infringindo o limite dadiscricionariedade. (grifo nosso)
Neste caso não houve respeito ao devido procedimento,
houve uma decisão arbitrária do próprio coordenador geral de governo, como
ele mesmo declarou perante esta Promotoria às fls. 173-174. Nesta mesma
declaração, o Sr. Carlos Garcia ainda afirmou que não sabia que os terrenos
desapropriados eram pertencentes à família Tezelli. Ora, as escrituras públicas
dos terrenos foram juntadas nas solicitações de avaliação, ou seja, pelas
escrituras ele saberia que tais imóveis pertenciam àquelas pessoas.
Além disso, como já mencionado alhures, os três decretos
foram expedidos no dia 15 de abril de 2015, na mesma data, como se
evidencia pela cópia do diário oficial publicado do dia 17 de abril de 2015 (fls.
05-06). Três decretos desapropriatórios com motivos distintos mas que
recaíram sobre propriedades de uma mesma pessoa.
É claro que não foi apenas coincidência. Os Requeridos
tinham ciência de quem eram os proprietários de tais terrenos, já que as
escrituras públicas estavam presentes no procedimento administrativo de
desapropriação. A finalidade buscada pelos Requeridos não era o interesse
público, era o interesse privado, o interesse de perseguir politicamente a família
Tezelli.
Quando a Administração Pública não tem o interesse
público como fim, ocorre o desvio de finalidade ou desvio de poder, uma das
espécies de abuso de poder.
José dos Santos Carvalho Filho6 ensina que o desvio de
poder “é conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre desse fato a6 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26 ed. rev., ampl. e atual.
São Paulo: Atlas, 2013, p. 49.
dificuldade na obtenção da prova efetiva do desvio, sobretudo porque a
ilegitimidade vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalidade”.
É justamente o que vemos no caso em tela. Os decretos
de desapropriação aparentemente encontram-se de acordo com a lei, porém a
motivação deles é viciada, pois o motivo como visto era perseguir particulares.
Os Administradores se aproveitaram da discricionariedade do procedimento
prévio à expedição do decreto, não apresentando motivação, nem procedendo
a buscas por outros terrenos.
Para se comprovar o desvio de poder deve-se buscar os
sintomas que denunciam o desvio de finalidade por parte do agente, melhor
explicado nas palavras de José Cretella Junior, em sua obra Anulação do Ato
Administrativo por Desvio de Poder7:
Denominamos “sintoma” do desvio de poder qualquertraço, interno ou externo, direto, indireto ou circunstancialque revele a “distorção” da vontade do agente público aoeditar o ato, praticando-o não por motivo ou interesse“público”, mas por motivo “privado.
No presente caso pode-se perceber os sintomas
mencionados por Cretella Junior. Primeiro pela forma como foi realizado o
procedimento prévio à expedição dos decretos, ou seja, sem busca por outros
terrenos disponíveis ou sem explicar os motivos dos pedidos de suas
avaliações. Segundo o fato da expedição dos três decretos no mesmo dia,
sendo que possuíam finalidades distintas. E por fim, as declarações das
testemunhas colhidas no inquérito civil nº MPPR-0024.15.000616-1 que
deixaram claro a perseguição política.
O desvio de finalidade é um sintoma que demonstra também
um vício da motivação dos atos, conforme a teoria dos Motivos Determinantes.
7 CRETELLA JUNIOR, José. Anulação do Ato Administrativo por Desvio de Poder. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 106.
Segundo esta teoria, se os motivos que ensejaram a realização
de um ato são inexistentes, o ato será nulo. Ensina, neste sentido Hely Lopes
Meirelles8, “tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e,
por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade”.
Portanto, considerando que o motivo dos decretos que
declararam a utilidade pública dos terrenos não foi o interesse público, e sim
particular, tais decretos violaram frontalmente a legalidade, e devem ser
declarados nulos.
2.2 Da violação ao princípio da moralidade
O direito, como bem define o ilustre filósofo Miguel Reale, é
fato, valor e norma. A teoria tridimensional do direito, mais completa e bem
embasada teoria dedicada a contextualizar o direito, impede que seu intérprete
afaste qualquer um de seus elementos fundamentais, pois, a cada análise
concreta, observa-se, conforme a ótica, um de seus conteúdos em evidência.
