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SECRETARIA DE ESTADO
DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO
ESTRUTURAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DE UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA NAS UNIDADES SOCIOEDUCATIVAS DO
ESTADO DE MATO GROSSO
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PROPOSTA
ESTRUTURAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DE UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA NAS UNIDADES SOCIOEDUCATIVAS DE
MATO GROSSO
Cuiabá – MT
Fevereiro/2011.
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“Eu agora diria a nós, como educadores e
educadoras: ai daqueles e daquelas, entre nós, que
pararem com sua capacidade de sonhar, de inventar a
sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e
daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o
amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o
hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que, em
lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelarem a
um passado de exploração e rotina”.
Paulo Freire
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Esta proposta é o resultado do profundo engajamento de um Grupo de Trabalho
de Profissionais da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Estado de
Mato Grosso que acreditam que “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo
começo qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim”.
Silval da Cunha Barbosa
Governador do Estado
Rosa Neide Sandes de Almeida
Secretária de Estado de Educação
Fátima Aparecida da Silva Resende
Secretária Adjunta de Política Educacional
Paulo Henrique L. de Oliveira
Secretária Ajunto de Gestão de Políticas Institucionais de Pessoal
José Ricardo Elias
Secretário Adjunto de Estrutura Escolar
Antônio Carlos Ióris
Secretária Ajunto Executivo do Núcleo Educacional
Superintendência de Educação Básica
Aidê Fátima de Campos
Superintendência de Diversidades Educacionais
Débora Eriléia Pedrotti Mansilla
Grupo de Trabalho
Francismeire Pedrosa da Silva - Coordenadora
Criseida Rowena Zamboto de Lima
Kátia Aparecida da Silva Nunes Miranda
Tânia Regina Maciel
Colaboradores
Djane Borges Souza Matta
Ivone Machado Nogueira
Paulo de Araujo de Melo
Sonizete das Graças Miranda
Silvana Fátima Camilo de Anchieta
Silvio Alves Nogueira
Teresinha Maria da Costa
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 6
1. ATENDIMENTO DO CENTRO SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DE MATO
GROSSO................................................................................................................... 11
1.1 Situação Atual da Unidade de Internação Masculina em Cuiabá .................... 11
1.2 A Natureza Pedagógica da Medida Socioeducativa ........................................ 13
1.3 Orientações para ações sociopedagógicas. .................................................... 17
1.4 Ações pedagógicas no Centro Socioeducativo ................................................ 19
1.5 Formação Integral ............................................................................................ 22
1.6 Ações socioeducativas mediantes projetos .................................................... 23
1.7 Concepção Metodológica ................................................................................. 25
1.8 Métodos Globalizados ...................................................................................... 28
1.9 Educação Profissional ...................................................................................... 30
1.10 Perfil Profissional ........................................................................................... 32
1.11 Formação continuada dos atores sociais do sistema socioeducativo ............ 34
1.12 Avaliação da Proposta ................................................................................... 36
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 37
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ..................................................................... 38
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APRESENTAÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente–ECA, instituído pela Lei 8.069,
de 13/07/1990, contrapõe-se historicamente a um passado de controle e exclusão
social sustentado na Doutrina da Proteção Integral.
Pela primeira vez na história brasileira a questão do adolescente tem
prioridade absoluta, transformando o mesmo em cidadão sujeito de direitos e
deveres, estabelecendo regras de prioridade dentro das Políticas Públicas, trazendo
através dos seus artigos a ampliação e divisão das responsabilidades entre a
família, o Estado, a sociedade e a comunidade, conforme preconiza o artigo 4º do
ECA.
Apesar das grandes conquistas na promoção dos Direitos Humanos no
Brasil, ainda tem-se como desafio a materialização desses direitos. Grandes
números de adolescentes vivem privados de condições de acesso a patamares
mínimos de desenvolvimento, bem estar, cidadania e políticas públicas que possam
fomentar seus direitos. Tais situações os tornam um segmento de elevada
vulnerabilidade social.
São necessárias profundas reflexões sobre a medida de internação, pois
é a medida que menos produz resultados positivos, associados aos graves efeitos
da institucionalização. Tem predominado um atendimento que desapropria o
adolescente da sua autoestima, reduz as alternativas de reconhecimento social e
dificulta o acesso aos seus direitos.
O atendimento nas unidades de internação é, em geral, insatisfatória e o
clima institucional favorece a continuidade na criminalidade segundo a inspeção
nacional de unidades socioeducativas de internação.
O modelo hegemônico de execução das medidas socioeducativas em
meio fechado é visto como falido fracassado segundo (Costa/2005). Considera
urgente que os responsáveis pela execução das medidas repensem as usas
concepções e práticas a fim de corresponderem ao ordenamento jurídico do ECA.
Essa proposta visa apresentar medidas que proporcionem resultados
mais efetivos para toda sociedade e essas transformações aspiram por reformas na
política de atendimento a essa população que cumpre medida socioeducativa de
internação.
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No tocante ao processo de reeducação do jovem envolvido em prática
infracional tivemos alguns avanços, mas reconhecemos que diante dos resultados
obtidos nessa área, as ações ainda são muito tímidas e primárias.
É necessário que se conheça o problema e façamos uma reflexão
elegendo princípios de uma ação socioeducativa que oportunize o efetivo
desenvolvimento do adolescente, no período em que se encontrar cumprindo
medida ou no aguardo da decisão judicial.
Nesse sentido, é crescente a preocupação com a forma de tratamento
dispensado aos adolescentes acautelados pelo Estado em regime de internação ou
a seu aguardo. Espera-se que o local ofereça um atendimento muito mais amplo que
a simples repressão aos atos infracionais, onde se possa fazer uso da política de
natureza sócio-pedagógica, haja vista que sua execução esta condicionada a
garantia de direitos e ao desenvolvimento de ações educativas que visem a
formação da cidadania.
O Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina que quando da
aplicação das medidas socioeducativas levar-se-ão em conta as necessidades
pedagógicas do autor, a natureza da infração cometida, a inclusão em programas
comunitários, matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino
fundamental.
Apesar do ECA ter apresentado mudanças significativas e conquistas em
relação ao método e a gestão de medidas sócioeducativas, ainda estão apenas no
plano jurídico e político-conceitual, não chegando efetivamente aos seus
destinatários. Essa situação pode ser constatada em muitos Centros
Socioeducativos do país, bem como também no Estado de Mato Grosso que ainda
não contemplou de forma efetiva as novas diretrizes do ECA.
Muitas vezes adolescente em conflito com a lei sofre violências dentro de
um sistema que, por certo, deveria reeducar situação esta que acaba acentuando o
desrespeito, a omissão, a frieza, quando deveria cultuar outros princípios que
proporcionassem expectativas de um futuro melhor. Na maior parte das vezes o
efeito da privação da liberdade para adolescentes dificultam a sua inserção social e
colaboram para que esses jovens permaneçam desempregados, desamparados,
aumentando a possibilidade de reincidirem no crime. A prisionalização na unidade
de privação de liberdade contradiz os princípios do ECA.
Para reverter essa realidade ainda serão necessárias grandes mudanças
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como o reordenamento institucional das Unidades de Internação, ampliação do
sistema atendimento as medidas em meio aberto, organização em rede de
atendimento com a efetivação da integração dos órgãos do judiciário, Ministério
Público, Defensoria, Segurança Pública, Assistência Social, Educação, para o
atendimento ao adolescente em conflito com a Lei.
Acreditamos que o comportamento humano é passível de transformações,
promover mudanças é possível e no caso do adolescente em cumprimento de
medida ou a seu aguardo, o sistema socioeducativo deve ser um divisor de águas
para dar início a esse processo, constituindo experiências e mudanças que apontem
para novas direções dentro dos padrões sociais aceitos.
Sabemos que essa instância de forma isolada não devolverá aos
adolescentes o que historicamente tem lhes sido expropriado, como as condições de
vida digna e o exercício pleno da sua cidadania. Contudo, acreditamos que o
processo educativo poderá ser exercido a partir de novas experiências.
Estudiosos apontam para três eixos que devem nortear trabalhos que
busquem mudar trajetórias de adolescentes infratores, os quais são:
Desenvolvimento da capacidade de projetar sua vida numa perspectiva
temporal;
Desvinculação do adolescente de práticas infracionais a fim de que não
haja reincidências;
Fortalecimento dos vínculos afetivos, sendo este um dos mais
importantes no trabalho a ser desenvolvido com adolescente em situação de
vulnerabilidade social.
