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UMA ANÁLISE DO MONÓLOGO E SOLILÓQUIO NAS TIRAS CÔMICAS94
Caroline Molinari Andrade (Letras-português, UEL) Maria Isabel Borges (Letras-português, UEL)
Esméri Malagute Pereira (Letras-português, UEL) RESUMO: As falas das personagens nas tiras cômicas tradicionalmente são representadas na forma de balões cujo traçado é contínuo, reto ou curvilíneo (RAMOS, 2010). Porém, há momentos em que as personagens, às vezes, entram em crise; outras vezes, questionam o cotidiano ou sua própria condição existencial. Neste momento, a representação do pensamento ou da reflexão é feita ora na forma de monólogo, ora na de solilóquio. Em linhas gerais, o monólogo é representado na forma de balões de pensamento, à medida que o solilóquio é retratado na forma de balões de fala. Neste caso, o interlocutor é a própria personagem. A partir disso, o objetivo principal é caracterizar a representação das falas nas formas de monólogo e de solilóquio em seis tiras cômicas (duas de cada série) dos cartunistas Orlandeli (séries “Sic” e “Grump”) e Bill Watterson (série “Calvin e Haroldo”). Este trabalho integra o projeto de pesquisa “Gramática, pragmática e tiras: em busca da organização gramatical de fato e valor”, coordenado pela professora Maria Isabel Borges. PALAVRAS-CHAVE: Texto. Tiras cômicas. Monólogo e solilóquio.
94 Este trabalho integra o projeto de pesquisa “Gramática, pragmática e tiras: em busca da
organização gramatical de fato e valor”, coordenado pela professora Dra. Maria Isabel Borges.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presença dos quadrinhos na sala de aula, principalmente nas aulas
de língua portuguesa, nos dias de hoje se dá basicamente por dois motivos: 1) a política
educacional implantada com os PCNs (BRASIL, 1998) propõe o estudo de textos
pertencentes a gêneros discursivos diversos; 2) a presença dos quadrinhos em exames de
vestibulares. O vestibular da Unicamp foi o primeiro, em 1990, a usar uma tira cômica,
um gênero discursivo pertencente ao hipergênero “quadrinhos”. (RAMOS, 2007; 2010;
VERGUEIRO, 2004a; 2004b).
O retorno dos quadrinhos à sala de aula também traz à tona uma
urgência na compreensão de sua linguagem híbrida, como destacam Vergueiro (2004a;
2004b), Rama e Vergueiro (2004) e Ramos (2007; 2010). Com o propósito de contribuir
para tal compreensão, neste trabalho, nossa proposta é caracterizar a representação das
falas nas formas de monólogo e de solilóquio em seis tiras cômicas (duas de cada série)
dos cartunistas Orlandeli (séries “Sic” e “Grump”) e Bill Watterson (série “Calvin e
Haroldo”). É claro que se trata de um recorte das diversas possibilidades de
representação das falas nos quadrinhos.
A TIRA CÔMICA COMO GÊNERO DO DISCURSO
A tira cômica é um dos gêneros discursivos pertencentes ao
hipergênero “quadrinhos”. Com base nos estudos de Maingueneau (2004; 2005; 2006),
trata-se de um rótulo, um guarda-chuva que abriga: as tiras (cômicas, cômicas seriadas e
seriadas), as charges, os cartuns e as histórias em quadrinhos. A narratividade apoiada
em aspectos temporais e espaciais são alguns dos aspectos que unem tais gêneros
discursivos. As ações são desenroladas por personagens fixas ou não, que “... funcionam
como bússolas na trama: são a referência para orientar o leitor sobre o rumo da
história.” (RAMOS, 2007, capítulo 695). Segundo Teixeira (2005), a partir de um sujeito
real, constrói-se um sujeito fictício. As histórias em quadrinhos possuem sequências
95 Tese de doutorado na versão eletrônica, sem paginação. Nossa opção foi fazer referência por meio do número do capítulo.
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narrativas mais longas, podendo constituir álbuns autônomos, com personagens, na
maioria das vezes, fixas cujas características são reconhecidas pelo destinatário a cada
trama lida.