Assim, o legislador constituinte, atento, positivou a moralidade
como princípio constitucional a ser rigorosamente obedecido pelo
Administrador Público. Não ao acaso, eis que o valor inerente ao direito se
aproxima muito do campo da moral.
Atender a moral, para o direito, significa aplicar e obedecer
valores que são bem recebidos, apreciados e estimulados pela sociedade.
Destaca-se a lição do professor José Dos Santos Carvalho Filho, na obra
“Manual de Direito Administrativo”, 9ª edição, RT, pág. 15:
“O princípio da moralidade impõe que o administradorpúblico não dispense os preceitos éticos que devem estarpresentes em sua conduta. Deve não só averiguar oscritérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas
8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Editora Malheiros,2006, p. 197.
ações, mas também distinguir o que é honesto oudesonesto.”
Assim, a moral tem por objeto o comportamento humano regido
por regras e valores morais, que se encontram gravado em nossas
consciências, e não apenas nos códigos.
Sobre o conteúdo jurídico do princípio da moralidade nos
explica Lúcia Valle Figueiredo, in “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo;
Malheiros Editores.1994.pag.45:
“O princípio da moralidade vai corresponder ao conjuntode regras de conduta da Administração que, emdeterminado ordenamento jurídico são considerados osstandards comportamentais que a sociedade deseja eespera”.
Desta forma, não pode o agente público desprezar o elemento
ético de sua conduta. Ao revés, deve repudiar a prática de atos desonestos ou
imorais, mesmo que amparados por lei, sob pena de incorrer em violação de
um princípio constitucional que rege a Administração Pública, e via de
consequência, ficar sujeito às penas pela prática de ato de improbidade
administrativa.
Evidentemente não é moral, não é honesto, não está de acordo
com as regras de conduta da Administração, e não corresponde aos padrões
comportamentais que a sociedade deseja e espera ver agentes públicos
auferindo qualquer tipo de vantagem indevida visando unicamente a satisfazer
interesses privados em razão do exercício de cargo.
Destarte, os requeridos em momento algum harmonizaram
seus atos com princípio da moralidade, pelo contrário, dotado de má-fé, com
único objetivo de satisfazer o seu ego, praticaram atos administrativos com o
fito de prejudicar seu adversário.
2.2 Da violação ao princípio da Razoabilidade
O princípio da razoabilidade está relacionado com a
proporcionalidade do ato, dá a ideia de a Administração Pública utilizar-se dos
meios adequados, de forma razoável, para se chegar aos fins. Segundo Hely
Lopes Meirelles9 o princípio da razoabilidade “objetiva aferir a compatibilidade
entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou
abusivas por parte da Administração Pública”. São justamente essas restrições
abusivas que estão ocorrendo no presente caso.
Por mais que seja permitido à Administração realizar
desapropriações, parece estranho, e nada razoável, que a Administração
realize três desapropriações sobre terrenos da mesma família, principalmente
ocorrendo as elas no mesmo dia. É uma medida que recai em excesso sobre
determinado particular, sendo que existem outros terrenos disponíveis no
Município.
Fica claro que a Administração utilizou-se de seu poder
discricionário para agir de forma desarrazoada. Celso Antônio Bandeira de
Mello10 traz boa explanação acerca da falta de razoabilidade da Administração
no exercício de seu poder discricionário:
“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certaliberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiuo encargo de adotar, ante a diversidade de situações aserem enfrentadas, a providência mais adequada a cadaqual delas. Não significa, como é evidente, que lhe hajaoutorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seulíbito, de seus humores, paixões pessoais,excentricidades ou critérios personalíssimos, e muitomenos significa que liberou a Administração para
9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p.93.
10 Op. cit., p. 97.
manipular a regra de Direito de maneira a sacar delaefeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicada”.
Percebe-se que este caso em questão se amolda aos
ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello. Pautados por motivos
pessoais, os Requeridos procederam à desapropriação de três terrenos que
pertenciam à família Tezelli. Três decretos com motivações diferentes
expedidos no mesmo dia.
