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DELAÇÃO PREMIADA À BRASILEIRA: ALGUMAS QUESTÕES
RELACIONADOS À CONSTITUCIONALIDADE E À ETICIDADE Lenilson Silva de Azevedo1
RESUMO:
O presente trabalho trata da delação premiada, instituto utilizado amplamente em nações estrangeiras como Itália,
Espanha e nos países anglo-saxões, cuja finalidade primordial é de reforço na investigação e prova da
criminalidade associativa, organizada e econômico-financeira. O padrão brasileiro de negociação na delação
premiada faz com que o acusado devolva pequena parcela dos valores fruto da conduta criminosa, entregue alguns
envolvidos, fique em prisão domiciliar durante bom tempo, excluindo parentes e amigos das malhas da operação.
O foco, então, longe de punir, é recuperar, muito parcialmente, os recursos apropriados, evitando, com todo o
cuidado, que sejam os colaboradores inseridos na prisão depois de “arrependidos”. Eis aqui a delação premiada à
brasileira. O instituto da delação premiada está previsto no ordenamento jurídico brasileiro em diversas leis,
principalmente na Lei n. 12.850/2013. Mas, a “delação à brasileira” tem se constituído em um emaranhado de
possibilidades, em que a prática está dando as coordenadas do que deveria ser previsto em lei. Nesse sentido,
questões controvertidas relacionadas ao instituto têm refletido não só na esfera jurídica, mas também no campo da
ética, provocando reações por parte de parcela dos juristas e de setores da política. Pergunta-se: como é possível a
fixação de uma pena de 12 anos sem prévio processo? Como determinar um regime de cumprimento desta pena
como sendo o de prisão domiciliar, quando isso jamais foi contemplado no sistema jurídico brasileiro? É possível
se manter um acusado preso preventivamente como forma de extrair dele uma colaboração premiada, algo que
pode violar os direitos fundamentais previstos na Constituição? Prender para colaborar ou colaborar para não ser
preso? Há limites legais para se obter a delação premiada? Como uma lei pode incentivar a prática da “premiação
ao traidor”? São controvérsias relacionadas ao instituto, com reflexos constitucionais e éticos.
Palavras-chave: Delação Premiada; Crime Organizado; Constitucionalidade; ética.
ABSTRACT
The present work deals with the awarding of an award, an institute widely used in foreign nations such as Italy,
Spain and the Anglo-Saxon countries, whose primary purpose is to reinforce the investigation and proof of
associative, organized and economic-financial crime. The Brazilian standard of negotiation in the awarding of
the accusation causes the defendant to return a small portion of the amounts resulting from the criminal conduct,
delivered by some involved, to be kept under house arrest for a long time, excluding relatives and friends of the
operation. The focus, then, far from punishing, is to recover, very partially, the appropriate resources, carefully
avoiding that the employees are inserted in the prison after "repent". Here is the award to the Brazilian. The
institute of the prize-giving is provided for in the Brazilian legal system in several laws, mainly in Law no. 12,850
/ 2013. But the "Brazilian demarcation" has become a tangle of possibilities, in which practice is giving the
coordinates of what should be predicted in law. In this sense, controversial issues related to the institute have
reflected not only in the legal sphere, but also in the field of ethics, provoking reactions on the part of jurists and
policy sectors. Question: How is it possible to fix a 12-year sentence without prior process? How to determine a
regime of compliance with this penalty as the one of house arrest, when this was never contemplated in the
Brazilian legal system? Is it possible to keep a defendant in custody as a means of extracting from him an award-
winning collaboration, something that may violate the fundamental rights provided for in the Constitution? Arrest
to collaborate or collaborate not to be arrested? Are there legal limits to obtaining the award? How can a law
encourage the practice of "rewarding the traitor"? They are controversies related to the institute, with
constitutional and ethical reflexes.
Keywords: Awarded Giving; Organized crime; Constitutionality; ethic
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. ASPECTOS IMPORTANTES DO INSTITUTO DA
DELAÇÃO PREMIADA; 2.1 CONCEITO; 2.2. PREVISÃO LEGAL; 2.3. NATUREZA
JURÍDICA; 3. (IN)COMPATIBILIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DA DELEÇÃO
PREMIADA. 4. A QUESTÃO ÉTICA NA DELAÇÃO PREMIADA; 5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros. 1 Concluinte do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CERES.
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1. INTRODUÇÃO
Por que nenhuma condenação penal pode ser proferida se for fundamentada
unicamente em depoimento prestado em delação premiada, mesmo que diversos delatores
façam a mesma acusação? Porque a delação premiada é um instrumento de obtenção de prova,
e não meio de prova. Esta é uma das afirmações que se pode extrair da decisão do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, na Petição n. 5.700-DF2.
A decisão já apontou limites à delação premiada. Trata-se de instrumento de obtenção
de prova, e não meio de prova. Porque se assim fosse, o Estado estaria incentivando falsas
denúncias feitas sob o pretexto de colaborar com a Justiça, o que geraria erros judiciários e
condenações de pessoas inocentes.
Portanto, a delação premiada é um instrumento de obtenção de prova pelo qual o réu,
figurando como co-autor de crime, acorda pela colaboração em investigação delatando os
demais integrantes da organização criminosa, em troca de benefícios previstos em legislação
extravagante, como a redução de pena, por exemplo (FARIAS, 2009, p. 135/158).
