UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA
DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE
DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL
KÁTIA REGINA DO VALLE FREITAS matrícula nº: 103002882
ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida
DEZEMBRO 2004
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA
DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE
DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL
________________________________________ KÁTIA REGINA DO VALLE FREITAS
matrícula nº: 103002882
ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida
DEZEMBRO 2004
DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL
Kátia Regina do Valle Freitas
Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia
Orientador: Edmar Luiz Fagundes de Almeida
DEZEMBRO 2004
RESUMO
FREITAS, Kátia Regina do Valle. Definição Tarifária como Instrumento Regulatório:
precificação do transporte dutoviário de gás natural no Brasil. Rio de Janeiro, 2004.
Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
Neste trabalho é feita uma análise das principais formas de definição tarifária
existentes na indústria de gás natural. Apresentam-se as características específicas do gás e alguns aspectos relacionados à regulação dessa indústria, em especial as formas principais de tarifação do transporte de gás natural: a tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação entrada/saída. Cada uma das formas de tarifação possui características específicas e, portanto, deve haver uma avaliação dos objetivos da política e das especificidades da rede de cada país para a decisão da metodologia a ser adotada. No caso brasileiro, a indústria de gás natural é ainda incipiente, existe uma empresa dominante em todos os segmentos da cadeia e o arcabouço regulatório limita o poder de ação da agência reguladora. Essas características são fortemente refletidas no segmento de transporte de gás natural. Diante de perspectivas de desenvolvimento de novos mercados para o gás natural e de integração energética no Cone Sul e, ainda, buscando atingir a eficiência econômica da indústria, as diferentes formas de tarifação apresentaram vantagens e limitações. A tarifação postal, embora favoreça o desenvolvimento de novos mercado, não reflete os custos associados ao transporte, não estimulando a eficiência econômica, causando subsídios cruzados entre os consumidores e dificultando a integração energética com a região. Por outro lado, a tarifação por distância estimula a eficiência econômica, mas não desenvolve alguns mercados de gás natural em regiões distantes dos centros de produção. Para a definição tarifária no âmbito de uma política de transporte para o gás natural no Brasil, sugerem-se medidas para contornar os possíveis problemas relacionados a cada uma das formas de tarifação.
ABSTRACT
FREITAS, Kátia Regina do Valle. Tariff Definition as a Regulatory Instrument: pricing
natural gas pipeline transmission. Rio de Janeiro, 2004. Masters Thesis (M.Sc. in
Economy) – Institute of Economics, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2004.
In this work, the main forms of tax defining in the natural gas industry are studied. Specific characteristics of gas and some aspects related to the regulation of this industry are presented, specially the mains forms of pricing natural gas transmission: the postage stamp, the distance based tariff and the entry-exit taxation. Each taxation forms has specific characteristics and, therefore, there must be an evaluation of political aims and of network specialities to define the methodology that should be adopted in each country. In the Brazilian case, the industry of natural gas is still incipient. There is only one firm that dominates all sections of the chain, and the regulatory framework limits the action power of the regulatory agency. Those characteristics reflect mostly on the natural gas transmission segment. Facing the development perspectives of new natural gas markets and the cross-border gas trade in the Southern Cone and, also, trying to reach economic efficiency in the industry, the different forms of pricing have shown advantages and limitations. The postal stamp taxation, although improving the development of new markets, does not reflect the costs associated with transmission, nor stimulates economic efficiency. Furthermore, it causes cross subsidies among consumers and entangles cross border trade in the region. On the other hand, distance based tariffs stimulate economic efficiency, but does not develop overcome natural gas market in regions distant from production fields. In order to obtain a tax definition in the field of natural gas transmission policy in Brazil, some measurements to by-pass possible problems related to each one of the taxation forms are suggested.
À minha família
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida,
Aos meus pais, Artur e Christa, pelo amor, motivação, confiança em meu trabalho, correções
e estímulo,
Aos meus irmãos, Marcos e Cristiana, pela compreensão,
A Leonardo, pelo incentivo,
Ao Professor Edmar de Almeida, meu orientador, pela sua disponibilidade,
Aos professores do Instituto de Economia da UFRJ, pela minha formação acadêmica,
Aos professores do Grupo de Economia da Energia: Edmar, Helder, Carmen, Mariana e
Ronaldo, pela minha formação profissional,
Aos demais participantes do Grupo de Economia da Energia: Joseane, Daisy, Heloisa, Carla e
Letícia, pelos conselhos e apoio,
Ao Professor Marc-Kévin, pela bibliografia sugerida,
À Agência Nacional do Petróleo, através do Programa de Formação de Recursos Humanos da
ANP para o Setor de Petróleo e Gás Natural, pelo apoio bibliográfico, financeiro e de
capacitação profissional,
Aos professores José Cesário Cecchi e Ronaldo Fiani, que se dispuseram a avaliar esse
trabalho,
A todos os outros que direta ou indiretamente contribuíram para que este trabalho fosse
realizado.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES
ANP Agência Nacional do Petróleo BGT Bord Gáis Transmission (Irlanda) CEE Comunidade Econômica Européia CER Commission of Energy Regulation (Irlanda) CNE Comisión Nacional de Energía (Espanha) CRE Comission de Régulation de l’Énergie (França) CREG Comisión de Regulación de Energía y Gas (Colombia) CSPE Comissão de Serviços Públicos de Energia EIA Energy Information Administration ENAGAS Empresa Nacional del Gas (Espanha) ENARGAS Ente Nacional Regulador del Gas (Argentina) ERSE Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Portugal) FERC Federal Regulatory Comisión (EUA) FPC Federal Power Comisión (EUA) GdE Gas del Estado (Argentina) GLP Gás Liquefeito de Petróleo GN Gás Natural GNC Gás Natural Comprimido GNL Gás Natural Liquefeito GNV Gás Natural Veicular IEA International Energy Agency IGN Indústria de Gás Natural MFV Modified Fixed-Variable NERA National Economic Research Associates NGA Natural Gas Act OECD Organization for Economic Co-operation and Development PLANGAS Plano Nacional de Gás Natural PPT Plano Prioritário de Termoeletricidade PUC Public Utility Commission (EUA) SFV Straight Fixed-Variable SNT Sistema Nacional del Transporte (Colômbia) TBG Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil TGN Transportadora Gas del Norte (Argentina) TGS Transportadora Gas del Sur (Argentina) TSB Transportadora Sulbrasileira de Gás UPGN Unidade de Processamento de Gás Natural YPF Yacimientos Petrolíferos Fiscales (Argentina)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 10
CAPÍTULO I - REGULAÇÃO E TARIFAÇÃO NAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA............. 15 1.1 - O MODELO CONVENCIONAL DE DETERMINAÇÃO DE PREÇOS ................................................................ 16
1.1.1 - Concorrência Perfeita ...................................................................................................................... 16 1.1.2 - Monopólios ..................................................................................................................................... 17
1.2 - CARACTERÍSTICAS DAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA E A NECESSIDADE DE REGULAÇÃO............. 19 1.3 - REGULAÇÃO ........................................................................................................................................... 25
1.3.1 - Objetivos da Regulação ................................................................................................................... 26 1.3.2 - Problemas Regulatórios ................................................................................................................... 27 1.3.3 - Instrumentos Regulatórios ............................................................................................................... 29
1.4 - TARIFAÇÃO COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO ................................................................................. 30 1.4.1 - Regulação por Custo de Serviço....................................................................................................... 31 1.4.2 - Regulação por Incentivo .................................................................................................................. 34 1.4.3 - Regulação Second Best para monopólios multi-produto e mono-produto .......................................... 36 1.4.4 - Preço de Acesso .............................................................................................................................. 38
1.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................. 40 CAPÍTULO II - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL................................................. 42 2.1 - VISÃO GERAL DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL ....................................................................................... 42
2.1.1 - Breve Análise da Cadeia de Gás Natural .......................................................................................... 43 2.1.2 - Necessidade de Regulação da Indústria de Gás Natural .................................................................... 47 2.1.3 - Evolução da Organização da Indústria de Gás Natural...................................................................... 50
2.2 - FORMAS DE TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL ................................................................... 54 2.2.1 - Objetivos e Princípios da Tarifação de Transporte de Gás Natural .................................................... 54 2.2.2 - Custos ............................................................................................................................................. 56 2.2.3 - Tarifação Postal (Postage-Stamp) .................................................................................................... 59 2.2.4 - Tarifação por Distância.................................................................................................................... 60 2.2.5 - Tarifação Entrada/Saída (Entry-Exit) ............................................................................................... 61 2.2.6 - Combinações de metodologias tarifárias .......................................................................................... 62 2.2.7 - Tarifa em Duas Partes...................................................................................................................... 65 2.2.8 - Tipo de Capacidade......................................................................................................................... 66
2.3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................. 71 CAPÍTULO III - EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL .......................... 73 3.1 - EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL NO BRASIL......................................................................... 74
3.1.1 - Condições de Oferta ........................................................................................................................ 74 3.1.2 - Condições de Demanda ................................................................................................................... 80 3.1.3 - Evolução das Políticas para o aumento da utilização de Gás Natural................................................. 83
3.2 - ASPECTOS REGULATÓRIOS..................................................................................................................... 87 3.2.1 - Produção e Processamento............................................................................................................... 88 3.2.2 - Transporte....................................................................................................................................... 89 3.2.3 - Comercialização e Importação ......................................................................................................... 92 3.2.4 - Distribuição..................................................................................................................................... 92 3.2.5 - Análise da Regulação da Indústria de Gás Natural no Brasil ............................................................. 93 3.2.6 - Principais Problemas relativos ao transporte de gás natural no Brasil ................................................ 95
3.3 - A TARIFAÇÃO DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ............................................................... 97 3.3.1 - Preço do Gás Natural de Produção Nacional até 2001....................................................................... 99 3.3.2 - Preço do Gás Natural Importado .....................................................................................................105 3.3.3 - Preço do Gás Natural destinado ao PPT ..........................................................................................108 3.3.4 - Situação Atual da Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil................................................108
3.4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................110
CAPÍTULO IV - EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL .............................................................................113 4.1 - UNIÃO EUROPÉIA ..................................................................................................................................114
4.1.1 - Diretiva Européia ...........................................................................................................................115 4.1.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................117
4.2 - ESTADOS UNIDOS ..................................................................................................................................123 4.2.1 - Regulação ......................................................................................................................................125 4.2.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................128
4.3 - ARGENTINA ...........................................................................................................................................132 4.3.1 - Antecedentes..................................................................................................................................133 4.3.2 - Reestruturação................................................................................................................................134 4.3.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................138
4.4 - COLÔMBIA ............................................................................................................................................140 4.4.1 - Antecedentes..................................................................................................................................141 4.4.2 - Reestruturação................................................................................................................................142 4.4.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................144
4.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................147 CAPÍTULO V - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ..........................150 5.1 - MOMENTO ATUAL DA INDÚSTRIA DE GÁS NO BRASIL E DESAFIOS ........................................................150
5.1.1 - Marco Regulatório..........................................................................................................................152 5.1.2 - Infra-estrutura de Transporte...........................................................................................................153 5.1.3 - Precificação do Gás Natural............................................................................................................154 5.1.4 - Perspectivas de aumento da participação do gás na matriz energética...............................................155
5.2 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ......................156 5.2.1 - Regime de Concessões ...................................................................................................................157 5.2.2 - Classificação dos Dutos ..................................................................................................................158 5.2.3 - Livre Acesso ..................................................................................................................................159 5.2.4 - Operação do Sistema ......................................................................................................................162 5.2.5 - Financiamento................................................................................................................................163 5.2.6 - Questão Tarifária............................................................................................................................164
5.3 - CRITÉRIOS A SEREM UTILIZADOS PARA A DEFINIÇÃO DA POLÍTICA DE TARIFAÇÃO DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ..............................................................................................................................165
5.3.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados de Gás Natural no Brasil ......................................................165 5.3.2 - Adaptação às Características da Rede..............................................................................................168 5.3.3 - Incentivos à Eficiência Econômica..................................................................................................171 5.3.4 - Estímulo a Integração Energética no Cone Sul ................................................................................172
5.4 - ANÁLISE COMPARATIVA DAS POSSÍVEIS FORMAS DE TARIFAÇÃO...........................................................176 5.4.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados ............................................................................................178 5.4.2 - Adaptação às Características da Rede..............................................................................................180 5.4.3 - Estímulo à Eficiência Econômica....................................................................................................181 5.4.4 - Estímulo à Integração Energética no Cone Sul ................................................................................182 5.4.5 - Análise Comparativa ......................................................................................................................183
5.5 - PROPOSTAS PARA A POLÍTICA DE TARIFAÇÃO NO BRASIL......................................................................185 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................189
GLOSSÁRIO ...............................................................................................................................................192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................195
10
INTRODUÇÃO
A indústria de gás natural no Brasil começou a se desenvolver mais largamente a partir
da década de 80, com a descoberta de reservas no Rio de Janeiro. A participação do gás na
matriz energética é reduzida, mas a perspectiva é de aumento dessa participação nos próximos
anos. Para que esse objetivo se concretize, há uma enorme necessidade de novos
investimentos na rede de transporte de gás natural, que ainda é muito incipiente no País. A
existência de elevados riscos faz com que os investimentos sejam capitaneados pela Petrobras,
que detém a maior parte da infra-estrutura de gasodutos no Brasil.
Dentro deste contexto, a definição de uma sistemática de tarifação do transporte do gás
natural é de fundamental importância para o desenvolvimento da indústria de gás natural no
Brasil e para estimular novos investimentos no segmento de transporte. Entretanto, por se
tratar de um monopólio natural, a tarifação do transporte de gás natural apresenta algumas
características específicas que devem ser consideradas na análise.
O transporte de gás natural, assim como as demais indústrias de infra-estrutura, possui
como características específicas o alto custo de implantação dos ativos, o longo prazo de
maturação dos investimentos, a existência de externalidades, a obrigação de fornecimento e a
especificidade dos ativos. Além disso, alguns segmentos dessas indústrias, como é o caso de
transporte de gás natural, são considerados monopólios naturais, ou seja, a existência de uma
só firma é o arranjo que apresenta maior eficiência produtiva. Nesse caso, se o preço é
definido da mesma forma que por concorrência perfeita, este não compensa os investimentos
realizados e, assim, o capital privado não é atraído. Por esse motivo, as condições de
funcionamento de alguns setores industriais justificam a intervenção do Estado, direta ou
indiretamente. Um das formas mais comuns de intervenção é a regulação tarifária, ou seja, o
agente regulador define os preços como forma de estimular a eficiência do sistema e diminuir
a perda de bem-estar associada ao monopólio.
11
Dentre as formas de tarifação mais utilizadas, destacam-se a regulação por custo de
serviço e a regulação incentivada. O objetivo principal da regulação por custo de serviço é
remunerar os custos totais e garantir uma taxa interna de retorno ao mesmo tempo atrativa
para o investidor e justa para o consumidor. Alguns problemas derivados desse tipo de
regulação, entretanto, são a dificuldade na definição da taxa a ser utilizada para remunerar a
base de capital, o custo da regulação e os efeitos indesejados de sobreinvestimento, conhecido
como Efeito Averch-Johnson, que não estimulam a produtividade das empresas. A regulação
por incentivo, por sua vez, visa aumentar a produtividade das empresas. O price cap, por
exemplo, é um tipo de regulação no qual o regulador estabelece um preço máximo reajustado
pela inflação do período mais uma parcela relativa ao aumento de produtividade. Esse
mecanismo estimula o aumento de produtividade uma vez que a firma pode ficar com o lucro
se o aumento de produtividade for maior do que o previsto.
A definição tarifária é um aspecto muito importante da regulação do caso específico
do transporte de gás natural. O investimento inicial na construção de gasodutos é muito
elevado e o aproveitamento de economias de escala é essencial para a redução do custo médio
de transporte. Os ativos utilizados nos projetos são específicos, e, portanto, existem sunk
costs, ou seja, os gastos realizados são irreversíveis. O transporte de gás natural é
considerado, ainda, como uma indústria de rede e, portanto, além de ser um monopólio
natural, há articulação em torno da infra-estrutura e existem externalidades de rede, o que
significa que as funções de oferta e de demanda são interdependentes. Dadas as
especificidades do transporte dutoviário de gás natural, a regulação tarifária deste segmento
também apresenta algumas características específicas. Os três critérios da tarifação mais
utilizados no transporte de gás natural são a tarifação postal, a tarifação por distância e a
tarifação do tipo entrada/saída.
Na tarifação postal um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo,
independente da origem e destino do gás. Suas principais vantagens são a uniformidade
tarifária, a facilidade de uso e o nível de transparência para o regulador. Por outro lado, a
tarifação postal pode permitir que haja um subsídio cruzado entre os clientes situados perto e
longe dos pontos de produção. A utilização desse critério é mais indicada para casos de
monopólio ou em mercados mais maduros. Entretanto, para gasodutos unidirecionais e poucos
ramificados, esse tipo de tarifação pode causar efeitos perversos sobre os investimentos.
Alguns dos países que utilizam esse tipo de tarifação são a Espanha, Dinamarca, Suécia,
12
Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Romênia, Bulgária e Luxemburgo, além dos hubs1 norte-
americanos.
Já na tarifação por distância, a distância é considerada no cálculo da tarifa por ser uma
aproximação dos custos variáveis de transporte do gás. Geralmente esse tipo de tarifação é
utilizado tanto em mercados em desenvolvimento, que necessitam de boa sinalização
locacional, quanto em mercados em que há concorrência. Com esse tipo de tarifação é
possível eliminar as distorções causadas por subsídios cruzados e respeitar as vantagens
comparativas das regiões produtoras. A tarifação por distância também evita soluções
irracionais de investimento por falta de sinalização locacional. Entretanto, uma tarifação
baseada exclusivamente no fator distância pode onerar demais as regiões distantes dos centros
de produção, o que pode prejudicar o desenvolvimento da rede. Bélgica, França, Alemanha e
Argentina são países que utilizam o tipo de tarifação por distância.
Por sua vez, na tarifação entry-exit, as tarifas são definidas com base na combinação
de preços de entrada e de saída do gás no sistema de transporte. Esse tipo de tarifação é
bastante flexível, pois apresenta sinais locacionais no ponto de entrada e tarifas postais no
ponto de saída. Assim, utiliza-se indiretamente um elemento de distância. A tarifação
entrada/saída é recomendada quando se utiliza o conceito de que o custo dominante é o custo
marginal de longo prazo. Além disso, essa tarifação é uma boa forma de utilização da
capacidade ociosa dos gasodutos, principalmente se o tipo de capacidade utilizado for postal,
ou seja, se o carregador tem o direito de entrar com o gás em qualquer ponto de entrada e sair
em qualquer ponto de saída. O tipo de tarifação entry-exit é utilizado na Irlanda, Reino Unido,
Holanda e Itália.
A escolha entre os diversos tipos de tarifação vai depender das características do
sistema e dos objetivos do órgão regulador. A regulação tarifária deve ser coerente com a
estrutura da indústria e com a fase de desenvolvimento na qual ela se encontra. Existem trade-
offs que devem ser trabalhados antes de se optar pela forma de tarifação a ser utilizada no
segmento. É a partir do entendimento do sistema de gasodutos e da regulação que se torna
possível determinar o melhor tipo de tarifação para os diversos países.
No Brasil, a estrutura da indústria é de oferta concentrada e política tarifária
heterogênea. Os aspectos regulatórios vigentes na indústria de gás natural brasileira foram
1 Localidade geográfica na qual um grande número de compradores e vendedores negociam o gás e o entregam
13
determinados pela Lei do Petróleo em 1997, que estabeleceu o livre acesso às redes de
gasodutos, a licitação de blocos para exploração e produção de gás natural e a autorização
para as atividades de transporte, importação . O preço do gás natural vendido no Brasil é
composto de uma parcela de remuneração do produtor e outra de transporte de gás natural.
Até o final de 2001, existiam três formas distintas de tarifação de transporte de gás natural no
Brasil: a livre contratação para o gás natural de origem importada, o preço fixo do gás natural
destinado às termelétricas participantes do PPT e a tarifação do gás de origem nacional, com
um componente relacionado à distância. Essa terceira forma de tarifação, regulada pela
Portaria MME/MF 003 de 2000, foi revogada em dezembro de 2001 e, a partir de janeiro de
2002, os preços do gás de origem nacional também passaram a ser definidos por livre
negociação entre as partes, com a ANP sendo responsável pela resolução de possíveis
conflitos. O preço do gás para as térmicas, entretanto, ainda é regulado.
Por estar voltado para o petróleo e seus derivados, o marco institucional vigente
mostrou-se inadequado diante das particularidades do gás natural. As regras estabelecidas
para a Agência Nacional do Petróleo – ANP – em relação ao segmento de transporte de gás
natural mostraram-se ineficazes para a promoção da competição. No Brasil, ainda não existe
uma política clara de tarifação para o transporte de gás natural, apenas critérios de tarifação.
Tais critérios variam entre os diversos gasodutos: além dos tipos de tarifação diferentes para
os gasodutos nacionais, para o Gasoduto Bolívia-Brasil e para as termelétricas, ainda há
conflitos contratuais em relação ao livre acesso.
O objetivo central desta dissertação é analisar as formas de tarifação de transporte de
gás natural existentes na indústria mundial como premissa para verificar-se qual a melhor
política a ser adotada no caso brasileiro. Para isso é necessário investigar a coerência do atual
arcabouço regulatório do transporte de gás natural no Brasil, em particular a estrutura
tarifária. O objetivo específico deste trabalho é adequar à estrutura tarifária com vistas ao
desenvolvimento da indústria de gás no País. A partir da análise da regulação dos monopólios
naturais, das práticas regulatórias que vêm sendo adotadas por diversos países e da análise do
caso brasileiro, é possível apresentar soluções para a tarifação do transporte de gás natural no
Brasil.
A dissertação será estruturada em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão.
O primeiro Capítulo é o referencial teórico da análise e busca compreender as razões que
fisicamente nesse ponto.
14
levam à necessidade do Estado intervir na economia, em especial determinando formas de
precificação. Ao se falar de precificação, existe um pressuposto de que o mercado não é capaz
de, por si só, achar um preço de equilíbrio para esse tipo de serviço. Ou seja, a forma
convencional de determinação de preços não é suficiente para entender seu funcionamento.
Portanto, deve haver a intervenção do Estado regulando os preços, principalmente em setores
estratégicos e monopólios naturais, onde há falhas de mercado, como é o caso do transporte
de gás natural. As instituições tornam-se particularmente importantes como forma de
organizar as transações. Neste capítulo, busca-se, portanto, realizar uma análise da literatura
acerca de políticas de tarifação como instrumentos de intervenção de agências reguladoras.
No segundo Capítulo, apresenta-se uma análise da literatura acerca das características
da indústria de gás natural, em especial do segmento de transporte de gás natural. O Capítulo
aborda ainda as formas de tarifação do transporte de gás natural que podem ser utilizadas
como instrumentos de intervenção de agências reguladoras.
No terceiro Capítulo, faz-se um breve resumo do desenvolvimento da IGN no Brasil,
sendo apresentadas as principais mudanças ocorridas nessa indústria até a atualidade. Aborda-
se o crescimento da indústria no País, com ênfase nas alterações no padrão de concorrência,
com a flexibilização do monopólio estatal e a criação da ANP, a partir de 1997. Este Capítulo
apresenta ainda uma análise da evolução das políticas de tarifação de transporte de gás
natural, via gasodutos, no Brasil.
O quarto Capítulo apresenta as especificidades do transporte de gás natural com
referência às metodologias existentes para a tarifação do segmento. O Capítulo também
aborda diferentes formas de precificação do transporte de gás natural adotadas em alguns
países da União Européia, além de Argentina, Colômbia e Estados Unidos.
O quinto e último Capítulo propõe critérios a serem utilizados para a definição de uma
política de tarifação de transporte de gás para o Brasil. Posteriormente, analisa-se
comparativamente as formas de tarifação, definindo as vantagens e desvantagens de cada uma
delas em relação aos critérios estabelecidos. A partir dessa análise são propostas alternativas
de formas de tarifação para o transporte de gás natural no Brasil.
15
CAPÍTULO I - REGULAÇÃO E TARIFAÇÃO NAS INDÚSTRIAS DE
INFRA-ESTRUTURA
Este capítulo busca compreender algumas das razões que levam à necessidade do
Estado intervir na economia, determinando formas de precificação. Ao se falar de
precificação, existe um pressuposto de que o mercado não é capaz de, por si só, achar um
ponto de alocação eficiente para esses serviços. Ou seja, as teorias convencionais não são
suficientes para entender seu funcionamento. Portanto, deve haver a intervenção do Estado
regulando os preços, principalmente em setores estratégicos e monopólios naturais, onde há
falhas de mercado, como é o caso do transporte de gás natural.
O transporte de gás natural é uma indústria de infra-estrutura, assim como a
eletricidade, o transporte, a água e as telecomunicações. Estas indústrias são consideradas
também indústrias de rede, pois os produtores e consumidores estão ligados por uma infra-
estrutura física ou virtual. Nesse tipo de indústria, os produtos comercializados são essenciais
para a sociedade, os investimentos possuem longo prazo de maturação e existem
externalidades de rede, rendimentos crescentes de escala e escopo e complementaridades
entre os elos da cadeia. Todas essas características fizeram com que tais atividades
econômicas sofressem intervenção estatal, tanto para garantir a infra-estrutura básica
necessária para o desenvolvimento econômico, como para defender o interesse público.
Um instrumental importante para a análise da determinação convencional de preços
encontra-se nos trabalhos de Mas-Collel et al. (1995), Varian (1994) e Pindyck e Rubinfeld
(1999). No âmbito das características das indústrias de infra-estrutura, são apresentadas as
contribuições de Newbery (2000) e Trebing (1996). Apresentam-se, particularmente, as
contribuições de estudos realizados por Fiani (2003) e pela ANP (2001). As características da
regulação são baseadas nos trabalhos de Baldwin, Scott e Hood (1998). No caso das possíveis
formas de tarifação, apresentam-se principalmente os trabalhos de Viscusi, Vernon e
Harrington Jr. (1995), Laffont e Tirole (1993), Berg e Tschirhart (1988), Armstrong e
Sappington (2003), Mansell e Church (1995), Cave e Doyle (1994) e Pinto Jr. e Silveira
(1999).
16
1.1 - O Modelo Convencional de Determinação de Preços
Para entender a necessidade de regulação é importante analisar os motivos que
impedem, em determinados casos, a alocação eficiente dos recursos apenas com as forças
atuantes no mercado. Nessa seção será feita uma rápida revisão da determinação de preços
em concorrência perfeita e em monopólio, pois estes conceitos serão utilizados no decorrer
deste capítulo.
1.1.1 - Concorrência Perfeita
Um mercado em concorrência perfeita é caracterizado por um número elevado de
compradores e vendedores negociando produtos homogêneos, de tal forma que os
compradores não se importam de quem comprarão o produto, contanto que os preços sejam os
mesmos. Nesse mercado, os vendedores são tomadores de preço, ou seja, as decisões
individuais de cada vendedor não afetam as decisões dos demais. Além disso, todos os
participantes do mercado possuem perfeito conhecimento sobre os preços, produtos e outras
informações do mercado (HOVENKAMP, 1999).
No mercado competitivo, sendo p* o preço do bem, dado pelo mercado, q a
quantidade produzida e c (q) a função de custos, a condição de maximização de lucros é dada
por (MAS-COLLEL et al., 1995, p.317):
Max p*.q – c (q)
q � 0
A solução desse problema implica pc = c’(qc), ou seja, em concorrência perfeita, os
lucros são maximizados com o preço igual ao custo marginal. Em concorrência, as empresas
terão sua rentabilidade máxima se praticarem os melhores preços possíveis, que são iguais aos
custos marginais e iguais aos custos médios. Nesse caso, o ótimo social e o ótimo econômico
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coincidem, ou seja, a minimização dos custos e a maximização do bem-estar estão exatamente
no mesmo ponto. Mas, para que o ótimo seja atingido, o custo marginal deve refletir todos os
custos sociais envolvidos na produção. Um dos princípios da regulação é justamente tentar
aproximar as tarifas dos custos marginais.
A eficiência ocorre, nesse caso, pois o custo social de produzir mais uma unidade de
produto é igual ao valor que a sociedade está disposta a pagar por essa mesma unidade
adicional. Esse tipo de eficiência alocativa é uma eficiência paretiana, ou seja, para que um
agente aumente seu nível de bem-estar, o outro agente terá seu nível de bem-estar diminuído
(ERSE, 2004).
1.1.2 - Monopólios
O problema de maximização para um monopolista consiste na determinação de um
preço p que maximize seus lucros. Sendo a demanda inversa do bem dada por p (q) e a função
custo dada por c (q), esse problema consiste em maximizar a receita total menos o custo total,
da seguinte maneira (MAS-COLLEL et al., 1995, p.385):
Max p (q).q – c (q)
q � 0
A solução deste problema mostra que o nível de receita marginal do monopolista
deverá ser igual aos seus custos marginais. Sendo qm a quantidade a ser produzida pelo
monopolista, tem-se:
p’(qm) qm + p (qm) = c’(qm)
Como p’(qm) < 0, para todo q � 0, então p (qm) > c’(qm), ou seja, nas condições de
monopólio, a maximização do lucro não ocorre no ponto em que os preços são iguais aos
custos marginais, mas em um nível superior. Da mesma forma, a quantidade ótima a ser
produzida pelo monopolista qm será menor do que a quantidade ótima competitiva qc.
18
Com preços maiores e quantidade produzida menor, a existência de monopólios causa
uma perda de bem-estar para a sociedade, uma vez que o ganho do monopolista, nesse caso, é
menor do que a perda dos consumidores. Isso ocorre porque, ao cobrar mais caro, alguns
consumidores deixam de comprar o bem e essa perda não será compensada, diferentemente da
perda dos consumidores que pagarão mais caro, que será transformada em ganho para o
produtor. Essa perda de bem-estar é também chamada de peso morto (deadweight loss) do
monopólio e pode ser observada a seguir:
Gráfico 1 - Perda de Bem-Estar gerada pelo monopólio
Fonte: Adaptado de Mas-Collel et al, 1995, p. 386
A quantidade produzida pelo monopolista (qm) é determinada pela intersecção das
curvas de custo marginal (c’(q)) e de receita marginal (p(q) + p’(q)q). A partir da
determinação da quantidade, o preço de monopólio (pm) é calculado pela curva de demanda
inversa (p(q)).
A área A representa o ganho do excedente do produtor, ou seja, a diferença entre o que
o produtor estava disposto a receber e o que efetivamente recebeu. A área C, por outro lado,
representa uma perda de excedente do produtor pela diminuição do número de compradores.
Assim, a variação total no excedente do produtor é dada pela diferença entre as áreas A e C. A
Peso Morto do Monopólio
pm = p(qm)
qm qc
p(q)
q
p(q) + p’(q)q
c’(q)
p c
A B
C
19
soma das áreas A e B representam, por sua vez, a perda do excedente do consumidor, que é a
diferença entre o valor máximo que o consumidor está disposto a pagar para adquirir o bem e
o que efetivamente pagou por esse bem. A variação do bem-estar é medida como a soma das
variações do excedente do consumidor (– A – B) e do excedente do produtor (A – C).
