UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA
ERIKA DA SILVA MAGLIANO
ASSOCIAÇÃO ENTRE CONSUMO DE SÓDIO E PRESSÃO ARTERIAL EM
ADOLESCENTES DO ESTUDO DE RISCOS CARDIOVASCULARES EM
ADOLESCENTES (ERICA)
Rio de Janeiro
2017
ERIKA DA SILVA MAGLIANO
ASSOCIAÇÃO ENTRE CONSUMO DE SÓDIO E PRESSÃO ARTERIAL EM
ADOLESCENTES DO ESTUDO DE RISCOS CARDIOVASCULARES EM
ADOLESCENTES (ERICA)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio
de Janeiro como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva
Orientadora: Profª. Drª. Katia Vergetti Bloch
Orientadora: Profª. Drª. Amanda de Moura Souza
Rio de Janeiro
2017
M195
Magliano, Erika da Silva.
Associação entre Consumo de Sódio e Pressão Arterial em
Adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
(Erica) / Erika da Silva Magliano. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva, 2017.
120 f.; 30 cm.
Orientadora : Katia Vergetti Bloch
Co-orientadora: Amanda de Moura Souza
Tese (Doutorado) – UFRJ / Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
2017.
Referências: f. 106-120.
1. Hipertensão. 2. Saúde do adolescente. 3. Pressão arterial. I. Bloch,
Katia Vergetti. II. Souza, Amanda de Moura. III. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. IV. Título.
CDD 616.132
A Deus, sempre fiel às suas promessas na minha vida.
Aos meus pais José e Regina e ao meu
marido, Robson, pelo total apoio em tudo
que realizo.
AGRADECIMENTOS
A Katia Vergetti Bloch, a quem admiro e respeito, pessoalmente e profissionalmente. Pela
confiança em mim depositada nesses quase oito anos de convivência e parceria. Muito
obrigada por tudo! Agradeço pelo aprendizado que levarei para toda a vida!
Aos meus pais que sempre me apoiaram, junto com o meu irmão, Diego, foram o suporte para
todas as minhas conquistas! Pais, vocês são meu maior exemplo para tudo, sem vocês não
teria chegado até aqui! Obrigada por toda perseverança em me tornar uma pessoa feliz e
realizada.
Ao meu marido Robson por todos os momentos de paciência e companheirismo nessa longa
jornada! Obrigada pela cumplicidade e pelo companheirismo sempre. Esse sonho não seria
realizado sem o seu suporte.
A minha sogra Rudinalva que me cercou de toda estrutura necessária para que eu chegasse
aqui, e ao meu enteado Nathan por trazer tanta alegria à minha vida. Não conseguiria sem
vocês! Ao meu cão Spoky pelo alento nos momentos mais difíceis dessa jornada!
Aos meus companheiros do Erica: Laura Barufaldi, Gabriela Azevedo, Thiago Luiz e Debora
França. Obrigado por toda ajuda, e por estarem sempre disponíveis e prontos para o que fosse
preciso. Amigos que certamente levarei além da vida acadêmica! Vocês são os melhores!
Dedico essa vitória a todos vocês! E vamos comemorar! Vocês são especialistas nisso!
Aos amigos e professores: Carlos Henrique Klein, Maria Cristina Kuschnir, Amanda de
Moura Souza, Mônica Magnanini e Aline Araújo por estarem sempre dispostos para me
ajudar. Admiro muito todos vocês, são grandes exemplos para mim!
A minha amiga Luciana Camacho, uma das minhas principais incentivadoras nessa jornada.
Presente desde o mestrado, todas as vezes me cobrava progressos no andamento do projeto.
Participou de risos e choros, e construiu essa estrada ao meu lado. Essa vitória também é sua!
Obrigada pelo amor e carinho!
Aos meus amigos do INCA que me apoiaram desde o início dessa longa jornada. Minha
amiga Andrea Dias (in memorian), Alcinéia, Ana Paula, Andrea Tofani, Carlos Eduardo,
Carolina, Daiane, Deise, Desirée, Dulce, Edlaura, Lènzie, Luísa, Marcelle, Márcio, Maria
Gildênia, Maria Inês, Patrícia, Paula, Rafael Marques, Rafael Sadoc, Renata, Taciane,
Tamires, Vanessa e Viviane. Muita gratidão pelo companheirismo do dia a dia, tanto no
ambiente de trabalho quanto fora dele. Obrigada por existirem na minha vida! E pelo apoio
constante!
A minha amiga Erika Barreto, que mesmo de longe sempre esteve na torcida por essa
conquista! Amo você!
Aos alunos, pais/responsáveis, diretores de escolas, coordenadores estaduais, supervisores de
campo e financiadores, que fizeram do Erica uma realidade.
Ao corpo docente do IESC/UFRJ, que foram essenciais na minha formação acadêmica.
Aos funcionários do IESC/UFRJ, Fátima, Roberto e Nadja, por toda prontidão em ajudar e
servir.
RESUMO
MAGLIANO, Erika da Silva. Associação entre Consumo de Sódio e Pressão Arterial em
Adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica). Rio de
Janeiro, 2017. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
A adoção de medidas de prevenção primária em jovens assume grande importância no cenário
da abordagem das doenças cardiovasculares. Alguns fatores de risco para doenças
cardiovasculares vêm aumentando também em crianças e adolescentes. A obesidade, o
sedentarismo, a alimentação não saudável e o histórico familiar para hipertensão são alguns
dos fatores relacionados à hipertensão arterial. Dentro desse contexto, o consumo de sódio
comprovadamente influencia a pressão arterial, naqueles indivíduos sensíveis, e é um fator
importante que pode ser modificado para prevenção de complicações no futuro. O presente
trabalho teve como objetivo analisar a associação do consumo alimentar de sódio com a
pressão arterial em adolescentes. O primeiro artigo descreve a distribuição do consumo de
sódio e analisa quais grupos de alimentos mais contribuíram para esse consumo na população.
Os dados de consumo de sódio foram obtidos por meio de recordatório alimentar de 24 horas.
As médias foram estimadas, bem como os intervalos de confiança. Para a análise por grupos
de alimentos foram identificados 32 grupos de alimentos com perfis similares de
macronutrientes. O consumo médio de sódio no país foi de 3.378 mg (IC 95%: 3.313 – 3.444
mg), sendo que os adolescentes do sexo masculino apresentaram maiores médias do que o
sexo feminino. Os alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio na população
total foram: arroz e preparações (16%), feijão, leguminosas e preparações (12%), pães (10%)
e carne bovina (9%), com pequenas variações por região do país. Os adolescentes consomem
uma quantidade de sódio muito acima da recomendação para a sua faixa etária. No segundo
artigo, as características da associação do consumo alimentar de sódio com a pressão arterial
foram investigadas para variáveis de confundimento e modificadoras de efeito. A medida da
pressão arterial foi realizada de acordo com o “Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation,
and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents”. Foram realizados
gráficos a fim de explorar essa relação estratificando-se por sexo, idade, cor da pele e região
do país. Essas foram as variáveis que demonstraram maior variabilidade. Dados sobre o
histórico familiar para hipertensão foram obtidos pelo questionário do responsável. O
coeficiente de regressão linear observado foi de 0,42, com p<0,001. Esse é o incremento na
pressão sistólica para cada aumento de 1g no consumo de sódio, ajustado por sexo, idade e
consumo energético. Após estratificação por sexo, o coeficiente de regressão linear só
permaneceu significativo para adolescentes do sexo masculino. Além disso, no sexo
masculino, o fato de ter só mãe, ou pai e mãe, com hipertensão arterial impacta no efeito do
consumo do sódio na pressão arterial sistólica dos adolescentes, levando a um aumento
estatisticamente significativo. Os resultados apresentados sugerem que adolescentes do sexo
masculino e com história familiar de hipertensão arterial tendem a apresentar maior
sensibilidade ao sódio. A complexidade das relações estudadas e características da
adolescência, uma fase de grandes transformações biológicas e comportamentais, além de
limitações metodológicas intrínsecas a estudos observacionais são discutidas ao longo desse
trabalho e nas considerações finais.
Palavras-chave: Hipertensão arterial. Consumo de sódio. Saúde do adolescente. Pressão
arterial.
ABSTRACT
MAGLIANO, Erika da Silva. Associação entre Consumo de Sódio e Pressão Arterial em
Adolescentes do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica). Rio de
Janeiro, 2017. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
The adoption of measures for primary prevention in young people is of great importance in
the scenario of cardiovascular diseases. Some risk factors for cardiovascular disease have also
been raising in children and adolescents. Obesity, sedentary lifestyle, unhealthy food and
family history of hypertension are some of the factors related to high blood pressure. Within
this context, sodium intake has been shown to influence blood pressure in these sensitive
individuals and is an important factor that can be modified to prevent complications in the
future. The objective of the present study was to analyze the association between sodium food
intake and blood pressure in adolescents. The first article describes the distribution of sodium
intake and analyzes which food groups most contributed to this consumption in the
population. Data on sodium intake were obtained through a 24-hour food recall. The averages
were estimated as well as the confidence intervals. For the analysis by food groups, 32 food
groups with similar macronutrient profiles were identified. The mean intake of sodium in the
country was 3,378 mg (95% CI: 3,313 - 3,444 mg), and the male adolescents presented higher
averages than the female ones. Foods that contributed most to sodium consumption in the
total population were: rice and preparations (16%), beans, vegetables and preparations (12%),
breads (10%) and beef (9%), with small variations in regions of the country. Teenagers
consume much more sodium than the recommendation for their age group. In the second
article, the characteristics of the association of sodium food intake with blood pressure were
investigated for confounding and effect modifying variables. Measurement of blood pressure
was performed according to the Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of
High Blood Pressure in Children and Adolescents. Graphs were drawn to explore this
relationship stratified by sex, age, skin color and region of the country. Data on the family
history of hypertension were obtained through the guardian´s questionnaire. The linear
regression coefficient was 0.42, with p <0.001. This is the increase in systolic pressure for
each 1g increase in sodium intake, adjusted for sex, age and energy consumption. After
stratification by sex, the linear regression coefficient only remained significant for male
adolescents. In addition, in the male sex, having only mother, or father and mother, with
arterial hypertension impacts on the effect of sodium intake on the systolic blood pressure of
adolescents, leading to a statistically significant increase. The results presented suggest that
male adolescents with a family history of hypertension tend to be more sensitive to sodium.
The complexity of the relations studied and characteristics of adolescence, a phase of great
biological and behavioral transformations, and methodological limitations intrinsic to
observational studies are discussed throughout this work and in the final considerations.
Key words: Arterial hypertension. Sodium consumption. Adolescent health. Blood pressure.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Análise da regulação da pressão arterial pela equalização da "curva de débito
renal" com a "curva de ingestão de sal e de água". O ponto de equilíbrio representa o
nível no qual a pressão arterial será regulada.
18
Figura 2. Duas maneiras pelas quais a pressão arterial pode ser elevada. A, pelo
deslocamento da curva de débito renal para a direita, em direção a um novo nível de
pressão ou B, pelo aumento da ingestão de sal e água.
18
Figura 3. Mecanismo vasoconstritor da renina-angiotensina para o controle da pressão
arterial.
19
Figura 4. Eventos sequenciais por meio dos quais a ingestão de sal aumenta a pressão
arterial, mas a redução por feedback da atividade do sistema renina-angiotensina
praticamente a normaliza.
21
Figura 5. Análise da regulação da pressão arterial na (1) hipertensão essencial insensível
ao sal e (2) hipertensão essencial sensível ao sal.
22
Figura 6. Modelo teórico para associação de consumo de sódio com pressão arterial. 40
Artigo 1
Figura 1. Grupos de alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio no Brasil
e por região, Erica 2013-2014.
63
Figura 2. Grupos de alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio por tipo
de escola, Erica 2013-2014.
65
Artigo 2
Figura 1. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por sexo – Erica
2013-2014.
87
Figura 2. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por sexo e cor da
pele – Erica 2013-2014.
88
Figura 3. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por região – Sexo
Feminino – Erica 2013-2014.
89
Figura 4. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por região – Sexo
Masculino – Erica 2013-2014.
90
Figura 5. Médias de pressão sistólica por quintil de sódio para história familiar de
hipertensão arterial – Sexo Feminino – Erica 2013-2014.
92
Figura 6. Médias de pressão sistólica por quintil de sódio para história familiar de
hipertensão arterial – Sexo Masculino – Erica 2013-2014.
92
Figura 7. Associação entre consumo de sódio e PAS por sexo e história familiar para
hipertensão - Erica 2013-2014.
93
Figura 8. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS (mmHg) por sexo – Municípios –
Erica 2013-2014.
94
LISTA DE QUADROS
Artigo 1
Quadro 1. Grupos de Alimentos que contribuíram para o consumo de sódio, Erica
2013-2014.
62
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Correspondência entre os valores de sódio e de sal 28
Artigo 1
Tabela 1. Médias de consumo de sódio por grupo de variáveis: bruta e ajustada por
consumo de energia, Erica 2013-2014.
59
Tabela 2. Consumo médio de sódio nos municípios, Erica 2013-2014 65
Artigo 2
Tabela 1. Características da amostra observada, Erica 2013-2014. 83
Tabela 2. Médias de pressão arterial sistólica, diastólica e médias de consumo de sódio,
Erica 2013-2014.
85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEP Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
ADH Hormônio anti-diurético
DCV Doença cardiovascular
Erica Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
HA Hipertensão arterial
HAS Hipertensão arterial sistêmica
HDL Lipoproteína de alta densidade
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMC Índice de Massa Corpórea
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
OR Odds-ratio
PA Pressão arterial
PAD Pressão arterial diastólica
PAE Pressão arterial elevada
PAS Pressão arterial sistólica
PDA Personal digital assistant
POF Pesquisa de Orçamentos Familiares
QFA Questionário de Frequência Alimentar
REC24h Recordatório 24 horas
RR Risco Relativo
WHO World Health Organization
SUMÁRIO
Apresentação 13
1 INTRODUÇÃO 17
1.1 FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL E INGESTÃO DE SAL
E ÁGUA
17
1.2 REGULAÇÃO DE SÓDIO E POTÁSSIO E VOLUME DE LÍQUIDO
EXTRACELULAR
22
1.3 INFLUÊNCIA DO HISTÓRICO FAMILIAR NA HIPERTENSÃO ARTERIAL 24
1.4 HIPERTENSÃO ARTERIAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES 25
1.5 RELAÇÃO ENTRE CONSUMO DE SÓDIO E PRESSÃO ARTERIAL 28
1.6 HIPERTENSÃO ARTERIAL E OUTROS ELETRÓLITOS 31
1.7 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE CONSUMO ALIMENTAR 33
1.8 HÁBITOS ALIMENTARES 36
1.9 MODELO TEÓRICO 38
2 OBJETIVOS 41
2.1 OBJETIVO GERAL 41
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 41
3 MÉTODOS 42
3.1 POPULAÇÃO DE PESQUISA DO ERICA 42
3.2 LOGÍSTICA 43
3.3 DADOS COLETADOS 43
3.4 AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR 43
3.5 INFORMAÇÕES DO QUESTIONÁRIO DO RESPONSÁVEL 44
3.6 AFERIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL 45
3.7 MEDIDAS ANTROPOMÉTRICAS 46
3.8 OUTRAS VARIÁVEIS 47
3.9 CONTROLE DE QUALIDADE 47
3.10 ARMAZENAMENTO DOS DADOS 48
3.11 ASPECTOS ÉTICOS 48
3.12 ANÁLISE ESTATÍSTICA 48
4 RESULTADOS 50
ARTIGO 1 50
ARTIGO 2 74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 103
REFERÊNCIAS 106
13
Apresentação
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares
(DCV) são a principal causa de morte no mundo, o que significa que mais pessoas morrem
anualmente por essas enfermidades do que por qualquer outra causa. Estima-se que 17,5
milhões de pessoas morreram por doenças cardiovasculares em 2012, representando 31% de
todas as mortes em nível global1.
A hipertensão arterial mantém associação independente com eventos como morte
súbita, acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca,
doença arterial periférica e doença renal crônica, fatal e não-fatal2; 3; 4; 5.
No Brasil, a hipertensão arterial atinge 32,5% (36 milhões) de indivíduos adultos, mais
de 60% dos idosos, contribuindo direta ou indiretamente para 50% das mortes por DCV6. A
prevalência de hipertensão arterial autorreferida em adultos brasileiros foi de 22,7% em 2011
e vinha se mantendo estável entre 2006 e 20117. Os principais fatores de risco para a
hipertensão arterial são: idade, sexo e etnia, excesso de peso e obesidade, ingestão de sal e
álcool, sedentarismo, fatores socioeconômicos e genéticos5.
Um importante estudo epidemiológico, o INTERSALT, realizado com 10.079
participantes em 1986 mostrou uma relação linear positiva e com significância estatística
entre pressão arterial sistólica (PAS) e excreção urinária de sódio de 24 horas. Um aumento
no consumo de sódio de 100 mmol/dia (2.300 mg/dia) aumentou a pressão arterial
sistólica/pressão arterial diastólica (PAD) em 3-6/0-3 mmHg. Essa relação permaneceu após
estratificação para ambos os sexos, para jovens e idosos, e para 8.344 indivíduos do estudo
sem hipertensão8.
Estudos em diferentes países observaram aumento da prevalência de hipertensão
arterial em adolescentes concomitante ao aumento da obesidade9; 10; 11. Estudos brasileiros
sobre a hipertensão arterial em adolescentes mostram valores de prevalência heterogêneos,
possivelmente devido a diferentes metodologias utilizadas. Magalhães e colaboradores
encontraram prevalência de pressão arterial elevada e de hipertensão arterial sistêmica (HAS)
de 2,5 a 30,9% em indivíduos de 10 a 19 anos12. Christofaro e colaboradores encontraram
prevalência de pressão arterial elevada em crianças e adolescentes de 4 a 20 anos de 0,46 a
20,6%9. Em uma revisão sistemática com metanálise foi encontrada prevalência global de
8,1% (IC 95% 6,2-10,5), em adolescentes de 10 a 20 anos, com grande variabilidade entre os
14
estudos13. Outra revisão sistemática também com metanálise encontrou valor semelhante, de
8%, em crianças e adolescentes de 10 a 19 anos14.
A maioria das doenças cardiovasculares pode ser prevenida por meio da abordagem de
fatores comportamentais de risco – como uso de tabaco, dietas não saudáveis e obesidade,
sedentarismo e uso abusivo do álcool, - utilizando estratégias para a população geral. Para
indivíduos com doença cardiovascular ou com alto risco cardiovascular (devido à presença de
um ou mais fatores de risco como hipertensão, diabetes, hiperlipidemia ou doença já
estabelecida), é fundamental o diagnóstico e tratamento precoce, por meio de orientação
médica ou administração adequada de medicamento1.
Dentro desse cenário, o “Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes”
(Erica), coordenado pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi elaborado para investigar importantes questões de
saúde pública. Financiado pelo Ministério da Saúde (MS), com Chamada Pública –
MCT/FINEP/MS/SCTIE/DECIT – CT-Saúde e FNS – Síndrome Metabólica – 01/2008, o
Erica é um estudo de delineamento transversal, multicêntrico, nacional, de base escolar, que
teve como objetivo estimar a magnitude da prevalência de diabetes, obesidade, dislipidemias
e outros fatores de risco cardiovascular em adolescentes de 12 a 17 anos de cidades com mais
de 100 mil habitantes; investigar características da distribuição desses fatores de risco, e
estimar a prevalência da síndrome metabólica.
Dentre os 273 municípios com mais de 100.000 habitantes em 1º de julho de 2009
(dado populacional mais recente à época das definições básicas do Erica), foram
contemplados 124, abrangendo 1.251 escolas, com uma amostra estimada em torno de 75.000
alunos.
Para responder aos objetivos da chamada pública foram coletados dados dos
adolescentes escolares mediante um questionário autopreenchível para obtenção de
características sociodemográficas e de hábitos de vida, tais como: prática de atividade física,
tabagismo, ingestão de bebidas alcoólicas, além de sono, depressão, morbidade referida,
saúde reprodutiva e bucal; dados de consumo alimentar via recordatório alimentar de 24 horas
(REC24h); medidas antropométricas (peso, estatura e perímetro da cintura), medidas de
pressão arterial, estágios de maturação sexual e exames bioquímicos. Nas amostras de sangue
coletadas, realizadas apenas em uma subamostra aproximada de 40.000 adolescentes do turno
da manhã, foram analisados dados de glicemia de jejum, colesterol total, HDL-colesterol
(lipoproteína de alta densidade), triglicerídeos, hemoglobina glicada e insulina de jejum.
15
Os resultados do Erica certamente contribuirão para o conhecimento sobre fatores de
risco cardiovascular em uma população jovem, cujos dados ainda são inéditos a nível
nacional, importantes para subsidiar medidas preventivas e desenvolver políticas de saúde que
envolvem diferentes setores da sociedade.
Portanto, esta Tese de Doutorado é parte integrante do Erica e utilizará os dados
coletados por esse estudo de abrangência nacional.
Embora existam evidências na literatura de que o consumo de sódio está associado à
elevação da pressão arterial em adultos, essa relação não parece ser a mesma para todas as
faixas etárias, podendo ser modificada por fatores relacionados a uma maior sensibilidade ao
sal. Além disso, a maioria dos estudos utilizam como “proxy” do consumo de sódio a
excreção urinária de sódio, que é um procedimento de difícil exequibilidade em grandes
estudos populacionais.