Na atualidade, o tema é dos mais recorrentes no meio jurídico, sendo constantemente
objeto de preocupação e notícias, tendo em vista a quantidade de investigações penais de grande
repercussão nas quais se menciona a utilização da delação premiada como instrumento de
apuração de delitos associativos.
No Brasil, muitos afirmam que a delação (ou colaboração) premiada é um instituto que
surgiu com a finalidade de atenuar as dificuldades e ineficiência do Estado no combate à
criminalidade organizada, especialmente no que se refere aos crimes praticados em concurso
de agentes, possibilitando o oferecimento de resposta à sociedade, que clama pelo combate à
criminalidade. Diversas leis extravagantes3 tratam do instituto da delação premiada, objeto do
presente trabalho, de modo que não há lei específica que trate do tema. Somente no ano de
2013, com a entrada em vigor da Lei n. 12.850/13, que dispõe sobre organizações criminosas,
é que se vê um detalhamento mais profundo sobre tal.
2 Cf. Decisão de Celso de Mello traz manual completo sobre delação. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2015-out-14/delacao-justifica-investigação>. Acesso em: 06 nov. 2016. 3 Cf. Decreto-lei n. 2.848/40 (Código Penal); Lei n. 8.072/90; Lei n. 8.137/90; Lei n. 8.884/94; Lei n. 9.034/95;
Lei n. 9.080/95; Lei n. 9.269/96; Lei n. 9.613/98; Lei n. 9.807/99; Lei n. 10.149/00; Lei n. 11.343/06; Lei n.
12.529/11; Lei n. 12.683/12.
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O padrão brasileiro de negociação na delação premiada faz com que o acusado devolva
pequena parcela dos valores fruto da conduta criminosa, entregue alguns envolvidos, fique em
prisão domiciliar durante bom tempo, excluindo parentes e amigos das malhas da operação.
Prender para colaborar ou colaborar para não ser preso, parece a tônica do modelo
“Moro” de processo penal. O acusador fica com a faca, o queijo e todas as cartas para negociar.
Não aceita a negociação, segue-se instrução processual e decisão condenatória com pena alta4.
Iniciando no regime fechado.
Eis, portanto, alguns dos traços caracterizadores da delação premiada à brasileira. O
foco, então, longe de punir, é recuperar, muito parcialmente, os recursos apropriados, evitando,
com todo o cuidado, que sejam os colaboradores inseridos na prisão depois de “arrependidos”.
Embora previsto no ordenamento jurídico brasileiro em diversas leis, a “delação à
brasileira” tem se constituído em um emaranhado de possibilidades, em que a prática está dando
as coordenadas do que deveria ser previsto em lei. Isto tem trazido preocupações e provocado
reações por parte de parcela da doutrina. Nesse sentido, questões controvertidas têm surgido
relacionadas ao instituto que merecem reflexão não só na esfera do jurídico, mas também no
campo da ética.
Pergunta-se: como a fixação de uma pena de 12 anos sem prévio processo? Como
determinar um regime de cumprimento desta pena como sendo o de prisão domiciliar, quando
isso jamais foi contemplado no sistema jurídico brasileiro? Como é possível se manter um
acusado preso preventivamente como forma de extrair dele uma colaboração premiada, algo
que pode violar os direitos fundamentais previstos na Constituição? Há limites legais para se
obter a delação premiada? Como um incentivo dado por lei para a prática da “premiação ao
traidor”? São controvérsias relacionadas ao instituto, com reflexos constitucionais e éticos que
serão aqui tratadas.
O artigo está estruturado da seguinte forma: de início, faz-se uma breve demonstração
dos aspectos relevantes do instituto da delação premiada, incluindo o conceito, a base legal e a
natureza jurídica. Em seguida, aborda-se a constitucionalidade da delação premiada trazendo
uma rápida reflexão, discussão presente na doutrina, sobrevindo importantes controvérsias
também entre os juristas constitucionalistas, sob a discussão de sua aplicação em face aos
direitos e garantias fundamentais.
4 Sobretudo os limites penais da delação premiada, confira “Delação premiada: com a faca, o queijo e o dinheiro
nas mãos”. Autores: Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa. Disponível em: <
http://www.conjur.com.br/2016mar25/limitepenaldelacaopremiadafacaqueijodinheiromaos?imprimir=1>. Acesso
em: 11 nov. 2016.
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De igual modo, far-se-á importante reflexão acerca da eticidade do instituto, visto que
existe também grande preocupação de parte da doutrina com o direito premial, pois estar-se-ia
diante de um instrumento que premiaria um criminoso, que além de figurar como co-partícipe,
praticaria a vingança contra seus pares, para a obtenção de vantagens.
2. ASPECTOS IMPORTANTES DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA
A investigação penal é um incontornável dever jurídico do Estado, e a devida resposta
do poder público à notícia de um crime, mesmo que ela venha de depoimento de colaboração
com a justiça.
O Estado, diante da crescente criminalidade organizada, busca meios para conte-la,
sobretudo pleiteando a efetividade dos meios e instrumentos garantidores da conduta ética,
premissa do bem-estar social. Diante da constante onda de atentados e subvenções à ordem
social, e a flagrante dificuldade das instituições em darem efetividade às leis vigentes, é que
surge a chamada delação premiada.
Nesse item, demonstraremos o conceito, o marco legal e a natureza jurídica do instituto
da delação premiada.