Portanto, a variação do bem-estar é de – (B + C), representado pela área hachurada no gráfico
(VARIAN, 1994).
No caso do monopólio, em geral, os preços iguais aos custos marginais não são
suficientes para a firma obter a receita necessária para seu equilíbrio econômico-financeiro.
Nesse caso, o papel do regulador não será a definição de tarifas baseadas nos custos
marginais, mas orientadas pela estrutura desses custos marginais, de forma que seja possível
transmitir os sinais preços adequados (ERSE, 2004).
Embora a competição perfeita e o monopólio puro não sejam comuns na prática, esses
modelos são úteis para se discutir a questão da eficiência alocativa, do bem-estar e do poder
de mercado das empresas (PINDYCK e RUBINFELD, 1999). A seguir, serão apresentadas
algumas características das indústrias de infra-estrutura que as tornam diferentes dos demais
setores da economia, sendo necessário, portanto, algum tipo de intervenção estatal.
1.2 - Características das Indústrias de Infra-estrutura e a Necessidade de
Regulação
As formas de organização das transações econômicas costumam ser bem mais
complexas do que pressupõe o enfoque econômico convencional, em especial quando se trata
de grandes investimentos. Tradicionalmente, a coordenação dos agentes é dada no mercado,
por meio do sistema de preços. Porém, em muitos casos, o mercado não consegue atingir, por
si só, uma alocação eficiente dos recursos. Isso acontece porque em alguns setores da
economia existem características diferentes dos demais setores, as chamadas falhas de
mercado. As falhas de mercado são situações que impedem que ocorra o ótimo paretiano. Ou
seja, são violações no sistema de livre concorrência.
20
Uma das particularidades das indústrias de infra-estrutura é o fato de seus ativos
serem indivisíveis, ou seja, eles só são eficientes se forem construídos como um todo. O custo
de implantação dos ativos de infra-estrutura costuma ser muito elevado e o prazo de
maturação desses investimentos muito longo. Em contrapartida, uma vez realizados os
investimentos, os custos marginais de fornecimento do serviço são muito baixos. A existência
de economias de escala é, portanto, característica da maioria dos setores de infra-estrutura
(ANP, 2001).
Uma empresa possui economias de escala se o custo médio é reduzido quando a
produção é elevada, ou seja, se as quantidades de todos os fatores aumentam na mesma
proporção, haverá declínio nos custos unitários. Geralmente as empresas apresentam curvas
de custos médios com duas características: um segmento decrescente, que representa a
economia de escala, e a existência de uma Escala Mínima Eficiente, onde as economias de
escala se esgotam (IOOTTY e SZAPIRO, 2002). Entretanto, os setores de infra-estrutura de
uma maneira geral possuem uma característica distinta dos demais setores: nessas indústrias,
as economias de escala nunca se tornam decrescentes. Por esse motivo, a presença de uma
única empresa é justificada. Além disso, a elevada Escala Mínima Eficiente da indústria
também faz com que apenas uma empresa opere com eficiência. Portanto, tais setores são
denominados monopólios naturais, ou seja, existe uma subativividade dos custos de produção
de tal forma que nenhuma combinação de firmas pode, coletivamente, ter custos menores que
um monopolista (BERG e TSCHIRHART, 1988). A subaditividade pode ser ilustrada usando
funções de custo. Supondo C(y) a função de custo de uma única firma na indústria e C(yi) a
função custo da i-ésima firma em uma configuração multi-firma da indústria, haverá
subaditividade de custos se (GORDON, GUNSCH e PAWLUK, 2003, p. 475):
C(y) < � C(yi)
Se os custos médios da empresa forem decrescentes em toda a amplitude de produção
possível, chamada de escala relevante de produção, então o monopólio natural em questão é
considerado permanente. Entretanto, o monopólio natural pode ser temporário, ou seja, à
medida que a demanda se expande, deixa de ser um monopólio natural.
Laffont e Tirole (1993) apontam que, no caso dos monopólios naturais, o preço
definido com base na eficiência alocativa, isto é, preço igual ao custo marginal, traz prejuízos
21
à firma porque remunera apenas os custos marginais, em detrimento da eficiência produtiva.
Com o preço estabelecido como na situação de concorrência perfeita, os preços não
compensam os investimentos realizados e, assim, o capital privado não é atraído. O gráfico a
seguir ilustra esta condição:
Gráfico 2 - Situação de Monopólio Natural
Fonte: Adaptado de Varian (1994)
Embora a quantidade qc seja eficiente, ela não será lucrativa para a firma, pois a
interseção da curva de demanda p(q) com a curva de custo marginal c’(q) encontra-se abaixo
da curva de custo médio CMe. Por esse motivo, o regulador não deverá fixar o preço no
patamar dos custos marginais (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999). Por outro lado, se a empresa
cobrasse o preço que maximiza seus lucros, haveria lucro extraordinário. A definição tarifária
é particularmente importante na resolução dessa questão.
Em relação às firmas multiprodutos, apenas a existência de economias de escalas não é
suficiente para a subaditividade de custos. Evans e Heckman (apud GORDON, GUNSCH E
PAWLUK, 2003, p. 477) mostram que, para o caso de dois produtos, y1 e y2, com n firmas e
com a seguinte configuração:
22
C (y1 , y2) < � C(ai y1 , bi y2), ai � 0 , bi � 0, i = 1, ... ,n i Então existirá subaditividade de custos e, portanto, haverá monopólio natural.
Entretanto, se �ai = �bi = 1, a combinação de produtos das firmas individuais será igual ao
produto do monopolista e, se a inequação for revertida, existirá superaditividade de custos
(GORDON, GUNSCH e PAWLUK, 2003). No caso das firmas multiproduto, portanto, a
presença de economia de escala não é suficiente para gerar a subaditividade de custos, e a
economia de escopo passa a ser importante (PINTO JR. e FIANI, 2002). A economia de
escopo ocorre quando o custo de produção conjunta de a e b é menor do que o custo de
produzir a e b separadamente, ou seja, C (qa,qb) < C(qa,0) + C(0,qb) (IOOTTY e SZAPIRO,
2002, p.61).
As indústrias de rede são um tipo especial de monopólio natural. Nesse tipo de
indústria, existe um padrão de interconexão e compatibilidade entre unidades produtivas e tal
interconexão é requisito básico para a operação eficaz dessas unidades produtivas (BRITTO,
2002). As indústrias de infra-estrutura, de uma maneira geral, são consideradas indústrias de
rede. As características principais das indústrias de rede são a economia de escala, a
articulação em torno da infra-estrutura e a existência de externalidades de rede (PINTO JR. e
FIANI, 2002). Além da economia de escala, Farrer (apud NEWBERY, 2000, p. 28) apresenta
outras características dos monopólios naturais para o caso dos serviços de rede: intensividade
de capital; impossibilidade de formação de estoque; especificidade locacional; produção de
serviços essenciais para a comunidade; e conexão direta com os clientes.
A presença de externalidades significa que as ações de um agente interferem
economicamente nas ações dos demais. Para o caso de externalidades positivas, significa que
os benefícios sociais associados a esses serviços são maiores do que os benefícios privados.
Assim, as empresas não se apropriam de todos os benefícios que geram e, portanto, não se
interessam em produzir, exceto para aproveitar-se da situação de monopolista, cobrando
preços elevados (ANP, 2001).
23
A externalidade de rede significa que existe interdependência entre as funções de
oferta dos produtores e de função demanda dos consumidores2. A associação entre as funções
demanda significa que a demanda de um consumidor produz externalidades positivas para os
demais consumidores por haver complementaridade entre os produtos e necessidade de
padrões tecnológicos compatíveis. Isso significa que, quanto maior o número de
consumidores conectados à rede, haverá maior estandardização e maior oferta de produtos
complementares.
Por outro lado, a associação entre as funções de oferta está relacionada ao fato de que
a decisão de oferta de um produtor pode afetar a capacidade de oferta dos demais, dado que os
produtores estão interligados em uma mesma infra-estrutura. Quando um produtor opta por
aumentar a produção, a rede pode ficar congestionada, diminuindo a capacidade de oferta dos
demais. Por esse motivo, a coordenação da operação da rede é importante para contornar os
possíveis problemas relacionados à interdependência das funções oferta.
A questão da externalidade de rede está associada ao fato que o benefício de um
usuário depende do número de usuários conectados à rede. As externalidades levam a falhas
de mercado porque o nível de interconexão pode não ser o adequado, tornando o sistema
ineficiente. A elevada economia de escala associada ao fato da conexão direta com o
consumidor e a falta de concorrência faz com que o poder de fixação de preço do fornecedor
seja muito elevado (NEWBERY, 2000).
A questão das elevadas barreiras à entrada é também importante para esses setores. A
primeira empresa a se instalar na indústria, além de ser monopolista, não será contestada por
outras empresas por causa da subaditividade de custos, da elevada Escala Mínima Eficiente e
da presença de sunk costs (TREBING, 1996). Em relação à externalidade de rede, essa
situação é ainda mais favorável, pois o consumidor não desejará substituir uma rede com
muitos usuários conectados por outra menor (ANP, 2001).
Outra característica dos setores de infra-estrutura é a presença de economias de
aprendizado, que são também consideradas especificidades de recursos humanos. Essa
característica está relacionada à questão de transferência tecnológica e da experiência de
produção acumulada com o tempo. O aprendizado está relacionado também ao conceito de
lock in, ou trancamento tecnológico, que significa que a especificidade dos investimentos, os
2 A interdependência entre os produtores e consumidores está associada à própria infra-estrutura em rede, como
24
custos de mudança e a experiência adquirida chegam a um determinado nível que as opções
tornam-se quase irreversíveis. A empresa que implantar a infra-estrutura, nesse caso, terá
maior experiência nas atividades especializadas e menores custos de operação do que as
demais (ANP, 2001).
Considerando o exposto sobre as indústrias de infra-estrutura, as condições de
funcionamento de alguns setores industriais justificam a intervenção do Estado, direta ou
indiretamente. Tais setores, por serem monopólios naturais, possuírem projetos com longo
prazo de maturação, terem obrigação de fornecimento, especificidade dos ativos e custos
irrecuperáveis, além de apresentarem externalidades positivas, costumam apresentar uma
elevada concentração e dominância de mercado, o que incentiva estratégias anticompetitivas
(TREBING, 1996). Tais características fazem com que esses setores necessitem da
intervenção governamental para estimular a competição, aproximar a taxa de retorno privada
da social, estimular o volume de investimento e para garantir a oferta desses serviços em
quantidade e qualidade satisfatória.
Nos Estados Unidos, a forma escolhida de intervenção estatal nesses setores foi
indireta, por meio de concessões das atividades para empresas privadas e um aparato
regulador responsável por evitar condutas desses agentes que pudessem prejudicar os
consumidores. Já no caso europeu, a opção foi a intervenção direta do Estado, por meio de
empresas estatais, assim como ocorreu no Brasil até a década de 90, quando se iniciou um
movimento de reestruturação dessas indústrias, com tentativas de introdução da concorrência
a criação de agências reguladoras nos moldes americanos.
A seguir serão apresentadas, brevemente, algumas características da regulação e de
seus principais instrumentos regulatórios. No âmbito desse instrumental, será dada maior
ênfase à definição tarifária, que é o objeto de estudo desta dissertação.
cabos e gasodutos. Todos os consumidores e produtores estão conectados à mesma rede.
25
1.3 - Regulação
Existem muitos significados para o termo regulação. Baldwin, Scott e Hood (1998)
apresentam três dessas definições. A primeira delas diz respeito à promulgação de regras
autoritárias acompanhadas de uma agência reguladora para monitorar e promover o
cumprimento dessas regras. O segundo significado, encontrado na literatura de economia
política, diz respeito aos esforços das agências do Estado em dirigir a economia, incluindo
impostos e empresas estatais. Uma terceira definição inclui todos os mecanismos de controle
social como formas de regulação, inclusive mecanismos que não são produtos da atividade do
Estado, nem de nenhuma instituição, como é o caso do desenvolvimento de normas sociais.
Fiani (1999, p.2) apresenta os agentes envolvidos em um esquema de regulação de
monopólios: (i) a firma regulada, no caso, um monopólio natural ou a firma com maior poder
de mercado; (ii) a estrutura institucional, composta pela instituição responsável pela atividade
regulatória e todas as instituições capazes de interferir nas atividades da firma regulada; (iii)
os fornecedores da firma regulada; (iv) os usuários, tanto consumidores como empresas; (v)
os competidores, existentes e potenciais, da firma regulada; e (vi) o mercado externo, que
engloba as exportações. A relação entre esses agentes pode ocorrer sempre ou apenas
ocasionalmente3.
Existem basicamente três abordagens de regulação: as comissões regulatórias, a
legislação detalhada e a lei contratual. As comissões regulatórias são mais comumente
utilizadas nos EUA. Tais comissões possuem um grande poder discricionário e afetam a
lucratividade das firmas, sendo necessário, portanto, um Judiciário forte para contrabalançar
esse poder. Na tradição regulatória norte-americana, existem instituições independentes
3 No que tange relação entre a firma regulada e a estrutura institucional, Fiani (1999) apresenta três questões importantes: o ambiente político onde se processa a regulação; a possibilidade de captura da entidade reguladora pela firma regulada ou pelo governo; e o tipo de empresa, estatal ou privada, que é mais adequada para ser regulada. Alguns dos principais problemas regulatórios surgem exatamente dessa relação, como será visto posteriormente, na seção 1.3.2. Já na relação da estrutura institucional com os fornecedores e usuários, a questão central está relacionada ao poder de pressão desses agentes, pois quanto maior esse poder, maior a influência sobre a estrutura para aumento de seu bem-estar. Nesse aspecto, as questões do tamanho do grupo, dos recursos utilizado e do free rider são importantes: quanto menor o grupo, maiores os recursos e menor a possibilidade de existência de free rider, maior poder de pressão o grupo terá. Portanto, os usuários, por serem heterogêneos e em grande número, possuem menor poder do que os fornecedores, que agem cooperativamente com a firma regulada. Além de
26
especializadas que exercem simultaneamente funções legislativas, administrativas e quasi-
judiciais, que reforçam o poder decisório dos órgãos reguladores norte-americanos.
Uma segunda abordagem é a legislação detalhada, que busca prever os problemas que
possam eventualmente surgir e como o regulador deverá agir. Nesse caso, o poder
discricionário do regulador é menor, representando, por um lado, menor risco regulatório e,
por outro, maior flexibilidade para enfrentar situações não previstas. Já a lei contratual diz
respeito às concessões e as regras que são estipuladas em contrato e não por meio de
legislação. O papel do regulador, nesse caso, é supervisionar esses contratos (MUELLER,
1998).
1.3.1 - Objetivos da Regulação
Mueller (1998, p. 12) apresenta dez objetivos do processo regulatório: (i) garantir
preços baixos para os consumidores; (ii) assegurar receita que permita obter um lucro
razoável para a firma; (iii) incentivar o desenvolvimento da infra-estrutura; (iv) garantir a
universalidade dos serviços; (v) atingir a eficiência econômica; (vi) manter o ritmo de
inovação tecnológica; (vii) garantir a confiabilidade do serviço; (viii) introduzir um processo
regulatório estável; (ix) buscar a aceitação pública das decisões regulatórias; e (x) estimular à
competição.
Possas, Pondé e Fagundes (1997, p. 86), entretanto, alertam que “o objetivo central da
regulação econômica não é promover a concorrência como um fim em si mesmo, mas
aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados correspondentes”. Para o caso de
monopólios naturais, o objetivo principal da regulação é tentar corrigir as falhas de mercado e
buscar a eficiência econômica, impedindo, por exemplo, a prática de preços de monopólio,
que geram perda de bem-estar para a sociedade. O Estado deve defender o interesse público,
intervindo onde as forças competitivas são frágeis (BAUMOL e SIDACK, 1995).
A regulação pode, além de arbitrar problemas alocativos, atuar em questões
distributivas, ou seja, de acordo com a forma de regulação a ser utilizada, o regulador pode
transferir renda entre os agentes envolvidos, diminuindo o excedente do produtor. A
eficiência distributiva está relacionada à capacidade de redução das rendas de monopólio
conhecer a pressão de cada um desses grupos, é importante entender a interação e o conflito entre eles, uma
27
pelos agentes individuais por meio da introdução da concorrência e de leis que diminuam seu
poder de mercado. Nesse sentido, a regulação não é somente capaz de resolver questões
relacionadas à eficiência alocativa e à eficiência produtiva, mas também atuar visando à
eficiência distributiva.
1.3.2 - Problemas Regulatórios
A visão normativa tradicional da Economia do Bem-Estar afirma que quando há um
número suficiente de mercados, com os consumidores e produtores comportando-se
competitivamente, então, se houver um equilíbrio, a alocação de recursos será ótima no
sentido paretiano. Essa teoria estabelece que quando existem falhas de mercado, ou seja,
quando as características da indústria impedem que o mercado atinja espontaneamente o
ótimo, então deve haver regulação como forma do Estado estabelecer o ótimo de Pareto por
meio do controle de preços. Essa análise não envolve questões relativas à capacidade do
Estado regular, apenas afirma que deve haver regulação na presença de falhas de mercado. As
visões positivas da economia industrial e institucionalista diferem dessa visão pois analisam a
capacidade do Estado de atuar regulando as firmas.
Alguns dos principais problemas associados à regulação estão relacionados à
assimetria de informação entre a firma regulada e o regulador. Enquanto a firma regulada tem
informações completas sobre suas atividades, a agência reguladora não as detém, embora
necessite delas para conseguir que a firma regulada aja de maneira eficiente. A busca de
informações, entretanto, é freqüentemente onerosa e pode levar à chamada captura do
regulador (PINTO JR. e PIRES, 2000).
De acordo com a Teoria da Captura, a regulação tende a defender mais os interesses
das firmas do que o dos consumidores pois as firmas possuem maior capacidade de
organização de seus grupos de interesse4. Uma visão mais simplificada dessa teoria acredita
que o Estado é sempre passível de captura e que, portanto, deveria se ausentar da regulação.
Entretanto, no caso das indústrias de rede, como há grande renda de monopólio, existe a
tendência de mobilização dos consumidores em grandes grupos de interesse e, portanto, há
vez que os usuários finais se preocupam com preço e qualidade e os fornecedores com rentabilidade. 4 Grupos de interesse são aqueles estabelecidos com o objetivo de prover bens coletivos e públicos a seus membros. A regulação seria uma resposta à pressão desses grupos para maximização de renda. Dessa forma, a
28
pressões para a regulação de preços (STIGLER, 1971). De uma maneira geral, a possibilidade
de captura do órgão regulador pode ser vista como uma perda de credibilidade da agência
reguladora em seu papel de árbitro de conflitos, diminuindo a eficácia da regulação (PINTO
JR. e PIRES, 2000).
No âmbito dessa visão positiva da economia industrial, os grupos de interesse se
formam com o objetivo de apropriação de rendas. Nesse sentido, a regulação possui um custo
associado elevado, resultante do emprego dos recursos dos grupos de interesse na defesa de
suas posições. Estes recursos são desviados do sistema produtivo e, por isso, comumente
chamados de peso morto da regulação. Assim, se a diminuição do peso morto do monopólio
for menor do que o da regulação, esta pode piorar o bem-estar social.
Já na visão da economia institucionalista, os problemas das externalidades e dos
monopólios naturais podem não ser resolvidos com a regulação se os custos de transação5
envolvidos nela forem elevados. Nessa visão, a decisão acerca da melhor forma de
coordenação, mercado ou regulação, envolve a comparação desses custos.
A assimetria de informação leva a comportamentos oportunistas, principalmente a
seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa é resultado do custo de acesso à
informação e derivada do diferencial de riscos entre os agentes. Como existe assimetria de
informação, a seleção do produto pode ser ineficiente. A seleção adversa decorre de
assimetrias de informação pré-contratuais e, portanto, os mecanismos básicos para minimizá-
la estão relacionados à tentativa de melhorar a qualidade e o fluxo de informações (PINTO
JR. e PIRES, 2000).
Já o risco moral, ou moral hazard, ocorre quando a ação propriamente dita do agente
não é conhecida. Esse tipo de oportunismo ocorre após a elaboração do contrato e, como
forma de minimizar esses riscos, são propostos, entre outros, o monitoramento dos contratos
por um agente independente ou a criação de incentivos para comportamentos positivos
(PINTO JR. e PIRES, 2000).
regulação tende a beneficiar grupos de interesse com maior capacidade de organização, como é o caso das firmas. 5 Os Custos de Transação incluem os custos ex-ante de coleta de informação sobre preços, condições de venda e sobre as características do produto (Coase, 1937), e os custos ex-post de monitorar as transações e de adaptar as transações às novas condições (Williamson, 1975 e 1985). A existência dos custos de transação faz com que as empresas substituam o mecanismo de mercado pela alocação de fatores em seu interior.
29
A existência de restrições na formulação de contratos é, portanto, fonte de alguns
problemas regulatórios. Não existem contratos capazes de prever todas as possíveis
contingências. A incompletude contratual leva à necessidade de monitoramento e controle,
envolvendo custos significativos.
A relação agente-principal também está relacionada à questão da assimetria de
informações. Enquanto o agente dispõe de muitas informações sobre sua ação, o principal não
pode observar diretamente todas essas ações, ou por impossibilidade ou pelo alto custo do
monitoramento, e só consegue perceber os resultados dessas ações. Tanto o principal quanto o
agente buscam maximizar suas utilidades, entretanto, como o principal não pode monitorar o
agente, as decisões tomadas pelo agente interferem no bem-estar de ambos. O agente
regulador, que é o principal, estabelece incentivos para que a firma regulada tome decisões
que satisfaçam os objetivos do principal. Este problema não é fácil, dado que os objetivos de
agentes e principais são normalmente divergentes.
1.3.3 - Instrumentos Regulatórios
Embora a definição de tarifas seja o instrumento regulatório mais discutido, existem
outras formas de intervenção das agências reguladoras no funcionamento das indústrias de
infra-estrutura. Tais instrumentos, conforme apresentados por Pinto Jr. e Silveira (1999a, p. 6)
são o controle de preços, que é uma forma de evitar que as empresas fixem preços abusivos; a
interferência nas condições de entrada e saída nos mercados, por meio de barreiras
institucionais; e o controle da qualidade do serviço prestado. O órgão regulador pode, ainda,
controlar a quantidade ofertada, independentemente da regulação de tarifas.
A definição tarifária é o principal instrumento regulatório. Por meio da determinação
de preços, o agente regulador pode distribuir o excedente gerado pelo monopólio natural. Ao
mesmo tempo em que a definição tarifária busca preservar o interesse dos consumidores
impedindo a cobrança de tarifas abusivas, o regulador deve ter em mente a preservação da
rentabilidade dos investidores. Na próxima seção serão apresentadas as principais formas de
definição tarifária.
A regulação também pode ser estabelecida mediante a concessão de exclusividade de
mercado a monopólios privados ou estatais. O regulador pode optar por criar barreiras
30
institucionais à entrada, de forma a evitar a entrada de novas firmas e garantir a rentabilidade
dos investimentos realizados. O controle de entrada e saída está, portanto, relacionado à
manutenção da eficiência da indústria, dadas sua característica de monopólio natural.
Quando, por outro lado, existe a intenção de incentivar a entrada de novas firmas no
mercado, outra forma de regulação é necessária: a regulação do acesso. Esse tipo de
regulação busca garantir a igualdade de acesso dos entrantes à infra-estrutura existente. Para
isso, é necessário regulamentar o preço de conexão à rede e separar as atividades do
monopólio.
A regulação por qualidade está relacionada à questão da confiabilidade do serviço
prestado e também ao fato de que as informações são assimétricas, pois o consumidor não
possui informações acerca dos atributos críticos do bem ou serviço que está sendo adquirido.
A partir do momento que se regula preços é possível que os agentes desejem, em
contrapartida, diminuir a qualidade dos serviços prestados. Por esse motivo, o órgão regulador
deve estipular padrões mínimos de qualidade e fiscalizar estes padrões. Esse tipo de
regulação, entretanto, é bastante complexa, dadas as dificuldades de fiscalização.
1.4 - Tarifação como Instrumento Regulatório
Um dos mecanismos possíveis para a regulação atingir seus objetivos é a definição
tarifária, que deve garantir, ao mesmo tempo, a rentabilidade do investidor e o bem-estar do
consumidor. As tarifas devem assegurar, simultaneamente, preços baixos e elevados níveis de
produção e, ainda, resolver as tensões entre a eficiência alocativa, que é a geração de maior
renda agregada possível derivada do maior número de transações possíveis; a eficiência
distributiva, que é a redução da apropriação do excedente pelo investidor; e a eficiência
produtiva, que é a utilização da capacidade com máximo rendimento e menor custo. Além
disso, a tarifação deve introduzir mecanismos de indução à eficiência dinâmica, processo pelo
qual há diminuição de custos e melhora na qualidade por meio de inovações.
31
De uma forma geral, a definição de tarifas deve seguir alguns princípios para que sua
implantação não seja dificultada. Além da questão da manutenção da rentabilidade do
investidor e da eficiência, outros fatores, como a não discriminação dos usuários, a
simplicidade, transparência e estabilidade das regras são também muito importantes.
A regulação das indústrias de rede se estabeleceu, historicamente, por meio da
concessão da exclusividade do mercado para monopólios públicos ou estatais ou por meio do
controle de preços, no qual se estabeleciam preços pelo critério de custo de serviço.
Entretanto, a partir do choque do petróleo, com o aumento dos preços da energia juntamente
com inflação e estagnação da economia, essa forma de tarifação passou a apresentar alguns
problemas, causando pressões para sua substituição. As críticas à regulação por taxa de
retorno deram origem ao desenvolvimento de novas formas de regulação, em especial a
regulação por incentivo. A regulação por custo de serviço e a regulação por incentivo serão
apresentadas a seguir.
1.4.1 - Regulação por Custo de Serviço
Para o caso de monopólios naturais, geralmente se utiliza a tarifação por custo serviço,
que tem como objetivo principal remunerar os custos totais e, ainda, garantir uma taxa interna
de retorno que seja atrativa para o investidor e justa por parte do regulador. Por essa razão, a
regulação por custo de serviço é também denominada regulação por taxa de retorno. O
processo de tarifação por custo de serviço pode ser expresso da seguinte forma (VISCUSI,
VERNON e HARRINGTON JR., 1995):
n
� pi qi = custos + s (TB)
i =1
onde: pi = preços do i-ésimo serviço
qi= quantidade do i-ésimo serviço
n = número de serviços
s = taxa de retorno permitida ou justa
TB = taxa base, uma medida do valor do investimento da firma regulada
32
O objetivo, portanto, é aproximar a receita da empresa de seus custos, de maneira que
o lucro econômico seja igual a zero. Nessa equação, não são requeridos preços
economicamente eficientes, mas preços que cubram os custos totais. Viscusi, Vernon e
Harrington Jr. (1995) apontam que, na discussão acerca da regulação de monopólios naturais,
existem dois problemas: o problema do nível da taxa de retorno, relacionado com a busca de
um ‘s’ tal que proporcione à empresa um nível apropriado de ganhos sobre o investimento; e
o problema da estrutura dessa taxa, relacionado com a discriminação de preços entre as
classes de consumidores e produtos, ou seja, a determinação de ‘pi’.
O nível da taxa de retorno é definido pelo regulador depois de uma negociação com o
prestador do serviço. Ao se determinar a taxa de retorno, indiretamente se determina as tarifas
e preços e como serão feitos os reajustes. Tais revisões são feitas periodicamente e sempre
que o regulador aceitar o pedido da empresa regulada que teve seus custos aumentados. Pinto
Jr. e Fiani (2002) atentam para o fato de que, embora o nível de taxa de retorno mais
adequado seja igual ao custo de levantar o capital da empresa, a determinação desse custo de
capital é bastante complexa, principalmente dos custos de capital de suas ações ordinárias.
Existe, ainda, uma grande dificuldade em se determinar a base de capital. De uma
maneira geral, essa base é representada pelos “custos históricos”, que são os investimentos
efetivamente realizados no passado. Porém, a depreciação dos ativos diminui o valor da base
e, conseqüentemente, da tarifa. Da mesma forma, investimentos em novas instalações
aumentarão a base sobre a qual é calculada a tarifa.
Uma outra questão importante da tarifação por custo de serviço é a taxa de
remuneração da base de capital. Um conceito utilizado comumente é o Custo Médio
Ponderado de Capital (CMPC - WACC), que utiliza uma proporção entre o capital próprio e o
de terceiros. A determinação do capital próprio necessária para o modelo pode ser realizada
pelos métodos de Capital Asset Pricing Model (CAPM), Discounted Cash Flow (DCF),
rendimentos comparáveis ou prêmio de risco6.
A determinação de custo variável, que está incluída na variável ‘custos’ é também
complexa, por depender do conhecimento do processo produtivo e da contabilidade da
empresa. A dificuldade da determinação da receita está relacionada ao fato que a
determinação dos preços causa impactos na demanda e, portanto, na própria receita. Para
6 Em Motta e Caloba (2002) os modelos CMPC e CAPM são apresentados em detalhes
33
calcular a receita, portanto, é necessário conhecer o comportamento da demanda (PINTO JR.
e FIANI, 2002).
Alguns dos problemas associados à regulação por taxa de retorno estão relacionados à
assimetria de informações, que dificulta a avaliação dos custos da firma; a definição sobre
qual taxa de retorno será utilizada; e a forma de definição dos custos, pela controvérsia
existente entre os custos históricos ou os custos de produção (POSSAS, PONDÉ e
FAGUNDES, 1997).
A regulação por taxa de retorno pode criar distorções ou incentivos perversos. Um
desses efeitos é conhecido como Efeito Averch-Johnson7 e, basicamente, mostra que, como os
lucros variam diretamente com a taxa base (capital), a firma tenderá a substituir insumos por
mais capital. Nesse caso, há uma ineficiência alocativa, pois o agente usa um volume de
capital excessivo em relação a seu custo para a sociedade8 (VISCUSI, VERNON e
HARRINGTON JR., 1995).
A tarifação por custo de serviço possui algumas variações para que os custos
regulatórios possam ser minimizados e a eficiência maximizada. Uma dessas versões é a
Escala Móvel de Preço (Sliding Scale Plan), também chamada de lucro ou benefício
compartilhado, pois consiste na divisão, entre produtores e consumidores, da diferença da taxa
de retorno desejada9. Quando as taxas de retorno forem menores do que um mínimo pré-
estabelecido, o prejuízo é compartilhado com os consumidores da mesma forma que os lucros,
quando essa taxa atingir um patamar maior do que a taxa máxima definida. Esse mecanismo
tem como objetivo incentivar o aumento da produtividade, e, quando isso ocorre, os
consumidores são também beneficiados (VISCUSI, VERNON e HARRINGTON JR., 1995).