Ainda não há no Brasil estudos sobre o consumo de sódio e pressão arterial em
adolescentes com as possíveis variações regionais no país. Portanto, esse estudo permitirá,
utilizando o consumo de sódio obtido pelo recordatório de 24h, avaliar se essa associação e
suas interações já são perceptíveis em adolescentes e se existem fatores que modificam ou
confundem essa relação.
O Erica tem fundamental importância nesse contexto, pois permitirá subsidiar
propostas de mudanças comportamentais em uma faixa etária que refletirá na incidência de
problemas de saúde na idade adulta.
O objetivo principal dessa tese é investigar a associação do consumo de sódio com
pressão arterial em adolescentes escolares de 12 a 17 anos, avaliados no Erica, de todas as
regiões do Brasil. Ela está estruturada em cinco capítulos, como explicitado resumidamente a
seguir.
O capítulo da Introdução contextualiza o leitor frente ao tema principal da tese. Em
linhas gerais, apresenta conceitos sobre hipertensão arterial, função do sódio no organismo,
métodos de avaliação de consumo alimentar e relação do sódio com a pressão arterial.
Os Objetivos deste trabalho estão expostos no capítulo 2.
No capítulo 3, são descritos os Métodos utilizados para responder os objetivos
propostos. No capítulo dos Resultados, encontram-se os dois artigos elaborados como
produtos desta tese. O primeiro artigo consiste em uma análise descritiva do consumo de
sódio em adolescentes do Erica. O segundo analisa a associação do consumo de sódio com
pressão arterial nesses adolescentes.
16
No último capítulo, as conclusões das análises realizadas são apresentadas como
Considerações Finais.
Nas Referências, são listadas as publicações utilizadas para embasamento teórico do
tema estudado.
17
1 INTRODUÇÃO
1.1 FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL E INGESTÃO DE SAL E ÁGUA
Aproximadamente 90 a 95% dos casos de hipertensão são de "hipertensão primária ou
essencial", o que significa que a hipertensão é de origem desconhecida, em contraste com as
formas de hipertensão secundárias a causas conhecidas. Na maioria dos pacientes, o excesso
de peso e a vida sedentária desempenham papel primordial na determinação da hipertensão.
Nesses indivíduos, a hipertensão tem como características: débito cardíaco aumentado,
atividade nervosa simpática aumentada, níveis elevados de angiotensina II e aldosterona e
mecanismo de natriurese da pressão renal comprometido, ou seja, os rins não excretam a
quantidade adequada de sal e de água15.
A pressão arterial é o produto do débito cardíaco e a resistência periférica total, com o
débito cardíaco como produto da frequência cardíaca e volume sistólico, com isso o controle
da pressão arterial à longo prazo é influenciado principalmente pelo volume intravascular.
Este, por sua vez, é influenciado pelo tônus vascular e pelo volume de líquido extracelular,
que é determinado pelo balanço de sódio. A resposta renal às mudanças na pressão arterial
renal é chamada de resposta aguda à pressão de natriurese16. Uma mudança na pressão arterial
somente pode ser mantida se a resposta renal aguda à pressão de natriurese estiver
prejudicada, o que faz da hipertensão uma doença renal17.
O corpo humano possui mecanismos de regulação da pressão arterial à longo prazo.
Um desses mecanismos é a homeostasia do volume do líquido corporal (balanço entre a
ingestão e eliminação de líquido). Para a sobrevida à longo prazo, a ingestão e eliminação de
líquido devem ser precisamente balanceados; essa tarefa é realizada por múltiplos controles
nervosos e hormonais e por sistemas de controle local, nos rins, que regulam sua excreção de
sal e água15.
A alteração de apenas alguns milímetros de mercúrio na pressão arterial no ser
humano pode duplicar a diurese de pressão (débito renal de água) e a natriurese de pressão
(eliminação de sal). O nível da pressão arterial à longo prazo é determinado pelo grau de
desvio da pressão na curva do débito renal de água e sal e pelo nível da linha de ingestão de
água e sal15 (Figura 1).
18
Figura 1. Análise da regulação da pressão arterial pela equalização da "curva de débito renal"
com a "curva de ingestão de sal e de água". O ponto de equilíbrio representa o nível no qual a
pressão arterial será regulada. (Fonte: Guyton & Hall, 2006).
Na figura 2-A, alguma anormalidade renal causou o deslocamento de 50 mmHg da
curva de débito renal na direção das altas pressões, deslocando também o ponto de equilíbrio.
Como a curva de débito renal se deslocou para um novo nível de pressão, a pressão arterial
também seguirá para esse novo nível em alguns dias. Na figura 2-B, o nível de ingestão de sal
e água aumentou quatro vezes e o ponto de equilíbrio foi deslocado para um nível de pressão
60 mmHg acima do valor normal15.
Figura 2. Duas maneiras pelas quais a pressão arterial pode ser elevada. A, pelo
deslocamento da curva de débito renal para a direita, em direção a um novo nível de pressão
ou B, pelo aumento da ingestão de sal e água. (Fonte: Guyton & Hall, 2006).
19
A pressão arterial pode ser elevada pelo aumento do volume do líquido extracelular
através do seguinte mecanismo: (1) elevação do volume de líquido extracelular, (2) elevação
do volume sanguíneo, (3) aumento da pressão média de enchimento da circulação, que (4)
aumenta o retorno venoso para o coração, (5) aumentando o débito cardíaco, que (6) aumenta
a pressão arterial15.
Por outro lado, quando há a queda da pressão arterial, há a liberação de uma enzima
proteica-renal, a renina, que contribui para elevação da pressão arterial em mecanismo
descrito na figura 3.
Figura 3. Mecanismo vasoconstritor da renina-angiotensina para o controle da pressão
arterial. (Fonte: Guyton & Hall, 2006).
A enzima renina atua sobre o angiotensinogênio liberando a angiotensina I que é
convertida nos pulmões a angiotensina II pela enzima conversora. A angiotensina II é um
vasoconstritor extremamente potente, atuando em muitas áreas do corpo. A constrição das
arteríolas aumenta a resistência periférica total, elevando a pressão arterial. Além disso, a
angiotensina II também eleva a pressão arterial pela diminuição da excreção de sal e água
pelos rins. Ela atua diretamente sobre os rins para provocar retenção de sal e água e secreta
aldosterona, que aumenta a reabsorção de sal e água pelos túbulos renais15.
20
Apesar do aumento do volume de líquido extracelular, o aumento da ingestão de sal
tem probabilidade muito maior de elevar a pressão arterial que o aumento da ingestão de
água. Isso ocorre porque a água pura é normalmente excretada pelos rins com quase a mesma
rapidez com que é ingerida, o que não acontece com o sal15.
Quando ocorre excesso de sal no líquido extracelular, sua osmolaridade aumenta,
estimulando o centro da sede no cérebro, fazendo com que a pessoa beba mais água e
aumentando o volume extracelular. Além disso, o aumento da osmolaridade causada pelo sal
estimula o mecanismo secretor do hipotálamo-hipófise posterior, liberando maior quantidade
de hormônio antidiurético. Esse hormônio faz com que os rins reabsorvam uma quantidade
muito aumentada de água pelos túbulos renais, reduzindo o volume excretado de urina e
elevando o volume do líquido extracelular15.
Assim, a quantidade de sal acumulada no corpo é o principal determinante do volume
do líquido extracelular. Como apenas pequenos aumentos do volume do líquido extracelular e
do sangue podem com frequência aumentar muito a pressão arterial, o acúmulo extra de uma
pequena quantidade de sal no corpo pode levar a um aumento considerável da pressão15.
Uma das mais importantes funções do sistema renina-angiotensina é a de permitir que
a pessoa ingira quantidades muito pequenas ou muito grandes de sal sem apresentar grandes
variações do volume do líquido extracelular ou da pressão arterial, exemplificado pela figura
4.
21
Figura 4. Eventos sequenciais por meio dos quais a ingestão de sal aumenta a pressão arterial,
mas a redução por feedback da atividade do sistema renina-angiotensina praticamente a
normaliza. (Fonte: Guyton & Hall, 2006).
Quando o sistema funciona normalmente, a pressão se eleva não mais do que 4 a 6
mmHg, em resposta ao aumento de 50 vezes na ingestão de sal15.
Em resposta a um alto consumo de sódio, a angiotensina II é suprimida, a curva de
natriurese de pressão é deslocada para a esquerda, o que permite uma maior excreção de sódio
para cada valor de pressão arterial, impedindo a expansão do volume de líquido extracelular18.
A hipertensão essencial tem uma análise gráfica, as curvas de função renal por
sobrecarga de sódio, demonstradas na figura 5. Nessa figura podemos ver dois tipos de casos
(1) hipertensão insensível ao sal ou (2) hipertensão sensível ao sal. No indivíduo com
hipertensão insensível ao sal, a pressão arterial não se eleva de modo significativo quando a
ingestão de sal é aumentada. Ao contrário, nos indivíduos com hipertensão arterial essencial
sensível ao sal, a ingestão aumentada exacerba significativamente a hipertensão15.
22
Figura 5. Análise da regulação da pressão arterial na (1) hipertensão essencial insensível ao
sal e (2) hipertensão essencial sensível ao sal. (Fonte: Redesenhada de Guyton AC, Coleman
TG, Young DB, et al: Salt balance and long-term blood pressure control. Annu Rev Med
31:15, 1980. Com permissão da Annual Review of Medicine, 1980, por Annual Reviews
http://www.AnnualReviews.org. Guyton & Hall, 2006).
A sensibilidade da pressão sanguínea ao sal é uma característica quantitativa, de modo
que alguns indivíduos são mais sensíveis que outros. Ela não é uma característica fixa; pelo
contrário, a pressão fica mais sensível ao sal à medida que a pessoa envelhece, especialmente
após os 50 ou 60 anos de idade. A diferença entre esses dois tipos de hipertensão estaria
relacionada a diferenças estruturais ou funcionais nos rins desses dois tipos de indivíduos15.
1.2 REGULAÇÃO DE SÓDIO E POTÁSSIO E VOLUME DE LÍQUIDO
EXTRACELULAR
Para o funcionamento normal das células, elas precisam estar banhadas em um líquido
extracelular com uma concentração relativamente constante de eletrólitos e outros solutos. A
concentração total de solutos no líquido extracelular, e, portanto, a osmolaridade - são
determinadas pela quantidade de soluto dividida pelo volume do líquido extracelular19.
O sódio desempenha funções essenciais no organismo humano. Em condições
normais, a concentração plasmática de sódio é mantida com ajuste fino numa estreita faixa de
135-145 mmol/L, apesar das grandes variações no consumo de sal e água. O sódio e os ânions
que o acompanham, principalmente cloreto e bicarbonato contribuem para 86% da
osmolaridade no fluido extracelular20.
23
Existe um sistema de feedback muito eficaz para controlar a osmolaridade e a
concentração de sódio plasmáticas, por meio da alteração na excreção renal de água,
independentemente da taxa de excreção de solutos, mediante o hormônio antidiurético
(ADH), ou vasopressina19.
Quando a osmolaridade dos líquidos corpóreos se eleva para valores acima do normal,
a glândula pituitária posterior secreta mais ADH, o que aumenta a permeabilidade dos túbulos
distais e ductos coletores à água. Isso permite que grande quantidade de água seja
reabsorvida, havendo diminuição do volume urinário, porém sem alterações acentuadas na
taxa de excreção renal dos solutos19.
Por outro lado, quando há um excesso de água no corpo e, portanto, uma queda de
osmolaridade no líquido extracelular, a secreção de ADH diminui, reduzindo a
permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à água, levando à excreção de uma
grande quantidade de urina diluída. Assim, a taxa de secreção do ADH determina largamente
a excreção renal de uma urina diluída ou concentrada19.
A concentração de potássio no líquido extracelular costuma ser regulada precisamente
em torno de 4,2 mEq/L. Essa exatidão do controle é necessária, já que muitas funções
celulares mostram-se bastante sensíveis às alterações da concentração extracelular do
potássio21.
Uma dificuldade peculiar na regulação da concentração extracelular de potássio deve-
se ao fato de que mais de 98% do potássio total no corpo encontra-se nas células, e apenas 2%
no líquido extracelular. Assim, a falha na rápida remoção do potássio ingerido do líquido
extracelular poderia causar hipercalemia com risco de morte. Do mesmo modo, uma pequena
perda de potássio do líquido extracelular poderia levar à grave hipocalemia na ausência de
respostas compensatórias rápidas e apropriadas. Como mais de 98% do potássio total do
corpo está nas células, elas podem servir como local para o extravasamento do potássio em
excesso para o líquido extracelular, durante hipercalemia, ou como fonte de potássio, durante
a hipocalemia21.
A manutenção do balanço do potássio depende em grande parte da excreção renal,
pois a quantidade excretada nas fezes é de apenas 5 a 10% da ingestão. Desse modo, o
equilíbrio exige o ajuste renal rápido e preciso da sua excreção, relacionado às amplas
variações da ingestão21. Após a ingestão de uma refeição regular, a concentração de potássio
no líquido extracelular aumentaria até um nível letal se não fosse rapidamente deslocado para
as células. Esse processo tem as seguintes características21:
24
a) a insulina estimula a captação celular de potássio;
b) a aldosterona aumenta a captação celular de potássio;
c) a estimulação -adrenérgica aumenta a captação celular de potássio;
d) anormalidades ácido-bases podem causar alterações na distribuição de potássio;
e) a lise celular causa aumento da concentração extracelular de potássio;
f) os exercícios extenuantes podem causar hipercalemia pela liberação de potássio pela
medula esquelética.
g) o aumento da osmolaridade do líquido extracelular causa redistribuição de potássio
das células para o líquido extracelular.
1.3 INFLUÊNCIA DO HISTÓRICO FAMILIAR NA HIPERTENSÃO ARTERIAL
O histórico familiar de hipertensão está relacionado a um risco dobrado de
desenvolvimento de hipertensão essencial em crianças e adultos jovens. Essa associação tem
levado a pesquisas extensivas para elucidar a causa genética da hipertensão primária. Diversas
mutações podem estar envolvidas no processo22.
Nos indivíduos com antecedente familiar de hipertensão, uma vez expostos aos fatores
ambientais, a ativação dos sistemas nervoso simpático e renina-angiotensina vão ocorrer, e o
desbalanço desses sistemas vai resultar em alterações estruturais e funcionais dos vasos
levando ao aumento da resistência vascular sistêmica, principal mecanismo do ponto de vista
hemodinâmico da hipertensão arterial23. Os filhos de pais hipertensos comparados com filhos
de pais normotensos têm pressão arterial mais alta, atingindo níveis compatíveis com pré-
hipertensão24.
O componente familiar é de grande importância no desenvolvimento da hipertensão,
tanto é que, quando os dois pais têm hipertensão arterial, a chance de os filhos ficarem
hipertensos é maior do que quando apenas um deles é hipertenso23.
Skrabal e colaboradores investigaram os efeitos de uma restrição moderada de sal em
52 indivíduos jovens normotensos com e sem histórico familiar de hipertensão.
Aproximadamente 42% responderam à restrição durante duas semanas, com uma queda
significante na pressão arterial, demonstradas por registros contínuos da pressão arterial (PA).
Estes foram classificados como sensíveis ao sal e os outros como resistentes. Comparados aos
resistentes ao sal, indivíduos sensíveis ao sal apresentavam 2,5 vezes mais histórico familiar
positivo para hipertensão (p<0,01) e uma pressão arterial mais elevada, estatisticamente
25
significativa. O estudo também demonstra que a sensibilidade ao sal deve ser causada pela
hipersensibilidade às catecolaminas (determinadas geneticamente). Isso porque a resposta à
norepinefrina injetada em indivíduos sensíveis ao sal em relação ao aumento da pressão
arterial foi o dobro da dos indivíduos resistentes, independente da dieta e diretamente
relacionada ao aumento da reabsorção de sódio no túbulo proximal25.
1.4 HIPERTENSÃO ARTERIAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Embora a maior parte dos diagnósticos de hipertensão arterial sistêmica seja firmada
em adultos, a HAS pode ter seu início na infância, ser secundária a várias afecções ou indicar
a existência de um fator de risco para outras doenças 26. Valores elevados de pressão arterial
têm sido relatados também na população jovem e diversas pesquisas têm sido realizadas sobre
o tema27; 28; 29; 30. Quase 20% dos 6.790 adolescentes norte-americanos de 11 a 17 anos
participantes do estudo de McNiece et al. encontravam-se sob risco para doenças
cardiovasculares futuras, avaliado pelo aparecimento já nessa idade de pré-hipertensão e
hipertensão11. O estudo de Oliveira et al. com 701 crianças de 5 a 9 anos em Feira de Santana
(Bahia) descreve o papel importante de fatores biológicos (sexo, raça, estado nutricional,
idade) e ambientais (histórico familiar de hipertensão arterial e escola frequentada) na gênese
da hipertensão arterial em crianças31. No Erica foi encontrada uma prevalência de hipertensão
de 9,6% (IC 95% 9,0-10,3%)32.
Epidemiologicamente, a hipertensão secundária predomina na infância, embora não
seja comum nesta fase da vida, enquanto que as formas primárias são mais frequentes entre
adolescentes e adultos5. Esse fato tem sido atribuído à adoção, por crianças e adolescentes, de
hábitos ou estilos de vida que representam fatores de risco para a hipertensão arterial
sistêmica33. Conforme preconizado pelas VII Diretrizes Brasileiras de Hipertensão (2016)5, é
importante o rastreamento de crianças e adolescentes com risco aumentado de se tornarem
adultos hipertensos, para que sejam adotadas medidas preventivas em idade precoce,
reduzindo os riscos de doenças cardiovasculares e de acidente vascular encefálico.
Em crianças e adolescentes, o interesse pela avaliação da pressão arterial surge a partir
da década de 1960. Entretanto, somente a partir de 1970 é que aparecem as primeiras
recomendações sobre a medida rotineira de pressão arterial nessa faixa etária. Anteriormente,
apenas alterações muito graves da PA eram identificadas em crianças ou adolescentes, e as
causas secundárias, principalmente renais, eram as mais prevalentes. Surgiram então vários
26
estudos, buscando conhecer melhor o comportamento da PA em crianças e adolescentes, seus
fatores determinantes e a sua relação com hipertensão arterial ou doença cardiovascular
futuras, com vistas a medidas de prevenção primária34; 35; 36
A partir desses estudos, verificou-se que alterações discretas de pressão arterial
podiam ser observadas nessa faixa etária, sendo comuns particularmente em adolescentes, e
sem nenhuma causa secundária identificada37.
A medida de pressão arterial em crianças é recomendada em toda avaliação clínica
após os três anos de idade ou em circunstâncias especiais de risco antes desta idade,
identificando-se a pressão diastólica na fase V de Korotkoff (para aparelhos com medição
auscultatória) e empregando-se manguito com bolsa de borracha de tamanho adequado à
circunferência do braço38.
Dados populacionais em crianças e dados epidemiológicos com riscos associados em
adultos estabeleceram a fase V de Korotkoff para a medida de PA diastólica e fase I para a
medida de PA sistólica35; 36; 37; 38.
A identificação dos sons de Korotkoff possibilita definir exatamente os momentos de
variação da pressão arterial, reconhecer o exato valor das pressões sistólica e diastólica. Os
sons são produzidos pela passagem turbilhonar do sangue através da artéria estenosada pela
compressão do manguito e divide-se em cinco fases39:
a) Fase I ou K1: primeiro som, fraco, e seguido por batidas regulares. Equivale à
pressão sistólica.
b) Fase II ou K2: sons da fase I seguidos por sons sibilantes ou por sopros.
Caracteriza-se por sons suaves e longos como um murmúrio intermitente.
c) Fase III ou K3: amplificação dos sons da fase II correspondente ao aumento do
volume de sangue que passa pela artéria ainda parcialmente comprimida, os sons são mais
crispados.
d) Fase IV ou K4: os sons se tornam súbita e nitidamente abafados.
e) Fase V ou K5: os sons cessam completamente porque e artéria deixa de estar
comprimida e o fluxo passa a ser laminar. A pressão indicada no manômetro corresponde à
pressão diastólica.
Porém, em crianças com menos de 13 anos, gestantes e indivíduos com débito
cardíaco alto ou com vasodilatação periférica, os sons podem ser ouvidos até 0 mmHg. Nessa
situação, a fase IV (Abafamento – K4) deve ser utilizada como indicativo da pressão
diastólica. Entretanto, a anotação deve conter esta informação39.
27
A classificação de hipertensão para crianças e adolescentes segue um padrão diferente
do adotado para adultos. Deve ser interpretada de acordo com as curvas de distribuição da
pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica por sexo, faixa etária e estatura,
observando-se os valores correspondentes aos diversos percentis. Consideram-se os valores
abaixo do percentil 90 como normotensão, desde que inferiores a 120/80 mmHg; entre os
percentis 90 e 95, como limítrofe (“pré-hipertensão”38), e igual ou superior ao percentil 95,
como hipertensão arterial, salientando-se que qualquer valor igual ou superior a 120/80 em
adolescentes, mesmo que inferior ao percentil 95 deve ser considerado limítrofe40.
O fato de a hipertensão arterial sistêmica ter baixa prevalência na infância e
adolescência e de ocorrer em indivíduos assintomáticos certamente contribui para a difícil
incorporação da aferição de rotina da medida de pressão arterial no atendimento pediátrico.
Além disso, nessas faixas etárias, a medida de pressão envolve a escolha de manguitos
adequados ao braço da criança/adolescente, a utilização de curvas de crescimento para
identificação do percentil de altura segundo idade e o sexo, e a identificação do percentil de
pressão arterial em tabelas específicas, o que demanda mais equipamentos e maior
disponibilidade de tempo do que a realização da medida em adultos38; 40; 41; 42.
Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE – em
2009 constatou uma modificação no perfil antropométrico-nutricional de toda a população
brasileira. A pesquisa confirmou a tendência de declínio da desnutrição infantil e ratificou a
aceleração recente desse declínio na década de 2000. Por outro lado, em todas as idades, a
partir dos cinco anos, houve um aumento acelerado do excesso de peso e obesidade. Em
crianças de cinco a nove anos de idade e entre adolescentes, a frequência do excesso de peso,
que vinha aumentando modestamente até o final da década de 1980, praticamente triplicou
nos últimos 20 anos, alcançando entre um quinto e um terço dos jovens43.
O padrão de consumo alimentar também foi avaliado nesse mesmo estudo, e mostrou
que o brasileiro adota um padrão alimentar inadequado, com teor excessivo de açúcar,
consumo insuficiente de frutas e hortaliças e consumo excessivo de gorduras em geral.
Nesse contexto, soma-se a grande tendência para o sedentarismo, contribuindo para o
aparecimento de alterações relacionadas com o metabolismo glicídico e lipídico e para o
aumento da pressão arterial, reconhecidos como fatores importantes para as doenças
cardiovasculares.
A adoção de medidas de prevenção primária em jovens assume grande importância no
cenário da abordagem das doenças cardiovasculares. A demonstração da presença da
28
aterosclerose na infância, na adolescência, e na fase adulta jovem, aliada ao maior
conhecimento dos fatores de risco nessa idade, aponta para propostas de programas efetivos
que tenham como objetivo intervir sobre esses fatores o mais precocemente possível44. A
principal finalidade de medidas preventivas voltadas ao risco cardiovascular em populações
jovens é prevenir fatores de risco como hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade, diabetes
e tabagismo, com medidas amplas de promoção de saúde. As medidas de prevenção
concentram-se em adoção de hábito alimentar saudável com redução da ingestão de calorias,
sal e de gordura saturada, e na atividade física regular e na abstenção do fumo.
1.5 RELAÇÃO ENTRE CONSUMO DE SÓDIO E PRESSÃO ARTERIAL
Nos últimos anos, tem sido observado um aumento da quantidade de sódio consumida
na dieta, o que também está contribuindo para elevada incidência de doença cardiovascular45.
O INTERSALT foi o maior estudo já realizado sobre o assunto. Este foi realizado em 52
centros de 32 países na década de 80 e publicado em 1988. Cada centro recrutou 200 homens
e mulheres de 20 a 59 anos. O consumo de sódio foi medido através da excreção de sódio na
urina de 24h. A mediana do consumo de sal foi de 9,9g/dia46. Variou de 0,1g/dia em índios
Yanomami no Brasil, a 15g/dia em Tianjin, na China. Em países de alta renda, o consumo de
sal está entre 9-12g/dia, e acima de 80% do sal vem de comidas industrializadas47. No Brasil,
74,4% da distribuição da disponibilidade domiciliar de sódio corresponde ao sal e
condimentos à base de sal, 18,9% de alimentos processados com adição de sal, 4,8% de
alimentos in natura ou processados sem adição de sal e 1,6% de pratos prontos48. A tabela 1
apresenta a relação entre o sódio e o sal.
Tabela 1. Correspondência entre os valores de sódio e de sal
Sódio (mg) Sódio (mmoL) Sal (g)
1200 51 3
2000 87 5
2400 104 6
4000 174 10
(Fonte: Elaborada pela autora.)
O sódio é o cátion mais abundante no fluido extracelular, com funções-chave na
manutenção do balanço de fluidos no corpo. Participa do equilíbrio ácido-base, da pressão
oncótica e da atividade de músculos e nervos49; 50.
29
Trabalhos recentes sugerem que o endotélio, em particular, também reage com as
mudanças no consumo de sódio da dieta, através de uma série de eventos complexos que são
independentes da pressão arterial e do eixo renina-angiotensina-aldosterona. Há evidências de
aumento do TGF-β (Fator de Transformação de crescimento beta) e de óxido nítrico com o
aumento do consumo de sal. Isso diminuiria a conformação vascular, aumentando a
constrição arterial periférica e a pressão arterial. As alterações persistentes na função vascular
aumentariam os eventos cardiovasculares e reduziriam a função renal, reduzindo a expectativa
de vida em condições de consumo de sal aumentado49.
Os métodos para avaliação do consumo de sal são:
1 - registro alimentar.
2 - recordatório alimentar de 24h.
3 - dosagem do conteúdo de sal do alimento antes da ingestão.
4 - dosagem da excreção de sódio urinário (sendo a urina de 24h considerada como
padrão-ouro para esse procedimento).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda consumo de sal abaixo de 5
g/dia, o equivalente a 2 g de sódio/dia51.
A falta de habilidade dos rins em excretarem totalmente o sal é um dos principais
mecanismos na associação do sal com a pressão arterial52. No estudo INTERSALT, a
associação da excreção urinária de sódio nas 24h com a pressão arterial foi semelhante a
associação entre o aumento da pressão arterial com a idade46. A diminuição no consumo de
5,8 g de sal associou-se a uma redução de 3,1 mmHg na pressão arterial sistólica (PAS)53.
Além disso, populações com menor consumo diário de sal tiveram valores de pressão arterial
mais baixos e pouco ou nenhum aumento na pressão arterial com a idade46.
Sarno e colaboradores, 200954, utilizando estimativas baseadas nos dados da Pesquisa
de Orçamentos Familiares (POF), avaliaram que a quantidade diária de sódio disponível para
consumo nos domicílios brasileiros, de 2002-2003, foi de 4,5 g por pessoa, excedendo, assim,
em mais de duas vezes o limite recomendado de ingestão desse nutriente51.
Em uma revisão, Alderman em 200655, apresenta evidências da associação entre o sal
da dieta e as doenças cardiovasculares. A suposição de que o consumo está associado às
doenças cardiovasculares baseia-se no seu impacto na pressão arterial. São apresentados nove
estudos observacionais que correlacionam consumo de sal (estimado pela urina de 24h ou
consumo avaliado pela dieta) com morbidade e mortalidade. Os resultados isoladamente são
30
inconsistentes. Juntos, eles sugerem que a heterogeneidade genética, comportamental e
ambiental melhor descreve a relação do consumo de sal com as doenças cardiovasculares.
He e MacGregor56 realizaram uma metanálise de 17 estudos com adultos hipertensos e
11 com normotensos para observar o efeito de uma redução modesta no consumo de sal, com
uma duração de quatro semanas ou mais, na pressão arterial. A redução mediana na excreção
urinária (24h) de sódio foi de 78 mmol (equivalente a 4,6g de sal/dia) em hipertensos e de 74
mmol em normotensos. A queda estimada na pressão arterial foi de 4,96 mmHg na PAS e de
2,73 mmHg na PAD - em hipertensos e de 2,03 mmHg na PAS e de 0,97 mmHg na PAD em
normotensos, diferenças essas estatisticamente significativas. Os resultados demonstram que
uma redução modesta no consumo de sal em quatro semanas ou mais, é suficiente para
reduzir a pressão arterial tanto em hipertensos quanto em normotensos.
A redução do consumo de sal reduz infarto57, hipertrofia ventricular esquerda58,
distensibilidade arterial59, proteinúria e doença renal crônica60; 61.
Strazzullo et al., 200962, realizaram uma revisão sistemática/meta-análise com 19
amostras de coortes independentes de 13 estudos com 177.025 participantes no total. Maior
consumo de sal foi associado com maior risco de infarto com risco relativo (RR) de 1,23 (IC
95% 1,06-1,43) e doença cardiovascular (RR 1,14 IC 95% 0,99-1,32). Devido à imprecisão na
medida de consumo de sal, essas medidas de efeito podem estar ainda subestimadas.
Em crianças acima de dois anos, uma revisão com 37 estudos observacionais e de
intervenção concluíram que o aumento no consumo de sal está realmente relacionado ao
aumento na pressão arterial também em crianças e adolescentes63.
O estudo National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) analisou uma
população de 3.248 crianças no NHANES III (1988-1994) e de 8.388 crianças no seguimento
(NHANES 1999-2008), com idades entre 8 a 17 anos. O desfecho analisado foi pressão
arterial elevada (PAE). Como resultado, a pressão arterial aumentou do NHANES III para o
NHANES 99-08 para ambos os sexos (Masculino: 15,8% para 19,2%, p=0,057; Feminino:
8,2% para 12,6%, p=0,007). O consumo de sódio (≥ 3.450 mg vs < 2.300 mg/2000 calorias,
odds ratio - OR=1,36, p=0,024) foi associado independentemente com pressão arterial
elevada, confirmando esta associação nessa faixa etária64.
Há uma única meta-análise realizada com crianças e adolescentes de estudos
controlados (10 ensaios) com 966 participantes65. A redução de 42% do consumo de sal
reduziu a PAS em 1,17 mmHg (IC 95% -1,78 a -0,56 mmHg) e a PAD em 1,29 mmHg (IC
95% -1,94 a -0,65 mmHg). Três estudos com 551 crianças foram incluídos, com redução de
31
54% de consumo de sal. Nestes, a redução na PAS foi de 2,47 mmHg (IC 95% -4 a -0,94
mmHg). A meta-análise demonstrou que uma redução modesta no consumo de sal causa
queda imediata na pressão arterial e, se continuada, pode também diminuir o aumento
subsequente da pressão arterial com a idade, o que pode levar à diminuição das doenças
cardiovasculares em adultos.
Mais recentemente, uma análise global estimada indicou que 8,5 milhões de mortes
poderiam ser evitadas durante 10 anos (2006-2015) somente pela redução de sal e o custo
estimado por pessoa com essa redução estaria entre US$0,04-US$0,3266.
O consumo excessivo de sódio também está associado a outros numerosos efeitos
negativos para a saúde, incluindo: câncer gástrico67, diminuição da densidade óssea68 e
possivelmente obesidade69. Apesar das consequências negativas para a saúde e dos custos
associados aos tratamentos das doenças geradas, o consumo de sal na maioria dos países ainda
é bem acima dos níveis recomendados, tornando a redução do consumo de sódio uma
prioridade para a saúde pública70; 71.
Em uma revisão, Nguyen et al., 2013, relatam como determinados fatores nutricionais
atuam no manejo da hipertensão. Para o sódio, a conexão entre sal e hipertensão ainda está
sob debate. O conceito de sensibilidade ao sal versus resistência ao sal originou-se de estudos
que demonstraram respostas heterogêneas da pressão arterial em relação ao consumo de
sódio; tendo a sensibilidade ao sal sido encontrada em maior prevalência em certos
subgrupos: idades mais velhas, negros, resistentes à insulina, com microalbuminúria, com
doença crônica renal e com baixos níveis de renina. Segundo os autores as evidências sobre a
recomendação de restrição de sódio na dieta devem ser interpretadas com cautela72.
1.6 HIPERTENSÃO ARTERIAL E OUTROS ELETRÓLITOS
Vários estudos internacionais demonstram efeitos positivos da suplementação de
potássio na redução da pressão arterial. O benefício do consumo de potássio na redução da
pressão arterial parece ser maior em pacientes com hipertensão, com períodos longos de
suplementação, e com alto consumo de sódio concomitante. No geral, a média de consumo
diário de potássio em muitos países é abaixo do recomendado. Alimentos ricos em potássio
são vegetais, frutas, laticínios e vários tipos de amêndoas72.
Uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados teve como objetivo avaliar as
respostas na pressão arterial em relação ao consumo de sódio e potássio e examinar o efeito
32
de modificação por idade, sexo, pressão arterial, peso e consumo habitual de sódio e potássio.
Foram selecionados 40 ensaios clínicos para consumo de sódio e 27 para potássio com
duração mínima de duas semanas como elegibilidade. Como conclusão, a redução no
consumo de sódio e aumento no consumo de potássio apresentaram uma contribuição
importante na prevenção da hipertensão, especialmente em populações com pressão arterial
elevada73.
A relação entre consumo de cálcio e hipertensão é complexa e difícil de ser isolada
devido à interação com outros nutrientes da dieta e à dificuldade na confiabilidade dos dados
coletados sobre consumo de cálcio, além da ausência de informações sobre variáveis de
confundimento. A discrepância nos resultados dos estudos pode ser explicada por uma
variedade de fatores que incluem heterogeneidade dos participantes do estudo, falhas nos
desenhos de estudos, limitações na aferição da pressão arterial e no consumo de cálcio, curta
duração dos estudos, diferentes métodos analíticos, bem como colinearidade com outros
fatores dietéticos tais como magnésio, fibras, proteínas e potássio72.
Apesar das controvérsias acerca do papel do cálcio, uma coorte seguida por 10 anos
com 28.886 mulheres americanas acima de 45 anos investigou a associação de consumo
diário de produtos ricos em cálcio e vitamina D, com incidência de hipertensão, e observou
que, tanto o consumo diário de cálcio quanto o de vitamina D, foram inversamente associados
com o risco de hipertensão nessas mulheres74.
Existe uma correlação inversa significativa entre magnésio sérico e a incidência de
doenças cardiovasculares. O magnésio é um mineral com importantes funções no organismo
como efeito antiarrítmico, ações no tônus vascular, contratilidade, metabolismo de glicose e
homeostasia insulínica. Além disso, baixas concentrações de magnésio são associadas ao
estresse oxidativo, estado pró-inflamatório, disfunção endotelial, agregação plaquetária,
resistência à insulina e hiperglicemia. Os resultados conflitantes dos estudos que avaliaram os
efeitos da suplementação com magnésio na pressão arterial e outros desfechos
cardiovasculares demonstram que a ação do magnésio no sistema vascular existe, mas ainda
não está bem estabelecida75.
A deficiência de magnésio tem sido associada a um aumento de pressão arterial em
estudos isolados, enquanto que uma meta-análise com 29 estudos demonstrou uma associação
negativa entre consumo de magnésio na dieta e pressão arterial. Com base nessas
informações, a relação entre magnésio e hipertensão parece inconsistente72.
33
Em um estudo de seguimento para avaliar a associação de fatores nutricionais com
hipertensão por quatro anos, com 30.681 profissionais de saúde do sexo masculino sem
hipertensão diagnosticada, idade, peso e consumo de álcool foram os preditores mais fortes
para hipertensão enquanto que a quantidade de fibras, potássio e magnésio na dieta
associaram-se de forma independente e estatisticamente significativa a um menor risco de
hipertensão, mesmo após ajustes por idade, peso, consumo de álcool e consumo calórico76.
Em uma revisão sobre o papel do potássio, magnésio e cálcio tanto na causa como no
tratamento da hipertensão, Houston e Harper concluíram que os americanos consomem o
dobro de sódio e metade do potássio recomendados pelas diretrizes americanas atuais. Um
aumento no consumo de potássio aliado a uma diminuição no consumo do sódio
provavelmente seria a melhor escolha de dieta (depois da perda de peso) que deveria ser
implementada para a redução de doenças cardiovasculares. Infelizmente, a população que
mais poderia se beneficiar do aumento de potássio, magnésio e cálcio na dieta é a que possui
menos acesso à esse grupo de alimentos (frutas e vegetais)77.
1.7 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR
Os métodos dietéticos têm o objetivo de medir a informação dietética e podem ser
classificados em qualitativos e quantitativos, podendo, ainda, ser divididos em duas
categorias: os que registram o consumo atual de alimentos (pesagem de alimentos, registro
alimentar e o recordatório de 24 horas) e os que recordam o consumo passado de alimentos
(história dietética e questionário de frequência alimentar)78.
Recordatório de 24 horas
O recordatório de 24 horas consiste no relato de todos os alimentos e bebidas
consumidos pelo indivíduo ao longo de um período de 24 horas, geralmente o dia anterior à
entrevista. As informações são obtidas em medidas caseiras ou unidades e posteriormente
convertidas em pesos e volumes79.
Bastante usado em todo o mundo, o método recordatório de 24 horas é um instrumento
de avaliação da ingestão de alimentos e nutrientes de indivíduos e grupos populacionais, mas
requer nutricionista ou entrevistador bem treinado para a realização da coleta de dados. Em
geral, esse instrumento é bem aceito pelos entrevistados, o tempo de aplicação é curto, o custo
é baixo e não promove alteração da dieta habitual80.
34
A utilização do recordatório de 24 horas em estudos epidemiológicos apresenta
muitas vantagens, principalmente porque é rápido, relativamente barato e de fácil aplicação.
Permite que a população estudada não seja alfabetizada. Esse método avalia a dieta atual e
estima valores absolutos ou relativos da ingestão de energia e nutrientes amplamente
distribuídos no total de alimentos oferecidos ao indivíduo80. Entretanto, o entrevistado tem
que recordar, definir e quantificar sua ingestão alimentar do dia anterior à entrevista. Outra
limitação importante é que, por refletir a ingestão atual, não representa os hábitos alimentares.
Também não permite considerar a sazonalidade, além do fato da ingestão real poder estar
omitida pelo sub-registro81.
A qualidade das informações obtidas por meio do recordatório de 24 horas será
determinada pela habilidade do indivíduo de recordar, a qual estará influenciada pelo sexo,
idade e nível de escolaridade. A idade é o fator que mais influencia na qualidade82. A única
maneira de amenizar as fontes de erro (viés de memória, tamanho de medidas caseiras e
estimação das porções) é associar ao recordatório de 24 horas o uso de fotografias, réplicas de
alimentos e kits com medidas caseiras, além de repetir a entrevista em outra ocasião80. Apesar
de todas as limitações e significativas fontes de erro, esse método é muito usado83.
Registro Alimentar
Consiste no registro, em formulários previamente estruturados, de todos os alimentos e
bebidas consumidas e suas respectivas quantidades durante determinado período, em geral ao
longo de um dia. Caso o indivíduo seja orientado a anotar seus dados de consumo logo após
as refeições, o método poderá ser mais completo e preciso. Requer auxílio gráfico ou de
objetos próprios de diferentes tamanhos de porções e a representação do que foi consumido
em medidas caseiras tradicionalmente usadas83. Os alimentos consumidos fora da residência
também devem ser registrados80.
Uma das principais vantagens do método é que ele independe de memória. Entretanto,
sua utilização envolve mais tempo do entrevistado, que deverá estar muito motivado, pois o
resultado dependerá da sua cooperação80. As principais desvantagens são o sub-registro
alimentar ou a omissão de alimentos, impossibilidade de aplicar o método em pessoas não
alfabetizadas, impaciência natural de crianças e adolescentes para preencher todos os
formulários e seu alto custo83. Esse método, como o recordatório de 24 horas, recolhe
informação sobre a ingestão atual de um indivíduo ou grupo populacional80.
35
O registro alimentar também pode ser realizado com pesagem de alimentos. Neste
caso, há necessidade de balança doméstica. Embora seja considerado mais exato para
determinar a ingestão, o método de pesagem é mais demorado, oneroso e exige alto nível de
cooperação das famílias e indivíduos83.
Questionário de Frequência Alimentar (QFA)
O questionário de frequência alimentar consiste em uma lista de alimentos com uma
seção de respostas sobre a frequência com que os alimentos ou grupo de alimentos são
consumidos durante um período de tempo predeterminado, possibilitando, assim, obter dados
qualitativos sobre o consumo alimentar82. Para possibilitar a estimativa de dados
quantitativos, incorporam-se, nos questionários de frequência alimentar, questões sobre o
tamanho das porções. O QFA, por ser um instrumento dietético que representa o consumo
habitual dos indivíduos e pelo fato de ter menor custo relativo quando comparado a outros
instrumentos, tem sido bastante utilizado em estudos epidemiológicos com o objetivo de
elucidar a associação entre consumo alimentar e ocorrência de doenças crônico-
degenerativas84; 85; 86.
A construção do QFA pode ser feita a partir de um banco de dados, que em geral é
composto pelos alimentos e preparações mais frequentemente consumidos pela população a
ser estudada ou a partir de tabelas de composição de alimentos. Para utilização do QFA é
necessário menos treinamento do entrevistador, uma vez que pode ser aplicado em entrevista,
autoadministrado ou enviado pelo correio. Essa vantagem pode ser traduzida em menor custo
e eficiência na prática epidemiológica87. Entretanto, em estudos epidemiológicos nacionais e
em países grandes e com populações com hábitos alimentares tão heterogêneos, como o
Brasil, o uso do QFA torna-se complicado, por ser difícil criar um questionário que inclua os
alimentos típicos de todas as regiões do país.
História Dietética
Este método consiste em uma associação de métodos em que, geralmente o QFA é
aliado a outro, que pode ser o recordatório de 24 horas ou registro alimentar, para verificar e
validar os dados coletados inicialmente. Em geral utiliza-se três dias de registros alimentares
por meio de medidas caseiras, observando, entre outras coisas, o tamanho da porção. Permite
36
estimar a ingestão alimentar habitual, mas é desaconselhável para estudos populacionais, pois
requer tempo para execução e seu custo é alto80.
1.8 HÁBITOS ALIMENTARES
A epidemiologia nutricional tem produzido informações importantes concernentes à
relação dieta-saúde. Determinados aspectos da dieta são reconhecidos atualmente por terem
efeitos biológicos que possam estar relacionados ao risco para doenças crônicas88.
A influência de fatores ambientais na determinação do comportamento alimentar
humano tem sido muito estudada. O estudo de Quaioti e Almeida (2006)89 adota uma
estratégia interessante, em forma de revisão, por período de desenvolvimento do ser humano
(lactantes, pré-escolares, escolares, adolescentes e adultos), para discutir determinantes
ambientais do consumo alimentar que podem predispor à obesidade. Os autores afirmam que
é na fase da adolescência que as preferências alimentares se consolidam.