Há um imenso abismo entre a proposta do ECA e a realidade concreta,
vivenciada pelos adolescentes em conflito com a lei, daí as proposições da lei não
passando de formulações abstratas. A categoria chamada de delinqüência juvenil,
geram reações e sentimentos hostis de grupos sociais que não analisam o contexto
sócio-econômico, político e cultural em que vivem. Normalmente, tais reações são
imediatistas e expressam um desejo de simplesmente excluir, ainda mais, esta
camada da população, sem que exista alguma mobilização para a transformação
desta realidade. Nota-se, também, um processo de culpabilização direcionado ao
adolescente, à família deste e, até mesmo, ao ECA.
A Secretaria de Estado de Educação juntamente com a Secretaria de
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Estado de Justiça e Segurança Pública por meio da Polícia Judiciária Civil,
observando os direitos previstos no Estatuto da Criança e do adolescente e no
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, propõe através desse trabalho
ressignificar as ações desenvolvidas no Centro Socioeducativo de Cuiabá.
O Centro Socioeducativo de Cuiabá, a partir de janeiro de 2003, através
do Decreto 04 do Governador, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança
Pública assumiu a gestão da política de atendimento do adolescente em conflito com
a lei antes executada pela Fundação de Promoção Social do Estado de Mato Grosso
– PROSOL.
O Centro Socioeducativo de Cuiabá é composto por um conjunto de
unidades executoras das medidas socioeducativas sendo:
Uma Unidade de Internação Provisória Masculina - com capacidade
para 40 adolescentes;
Duas Unidades de Internação Masculina - sendo a capacidade da
Unidade antiga para 129 adolescentes e a outra Unidade para 30;
Uma Unidade de Internação Provisória e Internação Feminina - com
capacidade para 14 adolescentes.
Atualmente as unidades do Centro Socioeducativo estão atendendo em
média a 130 adolescentes.
A função do Centro Socioeducativo é transformar a medida imposta pela
Justiça da Infância e Juventude em uma ação socioeducativa dirigida aos
adolescentes.
Atendendo o que preconiza a Lei 8.069/90, em seu artigo 88, inciso V, foi
inaugurado no ano de 2001 o Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao
Adolescente, que teve como objetivo a centralização dos órgãos de atendimento
denominado Complexo Pomeri.
Pomeri - tempo de preparação dos jovens indígenas, é a cerimônia que demora em torno de dezoito meses a sua “reclusão, onde são preparados para o exercício da cidadania junto as suas respectivas comunidades – Ikpeng (Kabibe)
Composição do Complexo Pomeri:
Juizado da Infância e Juventude; Ministério Público; Defensoria Pública; Delegacia Especializada do Adolescente; Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da
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Criança e do Adolescente;
Superintendência do Sistema Prisional; Superintendência do Sistema Socioeducativo; Projeto Rede Cidadã; CISC; Guarda da Polícia Militar; Centro Socioeducativo; Escola Estadual Meninos do Futuro.
A responsabilização aplicável aos adolescentes em conflito com a lei,
segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990,
espera que seja oportunizada a recondução à família, ao seio social.
Assim, o Centro Socioeducativo assume extrema importância dentro
desse contexto, quais sejam, o cumprimento da diretriz do Estatuto quanto a
natureza pedagógica da medida, buscando assegurar ao adolescente que infraciona
a oportunidade de reconstrução dos seus projetos de vida.
Em Mato Grosso, até pouco tempo, o cumprimento da medida educativa
de internação estava exclusivamente a cargo do Centro socioeducativo de Cuiabá,
mas no momento o atendimento encontra-se em processo de descentralização com
a criação de Centros nos municípios de Rondonópolis e Cáceres.
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1. ATENDIMENTO DO CENTRO SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DE
MATO GROSSO
A forma de atendimento que vem sendo dispensada pelo Centro
Socioeducativo no Estado de Mato Grosso aos adolescentes em conflito com a lei
não difere muito da realidade constatada em nível nacional.
Conforme a estrutura organizacional, o Centro Socioeducativo encontra-
se vinculado a Secretaria de Justiça e Segurança Pública a qual é responsável pela
execução das ações desenvolvidas no centro de internação.
O Estado de Mato Grosso tem definido um sistema operacional de
atendimento no Projeto Pedagógico do Centro Socioeducativo que visa articular
organicamente os setores e instituições que atuam na área social especializada
tanto governamentais quanto não governamentais. Assim, entende-se que o Estado
deve garantir o sistema de atendimento e de garantia de direitos aos adolescentes
em conflito com a lei, entretanto constata-se que ainda há um longo caminho a ser
percorrido para que o atendimento realizado no centro socioeducativo atenda as
diretrizes preconizadas na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do
Adolescente e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
O Centro Socioeducativo em Mato Grosso é centralizado em Cuiabá, mas
com algumas unidades descentralizadas nos municípios Cáceres e Rondonópolis,
com atendimento tanto para adolescentes do sexo masculino como para as do sexo
feminino.
1.1 Situação Atual da Unidade de Internação Masculina em Cuiabá
Nas Unidades de Internação Masculina do Centro Socioeducativo em
Cuiabá/MT é destinado a internação de adolescentes em cumprimento de medida,
com idade entre 12 a 18 anos e, excepcionalmente de 18 a 21 anos, podendo
permanecer até 03 (três) anos.
Destacamos aqui algumas das funções do Centro Socioeducativo que é a
reintegração do adolescente em conflito com a lei, a sociedade, realizando
atendimento multidisciplinar e promovendo a construção da cidadania, sem perder o
foco de “ser reconhecido como um Centro Sócioeducativo de referência no
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atendimento dos serviços prestados”.
Quanto aos resultados e as ações desenvolvidas pelo Centro
Socioeducativo de Cuiabá, este tem sido objeto de muitas discussões e críticas por
parte da sociedade e de variados canais. As ações educativas são bem limitadas
frente às propostas que são definidas pelo Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo. Esse contexto pode explicar a situação de revoltas vivenciadas
pelos socioeducandos que tem exteriorizado os seus sentimentos através de
amotinamentos, fugas, quando não matam entre si.
Um aspecto importante para o funcionamento do sistema é a articulação
da incompletude institucional, mas a participação das áreas que compõem o sistema
estão incipientes prejudicando a integração das políticas de educação, saúde,
trabalho, assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança pública entre outras
para a efetivação da proteção integral a que se destinam todos os adolescentes.
A estrutura física das unidades antigas de internação estão insalubres,
com pouca iluminação e ventilação, sem condições de funcionamento. Há uma
unidade de internação provisória e uma unidade de internação que foi construída de
acordo com os parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-
SINASE mas que também já necessitam de reformas.
Detectamos a não observância de separação do adolescente respeitando
a idade, compleição física e gravidade do ato infracional impossibilitando o
atendimento dos requisitos para que se desenvolva um plano de atendimento
efetivo.
O Centro possui um ambulatório para realizar atendimento médico,
odontológico, enfermagem, nutricional, atendimento psicológico, psiquiátrico, social,
entretanto tais atendimentos não têm acontecido a contento ou por falta de
profissionais e profissionais formados/capacitados ou de equipamentos.
O quadro de pessoal, socioeducadores é insuficiente para atender a
demanda. Este fato tem sido um entrave para o desenvolvimento de práticas
educativas e sociais. Assim, constata-se que as ações empreendidas pelo Centro
ainda são predominantes as de caráter correcional e repressivo, permanecendo os
adolescentes na maior parte do tempo “ociosos e presos em celas”, com atividades
muito restritas.
Devido a essa situação, ressalte-se que as atividades culturais, lazer,
arterapia e esportivas, fundamentais no desenvolvimento humano físico, psíquico e
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emocional na fase a adolescência, também estão comprometidas uma vez que os
educandos não estão sendo retirados da ala para às atividades.
As ações educativas estão sendo realizadas pela Escola Estadual
Meninos do Futuro, mas de forma fragmentada, sem a continuidade das atividades
planejadas dificultando o desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico. Nesse
aspecto, é necessário registrar que o Centro Socioeducativo por encontrar-se com
um número reduzido de agentes orientadores impossibilita realizações de ações
pedagógicas por falta de segurança tanto para os educandos quanto para os
profissionais.