Como visto, a tarifação por custo de serviço apresenta alguns problemas como o alto
custo regulatório e o baixo incentivo ao aumento de produtividade. A complexidade da
implantação desse método o torna mais eficaz quando as condições de custo e demanda não
variam excessivamente ao longo do tempo. Se isso não ocorre, ou seja, se há constantes
mudanças nessas variáveis, esse tipo de tarifação não cumpre seus objetivos com facilidade
7 O Efeito Averch-Johnson é apresentado em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 388 e 389). 8 De acordo com Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995), o Efeito Averch-Johnson não foi comprovado empiricamente e, ainda que fosse comprovado, não haveria problemas graves, dado que, quanto maior o volume de capital investido, maior a chance de ter uma estrutura moderna. Além disso, o maior volume de capital ajuda a expandir fisicamente a rede e, ainda que não comumente, possibilita um aumento na qualidade do serviço. 9 O cálculo da taxa de retorno baseado na Escala Móvel de Preços pode ser consultado em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 385).
34
(PINTO JR. e FIANI, 2002, p. 521). Os problemas da regulação por taxa de retorno são,
portanto, assimetria de informações entre firma regulada e órgão regulador (PINTO JR. e
SILVEIRA, 1999b); e a ausência de estímulo dos agentes para a redução de custos, pois eles
podem ser repassados para os consumidores finais.
1.4.2 - Regulação por Incentivo
A ineficiência produtiva da regulação por taxa de retorno estimulou a criação de outra
forma importante de tarifação: a regulação por incentivo, que objetiva primariamente
aumentar a eficiência da firma regulada concedendo alguns direitos às firmas. Com esse
mecanismo, a firma tem incentivo para reduzir custos porque não haverá, necessariamente,
repasse para os preços. Duas das formas de regulação por incentivo são a regulação de preço,
que inclui o price cap; e a regulação por padrão de comparação, como é o caso da yardstick
competition. Esses tipos de regulação por incentivo serão vistos a seguir:
a) Regulação de Preço Teto
O mecanismo price cap é um tipo de regulação por nível de preços em que o regulador
define o preço máximo de um produto ou serviço e esse preço será ajustado periodicamente
por um fator pré-determinado, composto de uma parcela referente à inflação do período e
outra relativa à produtividade, conhecida como fator-X (MANSELL e CHURCH, 1995). Na
revisão tarifária, se define a base que será reajustada anualmente e o teto do reajuste anual até
a próxima revisão tarifária. Formalmente, tem-se (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999b):
P = IPC – X + Y
onde: IPC = índice de preços
X = fator de produtividade (fator-X)
Y = contingências
A regulação price cap incentiva o aumento de produtividade porque pode haver
aumento nos lucros se o aumento na produtividade for maior do que o previsto. Outra
35
característica do price cap é o fato dele ser utilizado principalmente nos setores onde a firma
regulada atua como monopolista. Essa característica, entretanto, pode trazer problemas se a
firma atuar também em setores competitivos. Nesse caso, existe a possibilidade de utilizar
mecanismos de subsídio cruzado para praticar preços predatórios (PINTO JR e FIANI, 2002).
Armstrong e Sappington (2003) alertam, ainda, sobre a dificuldade de se escolher o fator-X
mais adequado, pois variáveis como a taxa de retorno da firma, o valor dos ativos e os custos
marginais devem ser levados em conta.
Do ponto de vista da expansão e modernização da rede, esse modelo também é
contraditório pois estimula apenas à eficiência produtiva. Para aumentar a taxa de lucro, se
reduz a base de capital, gerando subinvestimento, que tem efeitos perversos sobre a qualidade
do serviço. Por essa razão, a agência reguladora deverá agir no sentido de garantir que haja
investimento e qualidade nos serviços e, portanto, os custos regulatórios aumentam (PINTO
JR. e FIANI, 2002).
b) Regulação por Padrão de Comparação
A yardstick competition, também conhecida como regulação de desempenho, é outra
forma de regulação de monopólios naturais que estimula a redução de custos, a diminuição de
assimetrias de informação e o aumento da eficiência econômica. Nesse método, o regulador
determina a remuneração das firmas fazendo uma comparação entre o desempenho das
diversas firmas.
De acordo com Armstrong e Sappington (2003), em casos de monopólios naturais,
quando a competição não é possível no mercado, o agente regulador pode disciplinar o
monopolista por meio de forças competitivas. Uma forma possível de se fazer isso é basear a
compensação de uma firma comparando seu desempenho com o desempenho de outras firmas
no mercado. Existem duas possíveis formas de se fazer isso: a Yardstick Performance Setting,
baseada no desempenho das firmas e a Yardstick Reporting Setting baseada em comparações
entre os relatórios de custos das empresas existentes e das potenciais entrantes10.
10 Para detalhes sobre a Yardstick Performance Setting e a Yardstick Reporting Setting, consultar Armstrong e Sappington (2003, p.75).
36
Os instrumentos de regulação por taxa de retorno e de regulação por incentivo
possuem vantagens e desvantagens e, portanto, a escolha entre a forma de tarifação variará de
acordo com os objetivos do regulador. Se o órgão regulador desejar um aumento de
produtividade, implementará uma regulação por incentivo, como o price cap. Se, entretanto,
os objetivos forem de expansão, modernização e aumento de qualidade da rede, a regulação
será por taxa de retorno.
1.4.3 - Regulação Second Best para monopólios multi-produto e mono-produto
A análise normativa tradicional parte do pressuposto de que o Estado tem todas as
informações necessárias para regular os preços e assim, levar à economia a um ponto de
ótimo de Pareto. Porém, os rendimentos crescentes de escala que existem nas indústrias de
rede implicam um custo marginal menor do que o custo médio de longo prazo. Nesse caso, se
o preço for estabelecido no nível do custo marginal, que é a solução de first best e
proporciona a máxima eficiência alocativa, a empresa não recuperará todos os seus custos.
Inicialmente sugeriu-se que a firma cobrasse o preço competitivo e fosse ressarcida, via
subsídios, dos prejuízos registrados. Essa proposta foi descartada por causar distorções na
alocação de recursos.
Devido às distorções causadas, algumas soluções denominadas second best foram
propostas. Nesse tipo de regulação, busca-se um preço que maximiza o excedente coletivo,
respeitando o equilíbrio financeiro da empresa. Nesse tipo de tarifação, o preço é estabelecido
no patamar do custo médio de produção, que é uma opção intermediária entre o preço
competitivo e o preço de monopólio. A tarifa em duas partes, que será apresentada a seguir, é
uma forma de regulação second best para monopólio mono-produto. Já para o caso de firma
multi-produto, a regra de tarifação Ramsey-Boiteux é também uma solução second best.
A regra de second best iguala a receita total ao custo total, com um lucro razoável. Tal
alternativa iguala os preços ao custo médio em condições estáveis. A solução second best
deve, simultaneamente, minimizar as perdas de excedente e remunerar a firma com lucros
normais (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999b). Entretanto, as recomendações da Teoria do Bem-
Estar relativas à tarifação first e second best se baseiam no pressuposto de que o regulador
37
possui todas as informações necessárias para realizar os cálculos das tarifas, o que não ocorre
na realidade.
a) Regra de Ramsey
A regra de Ramsey é baseada em uma precificação linear, em que as tarifas são
definidas igualando o custo total à receita total, de modo a minimizar as perdas de bem-estar.
Essa forma de tarifação é utilizada em casos de monopólios naturais multi-produtos. A partir
da regra de Ramsey11 é possível perceber que os preços devem ser estabelecidos inversamente
às suas elasticidades-preço para que as perdas de bem-estar sejam minimizadas (VISCUSI,
VERNON e HARRINGTON JR., 1995, p. 365). Formalmente tem-se:
(Pi – CMgi) / Pi = � / ei
onde: Pi = preço do bem i
Cmgi = custo marginal de i
� = constante
ei = elasticidade da demanda pelo bem i
Outra forma alternativa para determinação de preços utilizando a regra de Ramsey é
diminuir a produção de todos os bens na mesma proporção até que se igualem custo e receita
total (VISCUSI, VERNON e HARRINGTON JR., 1995, p. 367).
A regra de Ramsey também possui algumas desvantagens, apresentadas por Pinto Jr. e
Silveira (1999b, p. 11), como a dificuldade do regulador conhecer plenamente as funções de
custo da empresa, a função de demanda do mercado, as elasticidades e as características dos
clientes. Outros problemas relacionados à regra de Ramsey envolvem a possibilidade de
distribuição injusta de renda, uma vez que as classes de menor renda possuem demanda mais
inelásticas; e o não incentivo ao corte de custos e ao aumento de produtividade.
11 A regra de Ramsey é apresentada em Armstrong e Sappington (2003, p. 102) e exemplificada em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 366). Já a derivação Ramsey-Boiteux pode ser consultada em Pinto Jr. e Fiani (2002, p. 527).
38
b) Tarifa em Duas Partes
A tarifa em duas partes é um tipo de tarifação não-linear, ou seja, a despesa não varia
na mesma proporção que a quantidade consumida. Independentemente do consumo, se paga
um valor base, isto é, a tarifa em duas partes (T(q)) é a soma de um componente fixo (A), que
é cobrado pelo acesso à rede, e um componente variável (Pi), calculado por unidade
consumida. Formalmente tem-se (PINTO JR. e FIANI, 2002):
T(q) = A + Pi
No caso da tarifa por duas partes, se o preço por unidade é igual ao custo marginal,
então os custos totais da empresa serão iguais à receita total e a tarifação será eficiente. A
tarifa em duas partes envolve um preço por unidade que excede os custos marginais e um
valor fixo de acesso que exclui alguns consumidores do mercado (VISCUSI, VERNON e
HARRINGTON JR., 1995, p.362-363). De acordo com Pinto Jr. e Fiani (2002, p. 530), se os
elementos que compõe a tarifa em duas partes são distintos, então, pela regra de Ramsey, se a
demanda por um produto for inelástica, a remuneração deve ter um mark up maior sobre o
custo marginal.
1.4.4 - Preço de Acesso
A definição do preço de acesso não é uma forma diferente de metodologia, mas a
utilização de outras metodologias existentes. O problema do acesso surge quando é necessária
a utilização da infra-estrutura de uma empresa por uma concorrente. Cave e Doyle (1994, p.
182) apresentam três objetivos principais ao se definirem tarifas de acesso: a promoção de um
preço de acesso em nível e estrutura eficientes; a obtenção de eficiência dinâmica por meio de
entrada eficiente e decisões de investimento; e a manutenção de uma taxa de retorno
suficiente para a empresa incumbente sustentar o custo das obrigações sociais, que geralmente
são maiores do que os das empresas entrantes.
Se a indústria em questão for competitiva no dowstream de tal forma que exista um
mark up desprezível sobre o custo marginal, então o preço de acesso é calculado baseado em
seus custos. Entretanto, se não existe competição perfeita, então o preço de acesso deve ser
39
menor do que seu custo para que os preços downstream sejam mais baixos (ARMSTRONG e
SAPPINGTON, 2003).
A determinação do preço de acesso varia em relação à estrutura vertical da firma. Se
há separação vertical, somente o custo direto de permitir o acesso será relevante para a
escolha do encargo de acesso. Em um mundo ideal essa tarifa seria baseada nos custos
marginais (opção de first best). Se a competição entre os ofertantes é imperfeita, a definição
de um preço de acesso abaixo do custo marginal de acesso levaria à redução do preço aos
consumidores, aumentando o bem-estar. Entretanto, nos casos reais, costuma-se utilizar a
segunda melhor opção, que é manter os preços iguais aos custos médios do acesso (CAVE e
DOYLE, 1994).
No caso de uma empresa integrada verticalmente, o preço de acesso deve conter um
componente de custo de oportunidade que represente o lucro que a empresa incumbente
ganharia vendendo o produto por ela mesma. Assim, para o cálculo da remuneração do
acesso, além do custo de utilização da rede deve-se considerar também o que a empresa
proprietária da rede deixa de ganhar (PINTO JR. e FIANI, 2002). Nesse tipo de situação, por
causa da presença de custo de oportunidade, a regulação é um grande desafio.
A tarifação de acesso ideal, tanto no caso de empresas verticalmente integradas como
nos demais casos, é manter os preços de acesso iguais aos custos marginais, para promover o
bem-estar e evitar distorções. Como essa situação não é possível, para a definição de preço de
acesso para firmas verticalmente integradas foi desenvolvida a regra de componente de preço
eficiente (Efficient Component Pricing Rule – ECPR). Essa regra só foi utilizada uma vez e
sua eficiência ainda é motivo de intenso debate. A ECPR iguala o preço de acesso ao custo
marginal e adiciona um termo para os custos de oportunidade de entrada. O exemplo a seguir
ilustra a ECPR. Suponha uma empresa integrada de rede que conecta três pontos (A, B e C).
Um entrante oferece a conexão entre B e C e necessita do acesso à infra-estrutura da empresa
incumbente no trecho AB. Suponha que a empresa incumbente cobre um preço p, igual ao
custo médio, para ligar A, B e C. O custo incremental médio da incumbente em AB é c1 e em
BC é c2, de tal forma que p > c1 + c2. Se o custo incremental da entrante em BC é c3, o preço
de acesso A* é definido formalmente como (CAVE e DOYLE, 1994, p. 183):
A* = p – c2
40
Essa equação é o ECPR. Se o preço de acesso for maior do que A*, então uma entrante
que possuir um custo incremental abaixo do custo da incumbente não terá uma entrada
lucrativa. A equação pode ser reescrita da seguinte forma:
A* = c1 + (p – c1 – c2)
Nesse caso, existem dois componentes, o custo marginal de acesso (c1) e o custo de
oportunidade de acesso (p – c1 – c2).
Para a definição de um preço de acesso em redes integradas é preciso levar em
consideração fatores como as necessidades da firma incumbente, as aspirações da nova
entrante e o potencial de ganho de eficiência com a entrada. O preço de acesso deve sempre
incluir o custo marginal de acesso e um elemento que cubra os custos de oportunidade (CAVE
e DOYLE, 1994).
1.5 - Considerações Finais do Capítulo
Neste Capítulo foram apresentadas as abordagens teóricas de definição de preços pelo
mercado e em monopólios. Dadas as características das indústrias de infra-estrutura, foi
possível concluir que existe a necessidade de regulação nesses setores. Dentre os possíveis
instrumentos de regulação, destaca-se a definição tarifária, como forma de estimular a
eficiência do sistema e diminuir a perda de bem-estar associada ao monopólio.
Foram analisadas as formas mais utilizadas de definição tarifária. A tarifação por custo
serviço tem como objetivo principal remunerar os custos totais e, ainda, garantir uma taxa
interna de retorno que seja atrativa para o investidor e justa por parte do regulador. Esse tipo
de regulação, entretanto, possui alguns problemas, tanto na definição da taxa a ser utilizada e
na base de capital como também alguns efeitos indesejados na produtividade das empresas e
no custo de regulação. Por sua vez, a regulação por incentivo tem como principal objetivo o
aumento de produtividade.
41
O price cap é um tipo de regulação de incentivo por nível de preços, isso estimula o
aumento de produtividade porque a firma pode ficar com o lucro se o aumento de
produtividade for maior do que o previsto. A Yardstick Competition é outro tipo de regulação
por incentivo, porém com base na comparação entre o desempenho das diversas firmas.
Foram analisadas, ainda, a Regra de Ramsey e a tarifa em duas partes. A regra de
Ramsey é um tipo de precificação linear e as tarifas são definidas igualando o custo total à
receita total. A regra conclui que os preços devem ser estabelecidos inversamente às suas
elasticidades, para que as perdas de bem-estar sejam minimizadas. A regra de Ramsey possui,
entretanto, algumas dificuldades provenientes da assimetria de informações do regulador na
determinação das funções de custo e elasticidades. A tarifa em duas partes, por sua vez, é um
tipo de tarifação não-linear em que despesa e consumo não variam na mesma proporção. A
tarifa em duas partes é representada pela soma de um componente fixo, que é cobrado pelo
acesso à rede, e um componente variável.
A questão do preço de acesso foi também analisada neste capítulo. Essa questão torna-
se relevante quando é necessária a utilização da infra-estrutura de uma empresa por uma
concorrente. Para resolver essa situação é indicada a regra de componente de preço eficiente.
Para o cálculo da remuneração do acesso, além do custo de utilização da rede deve-se
considerar também o que a empresa proprietária da rede deixa de ganhar. Com esse tipo de
precificação, as firmas pouco eficientes saem do mercado no caso do preço estar definido
competitivamente.
No próximo capítulo será feita uma breve análise da indústria de gás natural,
apresentando alguns dos principais aspectos técnicos e econômicos. A seguir, serão
apresentadas as principais metodologias de tarifação de transporte de gás natural existentes na
indústria.
42
CAPÍTULO II - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL
Neste capítulo, busca-se realizar uma análise da literatura acerca das características da
indústria de gás natural e da necessidade de regulação. O capítulo aborda ainda quais as
políticas de tarifação que podem ser utilizadas como instrumentos de intervenção de agências
reguladoras e faz uma análise das possíveis formas de tarifação do transporte de gás natural.
Para uma visão técnico-econômica da cadeia de gás natural são abordados autores
como Almeida (2001) e Alveal e Almeida (2001). A necessidade de regulação na indústria
aborda os trabalhos de Newbery (2000) e Fiani (2003). Já a questão da evolução da
organização da indústria de gás natural foi baseada em estudos de Krause e Pinto Jr. (1998a),
ANP (2002b) e Pinto Jr. (2003). Para a definição das metodologias de tarifação do transporte
de gás natural são abordados autores como Lapuerta e Moselle (2002) e (1997), além de
trabalhos como os da OECD (1994), IEA (1998), ANP (2002a) e ERSE (2004).
2.1 - Visão geral da indústria de gás natural
Para o entendimento da importância da metodologia da regulação tarifária para o caso
específico do transporte de gás natural é preciso, primeiramente, fazer uma breve análise da
cadeia de gás natural e das condições do transporte dutoviário de gás que levam à necessidade
de regulação e de definição tarifária.
43
2.1.1 - Breve Análise da Cadeia de Gás Natural
A indústria e o mercado de gás natural possuem características específicas relevantes,
tanto técnicas como econômicas, que devem ser consideradas na análise do tema. Em cada um
dos segmentos da cadeia, analisados a seguir, existem especificidades distintas. A grande
interdependência entre esses segmentos faz com que as decisões de investimento em cada
uma das etapas dependam também do investimento nas demais.
No segmento upstream da indústria de gás é necessário um elevado investimento
inicial, tanto para a determinação da localização de reservatórios, que envolve testes sísmicos,
testes de formação e perfuração de poços de delimitação, quanto para o desenvolvimento
tecnológico e de campo. Esses investimentos fazem com que as empresas se deparem com
altos riscos e incertezas, tanto geológicos como de mercado (ALMEIDA, 2001).
Ainda nesse segmento, outra especificidade do gás natural é a renda mineral. Assim
como ocorre com o petróleo, nem todas as reservas possuem as mesmas características físico-
químicas. Dessa forma, a capacidade de recuperação, ou seja, o quanto é possível extrair de
gás da reserva, é função das características de pressão, composição do gás, do fato do gás ser
associado ou não, entre outros. Nesse sentido, a renda mineral é um fator de diferenciação
competitiva entre as empresas, pois o produtor que possuir uma reserva com maior
viabilidade de exploração, auferirá uma renda extra, frente ao preço do gás, em relação aos
demais produtores.
Após a exploração, o gás natural é tratado nas Unidades de Processamento de Gás
Natural (UPGN) para atender as especificações da demanda. Nas UPGN’s, o GN é
desidratado e fracionado. Dado que cada tipo de gás possui características diferentes, os
custos para o atendimento das condições de consumo vão diferir de acordo com as
especificidades do gás nos diversos campos de produção.
No que tange ao transporte, existem características importantes. Diferentemente do
petróleo, o volume de gás por unidade de energia é muito elevado12. A principal forma de
transporte de gás natural é o gasoduto, embora também tenha importância o transporte de Gás
Natural Liquefeito (GNL) e de Gás Natural Comprimido (GNC). Os gasodutos podem variar
12 O gás natural ocupa um volume mil vezes maior que o óleo, considerando o mesmo poder calorífico.
44
em diâmetro e pressão, entretanto, por causa do atrito com a tubulação, há perdas de pressão
ao longo do gasoduto, que devem ser compensadas por estações de compressão. Assim, os
custos de transporte são bastante elevados, principalmente para distâncias mais elevadas, por
necessitarem de mais estações de compressão. A atividade de distribuição também é feita por
gasodutos e se inicia em city-gates13, com dutos de menor pressão.
A construção de gasodutos exige um investimento em capital fixo elevado. Tais
custos variam de acordo com a extensão do gasoduto, as condições geográficas da região onde
ele será implantado e a demanda máxima a ser atendida por esse gasoduto. Por outro lado, o
aproveitamento de economias de escala é essencial para a redução do custo médio de
transporte, já que, com o aumento da carga de gás transportada, os custos fixos se diluem.
Dada a existência de rendimentos crescentes, é interessante que o gasoduto tenha grande
capacidade, pois, proporcionalmente, o aumento do investimento é menor do que o aumento
da capacidade. Além disso, o custo de capital da estação de compressão cresce a uma taxa
menor que o aumento de pressão proporcionado.
Outra fonte de economia de escala nos gasodutos reside no fato de que a queda de
pressão diminui de acordo com o diâmetro da tubulação. Além disso, os custos de obtenção de
licenças de direitos de passagem, de elaboração de projeto e de mão-de-obra são praticamente
fixos e, portanto, o custo relativo diminui com o aumento da produção. O negócio do gás
contém ainda ativos específicos que geram gastos não passíveis de reversão (sunk costs). Esse
é o caso, por exemplo, dos ativos de transporte, que uma vez construídos não podem ser
realocados em outras atividades. A decisão sobre o investimento em gasodutos deve, portanto,
levar em consideração os elevados custos fixos de implementação da rede e a economia de
escala associada (ALVEAL e ALMEIDA, 2001).
De acordo com Newbery (2000), a necessidade de uma grande infra-estrutura
interconectada de transporte e distribuição na indústria de gás natural faz com que esta seja
caracterizada como uma indústria de rede. Mas, ao contrário das demais indústrias de rede, o
gás natural é um recurso esgotável e seu valor futuro é um dos determinantes do custo de
produção atual.
13 City-gates são estações de medição que podem dispor de regulagem de pressão, nas quais uma rede de distribuição recebe gás de uma companhia transportadora ou de um sistema de transporte. Referem-se ao ponto de entrega ou transferência, no qual o gás passa de uma linha principal de transporte para um sistema de distribuição local, sem troca de propriedade necessariamente (Petrobras, 2004).
45
Um fator importante devido à rigidez de abastecimento é a enorme influência das
condições geopolíticas nas decisões de investimento. Uma vez estabelecido um gasoduto, os
países envolvidos tornam-se dependentes. Por isso, a estabilidade geopolítica tem grande
importância nesse segmento (ALVEAL e ALMEIDA, 2003).
As características da cadeia do GN mostram que, à medida que a densidade da rede de
distribuição aumenta, o custo de abastecimento de cada consumidor a mais diminui, devido às
economias de escala. Isso também vale para a expansão por meio da duplicação ou construção
de novos gasodutos, que ocorre porque a evolução das indústrias de rede apresenta, como
característica importante, custos marginais de expansão decrescentes. Além disso, como
conseqüência do custo fixo muito elevado e da economia de escala, existe uma estrutura de
monopólio natural na distribuição, inibindo a entrada de novos agentes.
A questão do estoque é também relevante para a indústria de gás natural, pois pode
possibilitar o ajuste entre a oferta e a demanda de gás, principalmente em horários de pico de
consumo. A atividade de estocagem do gás natural, entretanto, é bastante complexa, dadas as
características do produto, como os riscos de operação e o estado gasoso. Algumas das formas
de se estocar o gás é utilizar jazidas já esgotadas ou mantê-lo em estado liquefeito, em
depósitos criogênicos, o que demanda elevados investimentos e custos de operação. Para
estoques de curto prazo, pode ser utilizada a própria rede de gasodutos
Dentre os riscos do mercado de gás natural, verifica-se, do lado da oferta, que em
indústrias pouco desenvolvidas existe a possibilidade de falta de suprimento. Uma rede mais
madura permite maior autonomia em relação aos investimentos em expansão da produção e a
possibilidade de se criar rotas alternativas para o gás natural. Dessa forma, é possível reduzir a
incerteza de mercado. Do lado da demanda, o risco é do mercado não estar sendo
desenvolvido como planejado. Além disso, a concorrência interenergética, principalmente do
óleo combustível, faz com que o preço do gás deva ter um “teto” de preço para que seu uso
seja vantajoso para o consumidor. Desta forma, o preço do gás é determinado pelo seu valor,
ou seja, pelo preço máximo que o consumidor pagaria por ele, e não pelo seu custo.
Outra característica importante dos gasodutos é a elevada interdependência entre os
diversos segmentos da cadeia. De acordo com Alveal e Almeida (2001), essa
interdependência é causada pelo fato dos custos marginais serem decrescentes em relação à
46
expansão da rede. Essa economia de escala faz com que exista externalidade de rede. O
aproveitamento racional dessa economia é fator importante para a eficiência da indústria.
Essa forte interdependência entre os agentes é também fator de risco e incerteza. Um
empreendimento depende diretamente de outro e existe a possibilidade de haver
comportamento oportunista, fazendo com que os custos de transação aumentem. Para
contornar essa situação a empresa pode se integrar verticalmente visando reduzir os custos de
utilizar o mercado, garantir a confiabilidade do sistema, a coordenação de esforços e a
continuidade do fluxo. No entanto, caso não seja possível a verticalização, uma outra solução
é a contratação de longo prazo com cláusulas específicas para o gerenciamento da incerteza,
incluindo renegociações periódicas; cláusulas do tipo take or pay e ship or pay e os princípios
para a definição de preços.
O gás é particularmente diferente das demais indústrias de energia, devido à alta
elasticidade da demanda por gás. O gás natural compete com outros energéticos, o que
dificulta o desenvolvimento de mercados exclusivos. Por essa razão, seu preço é geralmente
indexado aos preços dos energéticos substitutos. Na fase infante da indústria, a elasticidade
da demanda por gás natural costuma ser ainda maior, pois os consumidores estão mais
preocupados com o diferencial de preços.
O transporte de gás natural tem características específicas, como a facilidade de
identificação e controle dos fluxos; a possibilidade de estoque; e a flexibilidade no
gerenciamento de aspectos de segurança da rede. Por outro lado, a IGN enfrenta elevados
custos de transação, dada a presença de ativos específicos e a existência de monopólio natural,
que elevam o poder de mercado do transportador. Entretanto, esse poder de mercado é
reduzido, dada a competição interenergética que fazem as margens diminuírem com a
variação de preços dos substitutos (NEWBERY, 2000).
As especificidades tecnológicas se convertem em riscos econômicos, como o
oportunismo e o risco regulatório, que aumentam os custos de transação na indústria. Todas as
implicações dessas características da indústria de gás natural devem ser levadas em conta para
que os riscos e incertezas associados à indústria possam ser identificados e, se possível,
minimizados. A condição de monopólio natural, os investimentos elevados em infra-estrutura
e as inversões necessárias para possibilitar seu consumo tornam a questão da precificação
fundamental para o desenvolvimento do segmento de gás natural.
47
2.1.2 - Necessidade de Regulação da Indústria de Gás Natural
Todas as características que aumentam os custos de transação estão presentes nos
setores de infra-estrutura, como é o caso da indústria de gás natural. Como isso ocorre, são
duas as alternativas de governança14 possíveis: uma governança hierárquica, como, por
exemplo, uma empresa estatal ou uma governança híbrida, como a regulação de empresas
privadas. A regulação de empresas privadas significa que haverá controle sobre as ações e a
performance dos agentes individuais. A regulação é feita por uma agência reguladora, que
detém alguns poderes para intervir na alocação dos recursos, como o de criação de regras de
precificação, de determinação da produção das empresas, de criação de barreiras à entrada e
de promoção do acesso de terceiros à infra-estrutura (FIANI, 2003).
A lógica da regulação econômica está por trás dos elevados sunk costs dos monopólios
naturais, que implicam em baixo custo de oportunidade. O custo de oportunidade está
relacionado à quase renda, que é a diferença entre a receita gerada e a soma dos custos de
produção e de oportunidade. Assim, na indústria de gás natural, devido às especificidades dos
gasodutos, não há alternativa econômica para o uso do ativo e os custos de saída são
relevantes. A quase-renda é elevada para a indústria, assim como a disputa sobre ela. Nesse
caso, a especificidade pode gerar extração de quase renda indesejada, o que dificulta o
desenvolvimento da capacidade de transporte. O governo, por meio da regulação, pode manter
os preços dos monopólios naturais em um nível que cubra apenas os custos de operação e de
oportunidade dos investimentos já realizados.
Em relação à extração da quase renda, também existe a possibilidade de
comportamento oportunista dos agentes. Esse oportunismo se manifesta nas barganhas para
redução dos preços e até mesmo em ameaças de rompimento e disputas entre as partes, que
são possíveis dada a incompletude contratual. Em um ambiente complexo e repleto de
incerteza e com racionalidade limitada, não existem contratos que sejam perfeitos em relação
às condições futuras, em especial em termos de previsão de crescimento de oferta e demanda.
Os riscos relacionados a essa incerteza devem ser distribuídos entre os agentes e as cláusulas
dos contratos devem possibilitar essa distribuição.
14 Estruturas de Governança no sentido apresentado por Williamson (1975). Estas estruturas podem ser o mercado, a firma (hierarquia), ou qualquer outra forma entre esses dois extremos (governança híbrida).
48
Nessa situação também aparece o problema do hold-up, que nada mais é do que uma
“queda-de-braço” entre as partes. Esta é a razão pela qual, nas indústrias de rede, há tendência
à integração vertical: as operações são recorrentes e os hold-ups constantes, encarecendo
muito o funcionamento do sistema. No caso do transporte de gás natural, sempre haverá
quase-rendas. O regulador tem o papel de evitar as situações de hold-up, que tendem a
aumentar os custos de transação e os custos de regulação devido às renegociações contratuais.
A escolha entre firma e regulação depende de alguns fatores, como o estágio de
desenvolvimento da indústria. A mudança entre cada uma dessas estruturas é possível e,
geralmente, a partir de um certo estágio de desenvolvimento, há a reestruturação da cadeia,
que passa de estruturas monopolistas para novas estruturas de governança baseadas em
competição, embora permaneça regulada. No caso da indústria de gás natural, para que esses
custos sejam minimizados e a regulação seja eficiente, a questão do livre acesso torna-se
fundamental para estimular a competição no setor. Fiani (2003, p. 27) apresenta outra questão
relevante na escolha entre a empresa estatal e a regulação. Tal questão diz respeito à
capacidade do governo de criar, com baixos custos de transação, as instituições que regularão
as empresas gerando baixos preços, alta qualidade e evitando comportamento anticompetitivo.
O transporte, por ser um monopólio natural, é o principal segmento da cadeia de gás
natural sujeito à regulação. Como a existência de uma só firma é o arranjo mais eficiente, a
concorrência deve ser introduzida a partir da possibilidade de acesso de terceiros à infra-
estrutura existente. Ou seja, o órgão regulador deve estabelecer condições e preços que
possibilite aos agentes interessados utilizarem parte da capacidade ociosa dos gasodutos do
monopolista.