2.1. CONCEITO
Inicialmente, na busca por uma definição propriamente dita, consiste a delação
premiada no criminoso que, de modo voluntário, assume sua culpa pela conduta delituosa
perante a autoridade judiciária ou policial, ao mesmo tempo em que delata os seus comparsas,
no intuito de obter benefícios, tais como perdão judicial, redução de pena, etc. Nesse sentido é
que Damásio de Jesus (2016) a define como “(...) aquela [delação] incentivada pelo legislador,
que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (...)”.
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De modo mais técnico-conceitual, a delação premiada é espécie do Direito Premial,
uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração
penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis
pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos
objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
Como se vê, é fundamental que haja efetividade na colaboração, isto é, as informações
devem ser sobremaneira relevantes para que possam ensejar os benefícios legais. Referida
relevância tem relação com tudo aquilo que a autoridade policial e/ou o Ministério Público não
poderiam atingir pelos meios pertinentes à sua atuação. As informações devem, logicamente,
levar a autoridade ao conhecimento dos demais integrantes da prática delituosa.
Pertinente também referenciar a definição proposta por Fernando Capez (2011, p.
417):
Delação ou chamamento do corréu é a atribuição da prática do crime a terceiro, feita
pelo acusado, em seu interrogatório, e pressupõe que o delator também confesse a sua
participação. Tem o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e
admite reperguntas por parte do delator.
Outro requisito importante neste sentido é que tal colaboração, segundo disposição
legal, deve ser voluntária. Voluntariedade aqui não se confunde com espontaneidade, enfatize-
se. O ato, quando espontâneo, surge da própria pessoa, de modo natural, sem qualquer
influência externa. Por outro lado, quando se fala em ato voluntário, é aquele praticado sem
nenhum tipo de coação, um ato da vontade da pessoa, mas podendo ter sido proposto por outra
(influência externa). Assim, a delação premiada deve ser voluntária, podendo não surgir do
próprio colaborador, quando em caso de proposta feita pelo Ministério Público ou pelo delegado
de polícia.
Sobre a colaboração do delator, Nucci (1999, p. 213) comenta que
Quando se realiza o interrogatório de um co-réu e este, além de admitir a prática do
fato criminoso da qual está sendo acusado, vai além e envolve outra pessoa,
atribuindo-lhe algum tipo de conduta criminosa, referente à mesma imputação, ocorre
a delação.
Como se vê, há a necessidade de o acusado atribuir sim a conduta delituosa a outra
pessoa, participação no ato, para que o tipo se configure. Cabe destacar que referido instituto
surgiu diante das dificuldades enfrentadas quando da punição de crimes praticados em
concurso de agentes, bem como o avanço na sofisticação de organizações criminosas. Assim,
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o Estado busca suprir a ineficiência de alguns de seus institutos legais, premiando o delator
em vista do célere andamento da investigação criminal, ao mesmo tempo em que busca dar
efetividade à persecução penal.
Não se pode olvidar que a delação premiada deve ser utilizada como exceção, isto é,
sua aplicação se dá somente nos crimes em que figure para o delator interesse processual direto.
É fundamental tal entendimento, visto que acaso haja grande abrangência sobre outros crimes,
figurando o delator como mero informante, acabaria por tornar a atividade investigativa do
Estado bem mais simples ou mesmo suscitaria menos o interesse em investigar. Ora, se assim
fosse, a simples prisão do delator e a exigência na denúncia dos comparsas na infração delituosa
da qual fora partícipe seria suficiente para a consecução das informações desejadas.
2.2. PREVISÃO LEGAL
No Brasil, na legislação, a “delação premiada” já aparece no século XVII, período
colonial, no âmbito das Ordenações Filipinas (1603-1867). Em 1830, fora revogada pelo
Código Criminal do Império. E somente no ano de 1990, é que novamente figura na legislação
pátria, com a instituição da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) a qual prevê a concessão
de benefícios ao delator (GAZZOLA, 2009, p. 150-152).
Como se vê, não havia previsão de colaboração premiada no Código Penal Brasileiro
de 1941, ano do início de sua vigência. A Lei 8.072/90 incluiu no Código Penal o §4º ao art.
159, o qual estabeleceu referido instituto para o crime de extorsão mediante sequestro, senão
vejamos:
Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo: "Art. 159.
[...] § 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à
autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a
dois terços."
A mesma previsão traz essa lei, em relação ao crime de quadrilha ou bando, para os
crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, ou terrorismo. Veja-
se a transcrição do artigo em comento:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal,
quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o
associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
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O legislador, como se vê, deu o mesmo tratamento rigoroso dado aos crimes hediondos
em relação aos crimes de tráfico de drogas, terrorismo e tortura. Não obstante a gravidade de
tais crimes, o co-partícipe terá a remissão em caso de colaboração para o efetivo
desmantelamento do bando ou quadrilha.
A Lei 9.034/95, Lei do Crime Organizado, estabeleceu a colaboração premiada para
os crimes praticados por meio de organizações criminosas. A previsão do benefício para o
colaborador é elencada em seu art. 6º, conforme segue:
Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um
a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de
infrações penais e sua autoria.
Aqui se vê expressa menção ao caráter espontâneo da colaboração, conforme já
abordado supra.
A lei dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo
(Lei 8.137/90), foi alterada pela Lei 9.080/95, para estabelecer a delação premiada para os
crimes previstos na mesma:
Art. 2º Ao art. 16 da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, é acrescentado o
seguinte parágrafo único: "Art. 16. [...]
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-
autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um
a dois terços."