Fatores de risco como o sedentarismo, o tabagismo e a alimentação inadequada,
diretamente relacionados ao estilo de vida, são responsáveis por mais de 50% do risco total de
desenvolver algum tipo de doença crônica, mostrando-se, nessa relação causal, mais decisivos
que a combinação de fatores genéticos e ambientais. Importante ressaltar que os benefícios
para a saúde podem ser conseguidos com uma alimentação saudável e balanceada, aliada a
níveis moderados a intensos de atividade física90; 91.
A formação dos hábitos alimentares é influenciada por uma série de fatores:
fisiológicos, psicológicos, socioculturais e econômicos. A aquisição dos hábitos ocorre à
medida que a criança cresce, até o momento em que a própria escolherá os alimentos que
farão parte da sua dieta. Quando pequena, seu universo se restringe, geralmente, aos pais e
cabe a eles determinar que alimentos lhe será ofertados. À medida que a criança passa a
frequentar a escola e a conviver com outras crianças, ela conhecerá outros alimentos,
preparações e hábitos. Os adultos são modelos, delineando as preferências alimentares das
crianças. Os vínculos afetivos poderão influenciar positiva ou negativamente na fixação dos
padrões de consumo alimentar. Em sociedades modernas é grande a influência da televisão na
formação dos hábitos alimentares92.
O período da adolescência é caracterizado por crescimento físico e desenvolvimentos
rápidos, com aumento da necessidade de nutrientes. Além destas, características como a
crescente independência, alterações psicológicas, busca de autonomia, definição da própria
37
identidade, influência de amigos, demandas escolares e de trabalho, pressões e modificação
das preferências alimentares e rebeldia contra os padrões familiares fazem deste um grupo de
risco nutricional. Deve-se também considerar os fatores de risco para a saúde do adolescente,
como o tabagismo, uso de álcool, sedentarismo, excesso de esportes, uso de drogas, hábito de
fazer dieta por questões estéticas, problemas familiares, como separação ou morte dos pais,
gravidez e comportamento alimentar inadequado92.
Algumas patologias que antes só se manifestavam em adultos ou idosos vêm sendo
encontradas em adolescentes, como o diabetes tipo II, doenças cardiovasculares, osteoporose
e outras. Isto ocorre, principalmente, por causa da alimentação e do estilo de vida
inadequados92. Há algumas décadas atrás, fazer as refeições fora de casa, comer em pé
rapidamente, abandonar o “arroz e feijão”, adotar o hamburger no cardápio diário eram
hábitos inconcebíveis para o brasileiro. Hoje, com a disseminação da “fast food”, uma nova
realidade se instala no Brasil93.
Monteiro et al. (2000) atualizam as tendências temporais do consumo alimentar nas
áreas metropolitanas do Brasil utilizando dados da pesquisa sobre orçamentos familiares
(POF). Eles relatam tendência ascendente da participação relativa de lipídios na dieta do
Norte e do Nordeste, aumento no consumo de ácidos graxos saturados em todas as áreas
metropolitanas do país, ao lado da redução do consumo de carboidratos completos, da
estagnação ou da redução do consumo de leguminosas, verduras, legumes e frutas e do
aumento no consumo já excessivo de açúcar como traços marcantes e negativos da evolução
do padrão alimentar brasileiro entre 1988 e 1996. Mudanças que podem indicar a adesão da
população a dietas mais saudáveis – declínio no consumo de ovos e recuo discreto da elevada
proporção de calorias lipídicas – foram registradas apenas no Centro-Sul do País94.
Um estudo realizado em Cascavel, Paraná, com adolescentes entre 11 a 17 anos
mostrou que os adolescentes, em geral, não consideram sua alimentação saudável, apesar de
terem esse conhecimento e saberem quais são os riscos da má alimentação, consideram-se
ainda jovens para pensar no futuro e querem apenas viver o presente95.
Um estudo com 2.209 adolescentes de 13 e 14 anos de Pelotas, RS, relata que os
hábitos alimentares saudáveis mais frequentes foram o consumo diário de feijão e leite,
relatado por cerca de metade dos alunos. Quase metade dos jovens referiu ingerir batata frita e
salgadinhos no máximo uma vez por semana. Como conclusão, verificou-se baixa frequência
de hábitos alimentares saudáveis em todos os subgrupos estudados96.
38
É recomendável a moderação no consumo de gorduras, principalmente as saturadas,
contidas nos alimentos de origem animal. Entretanto, a dieta deverá suprir as quantidades
necessárias para o crescimento. Dietas pobres em gordura geralmente não fornecem a energia
e os nutrientes essenciais, com prejuízos à puberdade. A recomendação de uma alimentação
com alto conteúdo de fibras e baixo em gorduras não prejudica o conteúdo energético ou de
nutrientes. Sempre que necessário, os profissionais de saúde devem aconselhar os
adolescentes a diminuir a quantidade de gorduras e aumentar as fibras da dieta, em conjunto
com a promoção de atividade física e de hábitos de vida saudáveis, para o bem-estar desta
população92. Bazzano et al (2002) afirmam em um estudo com 9.608 adultos do National
Health and Nutrition Examination Survey Epidemiological Follow-Up Study (NHANES I)
que existe uma forte associação inversa entre consumo de frutas e vegetais e risco
subsequente de doença cardiovascular, sustentando a questão de uma dieta rica em frutas e
verduras ser uma aproximação para a prevenção de doenças cardiovasculares97.
Vários estudos internacionais estudaram a relação dieta-saúde através da análise dos
padrões alimentares e doença e alguns estudos brasileiros já foram publicados nesse mesmo
tema com adolescentes: H. Okubo et al (2008) com obesidade98; Salvatti et al (2011) com
estado nutricional99; Neumann et al (2007) com fatores de risco para doenças
cardiovasculares100; Dishchekenian et al (2011) com obesidade e doenças crônicas101.
A ocorrência da maioria das doenças está relacionada com o que as pessoas comem e
bebem, com suas atividades diárias, e seu ambiente físico e social102. Neste caso, a promoção
da saúde, a prevenção de algumas doenças, ou pelo menos, seu aparecimento mais tardio,
poderiam ser alcançados por meio da redução da prevalência desses fatores, que são,
teoricamente, passíveis de modificação103.
1.9 MODELO TEÓRICO
Um modelo teórico foi elaborado como base para a investigação da hipótese da
associação positiva de consumo de sódio com pressão arterial (Figura 6).
O papel de algumas características foi investigado para avaliar se são modificadoras de
efeito ou variáveis confundidoras. Essas características são: sexo, idade, estado nutricional
(avaliado por índice de massa corpórea - IMC), cor da pele, consumo energético e histórico
familiar de hipertensão arterial.
39
A variável de confundimento está associada à exposição, e independentemente dessa
ao desfecho, mas não está envolvida na cadeia causal. Por outro lado, a exposição pode ter um
efeito que é mediado por variáveis utilizadas no ajuste. Nesse caso, pode concluir-se
erroneamente, que a exposição não tem participação na determinação do desfecho, e nunca
testar a possibilidade de intervenção eficaz para esse fator de risco. A inclusão de uma
variável mediadora no modelo irá possivelmente reduzir ou eliminar o poder explicativo da
exposição, mas poderá evidenciar a existência de um caminho independente104.
Quando o efeito da exposição é modificado por uma terceira variável, ou seja, a
associação é heterogênea entre estratos dessa variável, a modificação de efeito deve ser
considerada, havendo significância estatística para essa heterogeneidade, e os resultados
devem ser relatados para cada estrato, e não combinados em uma única medida de associação.
É importante lembrar que se tratando de um estudo seccional, a maior parte das
associações estudadas não podem ser interpretadas como associações causais.
Nesse modelo, a associação do consumo de sódio com a pressão arterial é modificada
por sexo, pelo histórico familiar e cor de pele. Ou seja, o comportamento da associação é
diferente no sexo masculino e feminino, na presença ou ausência do histórico familiar e com a
cor da pele (branca/preta).
A idade, o estado nutricional (avaliado pelo IMC) e o consumo energético são
variáveis confundidoras, pois estão associadas ao consumo de sódio de maneira crescente, e
também estão associadas à pressão arterial, independentemente.
40
Figura 6. Modelo teórico para associação de consumo de sódio com pressão arterial. (Fonte:
Elaborada pela autora).
*Associação (Causal?)
Exposição: Consumo de Sódio
Variável Independente
Desfecho: Pressão Arterial Elevada
Variável Dependente
Confundimentos
Idade
Estado Nutricional
Consumo Energético
Associação
(Causal)
Associação
(Causal ou não)
Modificação de Efeito
Sexo
Histórico Familiar de HA
Cor de Pele
41
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Investigar a associação do consumo de sódio na dieta com a pressão arterial de
adolescentes de 12 a 17 anos que frequentam escolas em cidades brasileiras com mais de
100.000 habitantes.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Artigo 1:
Descrever a distribuição do consumo de sódio de adolescentes escolares brasileiros de
12 a 17 anos segundo: região do país, sexo, idade, estado nutricional, cor da pele,
escolas públicas e privadas e escolaridade da mãe.
Artigo 2:
Investigar o papel (confundimento e modificação de efeito) de diferentes
características (sexo, idade, estado nutricional, cor da pele, consumo energético) na
associação do consumo de sódio com pressão arterial em adolescentes.
Investigar a modificação do efeito da história familiar de hipertensão arterial e sexo na
associação de consumo de sódio com pressão arterial de adolescentes.
Investigar a associação de consumo de sódio com pressão arterial de adolescentes no
nível ecológico (capitais e municípios).
42
3 MÉTODOS
3.1 POPULAÇÃO DE PESQUISA DO ERICA
Trata-se de um estudo seccional, multicêntrico nacional de base escolar. O Estudo de
Riscos Cardiovasculares em Adolescentes - Erica tem o objetivo de estimar a prevalência de
diabetes mellitus, obesidade, fatores de risco cardiovascular e de marcadores de resistência à
insulina em adolescentes.
No presente estudo, foram elegíveis todos os adolescentes, de ambos os sexos, de 12 a
17 anos, que frequentavam escolas públicas e privadas das cidades brasileiras com mais de
100.000 habitantes selecionadas para participar do estudo. Os critérios de exclusão para
participação do estudo foram: adolescentes portadores de deficiência física ou déficit
cognitivo que impossibilitassem a avaliação antropométrica ou a compreensão ou
preenchimento do questionário e adolescentes grávidas.
Amostragem
A amostra foi estratificada em três estágios de seleção: escola, turma e alunos. Em
cada estrato geográfico, as escolas foram selecionadas com probabilidade proporcional ao
tamanho. Nas escolas selecionadas, foi feito um levantamento das turmas e alunos das séries
consideradas, para permitir a seleção de três turmas por escola. Nas turmas selecionadas,
todos os alunos foram convidados a participar do estudo. A população de pesquisa
correspondeu ao conjunto de adolescentes de 12 a 17 anos, matriculados em escolas dos 273
municípios com 100 mil habitantes ou mais em julho de 2009. A população de pesquisa foi
estratificada em 32 estratos geográficos assim constituídos: cada um dos 27 municípios de
capital e cinco estratos com o conjunto de municípios de mais de 100 mil habitantes de cada
uma das cinco macrorregiões do país. Foram criados ainda estratos para turmas do turno da
manhã e turno da tarde. Tomando a série escolar como uma aproximação razoável da idade,
foram selecionadas turmas das três últimas séries do ensino fundamental e das três séries do
ensino médio. A descrição completa do processo de amostragem pode ser encontrada em
artigo já publicado105.
43
3.2 LOGÍSTICA
As escolas selecionadas foram contatadas para fins de recrutamento e planejamento da
coleta de dados. Os responsáveis foram informados do estudo, e apenas os adolescentes que
assinaram o Termo de Assentimento (TA) foram incluídos. Aqueles que também participaram
da coleta de sangue foram avaliados mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) assinado pelos pais ou responsáveis. Os alunos que aceitaram participar foram
entrevistados dentro nas escolas em horários agendados. O protocolo do estudo foi submetido
a comitês de ética em pesquisa de todos os estados. O detalhamento da metodologia de
protocolo do estudo pode ser consultado em outra publicação106.
3.3 DADOS COLETADOS
O questionário do adolescente utilizado foi autopreenchido em coletor eletrônico de
dados – personal digital assistants (PDA), contendo cerca de 100 questões e dividido em 11
blocos: aspectos sóciodemográficos, atividades ocupacionais, atividade física,
comportamentos alimentares, tabagismo, uso de bebidas alcoólicas, saúde reprodutiva, saúde
bucal, morbidade referida, duração do sono e transtornos mentais comuns.
Alguns blocos do questionário, incluindo o de comportamentos alimentares, basearam-
se no questionário utilizado pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada
pelo IBGE no ano de 2009107.
3.4 AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR
Para avaliação do consumo alimentar foram realizados dois recordatórios alimentares
de 24 horas (REC24h): um na amostra total e outro apenas em uma subamostra (cerca de
10%), a fim de avaliar a variabilidade intraindividual no consumo alimentar.
A distribuição de consumo baseada em apenas dois dias está sujeita a flutuações
(variação intrapessoal), que pode sub ou superestimar a prevalência de inadequação108.
A entrada dos dados do REC24h foi realizada na escola, utilizando-se um software
específico com o uso de netbooks. Este software utiliza uma lista de alimentos proveniente
dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar43.
A aplicação do REC24h foi realizada por dois pesquisadores de campo devidamente
treinados. Para reduzir o erro na obtenção dos dados, uma técnica de entrevista denominada
44
“Multiple Pass Method”109 foi utilizada, com algumas adaptações. Maior detalhamento do
método pode ser consultado em artigo de Barufaldi e colaboradores110.
Considerou-se a adição de óleo de soja em todas as formas de preparação de carnes,
peixes e aves e nas preparações cozidas e refogadas de legumes e verduras. Adicionalmente,
padronizou-se a adição de 10 g de açúcar para cada 100 ml de suco de fruta, café, café com
leite, chá e mate, quando os indivíduos reportaram o consumo usual de açúcar, e adição de 5 g
de açúcar para cada 100 ml dessas bebidas, quando foi reportado o consumo frequente tanto
de açúcar quanto de adoçante.
Para a estimativa da ingestão de energia, macro e micronutrientes foram utilizadas as
tabelas de composição nutricional111 e medida caseira112 compiladas especificamente para
análise dos alimentos e preparações citados na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-
200943. Os dados de ingestão de nutrientes representam a contribuição somente dos alimentos
e/ou bebidas e não incluíram o consumo de suplementos e/ou medicamentos.
Em nossa pesquisa o consumo de sal será estimado pelo teor de sódio dos alimentos. A
adição de sal à mesa não foi considerada para a análise pois esta informação, além de
imprecisa, não ajudaria na estimativa do consumo total de sódio, pois é difícil de ser
quantificada.
3.5 INFORMAÇÕES DO QUESTIONÁRIO DO RESPONSÁVEL
O questionário do responsável foi enviado aos responsáveis pelo próprio aluno e
incluiu informações sobre escolaridade da mãe, histórico familiar para doenças
cardiovasculares e metabólicas e circunstâncias relacionadas ao nascimento do aluno (peso ao
nascer, amamentação). Este foi o único formulário impresso utilizado no estudo. A entrada de
dados foi realizada duplicada para minimizar erros de digitação.
A variável utilizada foi história familiar de hipertensão. Tal questão foi abordada em
uma pergunta com quatro respostas possíveis no questionário do responsável:
- Assinale se já foi dito por médico que algum parente da/do estudante tem hipertensão
arterial (pressão alta) para o pai, para a mãe, irmão/irmã ou outro parente,
separadamente;
As perguntas permitiam as respostas “sim”, “não” e “não sei”.
Essas variáveis foram recodificadas em quatro categorias para histórico familiar para
hipertensão arterial: sem histórico familiar de pai ou mãe hipertensos, histórico familiar
45
positivo para pai, histórico familiar positivo para mãe e histórico familiar positivo para pai e
mãe.
3.6 AFERIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
As medidas de pressão arterial e classificação de hipertensão arterial nos adolescentes
foram baseadas no Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood
Pressure in Children and Adolescents38. As pressões sistólica, diastólica e a pulsação foram
medidas usando o aparelho oscilométrico automático Omron® 705-IT, validado para
adolescentes113.
A medida da pressão arterial foi realizada no braço direito, com o aluno sentado e com
os pés no chão, e com manguito de tamanho apropriado (pela medida de perímetro do braço),
cobrindo aproximadamente 80% da distância entre o olecrânio e o acrômio. A bolsa
pneumática deveria cobrir pelo menos 40% da circunferência do braço que era posicionado na
altura do coração.
O adolescente não poderia ter fumado, ingerido café, refrigerantes ou outro energético
há pelo menos uma hora; a bexiga também deveria estar vazia. Foram realizadas três medidas
consecutivas para cada indivíduo, com um intervalo de três minutos entre elas. A primeira
medida foi descartada e foi utilizada a média das duas últimas medidas.
O adolescente foi considerado normotenso se a pressão arterial sistólica e/ou diastólica
eram mais baixas que o percentil 90 para sua altura, sexo e idade; com pressão arterial normal
alta se a pressão arterial sistólica e/ou a diastólica estavam entre os percentis 90 e 95 e como
hipertenso se a pressão arterial sistólica e/ou diastólica estavam igual ou acima do percentil
95.
Foram adotados alguns critérios para encaminhamento ao serviço de saúde de acordo
com a classificação da pressão arterial:
- Limítrofe: Percentil ≥ 90 e < 95 ou PAS ≥ 120 ou PAD ≥ 80.
Recomendação de repetição da medida em um ano ou encaminhamento ao serviço de
saúde caso apresentasse mais algum parâmetro laboratorial fora da normalidade.
- Elevada: Percentil ≥ 95 e < 99 mais 5 mmHg
Encaminhamento ao Serviço de Saúde.
- Muito Elevada: Percentil ≥ 99 mais 5 mmHg
Encaminhamento ao Serviço de Saúde com Urgência.
46
3.7 MEDIDAS ANTROPOMÉTRICAS
As medidas de peso e estatura foram coletadas com o auxílio de um biombo para
garantir a privacidade durante a coleta de dados. Para todas as medidas, os adolescentes
deveriam estar descalços e portando roupas leves. Caso o adolescente estivesse portando
calças ou bermudas pesadas, a equipe solicitava ao adolescente a troca por shorts mais leves
disponibilizados pela equipe.
O peso foi obtido em balança eletrônica Líder ® com capacidade de 200 kg e variação
de 50 g. A balança era posicionada em piso plano horizontal (sem reentrâncias, protuberâncias
ou inclinação), com os pés tocando o piso simultaneamente. O adolescente era conduzido ao
centro da balança após a mesma ter sido ligada e o visor ter atingido o zero. Solicitava-se ao
adolescente que subisse na balança, ereto, com a cabeça erguida, os braços estendidos ao
longo do corpo, o peso distribuído igualmente nos dois pés juntos e paralelos, e que
permanecesse imóvel até o final da pesagem114. A leitura era realizada após o valor do peso
permanecer fixo no visor, sendo digitado imediatamente no PDA no local apropriado. Foi
realizada uma única medida já que a balança era digital, mas o valor foi digitado no PDA duas
vezes, para que fossem evitados erros de digitação.
A estatura foi medida utilizando-se estadiômetro portátil e desmontável da marca
Alturexata® com resolução de 1mm e campo de uso de até 213 cm. No momento da medida, a
cabeça do adolescente deveria estar livre de adereços (boné, arco, tiara, prendedores de
cabelo, tranças, e outros...). Solicitava-se ao adolescente que se posicionasse sobre a
plataforma de apoio dos pés. A parte posterior da cabeça, as costas, as nádegas, as
panturrilhas e os calcanhares deveriam tocar o apoio vertical do estadiômetro. No caso de
joelhos em “X” (genovalgo), os pés deveriam ficar separados, de forma que as bordas mediais
dos joelhos se tocassem, mas não se sobrepusessem. Quando o adolescente era capaz de
encostar todos os pontos simultaneamente no estadiômetro, mantendo uma postura natural
razoável, o pesquisador deveria garantir que encostasse as nádegas e o calcanhar, ou a cabeça
na base vertical do equipamento114. Quando a cabeça do adolescente estivesse posicionada no
Plano de Frankfürt, solicitava-se ao mesmo que inspirasse profundamente e se mantivesse
ereto, sem alterar o nível dos ombros. Em seguida, deslizava-se a haste móvel até comprimir o
cabelo do adolescente e, então era realizada a leitura na escala numérica. A medida, em
centímetros, era digitada imediatamente no PDA. Foram obtidas duas medidas e admitida
uma variação máxima de 0,5 cm entre as duas. O sistema automaticamente calculava a média
47
das duas medidas. Caso a variação excedesse este valor, as medidas eram descartadas
automaticamente no visor do PDA e deveriam ser realizadas novamente.
Foi calculado o IMC, definido como peso (Kg) dividido pelo quadrado da estatura
(metros). Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, foram adotadas as novas
curvas de referência da World Health Organization (WHO) lançadas em 2007115, utilizando
como índice o IMC-para-idade, segundo sexo. Os pontos de corte adotados foram: muito
baixo peso escore Z < -3; baixo peso escore Z ≥ -3 e < -2; eutrofia escore Z ≥ -2 e ≤ 1;
sobrepeso escore Z > 1 e ≤2; obesidade escore Z > 2.
3.8 OUTRAS VARIÁVEIS
A variável cor da pele foi autorreferida e nas seguintes categorias: branca, preta, parda,
amarela, indígena e não informada.