2.2 Da violação ao princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade, expressão sinônima de princípio
da finalidade, é aquele que impõe ao administrador público apenas a prática de
atos para o seu fim legal. A finalidade, portanto, terá sempre o objetivo certo e
inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público.
Ao dissertar sobre o princípio da impessoalidade a professora
Maria Sylvia Zanello Di Pietro, na obra “Direito Administrativo”, 5ª edição, Atlas,
pág. 64, ensina que:
“Significa que a Administração Pública não podeatuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoasdeterminadas, uma vez que é sempre o interessepúblico que tem que nortear o seu comportamento”.
Nesse sentido, importante frisar que o atributo da
impessoalidade é consequência do dever de imparcialidade, ou seja, exige-se
que os atos administrativos sejam atribuídos ao ente administrativo, não à
pessoa do administrador, o qual é mero instrumento utilizado para implemento
das finalidades próprias do Estado.
O professor José dos Santos Carvalho Filho ensina que:
“A referência a esse princípio no texto constitucional, noque toca ao termo impessoalidade, constituiu uma
surpresa para os estudiosos, que não o empregavam emseus trabalhos. Impessoal é ‘o que não pertence parauma pessoa em especial’, ou seja, aquilo que não podeser voltado especialmente a determinadas pessoas. Oprincípio objetiva a igualdade de tratamento que aAdministração deve dispensar aos administrados que seencontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto,representa uma faceta do principio da isonomia. Por outrolado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve aAdministração voltar-se exclusivamente para o interesse
público, e não para o privado”. 11
Destarte, é defeso que a administração pública seja utilizada
para benefício particular. Percebe-se, portanto, o claro desvio de finalidade do
interesse público nos atos praticados em prol do benefício particular dos
requeridos, visto que, houve uma grande irregularidade, ou seja, interesse
particular ao contrário do interesse público.
Em outras palavras, não padece de dúvidas a afronta ao
princípio da impessoalidade, onde as condutas dos requeridos usaram critérios
subjetivos apenas com o intuito de prejudicar os sócios da empresa BNY, pois
devem ser obedecidos os critérios objetivos. O administrador fica impedido de
buscar outro objetivo ou praticar ato de interesse próprio ou de terceiros.
O que o princípio veda é a prática de ato administrativo sem
interesse público, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por
favoritismos ou perseguição dos agentes governamentais, conforme pode-se
constatar no termo de declaração do Sr. Rômulo Luis Sonsin De Oliveira Aguiar
de fls. 168.12 11 CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 26. – São Paulo: Atlas,
201312 “Que o declarante confirma o teor da informação de fls. 135 dos autos de ProcedimentoPreparatório n. MPPR-024.15.000616-1, que há aproximadamente quatro meses, por volta das11 horas da manhã, em uma conversa informal com o Sr. Marcio Berbet, este perguntou aodeclarante se os seus amigos, filhos de Tauillo Tezelli, estariam bravos com ele; que MarcioBerbet lhe informou que Marton Tezelli estaria pedindo na Prefeitura de Campo Mourão osdocumentos relativos à desapropriação de terrenos de sua família; que Marcio Berbet disseque as declarações de utilidade pública da desapropriação foram maneira de retaliar a famíliaTezelli, porque através da imprensa estariam retaliando a prefeita, Regina Dubay; que MarcioBerbet ainda falou que a Prefeitura havia avaliado os imóveis por muito menos em relação aovalor de mercado, e assim, os familiares de Tauillo receberiam o valor a menor Nada mais
Destarte, por disposição expressa da Lei de Improbidade
Administrativa (artigo 4º), é dever de todos os agentes públicos, de qualquer
nível e esfera hierárquica, exercer as suas funções com observância dos
princípios da moralidade, impessoalidade e razoabilidade, tendo em vista
sempre o interesse público e o bem estar social.
Portanto, descreve a Lei 8.429/92 como ato de improbidade
administrativa aqueles que atentam contra os princípios da administração
pública, nos termos do artigo 11 da Lei 8.429/92.