Partindo do entendimento de que o processo educativo, a realizar-se
nessa instituição precisa construir procedimentos que favoreçam profundas
transformações de atitudes, mentalidades, valores sociais, sem descuidar dos
conhecimentos próprios da escolarização formal, é necessário um olhar diferenciado
de forma que se tornem efetivas as ações educativas propostas.
Ressaltamos a ausência da gestão participativa, da descontinuidade nas
ações planejadas nas unidades do Centro Socioeducativo em função das constantes
trocas de gestores e, ainda pela falta de efetividade do trabalho pedagógico e do
acompanhamento do Plano de Atendimento Individual do Adolescente (PAIA).
Oportuno também fazer uma abordagem da importância da metodologia
de gestão participativa, configurando-se a mais apropriada para responder com
eficiência, eficácia e efetividade à demanda do atendimento socioeducativo
conforme orientação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
A carência de pesquisas científicas no Estado de Mato Grosso dificulta o
diagnostico da realidade socioeducativa para a efetivação de projetos. Não se
conhece nenhum estudo realizado pelo Centro ou por outros segmentos que nos
conduzam a resultados fidedignos dos trabalhos que vem sendo realizados quanto à
prática socioeducativa dos internos e indicadores de reincidência.
1.2 A Natureza Pedagógica da Medida Socioeducativa
O atendimento ao adolescente autor de ato infracional, cumprindo medida
socioeducativa necessita de um amplo e radical reordenamento institucional e de
uma efetiva melhoria das formas de atenção direta, especialmente no chamado
atendimento em regime sócio-educativo. Ou seja, uma reengenharia institucional
que permita legitimar a natureza pedagógica contidas no ECA, no SINASE,
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ressiginificando ações desenvolvidas no Centro Socioeducativo.
A medida socioeducativa de internação é sem dúvida a forma mais
drástica de intervenção estatal na esfera individual do cidadão, pois o poder
sancionatório do Estado alcança o jus libertatis do adolescente, o maior bem que se
possui depois da vida.
Ressalte-se que a finalidade pedagógica é o motivo maior que autoriza o
Estado a privar o adolescente de liberdade. A prisão surge como a única forma
possível de implementar o processo pedagógico. Diria-se, na essência, que o
Estado, com a internação chama para si a tarefa de educar, gerenciando totalmente
a vida do adolescente.
As medidas socioeducativas por conseguinte não podem ser vistas como
uma forma de punição dirigidas às condutas consideradas desviantes em relação a
norma penal, entretanto devem ser eficazes ao ponto de interromper o ciclo de
envolvimento do adolescente com o ato infracional.
O caráter sócio-educativo das medidas aplicadas ao adolescente que
comete um ato infracional exige que a autoridade se posicione como um verdadeiro
educador, facilitando o crescimento do educando, por mais trivial que se lhe afigure
a oportunidade.
A ação socioeducativa deve, portanto ser um componente fundamental no
processo de crescimento da personalidade do adolescente independente da
circunstancia social, étnico racial, econômica ou cultural.
Assim, no processo de reinserção social dos adolescentes em conflito
com a lei, a natureza pedagógica do atendimento socioeducativo deve priorizar
aspectos educativos das medidas, fundamentando-se nos pressupostos da área da
educação, em especial a Educação Social, nesse sentido a educação tem uma
dimensão significativa, buscando fortalecer a auto estima do adolescente e
proporcionando-lhe a possibilidade de projetar novas perspectivas em sua história
de vida.
A proposta de estruturação e concretização de uma prática pedagógica
no Centro Socioeducativo de Mato Grosso, deve necessariamente orientar-se numa
linha de educação libertadora e humanizante. A educação libertadora vê o educando
como sujeito da História. Vê na comunicação "educador-educando-educador” uma
relação horizontal. O diálogo é um traço essencial da educação libertadora. Todo
esforço de conscientização baseia-se no diálogo, na troca, nas discussões.
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Nesta proposta, pode-se afirmar que o diálogo é o elemento fundamental
que estrutura a abordagem para uma pedagogia libertadora daí a terminologia
pedagogia do oprimido. Nesse sentido na medida em que se afirma o diálogo, se
elimina a violência. Este pressuposto é o princípio da construção democrática. Ou
seja, pelo diálogo se estabelece o entendimento mútuo entre os homens. O diálogo
aproxima os homens entre si e do mundo em que vivem. É capaz de transformá-lo e,
transformando-o, o humaniza para a humanização de todos” ,Paulo Freire.
A educação libertadora busca desenvolver a consciência crítica de que já
são portadores os educandos. Parte da convicção de que há uma riqueza de idéias,
de dons e de carismas na alma e no cotidiano dos interlocutores.
No entanto, cabe considerar que não se trata de tarefa fácil, ainda mais
em se tratando de adolescentes que estão privados de liberdade, pois, conforme
dizia Paulo Freire, a educação pressupõe liberdade e tal afirmação nos instiga a
refletir e a buscar respostas à questão: é possível educar para a cidadania as
pessoas privadas de liberdade?
Acreditamos que, se por um lado, na medida de internação há a quebra
de um direito fundamental do ser humano que é a liberdade, por outro, é nela que
buscamos romper alguns paradigmas colocados para a educação de um modo
geral.
O projeto final da educação libertadora é contribuir para que as pessoas
sejam agentes de transformação do mundo, inserindo-se na História. Para isto é
preciso que as pessoas decifrem os aparentes enigmas da sociedade. Os
marginalizados devem refletir sobre sua situação miserável e anti-humana. Devem
identificar os mecanismos sócio-econômicos responsáveis pela marginalização e
pela negação de humanidade. Devem buscar os caminhos para mudar as situações
de opressão. O mundo não é uma realidade estática, mas uma realidade em
transformação. Somos os arquitetos do mundo. Educandos e educadores, na
perspectiva da educação libertadora, vão buscar juntos as chaves para transformar o
mundo.
Na interpretação Freireana, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa
sozinho. Educar é um ato de amor, é um ato de comunhão entre os homens”,
sentimento em que homens e mulheres vêem-se como seres inacabados e, portanto
perceptíveis para aprender. A educação passa a ser compreendida como liberdade,
no limiar horizonte da emancipação humana.
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É evidente que na obra de Freire a dimensão da libertação é meta
prioritária, contudo outros conceitos também presentes na sua obra, como a
dimensão objetiva da realidade social, o problema da consciência oprimida, a
educação como direito fundamental, prática de liberdade e de emancipação, são
fundamentais. Ou como diz o próprio autor, “precisamos recolocar a dimensão da
vida vivida como objeto de intervenção pedagógica” (1985, p. 37).
A educação é um processo civilizatório, um espaço de recriação e
ressignificação da cultura herdada das gerações anteriores, (Paro, 2000), cabe a
ela desenvolver uma sólida formação humana que possibilite aos sujeitos
educandos responder aos desafios da vida. É entendida como o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Isso significa que a
educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática
social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática
educativa.
Desse modo, corroborando com a política do SINASE esta proposta visa
analisar e refletir sobre a Educação como prática de humanização, fundamentados
no processo histórico de dominação e opressão social, econômica e cultural de
homens e mulheres, contribuir com reflexões sobre o sistema socioeducativo para
adolescentes e jovens autores de atos infracionais.
Ainda neste contexto, com foco numa proposta humanizadora, os
Parâmetros da Gestão Pedagógica no Atendimento Socioeducativo contidos no
SINASE - visam propiciar ao adolescente o acesso a direitos e às oportunidades de
superação de sua situação de exclusão, de ressignificação de valores, bem como o
acesso à formação de valores para a participação na vida social, fundamentados
nas seguintes diretrizes:
Prevalência da ação educativa sobre os aspectos meramente
sancionatórios;
Projeto Pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento
sócioeducativo;
Participação dos adolescentes na construção, monitoramento e na
avaliação das ações sócio educativas;
Respeito à singularidade do adolescente, presença educativa e
exemplaridade como condições necessárias na ação socio educativa;
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Exigência e compreensão, enquanto elementos primordiais de
reconhecimento e respeito ao adolescente durante o atendimento socioeducativo;
Diretividade no processo socioeducativo;
Disciplina como meio para a realização socioeducativa;
Dinâmica institucional garantindo a horizontalidade na socialização das
informações e dos saberes em equipe multiprofissional;
Organização espacial e funcional das Unidades de atendimento
socioeducativo que garantam possibilidades de desenvolvimento pessoal e social
para o adolescente;
Diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual norteadora
da prática pedagógica;
Família e comunidade participando ativamente da experiência
socioeducativa;
Formação continuada dos atores envolvidos no atendimento
socioeducativo.