Para a classe econômica foram utilizados os pontos de corte do Critério Brasil, pela
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP 2013. Tal critério utiliza um esquema
de pontos para classificação da classe econômica pela análise das seguintes variáveis:
banheiro, empregados domésticos, automóveis, microcomputadores, lava-louça, geladeira,
freezer, lava-roupa, DVD, micro-ondas, motocicleta e secadora de roupas. Com isso é feita
uma estimativa média de renda para cada classe, sendo:
A: R$ 20.252,76
B1: R$ 8.695,88
B2: R$ 4.427,36
C1: R$ 2.409,01
C2: R$ 1.446,24
D – E: R$ 639,78.
3.9 CONTROLE DE QUALIDADE
Para prevenir ou minimizar erros sistemáticos ou aleatórios durante a coleta dos dados,
medidas antropométricas e na análise do sangue, foram adotados procedimentos padronizados
para garantir a qualidade das informações. Elaboraram-se manuais com descrições detalhadas
dos procedimentos para a seleção da população do estudo e coleta de dados. A equipe de
48
campo foi treinada e certificada antes do início do estudo e reavaliada. A coleta de dados foi
monitorizada durante todo o estudo.
Uma amostra das informações foi analisada regularmente na busca de tendências e
padrões que pudessem resultar em problemas nos procedimentos realizados, seja por
entrevistadores, técnicos ou processadores de informação106.
3.10 ARMAZENAMENTO DOS DADOS
Foram utilizados coletores eletrônicos de dados, PDAs, para a coleta de informação no
campo com transferência eletrônica para a central de dados do estudo localizado no IESC-
UFRJ, tendo sido desenvolvido um sistema para entrada e armazenamento de dados. Esse
sistema era integrado ao sistema de coleta de dados do REC24h e recebeu também as
informações laboratoriais e do questionário do responsável.
3.11. ASPECTOS ÉTICOS
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IESC-UFRJ e
também por um comitê de ética e pesquisa em cada um dos estados e do Distrito Federal. Só
foram incluídos no estudo os adolescentes que concordaram em participar do estudo e para a
avaliação bioquímica os que trouxeram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
assinado por responsável.
3.12 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Variáveis contínuas foram descritas com médias e desvios-padrão, intervalos de
confiança de 95% ou percentis, e categóricas com frequências e intervalos de confiança. Os
dados foram analisados com o software STATA, versão 14 (Stata Corp., College Station,
USA). As análises foram realizadas considerando-se o desenho de amostra complexa
utilizado.
A ingestão de sódio foi estimada segundo região do país, capital, sexo, idade, estado
nutricional, cor da pele, escolas públicas e privadas e escolaridade da mãe.
A relação entre o consumo de sódio e a pressão arterial sistólica e diastólica foi
avaliada por gráficos entre as duas variáveis utilizando a função suavizadora lowess no Stata e
limitando o consumo de sódio entre 1.000 mg e 8.000 mg para excluir o efeito de valores
considerados extremos.
49
Vale ressaltar que esses gráficos não levam em consideração o desenho amostral, nem
os ajustes pelas variáveis confundidoras. A intenção foi apenas identificar pontos de corte
onde houvesse uma relação linear positiva entre as duas variáveis. Assim sendo, foram
identificados esses pontos de corte de acordo com o sexo e as estratificações.
Nessas faixas de consumo de sódio específicas foram realizadas regressões lineares
utilizando os comandos para o desenho amostral complexo e controlando pelas variáveis de
confundimento.
A associação do consumo de sódio com pressão arterial foi descrita levando em
consideração as variáveis de confundimento e modificadoras de efeito. Essa associação foi
investigada em diferentes níveis: individual e ecológico por capitais e por municípios.
A análise da associação foi realizada também por quintis de consumo de sódio,
estratificando por sexo e ajustando para consumo energético, idade e estado nutricional.
As análises ecológicas foram realizadas para capitais e para municípios, buscando-se
encontrar uma maior heterogeneidade do consumo de sódio. Nessas análises foram levadas
em consideração as seguintes variáveis: sexo, idade e energia.
50
4 RESULTADOS
ARTIGO 1
Título: Consumo de sódio em adolescentes do Erica – Estudo de Risco Cardiovasculares em
Adolescentes.
Resumo
Introdução: O aumento do consumo excessivo de sódio ao longo dos últimos anos tem
contribuído para as elevadas taxas de doenças cardiovasculares e de outros problemas de
saúde no Brasil e no mundo. As taxas de inadequação de consumo de sódio em adolescentes
estão acima de 80%. Objetivo: Descrever a distribuição do consumo de sódio em
adolescentes brasileiros e analisar os alimentos que mais contribuíram para o consumo de
sódio nessa população. Métodos: O consumo de sódio foi avaliado por recordatório alimentar
de 24 horas. As médias de consumo de sódio foram estimadas, bem como os intervalos de
confiança. As médias foram ajustadas pelo consumo energético para possibilitar a
comparação da densidade de sódio consumida independente do volume. Para a análise por
grupos de alimentos foram identificados 32 grupos de alimentos com perfis similares de
macronutrientes. Resultados: O consumo médio de sódio no país foi de 3.378 mg (IC 95%:
3.313 – 3.444 mg), sendo que os adolescentes do sexo masculino apresentaram maiores
médias do que o sexo feminino. Os participantes que estudavam em escolas públicas
apresentaram maiores médias para o consumo de sódio do que os das escolas privadas,
mesmo após o ajuste. Foi observado um gradiente inverso entre consumo de sódio e
escolaridade da mãe, mesmo após ajuste. Os alimentos que mais contribuíram para o consumo
de sódio na população total foram: arroz e preparações (16%), feijão, leguminosas e
preparações (12%), pães (10%) e carne bovina (9%), com pequenas variações por região do
país. Conclusão: Os resultados encontrados mostram um consumo bastante elevado de sódio
nessa população.
Palavras-chave: saúde do adolescente, consumo de sódio
51
ARTIGO 1
Title: Sodium consumption in adolescents from Erica – The Study of Cardiovascular Risk in
Adolescents.
Abstract
Introduction: The raise in excessive sodium intake over the last few years has contributed to
high rates of cardiovascular diseases and other health problems in Brazil and worldwide. The
rates of inadequate sodium intake in adolescents are above 80%. Objective: To describe the
distribution of sodium intake in Brazilian adolescents and to analyze foods that most
contributed to sodium consumption in this population. Methods: Sodium intake was assessed
by a 24-hour food recall. Averages of sodium consumption were estimated as well as
confidence intervals. The averages were adjusted by energy consumption to allow comparison
of the density of sodium consumed, regardless of volume. For analysis by food groups, 32
food groups with similar macronutrient profiles were identified. Results: The mean intake of
sodium in the country was 3,378 mg (95% CI: 3,313 - 3,444 mg), and male adolescents
presented higher averages than female. Participants who studied in public schools presented
higher averages for sodium consumption than those in private schools, even after adjustment.
An inverse gradient between sodium intake and maternal schooling was observed, even after
adjustment. Foods that most contributed to sodium consumption in the total population were:
rice and preparations (16%), beans, vegetables and preparations (12%), breads (10%) and beef
(9%), with small regional variations in the country. Conclusion: The results show a very
high consumption of sodium in this population.
Key-Words: adolescent health, sodium consumption
52
Introdução
O aumento do consumo excessivo de sódio ao longo dos últimos anos tem contribuído
para as elevadas taxas de doenças cardiovasculares e de outros problemas de saúde no Brasil e
no mundo1. De acordo com estimativas globais, cerca de 8,5 milhões de mortes poderiam ser
evitadas durante 10 anos (2006-2015) somente pela redução de sal2. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) recomenda consumo de sal abaixo de 5 g/dia, o equivalente a 2 g de
sódio/dia para adultos3.
Sarno et al., 20094, utilizando estimativas baseadas nos dados da Pesquisa de
Orçamentos Familiares, avaliaram que a quantidade diária de sódio disponível para consumo
nos domicílios brasileiros, de 2002-2003, foi de 4,5 g por pessoa, excedendo, assim, em mais
de duas vezes o limite recomendado de ingestão desse nutriente3.
De acordo com o US Dietary Reference Intakes, o consumo máximo tolerável de sódio
seria de 2.200 mg/dia para indivíduos de 9 a 13 anos e de 2.300 mg/dia para indivíduos acima
de 13 anos5.
No Brasil, nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, a média de
consumo de sódio diária foi de 3.163 mg para a faixa etária de 10 a 13 anos em meninos e
2.931,5 mg para meninas e de 3.705,6 mg para a faixa etária de 14 a 18 anos para
adolescentes do sexo masculino e 2.907,4 para adolescentes do sexo feminino6.
Segundo os dados do Inquérito Nacional de Alimentação (INA 2008-2009), o
percentual de inadequação do limite máximo para o consumo de sódio na faixa de 10 a 13
anos foi de 81% e de 14 a 18 anos de 88,4% para o sexo masculino e de 75,1% e 69,9% para o
sexo feminino nas respectivas faixas de idade7.
No estudo ERICA, os percentuais de inadequação para o sódio na faixa etária de 12 a
13 anos foram de 97% e de 14 a 17 anos de 99% para o sexo masculino. Para o sexo
feminino, esses percentuais foram de 84% e 85% nas respectivas faixas etárias8.
Os alimentos mais consumidos no ERICA foram: arroz (82%), feijão (68%), sucos e
refrescos (56%), pães (53%) e carne bovina (52%) nas duas faixas etárias8. O consumo alto de
sódio é explicado pela alimentação inadequada.
Algumas patologias, como diabetes do tipo II, doenças cardiovasculares, osteoporose e
outras que antes só se manifestavam em adultos ou idosos, vêm sendo encontradas em
adolescentes. Isto ocorre, principalmente, por causa da má alimentação e do estilo de vida
inadequados9. Há algumas décadas atrás, fazer as refeições fora de casa, comer em pé
53
rapidamente, abandonar o “arroz e feijão”, adotar o hamburger no cardápio diário eram
hábitos inconcebíveis para o brasileiro. Hoje, com a disseminação da “fast food”, uma nova
realidade se instala no Brasil10.
O método recordatório de 24 horas é um instrumento de avaliação da ingestão de
alimentos e nutrientes de indivíduos e grupos populacionais, mas requer um nutricionista ou
entrevistador bem treinado para a realização da coleta de dados. Em geral, esse instrumento é
bem aceito pelos entrevistados, o tempo de aplicação é curto, o custo é baixo e não promove
alteração da dieta habitual11. A utilização do recordatório de 24 horas em estudos
epidemiológicos apresenta muitas vantagens, principalmente porque é rápido, relativamente
barato e de fácil aplicação.
O Erica, por ter representatividade nacional, regional e por capitais, permitirá propor
mudanças comportamentais em uma faixa etária que poderá refletir na incidência de
problemas de saúde na idade adulta. Caso seja possível definir um grupo de maior risco que
possa ser alvo de intervenções específicas de mudanças comportamentais, isso será uma
importante estratégia de prevenção de doenças cardiovasculares e suas complicações.
Não foram identificados até o momento estudos brasileiros sobre a distribuição do
consumo de sódio em adolescentes que investigassem o padrão de consumo segundo
variações regionais e de outras características sociodemográficas. Portanto, o objetivo do
estudo foi descrever a distribuição do consumo de sódio em adolescentes brasileiros e analisar
os alimentos que mais contribuem para o consumo de sódio nessa população.
Métodos
Desenho e população de estudo
Trata-se de um estudo seccional, nacional de base escolar. O objetivo do Estudo de
Riscos Cardiovasculares em Adolescentes - Erica foi estimar a prevalência de fatores de risco
cardiovascular e de marcadores de resistência à insulina em adolescentes.
No presente estudo, foram elegíveis todos os adolescentes, de ambos os sexos, de 12 a
17 anos, que frequentavam escolas públicas e privadas das cidades brasileiras com mais de
100.000 habitantes selecionadas para participar do estudo no período de 2013 a 2014. Os
critérios de exclusão para participação do estudo foram: adolescentes portadores de
54
deficiência física ou déficit cognitivo que impossibilitassem a avaliação antropométrica ou o
preenchimento do questionário e adolescentes grávidas.
O Erica adotou uma estratégia amostral complexa por conglomerados e estratificada
em três estágios de seleção: escola, turma e alunos. Em cada estrato geográfico, as escolas
foram selecionadas com probabilidade proporcional ao tamanho. A descrição completa do
processo de amostragem pode ser encontrada em artigo já publicado12.
Logística
As escolas selecionadas foram contatadas para fins de recrutamento e planejamento da
coleta de dados. Os responsáveis foram informados do estudo, e apenas os adolescentes que
assinaram o Termo de Assentimento (TA) foram incluídos.
A equipe de campo era composta por sete membros: dois supervisores (um
responsável pelo contato com as escolas e sensibilização dos alunos e o outro pelo
acompanhamento da coleta de dados no campo e transferência de dados); dois
antropometristas (para a realização das medidas de peso, estatura, perímetros da cintura e do
braço); um membro para aferição da pressão arterial e dois entrevistadores para o recordatório
alimentar de 24 horas (REC24h). Maior detalhamento do processo pode ser encontrado em
Bloch et al13.
O questionário do adolescente foi autopreenchido em coletor eletrônico de dados
(PDA), contendo cerca de 100 questões e dividido em 11 blocos. A variável cor de pele foi
autorreferida e a classe econômica utilizou os pontos de corte do Critério Brasil ABEP 2013.
Avaliação do Consumo Alimentar
A ingestão alimentar foi estimada pela aplicação de recordatório de 24 horas. Os
adolescentes foram entrevistados por pesquisadores de campo devidamente treinados, que
utilizaram um software específico para a entrada de dados de consumo alimentar, com
registro direto das informações em netbooks.
A técnica de entrevista foi o multiple-pass method14, que consiste em ume entrevista
orientada em cinco etapas, com o objetivo de reduzir o subrelato do consumo alimentar. O
software utilizado continha uma lista de alimentos provenientes da base de dados de aquisição
de alimentos e bebidas da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-200315 realizada pelo
55
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os alimentos que não constavam na
base de dados foram incluídos pelos entrevistadores.
O consumo energético e de nutrientes foi estimado com base na Tabela de
Composição Nutricional dos Alimentos Consumidos no Brasil16 e na Tabela de Medidas
Referidas para os Alimentos Consumidos no Brasil17.
Os dados de ingestão de nutrientes não incluíram o consumo de suplementos ou
medicamentos. Para análise da ingestão energética e nutrientes, considerou-se a adição de
óleo de soja em todas as formas de preparação cozida e refogadas de carnes e vegetais. Os
1.626 itens alimentares disponíveis na lista de alimentos utilizada no software específico para
coleta de dados do Erica foram categorizados em grupos com perfis similares de
macronutrientes8.
Um único dia de consumo fornece boas estimativas da média populacional de ingestão
de nutrientes e alimentos18; portanto, as estimativas de prevalência de consumo dos alimentos
e das médias populacionais de ingestão energética e da contribuição percentual de
macronutrientes foram calculados com base em um recordatório de 24 horas.
O consumo de sal foi estimado pelo teor de sódio dos alimentos. A adição de sal à
mesa não foi considerada para a análise. As médias de consumo de sódio foram estimadas,
assim como os seus intervalos de confiança de 95% e ajustadas pelo consumo de energia, para
possibilitar a comparação da densidade de sódio consumida de forma independente do
volume. Para esse ajuste, o consumo médio de sódio por grupo foi dividido pelo consumo
energético médio nesse mesmo grupo e multiplicado por 1.000. Também foram estimados os
intervalos de confiança de 95% dessas razões de médias.
Para a análise por grupos de alimentos nesse artigo foram utilizados a tabela de
composição da POF16 e o banco de alimentos do Erica. A quantidade de açúcar adicionada
aos sucos e bebidas (10%) e o óleo adicionado às preparações foram considerados para a
análise. Em relação à contribuição para o consumo de sódio foram identificados 32 grupos de
alimentos com perfis similares de macronutrientes. A estimativa do sódio adicionado no
preparo também foi incluída no cálculo.
A idade foi categorizada em duas faixas etárias devido as diferentes recomendações
para ingestão de micronutrientes segundo sexo e idade.
56
Medidas Antropométricas
O peso foi obtido em balança eletrônica Líder ® com capacidade de 200 kg e variação
de 50 g. A balança era posicionada em piso plano horizontal, com os pés tocando o piso
simultaneamente. Foi realizada uma única medida já que a balança era digital, mas o valor foi
digitado no PDA duas vezes, para que fossem evitados erros de digitação.
A estatura foi medida utilizando-se estadiômetro portátil e desmontável da marca
Alturexata® com resolução de 1 mm e campo de uso de até 213 cm. Foram obtidas duas
medidas e admitida uma variação máxima de 0,5 cm entre as duas. O sistema
automaticamente calculava a média das duas medidas. Caso a variação excedesse este valor,
as medidas eram descartadas no visor do PDA e deveriam ser realizadas novamente.
Foi calculado o IMC, definido como peso (Kg) dividido pelo quadrado da estatura
(metros). Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, foram adotadas as novas
curvas de referência da WHO lançadas em 200719 utilizando como índice o IMC-para-idade,
segundo sexo. Os pontos de corte adotados foram: muito baixo peso escore Z < -3; baixo peso
escore Z ≥ -3 e < -2; eutrofia escore Z ≥ -2 e ≤ 1; sobrepeso escore Z > 1 e ≤2; obesidade
escore Z > 2.
Controle de Qualidade
Para prevenir e minimizar erros sistemáticos durante a coleta dos dados foram
adotados procedimentos padronizados para garantir a qualidade das informações13.
Aspectos Éticos
O Erica foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de cada estado e do Distrito
Federal e encontra-se detalhado em Bloch et al13. Todos os participantes assinaram termo de
assentimento.
Análise Estatística
Variáveis contínuas foram descritas com médias e desvios-padrão, e categóricas com
intervalos de confiança de 95%. Os dados foram analisados com o software STATA, versão
57
14 (Stata Corp., College Station, USA). As análises foram realizadas considerando-se o
desenho amostral utilizado.
A ingestão de sódio foi estimada segundo região do país, capital, sexo, idade, estado
nutricional, cor da pele, escolas públicas e privadas, escolaridade da mãe e classe econômica.
Resultados
O total de adolescentes participantes dessa tese foi de 71.553. O consumo médio de
sódio no país foi de 3.378 mg (IC 95%: 3.313 – 3.444 mg). Essa média está acima do limite
máximo recomendável. O consumo de sódio e sua distribuição encontram-se na tabela 1.
As médias para consumo de sódio foram maiores em adolescentes do sexo masculino
em comparação às do sexo feminino. Tal diferença permaneceu após o ajuste por energia.
Para as regiões, a maior média de consumo foi da região Nordeste, seguida por Centro-Oeste,
Norte, Sudeste e Sul, respectivamente. Após o ajuste, essa ordem inverteu-se um pouco:
Nordeste, seguida por Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Norte, respectivamente.
Os participantes que estudavam em escolas públicas apresentaram maiores médias
para o consumo de sódio do que os das escolas privadas, mesmo após o ajuste. As escolas
localizadas em áreas rurais também apresentaram valores maiores de médias do que as escolas
em áreas urbanas, tal diferença praticamente desapareceu quando ajustada por energia.
Os adolescentes na maior faixa etária (14 a 17 anos) tiveram uma maior média de
consumo de sódio do que os mais jovens (12 a 13 anos). Mas essa diferença desapareceu após
o ajuste por consumo energético.
Para a variável cor de pele, referida pelo adolescente, a maior média para o consumo
de sódio foi observada para os de cor de pele indígena, seguida por preta, parda, amarela e
branca, respectivamente. Quando ajustadas, o maior valor foi observado para os de cor preta e
o menor para os de cor branca. As outras cores de pele praticamente se igualaram no consumo
de sódio.
Foi observado um gradiente inverso entre consumo de sódio e escolaridade da mãe,
mesmo após ajuste. Em relação a características socioeconômicas, os adolescentes das
classes D e E consomem mais sódio do que os de classe A e B, diferença que permaneceu
após ajuste.
A capital que apresentou a maior ingestão média de sódio foi Recife (4.529,7 mg/dia),
seguida de João Pessoa, Rio de Janeiro, Natal e Salvador. Quando as análises foram ajustadas
58
pelo consumo energético total, as capitais com as maiores médias foram: Recife, Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Cuiabá e Campo Grande.
As capitais que apresentaram as menores médias foram: Macapá, Curitiba e
Florianópolis, respectivamente. O consumo geralmente foi maior em adolescentes do sexo
masculino dentro das capitais.
59
Tabela 1. Médias de consumo de sódio por grupos de variáveis: bruta e ajustada por consumo de energia, Erica 2013-20141.
(Fonte: elaborada pela autora).
Características
Médias de Sódio
(mg) IC 95%
Densidade de
Sódio(mg/1.000kcal) IC 95%
Sexo Feminino 2.988,6 2.933,7 - 3.043,6 1,43 1,41 - 1,44
Masculino 3.764,9 3.674,3 - 3.855,4 1,52 1,51 - 1,53
Região
Norte 3.345,9 3.286,2 - 3.405,7 1,45 1,42 - 1,48
Nordeste 3.652,2 3.534,6 - 3.769,7 1,53 1,49 - 1,54
Centro-Oeste 3.466,5 3.403,4 - 3.529,6 1,49 1,46 - 1,51
Sudeste 3.308,0 3.192,5 - 3.423,4 1,47 1,45 - 1,49
Sul 3.152,2 3.059,1 - 3.245,4 1,45 1,42 - 1,48
Tipo de Escola Pública 3.411,8 3.344,0 - 3.479,6 1,49 1,47 - 1,50
Privada 3.219,4 3.054,7 - 3.384,0 1,44 1,41 - 1,47
Região da Escola Urbana 3.356,4 3.306,7 - 3.406,1 1,48 1,47 - 1,49
Rural 3.923,1 3.687,7 - 4.158,4 1,45 1,43 - 1,56
Idade 12 a 13 anos 3.184,7 3.099,2 - 3.270,3 1,48 1,46 - 1,49
14 a 17 anos 3.483,2 3.412,4 - 3.553,9 1,48 1,47 - 1,49
Cor da pele2
Branca 3.314,7 3.234,3 - 3.395,1 1,46 1,44 - 1,48
Preta 3.464,4 3.333,3 - 3.595,4 1,51 1,48 - 1,54
Parda 3.417,0 3.338,1 - 3.496,0 1,48 1,47 - 1,50
Amarela 3.391,7 3.229,2 - 3.554,1 1,48 1,44 - 1,53
Indígena 3.533,5 3.061,4 - 4.005,6 1,49 1,40 - 1,59
60
Continuação...