Quando as transações envolvem as hipóteses comportamentais de racionalidade
limitada e de oportunismo dos agentes, em um ambiente com complexidade e incerteza e com
o envolvimento de ativos específicos nas transações, então os custos de transação são
relevantes e o mercado é incapaz, por meio do sistema de preços, de realizar as transações
eficientemente.
Os ativos envolvidos no segmento de transporte de gás natural possuem elevada
especificidade e, portanto, de acordo com Williamson (1996), não é recomendado que a
estrutura de governança seja o mercado nem uma estrutura de governança bilateral, pois há
49
incompletude contratual derivada da racionalidade limitada e há, ainda, a possibilidade de
manipulação oportunista das cláusulas do contrato.
No caso específico dos gasodutos, são três as principais fontes de especificidade dos
ativos15: as especificidades locacional e humana e a existência de ativos dedicados. Por
exemplo, um gasoduto que leva o gás para um local muito povoado e desenvolvido é mais
valioso que outro que leva o gás para áreas menos populosas. Nesse setor, existe ainda
gerentes e staff operacional que desenvolveram conhecimento acerca dos problemas
relacionados ao setor. Já os ativos dedicados estão freqüentemente presentes em infra-
estrutura de rede para lidar com peculiaridades geográficas (FIANI, 2003).
Portanto, dada a especificidade dos ativos nessa indústria, não pode haver governança
de mercado, devendo-se considerar a forma híbrida ou a hierarquia, ou seja, deve-se escolher
entre empresas privadas reguladas ou empresas estatais. Newbery (2000) também concorda
com a impossibilidade do mercado resolver os conflitos existentes nas indústrias de rede. A
competição falha para tais indústrias pois, além de serem monopólios naturais clássicos,
necessitam de uma rede fixa, são de grande importância econômica, são duráveis, o capital
utilizado é intensivo e irrecuperável (sunk costs) e estão diretamente conectadas ao
consumidor. Portanto, deve haver uma instituição que arbitre os conflitos entre os
consumidores e os investidores. Essa instituição pode ser uma empresa estatal, com poder de
financiar os investimentos necessários, ou ainda uma agência reguladora, que pode tentar
conciliar os interesses das empresas privadas e dos consumidores.
As questões da complexidade e incerteza no ambiente e de oportunismo do agente
também podem ser aplicadas à indústria de gás natural. No caso das reservas de gás e do
transporte via gasodutos, o controle por um único agente gera muitas incertezas no ambiente
das transações, relacionadas à possibilidade de entrada de novos operadores e às condições de
comercialização do produto nas etapas à jusante da cadeia. Como visto anteriormente, a
grande interdependência entre as etapas da cadeia também gera incerteza, uma vez que cada
segmento da cadeia depende diretamente dos demais.
Em relação ao comportamento oportunista, pode-se citar o problema de fechamento de
mercado, que ocorre quando a empresa dominante inviabiliza ou dificulta a utilização da
15 As fontes de especificidade de ativos apresentada por Williamson são especificidade locacional, especificidade de ativos humanos, especificidade física, de ativos dedicados, de reputação de marca comercial e especificidade temporal.
50
infra-estrutura de gasodutos para as firmas competidoras. A especificidade locacional dos
gasodutos também permite que alguns produtores oportunistas neguem conexão a outro
produtor, sem pensar no sistema como um todo, ou seja, nas externalidades (FIANI, 2003).
Portanto, a indústria de gás natural apresenta todas as outras características que aumentam os
custos de transação e, portanto, há necessidade de intervenção.
2.1.3 - Evolução da Organização da Indústria de Gás Natural
A indústria de gás natural, assim como as demais indústrias de rede, se desenvolveu
inicialmente a partir do fornecimento local dos serviços. Entretanto, as inovações tecnológicas
permitiram conectar consumidores mais distantes, configurando uma organização sistêmica.
As características de rede da indústria, a indivisibilidade dos equipamentos, os elevados sunk
costs, a condição de monopólio natural, a obrigação do fornecimento e a importância
econômica levaram à concentração do mercado de forma que, até o início da década de 80, o
modo de organização predominante da indústria era o monopólio público regional de
fornecimento, com integração vertical e horizontal e com contratos bilaterais longo prazo na
comercialização (KRAUSE e PINTO JR., 1998a).
A atuação de uma empresa em diversos segmentos da cadeia de forma integrada tinha
como objetivos principais o aproveitamento das economias de escala e escopo e a diminuição
dos custos de transação. A integração vertical permitia ainda uma maior flexibilidade às
mudanças, redução de riscos e a possibilidade de haver subsídios cruzados entre as diversas
atividades da firma. Os ganhos da integração vertical eram geralmente apropriados pelas
firmas e os lucros extraordinários auferidos nas atividades monopólicas da cadeia (transporte
e distribuição), poderiam ser utilizados para diminuir os preços nas atividades potencialmente
concorrenciais (Exploração & Produção e comercialização), inviabilizando a entrada de novos
agentes (ANP, 2002b).
A organização do mercado em torno de um monopólio era, portanto, muito comum no
período de expansão das redes e influenciou o aumento da produção e da participação do gás
natural na matriz energética de diversos países. A presença do Estado era importante para
balancear o interesse e o poder dos investidores e dos consumidores e para financiar os
elevados investimentos (NEWBERY, 2000). Esse modo de organização, portanto, justificava
uma forte intervenção estatal, cujos instrumentos regulatórios centravam-se definição de
51
tarifas para evitar a fixação de preços de monopólio, nas barreiras institucionais de entrada
para assegurar a eficiência da rede e no controle da qualidade do serviço (PINTO JR., 2003)
A dinâmica da indústria de gás natural modificou-se significativamente nas últimas
décadas e a demanda pelo energético aumentou sensivelmente. Os choques de petróleo da
década de 70 deram novo papel ao gás natural, principalmente devido à tentativa de redução
da dependência em relação aos países da OPEP. Ao mesmo tempo, o gás natural teve seu
preço elevado nesse período, acompanhando os preços do petróleo, o que tornou os
investimentos em infra-estrutura mais viáveis. O desenvolvimento tecnológico das últimas
décadas também foi fator relevante do desenvolvimento da IGN. Os avanços se deram na
produção, no transporte, na distribuição e na tecnologia de informação. Durante a década de
80 houve ainda um grande avanço da política ambiental, com a internalização dos custos
ambientais de alguns energéticos. Em relação às mudanças geopolíticas, a relativa
estabilidade que se seguiu após o fim da guerra fria influenciou a melhoria nas condições de
crescimento da indústria. Por sua vez, a utilização do gás na geração elétrica também
contribuiu para a expansão da demanda.
Os elevados índices de crescimento da indústria a partir da década de 80 somados às
idéias liberais que questionavam a eficiência da intervenção estatal, ocasionaram alterações
estruturais e institucionais significativas na organização da indústria de gás natural. O período
pós-choque modificou a visão sobre a legitimidade do papel do Estado na atividade
econômica (NEWBERY, 2000). Muitos países promoveram reformas, com destaque para a
introdução da concorrência, privatização de empresas públicas, implementação de novas
formas contratuais, abertura do acesso de terceiros às redes e estabelecimento de novos
mecanismos de regulação, coordenados nas agências reguladoras (KRAUSE e PINTO JR.,
1998a).
As reformas propostas para a indústria de gás natural, assim como nas demais
indústrias de infra-estrutura, envolviam a proteção dos interesses dos consumidores, a
minimização dos efeitos da integração das atividades da cadeia, a busca por uma maior
eficiência econômica e a redução de preços e custos. Nesse novo contexto, a regulação deixou
de ser caracterizada apenas pelo controle de entrada dos agentes, de preços e de qualidade.
Novas atribuições foram sendo incorporadas, ampliando o leque de atuação dos órgãos
reguladores. Antes da liberalização da indústria de gás natural, os preços eram controlados e,
portanto, a competição era menos intensa. Após a liberalização, a volatilidade de preços fez
52
com que aumentassem os riscos de mercado. A função principal dos reguladores deixou de ser
apenas a regulação de monopólios, mas também passou a haver regulação dos segmentos em
concorrência e de coordenação do sistema como um todo.
A regulação da indústria pode ser comportamental ou estrutural. A regulação
comportamental envolve restrições na conduta dos agentes e tem como objetivos a redução de
custos de transação, o aumento das economias de escopo e o aumento da competição via
diminuição de barreiras à entrada. Na indústria de gás natural, a principal forma de regulação
comportamental está relacionada ao acesso não discriminatório de terceiros aos gasodutos,
com a regulação das tarifas de acesso e o estabelecimento de regras para os concursos abertos
de alocação de capacidade. Nesse caso, as principais desvantagens decorrem da assimetria de
informações entre o órgão regulador e os agentes regulados uma vez que o regulador deve
acompanhar todas as ações dos agentes envolvidos (ANP, 2002b).
As redes de gasodutos com muitos pontos de entrada e saída requerem despacho
centralizado e controle da oferta, do fluxo e do estoque de gás. O livre acesso torna as
decisões dos compradores e vendedores independentes, o que pode reduzir as opções de
gerenciamento de despacho e balanceamento do sistema (TREBING, 1999). Dessa forma, a
operação do sistema é fundamental para a coordenação, segurança e definição de regras de
operação e despacho. O operador pode ser um órgão independente ou ainda a própria empresa
de transporte.
A regulação estrutural, por sua vez, envolve o estabelecimento de restrições à
integração vertical, limitando a participação dos agentes em diversas etapas da cadeia de
forma a diminuir os subsídios cruzados, garantir o acesso de terceiros à infra-estrutura e
estimular a competição. Tais limitações vão contra a lógica econômica de integração vertical
e, portanto, podem diminuir os investimentos, aumentar os custos de transação e diminuir o
aproveitamento de economias de escopo. Em uma indústria não-madura, a possibilidade de
haver integração vertical é importante para o desenvolvimento da indústria e deve ser
considerada. Em indústrias maduras, por sua vez, existe uma tendência para a separação das
atividades de produção, transporte e distribuição de forma a estimular a competição. As
limitações à integração vertical podem ser por separação contábil, jurídica ou societária.
53
Na maioria dos casos, é exigida apenas a separação contábil das atividades,
possibilitando algum nível de integração vertical entre os segmentos de transporte e
distribuição, que freqüentemente é constituído por um monopólio regional. Na produção, por
sua vez, as reformas eliminaram as barreiras à entrada na maioria dos países, estimulando a
concorrência.
Outra forma de regulação possível para a indústria é o estabelecimento de concessões
ou autorizações. No sistema de concessão, o governo fixa as tarifas, garantindo o retorno
financeiro para os agentes e minimizando os riscos. O sistema de autorizações, por outro lado,
aumenta os riscos por não garantir as receitas do projeto. Nesse caso, as tarifas são
estabelecidas livremente entre as partes envolvidas na negociação. A autorização dificulta a
implementação da concorrência e possui uma maior dificuldade de financiamento. Os riscos
envolvidos nesse sistema são geralmente assumidos pelos carregadores, que em troca exigem
contratos de longo prazo com exclusividade de mercados. Estes contratos de longo prazo, por
sua vez, dificultam a criação de mercados secundários de capacidade, que envolvem variações
de curto prazo.
Por fim, outra forma possível de regulação na indústria de gás natural é a definição
tarifária, objeto de estudo dessa dissertação. A definição tarifária engloba duas fases: a tarifa
inicial e os reajustes tarifários. A tarifa inicial pode ser definida por concurso aberto, pelo
órgão regulador ou, ainda, negociada livremente entre as partes envolvidas. Já os reajustes
tarifários seguem geralmente as metodologias de custo de serviço tradicional ou de price-cap.
Do ponto de vista alocativo, mais importante do que a definição de qual metodologia tarifária
será utilizada é a questão da coerência da tarifa. Outro aspecto a ser considerado é a não-
neutralidade da tarifa, ou seja, a forma de tarifação pode implicar em subsídios cruzados entre
determinadas regiões e permitir captura de parte da renda mineral, o que pode não ser
eficiente do ponto de vista econômico.
O novo contexto regulatório modificou a forma de tarifação na indústria e a definição
tarifária passou a ser ainda mais importante. No caso de uma indústria caracterizada pela
presença de monopólios e pela grande necessidade de investimentos, a definição tarifária
concentrava-se na fixação de preços que evitassem que os monopolistas cobrassem tarifas
abusivas. Nesse caso, a tarifa costumava ser única para todo o território. No contexto de
introdução da concorrência, flexibilização da indústria e melhor ocupação da rede, a
metodologia de definição tarifária ganhou um novo papel, passando a ser essencial para o
54
funcionamento do novo ambiente institucional. A análise do critério de tarifação mais
adequado para cada país está relacionada com os interesses do agente regulador e com a
morfologia da rede.
2.2 - Formas de tarifação do transporte de gás natural
Todos os agentes da cadeia do gás natural estão envolvidos em sua precificação. Para
o produtor, o preço do gás será calculado levando em consideração os custos de
desenvolvimento dos campos, sua operação, o retorno de capital e uma remuneração para os
riscos geológicos, contratuais e comerciais envolvidos na produção. Já o governo preocupa-se
em minimizar o preço do produtor e arrecadar mais por meio de impostos. Para o consumidor,
a preocupação é o diferencial de preços entre o gás natural e outros energéticos, que é
diferente para cada segmento: comercial, industrial e residencial (SCHWYTER, 2001). A
questão da precificação do transporte de gás natural, por sua vez, é de extrema importância
para o desenvolvimento desse segmento e para o preço final do produto.
2.2.1 - Objetivos e Princípios da Tarifação de Transporte de Gás Natural
Para o caso do transporte do gás natural, o sistema tarifário tem como objetivos
básicos, além da eficiência econômica, nos aspectos produtivo, dinâmico e alocativo, garantir
a igualdade aos usuários, eliminando barreiras à entrada; ser transparente, previsível e ter
aceitabilidade e eqüidade no que refere à formação da tarifa; garantir uma taxa de retorno
apropriada para os ativos envolvidos; e, ainda, ter uma implantação eficiente, sem custos
adicionais às transações entre carregadores e transportadores (OECD, 1994).
O objetivo principal de uma política de tarifação é a não-discriminação. Para que esse
objetivo seja cumprido, torna-se necessária a publicação dessas tarifas e sua aplicação de
forma igual para todos os clientes, com variações apenas em relação ao padrão de
fornecimento e características do serviço prestado (ERSE, 2004). Nas conclusões do 5o Fórum
55
de Madrid, realizado em 2002, foram definidos os princípios básicos que devem ser aplicados
na definição da tarifação do transporte de gás natural, são eles (EUROPEAN GAS
REGULATORY FÓRUM, 2002, p. 2):
- refletir os custos e ser baseado em modelos robustos de fluxo e da rede;
- facilitar o comércio eficiente de gás e a liquidez do Mercado;
- garantir altos níveis de transparência;
- dar sinais que encorajem os investimentos de longo prazo eficientes na infra-estrutura
de transporte;
- levar em conta as especificidades e as características de Mercado das diferentes redes;
- garantir uma taxa de retorno justa para os investimentos dos transportadores;
- ter supervisão adequada;
- quaisquer diferenças nas condições das tarifas aplicadas a diferentes clientes para
serviços similares devem refletir os custos.
Outros critérios que devem ser considerados na determinação da tarifa são a
simplicidade; o nível de transparência do regulador; a não-discriminação; a refletividade dos
custos; a possibilidade de efeitos perversos nos investimentos; a possibilidade de existência de
um mercado secundário para capacidade; e articulação e compatibilidade entre os sistemas de
países vizinhos (LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p. 36).
Embora todos esses critérios sejam importantes, a refletividade dos custos é de grande
relevância para a não-discriminação. Se as tarifas refletem os custos associados a cada
serviço, a utilização da rede é eficiente e cada cliente pagará de acordo com os custos que
causa ao sistema. Assim, as tarifas pagas pelos clientes refletem todas as tarifas e preços ao
longo da cadeia de valor (ERSE, 2004).
De acordo com Lapuerta e Moselle (2002, p.37), a refletividade dos custos terá
implicações diferentes dependendo do nível de crescimento da rede e o congestionamento
atual ou esperado. Com crescimento ou congestionamento na rede, não há capacidade ociosa e
as tarifas seguem o princípio da eficiência alocativa. No entanto, quando a taxa de
crescimento é pequena e há capacidade ociosa, a principal preocupação é alocar os custos dos
56
investimentos anteriores feitos na rede entre os carregadores. Já para um sistema com tráfego
intenso, com grande expectativa de crescimento, ou com demanda incremental, os custos
previstos tornam-se importantes, pois haverá novos custos em construção de rede.
Os custos previstos devem estar refletidos na definição da tarifa para que haja
eficiência. No caso de gasodutos com custo dos fluxos incrementais diferentes, deve haver
tarifas diferentes de tal forma que o gasoduto com menor custo seja mais utilizado. Da mesma
forma, se o tráfego não é uma variável relevante entre os diversos gasodutos, as tarifas não
precisarão estimular o uso de um em detrimento de outros. A definição tarifária não é simples:
além de alocar os investimentos de forma eficiente, deve levar em consideração as
características dos gasodutos, a extensão e a natureza do sistema (LAPUERTA e MOSELLE,
2002).
2.2.2 - Custos
De acordo com a OCDE (1994), são três as bases de custo utilizadas para se calcular
as tarifas de transporte do gás natural: o custo marginal de curto-prazo, o custo marginal de
longo-prazo e os custos contábeis médios. A base mais comum para o cálculo dos serviços
regulados, entretanto, é o custo contábil médio, devido às dificuldades na determinação dos
custos marginais de curto e longo-prazo. Nessa abordagem, todos os custos relacionados no
balanço da firma são alocados em relação a diferentes serviços de transporte e à capacidade e
desempenho.
Para o cálculo dos custos de serviço do transporte de gás natural, é feita uma divisão
entre os custos fixos e os custos variáveis. Os custos fixos envolvem, além dos investimentos,
todos os custos não associados ao volume transportado, como o custo fixo de serviço,
operação, manutenção e administração, além dos custos com seguros e impostos. Já os custos
variáveis envolvem os custos associados ao volume de gás transportado, como a compressão e
as perdas de gás. Os custos, após serem classificados entre fixos e variáveis, podem ser
associados a uma capacidade de reserva ou à utilização. A estrutura tarifária do transporte do
gás natural costuma ser binomial, com uma tarifa de capacidade, que é cobrada sobre a
capacidade contratada e deve cobrir os custos de investimento e os custos fixos; e uma tarifa
de movimentação, que cobre os custos variáveis.
57
Os principais determinantes dos custos fixos são a extensão do gasoduto e o volume a
ser transportado nos picos de demanda. Assim, se os gasodutos ligam diretamente as zonas de
produção e consumo, a extensão do gasoduto é a distância entre as áreas. Da mesma forma, se
o gasoduto é totalmente utilizado para atender a demanda, a capacidade máxima do gasoduto
será o volume a ser transportado nos picos de demanda. Nesses casos, todos os custos fixos
são atribuídos à capacidade contratada pelo carregador. Os custos variáveis, por sua vez, são
determinados principalmente pelo volume transportado e pela distância entre os pontos de
entrada e saída. Como os principais determinantes dos custos são a capacidade e a distância, a
demanda total pode ser expressa pelo Momento de Capacidade de Transporte (MC) que é um
indicador de capacidade e distância, expresso em m3.km. O MC é dado pela seguinte fórmula
(ANP, 2002c, p.18):
Onde: MC = momento de capacidade total (m3.km)
Cij = capacidade contratada entre o ponto de entrega i e o ponto de recepção j (m3)
Dij = distância entre o ponto de entrega i e o ponto de recepção j (km)
n = número de pontos de entrega
p = número de pontos de recepção
A tarifa de transporte firme dos gasodutos deve cobrir os custos fixos da capacidade
de recepção e de transporte não relacionados à distância (encargo de capacidade de entrada),
os custos fixos da capacidade de transporte relacionados à distância (encargo de capacidade
de transporte) e os custos fixos relacionados à capacidade de entrega (encargo de capacidade
de saída), além dos custos variáveis da movimentação do gás (encargo de movimentação).
(ANP, 2002a).
As tarifas de transporte de gás natural terão, segundo Lapuerta e Moselle (2002), dois
componentes: um de escassez16 e outro relacionado aos custos fixos. O de escassez pode ser
16 Lapuerta e Moselle (2002, p. 37) utilizam o termo “scarcity charge”.
58
calculado por market-clearing17 ou pelo cálculo dos custos marginais. Se esse componente já
cobrir os custos fixos, então não haverá necessidade de nenhum outro encargo adicional. Por
outro lado, se isso não ocorrer, deverá haver outro componente que cubra os custos fixos e
assegure a receita. Formalmente tem-se (LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p. 38):
Tarifa = “Encargo de Escassez” + “Encargo para cobrir os Custos Fixos”
Se o sistema está em fase de crescimento e há pouca capacidade ociosa, então o
encargo de escassez deve prevalecer na tarifa total. Nesse caso, além do encargo de escassez,
os custos marginais de longo prazo estarão presentes nos encargos de refletividade de custos.
Em sistemas complexos, os custos marginais de longo prazo, provavelmente, não serão
proporcionais à distância (LAPUERTA e MOSELLE, 2002).
Para a definição das tarifas é preciso calcular ainda o valor presente da receita total
pelo serviço de transporte, que é calculada igualando as entradas de caixa ao valor presente
das saídas de caixa. A taxa de desconto utilizada deve ser igual à taxa de retorno18 considerada
adequada e deve refletir os riscos envolvidos no fornecimento do serviço de transporte.
Onde: Receita Total = receita total (R$)
Invi = custos de investimento do gasoduto realizados no ano i (R$)
CFi = custos fixos referentes ao ano i (R$)
CVi = custos variáveis referentes ao ano i (R$)
VRn = valor residual do gasoduto ao final do ano n (R$)
R = taxa de retorno
n = prazo de avaliação
Para se calcular qual a tarifa a ser praticada, deve-se fazer um levantamento do
investimento necessário para o desenvolvimento da atividade, custos de operação e
17 O mecanismo de market clearing pode ser, por exemplo, um leilão ou cálculos de custo marginal. 18 A taxa de retorno é definida com base na média ponderada do retorno aplicável a cada tipo de fonte de recurso, seja ela capital próprio, de terceiros ou outra fonte de recursos.
59
manutenção e impostos, respeitando os padrões locais e internacionais. Posteriormente, deve-
se definir qual a taxa de retorno sobre o investimento, que deve incorporar as condições do
mercado e os riscos associados ao transporte do gás, e fazer uma estimativa da demanda, ou
do momento da construção da infra-estrutura ou a demanda de transporte efetivamente
contratada. A tarifa deve ser, portanto, aquela que multiplicada pela demanda recupere o
investimento remunerado à taxa de retorno justa e também os custos de operação e
manutenção e impostos (ANP, 2002a).
As principais formas de tarifação de gás natural são a tarifação postal, a tarifação por
distância e a tarifação do tipo entrada/saída. A seguir, cada uma dessas metodologias será
apresentada detalhadamente, assim como algumas das formas de combinação entre esses
diferentes tipos de tarifação.
2.2.3 - Tarifação Postal (Postage-Stamp)
A tarifação denominada postal independe da distância percorrida pelo gás natural de
tal forma que o transporte de cada m3 de volume de gás possui a mesma tarifa. Nesse caso, a
demanda deve ser expressa por um indicador de capacidade, que pode ser a capacidade
máxima do gasoduto ou o somatório das capacidades contratadas. Esse tipo de tarifa é
aplicado em casos de monopólio territorial e, dependendo da estrutura da oferta, em mercados
maduros, nos quais há crescimento mínimo do consumo de gás e os novos investimentos não
são tão impactantes (ANP, 2002a).
Com a tarifação postal, um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo,
independentemente da origem e do destino do gás natural. Assim, é mais fácil aplicar o
princípio da uniformidade tarifária em todo território. Porém, de acordo com a ERSE (2004),
neste tipo de tarifação existe um subsídio cruzado entre os clientes situados perto e longe dos
pontos de produção. Este tipo de tarifação será menos indicado quanto maiores, menos
ramificados e mais unidirecionais forem os gasodutos.
60
2.2.4 - Tarifação por Distância
Por outro lado, se a distância percorrida pelo gás for considerada no cálculo da tarifa, a
demanda é expressa por um indicador de capacidade de distância, que é denominado
momento de capacidade de transporte e é calculado somando-se os produtos da capacidade
disponibilizada em um ponto de entrega pela distância entre os pontos de recepção e entrega.
Quando existe uma grande distância entre os pontos de entrada e de saída de gás, a variável
distância condiciona fortemente os custos do transporte e, por isso, deve ser considerada no
cálculo da tarifa.
A tarifa por distância é prática comum em mercados em desenvolvimento e em
concorrência, uma vez que as tarifas que não apresentam os determinantes de seus custos são
ineficientes. Com a introdução da variável distância é possível eliminar as distorções causadas
por subsídios cruzados entre usuários do serviço. Com esse tipo de tarifa é possível, ainda,
respeitar as vantagens comparativas das regiões produtoras e evitar decisões irracionais de
investimento por falta de sinalização locacional (ANP, 2002a). O custo de transporte deve ser
condicionado à distância quando o fluxo é dominantemente unidirecional, e principalmente
quando há poucos pontos de injeção (ERSE, 2004). Lapuerta e Moselle (2002) concordam
que a tarifação baseada em distância reflete seus custos quando os gasodutos são extensos e
com fluxos unidirecionais. Entretanto, quando as redes possuem muitos pontos de entrada e
saída, a tarifação por distância não terá seus custos refletidos nas tarifas e será potencialmente
discriminatória, principalmente em relação às empresas entrantes, em benefício das
incumbentes, que levam vantagens relacionadas ao grande portfólio de fontes de oferta e
clientes.
A tarifação ponto-a-ponto é a principal forma de aplicação da tarifação por distância e
geralmente é utilizada para transporte de grandes distâncias, quando há um deslocamento
linear do gás. Nesse caso, entre cada ponto de recepção e entrega é aplicada uma tarifa
unitária por m3.km e para cada carregamento é cobrada tarifa por unidade de volume. A tarifa
por m3 entre o ponto de recepção (x) e o ponto de entrega (y) é obtida da seguinte maneira
(ANP, 2002c, p. 18):
TarifaXY = Custo Unitário . DXY
61
Onde: TarifaXY = tarifa de transporte entre os pontos x e y (R$/m3)
Custo Unitário = custo unitário de transporte (R$/m3/km)
DXY = distância, em km, entre os pontos x e y
2.2.5 - Tarifação Entrada/Saída (Entry-Exit)
O tipo de tarifação “entry-exit”, ou entrada/saída, é outra forma de tarifação para o
transporte de gás natural. Este tipo de determinação de tarifas é definido com base na
combinação de preços separados para a introdução de gás no sistema – preços de entrada – e
para a retirada de gás do sistema de transporte – preços de saída. Assim, busca-se refletir,
simultaneamente, o uso da capacidade do sistema e a flexibilidade de utilização do mesmo.
Esse critério contém, indiretamente, um elemento de distância na determinação do quanto
cada agente irá pagar (ERSE, 2004).
De acordo com Lapuerta e Moselle (2002), em um sistema de entrada/saída, o encargo
total de transporte é a soma dos encargos de capacidade de entrada e de saída. Esses encargos
podem variar muito entre o ponto de entrada e o ponto de saída e podem ser distribuídos de
maneira a tornar os encargos totais de transporte o mais próximo possível de seus custos
associados. A implementação depende do conceito de custo que se utiliza: no Reino Unido,
por exemplo, a empresa UK Transco usa as tarifas entry-exit para aproximar o valor do custo
marginal de longo prazo. Entretanto, pode-se utilizar a mesma metodologia utilizando como
base os custos médios ou outra forma de alocação de custos.
Algumas análises teóricas afirmam que é sempre possível refletir os custos marginais
de longo prazo por meio dos encargos de entrada e saída. Lapuerta e Moselle (2002, p.42)
interpretam essa afirmação como um pressuposto inicial a favor da tarifação entry-exit nos
casos em que o conceito de custo dominante é o de custo marginal de longo prazo. Entretanto,
os autores fazem algumas advertências pois os argumentos teóricos pressupõe hipóteses de
planejamento ótimo e perfeita previsibilidade, mas, na prática pode ser difícil para a tarifação
entrada/saída refletir completamente os custos marginais. Além disso, as teorias aplicadas ao
custo marginal podem não ser eficientes quando se usa a tarifação entrada/saída para refletir
os custos médios. O exemplo a seguir mostra isso:
62
Figura 1 - Tarifação Entrada/Saída e Custos Médios
Fonte: Lapuerta e Moselle (2002, p. 43)
Considerando o sistema hipotético da figura 1, com dois pontos de entrada (I e J) e dois
pontos de saída (V e W) e supondo que o custo médio de transporte é o mesmo entre I e V e I e
W, mas o custo médio entre J e V é bem mais baixo do que entre J e W, então, se a meta é refletir
os custos médios nas tarifas, os encargos para usar IV e IW devem ser os mesmos, e, portanto, os
encargos de saída para V e W devem ser iguais. Entretanto, isso implica que o encargo para usar
JV será o mesmo da utilização de JW, mesmo com os custos médios sendo diferentes
(LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p.43).
Para que a tarifação entry-exit seja eficiente, é necessário que a autoridade responsável
pela definição tarifária defina claramente a metodologia de medição de custos associados aos
gasodutos e calcule os encargos de entrada e saída de tal forma que, para qualquer contrato, as
tarifas se aproximem o máximo possível dos custos. Após a definição é necessário que
qualquer divergência na refletividade dos custos seja examinada para que, se possível,
modificações sejam feitas.
2.2.6 - Combinações de metodologias tarifárias
A tarifação por distância, postal e entry-exit são as três principais metodologias de
tarifação de transporte de gás natural. Entretanto, existem variações e combinações dessas três
(ponto de saída) V J (ponto de entrada)
(ponto de entrada) I W (ponto de saída)
63
formas, que são utilizadas de forma a agregar as vantagens específicas de cada uma delas. As
combinações de diferentes metodologias costumam ser mais utilizadas do que as formas
puras, dada a minimização dos pontos negativos.
A tarifação zonal é uma das principais combinações de metodologias e ocorre entre a
tarifa postal e a ponto-a-ponto. Na tarifas zonais, há uma divisão por zonas tarifárias na região
por onde passa o gasoduto. Dentro de uma mesma região, as tarifas por unidades de volume
são as mesmas, ou seja, a tarifação é postal. Para a definição da tarifa a ser cobrada deve se
utilizar a metodologia da tarifa ponto a ponto aplicada à distância média equivalente da zona,
também denominada centro da carga (ANP, 2002a). Para cada centro de carga existe uma
distância e uma capacidade contratada associadas. A capacidade contratada é calculada a
partir da soma de todas as capacidades contratadas nos pontos de entrega da zona. Para o
cálculo da localização do centro de carga é preciso calcular a distância média de capacidade,
obtida da seguinte forma (ANP, 2002c, p. 19):
Onde: DC = distância média de capacidade (km)
MC = momento de capacidade total (m3.km)
CT = capacidade contratada total no gasoduto (m3)
A distância média ponderada é, portanto, a média das distâncias ponderada pelas
capacidades contratadas em cada ponto de entrega de uma zona, que é calculada como a
relação entre o momento de capacidade total e o somatório de todas as capacidades
contratadas.