III – DA NULIDADE DOS DECRETOS DE DESAPROPRIAÇÃO
Como visto no tópico 2.1, a conduta da Administração
Pública no presente caso foi de encontro aos princípios que regem sua
atuação. No mesmo sentido, as condutas da Administração que ferem seus
princípios norteadores são consideradas como ilegais, ensejando assim a
nulidade de tais atos.
Considerando que os procedimentos administrativos
prévios às desapropriações se encontram viciados por ofenderem os princípios
administrativos apresentados, os decretos desapropriatórios também se
encontram contaminados por esse vício, devendo ser anulados. Neste sentido,
é perfeitamente cabível o entendimento dos “frutos da árvore envenenada”,
teoria adotada no direito processual, referente, em sua origem, à legalidade
das provas obtidas por meio ilícito.
Como é que um procedimento viciado, isto é, com sua
origem manifestadamente ilícita, em outras palavras, envenenada, pode vir a
“prosperar e render bons frutos”?
declarou”.
Pelo conjunto fático descrito, bem como dos argumentos
de direito expostos, verifica-se que os requeridos praticaram atos de
improbidade administrativa, por violação dos princípios da administração
pública.
Tanto Regina Massareto Bronzel Dubay quanto Carlos
Augusto Garcia possuem cargos que determinam as diretrizes gerais do
Município de Campo Mourão/PR.
O Requerido Carlos Garcia claramente agiu com desvio
de finalidade, praticando atos de perseguição, conforme demonstrado pelos
documentos e provas testemunha. Empenhou-se pessoalmente para os atos
declaração de utilidade pública , aproveitando-se do seu cargo de Coordenador
Geral do Município.
Por sua vez, a Requerida Regina Dubay, Prefeita do
Município de Campo Mourão, acompanhou todo o proceder do Sr. Carlos
Garcia dando o seu aval a todos os atos praticados por ele. Em suas
declarações (fls. 173-174) Carlos Garcia deixou bem claro que a Requerida
tinha conhecimento de suas condutas, e assinou os decretos de
desapropriação quando estes chegaram a ela.
Por tal razão, deve o ato produzido pelo Município de
Campo Mourão ser considerado nulo, não devendo produzir efeitos jurídicos.
V – PEDIDO LIMINAR DE AFASTAMENTO DE CARLOS GARCIA
Pelos fatos expostos até o momento, tudo indica que há
grande probabilidade de que Carlos Garcia esteja realizando perseguição
política à família Tezelli.
Em função do cargo ocupado por ele na Prefeitura de
Campo Mourão e por suas prerrogativas, há grande chance de que ele obste a
instrução processual, de modo a ocultar ou manipular provas, podendo, por
exemplo, manipular os procedimentos prévios às desapropriações. Nesses
termos traz a Lei n. 8429/92:
Art. 20. (…)Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativacompetente poderá determinar o afastamento do agentepúblico do exercício do cargo, emprego ou função, semprejuízo da remuneração, quando a medida se fizernecessária à instrução processual.
O dispositivo supracitado é um instrumento que facilita a
busca pela verdade real pelo magistrado, de modo que poderá garantir a
verossimilhança das alegações no decorrer do processo. Como se vê na lição
de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves13:
Por intermédio do afastamento provisório do agente,busca o legislador fornecer ao juiz um importantíssimoinstrumento com vistas à busca da verdade real,garantindo a verossimilhança da instrução processual demodo a evitar que a dolosa atuação do agente,ameaçando testemunhas, destruindo documentos,dificultando a realização de perícias etc., deturpe oudificulte a produção a produção dos elementosnecessários à formação do convencimento judicial.Busca-se, enfim, propiciar um clima de franco e irrestritoacesso ao material probatório, afastando possíveis óbicesque a continuidade do agente no exercício do cargo,emprego, função ou mandato eletivo poderiaproporcionar.
Como já explicado, os atos de desvio de poder,
representados no presente caso pela perseguição política, disfarçada de
desapropriação, imprescindem da prova testemunhal, como aquela já colhida
através do depoimento de declarantes que compareceram nesta 3ª Promotoria.
13 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1039.