A mesma lei 9.080/95 trouxe alterações também para a lei dos crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86), trazendo a colaboração premiada para os delitos nela
previstos.
Art. 1º Ao art. 25 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, é acrescentado o seguinte
parágrafo: "Art. 25. [...] § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha
ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um
a dois terços." [grifo nosso] Um ano após, a Lei 9269/96 alterou as regra do Código
Penal Brasileiro para modificar o instituto da delação premiada prevista no §4º do art.
15910. Art. 1º O § 4° do art. 159 do Código Penal passa a vigorar com a seguinte
redação: "Art. 159. [...] § 4° Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o
denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida
de um a dois terços."
No ano de 1998, com o advento da Lei nº 9.613/98, observa-se a dilatação da
abrangência da colaboração premiada, para um crime que se tornara comum, mas de difícil
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consecução de informações para sua elucidação: lavagem de dinheiro. A seguir, a transcrição
do Parágrafo 5º do Artigo 1º deste dispositivo:
Art. 1º [...] § 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida
em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva
de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais
e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
O advento da Lei de Proteção a Testemunhas, Lei nº 9.807/99, estendeu o benefício da
delação premiada a todos os tipos penais, sem se colocar qualquer exceção, numa flagrante
busca pela “padronização” das diversas regras deste instituto. Cabe frisar que parte da doutrina
defende que a Lei em questão fora direcionada ao tipo penal previsto no art. 159 do Código
Penal, qual seja, o crime de extorsão mediante sequestro. Por outro lado, tem se posicionado a
doutrina majoritária no sentido de que sua aplicação passou, com referida lei, a ser geral,
irrestrita, pois não há no dispositivo legal especificação de qualquer tipo. Veja-se o art. 13 do
dispositivo leal em comento:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal,
desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores
ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade
física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso. Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a
investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou
partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou
parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois
terços.
Pela redação do mencionado art. 13, tudo indica que a lei teve em mira o delito de
extorsão mediante sequestro, previsto no art. 159 do Código Penal, uma vez que todos os seus
incisos a ele se parecem amoldar. Contudo, vozes abalizadas em nossa doutrina já se levantaram
no sentido de afirmar que, na verdade, a lei não limitou a sua aplicação ao crime de extorsão
mediante sequestro, podendo o perdão judicial ser concedido não somente nesta, mas em
qualquer outra infração penal, cujos requisitos elencados pelo art. 13 da Lei nº 9.807/99 possam
ser preenchidos.
Alteração demasiadamente importante ocorreu também através da Lei nº 10.149/00,
pela qual se alterou as regras da delação premiada para os crimes previstos na lei nº 8.137/86
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(crimes contra a ordem tributária, econômica, e contra as relações de consumo), e na lei nº
8.884/94 (crimes contra a ordem econômica). Por meio das mudanças deste dispositivo legal,
passou-se a vislumbrar a possibilidade de a União celebrar o Acordo de Leniência, que se faz
como espécie de colaboração premiada:
Art. 2º A Lei no 8.884, de 1994, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: [...]
"Art. 35-B. A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência,
com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois
terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas
que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente
com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I -
a identificação dos demais co-autores da infração; e II - a obtenção de informações e
documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. [...]” Art. 35-
C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de
novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei,
determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da
denúncia. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se
automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo."
Em 2004, a promulgação d’A Convenção de Palermo, nome dado à Convenção das
Nações Unidas contra o crime organizado transnacional, assinada em 2000 e aprovada pelo
Congresso Nacional em 2003, juntou ao ordenamento jurídico pátrio regras internacionais
concernentes à colaboração premiada:
Artigo 26 [...] 2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos
pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um arguido que coopere de forma
substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na
presente Convenção.
Já no ano de 2006, foi a vez da Lei nº 11.343/06 (Lei de Tóxicos), estabelecer a delação
premiada para os crimes nela previstos. Veja-se o art. 41:
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação
policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do
crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação,
terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Nesse processo evolutivo em que referido instituto ganha cada vez mais espaço no
ordenamento jurídico pátrio, no ano de 2011, a Lei nº 12.529/11 alterou as regras acerca do
Acordo de Leniência, expressos nas leis n° 8.137/90 e 8.884/94, conforme segue:
Art. 86. O CADE, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo
de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução
de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com
pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde
que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que
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dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II
- a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou
sob investigação.
A Lei de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98), sofreu algumas alterações no ano de
2012, e nessas incluem-se mudanças também na delação premiada, conforme exemplo:
Art. 2º A Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar com as seguintes
alterações: “Art. 1º[...] § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser
cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la
ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor
ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos
autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto
do crime.
Mas foi em 2013 que a delação premiada foi tratada de modo mais profundo e
analítico. Isso ocorreu com a edição da nova lei de organização criminosa (Lei nº 12.850/13):
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de
outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração
premiada.
Referido dispositivo legal trouxe as maiores inovações acerca da delação premiada. A
lei prevê, assim, a colaboração premiada como um dos meios de obtenção de prova. Uma seção
dedica-se somente a delimita-la. O artigo 4 traz o perdão judicial e a redução ou substituição de
pena para quem haja colaborado efetiva e voluntariamente com as investigações e com o
processo criminal; e logo depois vem um rol de resultados alternativos que devem ocorrer para
que algum desses benefícios seja concedido.