A tarifação zonal contorna alguns dos problemas relacionados à tarifação ponto-a-
ponto uma vez que a tarifa é mais homogênea. Ao mesmo tempo, este tipo de tarifação
fornece sinalização locacional para os consumidores e produtores, o que não ocorre com a
tarifação postal. Por outro lado, a tarifação zonal também apresenta desvantagens, como a
possibilidade de consumidores iguais pagarem tarifas diferentes se estiverem em zonas
distintas e de tornar-se instável no caso de grandes expansões na rede.
64
Há ainda uma outra forma de tarifação denominada tarifa binária, tarifa mista ou tarifa
híbrida. Nesse caso, a tarifa é apenas em parte proporcional à distância, assim, tanto os custos
fixos (sobre a capacidade contratada) como os custos variáveis (sobre a movimentação) são
remunerados. A tarifa binária possui, portanto, dois componentes: um que remunera os custos
fixos e é cobrado sobre as capacidades contratadas, e outro que remunera os custos variáveis e
é cobrado sobre a movimentação (ANP, 2002c, p. 20):
Onde: RecTotFix = receita total fixa (R$)
RecTotVar = receita total variável (R$)
MCi = momento total de capacidade no ano i (m3.km)
MMi = momento total de movimentação no ano i (m3.km)
CustoUnitárioCapacidade = custo unitário19 de capacidade (R$/m3/km)
CustoUnitárioMovimentação = custo unitário de movimentação (R$/m3/km)
R = taxa de retorno
n = prazo de avaliação
São muitas as formas de variação e combinação na tarifação de transporte de gás
natural. Cada país, de acordo com as características da rede e dos gasodutos, da contratação
do transporte e de aspectos relacionados ao serviço e uso final do gás, determinam a forma de
tarifação que mais se adapta a essas características. Muitos países costumam subdividir as
tarifas em uma parte fixa e outra proporcional à distância e, portanto, utilizam-se de
combinações das formas de tarifação analisadas.
19 Se as demandas e os custos forem conhecidos, os custos unitários de capacidade e de movimentação podem ser calculados dividindo a receita total fixa e variável pelos respectivos momentos de capacidade e de movimentação.
65
2.2.7 - Tarifa em Duas Partes
De acordo com OECD (1994), quando o transporte do gás natural é feito com um
número fixo de carregadores e volumes estáveis, a alocação dos custos é simples. Por outro
lado, quando a rede de gasoduto é aberta para o livre acesso, há um maior número de
carregadores competindo, cada um com um fator de carga diferente. Nesse caso, os efeitos
dos incentivos da tarifa são fundamentais. O problema é alocar os custos totais de forma a
cobrir a capacidade reservada para o transporte firme, compensando os custos fixos do
transportador e os custos variáveis, que são a capacidade de transporte realmente usada.
Nesse caso, as tarifas de movimentação costumam ser baixas e as de capacidade altas
para, assim, estimularem um alto fator de carga dos contratos firmados e, conseqüentemente,
a maximização do volume transportado. O regulador, entretanto, pode variar a participação
relativa da tarifa de movimentação em relação à de capacidade se seus objetivos forem outros,
como a conservação da oferta do gás, a diminuição do volume transportado em horário de
pico ou o estímulo à contratação de novas capacidades.
Para cada tipo de incentivo, diferentes formas de classificação de custos para tarifas
binômias são apresentadas pela OECD (1994):
- No critério Atlantic Seaboard Method, criado em 1952, metade dos custos fixos
são alocados como tarifa de movimentação. É geralmente utilizado em momentos
de grande crescimento de infra-estrutura e intensa competição. Esse critério é uma
forma dos consumidores interruptíveis também arcarem com parte dos custos fixos
(PINTO JR. e FIANI, 2002, p. 530).
- No United Method, criado em 1973, 25% dos custos fixos ficam alocados na tarifa
de capacidade e 75% desses custos na tarifa de movimentação, assim como os
custos variáveis. Esse método foi utilizado para aumentar o fator de carga no
transporte.
- O método Modified Fixed Variable, criado em 1983, aloca os custos fixos e os
custos variáveis na tarifa de movimentação. O objetivo desse método é maximizar
a utilização do gasoduto e tornar o gás mais competitivo em relação a
combustíveis alternativos.
66
- O Modified Fixed Variable Without D220, criado em 1989, aloca quase todos os
custos fixos na tarifa de capacidade e os custos variáveis na tarifa de
movimentação. O objetivo desse método é assegurar a transição para o livre
acesso.
- Por fim, o método Straight Fixed-Variable passou a ser utilizado nos EUA desde
1992 e apresenta tarifa de movimentação baixa, incentivando um fator de carga
elevado. Nesse caso, os custos são repassados aos usuários como nos gasodutos e
o custo de transportar volumes incrementais de gás é baixo pois há uma pequena
parcela de custos fixos na movimentação adicional. Os carregadores têm, ainda, a
possibilidade de aumentar o fator de carga pela venda de gás adicional no mercado
spot.
2.2.8 - Tipo de Capacidade
Lapuerta e Moselle (2002) distinguem entre dois aspectos de um sistema tarifário: o
tipo da tarifa e o tipo de capacidade. Dois países podem ter o mesmo tipo de tarifação com
tipos de capacidade diferentes, como é o caso da Irlanda e da Inglaterra. Em ambos os países
o tipo de tarifação é de entrada/saída, no entanto, na Irlanda a capacidade é ponto-a-ponto, ou
seja, os contratos especificam os pontos de início e de fim, sem qualquer flexibilidade de
mudança, já na Inglaterra, os contratos são mais flexíveis. A escolha entre o tipo de tarifa e o
tipo de capacidade é independente e os critérios de definição são diferentes. No caso do tipo
de tarifa o principal objetivo é refletir os custos, já o tipo de capacidade está relacionado com
a flexibilidade do usuário da rede.
Os sistemas de capacidade são tipos de contrato de transporte de gás natural com
diferentes direitos e obrigações. Cada tipo de contrato enfrenta diferentes trade-offs entre as
metas de adoção da competição, a promoção de liquidez e o gerenciamento do tráfego nos
gasodutos. Existem três tipos de contrato de capacidade: postal, entry-exit e ponto-a-ponto.
Lapuerta e Moselle (2002) ilustram esses três tipos de contrato, supondo a rede hipotética
representada na Figura 2:
20 Tarifa de capacidade anual
67
Figura 2 – Exemplo de uma rede hipotética
Fonte: Lapuerta e Moselle, 2001, p.56
a) Postal: O tipo de capacidade postal dá ao carregador o direito de entrar com o gás
em qualquer ponto de entrada (A ou B) e tirá-lo em qualquer ponto de saída (C ou
D). Além disso, os carregadores podem trocar os pontos de entrada e de saída sem
a necessidade de assinar novos contratos.
b) Entry-Exit: Um contrato de capacidade de entrada amarra o carregador a um
ponto específico de entrada, mas dá a eles acesso aos clientes que reservaram a
capacidade de saída em qualquer ponto de saída. No exemplo, suponha que o
carregador contrate o ponto de entrada A. Porém, uma vez que o gás entra no
sistema ele pode ser entregue a qualquer um que assinou um contrato separado de
saída nos pontos C ou D. Para o carregador utilizar o ponto de entrada B, um novo
contrato deve ser assinado. O mesmo ocorre com os contratos de capacidade de
saída.
c) Ponto-a-Ponto: Nesse tipo de contrato o carregador contrata um ponto de entrada
(A ou B) e um ponto de saída (C ou D). Nesse caso, o shipper não pode usar
nenhum outro ponto de entrada nem de saída exceto o estabelecido no contrato.
Cada um desses tipos de contrato possui flexibilidade diferente. Existe, entretanto, um
trade-off na questão da flexibilidade: ao mesmo tempo em que ela alimenta a competição, ela
A B
C D
Ponto de Entrada
Ponto de Saída
Gasodutos
68
pode reduzir o total de capacidade disponível. Assim, a escolha dependerá do tamanho do
tráfego no sistema. Quando há pouca capacidade é melhor utilizar contratos menos flexíveis e
vice-versa.
O principal benefício da flexibilidade desse tipo de contrato é desenvolver a
competição, uma vez que ele diminui a competitividade significativa do tamanho do
carregador. Em um contrato ponto-a-ponto, os carregadores com um grande portfólio de
clientes possuem vantagens competitivas, pois é possível fazer swaps internos e manter a
elevada utilização dos pontos de entrada e saída particulares. Por outro lado, um carregador
com apenas um cliente poderá desperdiçar capacidade de transporte se o consumidor utilizar
menos gás do que foi antecipado, pois é difícil vender essa capacidade ociosa em um sistema
ponto a ponto. Já os direitos de capacidade postais facilitam o comércio e diminuem o
desperdício do pequeno carregador. Com a flexibilidade, o pequeno carregador tem maior
possibilidade de crescer gradualmente, sem desvantagens competitivas. Além disso, a
existência de flexibilidade encoraja a comercialização secundária da capacidade de transporte
(LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p.58).
A flexibilidade dada aos carregadores, entretanto, pode afetar o montante de
capacidade disponível do transportador. Lapuerta e Moselle (2002, p.59) ilustram esse
problema com o exemplo representado na Figura 3. Nesse sistema hipotético, existem três
pontos de entrada (A, B e C) e dois pontos de saída (D e E). Os gasodutos A-E e C-D tem
capacidade de duas unidades cada enquanto os gasodutos B-D e B-E tem apenas uma unidade
disponível. A demanda de gás é de duas unidades em cada ponto de saída (D e E), totalizando
uma demanda de quatro unidades.
Figura 3 - Custo da Flexibilidade
Fonte: Lapuerta e Moselle (2002, p. 59)
Ponto de Entrada
Ponto de Saída
Gasodutos
A B
D E
C
1 2 1 2
69
Se o contrato de capacidade for do tipo postal, o transportador só pode vender uma
unidade da capacidade da firma, pois de outra forma ele corre o risco de ficar incapaz de
cumprir com seus compromissos. Se o transportador vender duas unidades da capacidade ele
pode não conseguir transportar duas unidades de gás de B para o ponto D. Por outro lado, se o
transportador vende uma unidade da capacidade, as outras três necessárias nos pontos D e E
terão que ser obtidas usando capacidade interruptível.
Já para o caso do contrato entry-exit, o transportador pode vender cinco unidades de
capacidade de entrada, duas em A e C e uma em B. Caso contrário, a firma não poderá
cumprir seus compromissos. Se a firma vender duas unidades em B, não conseguirá
transportar essas unidades até D. O transportador também pode vender quatro unidades de
capacidade de saída, duas em cada ponto. Mesmo cinco unidades sendo mais do que a
demanda, há ineficiência no ponto B
Se, entretanto, o contrato for ponto-a-ponto, o transportador poderá vender seis
unidades: duas em A-E e C-D e uma em B-D e B-E. Nesse caso, a inflexibilidade permite ao
transportador maximizar as vendas de capacidade da firma. Esse exemplo mostra que a
capacidade que uma firma irá vender depende do tipo de contrato que é oferecido. Com
contratos mais flexíveis, a capacidade a ser vendida é menor.
O contrato do tipo entry-exit é positivo para a eficiência do comércio, para a liquidez
do mercado e para a competição. Separando as capacidades de entrada e saída, o sistema cria
uma commodity homogênea que pode ser comercializada em termos equivalentes por todos os
usuários do sistema. O mesmo não ocorre no contrato ponto-a-ponto pois há uma commodity
para cada combinação de pontos de entrada e saída (LAPUERTA e MOSELLE, 2002).
Em relação à escolha da tarifa de capacidade pode-se concluir que há um trade-off
entre a quantidade de capacidade que o transportador pode vender e a flexibilidade dos
carregadores. A flexibilidade estimula o aumento da competição, mas a maximização da
quantidade disponível para venda também é importante, pois encoraja a utilização da rede,
ajuda a evitar congestionamento e, no longo prazo, diminui os custos totais do sistema. Essa
decisão dependerá da natureza do sistema e da capacidade ociosa dos gasodutos. Se o sistema
for congestionado, o valor da capacidade adicional pode ser tão alto que justifica o uso de um
contrato inflexível. O trade-off deve ser analisado particularmente para cada sistema.
70
Na visão de Lapuerta e Moselle (2002), o contrato ponto-a-ponto pode não ser
totalmente inflexível. Uma das formas de possibilitar algum grau de flexibilidade é permitir
que os carregadores, ao contratarem o transporte entre dois pontos, tenham o direito de
designar um ponto de entrada e/ou saída secundário se for fisicamente factível. Outra
possibilidade é fazer uma segmentação, onde o carregador pode quebrar o caminho escolhido
no contrato nos seus segmentos constituintes ou combinar segmentos diferentes em um único
caminho. Essas alternativas mantém os benefícios da capacidade ponto-a-ponto ao mesmo
tempo que o flexibilizam.
A questão da flexibilidade também está relacionada à existência de um mercado
secundário nos sistemas com diversos carregadores, uma vez que o mercado secundário é
capaz de estimular a competição e aliviar a congestão. Em um mercado com muitos
carregadores competindo, qualquer carregador com excesso de capacidade terá incentivos
para colocá-lo no mercado secundário. Apenas um carregador com possibilidade de perder
clientes para algum concorrente que costuma resistir a este tipo de negociação, mesmo
sabendo que o concorrente pode comprar excesso de capacidade de outros carregadores. Por
outro lado, no caso de existir um carregador dominante, ele controla a capacidade existente e
pode bloquear os competidores recusando-se a negociar o excesso de capacidade
(LAPUERTA e MOSELLE, 2002).
Cada tipo de capacidade tem impactos diferentes sobre a criação de mercado
secundário. No caso do tipo de capacidade entry-exit, existe a criação de um pequeno número
de commodities, uma para cada ponto de entrada ou saída e, assim o mercado secundário é
mais estimulado do que no caso do tipo de capacidade ponto a ponto, que cria centenas de
commodities diferentes, uma para cada combinação de pontos de entrada e saída
(LAPUERTA e MOSELLE, 2002).
Por meio do estudo dos diferentes tipos de tarifação e dos diferentes tipos de
capacidade que podem ser aplicados na tarifação entrada/saída é possível perceber que são
inúmeras as combinações existentes e, portanto, inúmeras as formas de tarifação do transporte
de gás natural. Assim, cada país irá definir o método que mais se adapta aos objetivos do
órgão regulador, ao modelo de organização da indústria e às características da rede.
71
2.3 - Considerações Finais do Capítulo
Este Capítulo analisou as características técnico-econômicas da indústria do gás
natural, dando ênfase as características do segmento de transporte que fazem da tarifação do
transporte de gás natural um ponto importante da regulação do segmento. A tarifação do
transporte do gás natural deve levar em conta tanto os custos de movimentação do gás quanto
os custos fixos relacionados à construção da rede de gasodutos.
Os tipos de tarifa de transporte de gás natural analisados nesse capítulo foram a
tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação do tipo entrada/saída. Na tarifação
postal um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo e existe um subsídio
cruzado entre os clientes situados perto e longe dos pontos de produção. Já na tarifação por
distância, a demanda é expressa por um indicador de capacidade de distância e assim, é
possível eliminar as distorções causadas por subsídios cruzados e respeitar as vantagens
comparativas das regiões produtoras. Na tarifação entry-exit, as tarifas são definidas com base
na combinação de preços de entrada e de saída do sistema de transporte, sendo, portanto,
bastante flexível.
A escolha entre os diversos tipos de tarifação vai depender das características do
sistema e dos objetivos do órgão regulador. Cada país leva em consideração fatores diferentes
na formulação da metodologia tarifária a ser adotada para o transporte de gás natural. As
tarifas baseadas em distância são indicadas para gasodutos extensos com fluxo unidirecional.
Em outras circunstâncias, esse tipo de tarifa pode não refletir bem os custos do sistema e se
tornar discriminatória. Já a tarifação do tipo entrada/saída é geralmente recomendada quando
os custos marginais de longo prazo são o conceito de custo dominante. A tarifação postal, por
sua vez, é indicada para monopólios ou em mercados maduros. O quadro abaixo faz uma
pequena comparação entre os três principais tipos de tarifação de transporte de gás natural.
72
Quadro 1 - Comparação entre as Formas de Tarifação de Transporte de Gás
Tarifação por Distância
Tarifação Entry-Exit
Tarifação Postal
Facilidade de Uso Razoável Bom Muito Bom Transparência para o Regulador Difícil de
determinar Bom Muito Bom
Discriminação pelo Custo do Transporte
Alta Nenhuma Nenhuma
Refletividade dos Custos
Geralmente Boa
Crítico em alguns casos
Ruim para grandes redes
Efeitos perversos sobre Investimentos
Possível Possível Alta se a rede é ampla
Facilidade de Comercialização no Mercado Secundário
Razoavelmente difícil
Razoavelmente fácil
Razoavelmente fácil
Fonte: Adaptado de Lapuerta e Moselle (2002, p.49)
É possível perceber, portanto, que existem trade-offs que devem ser trabalhados antes
de se optar pela forma de tarifação a ser utilizada no segmento. No próximo Capítulo serão
analisadas algumas particularidades da indústria de gás natural no Brasil e o histórico da
tarifação de transporte de gás natural no País. É a partir do entendimento do sistema de
gasodutos e da regulação brasileira que será possível determinar qual o tipo de tarifação que
terá maior possibilidade de sucesso no Brasil.
73
CAPÍTULO III - EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL
NO BRASIL
Neste capítulo discute-se a indústria de gás natural no Brasil, apresentando suas
características principais, as mudanças ocorridas na indústria até a atualidade e os aspectos
regulatórios relacionados a ela, dando ênfase ao segmento de transporte de gás. O estudo das
características específicas da indústria brasileira de gás natural é de fundamental importância
para a formulação de uma política para o transporte de gás natural e, particularmente, das
possíveis soluções para a questão tarifária.
O Capítulo aborda o crescimento do setor no País, as alterações no padrão de
concorrência com a flexibilização do monopólio estatal e o histórico das políticas de
desenvolvimento da indústria no país. São analisados, ainda, alguns dos problemas
relacionados ao transporte de gás natural no Brasil. Por fim, o capítulo apresenta o histórico
dos critérios de tarifação adotados no Brasil, que até o final de 2001 eram três: a tarifação do
transporte do gás natural de produção nacional, a tarifação do gás importado e a tarifação do
gás destinado às usinas do Programa Prioritário de Termeletricidade. Desde 2002, o transporte
de gás natural de produção nacional passou a ser definido livremente entre as partes e a ANP
passou a atuar apenas na resolução dos possíveis conflitos envolvendo os agentes.
Para a análise geral da indústria de gás natural no País, utilizaram-se os dados técnicos
disponíveis em EIA (2004) e ANP (2004). No âmbito dos aspectos regulatórios da indústria,
além dos trabalhos de Krause e Pinto Jr. (1998b) e ANP (2002d), foram analisadas a
Constituição Federal de 1988, a Lei 9.478 de 1997 e a Portaria ANP 169 de 1998. As
informações sobre os problemas relacionados ao transporte de gás natural no Brasil são
baseadas nos trabalhos de Krause e Pinto Jr. (1998b), Cecchi (2003), ANP (2001) e nas
Portarias ANP 98 e 254 de 2001 e 001 de 2003. Por fim, as informações sobre os critérios e
formas de tarifação de transporte de gás natural no País baseiam-se principalmente nos
74
trabalhos de ANP (2002c) e também na legislação vigente sobre o tema, em especial a
Portaria MME 003 de 2000, a Portaria MME/MF 176 de 2001 e as Portarias da ANP 108 de
2000, 101 de 2001 e 45 de 2002.
3.1 - Evolução da indústria de gás natural no Brasil
Antes de analisar os aspectos concernentes ao transporte de gás natural no Brasil é
interessante estudar a evolução da indústria como um todo, desde o início da utilização do
energético até as mudanças ocorridas na indústria após a Constituição de 1988 e a Lei 9.478
de 1997. Nesse contexto, serão apresentadas as características principais da indústria no
Brasil, como a infra-estrutura existente, a disponibilidade de gás natural, os principais
aspectos da demanda por gás natural no Brasil e algumas políticas desenvolvidas para o
aumento da participação do gás natural no País.
3.1.1 - Condições de Oferta
O gás natural passou a ser utilizado no país ainda na década de 40, na Bahia, após a
descoberta de uma reserva de petróleo e gás. Sua utilização em indústrias locais era,
entretanto, bastante limitada. Somente na década de 80, com a descoberta de reservas de gás
na Bacia de Campos que o gás natural começou a aumentar sua participação na matriz
energética brasileira, embora permaneça muito limitada. Por outro lado, com as novas
descobertas de reservas de gás natural e a criação de novos incentivos, a perspectiva é de um
incremento dessa participação nos próximos anos.
a) Reservas e Produção
As reservas provadas de gás natural brasileira até o final de 2003 eram de 316 bilhões
de m3. Esse valor é inferior ao que existe efetivamente no País pois apenas 78 dos 419 bilhões
75
de m3 da nova reserva de gás da Bacia de Santos foram agregados às reservas provadas
brasileiras. Se todos os recursos fossem somados, o Brasil teria quase 700 bilhões de m3, o
que significa um potencial de produção estimado em 100 milhões de m3 por dia. Esse valor é
significativamente superior à produção atual, de cerca de 20 milhões de m3 diários. Até 2001,
a participação do gás natural como fonte primária de energia era de cerca de 3,5%, entretanto,
com esse potencial de produção e investimentos previstos da ordem de três bilhões de dólares,
espera-se que esse percentual seja elevado para 12% em 2010 e 15% em 2015.
(PETROBRAS, 2004).
As principais reservas de gás natural do Brasil estão localizadas nas Bacias de Campos
e Santos, no Sudeste, de Solimões e Amazonas, no Amazonas, e de Potiguar e Recôncavo, no
Nordeste. Como a maioria das reservas brasileiras é localizada offshore, muitas vezes não é
viável economicamente que se invista em infra-estrutura para comercializar boa parte desse
gás (ALMEIDA, 2003c). O Brasil importa cerca de 40% do gás natural que é vendido aos
consumidores finais. As importações são provenientes da Bolívia, pelo gasoduto Bolívia-
Brasil e da Argentina, pelo gasoduto que liga a malha dutoviária desse país com a cidade de
Uruguaiana, no Rio Grande do Sul (ANP, 2004).
Com a abertura do segmento de exploração e produção, muitos novos agentes
passaram a atuar no segmento, aumentando o número de descobertas. A principal delas está
localizada na Bacia de Santos e foi descoberta pela Petrobras. Estima-se que com essa nova
descoberta, a relação reserva-produção brasileira passe de 15 para 40 anos. Outro ponto
importante em relação a essa descoberta é a proximidade com São Paulo, maior mercado
consumidor de gás brasileiro (ALMEIDA, 2003b).
A produção de gás natural no Brasil também se desenvolveu significativamente entre
os anos de 1992 e 2001. O crescimento nesse período foi de 92,5% (EIA, 2004). Com as
rodadas de licitação realizadas pela ANP, há boas perspectivas de aumento da produção do
gás natural nacional. Novas descobertas de gás na Bolívia sem demanda local também
aumentam a possibilidade de importação brasileira, através do gasoduto Bolívia-Brasil (ANP,
2002d).
76
b) Infra-estrutura
Até 1998 a rede de transporte brasileira era de cerca 4.000 km. Entretanto, essa rede
quase dobrou em poucos anos. A malha de gasodutos brasileiros é, atualmente, constituída de
cerca de 7.700 km de redes de transporte e 8.400 km de redes de distribuição. As redes de
transporte englobam os 5,5 mil km de gasodutos de transporte e os 2,2 mil km de gasodutos
de transferência21. O sistema de transporte de gás natural é limitado às Regiões Sul e Sudeste,
com uma pequena rede interconectando os estados do Nordeste. Os gasodutos de transporte
são divididos em três malhas, além do gasoduto Bolívia-Brasil. As três malhas são a Malha
RJ-MG-SP, a Malha Espírito Santo e a Malha Nordeste.
A Malha RJ-MG-SP é composta de sete gasodutos: o gasoduto Cabiúnas-REDUC,
com 183 km de extensão e que transporta cerca de 1,5 bilhões de m3 de gás por ano da Bacia
de Campos para abastecer o estado do Rio de Janeiro; o gasoduto REDUC-REGAP, com 357
km e que transporta anualmente 712 milhões de m3 de gás da Bacia de Campos até Minas
Gerais; o gasoduto REDUC-ESVOL, com 92,5 km de extensão e capacidade anual de
transporte 1,54 bilhões de m3 de Duque de Caxias até o gasoduto Volta Redonda-São Paulo; o
gasoduto ESVOL-São Paulo, com 325,7 km e capacidade de 1,54 bilhões de m3 anuais entre
as cidades de Volta Redonda e São Paulo; o gasoduto ESVOL-TEVOL, com 5,5 km de
extensão entre o gasoduto REDUC-ESVOL e a cidade de Volta Redonda, transportando
anualmente até 1,54 bilhões de m3 de gás; o gasoduto RPBC-Capuava, que transporta até 350
milhões de m3 por ano nos 37 km entre o campo de Merluza, na Bacia de Santos e as cidades
de Cubatão e Capuava; e, por fim, o gasoduto RPBC-Comgás, com 1,5 km e capacidade anual
de 566 milhões de m3 anuais para abastecimento do ponto de entrega da Comgás na Baixada
Santista.
A Malha Espírito Santo é composta por apenas dois gasodutos, o Lagoa Parda-Vitória,
com 100 km de extensão e capaz de transportar até 365 milhões de m3 por ano entre Lagoa
Parda e os municípios de Aracruz, Serra e Vitória; e o gasoduto Serra-Viana, o Gasvit, com
21 Gasodutos de transferência são de uso particular do proprietário ou do explorador das facilidades. É importante ressaltar que no artigo 59 da Lei 9.478/97 ficou estabelecido que os dutos de transferência serão reclassificados pela ANP como de transporte caso haja comprovado interesse de terceiros em sua utilização.
77
46 km de extensão com capacidade máxima anual de 240 milhões de m3 para abastecimento
dos pontos de entrega de Cariacica e Viana.
A Malha SE-BA, também chamada de Malha Nordeste Meridional, possui cinco
gasodutos: o gasoduto Atalaia-Catu, ou Gaseb, que é responsável pelo transporte de até 402
milhões de m3 por ano nos 230 km entre Aracaju e alguns municípios baianos; o gasoduto
Santiago-Camaçari 14” que liga os 32 km entre essas duas cidades, conduzindo até 365
milhões de m3 por ano; o gasoduto Santiago-Camaçari 18”, também com 32 km, mas com
capacidade máxima anual de 657 milhões de m3 por ano; o gasoduto Candeias-Camaçari, que
transporta até 365 milhões de m3 por ano pelos 37 km entre as cidades; e o gasoduto Aratu-
Camaçari, que é o gasoduto mais antigo do Brasil e transporta anualmente até 255 milhões de
m3 pelos 20 km do trecho.
A Malha Nordeste Setentrional engloba os estados do Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco e Alagoas e possui três gasodutos: o gasoduto Guamaré-Pecém, com
capacidade máxima anual de 292 milhões de m3 e 383 km de extensão entre os municípios de
Guamaré, no Rio Grande do Norte, e os municípios cearenses de Icapuí, Horizonte,
Maracanaú e São Gonçalo do Amarante; o gasoduto Guamaré-Cabo, conhecido como
Nordestão, responsável pelo abastecimento de 11 municípios e com capacidade máxima anual
de 314 milhões de m3 de gás natural e 424 km de extensão; e o gasoduto Alagoas-
Pernambuco, com 204 km de extensão entre os municípios de Pilar e Cabo.
O gasoduto Bolívia-Brasil, conhecido como Gasbol é operado pela Transportadora
Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S/A – TBG. O Gasbol possui ao todo 3.150 km de
extensão, sendo 2.593 km no território brasileiro e 557 km na Bolívia. O gasoduto passa pelos
estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O
trecho Norte do gasoduto, que vai da Bolívia até Campinas possui 1.418 km e foi inaugurado
em 1999. Já o trecho Sul, inaugurado em 2000, passa pelos 1.165 km entre São Paulo e a
cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. A capacidade máxima diária do Gasbol é de 30
milhões de m3 de gás. A expectativa é de que sua capacidade máxima seja atingida em 2007,
liderado pelo consumo no Estado de São Paulo. O custo de construção do gasoduto foi de
aproximadamente dois bilhões de dólares, financiado pelo aporte de acionistas, venda
78
antecipada de serviços, emissão de títulos com garantia do Banco Mundial, além de
empréstimos22 (Gás Energia, 2004).
Existem ainda outros gasodutos construídos recentemente, como é o caso do gasoduto
Lateral Cuiabá, que liga a Bolívia à cidade de Cuiabá, no Mato Grasso e possui 267 km de
extensão; e o gasoduto Urucu-Coari, que liga o campo de Urucu, na Amazônia e a cidade de
Coari. Está prevista ainda a construção da extensão desse gasoduto, ligando Coari até a cidade
de Manaus.
Estão ainda em estudos alguns novos gasodutos, como o gasoduto Uruguaiana - Porto
Alegre, que deve fornecer gás natural ao Estado do Rio Grande do Sul e interligar as
principais bacias gasíferas do Brasil, da Argentina e da Bolívia. O gasoduto previsto possui
615 km de extensão e capacidade máxima de 15 milhões de m3 diários. Os investimentos
previstos são de cerca de 350 milhões de dólares. A primeira etapa desse gasoduto já foi
concluída e possui dois trechos: um ligando a fronteira com a Argentina até o city gate de
Uruguaiana e outro ligando o município de Canoas até o Pólo Petroquímico de Triunfo. A
próxima etapa é interligar esses dois trechos já construídos. Outro gasoduto em estudo deverá
ligar Porto Alegre até a cidade de Colônia, no Uruguai. Este gasoduto, chamado de Cruzeiro
do Sul, prevê a construção de 505 km de gasodutos em solo brasileiro e 415 km no Uruguai.
São três as empresas transportadoras que atuam no Brasil: a Transpetro; a
Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-
Brasil (TBG). A Transpetro, criada em 1997, é uma subsidiária de transporte marítimo,
dutoviário e de operação de terminais da Petrobras. A empresa realiza atividades relacionadas
ao transporte e armazenamento de combustíveis por dutos, terminais e embarcações e é
responsável por todos os gasodutos brasileiro, com exceção do Gasbol e do gasoduto
Uruguaiana-Porto Alegre. A TSB foi criada em 1999 e ficou responsável pela construção do
gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre. Já a TBG, criada em 1997, é a responsável pela
administração do gasoduto Bolívia-Brasil.
A Figura a seguir mostra toda a rede de gasodutos brasileira incluindo as três malhas:
Malha RJ-MG-SP, a Malha Espírito Santo e a Malha Nordeste; o Gasoduto Bolívia-Brasil; os
gasodutos já construídos, mas fora de operação, como é o caso do gasoduto Urucu-Coari; e
22 A construção do Gasbol contou com empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), do BIRD (Banco Mundial), de
79
alguns dos gasodutos em estudo, como é o caso do Gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre e do
Coari-Manaus.