Características Médias de Sódio
(mg) IC 95%
Densidade de Sódio
(mg/1.000kcal) IC 95%
Escolaridade da Mãe
Analfabeto/<1 ano 3.444,3 3.261,2 - 3.627,4 1,54 1,49 - 1,60
1-7 anos 3.472,4 3.326,0 - 3.618,9 1,49 1,47 - 1,51
8-12 anos 3.403,5 3.347,8 - 3.459,1 1,47 1,46 - 1,49
>12 anos 3.392,6 3.302,0 - 3.483,3 1,47 1,45 - 1,49
Classe Econômica
A 3.420,1 3.272,5 - 3.567,6 1,47 1,43 - 1,50
B 3.373,3 3.307,9 - 3.438,8 1,46 1,45 - 1,48
C 3.464,5 3.382,3 - 3.546,6 1,50 1,48 - 1,52
D e E 3.586,9 3.302,9 - 3.871,0 1,56 1,51 - 1,62
Capitais
Rio Branco 3.477,8 3.338,9 - 3.616,7 1,44 1,39 - 1,48
Maceió 3.596,5 3.393,9 - 3.799,0 1,52 1,47 - 1,57
Macapá 2.808,3 2.655,8 - 2.960,8 1,30 1,24 - 1,36
Manaus 3.486,0 3.379,2 - 3.592,7 1,49 1,45 - 1,53
Salvador 3.600,1 3.427,1 - 3.773,1 1,45 1,42 - 1,49
Fortaleza 3.274,9 3.177,7 - 3.372,1 1,47 1,44 - 1,51
Brasília 3.470,4 3.331,1 - 3.609,6 1,47 1,43 - 1,52
Vitória 3.173,5 3.051,8 - 3.295,2 1,43 1,40 - 1,46
Goiânia 3.249,4 3.129,9 - 3.368,8 1,43 1,36 - 1,50
São Luís 3.400,6 3.347,1 - 3.454,1 1,50 1,46 - 1,53
Cuiabá 3.454,3 3.275,7 - 3.632,8 1,55 1,50 - 1,59
61
Continuação...
Características Médias de Sódio
(mg) IC 95%
Densidade de Sódio
(mg/1.000kcal) IC 95%
Capitais
Campo Grande 3.473,0 3.349,6 - 3.596,4 1,53 1,48 - 1,58
Belo Horizonte 3.253,7 3.158,5 - 3.348,9 1,40 1,37 - 1,43
Belém 3.310,2 3.188,7 - 3.431,8 1,37 1,31 - 1,44
João Pessoa 3.778,2 3.611,0 - 3.945,3 1,50 1,47 - 1,54
Curitiba 3.050,7 2.950,9 - 3.150,6 1,39 1,36 - 1,42
Recife 4.529,8 4.222,8 - 4.836,7 1,64 1,57 - 1,72
Teresina 3.284,8 3.099,7 - 3.469,8 1,51 1,44 - 1,57
Rio de Janeiro 3.660,4 3.560,4 - 3.760,3 1,55 1,53 - 1,58
Natal 3.617,2 3.450,3 - 3.784,0 1,51 1,46 - 1,55
Porto Alegre 3.286,2 3.162,6 - 3.409,8 1,55 1,50 - 1,59
Porto Velho 3.395,2 3.160,7 - 3.629,7 1,52 1,46 - 1,59
Boa Vista 3.141,2 2.970,9 - 3.311,5 1,44 1,39 - 1,49
Florianópolis 3.064,0 2.927,7 - 3.200,4 1,40 1,36 - 1,43
São Paulo 3.198,4 3.104,9 - 3.291,8 1,47 1,44 - 1,50
Aracaju 3.400,1 3.242,2 - 3.558,0 1,48 1,44 - 1,52
Palmas 3.135,4 2.991,4 - 3.279,4 1,46 1,40 - 1,51
1 n=71.553; 2 2,66% não referiram a cor da pele.
62
No quadro 1 são apresentados os 32 grupos de alimentos para a análise da
contribuição para o consumo de sódio.
Grupos de Alimentos Descrição
Arroz e preparações Arroz, arroz com legumes, sushi e outras preparações à base de arroz
Feijão, leguminosas e preparações Feijões, carne de soja e outras leguminosas
Pães Pães brancos e integrais e torradas
Carne bovina e preparações Carne bovina e preparações à base de carne e outras carnes
Aves e preparações Frango e preparações à base de frango e outras aves
Sanduíches Hambúrgueres e outros sanduíches
Biscoito salgado Biscoitos salgados e tipo chips (batata ou milho)
Bolos e biscoitos doces e recheados Bolos, tortas em geral, biscoitos doces e recheados
Massas e preparações a base de macarrão Macarrão, ravióli, lasanha e outras preparações à base de massas
Embutidos, frios e carnes processadas Presunto, salame, mortadela, linguiça, salsicha e outras carnes processadas
Carnes e Peixes Salgados Peixe e preparações à base de peixe
Sopas Sopas e caldos
Leite e outros laticínios Leite integral e desnatado, bebidas lácteas adoçadas com aromas artificiais ou
naturais, leite fermentado, leite de soja e bebidas à base de soja
Pizza Pizzas e calzones
Salgados fritos e assados Coxinha, empadão, pão de queijo e outros salgados
Pescados e preparações
Gorduras, Molhos e condimentos Manteiga, margarina, molhos e condimentos
Macarrão instantâneo
Queijos Queijos e iogurtes
Batata inglesa e frita
Milho e preparações Milho, farinha de milho, polenta e outras preparações à base de milho
Bebidas Sucos de frutas naturais e industrializados, café, cappuccino, café com leite e
outras bebidas à base de café, chás, vinho, cerveja e outros
Carne Suína Carne de porco e preparações à base de carne de porco
Outros tubérculos Batatas, exceto industrializadas (chips), mandioca, inhame e outros tubérculos
Hortaliças Vegetais folhosos e legumes
Ovos Ovos e preparações à base de ovos
Doces e Açucares Doces e sobremesas a base de frutas, chocolate, outras guloseimas, açúcar, mel,
geleias, doces, sobremesas, bolos, tortas e biscoitos doces diet e light
Refrigerantes Refrigerantes normais, dietéticos e light
Cereais matinais Aveia, sucrilhos, barra de cereais e outros cereais
Frutas Frutas e saladas de frutas
Oleaginosas (castanhas, nozes,
amendoins)
Amendoim, castanha de caju, amêndoas e outros
Óleos Óleos vegetais, azeite de oliva
Quadro 1. Grupos de Alimentos que contribuíram para o consumo de sódio, Erica, 2013 –
2014. (Fonte: quadro elaborado pela autora).
63
Figura 1. Grupos de alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio no Brasil e
por região, Erica 2013-2014. (Fonte: figura elaborada pela autora).
Os alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio foram: arroz e
preparações (16%); feijão, leguminosas e preparações (12%); pães (10%); carne bovina e
preparações (9%); aves e preparações (7%); sanduíches (5%); biscoitos salgados (4%);
massas e preparações à base de macarrão (4%); bolos e biscoitos doces e recheados (4%) e
embutidos, frios e carnes processadas (3%) (Figura 1).
64
Juntos, o arroz e feijão e preparações mais os pães contribuíram com 38% do consumo
de sódio de adolescentes. Por outro lado, os alimentos que menos contribuíram para o
consumo de sódio foram: óleos, oleaginosas, frutas, cereais matinais, refrigerantes, ovos,
doces e açúcares, hortaliças, carne suína e outros tubérculos. Para as adolescentes do sexo
feminino, não foram encontradas diferenças nos grupos que mais contribuíram em relação ao
padrão no Brasil como um todo. Também não foi encontrada diferença quando analisados
esses grupos pelas faixas etárias (12 a 13 anos e 14 a 17 anos), resultados não apresentados.
Para os adolescentes do sexo masculino a única diferença encontrada foi o
aparecimento do grupo de alimentos “Carnes e Peixes Salgados” na faixa etária de 14 a 17
anos. Tal grupo não está entre os 10 principais grupos de alimentos que contribuíram para o
consumo de sal para a população total ou entre as adolescentes.
A figura 1 também mostra a distribuição dos grupos de alimentos no Brasil e por
macrorregião. Além das mudanças na ordem dos grupos de alimentos que mais contribuíram
para o consumo de sódio, em algumas macrorregiões do país observam-se grupos de
alimentos que não aparecem entre os que mais contribuíram no Brasil.
No Norte do país configuraram entre os alimentos que diferem: “Sopas”, “Pescados e
preparações” e “Peixes salgados”; no Nordeste: “Carnes e Peixes salgados”; no Sul: “Pizza” e
“Sopas” e no Centro-Oeste: “Salgados fritos e assados”. No Sudeste o padrão de consumo foi
o mais semelhante com o perfil do Brasil.
Quando as análises foram estratificadas segundo tipo de escola (Figura 2), além da
alteração da ordem dos grupos de alimentos nas escolas públicas e privadas, chama a atenção
a maior contribuição para o consumo nas escolas privadas os grupos “Pizzas”, “Sanduíches” e
“Carnes e Peixes Salgados”.
65
Figura 2. Grupos de alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio por tipo de
escola, Erica 2013-2014. (Fonte: figura elaborada pela autora).
Em relação aos municípios (122), selecionamos os dez que têm maiores e menores
médias de consumo de sódio, respectivamente. Como pode ser observada na Tabela 2, a
maioria dos municípios com maior consumo de sódio são da região nordeste do país e a
maioria dos que menos consomem, da região sudeste.
Tabela 2. Consumo médio de sódio nos municípios, Erica 2013-2014. (Fonte: tabela
elaborada pela autora).
Municípios com maior consumo de sódio Municípios com menor consumo de sódio
Município
Média de
Consumo
de Sódio (mg)
Estado Município
Média de
Consumo
de Sódio (mg)
Estado
Olinda 4.664,1 PE Coronel Fabriciano 2.439,4 MG
Camaragibe 4.631,8 PE Indaiatuba 2.510,0 SP
Alagoinhas 4.562,4 BA Praia Grande 2.514,3 SP
Recife 4.529,7 PE Ferraz de Vasconcelos 2.579,1 SP
Parnamirim 4.471,6 RN Mossoró 2.602,8 RN
Campina Grande 4.427,7 PB Itajaí 2.693,7 SC
Jaboatão dos Guararapes 4.225,9 PE Criciúma 2.714,8 SC
Poços de Caldas 4.144,1 MG Colatina 2.776,3 ES
Paulista 4.134,7 PE Macapá 2.808,3 AP
Camacari 4.120,5 BA Paulo Afonso 2.873,0 BA
Discussão
O consumo médio de sódio encontrado nos adolescentes do Erica estava muito acima
do recomendado para todos, levando em consideração também a recomendação por faixa de
idade. O consumo foi maior para os adolescentes do sexo masculino. Não houve diferença de
consumo para a idade quando ajustado para consumo energético. Entre as regiões, as maiores
66
médias foram para a região Nordeste e em seguida para a região Centro-Oeste. Os alunos de
escola pública tiveram médias ligeiramente maiores para o consumo de sódio do que os
alunos de escolas privadas, mesmo após o ajuste.
Os alimentos que mais contribuíram para o consumo de sódio foram: arroz e
preparações, feijão, leguminosas, pães e carne bovina. A densidade de sódio é o quanto em
miligramas o sódio está presente em 1.000 calorias do alimento por indivíduo e é muito útil
na descrição de dietas e alimentos. Os alimentos supracitados que mais contribuíram são
porque são os mais consumidos, porém há outros alimentos que apresentam maior densidade
de sódio do que esses. A dieta do brasileiro, portanto, é composta do tradicional “arroz com
feijão”, mas também por outros alimentos.
Em nosso estudo encontramos um alto teor de ingestão diária de sódio na dieta dos
adolescentes. Resultado semelhante foi observado em estudos de inadequação de
micronutrientes, como o de Veiga et al, utilizando dados do Inquérito Nacional de
Alimentação (INA)7 e no próprio estudo Erica, por Moura et al8.
A média de consumo de sódio encontrada em nossa população de adolescentes
assemelha-se à encontrada em alguns estudos. Yang e colaboradores analisaram dados de
6.235 crianças e adolescentes de 8 a 18 anos no NHANES 2003-2008 e também avaliaram o
consumo de sódio por recordatório de 24h. Os valores encontrados foram de 3.260 mg (erro
padrão=23,9) na faixa de 8 a 12 anos e de 3.486 mg (erro padrão=26,2) na faixa de 13 a 18
anos20.
Souza e colaboradores analisando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-
200921 encontraram consumo diário de sódio de 3.523 mg ± 49,5 (SE) em adolescentes do
sexo masculino e 2.949 mg ± 37,3 (SE) no sexo feminino22. Tais valores muito se
assemelham aos encontrados no Erica, e também observaram maior consumo no sexo
masculino.
Nesse mesmo estudo, na população de 10 a 19 anos, os percentuais mais altos de
consumo de sódio foram atribuídos ao arroz e preparações, feijões e pães, os mesmos grupos
de alimentos encontrados no nosso estudo. Esses alimentos são considerados fontes
importantes de sódio devido ao seu consumo frequente na população, apesar de terem baixa
densidade de sódio22.
Um estudo realizado no Canadá com 8.625 crianças e adolescentes de 9 a 18 anos de
idade, através de um recordatório de 24h encontrou consumo diário de sódio de 3.412 mg.
Dentro dessa mesma faixa de idade, os alimentos que mais contribuíram para tal consumo
67
foram: pães, carnes processadas e alimentos à base de macarrão23. No Reino Unido, 125
adolescentes de 13 a 17 anos participaram de um estudo seccional que encontrou média de
consumo de sal medida através de excreção urinária de sal de 7.550 mg, aproximadamente
3.020 mg de sódio. Os alimentos que mais contribuíram para esse consumo foram: cereais e
produtos à base de cereais (36% - 15% incluíam pães); carnes (19%) e leite e derivados
(11%). Como a maior parte do sal da dieta de crianças e adolescentes vem de alimentos
processados, um esforço ainda maior seria necessário para reduzir a quantidade de sal desses
alimentos24.
Informações obtidas pelo “National Center for Chronic Disease Prevention and
Health Promotion” listam os dez alimentos que são as principais fontes de sódio em
americanos de 2 a 19 anos: pizza, pães, aves, carnes e embutidos, sanduíches, salgadinhos,
sopas, queijos, pratos à base de macarrão, salsichas e molhos (www.cdc.gov/salt/sorces.htm).
À exceção de alguns deles (pizza, salgadinhos, sopas, queijos e salsichas e molhos), muitos
destes também aparecem no perfil dos adolescentes brasileiros. Importante salientar que a
base da alimentação tradicional do Brasil inclui o arroz e o feijão como principais fontes de
sódio na alimentação, não por possuírem alta densidade de sódio, mas por serem os mais
consumidos. Esses alimentos possuem baixa densidade de sódio, 382 mg/100 g e 226 mg/100
g, respectivamente, por alimento. Alimentos são considerados com alta densidade de sódio
quando esta assume valores acima de 600 mg/100 g22.
O padrão para a escola pública assemelha-se muito mais ao padrão encontrado para o
Brasil do que na escola privada. Isso se deve ao fato de que cerca de 2/3 dos alunos do estudo
são provenientes de escolas públicas, o que reflete o padrão socioeconômico do país.
Em relação ao perfil do grupo de alimentos pelas regiões, eles foram bem semelhantes,
exceto por algumas particularidades em algumas regiões. Na região Norte e Nordeste
apareceram os peixes salgados. Isso é justificado, pois essas duas regiões brasileiras possuem
grande área de litoral, o que facilita o acesso a esse tipo de alimento, além do custo de
consumo ser reduzido pela grande oferta.
Ainda na região Nordeste, as carnes salgadas. Essa tradição alimentar de consumo de
carnes salgadas persiste até os dias de hoje. E pode ser por esse motivo que as médias para
consumo de sódio foram maiores para essa região do país.
Na região Norte, sopas e pescados. Esses itens marcam características locais no
consumo de alimentos, pois a região é rica em rios o que favorece a alimentação à base de
peixe e caldos. Esses achados foram semelhantes aos encontrados no INA, mas englobando
68
todas as faixas etárias25. Na região Sul, pizza e sopas, o que é explicado por ser a região do
país que registra as menores temperaturas. No Centro-Oeste salgados fritos e assados.
A região Sudeste foi a que mais se aproximou do padrão Brasil, os mesmos grupos que
mais contribuíram, porém, em diferente ordem de aparecimento.
Em nosso estudo os dados de apenas um recordatório foram utilizados, o que pode não
representar o consumo diário usual do indivíduo. Contudo, um dia de recordatório tem sido
considerado suficiente para estimar a contribuição de cada alimento para o consumo de sódio,
quando médias populacionais e não individuais, de consumo são comparadas26. Outra
limitação desse estudo foi não estimar a quantidade de sal de mesa adicionado à comida.
Uma revisão dos métodos de mensuração da ingestão de sódio em populações reafirma
que o padrão-ouro é a excreção urinária de 24 horas. Aproximadamente 90% do sódio
ingerido é excretado na urina pelo mesmo período de tempo, portanto a coleta da urina de 24
horas reflete com confiabilidade a ingestão. Mesmo os outros métodos de avaliação deveriam
ser acompanhados pelo exame de urina 24 horas para permitir o desenvolvimento de equações
estimadas de validade, que proporcionariam uma estimativa média mais robusta a partir
desses métodos27.
O método utilizado, recordatório de 24h, depende da informação do entrevistado e
pode subestimar o consumo de sódio. Além disso, o teor de sódio dos alimentos e preparações
foi estimado segundo a tabela de composição da POF16.
Em publicação anterior do Erica foi demonstrado que mais de 80% dos adolescentes
apresentaram ingestão superior ao valor de ingestão máximo recomendado de sódio, sendo
que para os meninos esse percentual foi de quase 100%8. Isso reflete que a dieta dos
adolescentes brasileiros caracteriza-se pela manutenção no consumo de alimentos
tradicionais, como arroz e feijão, e de alimentos ultraprocessados8.
O compromisso dos países das Américas com a redução do consumo de sódio pelas
populações da região, conforme proposto pelas OPAS, é uma estratégia fundamental para a
prevenção e controle da morbidade e da mortalidade por doenças crônicas. Nesse sentido, a
redução do consumo de sódio pela população brasileira, dos atuais 4.700 mg para menos de
2.000 mg/pessoa/dia, assume posição de destaque dentro da agenda de saúde no Brasil,
mediante diminuição do sal adicionado durante o preparo e o consumo de alimentos e do
sódio presente nos alimentos industrializados. Para estas ações, foram criados três subgrupos
de trabalho: pactuação de metas de redução de teores de sódio nos alimentos processados;
69
realização de campanhas de educação e informação da população; e elaboração de guias de
boas práticas nutricionais28.
Porém, um estudo realizado avaliou o potencial impacto da redução do teor de sódio
em alimentos processados no consumo total de sódio no Brasil. Como referencial, foram
utilizadas as metas de redução de sódio estabelecidas em 2011 pelo Ministério da Saúde,
supracitadas. A população de estudo foi uma subamostra do INA 2008-2009, e obteve como
resultado que a redução média estimada no consumo de sódio após cinco anos de pactuação
foi de apenas 1,5%, um pequeno impacto no consumo médio de sódio na população brasileira.
O estudo conclui, portanto, que politicas públicas voltadas para o estímulo de mudanças
comportamentais que visem à redução da adição de sal no preparo de alimentos e menor
consumo de alimentos ultraprocessados, tendo como base o novo Guia Alimentar para
População Brasileira29, desempenham papel fundamental para mudanças efetivas no padrão
de consumo de sódio na população brasileira30.
Conclusão
Já nessa faixa etária é possível observar um consumo diário muito alto de sódio na
dieta. Se já há um alto consumo nessa faixa etária, no futuro consumirá mais ainda. Medidas
de intervenção devem ser estudadas e colocadas em prática para que esse consumo seja
reduzido, evitando assim complicações de saúde no futuro.
70
REFERÊNCIAS
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73
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30 SOUZA, A. D. M. et al. The impact of the reduction of sodium content in processed
foods in salt intake in Brazil. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, n. 2, 2016.
74
ARTIGO 2
Título: Associação de consumo de sódio com pressão arterial e fatores associados em
adolescentes do Erica – Estudo de Risco Cardiovasculares em Adolescentes.
Resumo
Introdução: A pressão arterial elevada é o fator de risco mais forte para doenças
cardiovasculares que pode ser modificado. Em crianças e adolescentes também têm sido
relatados valores elevados de pressão arterial. Ensaios clínicos realizados nessa faixa etária
comprovam que uma redução no consumo de sódio pode reduzir a pressão arterial. Não foram
identificados estudos sobre a associação do consumo de sódio com pressão arterial em
adolescentes brasileiros que explorem possíveis variações regionais no país. Objetivo:
Investigar a associação do consumo de sódio com a pressão arterial em adolescentes
brasileiros. Métodos: O consumo de sódio foi avaliado por recordatório alimentar de 24
horas. Dados sobre o histórico familiar para hipertensão foram obtidos pelo questionário do
responsável. A associação do consumo de sódio com pressão arterial foi descrita levando em
consideração as variáveis de confundimento e modificadoras de efeito. Essa associação foi
investigada em diferentes níveis: individual e ecológico por capitais e por municípios.