Os diplomas anteriores trazem benefícios que se resumem a redução de pena e perdão
judicial. Já com a nova lei de crime organizado, tem-se a previsão do benefício da substituição
de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Trata-se de uma pena com caráter
ressocializador, pois em lugar do perdão judicial simplesmente, tem-se a pena em questão.
Como se vê, há diversidade de legislações esparsas que tratam da colaboração
premiada. Do mesmo modo, variado é o regramento trazido por cada lei.
2.3. NATUREZA JURÍDICA
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Como já tratado, a delação premiada é um acordo pelo qual o acusado recebe
benefícios em troca das informações relevantes prestadas ao parquet. Dentre os referidos
benefícios podem ocorrer a substituição, redução ou isenção da pena, ou regime penitenciário
menos gravoso, conforme a legislação pertinente.
No tocante à sua natureza jurídica, existe importante discussão doutrinária. Tanto a
doutrina quanto a jurisprudência veem a delação premiada como um possível meio de prova,
entendendo, desse modo, que só se perfaz o valor probatório no momento em que o acusado
imputar a alguém a prática de um crime tipificado como tal, ao mesmo tempo em que confessa
sua co-participação.
Assim, o caso concreto é que delimitará a natureza jurídica do instituto em questão,
para então figurar causa de diminuição de pena ou de extinção de punibilidade, conforme art.
13 da Lei 9.807/99, in verbis:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal,
desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.
Apesar de sua possível condição de meio de prova para instrução processual, esta não
se configura de forma absoluta contra o delatado, figurando como indicador de materialidade e
autoria do crime, devendo haver outras provas que corroborem com a versão apresentada pelo
delator. Isso se faz para evitar que o delator consiga, de qualquer modo, os benefícios, como
atribuir o cometimento de delito a um inocente, por exemplo.
Na busca pela delimitação da natureza jurídica do instituto, importante a análise das
posições doutrinárias a esse respeito. Bittar (2011, p. 35) enfatiza a dificuldade em definir a
natureza jurídica da delação premiada, pois a própria lei que estabelece o regramento para a
concessão dos benefícios não é clara quanto às outras características relevantes para a sua
aplicação. Segundo tal entendimento, o legislador usou diversas expressões para tratar da
delação nas várias legislações, o que, em um primeiro momento, dificulta ainda mais a
ubiquação sistemática.
Já para Mendroni (2002, p. 47), seguindo de igual modo outros doutrinadores, a
delação é variação do princípio da legalidade, e tem sua natureza jurídica decorrente do
consenso entre as partes acerca do destino e a imputação determinada ao acusado.
12
Há que se refletir que a falta de legislação mais específica acerca do instituto dificulta
a delimitação de sua natureza jurídica, além dos muitos dispositivos que preveem a delação na
legislação pátria.
Referido instituto constante do ordenamento jurídico brasileiro, suscita diversas
discussões acerca de sua constitucionalidade, concernentes aos princípios norteadores do
devido processo legal. Do mesmo modo, há quem se posicione pela prática se fazer como uma
condenação à ética, um incentivo que a lei dá à traição, premiando quem pratica atos escusos
de modo duplo.
3. (IN) COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA DELAÇÃO PREMIADA
A análise da constitucionalidade da delação premiada se faz fundamental, no afã de se
verificar, no âmbito do direito constitucional processual, sua adequação dentro do ordenamento
jurídico pátrio, sobretudo no tocante aos direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, reflete
duas correntes de pensamento que podem ser assim denominadas: a da valorização da pessoa
humana e a do interesse do Estado.
As dúvidas que pairam sobre a constitucionalidade do instituto da delação premiada,
devem ser analisadas no intuito de se proceder a uma melhor reflexão sobre o tema. Alguns
juristas entendem que a delação premiada fere os direitos e garantias fundamentais,
concernentes aos princípios norteadores do devido processo legal. Junte-se aí a própria
moralidade pública, que também pode ser violada.
Neste sentido, oportuna a formulação de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho5:
Um dos exemplos mais acabados da referida denegação diz com a delação premiada.
Inconstitucional desde a medula, a sua prática, dentro de um sistema processual penal
de matriz inquisitória ofende 1º) o devido processo legal; 2º) a inderrogabilidade da
jurisdição; 3º) a moralidade pública; 4º) a ampla defesa e o contraditório e 5º) a
proibição às provas ilícitas. Só isso, então, já seria suficiente para que se não legislasse
a respeito e, se assim não fosse, que se não aplicasse.
5 Cf. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Delação Premiada: posição contrária. In: CARTA FORENSE.
São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/delacao-premiada-posicao-
contraria/13613>. Acesso em: 25 out. 2016.
13
Segundo tal posicionamento, estando a delação premiada ancorada na ideia de
ineficiência do Estado, corre-se o risco de funcionar como um “sistema de trocas”, em que o
Estado oferece o benefício ao delator, ambos no interesse de se atingir o desfecho do processo
em questão.
Por isso aqueles que questionam a constitucionalidade do instituto em análise apontam
para a sua não aplicação, discutindo, desse modo, a veracidade das informações prestadas pelo
delator.
Tasse (2006, p. 270) também contribui com tal discussão, aduzindo, quanto à
constitucionalidade processual criminal, na delação premiada:
(...) se de um lado há a ideia de trazer um indivíduo acusado de um crime a atuar como
auxiliar da justiça na punição de seus co-autores, por outro lado há um ataque aos
princípios fundamentais sobre os quais se estrutura o Estado Democrático de Direito.