Figura 4 - Rede de Gasodutos Brasileira
Fonte: Petrobras, 2004
Agências de Fomento à Exportação, do CAF (Corporación Andina de Fomentos) e do BEI (Banco Europeu de Investimento)
80
Os gasodutos de distribuição, por sua vez, também são pouco desenvolvidos e somam,
ao todo, 8.400 km. De acordo com a Constituição Federal de 1988 e a Lei do Petróleo (Lei
9.478/97), a distribuição de gás canalizado é de responsabilidade dos Estados da União. Com
a promulgação dessas leis, o número de empresas distribuidoras cresceu muito no país.
Entretanto, a rede de gasodutos de distribuição é pequena em comparação com a rede de
transporte. São 21 os Estados brasileiros que já possuem empresas distribuidoras de gás,
porém, nem todas estão em operação. Os Estados que possuem as maiores redes de
distribuição de gás natural são Rio de Janeiro e São Paulo.
3.1.2 - Condições de Demanda
O desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira está bastante atrasado em
relação a países desenvolvidos, como os Estados Unidos e alguns países europeus. Mesmo
com o crescimento anual de 13% no Norte e no Nordeste e de 19% no Sul, Sudeste e Centro-
Oeste entre 1996 e 2003 (SAUER, 2004), o índice de participação do gás natural na matriz
energética ainda é muito baixo. Para que essa situação seja revertida é de fundamental
importância o desenvolvimento da demanda desse energético.
São três os principais mercados de gás natural no Brasil. O primeiro compreende os
estados do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste, que juntos representam a maior parte da
produção industrial do Brasil e do consumo de energia, os estados da Região Sudeste recebem
gás das Bacias de Campos, de Santos e do Espírito Santo e os demais estados, incluindo
também São Paulo, recebem gás da Bolívia. O segundo maior mercado está localizado na
Região Nordeste, sendo a Bahia o principal mercado consumidor. Os estados do Nordeste
recebem gás das Bacias do Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e da Bahia, mas nos
últimos anos, as reservas da Região vêm declinando. O terceiro mercado está localizado na
Região Amazônica que, embora possua grandes reservas, ainda não possui consumidores23
(ALMEIDA, 2003c).
Existem diversos usos possíveis para o gás natural. O energético pode ser utilizado
como combustível de indústrias, em residências e estabelecimentos comerciais, como
81
combustível para veículos e, ainda, na geração de eletricidade, uso que impulsionou o
crescimento da demanda do energético. As principais vantagens da utilização do gás são a
competitividade econômica e os benefícios ambientais. Do ponto de vista da competitividade,
embora o gás natural seja mais caro que alguns combustíveis, ele costuma apresentar
vantagens comparativas técnicas e ambientais em relação aos concorrentes. Já do ponto de
vista ambiental, o gás natural apresenta menores índices de emissões e, conseqüentemente,
menor custo no controle de poluentes.
No caso brasileiro, a demanda por gás natural é concentrada no segmento industrial,
responsável por cerca de 60% da demanda pelo energético, e no segmento de geração térmica,
que representa 23% do consumo. O segmento automotivo, por sua vez, responde por cerca de
12% das vendas de gás natural e os segmentos comercial e residencial somam apenas cerca de
5% da demanda. A seguir serão apresentadas as características principais de cada um desses
segmentos.
a) Consumo Industrial
O gás natural, como combustível industrial, além de aumentar a qualidade de
fabricação, possui uma combustão bem menos poluente do que outros combustíveis, como o
coque, a lenha e os óleos combustíveis. O desenvolvimento do mercado industrial é de grande
importância para a expansão do gás natural no país. A demanda industrial é relativamente
estável e geralmente de grande volume, o que possibilita que alguns projetos sejam
viabilizados apenas com um grande consumidor que garanta uma demanda mínima de gás
natural. Atualmente, o gás natural representa cerca de 7,5% da energia industrial consumida
no Brasil.
A principal questão relacionada à demanda industrial do gás natural é a
competitividade em relação aos demais energéticos. Se o preço do gás natural deixar de ser
atrativo para os grandes consumidores, a demanda ficará prejudicada, assim como o
desenvolvimento da indústria. É preciso, portanto, que se criem políticas que garantam a
competitividade do combustível, inclusive refletindo as vantagens ambientais do gás natural
nas tarifas.
23 Se o gasoduto Coari-Manaus for construído, haverá algum mercado na Região Amazônica, principalmente de térmicas.
82
b) Geração Termelétrica
Outro mercado importante para o gás natural é o da geração termelétrica, que no caso
brasileiro, está baseada na complementação da hidroeletricidade. Por ser uma grande
demandante de gás natural, uma usina termelétrica é capaz de viabilizar a construção de um
trecho de gasoduto.
O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), como será visto a seguir,
impulsionou fortemente a geração termelétrica no País, embora tenha apresentado resultados
abaixo do esperado. Atualmente, a capacidade de geração das térmicas a gás natural é de
cerca de 5.400 MW e a utilização de gás natural é de aproximadamente nove milhões de m3
diários, mas a previsão é que, até 2007, a geração de energia termelétrica atinja um consumo
de 50 milhões de m3 por dia.
c) Segmento Automotivo
Um mercado de grande perspectiva para o gás natural no Brasil é o de GNV. A
principal vantagem desse combustível é o preço em relação à gasolina, ao álcool e ao diesel.
Do ponto de vista ecológico, o GNV também apresenta redução de alguns poluentes. O ritmo
de crescimento da utilização do GNV se tornou bastante acelerado nos últimos seis anos,
depois que o governo autorizou os veículos particulares a se converterem para GNV.
Atualmente existem mais de 700 mil veículos convertidos no Brasil. Esse mercado é
concentrado nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, mas já apresenta um crescimento
considerável em alguns Estados do Nordeste.
O GNV tem potencial para ser o principal mercado de pequena escala de gás natural
no Brasil, uma vez que o combustível é importante para a capilarização da rede de
distribuição. Para que o mercado de GNV seja ainda maior são necessários: a manutenção dos
preços em patamares competitivos em relação aos demais combustíveis; a ampliação do
número de cidades abastecidas com o combustível; incentivos para a conversão de veículos de
grande porte, de transporte de carga e de passageiros; e investimentos em postos revendedores
de GNV, na distribuição via Gás Natural Comprimido (GNC) e na distribuição de gás
canalizado.
83
d) Consumo Residencial e Comercial
O desenvolvimento dos segmentos residencial e comercial de gás no Brasil é bastante
complicado, dado o estágio incipiente da indústria no País. Com exceção da CEG, no Rio de
Janeiro e da Comgas, em São Paulo, que já possuem redes de distribuição mais desenvolvidas,
a maioria das empresas de distribuição não possui capacidade financeira para arcar com os
custos significativos de construção e expansão da rede. Os altos investimentos necessários não
se justificam para pequenas demandas. Com a deficiência de financiamento, as distribuidoras
procuram por consumidores com demanda elevada e estável (ALMEIDA, 2003c).
A maioria das residências brasileiras utiliza o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e,
portanto, a substituição pelo gás natural depende da ampliação da malha residencial. Por sua
vez, os investimentos necessários para a utilização de gás natural em residências já
construídas são muito altos e, além disso, o aquecimento de residências não é necessário em
quase todo o território brasileiro. Mesmo com todas essas dificuldades, a previsão é de que o
índice de substituição do GLP por gás natural atinja 15% em 2010 (ANP, 2004). Outra
possibilidade é a utilização de gás natural para o aquecimento de água nas residências em
substituição à eletricidade.
O segmento comercial, por sua vez, pode crescer significativamente se houver
incentivos para a substituição do GLP para a cocção e aquecimento de água. Existem alguns
projetos de co-geração para refrigeração e energia elétrica. Além disso, o gás natural pode ser
utilizado em equipamentos de ar condicionado, geladeiras e frigoríficos.
3.1.3 - Evolução das Políticas para o aumento da utilização de Gás Natural
Para o entendimento do desenvolvimento da indústria de gás natural País, é importante
que se aborde a questão das políticas empreendidas no Brasil para o crescimento da demanda
84
de gás natural. Até a década de 70 não existia nenhuma política específica para o gás natural.
Entretanto, devido aos choques de petróleo, foi feita uma revisão na política energética
brasileira e as diretrizes fundamentais passaram a ser o estímulo à substituição do petróleo
importado e a conservação de energia, de modo a minimizar o impacto do aumento dos preços
do petróleo no mercado internacional sobre a economia brasileira. A seguir, serão
apresentadas brevemente algumas das políticas relacionadas ao uso do gás natural
implementadas no Brasil.
a) Plano Nacional de Gás Natural
O Plano Nacional de Gás Natural (PLANGAS), desenvolvido em 1987, definiu
algumas prioridades para o uso de gás natural, tendo como objetivo principal substituir o óleo
diesel utilizado em indústrias e no transporte. O PLANGAS não incluía as termoelétricas pois
as disponibilidades de gás eram insuficientes, mas previa a substituição do óleo diesel para
geração de eletricidade na região Norte. Esse plano falhou pois, até o momento, não havia
sido desenvolvida a tecnologia necessária para a conversão de veículos movidos a óleo diesel;
devido à necessidade de elevados investimentos em equipamentos e instalações; e devido à
oferta de gás natural estar restrita a algumas áreas.
Com o início da construção do gasoduto Bolívia-Brasil houve uma reversão da postura
do PLANGAS. A oferta de gás natural ganhou novas expectativas com a importação do gás
da Bolívia. Primeiramente, objetivava-se o atendimento do mercado industrial. Entretanto,
como o mercado não cresceu como o esperado, a solução encontrada foi o atendimento da
demanda por termoeletricidade.
b) Programa Prioritário de Termeletricidade
Após o blecaute de 1999, o gás natural ganhou importância significativa uma vez que
a geração termelétrica passou a ter um papel complementar em relação à hidroeletricidade. O
Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) foi criado após esse blecaute e previa
inicialmente a instalação de 15 termelétricas com capacidade de 12 GW até 2003. Embora a
construção de usinas termelétricas requeira investimentos menores do que as hidrelétricas, por
outro lado, o custo de operação das térmicas é mais elevado, tornando-as pouco competitivas.
85
Dadas as dificuldades de se atrair investimento privado para a construção de termelétricas, o
PPT criou incentivos para a construção de usinas de forma a aumentar a confiabilidade do
sistema. O PPT seria acompanhado, ainda, de investimentos para aliviar o carregamento das
linhas de transmissão, proporcionar um estabelecimento rápido em casos de blecaute e
modernizar as subestações (SCHÜFFNER, 2002).
Em 2000, uma nova versão do PPT foi apresentada, com a previsão de que 51
termelétricas totalizando 17 GW seriam instaladas até 2004. As termelétricas, entretanto, não
tiveram um lançamento imediato e alguns dos problemas apontados estavam relacionados à
fórmula de cálculo do preço do gás, ao elevado preço do gás natural importado da Bolívia e
ao valor das tarifas de transporte, cuja redução para as térmicas perto do centro de consumo
ainda precisava ser regulamentada pela ANEEL.
No ano de 2001 havia apenas 10 projetos em andamento, todos com participação da
Petrobras. Contudo, com o racionamento, criou-se o Plano Emergencial de Termelétricas, que
possibilitou melhores condições para os interessados. Com esse novo plano, 14 usinas foram
instaladas em 2002, representando um potencial de 3,3 GW. Entretanto, o PPT não foi um
plano bem sucedido e seus resultados foram muito aquém dos esperados. Esse resultado ruim
pode ser explicado, em parte, pelo potencial hidráulico competitivo mesmo com custos e
prazos de construção mais elevados. Além disso, o risco de cortes de energia foi diminuído
devido à elevação de água nos reservatórios. Para que a utilização de gás natural na geração
termelétrica fosse estimulada seria necessária uma diminuição no preço do gás e no valor das
tarifas de transmissão.
Com o PPT, a expectativa de crescimento da demanda por gás natural cresceu muito
no país, em especial depois da crise de 2001. Entretanto, o racionamento provocou uma
grande queda na demanda por energia elétrica reduzindo os investimentos no PPT. Porém,
mesmo com investimentos menores do que os previstos, houve um aumento significativo da
geração baseada em gás natural no Brasil, que atualmente é de 5.400 MW. Se toda a geração
fosse despachada, a demanda por gás natural atingiria cerca de 20 MCM por dia (ALMEIDA,
2003c).
c) Plano de Massificação do Uso do Gás Natural
86
A descoberta da grande reserva de gás natural na Bacia de Santos foi um dos motivos
que levou a Petrobras a criar o Plano de Massificação do Uso do Gás Natural, que tem como
objetivo aumentar a participação do gás natural na matriz energética brasileira. Para isso, o
gás deverá ser disponibilizado para novos consumidores, inclusive em áreas que não possuem
redes de gasodutos, por meio de gasodutos virtuais. O Plano dá atenção especial para o
segmento automotivo, para a co-geração e para a geração distribuída. A previsão é de que
50% da oferta total seja destinada ao segmento industrial, comercial e serviços de grande
porte; 20% para o setor automotivo; 20% para as unidades da Petrobras e para a geração
Termoelétrica; e 10% para consumo residencial e comercial de pequeno porte.
A primeira fase do Plano de Massificação foi o Projeto Malhas, que previa
investimentos de US$ 1,2 bilhões em gasodutos das regiões Nordeste e Sudeste. No Sudeste,
o principal gasoduto previsto é o Campinas-Rio, com 442 Km e, no Nordeste, a previsão é de
construir sete gasodutos totalizando 962 km, oito city gates e duas estações de compressão.
Ainda está em estudo o projeto de interligação das Malhas SE e NE, o chamado Gasene, com
1.225 km de extensão. O Plano também prevê a necessidade de expandir em 200 mil km a
rede metropolitana de gás canalizado. O Plano de Massificação estuda ainda a possibilidade
de construção de uma planta de liquefação de gás natural e investimento da ordem de 2,5
bilhões de dólares para desenvolver a reservas da Bacia de Santos. Com o Projeto Malhas
ficaram evidentes os problemas da indústria de gás natural no Brasil e a falta de aderência
regulatória.
O maior desafio para a massificação do uso do gás natural no Brasil é a interiorização
do combustível. Depois da consolidação do segmento industrial, as distribuidoras apostam na
interiorização dos segmentos veicular, residencial e comercial. Para disponibilizar o gás
natural em qualquer parte do país é necessária a viabilização de gasodutos virtuais, que
consistem na compressão do gás natural em cilindros que são transportados via caminhões até
as estações de descompressão.
O Plano de Massificação da Petrobras é bastante ambicioso e, por isso, possui algumas
dificuldades para se concretizar de fato. O principal gargalo do Plano é a capacidade de
investimento das distribuidoras de gás. A Petrobras espera que sejam construídos 200 mil km
de gasodutos de distribuição, o que representa investimentos muito superiores à capacidade
das distribuidoras (ALMEIDA e BUENO, 2004).
87
As políticas de desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil conseguiram
aumentar a utilização do energético, mas sua participação ainda é muito pequena na matriz
energética brasileira. Alguns dos obstáculos para o crescimento da indústria está relacionado a
aspectos regulatórios, como será visto a seguir.
3.2 - Aspectos Regulatórios
A Constituição de 1988, a Lei 9.478 de 1997 e as Portarias da ANP estabeleceram o
marco regulatório relacionado à indústria do Gás Natural no Brasil. O artigo 25, parágrafo
segundo, da Constituição Federal estabeleceu que “Cabe aos Estados explorar direta, ou
mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição
de medida provisória para a sua regulamentação”. A reforma institucional, por sua vez, foi
realizada pela Lei 9.478/97, conhecida como Lei do Petróleo, que modificou a estrutura da
indústria, desverticalizando seus segmentos. Os segmentos de produção, transporte,
importação e comercialização ficaram sob a responsabilidade da agência reguladora criada
nessa própria lei, a ANP, e a distribuição e os consumidores finais, sob a responsabilidade dos
Estados da União, conforme ilustra a figura a seguir:
Figura 5 - Estrutura da Indústria de Gás Natural Brasileira
88
Fonte: ANP, 2004
A Agência Nacional do Petróleo é, portanto, a responsável pela regulação da indústria
de gás natural brasileira, em seus segmentos de produção, importação, transporte e
comercialização. Até a promulgação da Lei do Petróleo e a criação da agência, a Petrobras,
empresa estatal verticalizada, detinha o monopólio desses segmentos. Com a
desverticalização, a ANP foi criada para “promover a regulação, a contratação e a
fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo” (artigo 8o).
Neste sentido, as principais atribuições da agência dizem respeito à defesa dos interesses dos
consumidores; à licitação de blocos para exploração de petróleo e gás; à autorização do
exercício das demais atividades da cadeia (transporte, comercialização e distribuição); ao
estabelecimento de tarifas quando não houver acordo entre as partes; à resolução de conflitos,
e à fiscalização, direta ou mediante convênios, das atividades (ANP, 2002d, p. 3).
3.2.1 - Produção e Processamento
Em relação à produção de gás natural, ficou estabelecido no artigo 21 da Lei 9.748/97
que a União é a detentora dos direitos de exploração de petróleo e gás natural e que a ANP é a
responsável pela administração. A Lei prevê, ainda, a licitação de blocos e a assinatura de
contratos de concessão para o exercício das atividades de exploração, desenvolvimento e
produção de petróleo. A regulação é feita a partir desses contratos de concessão, que podem
ser transferidos a outros agentes, mediante a autorização da agência. A maior parte dos novos
agentes na indústria brasileira após a quebra do monopólio da Petrobras atua no segmento de
Exploração & Produção, através dos blocos licitados nos seis leilões da ANP.
Já as unidades de processamento de gás natural (UPGN) só podem ser construídas,
ampliadas e operadas com a autorização da ANP, conforme estabelece a Portaria no. 28 de
1999. As atividades relacionas às UPGNs não são concessões dadas aos agentes, que também
não possuem exclusividade no exercício. As autorizações dadas pela ANP podem ser
transferidas, mediante aprovação da agência (ANP, 2002d).
89
3.2.2 - Transporte
Na regulação da atividade de transporte de gás natural não existem licitações. Para o
exercício dessa atividade, é necessária apenas a autorização da agência, que pode ser dada a
qualquer empresa ou consórcio que deseja construir instalações e transportar o gás, tanto no
mercado interno como para importação e exportação (Lei 9.748/97 artigo 56). Já no artigo 65,
a Lei estabelece os requisitos de separação da atividade de transporte, determinando a criação
de uma subsidiária da Petrobras para o segmento. Essa subsidiária é a Transpetro, que tem
como finalidade a construção e operação de dutos, terminais marítimos e embarcações para
transporte.
Outro aspecto importante da regulação de transporte de gás natural é a questão do
livre acesso de terceiros à infra-estrutura existente. O artigo 58 da citada lei prevê que:
Art. 58. Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais
marítimos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das
instalações.
§1º A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada, caso não haja
acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com
o mercado.
§2º A ANP regulará a preferência a ser atribuída aos proprietários das instalações para a
movimentação de seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização
da capacidade de transporte pelos meios disponíveis.
Em 1998, a ANP estabeleceu a Portaria 170, que regulamentou a construção e
operação de infra-estrutura de transporte. A partir dessa Portaria, alguns empreendimentos
importantes foram autorizados, como o gasoduto Bolívia-Brasil, o Uruguaiana-Porto Alegre e
o Lateral Cuiabá. A entrada de novos agentes nesse segmento é bastante complexa, devido
aos elevados investimentos necessários para a construção de novos gasodutos. Entretanto,
pode ser observado o movimento de alguns novos agentes em consórcios para a construção de
nova infra-estrutura.
A Portaria no. 169 da ANP, publicada em 1998, foi a primeira a estabelecer critérios
sobre o acesso de terceiros às redes, como a tarifação do transporte dutoviário. Essa Portaria
foi revogada, devido à necessidade de aperfeiçoamento, pela Minuta de Portaria sobre Livre
90
Acesso, colocada à disposição dos agentes em 2001. Para atender à demanda do PPT e
estimular a expansão da rede de gasodutos brasileira, a ANP publicou, ainda em 2001, a
Portaria no. 98, que continha a regulamentação da expansão da capacidade de transporte de
gás natural no Brasil. Em setembro desse mesmo ano, a agência publicou a Portaria 254/01
que tratava dos procedimentos para Resolução de Conflitos.
Os temas apresentados na Minuta de Livre Acesso a princípio seriam regulamentados
por cinco outras Portarias, que seriam colocadas em Consulta Pública: a Portaria de livre
acesso às instalações de transporte de gás natural; a Portaria que regulamenta o processo de
resolução de conflito; a Portaria de informações a serem enviadas pelos transportadores e
carregadores de gás natural à ANP, ao mercado e aos carregadores; a Portaria de cessão de
capacidade de transporte de gás natural; e a Portaria de critérios tarifários (ANP, 2002d, p.7).
Desde então, realizaram-se três processos de Consulta Pública para as minutas de portarias,
mas apenas regras relativas às informações entraram em vigor. Atualmente, a única Portaria
que trata da questão do acesso de terceiros no Brasil é a Portaria ANP 254 de 2001, que
determina a intervenção da Agência na resolução de possíveis conflitos na negociação de
acesso.
Nas Portarias da ANP que se seguiram ao livre acesso proposto na Lei do Petróleo
algumas mudanças foram postas em consulta e audiência pública. Foi proposta a introdução
de um período de carência que proporcionaria maiores investimentos em infra-estrutura, uma
vez que a percepção de riscos do carregador seria minimizada. Tal período de carência valeria
para Mercados Emergentes24 e Novas Instalações de Transporte25. Além disso, foram
propostas limitações para a realização de Concurso Aberto para expansão da capacidade e
para a prestação de Serviço de Transporte Interruptível, de forma a dar mais segurança para o
retorno do investimento. Foi proposto, ainda, um critério de alocação de capacidade de
transporte pelo menor preço do gás ofertado para beneficiar o consumidor final.
Em relação aos critérios tarifários, foi proposto que as tarifas fossem uniformes em
qualquer ponto de retirada dentro de uma área de concessão e a receita de transporte
interruptível deveria ser repassada de forma proporcional à capacidade de cada contrato de
24 Seria considerado Mercado Emergente aquele “localizado em uma área geográfica limitada, correspondente a uma região de concessão estadual de distribuição de gás canalizado, na qual o primeiro fornecimento comercial de seu primeiro contrato de longa duração tenha sido efetuado há menos de 8 (oito) anos”. 25 Nova Instalação de Transporte é uma “Instalação de Transporte com Autorização de Operação (AO) expedida há menos de 4 (quatro) anos, ao longo de toda sua extensão, conforme projeto aprovado, que não interligue pontos de recepção e entrega já conectados por dutos existentes”.
91
serviço de transporte firme. Por fim, em relação à cessão de capacidade, foi proposta a
possibilidade de negociação direta, sem necessidade de oferta pública para operações de
cessão de capacidade com prazos inferiores a dois anos e procedimentos mais transparentes de
oferta pública para cessão de capacidade com mais de dois anos (CECCHI, 2003).
Alguns agentes se mostraram contrários a essas regras pois a reserva de mercado
impede a competitividade e pode trazer prejuízos ao consumidor, que poderão pagar preços
mais caros. As limitações ao Serviço de Transporte Interruptível, por sua vez, podem
comprometer a maximização do uso da capacidade dos gasodutos e dificultar o crescimento
do mercado, uma vez que o comercializador monopolista pode manter o gasoduto abaixo de
seu limite de utilização para o oferecimento do STI, que na proposta é de 70% (IEPUC,
2004).
Em relação à minuta de portaria de critérios tarifários, realizada na mesma audiência
pública, os agentes expressaram a necessidade de se estabelecerem regras mais detalhadas,
evitando assim a discriminação na prestação de serviços. Já em relação à minuta de portaria
de cessão de capacidade, as principais críticas estão relacionadas à oferta pública de cessão
mesmo nos casos em que pode ser realizada diretamente entre as partes (IEPUC, 2004).
Outra questão relativa à regulação do segmento de transporte de gás natural é o
Concurso Aberto, que é um mecanismo para a oferta pública de capacidade de serviço de
transporte firme. Concurso Aberto para oferta e alocação de capacidade decorrente da
expansão de gasodutos foi estabelecido no contexto do racionamento de energia, pela Portaria
ANP 98/01. O processo do Concurso Aberto é iniciado pela Declaração de Utilidade Pública,
na qual o prestador de serviço declara a intenção de aumentar a capacidade de transporte,
informando quais os pontos de recepção e entrega a serem contemplados, as exigências
técnicas, as datas de término e entrega dos resultados e os critérios de escolha das socilitações.
A oferta pública é uma forma transparente e evita o tratamento discriminatório entre os
agentes interessados em contratar a capacidade de transporte e em fornecer gás natural ao
mercado (ANP, 2003b).
O Concurso Aberto é, portanto, um leilão de capacidade firme de transporte, com a
ampliação da rede de gasodutos já existente. O leilão pode facilitar a entrada de novos
agentes, com a concorrência entre os carregadores e a limitação da participação da Petrobras
em contratar a capacidade a ser expandida (ANP, 2002d). Em relação ao Concurso Aberto,
92
alguns agentes contestaram o critério de menor preço para a alocação de capacidade, pois o
transportador passaria a ter o poder de estabelecimento de preços.
3.2.3 - Comercialização e Importação
A comercialização de gás natural de origem nacional pode ser exercida por qualquer
agente produtor ou importador autorizado, que é encarregado de conduzir a matéria-prima até
os city gates das transportadoras. No caso do gás natural importado, a comercialização
depende da autorização da ANP, conforme previsto na Portaria no. 43 de 1998. No caso
brasileiro, há importação de gás da Argentina e da Bolívia. A importação da Argentina
abastece, principalmente, a usina termelétrica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Já a
importação da Bolívia, via Gasbol, é destinada para as companhias de distribuição de gás dos
Estados pelos quais passa o gasoduto. De acordo com a ANP (2002d), até maio de 2002
estavam autorizadas importações de cerca de 72 milhões de m3 diários, entretanto, foram
efetivamente importados apenas cerca de 14 milhões m3 /dia.
3.2.4 - Distribuição
Como visto anteriormente, a distribuição de gás canalizado é de responsabilidade dos
Estados da União, conforme previsto na Constituição Federal de 1988. As secretarias ou as
agências reguladoras estaduais são as responsáveis pela regulação do segmento. Até 1988
existiam no país apenas três empresas estatais de distribuição de gás: a CEG, do Rio de
Janeiro, a Comgás, de São Paulo e a Gasmig, de Minas Gerais. Dessas três empresas, apenas
as duas primeiras estavam em operação (KRAUSE e PINTO JR., 1998b). Até 1995 foram
criadas mais onze novas companhias, todas com a participação da Petrobras e dos governos
estaduais, que detinham grande parte das ações ordinárias.
Nesse mesmo ano, o artigo 25 da Constituição Federal recebeu nova redação e os
Estados da União passaram a poder explorar a distribuição de gás canalizado mediante
concessão. Algumas empresas já existentes, como a CEG, foram privatizadas com a
finalidade de aumentar os investimentos e a eficiência. Em São Paulo, entre os anos de 1999 e
2000, foram licitadas três áreas de concessão, por intermédio da Comissão de Serviços
Públicos de Energia (CSPE).
93
A construção do Gasoduto Bolívia-Brasil e o desenvolvimento do campo de Urucu
estimularam a criação de sete novas empresas de distribuição estaduais no Centro-Oeste e no
Norte do País. Atualmente existem 24 empresas de distribuição de gás natural no Brasil, com
18 delas já em operação. Embora novos operadores tenham adquirido participação nas
empresas estaduais, a participação do governo e da Petrobras ainda é dominante no segmento.
3.2.5 - Análise da Regulação da Indústria de Gás Natural no Brasil
A regulação da indústria de gás natural pela ANP se concentra na atividade de
transporte de gás natural. A ANP é responsável pela mediação dos conflitos entre as partes
interessadas, mas não regula diretamente os preços do transporte. Entretanto, a tendência
mundial é de ampliação do papel do regulador e da regulação dos preços e das condições de
transporte. Essa tendência é causada pelos elevados custos de transação que existem na
elaboração dos contratos entre os agentes (PINTO JR., 2003).
Alguns aspectos da regulação são de fundamental importância para o desenvolvimento
da indústria de gás natural no Brasil. No caso brasileiro, o ambiente institucional para a
indústria de gás natural não está totalmente definido, o momento é de transição e as incertezas
são muitas. A construção do marco regulatório, por se tratar de uma tarefa bastante complexa,
ainda não se consolidou. A Lei do Petróleo considera o gás natural como derivado do petróleo
e muitas das leis necessárias para o desenvolvimento dessa indústria ainda não foram
regulamentadas, inibindo a ação de novos agentes no setor. A ausência de uma lei que atribua
à ANP papel na negociação e elaboração contratual na atividade de transporte de gás é um dos
principais entraves ao desenvolvimento da IGN no Brasil.
Outros problemas relacionados à regulação do gás natural no Brasil são: a posição
dominante da Petrobras, que dificulta a entrada de novos agentes; alguns problemas
contratuais e regulatórios do gás natural para a geração de energia que não são compatíveis
com os de energia elétrica; a indefinição em relação ao acesso de terceiros à infra-estrutura de
transporte de gás natural; e a divisão da regulação da cadeia de gás natural entre a ANP e as
agências estaduais, que dificulta a homogeneidade e continuidade da regulação (ANP, 2002d).
Em muitos países, diferentemente do que ocorre no Brasil, existe uma agência
regulatória específica para o gás natural ou uma associação com a energia elétrica. As
94
particularidades do gás natural, principalmente as relacionadas à existência de monopólio
natural no transporte e na distribuição do energético fazem com que a associação com a
regulação do setor de petróleo não seja indicada para a indústria. O poder de mercado do
produtor é muito elevado e economicamente incontestável, pois ele apropria-se das rendas
minerais e, aproveitando-se das economias de escala, chega a um custo marginal de operação
próximo a zero. Sendo assim, apenas um marco regulatório específico para a indústria pode
evitar que haja abusos do monopolista.
Além da associação da regulação do gás com a regulação do petróleo, a distribuição é
regulada pelas agências estaduais no Brasil e, assim, há sensíveis diferenças entre os Estados,
inclusive no preço do gás vendido. Para que a regulação estadual seja bem sucedida é
necessário que haja articulação dos arranjos institucionais entre os diversos Estados. Além
disso, não há limitações à integração horizontal, ou seja, um mesmo grupo pode controlar a
distribuição de gás canalizado em diversos Estados, aumentando seu poder de mercado e
dificultando a negociação com os fornecedores e transportadores (KRAUSE e PINTO JR.,
1998b).
A questão da importação do gás também deve ser ressaltada. Além de atuar no
controle da qualidade do gás, que deve estar de acordo com as normas brasileiras, o regulador
também deveria ter papel no monitoramento e na aprovação dos preços praticados na
importação, principalmente pela necessidade de manter o gás natural em patamares
competitivos frente aos demais energéticos. No caso do importador, seria interessante que a
propriedade cruzada dos agentes fosse limitada pelo regulador, uma vez que o importador cria
um monopólio local (KRAUSE e PINTO JR., 1998b).