É importante considerar que a necessidade de reordenamento
institucional do Centro Socioeducativo de Mato Grosso, a começar efetivando pelas
mudanças:
De gestão: romper definitivamente, com a estrutura e funcionamento do
órgão de atendimento, antiga FEBEM;
De método: substituir as práticas assistencialistas e correcionais
repressivas por uma socioeducação pedagogicamente emancipadora;
De conteúdo: substituir a herança trágica do não-direito da Doutrina da
Situação Irregular pela vigência plena do novo direito da infância e juventude da
Doutrina da Proteção Integral.
A partir desta análise, a socioeducação, entendida como o processo de
formação humana integral, articulada em todas as suas dimensões de
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, poderá constituir-se como
espaço de oportunidades para oportunidades com perspectiva de humanização
individual e social.
1.3 Orientações para ações sociopedagógicas.
As ações sociopedagógicas constitui-se num processo que tem por
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objetivo preparar o adolescente que cumpre medida socioeducativa para assumir
papéis sociais relacionados à vida coletiva, ao mundo do trabalho, ao
comportamento justo na vida pública e no uso adequado e responsável de
conhecimentos, capacidades e habilidades, disponíveis nos tempos e nos espaços
onde a vida dos indivíduos se realizam.
O conjunto das ações socioeducativas a serem garantidas pelas
organizações governamentais e não-governamentais devem propiciar o exercício
de novos papéis rompendo com uma postura histórica alheia à co-gestão, marcada
por traços centralizadores, intervencionistas e autoritários.
Nesse sentido, acreditamos que estas ações estarão priorizando
definitivamente o Sistema de Garantia de Direitos para que ele torne-se operante,
dando um grande passo para que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja
finalmente implementado, o que certamente fará diferença para os adolescentes que
cumprem medida sócioeducativo.
Seguindo essa compreensão, o sistema socioeducativo deverá ser
implementado e fortalecido a partir da perspectiva do funcionamento intersetorial que
demanda a efetiva participação dos sistemas e políticas de Educação, Saúde,
Trabalho, Previdência Social, Assistência Social, Cultura, Esporte, Lazer, Segurança
Pública, Justiça entre outros para a efetivação da proteção e formação integral de
que são destinatários todos os adolescentes.
Cada órgão da rede do sistema deve atender de imediato as
necessidades do adolescente, de maneira articulada e politicamente integrada
efetivando, assim, a incompletude institucional e profissional com foco na formação
integral, sem perder de vista o conteúdo de educação social, aqui no seu sentido
amplo não restrito apenas ao conceito de educação formal.
Reconhecemos que os programas e serviços das políticas públicas são
devidos a esses adolescentes em conflito com a lei pelo fato de serem cidadãos e
não pelo fato de serem infratores, pois muitas vezes estão em conflito com a lei não
pela prática de crimes, mas pelo fato de estarem em situação de vulnerabilidade e
risco social, em face de determinadas circunstâncias de vida, ou seja, drogadição,
maus tratos, abandono, marginalização, soropositividade, exploração entre outros.
Assim, toda a ação desenvolvida deve ter cunho socioeducativo e garantir aos
adolescentes e jovens internos em centros o direito a desfrutar de atividades e
programas úteis que sirvam para fomentar neles atitudes e conhecimentos que
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ajudem a desenvolver suas potencialidades como cidadãos da sociedade.
1.4 Ações pedagógicas no Centro Socioeducativo
As diretrizes do Plano Nacional de Educação-PNE, do Plano Estadual de
Educação do Estado de Mato Grosso-PEE e as Orientações Curriculares:
Concepções para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso-Seduc, corroboram
com as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE na
busca da efetivação de uma política que contemple os direitos humanos e
transforme a realidade atual em oportunidades para o adolescente atendido e do
seu entorno.
A Secretaria de Educação de Estado de Mato Grosso contempla em suas
Orientações Curriculares eixos estruturantes sendo eles: Conhecimento, Trabalho e
Cultura de modo a incorporar todas as dimensões educativas que ocorrem no âmbito
das relações sociais que promovem a formação humana na dimensão sócio-político-
produtiva, o que implica adotar o “trabalho como princípio educativo” na Educação
Básica.
E de acordo com as Orientações Curriculares, o trabalho como principio
educativo é a categoria orientadora das políticas, projetos e práticas dos níveis e
das modalidades que integram a Educação Básica. Nessa perspectiva entende-se
que tanto os educandos que se encontram em cumprimento de medidas
socioeducativas quanto os egressos, tenham seus direitos garantidos de
permanência e continuidade na educação básica na rede de ensino.
Assegurar essa possibilidade, manter a qualidade da oferta pública da
educação para essa população é crucial para que a possibilidade de transformação
social seja concretizada. Neste sentido, a educação, embora não tenha autonomia
para, por si mesma, mudar a sociedade, é importante estratégia de transformação,
uma vez que inclusão na sociedade contemporânea não se dá sem o conhecimento.
Do ponto de vista das Orientações Curriculares do Estado de Mato
Grosso é preciso ter claro que a educação somente será possível em uma
sociedade em que todos desfrutem igualmente das mesmas condições de acesso
aos bens materiais e culturais socialmente produzidos, em que os jovens possam
exercer o direito à diferença sem que isso se constitua em desigualdade, de tal
modo que as escolhas por determinada trajetória educacional e profissional, não
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sejam socialmente determinadas pela origem de classe.
Dessa forma, a educação em seu papel preponderante de formação
humana vê-se instada a atender às novas necessidades sociais e econômicas, e em
Mato Grosso as políticas e as práticas educacionais têm buscado responder a essa
nova realidade. Desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN/1996), novas possibilidades para a organização da educação
foram abertas a exemplo desta proposta que através da rede articulada de
atendimento, possibilitará uma abordagem sistêmica da educação, priorizando a
formação da pessoa humana, a educação integral e a humanização do atendimento
no Centro Socioeducativo de Mato Grosso.
No Sistema Socioeducativo, mas especificamente no campo da educação
escolar, a oferta é obrigatória pelo ECA, há exigências de novas metodologias de
aprendizagem e, em alguns casos até de uma alteração na dinâmica de tempo da
escola e de organização curricular para adequar a rotina da instituição e as
necessidades dos adolescentes. Assim propõe-se metodologias diferenciadas
daquelas planejadas para uma Escola regular a fim de priorizar o atendimento da
Educação Básica, pela suplementação ou continuidade do processo educativo,
favorecendo ou criando condições para o acesso e permanência dos adolescentes
na escola, bem como proporcionando reforço na assimilação dos conteúdos
escolares.
Entende-se que a prática pedagógica deve agir com a intenção de se criar
condições efetivas para a construção de experiências significativas na vida dos
diferentes atores sociais envolvidos no processo pedagógico, atendendo de forma
humana, solidária e fraterna todos os educandos que se encontram privados de
liberdade. Pois para esses adolescentes a aprendizagem mais do que nunca deve
ser significativa em todos os sentidos, conforme leciona Gadotti:
A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que o material a estudar se relaciona com seus próprios objetivos.(...) É por meio de atos que se adquire aprendizagem mais significativa. A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa responsavelmente do seu processo. A aprendizagem auto-iniciada que envolve toda a pessoa do aprendiz – seus sentimentos tanto quanto sua inteligência – é a mais durável e impregnante. A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadas quando a autocrítica e a auto-apreciação são básicas e a avaliação feita por outros tem importância secundária. A aprendizagem socialmente mais útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança.
21
No sistema socioeducativo a enturmação não terá como parâmetro o
Histórico Escolar mas sim a avaliação diagnóstica, a qual definirá a capacidade
cognitiva do aluno para a composição de turmas. Essa enturmação se faz
necessária pois muitos dos adolescentes pararam de estudar algum tempo ou
encontram-se defasados em relação as capacidades cognitivas esperadas para
determinadas etapas da escolaridade formal.
De acordo com os resultados obtidos na avaliação diagnóstica a
enturmação ocorrerá dentro dos estágios básico, intermediário e avançado
Estágio Básico:
São grupos de adolescentes que se encontram na fase inicial do
processo de desenvolvimento de habilidades lingüísticas, incluindo desde a
capacidade de decodificar palavras até a compreensão de textos e aprendizagem
da matemática. A matriz curricular é globalizada, com foco na língua portuguesa e
matemática.
