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Ética Empresarial e Governança Corporativa –

a primeira, inexistente – a segunda, inadequada,

inconsistente, imoral, inconstitucional, ilegal e

nociva Flavio Farah*

Este texto é um resumo que contém as principais conclusões de um amplo estudo sobre Ética Em-

presarial e Governança Corporativa. Como referencial teórico do estudo, realizou-se: a) uma análise

da base doutrinária do conceito tradicional de Governança Corporativa; b) uma análise do conceito

de Ética Empresarial. A parte prática, cujas considerações foram baseadas no referencial teórico,

consistiu em investigar as cem maiores empresas brasileiras em 2012, classificadas como tais pela

revista Exame em função de suas vendas líquidas, com a finalidade de verificar se possuem um Có-

digo Deontológico e, em caso afirmativo, qual o respectivo teor.

Dentre as cem empresas investigadas, constatou-se que 69 (sessenta e nove) possuem um Código

Deontológico. Descontados os Códigos repetidos pertencentes a organizações do mesmo grupo eco-

nômico, foram encontrados 59 (cinquenta e nove) Códigos Deontológicos diferentes. Todos os Có-

digos foram analisados.

As principais conclusões do estudo foram as seguintes:

1) O conceito tradicional de Governança Corporativa baseia-se na teoria do acionista, uma doutri-

na inadequada, inconsistente, imoral, inconstitucional, ilegal e nociva.

2) Presentemente, defrontam-se dois conceitos de Ética Empresarial, um deles, verdadeiro, e o ou-

tro, falso. O verdadeiro define Ética Empresarial como Ética da empresa. O falso concebe Ética

Empresarial como Ética na empresa.

3) Ética Empresarial deve ser definida como Ética da Empresa porque: a) a organização possui

uma conduta institucional que não se confunde com a conduta individual de seus membros; b) a

existência de uma conduta institucional implica que a empresa é um agente moral cuja conduta

afeta a sociedade; c) a Ética na empresa representa uma mera extensão da Ética individual; d) a

empresa é uma instituição social que atua em nome da sociedade para cumprir finalidades so-

ciais específicas, razão pela qual a empresa tem que prestar contas de sua conduta institucional a

essa mesma sociedade; e) excetuando-se os casos de corrupção envolvendo agentes públicos, a

Ética da empresa possui um impacto social bem maior do que a Ética na empresa.

4) Governança Corporativa não se confunde com Ética Empresarial. Ética Empresarial diz respeito

às responsabilidades da empresa para com a sociedade, enquanto Governança Corporativa refe-

re-se às responsabilidades dos diversos órgãos da empresa para com os acionistas.

5) Os dados do estudo sugerem que as empresas não adotam um Código Deontológico por convic-

ção própria sobre a importância da Ética, mas sim, por exigência externa ou por interesse, para

satisfazer os investidores ou melhorar a própria imagem.

6) Com exceção de dois deles, nenhum dos Códigos possuem o espírito de um verdadeiro Código

de Ética Empresarial tampouco seu objetivo é prestar contas à sociedade como um todo, mas

apenas aos acionistas, razão pela qual esses documentos não merecem o nome de Código de Éti-

ca, devendo denominar-se Código de Governança Corporativa.

7) Algumas empresas, por meio de seus Códigos, expressam preocupação exclusiva com a própria

sobrevivência, isto é, com os danos que os empregados possam lhes causar, dando pouca ou ne-

nhuma importância aos danos que sua conduta institucional possa causar à sociedade.

8) Alguns Códigos expressam claramente a profissão de fé das respectivas companhias na inaceitá-

vel teoria do acionista.

9) Quase todos os Códigos exaltam, equivocadamente, atributos que não constituem valores mo-

rais tais como, integridade, honestidade, lealdade, transparência, dignidade e coragem.

10) Quase todos os Códigos contêm, indevidamente, um rol explicativo dos valores organizacionais,

o que contribui para tornar desnecessariamente prolixos esses documentos e confundir o leitor.

11) Quase todos os Códigos insultam a Ética ao prescrevê-la como meio de alcançar objetivos em-

presariais como, por exemplo, conquistar clientes.

12) Para o caso de um empregado se encontrar em situação imprevista, alguns Códigos fornecem

uma relação de perguntas para serem usadas como critérios de tomada de decisão, perguntas que

constituem critérios de moralidade inadequados.

13) Os Códigos: a) abusam da linguagem descritiva, que é imprestável para enunciar regras de con-

duta; b) contêm enunciados incabíveis como provérbios e frases de auto-ajuda; c) falham ao não

utilizar a linguagem mais adequada: a normativa.

14) Os Códigos contêm frases e termos inadequados, equívocos conceituais, ambiguidades e reda-

ção tortuosa. Como exemplos, podem-se citar: conceitos errôneos sobre Ética, objetivos empre-

sariais que nada têm a ver com Ética, direitos expressos como se fossem deveres, expressões

equivocadas como somatória da conduta, erros diversos no uso da palavra atitude, não diferen-

ciação entre erro e ato ilícito, equívoco no uso de termos como princípio e política, erro no uso

de expressões como ação coletiva, erro nos conceitos de assédio sexual e assédio moral e vários

outros.

15) Alguns Códigos contêm erros gramaticais como erros de concordância, de regência e de coloca-

ção pronominal, bem como uso errôneo de conjunções coordenativas alternativas.

16) Alguns Códigos contêm prescrições eticamente questionáveis tais como, competição interna e

valorização da conduta ética.

17) No tocante aos empregados, todos os Códigos confundem diversidade com não discriminação;

omitem certos fatores discriminatórios; falham ao não exigir o uso de ferramentas válidas de

seleção de pessoas; falham ao não proibir a exigência de candidatos superqualificados nos pro-

cessos seletivos; falham ao se omitirem sobre a questão da fixação de metas, do projeto do tra-

balho e da sobrecarga de trabalho, que constituem as principais causas de estresse no trabalho.

18) No tocante aos clientes e consumidores, várias empresas manifestam boas intenções em relação

a eles, mas essas boas intenções são anuladas por três grupos de empresas que cometem imorali-

dades.

19) Em relação aos fornecedores, alguns Códigos contêm normas com aspectos positivos, tais como

aquelas sobre adoção de princípios de licitações públicas e sobre proibição da imposição de con-

dições comerciais, ao passo que outros contêm sérias omissões, tais como nas normas sobre ne-

cessidades específicas da empresa e sobre negociações com fornecedores.

20) No tocante aos concorrentes, muitos Códigos confundem concorrência desleal com infração à

ordem econômica.

21) Pouquíssimos Códigos fazem menção a duas medidas indispensáveis para que sejam cumpridas

as obrigações contidas em seu texto: políticas e auditoria.

22) As deficiências apontadas nos parágrafos anteriores, especialmente aquelas relatadas nos itens 9

a 14, sugerem que os responsáveis pela elaboração e aprovação dos Códigos não possuem base

conceitual em Ética. Não obstante, nenhum dos Códigos menciona o treinamento em Ética.

23) Embora não fizesse parte do escopo do trabalho, foram verificadas incidentalmente as seguintes

deficiências adicionais que parecem constituir um padrão:

Comitê de Ética constituído de executivos;

Conselho de Administração alheio à questão da Ética;

Comitê de Ética com funções executivas.

24) Algumas empresas que possuem um Código Deontológico têm sido repetidamente processadas e

condenadas pela Justiça.

25) Dentre as cem maiores empresas brasileiras, apenas três se encontram entre as mais éticas do

mundo.

26) Os dados contidos no estudo sugerem que, no Brasil, como regra, não existe Ética Empresarial.

*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: [email protected].


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