Nesse diapasão é que Helder Silva Santos coloca que a delação premiada importa em
um paradoxo jurídico que se manifesta de diversas formas, como no desvirtuamento dos fins
do direito penal, no enfraquecimento do poder normativo da lei e na ruptura do que se entende
por ordenamento jurídico. Junte-se a isso também questões de natureza axiológica. Para
Santos,6
A pena, justamente por ser um mero acessório para o resguardo de bens jurídicos mais
valiosos, não pode valer-se de qualquer pretexto para impor ao infrator restrição que
extrapole os limites definidos implicitamente pela constituição por conta de sua
natureza democrática.
No Brasil, a Constituição e as leis pertinentes regulam a legitimidade da atuação da
Polícia, do Ministério Público e do Judiciário. Qualquer que seja a ação que extrapole os limites
constitucionais e legais não devem ser tolerados, sendo vedados quaisquer procedimentos e/ou
medidas fora da ordem jurídica. Neste sentido é que sustentam que a delação premiada deve ser
eficazmente regulada, para que se garanta a sua legalidade, tanto em relação aos seus
procedimentos quanto à segurança jurídica oferecida a delator e delatado (s), para que a
validade dos acordos encontre êxito.
É faculdade do Direito Penal a proteção de bens jurídicos fundamentais à vida em
sociedade. Sob a égide das garantias do art. 5º da Constituição Federal, não pode o Estado bater
de frente com valores caros à própria dignidade humana, não encontrando lastro o instituto da
6 Cf. SANTOS, Helder Silva. A delação premiada e sua (in)compatibilidade com o ordenamento jurídico
pátrio. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10244/a-delacao-premiada-e-sua-in-compatibilidadecom-o-
ordenamento-juridico-patrio/2>. Acesso em: 30 out. 2016.
14
delação premiada, visto que estimularia a inserção de elementos nocivos no ordenamento
jurídico, como a desconfiança e o individualismo, sob o estímulo da traição.
Por outro lado, a corrente doutrinária que defende o instituto da delação premiada (que
é majoritária em sintonia com a maior parte da jurisprudência), sustenta que não há
inconstitucionalidade, na medida em que não há violação sobre os direitos fundamentais do
delator, visto que o mesmo age pela sua própria vontade e tem liberdade de escolha, não
havendo emprego de violência que o obrigue a proceder desse modo. Como já visto, é
fundamental, para a efetividade da delação premiada, a voluntariedade e/ou espontaneidade do
delator. Conforme leciona Costa7,
(…) O criminoso não é obrigado a negociar. É um ato de iniciativa pessoal dele. As
leis que tratam do favor premial colocam essa característica indispensável para que a
delação seja premiada: a voluntariedade e/ou espontaneidade do agente (...) Mesmo
sugerido por terceiros, respeita-se a liberdade de escolha do indivíduo e a decisão
última é dele. Em se delatando, receberá seu prêmio, se tornar efetivo Jus Persequendi
do Estado.
O art. 1º, inciso III, da CF/88, unifica os direitos e garantias fundamentais, atinentes
ao princípio da dignidade humana, figurando este como valor moral que é inerente à pessoa
humana, suscitando o respeito das outras pessoas. Limitar tais direitos só seria tolerável em
casos excepcionais. Assim, cabe ao Estado garantir a liberdade pessoal, o livre arbítrio, usando
menos a força para fazer cumprir as leis e fazer valer as penas, legitimando suas instituições
jurídicas.
O indivíduo que faz a opção pela delação premiada, o faz de modo voluntário e
espontâneo, na certeza de que receberá a pena pelo crime que cometeu, mas que esta será
reduzida, ao mesmo tempo em que contribui pelo bem da sociedade, uma forma de compensar
os males causados por ele e pelo grupo criminoso, seus cúmplices. Daí a legitimidade do
instituto da delação premiada, do ponto de vista constitucional, elemento que contribui de modo
significativo com a função precípua do Estado em fazer cumprir suas leis, especificamente no
combate ao crime organizado.
Nesse prisma, constata-se o quão ético é o Direito Penal, na medida em que faz o seu
papel de pacificação social responsabilizando, por meio da delação premiada, criminosos de
alto escalão, que dificilmente o seriam pelas demais ferramentas legais que o Estado dispõe.
7 Cf. COSTA, Marcos Dangelo da. Delação Premiada. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/monografiatcc-tese,delacao-premiada,22109.html>. Acesso em: 31 out.
2016.
15
No tocante à discussão acerca do direito do acusado acerca das garantias
constitucionais do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, há que se entender
que o direito de liberdade daquele que está preso, por exemplo, se perfaz quando se possibilita
a sua delação, um importante meio de defesa.
Ao Ministério Público cabe o estabelecimento do acordo com o delator, cabendo ao
juiz, posteriormente, conceder o prêmio ou não, estando clara aí a constitucionalidade do
instituto, atribuindo-se ao magistrado a análise da fidelidade das informações prestadas às
exigências legais, em vista da eficácia da delação.
Outra reflexão pertinente na discussão que ora se estabelece diz respeito ao princípio
da proporcionalidade, pelo qual se exige que a gravidade da pena seja proporcional à gravidade
do delito. Há que se ponderar se o perdão judicial ou diminuição da pena do delator, partícipe
do mesmo fato delituoso, tem o mesmo grau de culpabilidade dos demais criminosos
envolvidos, isto é, se não geraria uma desigualdade injusta entre os pares. Deve o juiz que
aplicar as penas baseado na equidade e na proporcionalidade.