A Lei do Petróleo estabeleceu a abertura do mercado, mas não forneceu os
instrumentos necessários para que ela fosse implementada no Brasil e, portanto, a ANP
depende da publicação de portarias e de negociações para atuar (CECCHI, 2003). Além das
dificuldades da regulação da indústria como um todo, existem ainda alguns problemas
específicos do segmento de transporte de gás natural, como será visto a seguir.
95
3.2.6 - Principais Problemas relativos ao transporte de gás natural no Brasil
São muitos os problemas relacionados ao segmento de transporte de gás natural no
Brasil. O principal deles está relacionado à falta de investimentos em infra-estrutura de
transporte, que dificulta o desenvolvimento da indústria e a ampliação da participação do gás
natural na matriz energética brasileira. Além disso, as questões relacionadas ao livre-acesso
também são problemáticas no caso brasileiro. O artigo 58 da Lei 9.478/97 estabeleceu o
acesso de terceiros à infra-estrutura existente, mas não forneceu os instrumentos para sua
implementação nem o modelo a ser seguido. Outro problema relativo ao transporte de gás
natural no Brasil é a classificação dos dutos: não basta definir uma política para o transporte
de gás natural no Brasil enquanto muitos dos gasodutos de transporte continuarem a ser
classificados como dutos de transferência. Todos esses problemas são somados à questão
tarifária, ponto central dessa dissertação, que será amplamente discutida na seção 3.3.
a) Ausência de Infra-estrutura
O principal problema relacionado ao segmento de transporte de gás natural no Brasil é
a escassez da rede existente. A Argentina, que é um país de dimensões menores que a
brasileira, possui uma rede de transporte de mais de 12 mil quilômetros de gasodutos e os
EUA, com uma indústria madura, quase 450 mil. O desenvolvimento da indústria de gás
natural depende do desenvolvimento de sua malha, tanto de gasodutos de transporte como de
distribuição.
Em relação à expansão da rede de transporte, existem muitos projetos a serem
implantados, como é o caso do Gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre, o Gasoduto Cruzeiro do
Sul, o Gasoduto Coari-Manaus, os novos gasodutos no Sudeste e do Nordeste e o Gasene. A
implantação desses novos gasodutos é muito importante para o desenvolvimento da indústria
de gás natural brasileira e para sua interiorização. Uma política de tarifação de transporte de
gás natural, portanto, deve levar em consideração que a malha de gasodutos está em fase de
expansão e, por isso, deve estimular novos investimentos.
É interessante ressaltar que a expansão da rede de transporte de gás natural não é
suficiente para o desenvolvimento da IGN no Brasil. Fatores como o desenvolvimento da
96
demanda e a expansão da rede de distribuição são fundamentais para que novos mercados
sejam atingidos.
b) Livre Acesso
O acesso de terceiros à infra-estrutura de transporte de gás natural é um dos problemas
relacionado a esse segmento. A Petrobras, responsável pela maior parte do transporte
dutoviário de gás natural no Brasil, se posicionou contra a legislação do livre acesso e criou
dificuldades na negociação com os terceiros interessados em utilizar a rede. A questão do
livre acesso deve ser resolvida, uma vez que, mesmo sendo economicamente ineficiente, pode
resultar, em último caso, em duplicação de trechos de gasodutos (KRAUSE e PINTO JR.,
1998b).
Os objetivos da ANP que norteiam as decisões dos conflitos de livre acesso se baseiam
na utilização eficiente da infra-estrutura existente, na promoção da competição via diminuição
das barreiras à entrada, no tratamento não discriminatório e no estímulo a novos
investimentos. Porém, como visto anteriormente, a legislação que irá regular o livre acesso
ainda não foi concluída.
Para a escolha do tipo de livre acesso a ser estabelecido no País é preciso levar em
conta os riscos assumidos pelos agentes. Se o livre acesso for mais aberto, os investimentos de
transporte não antecipam a demanda e os produtores só compram quando têm certeza sobre o
mercado. No livre acesso aberto, que foi para consulta pública em 2002, há incentivos para
investimentos na exploração e produção do gás pelas empresas privadas. Já no livre acesso
mais restrito, proposto na consulta pública de 2003, pode haver sobre-investimento em
transporte de gás dada a antecipação da demanda. Esse tipo de livre acesso privilegia o agente
dominante, por estar mais apto a correr os riscos do mercado e manter sua posição no
mercado (CECCHI, 2003).
Outra questão importante relacionada ao acesso de terceiros à infra-estrutura é a
existência de capacidade ociosa. O gasoduto Bolívia-Brasil, por exemplo, tem capacidade
97
para importar diariamente da Bolívia até 30 milhões de m3 de gás, mas em 2004 transportou,
em média, apenas 13 milhões de m3 por dia. (ANP, 2004). Parte dessa capacidade ociosa pode
ser explicada pelo preço pouco competitivo do gás boliviano e pela demanda pouco
desenvolvida em algumas partes do País. A questão do livre acesso é importante também
nesse sentido, pois estimula o aproveitamento da capacidade ociosa.
c) Classificação dos Dutos
Outro problema relacionado ao transporte de gás natural no Brasil relaciona-se à
classificação entre dutos de transporte e dutos de transferência. De acordo com a Lei
9.478/97, “dutos de transferência são aqueles de interesse específico e exclusivo do
proprietário das instalações enquanto os dutos de transporte são aqueles de interesse geral”
(ANP, 2001, p. 27). Com essa classificação, alguns gasodutos que na realidade são de
transporte, são classificados como de transferência e, portanto, não são incluídos no cálculo
da parcela referencial do transporte. Na verdade, a dificuldade dessa classificação se deve ao
monopólio da Petrobras na produção. Se mais de um produtor tivesse interesse em usar o
gasoduto, este seria reclassificado como de transporte pela ANP. Como isso não acontece,
muitos deles ficam caracterizados como dutos de transferência. É importante que esse
problema seja solucionado para que a política de transporte de gás natural englobe todos os
gasodutos que, na prática, sejam gasodutos de transporte.
Para que a política de tarifação de transporte de gás natural seja bem sucedida no caso
brasileiro é preciso levar em consideração os problemas apontados. As questões apresentadas
nessa seção serão retomadas no Capítulo 5, no qual se discutirá aspectos da política para o
transporte de gás natural. A essas questões soma-se a definição tarifária, que será vista a
seguir.
3.3 - A Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil
98
Até 1999 o preço máximo de venda do gás natural estava sujeito a uma regra de
paridade em relação ao óleo combustível 1A, estabelecido em 75% pela Portaria DNC no. 24
de 1994. Esse preço de venda não calculava, separadamente, uma tarifa para o transporte
dutoviário. Como o preço do óleo combustível era controlado até o início de 1999, essa regra
não apresentava muitas oscilações. Entretanto, quando o preço dos óleos combustíveis foi
flexibilizado essa situação se reverteu. A partir das portarias MF/MME 90 e 91 de 1999, esse
preço passou a ser relacionado aos preços internacionais, variando mensalmente. Por estar
vinculado ao preço do petróleo, o preço do GN começou a apresentar grandes oscilações. Por
esse motivo, buscou-se encontrar uma solução tarifária que conseguisse refletir mais
claramente a estrutura de custos e reduzisse distorções na formação do preço do gás (ANP,
2002c).
A Lei do Petróleo estabeleceu que haveria um período de transição até 31 de dezembro
de 2001, no qual os preços e os reajustes seguiriam parâmetros estabelecidos e, após esse
período, os preços seriam liberalizados. A Portaria Interministerial MF/MME no. 03 de 2000
foi estabelecida com o objetivo de regular os preços do gás natural de origem nacional e havia
uma preocupação em manter o vínculo entre o preço do gás natural e o preço do óleo
combustível, seu principal concorrente. Optou-se que, para o cálculo do preço do gás natural
vendido para as distribuidoras, deveria-se somar duas parcelas. A primeira parte seria a
remuneração do produtor, referida como commodity, que comumente é denominada preço
“boca-de-poço”26. A esse preço seria somada a tarifa de transporte entre a produção e o
consumo, que remunera o serviço de movimentação do gás.
Foram definidas, então, três formas de determinação do preço do transporte de gás no
país: o preço do gás de produção nacional, que tinha seu preço máximo regulado pela Portaria
MME/MF 003 de 2000; o preço do gás natural importado, que seria livre e arbitrado entre as
partes; e o preço médio do gás destinado ao Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT),
regulado pela Portaria MME/MF 176 de 2001 e válido para todo o gás destinado às
termelétricas, de origem nacional ou importado. Esse preço foi calculado considerando-se um
portfólio de 80% de gás importado e 20% de gás nacional (ANP, 2002c).
26 No caso brasileiro, é incorreto denominar a remuneração do produtor como “boca-de-poço” pois essa parcela engloba também os custos de transferência.
99
3.3.1 - Preço do Gás Natural de Produção Nacional até 2001
A Portaria MME/MF 003 de 2000 regulava os preços máximos do gás natural de
produção nacional para venda à vista às distribuidoras. Os objetivos iniciais dessa Portaria
eram: manter o vínculo entre o preço do gás natural e o óleo combustível; incentivar o
investimento em exploração e produção em áreas com perspectivas favoráveis à descoberta de
gás; dar maior transparência à formação do preço; possibilitar diferentes mecanismos de
correção para cada parcela que compõe o preço nos pontos de entrega; reduzir os subsídios
cruzados entre os usuários do serviço; e incrementar a eficiência na utilização da rede de
transporte. Para o regulador, por outro lado, o principal objetivo era a separação das
atividades de comercialização e transporte de gás na formação do preço.
As premissas dessa Portaria eram: (i) menor volatilidade de preços com relação à
regulamentação anterior; (ii) simplicidade das regras, dada a fase incipiente da indústria; (iii)
separação, ao menos referencial, na esfera da formação de preços, das atividades de
comercialização e transporte; (iv) introdução progressiva do fator distância no cálculo da
tarifa de transporte, reduzindo os subsídios cruzados entre os usuários; (v) eliminação dos
preços diferenciados por uso final; e (vi) compromisso com a desregulamentação dos preços
do gás natural, de acordo com o desenvolvimento do mercado. Essas premissas deveriam
valer até que os contratos firmados da Transpetro refletissem todos os custos associados à
prestação do serviço (ANP, 2002c, p.5).
Essa Portaria definiu que o preço máximo do gás natural de origem nacional deveria
ser calculado somando-se a parcela referente ao produto, que engloba os custos de produção,
transferência e processamento; e a parcela referente ao transporte do gás pelo gasoduto, que
deveria ser estabelecida pela ANP. Embora se tenham duas parcelas corrigidas
independentemente, o preço controlado seria o preço máximo nos pontos de entrega.
A Tarifa de Transporte de Referência (Tref), posteriormente chamada de Parcela
Referencial de Transporte tinha como base os valores estimados dos ativos que compõe o
sistema de transporte de gás natural. Portanto, como poderia haver novos investimentos em
100
gasodutos de transporte, essa parcela deveria ser revista periodicamente27, para a garantia da
remuneração desses investimentos.
A parcela Tref compunha o preço máximo de venda do gás, conjuntamente com a
parcela relativa ao produto (PGT), que era calculada residualmente como a diferença entre o
preço nos pontos de entrega praticado ao longo do segundo semestre de 1999 e a parcela de
transporte. O valor inicial da PGT foi indexado à taxa de câmbio e à mesma cesta de óleos
aplicada no contrato de importação de gás boliviano firmado pela Petrobras.
Cabe ressaltar que a parcela referencial de transporte considerava apenas os custos do
sistema definidos como de transporte. Os custos de transferência eram incorporados na
parcela PGT. O problema da classificação dos custos com ausência de informações impedia
que a parcela referente aos custos de transporte refletisse com exatidão seus reais custos, pois
não incorporava os custos de transferência (ANP, 2002c).
a) Cálculo da Parcela Referente ao Produto - PGT
Para o cálculo da remuneração dos produtores, a Portaria Ministerial MME/MF 003/00
utilizou a diferença entre o preço nos pontos de entrega entre os meses de agosto e dezembro
de 1999, de R$ 130,20 por mil m3, e a parcela referencial de transporte que será analisada a
seguir. O reajuste desse preço deveria ser trimestral e a fórmula utilizada seria baseada na
fórmula boliviana de reajuste, para dar maior estabilidade e previsibilidade ao mercado. O
valor da PGT seria reajustado da seguinte maneira (PORTARIA MME/MF 003/00, art.2):
Onde: PGT(ant) = o valor de PGT vigente no trimestre civil anterior àquele para o qual se
esteja calculando o novo PGT;
27 Todo fornecimento de gás de produção nacional utilizando os gasodutos já existentes ou que viriam a ser construídos deveriam ter o preço máximo estabelecido pela Portaria Interministerial no 03. O art. 69 da Lei 9478/97 estabeleceu que durante um período de transição “os reajustes e revisões de preços dos derivados básicos de petróleo e do gás natural, praticados pelas unidades de processamento, serão efetuados segundo diretrizes e parâmetros específicos estabelecidos, em ato conjunto, pelos Ministros de Estado da Fazenda e de Minas e Energia”. Dessa forma, a Portaria da ANP em particular ou regulamentação que a substitusse vigoraria, a princípio, enquanto os preços fossem regulamentados.
101
PGT(0) = o valor inicial de PGT, igual a R$ 110,80 / mil m³;TC = média das taxas de
câmbio comercial de venda do dólar norte-americano
PTAX-800, publicadas no Sistema do Banco Central do Brasil (SISBACEN), relativa
aos meses m – 4, m – 3 e m – 2, sendo “m” o primeiro mês do trimestre civil para o
qual se esteja calculando o novo valor de PGT;
TC0 = média das taxas de câmbio comercial de venda do dólar norte-americano
PTAX-800, publicadas no Sistema do Banco Central do Brasil (SISBACEN), no
período de junho a agosto de 1999, inclusive.
F1, F2 e F3 = médias dos pontos médios diários das cotações superior e inferior,
publicados no Platt’s Oilgram Price Report, tabela Spot Price Assessments, dos meses
m - 4, m - 3 e m - 2, sendo:
F1 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil 3,5% Cargoes FOB Med
Basis Italy;
F2 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil #6 Sulphur 1% US Gulf
Coast Waterborne;
F3 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil 1% Sulphur Cargoes FOB
NWE;
F10, F20 e F30 = médias dos pontos médios diários das cotações superior e inferior,
publicados no Platt’s Oilgram Price Report, tabela Spot Price Assessments, dos
produtos a que correspondem F1, F2 e F3 acima designados, no período de junho a
agosto de 1999, inclusive.
b) Cálculo da Parcela Referente ao Transporte - Tref
Em relação à Tarifa de Transporte de Referência, a Portaria 108, de 28 de junho de
2000, da ANP, estabeleceu que esta deveria ser revisada anualmente pelo índice IGP-M da
Fundação Getúlio Vargas. Essa Portaria introduziu gradualmente a variável distância no
cálculo da tarifa como forma de produzir sinais locacionais e alocar eficientemente os custos
entre os usuários. A introdução dessa sinalização foi feita com, inicialmente, 30% dos custos
proporcionais à distância. Os cálculos foram feitos consolidando todos os gasodutos da rede
como um gasoduto fictício único, ao invés de se fazerem os cálculos separadamente evitando-
se assim discrepâncias e imprecisão. Dessa maneira, o custo de investimento de cada gasoduto
deixaria de ser avaliado por uma estimativa de custo de reposição que não refletia com
102
exatidão o valor de cada gasoduto (ANP, 2002c). A tabela abaixo mostra as parcelas
referenciais de transporte calculadas nas Portarias de 108/2000, 101/2001 e 45/2002:
Tabela 1 - Parcelas Referencias de Transporte (em R$/ mil m3)
Estado 2000 2001 2002 Ceará 22,13 19,40 26,94
Rio Grande do Norte 18,67 18,99 19,20 Paraíba 23,74 26,50 30,46
Pernambuco 27,51 32,08 38,84 Alagoas - 12,11 0,00 Sergipe 16,46 12,83 14,29 Bahia 16,84 16,29 15,15
Espírito Santo 16,80 16,23 15,05 Rio de Janeiro 17,31 16,25 16,18
São Paulo 23,97 26,85 30,98 Minas Gerais 26,49 30,57 36,56 Fonte: Adaptado das Portarias ANP 108/2000, ANP 101/2001 e ANP 45/2002 Para o cálculo da Tref, a ANP incorporou todos os gasodutos de transporte de gás de produção nacional com licença de operação até a publicação da Portaria. Os custos de investimento utilizados no cálculo foram informados pelo proprietário ou estimados pelos custos de reposição, com base em um valor definido pela extensão multiplicado pelo diâmetro do gasoduto. A partir dos custos de reposição foi possível deduzir a depreciação28 proporcional ao uso da instalação. Pela diferença entre o custo de reposição e a depreciação foi calculado o valor residual. Os custos fixos de operação e manutenção foram estimados como sendo 3% do custo de reposição do gasoduto novo, já os custos variáveis de O&M são desprezados nesse cálculo. Todos os custos de investimento e de operação e manutenção são somados formando o gasoduto fictício único, com um custo unitário por m3.km (ANP, 2002c).
A demanda considerada para o gasoduto fictício único era o somatório dos momentos de capacidade de todos os gasodutos. Devido à falta de informações para esse cálculo, seria necessário estimar29 a capacidade contratada entre os pontos. O momento de capacidade de 28 A depreciação é medida pela Tabela de Ross-Heidecke. Nessa Tabela foi encontrado um fator de depreciação a partir da idade percentual de cada duto, considerando o ano de início de operação e uma vida útil de 30 anos.A partir dessas considerações chegou-se a uma estimativa para o valor presente de cada gasoduto (ANP, 2002c). 29 Para essa estimativa tomaram-se como hipóteses que o somatório das capacidades contratadas em cada ponto de entrega de um gasoduto é igual a sua capacidade máxima declarada; e que as estimativas de capacidades contratadas por ponto de entrega são proporcionais às movimentações, referentes ao ano de 1999, nos respectivos pontos de entrega.
103
cada gasoduto seria calculado como o somatório dos momentos de capacidade de todos os
seus pontos de entrega, conforme fórmula a seguir (ANP, 2002c, p. 24):
Onde: i: corresponde a cada ponto de entrega dentro de um gasoduto;
g: corresponde a cada gasoduto.
Di: é a distância até o ponto de entrega i;
CAPi: capacidade contratada entre pontos de recepção e entrega para cada gasoduto
A capacidade estimada para cada gasoduto era o volume retirado no gasoduto
proporcionalmente ao volume total retirado multiplicado pela capacidade declarada desse
gasoduto, conforme fórmula a seguir:
Onde: Vi: volumes retirados por ponto de entrega no gasoduto
CAPg: capacidade declarada desse gasoduto
Para calcular o custo unitário por m3.km, a receita total deveria ser dividida pelo
momento de capacidade total, considerando valores presentes descontados pela taxa de
retorno do investimento, calculados com base em um modelo de fluxo de caixa descontado30.
Na avaliação foi considerada uma taxa interna de retorno de 15%, e o investimento feito
apenas com capital próprio.
A abordagem determinada para a introdução da distância era a tarifa por zonas
tarifárias, sendo que cada zona era um estado da União e o centro de carga era calculado
como a distância média de movimentação dessa zona em relação aos pontos de produção.
Entretanto, devido à ausência de informações sobre as capacidades contratadas por ponto de
30 O fluxo de caixa tem um horizonte de 20 anos. As saídas são os custos de investimento, os custos de operação e manutenção e os impostos. Já as entradas são o residual e as receitas do projeto, geradas pela venda do serviço de transporte.
104
entrega, a distância referente ao centro de carga de cada Estado era denominada distância
média equivalente estadual, calculada da seguinte forma (ANP, 2002c, p. 26):
Onde: Deq Estadual: distância média equivalente estadual;
i: corresponde a cada ponto de entrega dentro de um estado;
Di: distâncias entre pontos de recepção e entrega;
Vi: volumes retirados em cada ponto de entrega.
A tarifa por m3 de cada Estado, quando totalmente relacionada à distância, era
calculada de acordo com a regra a seguir:
Tarifa Estadual (100%) = Custo Unitário x Deq Estadual
Para o cálculo proporcional à distância, a tarifa calculada para cada zona tarifária
deveria ser ponderada com a tarifa média nacional. Supondo uma proporção de X%, tem-se a
seguinte regra:
Tarifa Estadual (X%) = Tarifa Média x (1 – X)/100 + Tarifa Estadual (100%) x X/100
Inicialmente, apenas 30% dos custos deveriam ser proporcionais à distância. Com a
Portaria ANP 101, de 2001, a proporcionalidade passou a ser de 40%. Já na Portaria ANP 45,
de 2002, a proporção passou a ser de 60%. Com a Portaria de 2001, os volumes de gás que
não utilizavam os gasodutos definidos como de transporte passaram a ser incorporados nos
cálculos para evitar algumas distorções.
Alguns agentes mostraram-se contrários às novas regras, mesmo aqueles que eram
prejudicados com a política de preço único. Um dos argumentos apresentados foi o de que a
metodologia poderia onerar demais alguns Estados, causando distorções e não sendo boa
sinalização econômica. No caso do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as empresas
queriam que a tarifa de referência de transporte fosse eliminada do preço máximo do gás nos
pontos de entrega mesmo com o benefício que a tarifação por distância traria ao Estado, que é
produtor de gás.
105
Outra crítica ao modelo estava relacionada com a forma como foi feita a classificação
dos gasodutos de transporte uma vez que, como visto anteriormente, alguns gasodutos que
foram classificados como de transferência são, na realidade, de transporte, mas não são
incluídos nos cálculos das parcelas referenciais do transporte. Sem a correta classificação, os
Estados estavam dividindo os custos relativos aos gasodutos de transferência do País,
inclusive aqueles que não utilizavam essa infra-estrutura.
A ANP, por outro lado, alegava que a Tarifa Referencial de Transporte
proporcionalmente baseada no fator distância seria uma decisão temporária, até que ocorresse
a separação efetiva da atividade de transporte prevista na Lei do Petróleo. Quando os
contratos de transporte fossem assinados, os custos reais seriam estabelecidos e, portanto, não
haveria mais necessidade da intervenção da ANP na definição dessa parcela. A solução
encontrada, entretanto, não agradou muitos dos agentes envolvidos e a Agência passou a se
concentrar no processo de definição das tarifas e de contratação por zona da capacidade
existente no sistema operado pela Transpetro, cujos valores substituiriam os valores
referenciais utilizados na formação do preço de venda às distribuidoras (ANP, 2002c).
A Portaria Ministerial MME 003 de 2000 foi revogada em 2001 e, a partir de janeiro
de 2002, os preços do gás de produção nacional passaram a ser estabelecidos por meio de
contratos, da mesma forma que ocorre com o gás importado. A ANP, a partir de então, passou
a arbitrar os possíveis conflitos entre as partes envolvidas nos contratos, além de verificar se
as tarifas acordadas são compatíveis com o mercado e não prejudicam os interesses do
consumidor, funções estas definidas na Lei do Petróleo.
3.3.2 - Preço do Gás Natural Importado
O preço do gás natural importado não é regulamentado no Brasil. As partes envolvidas
negociam o preço por meio de contratos e a agência reguladora arbitra os eventuais conflitos.
O Brasil importa gás principalmente da Bolívia, através do Gasbol, que é operado pela TBG.
Nesse gasoduto, a forma de tarifação não varia com a distância, ou seja, a tarifação é do tipo
postal e é dividida entre tarifa de capacidade e tarifa de movimentação.
Até 2002, a ANP havia resolvido quatro conflitos de livre acesso, todos envolvendo a
TBG, transportadora do gasoduto Bolívia-Brasil, e outras empresas. Três dos conflitos
106
envolviam o serviço de transporte não firme (STNF) e um o serviço de transporte firme
(STF). O serviço de transporte é considerado não firme ou interruptível quando há
disponibilidade ou ociosidade no duto, ou seja, só pode ser utilizado quando todos os usuários
firmes forem atendidos. Já o serviço de transporte firme é ininterrupto e implica reserva de
capacidade contratada de transporte no duto. A resolução dos conflitos foi baseada nas
premissas de acesso não discriminatório de terceiros à capacidade disponível e à capacidade
ociosa das instalações de transporte; e nos princípios de livre concorrência, utilização
eficiente da rede e estímulo aos investimentos estabelecidos pela Lei n° 9.478 (ANP, 2002c).
A tabela a seguir resume a resolução dos conflitos arbitrados pela ANP:
Tabela 2 - Resolução de Conflitos de Livre-Acesso
Empresa Tipo de Serviço
Volume (milhões m3/dia)
Período Mercado Potencial
Enersil Não-Firme 1 set/2000 a set/2001 (renovável por mais um ano) MS e SP
0,8 abr/2001 a ago/2001 Não-Firme 1 set/2001 a dez/2003 British Gas
Firme CP 2,1 set/2001 a dez/2002 SP
Fonte: ANP, 2002d, p. 6
A tarifa não firme determinada na resolução do conflito entre a TBG e Enersil, tinha
três aspectos importantes: o Fator Distância; o Fator de Carga, variável entre os limites de
85% e 100% da tarifa de capacidade do transporte firme relevante, para aproximar o valor da
tarifa não firme do custo unitário efetivo do carregador firme; e o Fator de Desconto, aplicado
no caso de interrupções no serviço de transporte por parte do transportador e calculado pela
razão entre o número de dias no mês em que não houvesse interrupção e o número total de
dias do mês (ANP, 2002c).
A TBG aceitou o fator distância, mas observou problemas na implementação do
mecanismo de fator de carga variável, como o fato do carregador ter estímulos para sempre
operar com um fator de carga de 100%, pela contratação de volumes em curtos períodos de
tempo ou da efetuação de vários contratos não firme. A TBG criticou ainda o fator desconto,
apontando que este poderia ser excessivo ou resultar em transporte gratuito, em caso de
reduções de quantidades a serem transportadas, independentemente da extensão destas
107
reduções. Frente ao recurso da TBG, a ANP estabeleceu que a tarifa de transporte não firme
deveria: considerar a distância; ser equivalente à Tarifa Firme relevante a um fator de carga de
90%; e eliminar o Fator de Desconto (ANP, 2002c, p.41).
No conflito de transporte não firme entre a BG e TBG ficou também determinada a
introdução de um fator distância na tarifa. O mesmo ocorreu para a determinação da tarifa de
transporte firme entre a TBG e a BG. Nesse conflito ficaram ainda estabelecidos os valores
para a tarifa de capacidade e de movimentação.
A tarifação por distância no preço do transporte firme e não firme no Gasoduto
Bolívia-Brasil baseia-se no princípio de que, como a distância determina fortemente os custos,
uma tarifação do tipo postal não sinaliza os investidores e consumidores de forma adequada e,
portanto, é ineficiente tanto pelos efeitos locacionais como de utilização da infra-estrutura.
Portanto, o fator distância, segundo a ANP (2002c) é essencial para eliminar subsídios
cruzados entre os usuários do serviço e para eliminar o uso irracional da capacidade existente.
Para o caso do contrato entre a Petrobras e a TBG, entretanto, o tipo de tarifação é postal, ou
seja, única para todo o gasoduto. Para o ano de 2001, a tarifa de capacidade ficou acordada
em US$ 1,17 / MMBTU e a tarifa de movimentação em US$ 0,002 / MMBTU.
Além da inclusão do fator distância, os contratos de transporte firme contêm cláusulas
do tipo ship or pay, que estabelecem um pagamento mínimo independente do volume
efetivamente transportado. No caso dos contratos efetuados pela Petrobras e entre a TBG e a
British Gas, a cláusula ship or pay é igual a 100% do encargo por reserva de capacidade. Por
outro lado, o serviço de transporte não firme, por seu caráter interruptível, contém apenas um
encargo que varia de acordo com o volume efetivamente transportado. Cabe ressaltar que o
serviço de transporte não firme é incomum no Brasil pois o principal mercado consumidor, o
de indústrias que podem alternar o combustível utilizado em seus diferentes processos, quase
não existe no País.
A Petrobras assinou, ainda, contratos utilizando o gás boliviano com algumas
distribuidoras. Nesses contratos, o preço do gás é também composto das parcelas referentes ao
produto e ao transporte. Entretanto, devido à falta de demanda nas térmicas e ao alto preço do
gás proveniente da Bolívia, os níveis de importação do gás permanecem baixos,
impossibilitando o cumprimento das cláusulas take or pay desses contratos.
108
3.3.3 - Preço do Gás Natural destinado ao PPT
O terceiro caso de precificação de transporte de gás natural no Brasil está associado ao
Programa Prioritário de Termeletricidade. A Portaria MME/MF 176 de 2001 definiu que, para
todo o País, haveria um preço único para o gás natural destinado às usinas integrantes do
PPT31, não importando sua origem, nacional ou importada. A mesma Portaria fixou esse preço
em US$ 2,581/MMBTU e definiu que as correções anuais seriam feitas com base na inflação
norte-americana. A Portaria introduziu, ainda, um mecanismo de compensação das variações
cambiais, para que os reajustes do preço do gás natural ficassem alinhados com os reajustes
das tarifas de energia elétrica, eliminando o risco de perdas cambiais entre os reajustes.
A Portaria MME/MF 176/01 estabeleceu duas parcelas para o cálculo do preço do gás
natural: a primeira parcela corresponde a 80% do preço total do gás para as termelétricas e o
reajuste é dado por variações cambiais e pela inflação norte-americana; a segunda parcela, por
sua vez, corresponde aos 20% restante do preço total do gás e o reajuste tem como base o
IGP-M da Fundação Getúlio Vargas. Essa divisão decorre do compromisso da Petrobras com
o fornecimento de até 40 milhões de m3 diários de gás natural, sendo 20% de origem nacional
e 80% importado (ANP, 2002c).
Para se calcular os impactos das medidas propostas na Portaria MME/MF 176/01
deve-se considerar que as usinas termelétricas são um mercado importante para o
desenvolvimento da indústria de gás natural no país, principalmente pelo fato de que, como
visto anteriormente, as usinas termelétricas, na posição de grandes consumidores, são capazes
de viabilizar a expansão da infra-estrutura de transporte de gás natural.
3.3.4 - Situação Atual da Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil
Em dezembro de 2001, a Portaria Ministerial MME 003 / 2000 foi revogada e o gás de
produção nacional passou a ter seus preços estabelecidos por meio de contratos. A partir de
janeiro de 2002, portanto, os preços do gás natural de origem nacional deixaram de ser
estabelecidos pelo governo federal, cabendo às partes interessadas negociá-los direta e
31 Esse preço ficou limitado às plantas que entraram em operação até junho de 2003 e até o volume de 40 milhões de m3 diários de gás.
109
livremente. A ANP passou a atuar somente arbitrando os conflitos que poderiam surgir entre
as partes envolvidas e verificando se as tarifas acordadas são compatíveis com o mercado.