Nas tiras, as personagens podem ser fixas ou não. Porém, a sequência
narrativa é mais breve, com três ou quatro vinhetas, quando no formato clássico (um
retalho), como podemos observar nas tiras cômicas 2, 3 e 4 analisadas neste trabalho. É
comum uma flutuação terminológica — tirinha, tira de quadrinhos, tira em quadrinho
etc. Segundo Ramos (2010), muitas vezes, uma tira é confundida com uma charge ou
com uma história em quadrinhos. “Charge e tira cômica, por exemplo, são textos unidos
pelo humor, mas diferentes no tocante às características de produção. Para ficar em
apenas uma distinção: a charge aborda temas do noticiário e trabalha em geral com
figuras reais representadas de forma caricata, como os políticos; a tira mostra
personagens fictícios, em situações igualmente fictícias.” (RAMOS, 2010, p. 16) Na
verdade, as tiras podem ser cômicas, porque se pautam num final de tom humorado,
havendo uma proximidade com a piada. (RAMOS, 2007; 2010) Podem ser seriadas
quando a trama não se encerra em uma única tira. Neste caso, cada aspecto da trama é
apresentado em uma tira publicada em dias diferentes: um capítulo para cada dia,
aproximando-se de uma novela. Quando a tira seriada está associada ao humor, com um
desfecho inesperado, tem-se uma tira seriada cômica. Já quando o foco recai sobre as
ações, tem-se uma tira seriada, também chamada tira de aventuras.
A FALA NOS QUADRINHOS: OS BALÕES
Não há um consenso quanto à definição do balão de fala. De um modo
geral, é entendido como um recurso de extrema importância para a expressão das falas e
pensamentos das personagens. A palavra escrita tanto aparece na legenda — a visão do
narrador — quanto nas falas explícitas nas interações entre personagens, nas falas em
voz alta de uma personagem (o solilóquio) e na “fala pensada” (o monólogo), porém
não exteriorizada. (ECO, 1976/1993; RAMOS, 2007; 2010).
Para Ramos (2007, capítulo 7), “O balão é um elemento central. Por
mais diverso que seja seu uso, pode-se resumi-lo de duas maneiras. Há balões de
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pensamento, apresentados em geral com um contorno em forma de fumaça ou nuvem.
Os demais indicam fala de personagem.” O balão de fala é constituído de conteúdo
escrito — as falas expressas ou pensadas, também denominadas continente — e de um
rabicho, um elemento visual que sinaliza para o destinatário de quem é a fala. O rabicho
também é chamado de apêndice, ou ainda, pode estar ausente em algumas tiras, por
exemplo, nas tiras cômicas de Henfil e Orlandeli.
Dentre as representações do pensamento das personagens, dois
conceitos devem ser destacados: o do monólogo e o do solilóquio. Ambos seriam
formas de explicitar o que as personagens pensam. Contudo, cada um tem sua forma
própria.
Em meio à teoria literária, o monólogo e o solilóquio, segundo Moisés
(1977), são recursos narrativos essenciais para exprimir os aspectos relacionados ao
ponto de vista96 ou ao foco narrativo. Nas tiras cômicas, esse aspecto mostra-se
presente, atribuindo, na maioria dos casos, o ponto de vista expresso pela primeira
pessoa do discurso (eu). Contudo, nada impede que, em uma mesma tira, haja dois
pontos de vista distintos, ou apenas o expresso na terceira pessoa, como em muitas
obras literárias. Ainda de acordo com o autor, os recursos narrativos presentes em uma
obra de ficção seriam “o diálogo, a descrição, narração e dissertação” (MOISÉS, 1977,
p. 114). O primeiro é o que nos interessa no momento. Para Moisés (1977), o diálogo
narrativo é entendido como a fala das personagens, podendo dividir-se da seguinte
forma: diálogo direto, diálogo indireto97, monólogo interior direto, monólogo interior
indireto e solilóquio. As duas primeiras formas ocorrem com menos frequência dentro
dos quadrinhos. Isto posto, nosso enfoque será sobre as outras três formas. Assim como
foi relatado anteriormente, os conceitos de monólogo e solilóquio possuem uma
96 De acordo com Massaud Moisés (1977, p. 113), “por ponto de vista, ou foco narrativo, se entende a posição em que se coloca o escritor para contar a história, ou seja, qual a pessoa verbal que narra, a primeira ou a terceira?”. 97 A diferença entre o diálogo direto e o indireto define-se da seguinte forma: o primeiro utiliza-se de recursos gráficos, como travessões e aspas, para expressar a fala das personagens; o segundo é expresso pelo próprio narrador, que se utiliza de verbos como “... ele disse que”, para representação da fala das personagens dentro da narrativa. (MOISÉS, 1977)
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pequena diferença, quando inseridos no meio literário. De acordo com Moisés (1977, p.