Resultados: O coeficiente de regressão linear observado foi de 0,42, com p<0,001. Esse é o
incremento na pressão sistólica para cada aumento de 1g no consumo de sódio, ajustado por
sexo, idade e consumo energético. Após estratificação por sexo, o coeficiente de regressão
linear só permaneceu significativo para adolescentes do sexo masculino. Além disso, no sexo
masculino ter só mãe, ou pai e mãe, com hipertensão arterial impacta no efeito do consumo do
sódio na pressão arterial sistólica dos adolescentes, levando a um aumento estatisticamente
significativo. Conclusão: Os resultados apresentados sugerem que adolescentes do sexo
masculino e com história familiar de hipertensão arterial tendem a apresentar maior
sensibilidade ao sódio com elevação da pressão arterial.
Palavras-chave: saúde do adolescente, consumo de sódio, pressão arterial, hipertensão.
75
ARTIGO 2
Title: Association of sodium intake with blood pressure and associated factors in adolescents
from Erica – The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents.
Abstract
Introduction: High blood pressure is the strongest risk factor for cardiovascular disease that
can be modified. High blood pressure has also been reported in children and adolescents.
Clinical trials in this age group have shown that a reduction in sodium intake can reduce
blood pressure. Objective: To investigate the association of sodium intake with blood
pressure in Brazilian adolescents. Methods: Sodium intake was evaluated by a 24-hour food
recall. Data on family history for hypertension were obtained from the guardian´s
questionnaire. The association of sodium intake with blood pressure was described taking into
account confounding and effect modifying variables. This association was investigated at
different levels: individual and ecological by capitals and by cities. Results: The linear
regression coefficient observed was 0.42, p <0.001. This is the increase in systolic pressure
for each 1g increase in sodium intake, adjusted for sex, age and energy consumption. After
stratification by sex, the linear regression coefficient only remained significant for male
adolescents. In addition, in males having only mother, or father and mother with
hypertension, impacts on the effect of sodium consumption on systolic blood pressure of
adolescents, leading to a statistically significant increase. Conclusion: The results suggest
that male adolescents with a family history of hypertension tend to be more sensitive to
sodium intake with increase in blood pressure.
Key-Words: adolescent health, sodium consumption, blood pressure, hypertension
76
Introdução
A pressão arterial elevada é o mais forte fator de risco para doenças cardiovasculares
que pode ser modificado. Apesar do conhecimento amplo sobre maneiras de prevenção e
tratamento da hipertensão, sua prevalência e incidência globais e complicações
cardiovasculares não reduzem, parte disso devido a inadequações na prevenção, diagnóstico e
controle dessa desordem em um mundo em envelhecimento1.
Valores elevados de pressão arterial (PA) têm sido relatados em jovens e diversas
pesquisas têm sido realizadas sobre o tema2; 3. Quase 20% dos 6.790 adolescentes norte-
americanos de 11 a 17 anos participantes do estudo de McNiece et al. encontravam-se sob
risco para doenças cardiovasculares futuras, avaliado pelo aparecimento já nessa idade de pré-
hipertensão e hipertensão3. O estudo de Oliveira et al. com 701 crianças de 5 a 9 anos em
Feira de Santana (Bahia) descreve o papel importante de fatores biológicos (sexo, raça, estado
nutricional, idade) e ambientais (histórico familiar de hipertensão arterial e tipo de escola
frequentada como proxy de nível socioeconômico) na gênese da hipertensão arterial em
crianças4. No Erica foi encontrada uma prevalência de hipertensão de 9,6% (IC 95% 9,0-
10,3%)5.
Entre crianças e adolescentes têm aumentado o numero de hipertensos. Essa
distribuição tem sido atribuída à adoção, por crianças e adolescentes, de hábitos ou estilos de
vida que representam fatores de risco para a hipertensão arterial sistêmica (HA)6. Tais fatores
seriam obesidade, sedentarismo e histórico familiar positivo para hipertensão e outras doenças
cardiovasculares7.
Estudos experimentais mostraram que o aumento da ingestão de sódio tem
probabilidade muito maior de elevar a pressão arterial do que o aumento da ingestão de água.
A razão disso é que a água é normalmente excretada pelos rins tão rapidamente quanto é
ingerida, mas o sal, muitas vezes, não é excretado tão facilmente. Ao acumular-se no corpo, o
sal aumenta indiretamente o volume líquido extracelular, por duas razões básicas. A primeira
é aumentando a osmolaridade, o que estimula o centro da sede. Isso faz com que o indivíduo
beba quantidade extra de água para diluir o sal extracelular até a sua concentração normal, o
que, evidentemente, aumenta o volume do líquido extracelular8.
Além do efeito na pressão arterial, existem evidências de que o sal possui efeitos
adversos no epitélio endotelial. Essas evidências mostram que o sal causa prejuízos à função
77
endotelial e aumenta a rigidez arterial, independente da pressão arterial. Uma dieta rica em sal
resulta em estresse oxidativo e aumento da rigidez arterial, que prejudica a função endotelial9.
Em crianças acima de dois anos, uma revisão com 37 estudos observacionais e de
intervenção concluíram que o aumento no consumo de sal está realmente relacionado ao
aumento na pressão arterial também em crianças e adolescentes10.
Há uma única meta-análise realizada com crianças e adolescentes de estudos
controlados de redução da pressão arterial com redução de consumo de sal (10 ensaios) com
966 participantes11. A redução de 42% do consumo de sal reduziu a pressão arterial sistólica
(PAS) em 1,17 mmHg (IC 95% -1,78 a -0,56 mmHg) e a pressão arterial diastólica (PAD) em
1,29 mmHg (IC 95% -1,94 a -0,65 mmHg). Três estudos com 551 crianças foram incluídos,
com redução de 54% de consumo de sal. Nestes, a redução na PAS foi de 2,47 mmHg (IC
95% -4 a -0,94 mmHg). A meta-análise demonstrou que uma redução modesta no consumo de
sal causa queda imediata na pressão arterial, e, se continuada, pode também diminuir o
aumento subsequente da pressão arterial com a idade, o que pode levar à diminuição das
doenças cardiovasculares em adultos.
Em uma revisão de literatura, Nguyen et al., 2013, relatam como determinados fatores
nutricionais atuam no manejo da hipertensão. A conexão entre sal e hipertensão ainda está sob
debate. O conceito de sensibilidade versus resistência ao sal originou-se de estudos que
demonstraram respostas heterogêneas da pressão arterial em relação ao consumo de sódio.
Maior prevalência de sensibilidade ao sal foi observada em certos subgrupos: indivíduos mais
velhos, negros, resistentes à insulina, com microalbuminúria, com doença renal crônica e com
baixos níveis de renina plasmática12.
Não foram identificados estudos sobre a associação do consumo de sódio com pressão
arterial em adolescentes brasileiros, e que explorem possíveis variações regionais no país.
Portanto, esse estudo, utilizando o consumo de sódio obtido por recordatório alimentar de
24h, tem como objetivo analisar essa associação e possíveis interações com diferentes
características sociodemográficas em adolescentes.
A identificação de um grupo de maior risco para hipertensão arterial que possa ser
alvo de intervenções específicas de mudanças comportamentais contribuirá para a elaboração
de estratégias de prevenção de doenças cardiovasculares.
78
Métodos
População de Estudo
Trata-se de um estudo seccional, nacional de base escolar. O objetivo do Estudo de
Riscos Cardiovasculares em Adolescentes - Erica foi estimar a prevalência de fatores de risco
cardiovascular e de marcadores de resistência à insulina em adolescentes.
No presente estudo, foram elegíveis todos os adolescentes, de ambos os sexos, de 12 a
17 anos, que frequentavam escolas públicas e privadas de cidades brasileiras com mais de
100.000 habitantes selecionadas para participar do estudo. Os critérios de exclusão para
participação do estudo foram: adolescentes portadores de deficiência física ou déficit
cognitivo que impossibilitassem a avaliação antropométrica ou o preenchimento do
questionário e adolescentes grávidas.
Amostragem
Trata-se de amostra complexa por conglomerados, estratificada em três estágios de
seleção: escola, turma e alunos. Em cada estrato geográfico (27 capitais e cinco conjuntos de
municípios do interior de cada uma das cinco macrorregiões do país), as escolas foram
selecionadas com probabilidade proporcional ao tamanho, considerando a natureza
administrativa (pública ou privada) e se de área urbana ou rural. A descrição completa do
processo de amostragem pode ser encontrada em artigo já publicado13.
Logística
As escolas selecionadas foram contatadas para fins de recrutamento e planejamento da
coleta de dados.
A equipe de campo era composta por sete membros: dois supervisores (um
responsável pelo contato com as escolas e sensibilização dos alunos e o outro pelo
acompanhamento da coleta de dados no campo e transferência de dados); dois
antropometristas (para a realização das medidas de peso, estatura, perímetros da cintura e do
braço); um membro para aferição da pressão arterial e dois entrevistadores para o recordatório
alimentar de 24 horas. Maior detalhamento do protocolo do estudo pode ser encontrado em
Bloch et al14.
79
Avaliação do Consumo Alimentar
O questionário do adolescente foi autopreenchido em coletor eletrônico de dados
(Personnal Digital Assistant, PDA), contendo cerca de 100 questões. A variável cor de pele
foi autorreferida.
O recordatório alimentar de 24 horas (REC24h) consiste no relato de todos os
alimentos e bebidas consumidos pelo indivíduo ao longo de um período de 24 horas, o dia
anterior à entrevista. As informações são obtidas em medidas caseiras ou unidades e
posteriormente convertidas em pesos e volumes15.
No Erica foram realizados dois REC24h, o segundo aplicado em uma subamostra para
estimativa da variância intrapessoal e do consumo usual dos indivíduos. Para este artigo
utilizamos apenas os dados do primeiro recordatório, suficiente para estimar média de
consumo na população16.
A aplicação do REC24h foi realizada por pesquisadores de campo devidamente
treinados que entrevistaram os adolescentes nas escolas, utilizando um software específico
para entrada das informações em netbooks. Este software utiliza uma lista de alimentos
proveniente dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar17. Para reduzir o erro na
obtenção dos dados, uma técnica de entrevista denominada “Multiple Pass Method”18 foi
utilizada, com algumas adaptações. Maior detalhamento do método pode ser consultado em
artigo de Barufaldi e colaboradores19.
Para a estimativa da ingestão de energia, macronutrientes e micronutrientes foram
utilizadas as tabelas de composição nutricional20 e medida caseira21 compiladas
especificamente para análise dos alimentos e preparações citados na Pesquisa de Orçamento
Familiar (POF) 2008-2009. Os dados de ingestão de nutrientes representam a contribuição
somente dos alimentos e/ou bebidas e não incluíram o consumo de suplementos e/ou
medicamentos. A adição de óleo de soja em todas as preparações cozidas e refogadas de
carnes e hortaliças, bem como de açúcar em sucos e bebidas foram consideradas na estimativa
da ingestão de energia e de nutrientes22.
As médias de consumo de sódio foram estimadas, assim como os seus intervalos de
confiança de 95%.
A idade foi categorizada em 12 a 13 anos e 14 a 17 anos por haver recomendações
diferentes para a ingestão de sódio e de outros micronutrientes para essas duas faixas etárias23,
2.200 mg por dia e 2.300 mg por dia, respectivamente, para o sódio.
80
Medidas Antropométricas
O peso foi obtido em balança eletrônica Líder ® com capacidade de 200 kg e variação
de 50 g. Foi realizada uma única medida já que a balança era digital, mas o valor foi digitado
no PDA duas vezes, para que fossem evitados erros de digitação.
A estatura foi medida utilizando-se estadiômetro portátil e desmontável da marca
Alturexata® com resolução de 1 mm e campo de uso de até 213 cm. Foram obtidas duas
medidas e admitida uma variação máxima de 0,5 cm entre as duas. O sistema
automaticamente calculava a média das duas medidas. Caso a variação excedesse este valor,
as medidas eram descartadas no visor do PDA e deveriam ser realizadas novamente.
Foi calculado o IMC, definido como peso (Kg) dividido pelo quadrado da estatura
(metros). Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, foram adotadas as novas
curvas de referência da WHO lançadas em 200724 utilizando como índice o IMC-para-idade,
segundo sexo. Os pontos de corte adotados foram: muito baixo peso escore Z < -3; baixo peso
escore Z ≥ -3 e < -2; eutrofia escore Z ≥ -2 e ≤ 1; sobrepeso escore Z > 1 e ≤2; obesidade
escore Z > 2.
Aferição da Pressão Arterial
A classificação de hipertensão arterial para crianças e adolescentes segue um padrão
diferente do adotado para adultos. Deve ser interpretada de acordo com as curvas de
distribuição da pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) por sexo,
faixa etária e estatura, observando-se os valores correspondentes aos diversos percentis.
Consideram-se os valores abaixo do percentil 90 como normotensão, desde que inferiores a
120/80 mmHg; entre os percentis 90 e 95, como limítrofe (“pré-hipertensão”25), e igual ou
superior ao percentil 95, como hipertensão arterial, salientando-se que qualquer valor igual ou
superior a 120/80 em adolescentes, mesmo que inferior ao percentil 95 deve ser considerado
limítrofe26.
A medida da pressão arterial e a classificação de hipertensão arterial nos adolescentes
foram realizadas de acordo com o “Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and
Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents”25. As pressões sistólica,
diastólica e o pulso radial foram medidos com o aparelho oscilométrico automático Omron®
705-IT, validado para adolescentes27.
81
Em resumo, a medida da pressão arterial foi realizada no braço direito, com o aluno
sentado e com os pés no chão, utilizando-se braçadeira de tamanho apropriado, cobrindo
aproximadamente 80% da distância entre o olecrânio e o acrômio.
Foram realizadas três medidas consecutivas para cada indivíduo, com um intervalo de
três minutos entre elas. A primeira medida foi descartada e foi utilizada a média das duas
últimas medidas.
Questionário do Responsável
O questionário do responsável foi enviado aos responsáveis pelo próprio aluno e
incluiu informações sobre escolaridade da mãe, histórico familiar para doenças
cardiovasculares e metabólicas e circunstâncias relacionadas ao nascimento do aluno (peso ao
nascer, amamentação). Este foi o único formulário impresso utilizado no estudo. A entrada de
dados foi duplicada para minimizar erros de digitação.
Controle de Qualidade
Para prevenir e minimizar erros sistemáticos durante a coleta dos dados foram
adotados procedimentos padronizados e controle de qualidade contínuo das medidas14.
Aspectos Éticos
O Erica foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de cada estado e do Distrito
Federal e encontra-se detalhado em Bloch et al14. Todos os participantes assinaram termo de
assentimento.
Análise Estatística
Variáveis contínuas foram descritas com médias e desvios-padrão, e categóricas com
intervalos de confiança de 95%. Os dados foram analisados com o software STATA, versão
14 (Stata Corp., College Station, USA). As análises foram realizadas considerando-se o
desenho amostral complexo utilizado.
A relação entre o consumo de sódio e a pressão arterial sistólica e diastólica foi
avaliada por gráficos entre as duas variáveis utilizando a função suavizadora lowess no Stata e
82
limitando o consumo de sódio entre 1.000 mg e 8.000 mg para excluir o efeito de valores
considerados extremos.
Vale ressaltar que esses gráficos não levam em consideração o desenho amostral, nem
os ajustes pelas variáveis confundidoras. A intenção foi apenas identificar pontos de corte
onde houvesse uma relação linear positiva entre as duas variáveis. Assim sendo, foram
identificados esses pontos de corte de acordo com o sexo e as estratificações.
Nessas faixas de consumo de sódio específicas foram realizadas regressões lineares
considerando o desenho amostral complexo e controlando pelas variáveis de confundimento.
A associação do consumo de sódio com pressão arterial foi avaliada levando em
consideração as variáveis de confundimento e modificadoras de efeito. Essa associação foi
investigada em diferentes níveis: individual e ecológico por capitais e por municípios.
A análise da associação foi realizada também por quintis de consumo de sódio e razão
sódio/potássio, estratificando por sexo e ajustando para consumo energético, idade e estado
nutricional.
As análises ecológicas foram realizadas para capitais e para municípios, buscando-se
encontrar uma maior heterogeneidade nas médias do consumo de sódio. Nessas análises
foram levadas em consideração as seguintes variáveis: sexo, idade e consumo energético total.
83
Resultados
A tabela 1 mostra as características da população do estudo de 71.553 adolescentes, e
da população representada por ela (considerando o desenho amostral complexo e a expansão
da amostra13).
Tabela 1. Características da amostra observada, Erica 2013-2014.
(Fonte: tabela elaborada pela autora).
N
Amostra
%
Amostra
%
Populacional
Sexo n %
Feminino
Masculino
39.690
31.863
55,5
44,5
-
-
Idade (anos)
12
13
14
15
16
17
8.006
11.827
13.007
13.663
14.183
10.867
11,2
16,5
18,2
19,1
19,8
15,2
-
-
-
-
-
-
Cor da pele
Branca
Preta
Parda
Amarela
Indígena
Não Informada
25.425
5.409
36.477
1.805
535
1.902
35,5
7,6
51,0
2,5
0,75
2,65
38,9
8,0
47,5
2,0
0,6
3,0
Tipo de Escola
Pública
Privada
56.168
15.385
78,5
21,5
82,6
17,4
Região
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
14.494
22.205
16.434
9.089
9.331
20,3
31,0
23,0
12,7
13,0
8,4
21,3
50,8
11,8
7,7
Estado Nutricional
Muito baixo peso
Baixo peso
Peso adequado
Sobrepeso
Obesidade
255
1.851
51.930
12.011
5.506
0,3
2,6
72,6
16,8
7,7
0,4
2,4
71,8
17,0
8,4
Classificação da Pressão Arterial
Normotensos
Pré-hipertensão
Hipertensos
55.410
9.599
6.544
77,4
13,4
9,2
76,7
13,7
9,6
84
Na amostra, há um leve predomínio de adolescentes do sexo feminino em relação ao
sexo masculino. A maioria dos alunos é proveniente de escolas públicas. As regiões Sul e
Centro-Oeste do país foram as que tiveram menores números de participantes do estudo.
Cerca de 51% dos participantes declararam sua cor de pele como parda e 35,5% como
branca. Em relação ao estado nutricional, aproximadamente 73% estavam dentro da faixa de
peso adequado, enquanto que 25% estavam com sobrepeso/obesidade.
Na tabela 2 são apresentadas as médias de pressão arterial sistólica e diastólica, e de
consumo de sódio segundo características da população estudada.
O consumo médio de sódio dos adolescentes foi de 3.378 mg (IC 95%: 3.313 – 3.444
mg). O sexo masculino teve maiores médias de pressão sistólica e de consumo de sódio do
que o sexo feminino. As maiores médias para consumo de sódio nas regiões do país foram:
Nordeste, seguida de Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Sul, respectivamente.
Os adolescentes que se declararam de cor indígena tiveram as maiores médias de
consumo de sódio, porém são poucos indivíduos nessa categoria e as diferenças não foram
estatisticamente significativas. Há um gradiente crescente para ambas as médias de pressão,
sistólica e diastólica, com o aumento da idade e para as médias de consumo de sódio, embora
com superposição dos IC 95%.
As médias de consumo de sódio são semelhantes entre normotensos e hipertensos, mas
bem maiores na categoria pré-hipertensos.
As variáveis consideradas confundidoras na associação de consumo de sódio com
pressão arterial foram: idade, estado nutricional e ingestão energética total enquanto que os
modificadores de efeito foram sexo, cor de pele e histórico familiar para hipertensão arterial.
85
Tabela 2. Médias de pressão arterial sistólica e diastólica e médias de consumo de sódio, Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Característica
Média da
Pressão
Sistólica
(mmHg)
IC 95%
Média da
Pressão
Diastólica
(mmHg)
IC95%
Média do
Consumo
de Sódio
(mg/dia)
IC95%
Sexo
Feminino 108,0 107,6 - 108,4
66,4 66,0 - 66,7
2.988,6 2.933,6 - 3.043,6
Masculino 113,6 113,2 - 114,0
65,4 65,1 - 65,7
3.764,9 3.674,3 - 3.855,4
Idade
12 106,0 105,4 - 106,6
64,2 63,8 - 64,6
3.127,6 2.994,3 - 3.260,9
13 108,2 107,2 - 109,1
64,5 64,0 - 65,1
3.242,1 3.167,8 - 3.316,5
14 110,9 110,4 - 111,4
65,6 65,2 - 66,0
3.372,0 3.186,4 - 3.557,5
15 112,7 112,2 - 113,3
66,7 66,2 - 67,1
3.453,1 3.377,8 - 3.528,5
16 113,6 113,1 - 114,1
67,1 66,7 - 67,6
3.545,4 3.477,0 - 3.613,8
17 114,6 114,0 - 115,1
67,5 67,0 - 67,9
3.590,2 3.478,9 - 3.701,4
Cor da pele
Branca 111,0 110,6 - 111,4
66,3 66,0 - 66,7
3.314,7 3.234,3 - 3.395,1
Preta 112,0 111,3 - 112,6
65,9 65,4 - 66,4
3.464,4 3.333,3 - 3.595,4
Parda 110,5 110,0 - 111,0
65,5 65,2 - 65,8
3.417,1 3.338,1 - 3.496,0
Amarela 109,4 108,4 - 110,3
65,7 65,1 - 66,4
3.391,7 3.229,2 - 3.554,1
Indígena 110,5 108,8 - 112,2
64,9 63,4 - 66,3
3.533,5 3.061,4 - 4.005,6
Não declarada 111,4 110,5 - 112,4
65,4 64,8 - 66,0
3.310,9 3.161,1 - 3.460,7
Tipo de Escola
Pública 111,0 110,6 - 111,3
65,9 65,6 - 66,2
3.411,8 3.344,0 - 3.479,6
Privada 110,1 109,0 - 111,1
65,9 65,4 - 66,4
3.219,4 3.054,7 - 3.384,1
86
Continuação...