Estágio Intermediário:
São grupos de adolescente que já possuem conhecimento mínimo da
leitura, escrita e matemática e que necessitam de aprofundamento na construção
desses conhecimentos para melhor interpretar e se comunicar com os outros. A
matriz curricular é organizada por área de conhecimento, adotando método
contextualizado e interdisciplinar.
Estágio Avançado:
São grupos de adolescentes que estão aptos a realizarem estudos de
acordo com o resultado do diagnóstico cognitivo e em consonância com o seu
histórico escolar. A matriz curricular é organizada por área do conhecimento.
Desenvolverá de forma concomitante a educação escolar projetos e
oficinas com objetivo de aprimoramento e desenvolvimento integral dos
adolescentes, fundamentada numa metodologia de total participação, dialógica e
ajustada à realidade e interesse dos educandos, favorecendo uma grande
articulação entre teoria e realidade/prática.
Dinâmicas de grupo, expressão corporal, música e exibição de vídeos,
exposição teórica, troca de experiências, debates, palestras e práticas de cultura,
22
esporte, arte e lazer serão utilizados como estratégias para desenvolver projetos e
oficinas.
Espera-se que processo ensino aprendizagem no Centro Socioeducativo
seja significativo na vida dos adolescentes e nesse período em que se encontram
afastados do convívio social seja oportunizado tempo para retomar conhecimentos,
desenvolver capacidades indispensáveis para atuação na sociedade e
oportunamente restabelecer o vínculo com a escola, família e a sociedade.
1.5 Formação Integral
Nessa perspectiva é que ganha sentido o conceito de formação integral
que articula as potencialidades de todas as dimensões do ser humano no sentido
de proporcionar aos adolescentes desenclausuramento e o seu reencontro com a
vida.
A compreensão da formação integral associada à Educação Integral,
conforme propõe Guará (2006), é a que se quer destacar como referência:
Na perspectiva de compreensão do homem como ser multidimensional, a escola deve responder a uma multiplicidade de exigências do próprio indivíduo e do contexto em que vive. Assim, a educação integral deve ter objetivos que construam relações na direção do aperfeiçoamento humano. (...) A educação, como constituinte do processo de humanização, que se expresssa por meio de mediações, assume papel central na organização da convivência do humano em suas relações e interações, matéria prima da constituição da vida pessoal e social (GUARÁ, 2006, p.16).
Assim, apesar de parecer contraditório falar em formação integral do
adolescente interno no Centro Socioeducativo, deve se constituir de uma meta a ser
alcançada, de modo que se rompa gradativamente com as práticas adotadas até
então, no sentido de se reconstruir enquanto instituição capaz de formar para
emancipação humana, que eduquem integralmente e coloquem “o desenvolvimento
humano como horizonte(...), a necessidade de realização das potencialidades de cada
indivíduo para que possa evoluir plenamente com a conjugação de suas capacidades,
conectando as diversas dimensões do sujeito( cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica,
estética, física, biológica)”. (Guará, 2006, p.16)
Portanto, partindo do pressuposto de que se pretende transformar o
Centro Socioeducativo em um espaço Formação Integral do adolescente através de
23
uma educação libertadora é necessário considerar os saberes, as histórias, as
trajetórias, as memórias, as sensibilidades dos grupos e dos sujeitos com os quais
trabalha. Trata-se de avançar na qualificação do espaço como espaço de vida e de
educação, como espaço de conhecimentos e valores, como espaço no qual a vida
transita em sua complexidade e inteireza, como espaço no qual cada adolescente
possa se conhecer nas artes, nas ciências, nas matemáticas, na literatura para que
possa, também, ressituar-se no meio social, compreendendo-o, compreendendo-se
e incorporando-se a ele.
Desse modo, oportunizar aos adolescentes a vivência de um Centro em
que perpassa a educação em tempo integral é a regra, onde os conteúdos formais e
não-formais da educação se entrelaçam no processo educativo, mostrando que o
aprendizado ocorre por diferentes vias e que todas elas são espaços de intensa
interação humana, em que o conhecimento, seja ele direto e objetivo ou indireto e
subjetivo, é construído na dimensão da razão e da emoção.
1.6 Ações socioeducativas mediantes projetos
Diante da necessidade de ressignificar as ações socioeducativas no
Centro de Internação do Estado de Mato Grosso, com seus tempos, rituais,
processos, rotinas, propomos a Pedagogia de Projetos que visa à re-significação do
espaço socioeducativo, transformando-o em um espaço vivo de interações aberto ao
real e às suas múltiplas dimensões, conforme se deflui dos Fundamentos da
Pedagogia de Projetos, a seguir:
Pedagogia de Projetos é uma concepção e uma postura pedagógica;
É a construção de uma prática pedagógica centrada na formação
global dos educandos a partir da pluralidade e diversidade de ações e contextos;
Parte do princípio de que todo conhecimento é construído em relação
com os contextos em que são utilizados. Por isso é impossível separar aspectos
cognitivos dos emocionais e sociais;
Entende que as necessidades de aprendizagem afloram a partir das
tentativas de se resolver situações-problema;
Considera fundamental que os educandos construam sua autonomia e
seu compromisso com o real; que ele desenvolva capacidade e habilidade de
adaptação e atitudes colaborativas e ainda o gosto por aprender e reaprender
24
durante toda a sua vida;
Considera que os conhecimentos empíricos e científicos são
instrumentos valiosos para compreender a realidade e nela fazer interferências. São
meios para ampliar a formação dos educandos, mas não são neutros e nem são fins
em si mesmos.
O trabalho com Projetos traz uma nova perspectiva, é um processo global
e complexo, onde o conhecer e o real não se encontram dissociados. “Aprende-se
participando, vivenciando sentimentos, tomando atitude diante dos fatos, escolhendo
procedimentos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só respostas
dadas, mas principalmente pelas experiências proporcionadas, pelos problemas
criados pela ação desencadeada”.
Nesta postura, todo conhecimento é construído em estreita relação com
os contextos em que são utilizados sendo, por isso mesmo, impossível separar os
aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo. Assim, a
formação desses adolescentes e jovens que cumprem medida socioeducativa, não
pode ser pensada apenas como uma atividade intelectual.
Trabalhar com a concepção de projetos requer mudanças de paradigmas,
ou seja, não será proposto um currículo, mas sim um planejamento diário ou
semanal, com finitude diária, que pressupõe ter começo, meio e fim no mesmo dia,
cada dia equivalera a um projeto aula, o que se coloca, portanto, é a organização de
projetos de trabalhos, mas não em detrimento dos conteúdos das disciplinas, e, sim,
a construção de uma prática pedagógica centrada na formação global dos
educandos.
Assim entende-se que a prática pedagógica deve agir com a intenção de
se criar condições efetivas para a construção de experiências significativas na vida
dos diferentes atores sociais envolvidos no processo pedagógico, atendendo de
forma humana, solidária e fraterna todos os educandos que se encontram privados
de liberdade. Pois para eles/as a aprendizagem mais do que nunca deve ser
“significativa” em todos os sentidos, conforme Gadotti (1994).
Ao trabalhar com projetos, o socioeducador e educando/a assumem a
condição de pesquisadores e co-responsáveis pelo processo de aprendizagem.
Situações problemas são levantadas para aproximar a aprendizagem de situações
reais vividas pelos educandos. Hipóteses são discutidas e testadas para se chegar a
soluções possíveis à compreensão dos educandos. O trabalho com pesquisa, que
25
perpassa todas as etapas de um projeto, favorece que a informação se transforme
em conhecimento e aprendizagem. Não há mais a lógica tradicional em direção da
teoria para a prática ou a prática como aplicação da teoria. Considera-se a
concepção de teoria e prática como complementares, dependentes, inseparáveis. “É
possível perceber a concepção de Teoria-Prática em uma relação de distinção e de
dependência, quando a percepção da prática depende da – e só é existente após a –
percepção da teoria” (OLIVEIRA, 2003, p.47).
Na condição de orientador de etapas, de desafiador, de questionador, o
educador sai da sua solidão e estabelece um diálogo mais aberto e empolgante, o
que leva à formação de novos vínculos de amizade e confiança, favorecendo em
muito a aprendizagem.