114-115),
... ainda pertencem à esfera do diálogo o 1) monólogo interior direto, em que a fala mental da personagem semelha dirige-se diretamente ao leitor, o monólogo interior indireto, que se transmite com a participação do escritor; e 2) o solilóquio, em que a personagem fala sozinha, sem interlocutor, nem mesmo o escritor (aparentemente).
Mesmo tendo sido apontada uma diferenciação, percebe-se que
existem alguns pontos semelhantes entre os conceitos apresentados por Ramos (2007;
2010) e Moisés (1977). Podemos afirmar que tanto o monólogo quanto o solilóquio são
formas de representar a fala mental, ou o pensamento, das personagens dentro de um
dado contexto textual. Quando ambos os autores referem-se ao termo “monólogo”, eles
concordam que essa forma de expressão da fala não depende de um interlocutor, pois se
passa na mente da personagem. Por um lado, Moisés (1977) assume que o monólogo
interior indireto, assim como no discurso indireto, há o auxílio do narrador, quem
participa da transmissão dessa fala ao leitor como uma espécie de mediador. Por outro
lado, enquanto que, para Ramos (2007; 2010), durante o solilóquio, o interlocutor da
personagem seja ela própria, para Moisés (1977), não há nenhum interlocutor, nem
mesmo o narrador. Tais pontos, em linhas gerais, demonstram certa distinção entre estes
conceitos que, apesar de utilizados em contextos diferentes, possuem uma inter-relação
importante, já que tiveram uma origem comum, pautada na teoria literária.
Segundo Ramos (2007; 2010), o monólogo seria uma representação
escrita do pensamento ou reflexão de uma personagem, indicado pela forma do balão de
pensamento, sem haver um interlocutor; já no solilóquio, um discurso expresso em voz
alta e representado pela forma do balão de fala, a personagem discursa para si mesma,
constituindo-se seu próprio interlocutor. Para o autor (2010, p. 33), essa “distinção é
muito pertinente. Pensar algo é bem diferente de ficar falando sozinho em voz alta”.
Além disso, outra distinção apontada por ele está ligada às diferentes formas dos balões,
sendo que em um se usa o de fala; e no outro, o de pensamento. Vale ressaltar que o
monólogo e o solilóquio podem, dentro de uma tira, ocorrer isoladamente ou ao mesmo
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tempo. Isso também ocorre com os vários tipos de balões, que podem coexistir com
outros.
UMA ANÁLISE
Como objeto de análise, foram escolhidas seis tiras dos seguintes
cartunistas: Orlandeli (séries “Sic” e “Grump”) e Bill Watterson (série “Calvin e
Haroldo”). Cada uma das tiras selecionadas será analisada a partir da identificação das
estruturas monólogo e solilóquio. Juntamente a isso, pretendemos demonstrar que a
falta de recursos gráficos para a representação do pensamento das personagens pode
levar a uma leitura mais aberta, impelindo os leitores a terem, no mínimo, duas leituras.
Na tira cômica “Grump” do cartunista Orlandeli98, é possível perceber
que a fala da personagem, denominada Vândalo, é representada por um balão de
pensamento. Levando isso em conta, supomos que não existe nenhum interlocutor, uma
vez que nenhuma palavra foi expressa pela personagem. Logo, podemos afirmar que a
forma utilizada para representar seu pensamento foi a do monólogo. Além disso, na tira
1, o formato do balão de pensamento utilizado é diferente do proposto pela tradição
(fumaça ou nuvem) (CAGNIN, 1975; RAMOS, 2007; 2010). A escolha de um balão de
pensamento quadrado pode ser relacionada ao estilo adotado pelo cartunista.