Mas há que este princípio recai diretamente no da individualização das penas, presente
na cominação destas na legislação e na avaliação do operador do Direito quando da aplicação
e execução das penas, estabelecendo sanção capaz de reprovar o crime praticado, ao mesmo
tempo em que previne a nova ocorrência de delitos.
Em relação ao custo-benefício da delação premiada, pode-se afirmar que dá-se o
prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a autoridade, pouco importando o móvel real
do colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, mas antes, uma atitude
eticamente condenável. Na equação “custo-benefício”, só se valora as vantagens que possam
advir para o Estado com a cessação da atividade criminosa ou com a captura de outros
delinquentes, e não se atribui relevância alguma aos reflexos que o custo possa representar a
todo o sistema legal enquanto construído com base na dignidade da pessoa humana.
Assim, o magistrado, para embasar sua decisão, verificará o devido cumprimento de
todos os princípios norteadores já referidos supra, com o fim maior de se atingir um processo
justo e garantir o Estado Democrático de Direito. Os princípios constitucionais constantes do
ordenamento jurídico brasileiro devem nortear o depoimento, para que este figure como meio
lícito de prova. Caso contrário, esta será nula.
Por tudo o que já fora elencado, percebe-se a importância a referido instituto dada pela
legislação pátria para a elucidação de crimes. Conforme repisa Azevedo (1999, p.5),
16
Oportuna, portanto, a legislação brasileira, que se põe na linha de frente da política
criminal orientada de um lado na proteção dos direitos da vítima e de outro no âmbito
da efetividade da persecução penal na prevenção e repressão de graves formas
delituosas, cujo deslinde depende, e em muito, da efetiva colaboração da vítima, do
destemor das testemunhas e, também, da eficaz e eficiente colaboração dos co-autores
e partícipes. (...) O perdão judicial e a diminuição da pena previstos na nova legislação
embebem-se de eticidade, não se constituindo num desprestígio ao direito punitivo,
nem numa barganha sombria do Estado com o criminoso para a busca e soluções
fáceis para a investigação penal e para o processo penal à custa e sacrifício de
princípios morais.
Ante o exposto, é possível verificar a prevalência da delação premiada quando da
análise de sua constitucionalidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Guiado pela
consecução da valorização dos direitos humanos, o Estado Social é aquele que promove o bem
comum, conforme preleciona o art. 193 da CF/88. A delação premiada contribui de modo
fundamental para tal, no momento em que atinge provas que por outros meios legais não
surgiriam, cabais para desmantelar associações de grupos criminosos, e assim combater de igual
modo a impunidade, um grande clamor da sociedade contemporânea.
Portanto, como demonstrado, duas correntes dão o tom dessa discussão: a da
valorização da pessoa humana e o interesse do Estado. Os argumentos de ambas giram em torno
da paradoxal situação em que o Estado, ao mesmo tempo em que exerce autoridade em relação
ao combate à criminalidade, praticaria, com o delator, gesto de benevolência para com um
potencial criminoso, daí ser sustentada sua possível (in) constitucionalidade.
4. A QUESTÃO ÉTICA NA DELAÇÃO PREMIADA
A discussão acerca da ética na delação premiada tem tomado conta de constantes
debates, sobretudo na contemporaneidade, em que a dinâmica das mídias sociais em noticiar os
fatos insufla argumentos sobre sua avaliação em consonância com o ordenamento jurídico
brasileiro.
A polêmica que se estabelece gira em torno de duas vertentes: a que considera a
delação premiada um instituto jurídico que contribui com as autoridades para o combate ao
crime; e a que o considera como um incentivo que é dado pela lei para a prática da traição,
obtendo, ainda por cima, um prêmio por ter praticado crime duplamente. Poderia possuir, assim,
a delação, um caráter de traição, caracterizado pela quebra da confiança outrora existente entre
17
o delator e o delatado, atitude reprovada pela sociedade, imoral. Dessa forma, estaria a delação
assumindo um sentido pejorativo, podendo figurar como vingança, maldade.
Na vida em sociedade, a moral se configura como o conjunto de normas que regulam
as relações entre os indivíduos, e a ética, nesse cenário, estabelece parâmetros para as melhores
ações, dignas da aceitabilidade perante seus semelhantes.
Beccaria (2008, p. 67-68) já se reportava ao caráter imoral da traição, defendendo que
tal comportamento deveria ser afastado da sociedade, criticando, inclusive leis que a
incentivassem, conforme segue:
As nações somente serão felizes quando a moral sã estiver intimamente ligada à
política. Contudo, leis que dão prêmio à traição, que ateiam entre os cidadãos uma
guerra clandestina, que fazem nascer suspeitas recíprocas, sempre se oporão a essa
união tão necessária da política e da moral; união que propiciaria aos homens
segurança e paz, que lhes diminuiria a miséria e que traria aos países mais prolongados
intervalos de tranqüilidade [sic] e concórdia do que aqueles que até o presente
desfrutaram.
É nesse sentido que se argumenta acerca da falta de fundamento ético na delação
premiada. Damásio de Jesus (1994, p. 5), diz que tal ação "não é pedagógica, porque ensina
que trair traz benefícios". Segundo tal entendimento, estaria o Estado se valendo da traição de
um criminoso como meio de investigação, o que violaria a Constituição, no momento em que
figurasse como prova ilícita.