Considerando que as testemunhas que prestaram
declarações são conhecidas pelo Requerido Carlos Garcia, este poderia
utilizar-se de seu cargo para realizar perseguição também contra tais
testemunhas, de forma a intimidá-las, frustrando os seus depoimentos em
juízo. Aliás, este parece ser o comportamento comum do requerido, como se
demonstra nesta ação: a perseguição.
Constata-se que estão presentes os critérios do risco de
dano irreparável à instrução processual e a plausibilidade da pretensão de
mérito.
Visualiza-se este entendimento no seguinte Acórdão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO CARGOPOR 180 DIAS – ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI8.429/92 - RISCO À INSTRUÇÃO PROCESSUAL -DEMONSTRAÇÃO DO FUMUS BONI IURIS E DOPERICULUM IN MORA - COAÇÃO DE TESTEMUNHAS -MANIPULAÇÃO DE PROVAS - ACERTO DA DECISÃO -TÉRMINO DO MANDATO - PERDA DO OBJETO. 1. Oart. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, possibilita oafastamento do agente público do exercício do cargo,emprego ou função, sem prejuízo da remuneração,quando a medida se fizer necessária à instruçãoprocessual. 2. Presença do fumus boni iuris bem comodo periculum in mora, a justificar o afastamentoliminar do agravante do exercício do cargo dePrefeito do Município de Vazante, a fim garantir aadequada instrução da ação civil pública. 3.Constatação de que o então Prefeito, por meio de suaassessoria jurídica, intimidou testemunhas dos fatosinvestigados, em flagrante manipulação de provasimprescindíveis ao regular deslinde do processo. 4.Término do mandato, e assunção do novo Prefeito aocargo de Chefe do Executivo. 5. Recurso prejudicadopela perda do seu objeto. (TJ-MG - AI10710120009497002 MG, Rel. Desembargadora ÁuresBrasil, julgamento em 17/01/2013, 5ª Câmara Cível, datada publicação 22/01/2013). (grifo nosso)
Portanto faz-se mister a necessidade do afastamento
liminar do Coordenador Geral de Governo do Município de Campo Mourão/PR,
Carlos Augusto Garcia, o qual, caso permaneça em seu cargo, poderá frustrar
a instrução processual através da intimidação ou perseguição de testemunhas.
IV – DOS PEDIDOS
Face os fundamentos acima mencionados, requer o
Ministério Público do Estado do Paraná:
I) Sejam os requeridos notificados para, querendo, ofertar
defesa preliminar, nos termos do que dispõe o parágrafo 7º, do artigo 17, da Lei
n. 8.429/92 (acrescido pela Medida Provisória n. 2.225, de 04.09.01).
II) Após a suplantação dessa fase, com ou sem defesa
preliminar, seja recebida a inicial, determinando-se a citação dos requeridos
para que, querendo, contestem a presente, sob pena de revelia.
III) A procedência do pedido de provimento jurisdicional
para o fim de que:
a) Sejam declarados inválidos os decretos de números
6577, 6578 e 6579;
b) Sejam os requeridos Carlos Augusto Garcia e Regina
Massaretto Bronzel Dubay condenados nas penas estipuladas no artigo 12, in-
ciso III, da Lei n. 8.429/92, em razão da prática de atos de improbidade admi-
nistrativa que violaram os princípios da Administração Pública, capitulados no
artigo 11, caput e inciso I;
c) Seja o requerido Carlos Augusto Garcia afastado do
cargo de coordenador geral de governo do Município de Campo Mourão/PR,
nos termos do artigo 20, parágrafo único da Lei 8.8429/92.
Protesta pela produção de provas, consistentes, principal-
mente, no depoimento pessoal dos requeridos, na oitiva de testemunhas, cujo
rol será oportunamente apresentado, em prova pericial e na juntada de docu-
mentos que se fizerem necessários, além daqueles que embasam a presente
ação.
V – VALOR DA CAUSA
Dá-se a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
Termos em que,
Pede deferimento.
Campo Mourão, 16 de Outubro de 2015.
MARCOS JOSÉ PORTO SOARES
PROMOTOR DE JUSTIÇA