Tira 1: “Uma rima...”, publicada no dia 22 de janeiro de 2014.
98 O cartunista e ilustrador Walmir Américo Orlandeli, formado em Publicidade e Propaganda, atua na área do cartum desde 1994. É autor das revistas “Sic” e “Grump”, além de outas. Ele teve vários de seus trabalhos selecionados para salões nacionais e internacionais. Ganhou o “Troféu HQ Mix”, em 2002, como a melhor revista de humor de 2002, com a revista “Grump”.
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Fonte: disponível em <http://ultimaquimera.com.br/category/grump>. Acesso em: 01
maio 2014.
Na segunda tira, também da série “Grump”, há a exemplificação da
representação do pensamento por meio do solilóquio, presente na primeira e na segunda
vinhetas. Nelas, Grump começa a refletir sobre o paradeiro de seu possível amigo, São
Judas. Nos dois momentos, exterioriza o que está pensando, tendo como interlocutor si
mesmo. Além disso, o caráter cômico da tira está no fato de São Judas, ícone religioso,
tê-lo traído, fazendo uma intertextualidade com o texto bíblico.
Tira 2: “Aí eu falei...”, publicada em 30 de julho de 2013.
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Fonte: disponível em <http://ultimaquimera.com.br/category/grump/page/3>. Acesso
em: 01 maio 2014.
Outro cartunista que pode exemplificar o uso do monólogo e do
solilóquio é Bill Watterson99, com as tiras “Calvin e Haroldo”.
Tira 3: “Marcação”100.
Fonte: Watterson (2010, p. 15)
Nas três primeiras vinhetas (tira 3), a fala das personagens é
caracterizada como um diálogo, pois há a interação face a face. Já na última vinheta,
Calvin se utiliza do monólogo para expressar-se. Isso é percebido pelo uso do balão de
pensamento, representado pelo formato tradicional de nuvem. (CAGNIN, 1975;
RAMOS, 2007; 2010).
Tira 4: “Vai que dá certo!”.
99 Cartunista norte-americano e bacharel em Artes com ênfase em Ciências Políticas. A primeira tira cômica “Calvin e Haroldo” foi publicada em 18 de novembro de 1985. Foi influenciado por Charles Schulz, criador do Snoopy e de outros membros da turma de Charlie Brown. A última tira cômica de “Calvin e Haroldo” data de 31 de dezembro de 1995. (Disponível em: <http://depositodocalvin.blogspot.com.br/2009/04/biografia-de-bill-watterson.html>. Acesso em: 11 maio 2014.) 100 Originalmente, as tiras “Calvin e Haroldo” não são nomeadas. Os títulos visam facilitar a análise.
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Fonte: Watterson (2010, p. 28)
Em outra tira (tira 4), há a combinação entre o monólogo e o
solilóquio. Na segunda vinheta, apesar de não haver nenhuma marcação gráfica que
indique que Calvin esteja realmente pensando, podemos deduzir que o monólogo esteja
presente. Na última vinheta, a presença do solilóquio é evidente, uma vez que a
personagem se encontra sozinha e falando em voz alta. Apesar de serem aparentemente
fáceis de identificar, o monólogo e o solilóquio nem sempre são apresentados
exatamente como se supõe que sejam retratados: um pelo balão do pensamento; o outro
pelo de fala.
Um exemplo disso seria a tira da série “Sic” de Orlandeli.
Tira 5: “Estou atolado até o pescoço”, publicada em 10 de fevereiro de 2014.
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Fonte: disponível em <http://ultimaquimera.com.br/category/sic>. Acesso em: 01 maio
2014.
A falta de um recurso gráfico — signo de contorno ou balão — na
quinta tira, torna a leitura mais aberta, dando um efeito de duplicidade/ambivalência.
Esse efeito, que de início poderia tornar a leitura um pouco confusa, acaba gerando uma
produtividade semântica, quando relacionada à interpretação que o sujeito faz da tira: é
o narrador que fala ao leitor ou é a personagem que está falando para o leitor, tratando-
se de um solilóquio?