A partir dessas considerações, podemos situar os projetos como uma
proposta de intervenção pedagógica que “dá à atividade de aprender um sentido
novo, onde as necessidades de aprendizagem afloram nas tentativas de se resolver
situações problemáticas, o que exige um repensar da prática pedagógica e das
teorias que as estão informando, assim, os educandos ao decidirem, opinarem,
debaterem, constroem sua autonomia e seu compromisso com o social,” formando-
se como sujeitos culturais.
1.7 Concepção Metodológica
A concepção metodológica que permeia todas as etapas deste Plano de
Atendimento Pedagógico para o Centro Socioeducativo contempla princípios
pautados na “concepção libertadora de educação” e na “concepção
socioconstrutivista do conhecimento.” A concepção metodológica é o caminho da
prática social que revela uma determinada visão de mundo. Implica um constante
movimento de ação-reflexão-ação, ou seja, da práxis pedagógica.
Almeja-se uma educação capaz de contribuir para a formação de
adolescentes e jovens dotados de consciência social e de responsabilidade
histórica, aptos para a intervenção coletiva organizada sobre a realidade, a partir de
sua comunidade local e regional, sempre em busca da melhoria de qualidade de
vida para todos.
Esta educação busca inspiração na concepção libertadora da práxis de
Paulo Freire. Dessa forma, entendemos que a educação é um processo discursivo-
26
dialógico. Pauta-se nas relações interpessoais dialógicas, na interatividade da
relação educador-educandos e dos educandos entre si.
A dimensão discurso-dialógica se faz presente nas diversas situações
pedagógicas:
no respeito às marcas socioculturais dos educandos que se evidenciam
na sala de aula, através do seu discurso oral, escrito e em suas interpretações da
leitura da palavra;
na incorporação do saber popular, ao lado do saber científico e erudito;
no respeito aos níveis heterogêneos de concepção da leitura e escrita
dos alfabetizados;
na ajuda mútua entre colegas no ato de aprender a ler e escrever. Na
socialização de seu conhecimento do mundo e da língua escrita, nas correções
coletivas;
na intervenção pedagógica do educador, que dirige democraticamente
as aulas, fornece as condições propiciadoras, incentiva o ato de pensar, oferece as
informações ao avanço do conhecimento do educando.
O processo de conhecer é também construtivo. Superando as
metodologias reprodutivistas e predominantemente receptativas e “bancárias” ,
optamos por uma metodologia em que o educando é um sujeito interativo, que
pensa, pergunta, constrói-rescontrói hipóteses enquanto estuda.
Consideramos de máxima importância conceber o conhecimento não
apenas “construção-desconstrução-reconstrução” do saber já instituído, mas
também ir além da reconstrução, experienciando momentos privilegiados de
questionamento instituído, do convencional, promovendo inovação, criação,
produção de novas formas de pensar, expressar e de fazer o mundo. Isso significa
dar espaço ao imprevisto, ao inesperado, ao original e inédito, ao sonho, à busca do
novo almejado.
A educação, enquanto projeto político-pedagógico, parte do universo
vocabular e cultural dos educandos, ou de seu dialeto lingüístico, da sua leitura de
mundo, do nível de concepção da leitura e escrita, do nível de seus conhecimentos
científicos. A partir do que lhes faltar conhecer, são planificadas novas situações
que objetivam a ampliação de suas experiências e de seus interesses mais
imediatos, a passagem de uma visão focalista e ingênua para uma visão mais crítica
da realidade, o avanço no aprendizado da língua escrita e no conhecimento técnico-
27
científico. Assim a concepção libertadora da práxis de Paulo Freire pressupõe:
• Uma instituição atrelada a ações pedagógicas libertadoras pautada na
construção do conhecimento, de forma crítica, engajada na realidade, de modo a
privilegiar a relação teoria-prática, na busca da apreensão das diferentes nuances
do saber.
• Uma instituição que não ignora ou rejeita a história, a política e a cultura
dos agentes do processo educativo (professores, técnicos e gestores), bem como da
sociedade mais ampla, concebendo-os como conteúdos de aprendizagem.
• Um espaço de aprendizagem que vê o educador e o educando como
parceiros na construção do saber sistematizado, cabendo ao professor articular as
diversas fontes de conhecimento, relacionar teoria e prática, ciência, trabalho,
cultura e as múltiplas tecnologias.
• Estabelecer uma relação dialógica em que os educandos, em conjunto
com os educadores, gestores, técnicos e todos os atores envolvidos no sistema
socioeducativo, exerçam a prática de refletir (sobre seu modo de pensar,
reconhecer, situar, problematizar, verificar, refutar, especular, relacionar, relativizar,
historicizar e etc.)
• Partir do princípio de que ninguém é “dono da verdade”, que esta
sempre representa uma maneira, entre tantas outras, de interpretar o mundo.
Portanto, que é necessário considerar as multiplicidades de visões, analisando a sua
lógica, as suas determinações, a coerência de suas idéias considerando o contexto
em que se inserem.
Criar oportunidades para o desenvolvimento pessoal e social dos
educandos utilizando os princípios da transdisciplinariedade e interdisciplinariedade
(pesquisa, sistematização e a integração dos processos).
• Um enfoque indutivo em que a sistematização dos conceitos vem em
segundo plano, decorrente das ações desenvolvidas. Isto exige que o educador
contenha sua ansiedade de passar determinado conteúdo ao educando, permitindo,
assim, que este o apreenda, o construa. Cabe ao educador orientá-lo no caminho da
apreensão e construção crítica do saber, e não transmitir conhecimento de forma
passiva como um objeto acabado, inquestionável.
• Uma postura questionadora, uma prática de confronto que exige do
educador, o desenvolvimento da “pedagogia do por quê”:
28
1. Dar significado a um objeto de conhecimento para que os educandos
se interessem em debruçar-se sobre ele a fim de entender o seu valor e articulá-lo
com outros saberes;
2. Lançar desafios aos educandos, exigindo deles maior empenho e
dedicação às resoluções dos problemas levantados, não permitindo que eles se
limitem a dar uma resposta baseada apenas no senso comum;
3. Incentivar os educandos a buscarem as respostas para seus
questionamentos por meio de diálogos, pesquisas e intercâmbios.
• Um educador que se coloca na posição de mediador da relação
educador-objeto de conhecimento, de um facilitador da aprendizagem, de um eterno
aprendiz.
• O desenvolvimento das potencialidades dos educandos não apenas no
campo da racionalidade, mas também no campo das emoções, das habilidades
artísticas, desenvolvendo, assim, sua criatividade, suas formas de expressão, bem
como sua capacidade de interagir positivamente com outro, considerando os valores
éticos. Isso implica também a aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver
com seus pares.
• O desenvolvimento da “ Pedagogia do Afeto”, consiste em:
1. Contribuir para elevar a auto-estima dos educandos;
2. Resgatar a alegria de aprender por meio de atividades significativas
para os educandos, criando brincadeiras, promovendo jogos, contribuindo para o
desenvolvimento da expressão artística, corporal e musical;
3. Planejar situações de interação que promovam a expressão de
sentimentos;
4. Promover a criação e garantir a permanência de um ambiente
acolhedor na sala de aula onde os alunos possam se expressar sem receio de
serem discriminados;
5. Promover a reflexão sobre valores humanos, comportamentos éticos,
formação do caráter a partir de situações concretas, experiências vividas dentro e
fora da sala de aula.
1.8 Métodos Globalizados
A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, visando à formação
29
integral do educando, adotará o método de ensino globalizado para desenvolvimento
desta proposta que é a mais adéquada a realidade do sistema socioeducativo.
Nesse sentido, os filósofos Platão e Aristóteles já defendiam que o ensino
fosse centrado no desenvolvimento do ser humano entendido como um todo, assim
o educando devia receber uma formação integral, ou seja, espiritual, física, moral e
intelectual.
O método globalizado busca contribuir para que o ensino exerça sua
função social, colocando-se a serviço da formação integral do indivíduo. Partimos do
princípio de que o objeto de estudo do ensino é a compreensão da realidade para
intervir nela e transformá-la. Para isso, consideramos fundamental partir sempre do
conhecimento cotidiano do educando para melhor elaborá-lo e ampliá-lo.