Não obstante tal posicionamento, tem-se que a delação premiada se perfaz como prova
complementar, a partir da qual se torna possível a consecução de novas provas, que darão
sustentáculo aos fatos trazidos pelo delator. Sendo assim, não há que se falar em sentença
condenatória fundamentada somente nas suas declarações, pois conforme redação do §16 da
Lei 12.850/2013: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”.
Convém comentar ainda que as partes podem retratar-se da proposta, momento em que
as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não podem ser utilizadas
exclusivamente em seu desfavor. Assim, é possível que das provas produzidas a partir da
colaboração surja efeito penal somente para o colaborador, resguardando seu direito ao
contraditório.
Como já referido, para que a colaboração premiada seja efetiva, deve estar presente a
voluntariedade, sempre estando assegurado também a participação de seu defensor, conforme
determina o § 15 da Lei 12.850/2013, in verbis: “Em todos os atos de negociação, confirmação
e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor”. Daí conclui-
18
se que, presentes o requisito da voluntariedade e também a exigibilidade de assistência técnica
jurídica, aí está presente o princípio da ampla defesa.
Qualquer que seja a afronta à ordem pública e ao Estado Democrático de Direito, está-
se diante de situação eminente de interesse coletivo. Assim, a resolução de crimes, bem como
a persecução às organizações criminosas devem figurar como pressuposto para a consecução
do bem-estar social. Nesse contexto, a delação premiada não estaria afrontando qualquer direito
fundamental, já que, também, não é absoluto. Afinal de contas, o Estado pode relativiza-lo em
caso de interesse público. É isso que se coloca no art. 29 da Declaração dos Direitos do Homem
das Nações Unidas, conforme segue:
toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se
desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no
desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações
estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e
liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública
e do bem-estar de uma sociedade democrática.
Assim, a crítica que figura acerca da não eticidade do instituto da delação premiada
não se sustenta, pois todo sujeito deve entender que o crime deve ser denunciado. Isso deve ser
adotado como obrigação do cidadão. Delatando-se a ação criminosa, será possível punir os
criminosos, prevenindo a prática de outros crimes, e contribuindo com o bem comum.
O que se deve promover, quando das críticas, é uma profunda reflexão sobre o sentido
de uma possível “ética do mundo do crime”, frente ao verdadeiro propósito do direito premial,
qual seja o combate à criminalidade. A sociedade, nesse sentido, deve perseguir os valores
morais para o seu próprio bem, para que impere a paz, e não para favorecer a impunidade de
organizações criminosas.
A traição do delator aos “companheiros” não parece, sobremaneira, ser atitude ética,
sobretudo quando se perquirir os reais motivos que motivaram tal comportamento, que pode
significar desde o seu arrependimento até a própria vontade de colaborar com a justiça, ou
mesmo interesses escusos. Jamais se saberá ao certo o que é subjetivo ao delator. No entanto,
feitas as ponderações e complementos para a efetivação desse meio de prova, não parece
apropriado o entendimento de que se premia um traidor. Afinal, talvez conviver com o crime
é que é antiético e imoral.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
O instituto da delação premiada surgiu como instrumento capaz de suprir possível
deficiência do Estado no combate à criminalidade. A medida legal, prevista no ordenamento
jurídico pátrio, se notabiliza por possibilitar vantagens processuais para o réu que, fazendo parte
de associação criminosa, ofereça informações relevantes que levem aos demais integrantes e
elementos, para assim atingir a consecução da verdade real dos fatos.
Existem controvérsias no tocante à constitucionalidade deste instituto. A parcela da
doutrina pátria que se posiciona contrariamente, o faz sob o argumento de que esta viola
princípios constitucionais, a exemplo dos direitos e garantias fundamentais, do devido processo
legal, da inafastabilidade da jurisdição. No entanto, tais argumentos são contestados, na medida
em que a colaboração do delator se perfaz como ato voluntário, sem qualquer imposição do
Estado. Junte-se a isso o fato de a legislação ser taxativa no sentido de só se aplicar tal meio
auxiliar de prova somente quando se tratar de matéria de interesse público.
Assim, sendo meio de prova auxiliar, a ação estatal perante esse instituto fará caminhar
a investigação criminal para o objetivo pretendido, tendo o delator a garantia de assistência
jurídica e ampla defesa. Todas essas ações atinentes à celeridade processual e ao tempo razoável
do processo, passando-se pela análise rigorosa do juiz, aí assegurando-se também a ampla
defesa, o contraditório e aplicação da jurisdição, comprovando-se sua constitucionalidade.
Diversos autores, ao conceituarem a delação premiada, sustentam que este instituto
se perfaz como uma recompensa ao delator dada pelo Estado, que em troca apresenta
informações que auxiliem a persecução penal, suscitando, em parte da doutrina, o
posicionamento pela sua não eticidade. A suspeita em torno da moralidade da “premiação ao
traidor” cai por terra pois, não obstante seu possível conteúdo imoral, fica patente sua
constitucionalidade, por ter como elemento norteador um bem maior, qual seja o interesse
coletivo, a manutenção do Estado Social e o Estado democrático de direito.
A eficiência penal se completa com este instituto, perfazendo-se eficaz instrumento de
obtenção de prova, no combate à criminalidade organizada. Sendo a criminalidade fenômeno
que vem cada vez mais se tornando complexo, espera-se do Estado prover de meios capazes
de conte-lo de modo efetivo, inovando o sistema penal, sobretudo no tocante à eficácia da
delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro.
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