Em um primeiro momento, a ausência de um balão que recrie a fala da
personagem e, até mesmo, de um apêndice que indique o produtor das frases expostas
podem deixar o leitor “perdido” (sem referências). Além disso, a falta de balões
dificulta a definição de monólogo e solilóquio, pois precisam desse recurso para que
possam ser diferenciados. Mas, nada impede que um leitor deduza que a personagem
esteja conversando com um interlocutor que não seja ela mesma. Alguns recursos
linguísticos podem auxiliar nessa leitura, como a frase presente na segunda vinheta:
“Situação tá feia. Estamos literalmente no vermelho”. A marca de plural no verbo
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“estar” indica que a personagem poderia estar interagindo com outro sujeito. Contudo,
com base nas ideias de Ramos (2007; 2010), esse interlocutor pode ser ela mesma. O
que pode estar acontecendo seria o seguinte: ela deve estar pensando que não é a única
pessoa em uma situação financeira ruim, por isso utiliza-se do verbo no plural,
incluindo-se e generalizando/estendendo a situação. Contudo, essa leitura não se torna
decisiva, muito menos a certa. O intuito, ao trazer a tira cômica, foi demonstrar que
várias leituras podem ser apresentadas, uma vez que nenhum signo de contorno foi
apresentado.
Em outra tira cômica da série “Sic” (tira 6), não há balões ou
apêndices que indiquem a fala da personagem. Entretanto, outros aspectos — assim
como foi explicado anteriormente — tornam possível a caracterização dessa fala.
Tira 6: “Opte por aquilo que faz seu coração vibrar”, publicada em 23 de dezembro de
2013.
Fonte: disponível em <http://ultimaquimera.com.br/category/sic/page/2>. Acesso em:
01 maio 2014.
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A linguagem utilizada na sexta tira nos remete ao ato de narrar. É
como se a personagem narrasse o que aconteceu com ela, mas essa ação ocorre em sua
mente. Um fator que nos indica que a personagem está realmente pensando seria a frase
presente na quarta vinheta: “Nunca tinha parado para pensar dessa forma”. Mesmo não
havendo marcas gráficas que indiquem qual tipo de balão e, portanto, qual tipo de fala é
utilizado pela personagem, outros aspectos linguísticos podem auxiliar nessa leitura.
Mesmo assim, a falta do recurso gráfico — como na tira anterior — pode dar abertura
para mais de uma interpretação, levando o leitor a pensar que, ao invés de a personagem
estar utilizando-se do monólogo, ela esteja usando o solilóquio. Ou ainda, essa
personagem poderia empregar as duas formas de representação de fala ao mesmo
tempo, de modo que, da primeira à sexta vinheta, teríamos um monólogo à medida que,
na última, um solilóquio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base em Innocente (2005), a tira cômica está alicerçada no
humor, em recursos gráficos — o que instaura uma linguagem própria para o gênero do
discurso — e numa estrutura composicional de quatro movimentos:
1) apresentação do título e da autoria;
2) contextualização do tríada tema-personagens-trama, a composição do cenário da
história;
3) clímax, a construção de uma expectativa;
4) desfecho, a ruptura ou quebra da expectativa.
Juntamente com esses movimentos, o monólogo e o solilóquio
constituem duas formas particulares de representação das falas das personagens,
configurando, em parte, a linguagem dos quadrinhos. Tanto as falas expressas quanto os
pensamentos ou as reflexões são retratadas nos quadrinhos para que o leitor possa
construir um sentido possível. Em se tratando das tiras analisadas, também se observa
um afastamento da tradição quando não se usa o rabicho para vincular falas expressas
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ou não ao seu produtor, bem como se opta por outro formato que não seja o de nuvem
ou fumaça para retratar uma fala não expressa.
O mais interessante de tudo isso é diferenciar quando uma
personagem está em interação com outra e quando está se colocando como interlocutora
de si própria, de modo a contribuir com a construção dos sentidos possíveis das tiras
cômicas, gêneros do discurso pertencentes ao hipergênero quadrinhos. Os sentidos são
construídos diante da mobilização dos recursos específicos da linguagem dos
quadrinhos, uma relação híbrida entre a palavra escrita e o desenho.
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