Com o enfoque globalizador busca-se a aproximação entre o ensino e a
realidade através de uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar, iniciando,
assim, um processo de “construção” do conhecimento. Para isso, é fundamental que
se estabeleçam relações de interdisciplinariedade e transdisciplinaridade, com maior
grau de potencialidade interpretativa, permitindo a inserção de novas perspectivas
que não seriam possíveis no âmbito estrito de uma disciplina isolada.
No método globalizado, os educandos mobilizam-se para chegar ao
conhecimento de um tema que lhes interessam, para resolver alguns problemas do
meio social ou natural que lhes são questionados, ou para realizar algum tipo de
construção. Nessa ação, para conhecer ou realizar alguma coisa, o educando/a
precisa utilizar e aprender uma série de fatos, conceitos, técnicas, capacidades e
habilidades que têm correspondência com matérias ou disciplinas convencionais,
além de adquirir uma série de atitudes, ou seja:
“Nos métodos globalizados, o que interessa é oferecer resposta a
problemas ou questões que a realidade coloca. Para os professores é um meio que
permite que o aluno ou a aluna aprenda a enfrentar problemas reais, nos quais
todos os conhecimentos têm um sentido que vai além da superação de algumas
demandas escolares mais ou menos fundamentadas.”( Zabala, 2002)
Nesse sentido, o conhecimento científico, proporcionado pelas diferentes
áreas do conhecimento, está a serviço desse aprimoramento, incorporando ao
ensino novos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais selecionados em
razão dessas necessidades. Ele é, portanto, meio para que o educando tenha uma
formação capaz de ajudá-lo a vencer os desafios que a realidade extremamente
30
complexa do mundo atual coloca diante dele, diante isto, optamos por incentivar a
utilização de métodos globalizados.
Assim sendo a educação deve cumprir sua função social de formar
cidadãos aptos a intervir na comunidade de maneira responsável, não se limitando à
mera transmissão de conteúdos e conhecimentos.
1.9 Educação Profissional
No que diz respeito à Educação Profissional é necessária a compreensão
do conceito do termo Profissionalizar ou profissionalizante, entendendo que só é
possível a profissionalização num conjunto de condições em que a pessoa possa
perceber completude na sua formação e que estabeleça a relação com o exercício
de uma profissão, mesmo que ao vivenciá-la descobre não ser o que realmente
gostaria de profissionalmente ser ou exercer.
Quanto ao critério profissionalizar para o exercício de uma função, sabe-
se que é necessário maior investimento no tempo de formação, o cumprimento das
etapas de escolarização, realidade, espaço físico e equipamentos variados em
espaços adequados para tal, idade do aluno, regulamentação do MEC etc.
Desta forma, o que se adequa mais ao adolescente em cumprimento de
medida socioeducativa como um todo e, é obvio que há exceções, é uma proposta
de programa voltado à qualificação profissional básica.
É sabedouro que a Educação Profissional se dá em vários níveis (técnico,
tecnológico, universitário e de qualificação profissional básica), entretanto o nível
básico concretiza-se, fundamentalmente, por meio de cursos com carga-horária em
menor tempo e de aceitação às dificuldades decorrentes das ausências ou pouca
escolarização da população que será atendida.
A qualificação pode ser considerada a matriz e a célula de toda a
Educação Profissional. Com ela e a partir de cursos básicos irão se constituir um
amplo universo de possibilidades de atendimento à população em matéria de
educação para o trabalho e ou iniciação para o mundo do trabalho. É nesse nível
que o Estado e a sociedade devem mobilizar esforços e recursos para a ampliação,
a democratização e a progressiva universalização das oportunidades para a
Educação Profissional.
O fato de não se sujeitar a regras curriculares não retira, no entanto, o seu
31
relevo do ponto de vista econômico e principalmente social, ao contrário, a
qualificação profissional básica, de fato, é a estratégia mais adequada e viável para
preparação do cidadão, no caso do adolescente em cumprimento de medida
socioeducativa.
O Plano Nacional de Qualificação – PNQ expressa como referência
comum que a qualificação profissional básica seja vista como direito de cidadania,
em bases contínuas, permanentes e de maneira articulada com a educação básica
(fundamental e média).
Por outro lado, pode-se também oferecer ao adolescente em cumprimento
de medida a Educação Profissional Técnica de nível médio com certificação
reconhecida que favoreçam a sua inserção no mercado de trabalho mediante
desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes.
E, ainda, a escolha do curso deverá respeitar os interesses e anseios dos
adolescentes e ser pertinentes às demandas do mercado de trabalho, pois, como
afirma Rattner (2002), a inclusão não pode restringir-se apenas à entrada no
mercado de trabalho, mas deve considerar também as formas de manter tal
inserção, através de ações concretas e planejadas no sentido de inseri-los no
mercado informal, em estágios remunerados, a partir de convênios com empresas
privadas e públicas, considerando contudo o aspecto formativo.
Assim sendo, a proposta da Educação Profissional para o Socioeducativo,
deve ser voltado para a inclusão social, pois compreende-se que os discursos no
campo do trabalho relacionados à educação devem pautar-se pela dinâmica de uma
formação ampla que permita ao sujeito não apenas sair de uma determinada
situação excludente de forma imediata, mas que visa à construção de uma
autonomia que permita ao aprendiz, futuro trabalhador, permanecer inserido na
realidade social mais ampla.
Para Mantoan (2003), o conceito de inclusão social compreende uma
ação ou política que objetiva a inserção de sujeitos excluídos, preparando as futuras
gerações para o convívio com a diversidade, compreendendo a realidade de todos,
deixando de lado a perspectiva de que a inclusão é para os que possuem
necessidades especiais. Ela é para todo aquele que, de alguma forma, foi excluído
(MANTOAN, 2003, p.57).
Nessa perspectiva Rattner (2002, p. 1) define que: “a inclusão torna-se
viável somente quando, através da participação em ações coletivas, os excluídos são
32
capazes de recuperar sua dignidade e conseguem - além de emprego e renda - acesso à
moradia decente, facilidades culturais e serviços sociais, como educação e saúde”.
Para o alcance de tais fins, defende-se um sistema que procure integrar
os direitos individuais e sociais, que seja pautado em práticas educativas capazes de
reduzir os efeitos da privação de liberdade. A educação dos adolescentes e jovens,
mesmo em condições de privação de liberdade, é uma exigência democrática,
entendida não só como um meio de inclusão social, mas também de condições para
a participação política. Essa educação não deve ser entendida apenas como um
processo que envolve a escolarização, ou a profissionalização. Ela deve ser
compreendida como um processo que envolve diferentes processos educativos e
relações sociais, garantindo os valores e as condições concretas estabelecidas
pelos princípios constitucionais de respeito à dignidade humana.
1.10 Perfil Profissional
Nossa sociedade está marcada por vários desafios, dentre os mais
variados destaca-se a necessidade da legitimação e desenvolvimento de uma
política efetiva na área socioeducativa com os adolescentes internos em
cumprimento de medida visando a sua inserção social.
Na busca da superação desses desafios, cabe-nos uma reflexão acerca
do perfil daquele que está incorporado no processo estrutural da educação, no caso
o educador. Não é fácil buscar um perfil integrado ao sistema educacional, que
corresponda aos anseios da comunidade educativa.
Não se pode pensar em transformação, sem antes considerar que que o
princípio, meio e o fim da educação é desenvolvimento do ser humano e que os
recursos mais importantes desta área são as pessoas.
Dessa maneira a competência e habilidade do educador têm grande
influência nos resultados obtidos em qualquer ação socioeducativa.
Todos os atores envolvidos no processo Socioeducativo precisam
construir uma prática que comporte uma dimensão teórica e vice-versa. Nessa
perspectiva cabe-nos buscar, nas habilidades e competências necessárias a
construção do perfil desse profissional. É na relação entre o que se ensina, como se
ensina, a quem se ensina e para que se ensina que se fundamenta o ato de educar.
Em outras palavras: ensina-se algo, de alguma forma, a alguém, com algum
33
propósito.
Ao construir esse perfil, faz-se necessário projetar, entre tantas, a tríade
relação das competências: técnica, política e ética.
A competência técnica pressupõe o domínio do saber- fazer dentro da
área de atuação, pressupõe o conhecimento teórico e prático que contribui para o
desenvolvimento integral dos adolescentes.