Característica
Média da
Pressão
Sistólica
(mmHg)
IC 95%
Média da
Pressão
Diastólica
(mmHg)
IC95%
Média do
Consumo
de Sódio
(mg/dia)
IC95%
Região
Norte 110,2 109,9 - 110,5
64,8 64,5 - 65,2
3.345,9 3.286,2 - 3.405,7
Nordeste 110,1 109,7 - 110,5
65,8 65,4 - 66,2
3.652,2 3.534,6 - 3.769,7
Sudeste 110,8 110,2 - 111,3
66,0 65,5 - 66,4
3.308,0 3.192,5 - 3.423,4
Sul 113,0 112,4 - 113,7
66,4 65,9 - 66,9
3.152,2 3.059,1 - 3.245,4
Centro-Oeste 110,7 110,3 - 111,1
65,8 65,5 - 66,2
3.466,5 3.403,4 - 3.529,6
Estado Nutricional
Muito baixo peso 101,9 98,5 - 105,3
62,5 60,3 - 64,7
3.538,3 3.176,7 - 3.899,9
Baixo peso 103,5 102,5 - 104,5
63,9 63,2 - 64,6
3.448,8 3.330,3 - 3.567,4
Adequado 108,9 108,5 - 109,2
64,9 64,6 - 65,3
3.475,8 3.407,0 - 3.544,6
Sobrepeso 115,7 115,1 - 116,1
67,5 67,1 - 67,9
3.127,1 3.049,3 - 3.204,9
Obeso 120,3 119,7 - 121,0
71,1 70,7 - 71,6
3.028,6 2.880,2 - 3.177,0
Classificação da Pressão Arterial
Normotenso 106,1 105,8 - 106,3
63,5 63,2 - 63,7
3.340,4 3.277,8 - 3.402,9
Pré-hipertenso 122,6 122,4 - 122,8
71,0 70,7 - 71,3
3.605,7 3.502,7 - 3.708,7
Hipertenso 132,0 131,4 - 132,6
77,9 77,3 - 78,4
3.359,2 3.233,5 - 3.485,0
87
A sequência de figuras 1 a 4 mostram a relação gráfica do consumo de sódio com PAS
e PAD com as seguintes variáveis, respectivamente: sexo; sexo e cor da pele; sexo feminino e
região e sexo masculino e região. As análises foram ajustadas por idade, ingestão energética
total e IMC.
Figura 1. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por sexo - Erica 2013-
2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Sis
tóli
ca
Dia
stóli
ca
88
Figura 2. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por sexo e cor da pele –
Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
89
Figura 3. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por região – Sexo
Feminino – Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
90
Figura 4. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS e PAD (mmHg) por região – Sexo
Masculino – Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
91
Os coeficientes das figuras referem-se aos coeficientes obtidos por regressão linear e
ajustados para idade, estado nutricional e consumo energético. E o valor do coeficiente é o
aumento na pressão arterial sistólica ou diastólica (em mmHg) para um aumento em 1.000 mg
no consumo de sódio.
Pode-se observar que a relação mostrou-se linear em determinados segmentos do
gráfico sendo mais frequentes para a pressão arterial sistólica do que para a diastólica.
Para a idade de 12 a 13 anos e de 14 a 17 anos, estratificado por sexo, não foi
encontrada no gráfico alguma parte que pudesse expressar uma relação linear, por isso os
dados não foram apresentados para PAS e PAD nesses grupos.
Apenas um grupo específico apresentou coeficiente de regressão linear
estatisticamente significativa: um coeficiente no valor de 4,04 na PAS e de 3,6 na PAD para
cada aumento de 1 g de sódio consumido. Tal grupo compreende os adolescentes do sexo
masculino de cor de pele preta que consumiram entre 5.000 mg a 8.000 mg de sódio.
Na análise no nível individual utilizando a variável consumo de sódio de forma
contínua (mg), assim como a pressão arterial (mmHg), observamos um coeficiente de
regressão linear de 0,42, com p<0,001. Esse é o incremento na pressão sistólica para cada
aumento em 1g no consumo de sódio, ajustado para as variáveis de confundimento. Não foi
observada associação estatisticamente significativa com a pressão arterial diastólica
(coeficiente -0,05; p=0,25).
Quando estratificado por sexo, esse valor só permaneceu estatisticamente significativo
para o sexo masculino, com coeficiente de regressão linear 0,32 para cada 1 g de sódio com
p<0,001, ajustados por energia, idade e estado nutricional. Para o sexo feminino, esse valor
foi de -0,01 com p=0,85.
A maior parte dos coeficientes de regressão linear da associação do consumo de sódio
por quintis com a pressão arterial sistólica não foram estatisticamente significativos. Alguns
coeficientes foram positivos e outros negativos, porém, estatisticamente significativos. Apesar
disso, não foi possível identificar uma tendência ao longo dos quintis.
Em um subgrupo de aproximadamente 40% da amostra do estudo (n=28.463) cujos
responsáveis responderam sobre o histórico familiar de hipertensão arterial no questionário
dos responsáveis, foi analisada a modificação de efeito desse histórico familiar na associação
de interesse.
Em relação ao histórico familiar para hipertensão arterial, 63% relataram resposta
negativa, enquanto que 16,1% tinham pai, 12,4% mãe e 8,5% pai e mãe com histórico
92
positivo. As figuras 5 e 6 mostram as médias de pressão sistólica por quintil de consumo de
sódio estratificado por sexo e por histórico familiar para hipertensão arterial.
Figura 5. Médias de pressão sistólica por quintil de sódio para histórico familiar de HA –
Sexo Feminino – Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Figura 6. Médias de pressão sistólica por quintil de sódio para histórico familiar de HA –
Sexo Masculino – Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Como observado nas figuras, as médias de pressão sistólica são maiores para aqueles
indivíduos com pai e mãe com histórico familiar de hipertensão na maioria dos quintis em
relação aos indivíduos sem histórico familiar para hipertensão. Além disso, os adolescentes do
sexo masculino têm médias mais elevadas para pressão arterial sistólica.
93
A associação do consumo de sódio com a pressão arterial sistólica, levando em
consideração o histórico familiar de HA, foi avaliada em modelos de regressão linear
ajustados para ingestão energética total, idade e estado nutricional. Observa-se na figura 7 que
no sexo masculino, ter só mãe, ou pai e mãe, com HA impacta no efeito do consumo de sódio
na PAS dos adolescentes mais sensíveis ao efeito do sódio, levando a um aumento
estatisticamente significativo. Esse efeito modificador não foi observado no sexo feminino.
A variação na pressão sistólica (em mmHg) observada no gráfico foi estimada para um
aumento em 1.000 mg de sódio.
Figura 7. Associação entre consumo de sódio e pressão arterial sistólica por sexo e histórico
familiar para hipertensão – Erica 2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Apesar da variação considerável nas médias de consumo de sódio nas capitais, não foi
possível observar o efeito da associação.
Porém, na avaliação gráfica do consumo de sódio com a pressão arterial nos
municípios (figura 8), nota-se um padrão bem diferente entre os sexos. No sexo masculino
parece ter uma tendência linear.
Há uma parte do gráfico do sexo feminino onde nota-se relação linear positiva, mas
não foi estatisticamente significativo. Para o sexo masculino, foi realizada a regressão linear
na faixa de consumo de sódio onde a relação parecia linear e positiva (3.300 mg a 6.000 mg).
O coeficiente de regressão linear foi de 2,34 para cada aumento de 1 g no consumo de sódio
na PAS sem ajuste.
94
Não foi possível realizar os ajustes do modelo por todas as variáveis de confundimento
(idade, consumo de energia e estado nutricional) por tratar-se de estudo ecológico. Por isso,
foram apresentadas as análises brutas.
Figura 8. Efeito do consumo de sódio (mg) na PAS (mmHg) por sexo – Municípios – Erica
2013-2014. (Fonte: elaborada pela autora).
Discussão
A média de consumo de sódio de adolescentes brasileiros é muito alta. Essa média é
muito semelhante à encontrada em adultos, 3,95g por dia, numa revisão sistemática com 205
estudos abrangendo 66 países. Esse estudo mostrou que 99,2% dos indivíduos estudados
excediam o consumo de sódio recomendado pela Organização Mundial de Saúde de 2 g por
dia e concluiu que 1,65 milhões de mortes anuais por doenças cardiovasculares (IC 95%: 1,1-
2,22) foram atribuídas ao consumo de sódio acima do nível de referência. Essas mortes
contribuíram para quase uma a cada 10 mortes por doenças cardiovasculares28.
Nos adolescentes do Erica só foi possível observar uma associação linear do consumo
de sódio com pressão arterial sistólica no sexo masculino e em alguns grupos específicos,
como nos adolescentes de cor de pele preta e com história familiar de HA. É possível que os
efeitos do consumo de sódio ainda não possam ser observados nessa faixa etária, uma vez que
a sensibilidade ao sódio tende a aumentar com a idade29. Além disso, a pressão arterial
Coeficiente: -1,6
P valor = 0,82
Coeficiente: 2,34
P valor = 0,004
95
sistólica parece ser bem mais influenciada pelo consumo de sódio do que a pressão diastólica,
como pode ser observada nos gráficos.
Não identificamos na literatura, achados sobre a pressão sistólica no sexo feminino ter
uma relação aparentemente negativa com o consumo de sódio, o que supomos estar
relacionada à variação hormonal. Porém, mais estudos são necessários para elucidar tal
comportamento. O mesmo achado aplica-se para a pressão diastólica, em ambos os sexos,
necessitando maiores esclarecimentos.
Uma meta-análise analisou o efeito da redução no consumo de sal de no mínimo duas
semanas na pressão arterial de crianças e adolescentes normotensos. Em 10 ensaios clínicos
com 966 participantes, nos quais o consumo de sal foi reduzido em 42%, houve uma
diminuição na pressão sistólica de -1,17 mmHg (IC 95%: -1,78; -0,56) e na pressão diastólica
de -1,29 mmHg (IC 95%: -1,94; -0,65). Em três ensaios clínicos com 551 participantes e com
redução no consumo de sal de 54%, a pressão sistólica diminuiu de -2,47 mmHg (IC 95%: -4;
-0,94). O consumo de sal nesses estudos foi medido por diversos métodos30.
A pouca variabilidade individual observada no Erica com a maioria dos adolescentes
com consumo elevado, também dificulta a observação do efeito do consumo na PA em nível
individual. Na análise do consumo de sódio por quintis, não foi possível evidenciar uma
tendência ao longo dos quintis. Isso dificultou a compreensão da associação entre consumo de
sódio e pressão arterial por esse método de análise, mesmo estratificando por sexo, região ou
cor da pele.
No estudo americano NHANES 2003-2008, com 6.235 participantes de 8 a 18 anos,
dois recordatórios de 24 horas foram utilizados e a média de consumo diário de sódio foi de
3.387 mg. Observou-se que a cada 1.000 mg por dia de sódio consumido correspondia um
aumento de 0,097 desvios-padrão (IC 95%: 0,006 – 0,188) ~1 mmHg na pressão sistólica em
todos os participantes e 0,141 (IC 95%: -0,01 – 0,298) ~ 1,5 mmHg na pressão diastólica em
participantes com sobrepeso/obesidade). A média ajustada da pressão sistólica aumentou com
o quartil de consumo de sódio (entre o 1º e o último quartil) de 106,2 mmHg para 108,8
mmHg para o total da população (p=0,01) e de 109 mmHg para 112,8 mmHg em adolescentes
com sobrepeso/obeso. O OR ajustado comparando riscos para pré-hipertensão e hipertensão
entre os indivíduos no maior quartil versus menor quartil foi 2 (IC 95%: 0,95 – 4,1; p=0,06)
para o total e 3,5 (IC 95%: 1,3 – 9,2; p=0,01) para sobrepeso/obeso. Concluiu-se que o
consumo de sódio e o índice de massa corpórea parecem ter efeito sinérgico no risco para pré-
hipertensão/hipertensão (excesso de risco relativo para interação = 0,29)31.
96
A história familiar de HA é um fator de risco para a hipertensão arterial já conhecido
em adultos32. Araújo e colaboradores avaliaram um conjunto de indicadores de risco para a
hipertensão arterial em uma população infanto-juvenil de Fortaleza. Dos 342 escolares
avaliados nesse estudo transversal, 44,7% apresentaram valores de pressão arterial acima do
percentil 90 e 55,6% dos participantes referiram história familiar, até 2º grau, de hipertensão
arterial33.
Kuschnir e Mendonça realizaram um estudo caso-controle em adolescentes de 12 a 20
anos incompletos (91 casos e 182 controles) no Rio de Janeiro, avaliando os principais fatores
de risco para o desenvolvimento de hipertensão arterial em adolescentes. Sobrepeso,
obesidade e história familiar de hipertensão (pai e mãe hipertensos) foram os principais
fatores de risco encontrados. Foi observada associação positiva de hipertensão com história
familiar de pai e mãe hipertensos (OR=8,6; IC95% 3,51-20,59) e de apenas um dos pais
hipertensos (OR=2,17; IC 95% 1,18-3,99)34.
Outro estudo comparou a pressão arterial e o perfil lipídico de 43 adolescentes com ou
sem antecedente familiar de hipertensão arterial em São Paulo. Destes, 20 eram filhos de
hipertensos e 23 de normotensos (controles). Filhos de hipertensos apresentaram maiores
valores basais de médias de pressão arterial sistólica (109 ± 3 vs 99 ± 2 mmHg, p=0,01) e
diastólica (68 ± 2 vs 62 ± 2 mmHg, p=0,04). Nestes também foi encontrado perfil lipídico
mais desfavorável, o que possivelmente reflete os mesmos hábitos alimentares e influências
ambientais35.
Com a análise ecológica, por capitais e municípios, esperava-se obter uma maior
variabilidade do consumo de sódio. No entanto, ainda assim não foi possível detectar
associação entre a média do consumo de sódio e a média da PA.
O método de medida do consumo de sal ou sódio tem impacto na precisão dos valores
estimados. Principalmente no que se refere ao método de quantificação do sódio, cujo exame
de referência é a urina de 24 horas, de difícil utilização em estudos epidemiológicos. Por se
tratar de um estudo transversal e de grande magnitude, o Erica utilizou o recordatório de 24
horas, considerado o método de escolha para análise de consumo alimentar em estudos
epidemiológicos36. Em nosso estudo os dados um único recordatório de 24 horas foram
utilizados, contudo, um dia de recordatório tem sido considerado suficiente para estimativa da
ingestão média de nutrientes em grupos populacionais37. Outra limitação desse estudo foi não
estimar a quantidade de sal de mesa adicionado à comida. No entanto, a quantificação desse
consumo é difícil, além do que, essa não é a maior parcela do sal consumido.
97
Mesmo em adultos ainda há controvérsia sobre o efeito do consumo de sódio na
pressão arterial, principalmente de indivíduos normotensos.
Não parece haver discordância de que um consumo alto de sal esteja associado com o
aumento da pressão arterial e desta com a mortalidade cardiovascular, embora o nível de
consumo considerado elevado não seja consensual38.
Conclusão
A relação entre consumo de sódio e pressão arterial em adolescentes pode ser melhor
avaliada em estudos longitudinais, mas os resultados apresentados sugerem que adolescentes
do sexo masculino e com história familiar de hipertensão arterial tendem a apresentar maior
sensibilidade ao sódio com elevação da pressão arterial.
98
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103
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ainda haver controvérsias sobre o benefício da redução no consumo de
sódio em indivíduos normotensos, é de conhecimento notório o papel que este micronutriente
desempenha no organismo e a sua influência na pressão arterial, principalmente, na pressão
arterial sistólica.
A evolução dos estudos sobre o consumo de sódio e hipertensão arterial durante os
anos tem levado à uma compreensão cada vez maior do efeito do consumo acima do
recomendado sobre a pressão arterial, direta ou indiretamente. Além disso, a excreção urinária
de 24 horas vem se consolidando como padrão-ouro para esse tipo de análise, sendo menos
susceptível à vieses.
A grande maioria dos adolescentes do estudo consomem uma quantidade muito grande
de sódio na alimentação. Esse alto consumo de sódio tornou-se um hábito generalizado na
sociedade em que vivemos. Isso deve-se ao alto consumo de alimentos ultraprocessados116, e
a adoção de hábitos alimentares que envolvem utilização de alimentos do tipo “fast-food”93.
Some-se a isso outros fatores de risco como sedentarismo, excesso de peso e obesidade, que
contribuem para um estilo de vida não saudável.
Em nosso estudo as alterações na pressão arterial associadas ao consumo de sódio
foram encontradas apenas para a pressão arterial sistólica, que, de fato é a mais apresentada
nesse modelo de associação. Uma revisão sistemática com meta-análise de 11 ensaios clínicos
randomizados controlados mais recentes no tema de consumo alimentar de sódio e pressão
arterial, reportou um decréscimo pequeno (1,1 mmHg) na média da pressão sistólica, mas não
na diastólica em uma dieta com redução de sódio. Concluiu que: redução de sódio em
pacientes hipertensos reduz a pressão arterial, e o impacto a longo prazo da redução no
consumo de sal na pressão arterial, mortalidade e morbidade ainda precisa ser esclarecido117.
O sexo masculino apresentou maiores médias de pressão arterial sistólica e diastólica.
Essa característica também foi relatada em outros estudos118.
A relação entre pressão arterial e quantidade de sódio ingerido é heterogênea. Isso
ocorre pela sensibilidade ao sal, e quanto maior essa sensibilidade individual, maior é a
reabsorção proximal tubular de sódio, a incidência de hipertensão e a presença de lesões em
órgãos-alvo119.
104
O consumo de sódio é um alvo terapêutico atrativo para a hipertensão porque a dieta é
um fator facilmente modificável que pode evitar o uso de medicamentos120.
Em outra revisão sobre o tema, Magalhães e colaboradores sugerem que a prevenção
da hipertensão arterial tenha início já na população jovem, pois nessa idade já podem ser
identificados fatores de risco para doenças cardiovasculares que geralmente persistem até a
idade adulta. Além disso, nessa faixa etária podem ser aplicadas mais facilmente
modificações no estilo de vida como aspectos nutricionais, ingestão de sódio e álcool, peso
corporal, atividade física e hábitos saudáveis de vida no sentido de reduzir os problemas de
saúde no futuro121.
O compromisso dos países das Américas com a redução do consumo de sódio pelas
populações da região, conforme proposto pelas OPAS, é uma estratégia fundamental para a
prevenção e controle da morbidade e da mortalidade por doenças crônicas. Nesse sentido, a
redução do consumo de sódio pela população brasileira, dos atuais 4.700 mg para menos de
2.000 mg/pessoa/dia, assume posição de destaque dentro da agenda de saúde no Brasil,
mediante diminuição do sal adicionado durante o preparo e o consumo de alimentos e do
sódio presente nos alimentos industrializados. Para estas ações, foram criados três subgrupos
de trabalho com os seguintes objetivos: pactuação de metas de redução de teores de sódio nos
alimentos processados; realização de campanhas de educação e informação da população; e
elaboração de guias de boas práticas nutricionais122.
Porém, um estudo realizado avaliou o potencial impacto da redução do teor de sódio
em alimentos processados no consumo total de sódio no Brasil. Como referencial, foram
utilizadas as metas de redução de sódio estabelecidas em 2011 pelo Ministério da Saúde,
supracitadas. A população de estudo foi uma subamostra do Inquérito Nacional de
Alimentação (INA 2008-2009), e obteve como resultado que a redução média estimada no
consumo de sódio após cinco anos de pactuação foi de apenas 1,5%, um pequeno impacto no
consumo médio de sódio na população brasileira. O estudo conclui, portanto, que politicas
públicas voltadas para o estímulo de mudanças comportamentais que visem a redução da
adição de sal no preparo de alimentos e menor consumo de alimentos ultraprocessados, tendo
como base o novo Guia Alimentar para População Brasileira123 desempenham papel
fundamental para mudanças efetivas no padrão de consumo de sódio na população
brasileira124.
105
Como recomendações e intervenções para prevenção e controle da hipertensão sugere-
se as seguintes mudanças para redução do consumo de sódio:
a) Conscientização sobre educação alimentar nas escolas;
b) Diminuição da adição de sal no preparo dos alimentos;
c) Diminuição no consumo de alimentos ultraprocessados;
d) Aumento do consumo de alimentos in natura.
Somente a política e o pacto de redução de consumo de sal pelas indústrias de
alimentos podem não ser suficientes para reduzir de fato o consumo de sódio. Se desde
pequenos as crianças e adolescentes aprenderem a escolher seus alimentos com qualidade,
quando adultos manterão esse hábito e evitarão doenças futuras relacionadas às doenças
cardiovasculares. Portanto, mais importante do que as medidas e pactos governamentais para
a redução encontra-se o papel da conscientização das pessoas sobre a liberdade de escolha dos
alimentos, que se bem consolidada, garantirá a redução no número de complicações de saúde
no futuro.
106
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