Outro componente dessa tríade relação é a competência política, na sua
essência etmológica: “polis” relacionamento, contato humano, agrupamento. É no
processo de interação que se constrói o humano. Trata-se de uma característica do
processo educacional na sua totalidade. Não se educa sem que haja a relação
entre sujeitos socioculturais(de experiência e linguagem), com papeis diferentes e
complementares. O ambiente educativo é o lugar privilegiado da relação com o
outro na fascinante tarefa de ensinar e aprender. E é por isso que necessitamos do
exercício constante da alteridade, compreendendo o outro como outro e não como
um estranho.
Por último está a competência ética, como a base do perfil do educador.
A ética permite-nos refletir sobre os princípios e valores que norteiam os propósitos
da relação educativa. A atuação na educação exige a vivência ética na sua
totalidade. Somos éticos quando, de forma intencional e planejada, nossa
intervenção pedagógica se concretiza na aprendizagem aprendendo o outro a
transpor os seus próprios limites. A construção pessoal exige a paciência histórica,
dentro da identidade de cada ser humano. Com suas limitações e avanços. Saber
respeitar essa condição é prioridade no exercício da vivencia dos valores éticos. É
no compromisso ético que se constrói cidadãos capazes de articular o pessoal e o
social, construindo espaços que comportem relações humanas.
Somos sabedores de que não há receitas manipuladas ou fórmulas
objetivas para a construção de um perfil do profissional socioeducador. Trata-se de
um processo de busca constante para construir no seu tempo, dentro do seu
espaço, com competência, prazer e generosidade, a conquista realizadora do ser
profissional da educação.
Assim, o perfil profissional do socioeducador, deve ter como marco
referencial o seguinte:
Ser um educador cuja ação traduza o comprometimento e a
credibilidade na transformação do ser humano em situação de vulnerabilidade.
34
Ser capaz de atuar nas diversas áreas de ensino formal e não formal.
Ser criativo, crítico, ético e tecnicamente capaz de contribuir para a
transformação social dos educandos.
Ser capaz de contribuir com o desenvolvimento político pedagógico do
Centro Socioeducativo, de forma a consolidar o trabalho coletivo e democrático.
Ser capaz de estabelecer um diálogo entre a sua área e as demais
áreas do conhecimento, relacionando o conhecimento científico à realidade social.
Ser dotado de uma sólida formação humanística, critica, reflexiva,
qualificadora da intervenção socioeducativa pautada na reflexão filosófica e no
princípio ético, para enfrentar os desafios das rápidas transformações sociais.
Compreender a função social do Centro Socioeducativo e o papel do
educador nesse contexto e em diversos campos de atuação.
1.11 Formação continuada dos atores sociais do sistema socioeducativo
A possibilidade de investimento na formação dos profissionais
encarregados da promoção e proteção dos direitos de adolescentes e jovens, em
instituições socioeducativas se configura em propostas de ações governamentais
previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos.
Com esse mesmo direcionamento, o SINASE - Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo propõe a formação inicial e continuada sobre a
temática “Criança e Adolescente” para os servidores públicos e as equipes das
entidades conveniadas envolvidas no atendimento ao adolescente em conflito com a
lei.
Em consonância com esses encaminhamentos, a formação dos
profissionais dos centros socioeducativos é um dos principais compromissos
assumidos pelo Governo do Estado de Mato Grosso enquanto política pública de
garantia da qualidade da educação e dos direitos para infância e juventude, em
espaços de privação de liberdade.
O desenvolvimento dessa política parte da compreensão de que o locus
da formação ocorre principalmente no lugar em que o exercício profissional acontece
– nos centros socioeducativos.
Desse modo, o cotidiano institucional requer atores socioeducadores que
estejam capacitados e em contínua formação para desenvolver um trabalho de
35
caráter pedagógico que rompa de forma definitiva com a cultura punitiva engendrada
nas instituições e programas que atendem adolescentes em conflito com a lei.
A compreensão de que é no locus de trabalho que os profissionais
constroem continuamente a sua formação, é assumida pela Secretaria de Estado de
Educação como um dos principais pilares da política de valorização desses
profissionais. O Projeto “Sala de Educador” foi concebido como a principal estratégia
adotada pela Seduc/MT para viabilizar de forma sistemática a ação de formação
continuada dos profissionais que atuam na escola. Constitui-se em um espaço de
reflexão voltado à formação continuada, e tem como objetivos fortalecer a escola
enquanto espaço de formação e auto-formação, por meio da organização de
momentos de estudos; construir um comprometimento coletivo com o processo
educativo; compreender o papel educativo do profissional no desempenho individual
e coletivo de sua função; e contribuir para a superação do déficit da qualidade do
ensino público.
Da mesma maneira há a necessidade de se fortalecer também o centro
socioeducativo como lócus de formação o que significa proporcionar aos
profissionais, espaço e tempo para sua formação de maneira contínua, a um só
tempo, individual e coletiva. Os momentos de estudos possibilitam aos profissionais
refletirem suas práticas, trocar experiências e promover debates buscando caminhos
de forma articulada para questões pertinentes a preparação dos adolescentes para a
transformação e o convívio social.
Faz-se necessário, destarte, mobilizar os profissionais a refletir sobre e no
seu fazer, tomando para si o processo de mudança da prática. Assim, todos em
momentos coletivos ou em subgrupos devem propor a realização de momentos
processuais formativos de modo que todos os educadores conheçam, vivam,
colaborem e assumam o seu papel no espaço da socioeducação, além de trocar
experiências, promover discussões, propor melhorias para tornar o processo
educativo mais democrático e contínuo. Esses momentos devem prever ações
formativas em que se prevaleça a ação sócio-educativa sobre os aspectos
meramente assistencialistas e repressores.
A relevância social dessa formação diz respeito à possibilidade que esse
processo cria ao proporcionar mais qualidade ao atendimento socioeducativo
garantindo a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, a
discussão, a elaboração interna e coletiva dos vários aspectos que cercam a vida
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dos adolescentes em conflito com a lei, bem como o estabelecimento de formas de
superação dos entraves da prática socioeducativa exigem capacitação técnica e
humana permanente e contínua considerando, sobretudo o conteúdo relacionado
aos direitos humanos de maneira a suprir as necessidades dos educadores ao lidar
com uma situação de educação em privação da liberdade em que o espaço e tempo
para o desenvolvimento do adolescente é outro.
Dessa maneira toda formação continuada oferecida aos profissionais
envolvidos no processo socioeducativo deve proporcionar reflexões e discussões
acerca de temáticas relacionadas à Criança e ao Adolescente, como já apontado
pelo Sinase. Os conteúdos/temas a serem trabalhados na formação continuada
devem discorrer acerca do sistema de medidas socioeducativas, das necessidades
de compreensão da adolescência, das relações institucionais, dos direitos humanos,
da psicologia do desenvolvimento e da sexualidade e outras políticas públicas que
irão subsidiar as ações educativas que ocorrem no espaço dos centros
socioeducativos.
1.12 Avaliação da Proposta
O monitoramento e a avaliação da proposta de atendimento
socioeducativo deverão ser construídos e realizados de forma periódica a partir de
indicadores de diferentes naturezas com coleta de dados quantitativos e
qualitativos, possibilitando produzir informações para planejamento e intervenções
de melhoria do atendimento no Centro Socioeducativo em Mato Grosso.
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2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse contexto, a Secretaria de Estado de Educação em observância a
Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Nacional da
Educação e a Política do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
SINASE, objetiva através desta proposta implementar no Centro Socioeducativo um
ambiente que propicie a construção de conhecimentos, atitudes, competências,
habilidades e valores sociais, onde direitos e deveres se entrelaçam desenvolvendo
a consciência crítica e a conseqüente ação transformadora na vida do adolescente
em conflito com a lei.
Portanto, a SEDUC diante da realidade vivenciada nas unidades do
Centro Socioeducativo vê a necessidade urgente em dar cumprimento as diretrizes
do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a natureza pedagógica da medida
socioeducativa, juntamente com outros parceiros das políticas públicas, através da
estruturação e concretização de uma prática pedagógica sustentável e garantista
aos adolescentes em conflito com a lei buscando transformar a problemática da
realidade atual em oportunidade de mudança.
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3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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RESENHA* DO LIVRO “A PRÁTICA EDUCATIVA”1 DE ANTONI ZABALA Sanches Neto, L.; Darido, S. C.; Ferreira, L. A.; Galvão, Z.; Pontes, G. H.; Ramos, G. N. S.; Rangel, I. C. A.; Rodrigues, L. H.; Silva, E. V. M. - Membros do LETPEF2
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