A liberalização dos preços significou que não haveria mais regras para os contratos
antigos e as distribuidoras ficariam submetidas às decisões da Petrobras. Por outro lado, a
ausência de regras representou uma sinalização positiva para os investidores privados atuantes
na exploração e produção de gás. Em relação aos aspectos contratuais, em julho de 2003
foram acordados contratos relativos ao transporte de gás natural entre o Consórcio Malhas
Sudeste Nordeste e a Petrobras. Nesse contrato, ficou estabelecido que as tarifas seriam
postais, sem determinantes de custos (ANP, 2004).
Em 2003, o Ministério das Minas e Energia estabeleceu a Portaria no. 432, na qual
instituiu-se um Grupo de Trabalho responsável pela elaboração de uma política de preços para
o gás natural. A ANP ficou responsável pelos estudos necessários para a formulação desta
política. A instituição desse Grupo de Trabalho significa que os preços do gás natural no
Brasil, embora estejam atualmente liberalizados, deverão ser novamente regulados.
A existência de monopólio natural no transporte de gás natural, o estágio do processo
de abertura da indústria, as perspectivas de aumento da participação na matriz energética e a
forte dominância da Petrobras na indústria fazem com que a regulação dos preços de gás
natural seja importante para o momento atual da indústria, que ainda é incipiente.
Embora atualmente os preços do gás natural estejam liberados, na Minuta de Portaria
sobre o estabelecimento de critérios tarifários para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário
de gás natural, posta em consulta na Audiência Pública realizada em dezembro de 2003,
propôs-se a inclusão do percurso, da capacidade e da diferença de pressão entre os pontos de
recepção e entrega no cálculo da tarifa. Propôs-se ainda um maior nível de detalhamento no
estabelecimento de regras, uma vez que a ausência de objetividade pode criar espaço para a
utilização da tarifa de forma discriminatória na prestação dos diversos serviços de transporte
(IEPUC, 2004).
A ausência de regulação de preços e a diferença nos critérios de tarifação para o gás de
origem nacional, para o PPT e para o gás importado pode causar problemas para a indústria.
A sustentabilidade econômica de cada gasoduto pode ficar ameaçada se para cada novo
gasoduto existir uma nova tarifa. É importante para a alocação de recursos, portanto, que haja
coerência nas tarifas cobradas. Como exemplo, pode-se citar o caso do gasoduto Bolívia-
110
Brasil, cuja tarifação é postal. Se a Bacia de Santos for aproveitada com um novo gasoduto
até São Paulo que utilize como critério a tarifação por distância, a renda ficará com a empresa
produtora do gás e não com os consumidores, pois o preço será estabelecido pelo critério
netback, ou seja, a empresa parte do preço que está sendo cobrado dos consumidores e
diminui desse valor o preço do transporte de gás para formar o preço boca-de-poço. Do ponto
de vista alocativo, portanto, mais importante do que a definição de qual metodologia tarifária
será utilizada é a questão da coerência da tarifa.
3.4 - Considerações Finais do Capítulo
Apresentaram-se neste capítulo alguns aspectos da indústria de gás natural no Brasil,
que começou a apresentar sinais de crescimento na década de 80, com a descoberta de
reservas no Rio de Janeiro. Embora a participação do gás na matriz energética seja ainda
limitada, há perspectivas de aumento para os próximos anos, especialmente por interesse da
Petrobras, principal empresa do setor. As reservas de gás do Brasil aumentaram muito nos
últimos anos, mas a rede de transporte, embora tenha praticamente dobrado de extensão em
quatro anos, é ainda pouco desenvolvida.
Em relação aos aspectos regulatórios, é importante ressaltar a Constituição de 1988,
que conferiu aos Estados da União a responsabilidade sobre a distribuição de gás canalizado,
e a Lei 9.748 de 1997, que definiu algumas regras para a indústria, como a licitação e
concessão de blocos para exploração e produção do gás natural e o acesso regulado de
terceiros às redes existentes de infra-estrutura. A questão do livre-acesso, entretanto, ainda
não está solucionada, assim como os problemas de coordenação, de capacidade ociosa, de
classificação dos dutos e de desenvolvimento da rede de transporte de gás natural brasileira.
Analisou-se também a questão da tarifação do transporte de gás natural no Brasil. O
preço do gás natural vendido para as distribuidoras é dividido em duas parcelas: a
remuneração do produtor e a tarifa de transporte entre a produção e o consumo, que remunera
o serviço de movimentação do gás. Entretanto, até o final de 2001, existiam três formas
distintas de determinação do preço do transporte de gás no país: o preço do gás de produção
nacional, regulado pela Portaria MME/MF 003 de 2000; o preço do gás natural importado,
111
que é livre e arbitrado entre as partes; e o preço do gás destinado ao Programa Prioritário de
Termoeletricidade (PPT), regulado pela Portaria MME/MF 176 de 2001 e fixado em US$
2,581/MMBTU, corrigido anualmente pela inflação americana e válido para todo o gás
destinado às termelétricas de origem nacional ou importada.
A Portaria Interministerial MME/MF 003/2000 estabeleceu o preço do gás natural de
produção nacional, regulamentando um preço máximo para a venda às concessionárias de gás
canalizado. Seu objetivo foi reduzir distorções no processo de formação do preço do gás,
introduzindo regras mais simples, incluindo o fator distância, separando a etapa de
comercialização do transporte, desregulamentando os preços e eliminando preços
diferenciados por uso final.
A metodologia tarifária adotada para o transporte do gás de origem nacional incluiu o
fator distância por ser uma sinalização locacional. A introdução dessa sinalização foi feita
com, inicialmente, 30% dos custos proporcionais à distância sendo que, atualmente, a
proporção é de 60%. Os cálculos foram feitos consolidando todos os gasodutos da rede como
um gasoduto fictício único, ao invés de fazerem os cálculos separadamente, evitando-se assim
discrepâncias e imprecisão. Esse tipo de definição fazia com que houvesse clara diferença de
preços entre as localidades produtoras e as localidades consumidoras. A abordagem
determinada para a introdução da distância seria a de zonas tarifárias, sendo que cada zona
seria um Estado da União e o centro de carga seria calculado como a distância média de
movimentação dessa zona em relação aos pontos de produção. Essa Portaria foi revogada e, a
partir de janeiro de 2002, os preços do gás de produção nacional passaram a ser estabelecidos
por contratos entre as partes envolvidas na negociação, assim como é feito para o gás natural
de origem importada.
Em relação ao gás natural importado, os conflitos que surgiram foram resolvidos pela
ANP, que também utilizou o fator distância para os serviços de transporte firme e não firme.
A Agência espera que, com o tempo, haja a separação efetiva da atividade de transporte.
Quando isso ocorrer, não haverá mais necessidade da intervenção da ANP.
Atualmente, portanto, existem duas formas distintas de determinação de tarifas de
transporte de gás natural: a do gás natural destinado ao PPT, que é fixo para todas as regiões
do país, e a do gás natural importado e de produção nacional, que tem seus preços acordados
entre as partes envolvidas e cujos possíveis conflitos são arbitrados pelo regulador. Portanto,
112
não existe nenhum critério específico para a tarifação de transporte de gás natural no Brasil
estabelecido pelo regulador.
A indústria de gás natural no Brasil encontra-se em um momento de indefinição e são
muitos os problemas e desafios a serem enfrentados nos próximos anos. Existem questões
relativas à escassez de investimentos na infra-estrutura de transporte, ao livre acesso, ao
crescimento da demanda de gás natural abaixo do esperado, à classificação dos dutos e, em
especial, a indefinição de uma política única e coerente de definição tarifária para o transporte
dutoviário de gás natural.
No próximo Capítulo serão analisadas as indústrias de gás natural e as políticas de
tarifação de transporte de gás natural na União Européia, Estados Unidos, Colômbia e
Argentina. Conhecendo as características da indústria brasileira e a experiência internacional
em políticas de tarifação de transporte de gás natural será possível analisar possíveis
alternativas para o caso brasileiro.
113
CAPÍTULO IV - EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
O objetivo deste Capítulo é analisar diferentes formas de precificação do transporte de
gás natural adotadas em alguns países da União Européia, e também nos Estados Unidos, na
Argentina e na Colômbia. O estudo da experiência internacional na tarifação do transporte de
gás natural é de grande importância para a definição de propostas para o caso brasileiro.
As configurações da indústria de gás nos países selecionados são bastante diferentes
do caso brasileiro, entretanto, a análise desses países permite delimitar a tendência da
indústria mundial. As indústrias de gás na Europa e nos EUA são bem mais desenvolvidas
que no Brasil, porém, o caso europeu é bastante distinto do caso norte-americano, tornando a
análise de ambos os casos muito importante para o entendimento da evolução da indústria.
Já o estudo do caso Argentino é bastante interessante para o Brasil uma vez que,
apesar da Argentina ser um país também em desenvolvimento, a indústria de gás natural é
bem mais desenvolvida e a participação do gás na matriz energética é muito significativa. A
rede de transporte e de distribuição é consideravelmente maior do que a brasileira e a
introdução da concorrência atingiu todos os segmentos da indústria. O estudo do caso
colombiano é também útil para a análise da indústria no Brasil, uma vez que o gás natural na
Colômbia apresentou crescimento expressivo nos últimos anos.
Para avaliar-se a experiência da União Européia em tarifação de transporte de gás
natural foram analisados os estudos da CER (2004), do Parlamento Europeu e Conselho
(2003), da ANP (2003a), de Krause e Pinto Jr. (1998) e de Alveal e Almeida (2003). Foram
utilizadas, ainda, as Diretivas 91/377/CEE, 91/296/CEE, 94/54/CEE, 98/30/CE e 2003/55/EC.
Para o caso específico de tarifação na Espanha e na Irlanda, utilizaram-se as informações dos
respectivos órgãos reguladores CNE (2001) e CER (2004), além de dados da ENAGAS
(2004) da Espanha.
114
Para a análise da indústria de gás natural dos Estados Unidos foram abordados os
estudos de NERA (2002), IEA (2002), OECD (1994) e Almeida (2003a). Para a Argentina,
utilizaram-se os estudos de Teich e Niemetz (2004), de Visintini (1998), da ANP (2003b), de
Bravo e Kozulj (1991) e do regulador ENARGAS (2004). Foi consultada ainda a Lei
24.076/92, relativa à regulação da indústria de gás natural na Argentina. Por fim, para o
estudo da Colômbia, foram de grande importância as informações e a legislação da agência
reguladora CREG (2004) além do estudo da ANP (2002b). Para as informações estatísticas
sobre o gás natural em todos os países, foram utilizadas as informações disponíveis no BP
Statistical Review (2004).
4.1 - União Européia
Ao final de 2003, as reservas provadas de gás natural da União Européia eram de 2,88
trilhões de m3, com uma relação reserva/produção média de 14,1 anos. A produção anual foi
de 204,6 bilhões de m3 e o consumo de 403,9 bilhões de m3. Este déficit foi coberto
principalmente com importações da Rússia (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A rede de
gasodutos da Europa é bastante desenvolvida e os mercado nacionais são quase totalmente
interconectados.
A indústria de Gás Natural na Europa começou a se desenvolver fortemente a partir da
década de setenta. A forte presença de empresas estatais e a organização oligopólica da
indústria foram as principais características da indústria gasífera européia até a década de
oitenta. Havia a presença de oligopólio tanto na importação, como na produção, devido à
concentração das reservas em poucos países. Já a intervenção estatal era conseqüência,
principalmente, da preocupação com o abastecimento proveniente de reservas da União
Soviética (KRAUSE e PINTO JR., 1998).
115
A presença de empresas integradas e os contratos bilaterais de longo prazo são
características da indústria européia embora, em cada país membro, a organização da indústria
possua algumas particularidades. Tais particularidades, como a diversidade de preços,
dificultavam a criação de um mercado único (KRAUSE e PINTO JR., 1998).
4.1.1 - Diretiva Européia
Durante a década de noventa, intensificou-se na Europa a reestruturação do setor, com
ênfase na introdução da competição e diminuição do papel do Estado empresário. A criação
de um mercado único para o gás natural entre os países membros da União Européia ocorreu
em etapas. A primeira fase foi a Diretiva 91/296/CEE que tinha como objetivo facilitar o
trânsito de gás natural entre as grandes redes de transporte de alta pressão, para que as trocas
de gás entre as grandes redes fossem aumentadas. A próxima fase foi estabelecida, logo em
seguida, na Diretiva 91/377/CEE que teve como objetivo assegurar a transparência dos preços
ao consumidor final industrial de gás e eletricidade. A terceira fase foi estabelecida na
Diretiva 94/54/CEE, que assegurava o acesso não discriminatório de qualquer empresa às
atividades de prospecção, exploração e extração de hidrocarbonetos (ANP, 2003a).
A Diretiva 98/30/CE foi adotada pelos países da União Européia em 1998 e teve como
objetivo regulamentar o setor de gás natural dos países membros, gerando competição e
garantia de abastecimento. As novas regras estabelecidas por essa Diretiva implementaram a
competição no setor, com a regulamentação do acesso de terceiros à rede de transporte32, além
da separação e transparência contábil nas atividades da cadeia e do estabelecimento de
procedimentos não discriminatórios na tarifação de transporte e de distribuição. Além disso, a
atividade de transporte passaria a ser por autorização e a distribuição por concessão e cada
Estado-membro poderia designar uma autoridade competente para a resolução de eventuais
conflitos (ANP, 2003a).
32 A regulação européia estabeleceu que os mercados deveriam ser competitivos e o acesso não-discriminatório. Entretanto, existem situações nas quais as empresas podem recusar o acesso à suas redes, como nos casos de: falta de capacidade; impossibilidade de cumprimento das obrigações de serviço público em decorrência do acesso; e dificuldades econômicas nos contratos take or pay. Além disso, no caso de países nos quais o primeiro contrato de fornecimento de longa duração tenha sido efetuado a menos de dez anos, pode haver derrogações temporárias para a abertura do mercado, a venda direta para os consumidores e para as regras nas concessões e autorizações para a construção e operação de dutos (ANP, 2003b).
116
Em 2003, o Parlamento Europeu adotou a Diretiva 03/55/CE, que previa regras
comuns para o mercado interno de gás natural. Enquanto a Diretiva de 1998 deu os primeiros
passos na tentativa da criação de um mercado interno de gás, essa segunda Diretiva
estabeleceu quais seriam as mudanças estruturais necessárias no arcabouço regulatório para
que as barreiras ainda existentes para a criação do mercado único fossem eliminadas (CER,
2004).
Para ajudar a desenvolver um Mercado de gás natural mais competitivo e para acelerar
o processo de liberalização em cada estado membro, essa diretiva, que foi implementada em
1o de julho de 2004, determinou algumas cláusulas para diminuir o poder de mercado e
garantir um nível de ação para as empresas existentes e para as potenciais entrantes. Nesse
sentido, cláusulas de acesso não discriminatório às redes em associação a tarifas transparentes
e justas foram essenciais para atingir essas metas. Ao mesmo tempo, as autoridades
regulatórias de cada Estado membro teriam que garantir as salvaguardas adequadas,
principalmente para clientes vulneráveis e clientes conectados à rede em áreas remotas. Os
princípios chaves dessa Diretiva foram: a proteção dos clientes; a viabilidade e os incentivos
aos investimentos nas redes; tarifas justas e não discriminatórias; a refletividade dos custos; e
a preocupação ambiental. Todos esses princípios devem ser levados em conta no
estabelecimento das tarifas de transporte de gás natural (CER, 2004, p. 9).
A Diretiva de 2003, relativa ao mercado interno do gás, prevê o direito de todos os
consumidores de gás escolherem livremente o seu fornecedor a partir de 1o de Julho de 2007.
Além disso, a diretiva estabelece outras cláusulas, como: o acesso de terceiros às redes de
transporte e distribuição com base em tarifas publicadas e regulamentadas; a criação de uma
entidade reguladora com um conjunto mínimo comum de responsabilidades em cada um dos
Estados-Membros; a separação jurídica das empresas de transporte e das empresas de
distribuição de grande dimensão e de dimensão média; o acesso a instalações de
armazenamento numa base negociada ou regulamentada. A União Européia adotou ainda,
como complementação dessa Diretiva, o Regulamento 1228/2003 relativo às condições de
acesso à rede para o comércio de eletricidade entre os países, que prevê, entre outras coisas,
estruturas tarifárias comuns (PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO, 2003).
Para estimular o cumprimento do acesso de terceiros às redes de gasodutos, foi criado
o Fórum Europeu de Reguladores do Gás, que tem por objetivo elaborar, mediante consenso,
regras técnicas necessárias à realização do mercado interno do gás. Tal Fórum estabeleceu um
117
conjunto de “Orientações sobre Boas Práticas de Acesso de Terceiros”. Entretanto, o
Parlamento Europeu acredita que ainda existe um grau significativo e inaceitável de não
cumprimento dessas recomendações e, portanto, condições justas e equilibradas de acesso à
rede de distribuição de gás ainda não estão garantidas. Tais condições de acesso, por serem
assimétricas e pouco desenvolvidas, prejudicam a eficiência do mercado interno do gás
natural. Para a criação de mecanismos que promovam a competição, baseadas no acesso de
terceiros à rede, são necessários princípios básicos sobre os custos de acesso assim como
regras e custos de equilíbrio (PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO, 2003).
Na sétima reunião desse Fórum, realizado em Madrid, em setembro de 2003, alguns
aspectos sobre o acesso de terceiros foram abordados, destacando-se: critérios de
determinação das taxas de acesso à rede; um conjunto mínimo comum de serviços de acesso
de terceiros; informação sobre requisitos técnicos e capacidade disponível; e requisitos
fundamentais comuns sobre as transações de direitos primários à capacidade.
4.1.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural
A Diretiva Européia não estabeleceu nenhuma metodologia específica para a tarifação
de gás natural na União Européia, apenas as “Orientações sobre Boas Práticas de Acesso de
Terceiros” do Fórum Europeu de Reguladores do Gás. Entretanto, nesse documento, a
tarifação do tipo entrada/saída foi indicada visando a possível uniformização das tarifas dos
países membros da União Européia. Essa indicação se deve ao fato da tarifação entry-exit
possuir maior potencial de introdução da competição e boa sinalização para novos
investimentos. Em relação à tarifação por distância, por outro lado, é feita uma advertência,
pois nesse tipo de metodologia, os custos podem não ser refletidos corretamente, uma vez que
os valores podem variar de acordo com a quantidades de operadores e da precisão na
nomeação do gás. Além disso, a tarifação por distância favorece grandes carregadores que
possuam muitos clientes (ANP, 2003a).
Ainda em relação à tarifação do gás natural na União Européia, é importante ressaltar
que existe, entre os países membros, uma enorme discrepância nas tarifas praticadas e, até
mesmo dentro de um país, uma enorme diferença entre as tarifas máximas e mínimas, como
pode ser observado no gráfico a seguir:
118
Gráfico 4 - Preços Máximos e Mínimos do Gás Natural na Europa
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Dinamar
ca
Aleman
ha
Irland
a
Luxe
mburg
o
Holand
a
Espan
ha
Reino U
nido
Eur
o/kW
h
Tarifa Mínima Tarifa Máxima
Fonte: ANP, 2003a, p. 16
Cada país membro da União Européia pode determinar qual a forma de tarifação de
transporte de gás que irá utilizar. No entanto, a metodologia de cálculo dessas tarifas deve ser
aprovada e publicada pelo órgão regulador nacional e não poderá haver discriminação entre os
agentes que utilizam a rede. A estrutura tarifária de transporte é por distância na Bélgica,
França e Alemanha. A tarifação é postal na Dinamarca, Luxemburgo, Espanha e Suécia e
também nos países recém admitidos Lituânia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Romênia e
Bulgária. A metodologia do tipo entrada/saída é utilizada na Irlanda, Itália, Holanda e Reino
Unido. Nos demais países, como Portugal, Grécia, Áustria e Finlândia a metodologia de
cálculo para as tarifas ainda não foi decidida (ANP, 2003). A seguir, serão apresentados
brevemente os exemplos da Espanha, que optou por uma forma de tarifação postal, e da
Irlanda, que utiliza o critério de entrada/saída.
119
a) O caso da Espanha
A participação do gás na matriz energética espanhola é de 14%. Na Espanha não
existem reservas provadas de gás natural e quase todo o consumo é proveniente de
importações de gás da Noruega e de GNL (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A Empresa
Nacional del Gás (ENAGAS) é a principal transportadora do país e tem a responsabilidade de
gerir a rede básica e a rede secundária de gás espanholas, apresentadas na figura a seguir:
Figura 6 - Gasodutos da Espanha
Fonte: Netto (2004)
120
Ficou definido na Lei n.º 34/1998, que a indústria de gás natural espanhol deixaria de
ser um serviço público e passaria a ser de livre iniciativa empresarial. Esta Lei estabeleceu o
funcionamento da indústria de gás natural no País, definindo os agentes que atuam no
mercado e a separação legal entre as atividades reguladas e abertas à concorrência. A
legislação estabeleceu a separação das atividades de transporte e comercialização, e
distribuição e comercialização, limitando a participação da ENAGAS em 35% do capital
dessas atividades. Além disso, a ENAGAS adquiriu a função de Gestor Técnico do Sistema,
que é a empresa de transporte titular da maioria das instalações da rede básica de gás natural e
tem a responsabilidade da gestão técnica da rede básica e das redes de transporte secundário
(ENAGAS, 2004).
Esse processo de liberalização culminou em 1o de Janeiro de 2003, quando todos os
clientes de gás natural passaram a escolher livremente o seu fornecedor. Além disso, ficou
decidido nessa lei, que as tarifas máximas de transporte de gás natural por gasodutos seriam
únicas para todo o território espanhol, em função do volume, pressão e forma de consumo do
gás, ou seja, a tarifação seguiria o critério postal. As tarifas seriam responsáveis por assegurar
a recuperação dos investimentos, garantir a rentabilidade dos recursos investidos, incentivar
melhor produtividade e não produzir distorções. A determinação das tarifas é feita de quatro
em quatro anos, quando é feita uma revisão (CNE, 2001).
Em relação ao livre acesso, ficou estabelecido que este seria regulado e a CNE ficaria
responsável pela resolução dos conflitos. A Ordem Ministerial de Julho de 2000 definiu as
tarifas a serem praticadas para o acesso a terceiros, estabelecendo que as tarifas na Espanha
seriam divididas em dois grupos: os carregadores de pequeno volume, com um consumo
anual inferior a 350 MCM; e os carregadores de grande volume, com consumo superior a 350
MCM anuais. Para cada um desses carregadores, a tarifa é dividida em um encargo de
conexão e segurança, baseado na capacidade diária, e um encargo de transporte, que depende
da combinação da capacidade diária, da quantidade de gás transportada e da distância do
transporte (LAPUERTA e MOSELLE, 2001).
121
O encargo de transporte para os pequenos carregadores em redes de alta pressão é
relacionado à distância e engloba os encargos de capacidade e o da commodity. Para calcular
o encargo, a distância tem um piso de 100 quilômetros e um teto de 500 quilômetros33. Os
carregadores de grande volume, por sua vez, pagam uma tarifa postal para o transporte, que
compreende o encargo de capacidade e o encargo da commodity. Assim, a tarifação para os
grandes carregadores é independente da distância percorrida pelo gás (LAPUERTA e
MOSELLE, 2001).
A Espanha, portanto, adotou a tarifação postal para o transporte de gás natural
realizado pela empresa monopolista ENAGAS e para o acesso de grandes carregadores à rede
existente. O critério relacionado à distância é utilizado apenas para o acesso de pequenos
carregadores.
b) O caso da Irlanda
A Irlanda não possui reservas provadas de gás natural, importando do Reino Unido
todo a gás consumido em 2003 (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A indústria de gás
natural na Irlanda ainda não é muito desenvolvida e a introdução da competição no mercado
iniciou-se em 1995. Atualmente, cerca de 85% dos clientes já podem escolher seu fornecedor
e 87% do mercado é aberto à competição.
A Comission of Energy Regulation (CER) é a responsável pela promoção da
competição, eficiência, qualidade e continuidade da oferta de gás natural no país, definindo as
tarifas a serem praticadas no mercado (CER, 2004). A rede de transporte de gás natural
irlandesa possui 1.850 km de gasodutos e a rede de distribuição é de aproximadamente 7.000
km (BORD GÁIS, 2004). Na figura abaixo está representada a rede de gasodutos irlandesa:
�
�
33 Além disso, o carregador pagará um encargo de conexão e de capacidade por no mínimo dois anos, mesmo que utilize apenas um. Isso ocorre pois a Enagas impôs uma duração mínima de dois anos para os contratos.
122
�
Figura 7 - Gasodutos da Irlanda�
Fonte: Bord Gáis (2004)
Nesse país, a tarifação é baseada na abordagem do Custo Marginal de Longo Prazo,
que, para o transporte de gás natural, é calculado pelo Custo Incremental Médio de Longo
Prazo. A CER é a responsável pela determinação da receita máxima a ser obtida pela Bord
Gáis Transmission (BGT), empresa responsável pelo transporte de gás no país. Essa receita
máxima é revista de quatro em quatro anos (CER, 2004).
123
A partir da determinação da receita máxima permitida é possível determinar as tarifas
a serem praticadas pela BGT. A estrutura tarifária é do tipo “entry-exit” e inclui sinais
locacionais na entrada e tarifas postais na saída. O nível das tarifas de entrada é determinado
pelo custo da infra-estrutura necessária para colocar o gás na rede de gasodutos irlandesa em
cada ponto de entrada. Já a tarifa de saída é determinada pelo custo médio do transporte de
gás natural por gasodutos e, portanto, todos os pontos de saída pagam a mesma tarifa (CER,
2004).
Embora a Diretiva Européia para o Gás Natural tenha implementado algumas
mudanças importantes, ainda não houve a efetivação do mercado interno de gás europeu.
Cada país membro possui níveis de abertura diferentes e há enormes disparidades nas tarifas
praticadas. Além disso, a produção e a importação estão concentradas na mão de poucas
empresas. Dentre esses obstáculos, a questão da tarifação de transporte de gás natural é de
grande relevância, uma vez que a introdução da competição, o acesso de terceiros à infra-
estrutura existente e o preço final para o consumidor estão ligados a essa questão.
A questão da tarifação do transporte de gás na Europa é importante e delicada. Embora
a Diretiva européia tenha proposto uma legislação válida para todos os países ligados à União
Européia, a forma como é feita a tarifação do transporte de gás natural é diferente em cada
país membro. A diferença entre as formas de tarifação pode gerar problemas para a integração
energética do bloco.
4.2 - Estados Unidos
As reservas provadas de gás natural dos Estados Unidos somavam 5,23 trilhões de m3
no final de 2003. Esse valor, embora seja consideravelmente alto, não garante auto-suficiência
para o maior mercado consumidor de gás natural do mundo, cujo consumo foi de 629 bilhões
de m3 em 2003. Desse total, 549,5 bilhões de m3 foram produzidos no país e o restante foi
proveniente de importações do Canadá e de GNL. A relação reserva/produção do país é de
apenas 9,5 anos e o energético responde por 24,6% do consumo de energia primária no País
(BP STATISTICAL REVIEW, 2004).
124
A indústria de gás natural norte-americana é composta de cerca de 10 mil produtores,
quase 200 transportadores e 2 mil empresas de distribuição. De todo o gás consumido no país,
44% são para a indústria, 27% para o setor residencial, 15% para o comércio e 14% para a
geração elétrica. A rede de gasodutos de transporte de gás natural dos Estados Unidos é de
432 mil quilômetros e a de distribuição ultrapassa os 1,6 milhões de quilômetros (IEA, 2002).
Na figura abaixo é apresentada a rede de gasodutos de transporte dos Estados Unidos:
Figura 8 - Rede de Gasodutos de Transporte dos EUA
Fonte: NERA, 2002
A regulação da indústria de gás norte-americana é particularmente diferente dos outros
países. A Federal Regulatory Comission (FERC) regula as transações entre os diversos
Estados do País, enquanto a regulação estadual é de responsabilidade das Public Utility
Comissions (PUCs).
125
4.2.1 - Regulação
A regulação da indústria de gás norte-americana teve início durante a década de 20
com a implantação das Public Utilities Comissions (PUCs), que regulavam a distribuição e o
transporte de gás natural nos Estados. As PUCs determinaram a criação de monopólios e
passaram a fixar as tarifas por custo de serviço. Em 1938, foi publicada uma lei federal para o
gás natural, o Natural Gas Act (NGA), que instituiu a regulação no transporte de gás entre os
Estados pela Federal Power Comission (FPC34), que também regulava as tarifas interestaduais
pelo custo de serviço. Por sua vez, a produção de gás natural não era regulada até 1954, ano
em que os reguladores estaduais e federais passaram a determinar os preços do gás boca de
poço, inicialmente com base na regulação por custo de serviço e posteriormente pela
determinação de preços teto35.
A forte intervenção estatal na indústria entre os anos 1950 e 1973 acelerou o
desenvolvimento da demanda, embora a fixação dos preços de produção tenha diminuído a
expansão da oferta do gás por falta de investimentos na reposição de reservas. A queda na
oferta do gás foi bastante significativa e fez com que a FPC aumentasse, sem sucesso, os
preços do gás no início da década de 70. A crise da década de 70 teve como causa um período
de intensa regulação nos anos 50, que tinha como principal aspecto o controle de preços boca
de poço (OECD, 1994).
A crise de oferta foi tão significativa que em 1978 foi aprovado o Natural Gas Policy
Act (NGPA), que reformulou a indústria norte-americana de gás natural. O NGPA definiu
uma nova política de preços para o gás natural de novos produtores e passou a regular o preço
do gás dentro dos Estados. Porém, pouco a pouco, o preço do gás seria liberalizado e se
introduziria competição no segmento de produção de gás (ALMEIDA, 2003a). O NGPA
iniciou, assim, a desregulamentação da IGN norte-americana por meio da liberação dos
preços boca de poço e do início da desregulamentação do transporte interestadual (OECD,
1994).
34 A FPC posteriormente passou a ser a FERC. 35 Como existiam cerca de 5.000 poços de gás natural nessa época, a regulação por custo de serviço tornou-se muito difícil. Por esse motivo, a FPC dividiu o mercado em 23 áreas e estipulou preços teto para cada uma delas (Almeida, 2003a).
126
No início dos anos 80, devido a uma grave crise econômica, a situação da indústria de
gás norte-americana se reverteu. Houve uma drástica diminuição da demanda, o que fez com
que o preço do gás boca de poço diminuísse devido ao excesso de oferta. A queda na
demanda e nos preços prejudicou as transportadoras que contrataram o gás quando o preço
ainda estava elevado, o que dificultou o cumprimento dos contratos com cláusulas de take-or-
pay. Essa crise no cumprimento dos contratos take-or-pay ficou conhecida como a bolha de
gás americana. Em 1984, a Order 380 liberou os consumidores da obrigação de pagamento de
uma parte de todo o encargo da commodity sendo o gás usado ou não, o que exacerbou o
problema do take-or-pay (OECD, 1994).
Ainda em 1984, tais cláusulas foram extintas dos contratos pela FERC em troca do
acesso de terceiros às redes, que no ano seguinte, já eram responsáveis por metade do volume
de gás transportado entre os Estados (ALMEIDA, 2003a). Até a década de 80, o declínio na
demanda e o excesso de capacidade ociosa nas redes formaram as condições ideais para o
desenvolvimento de um mercado mais competitivo. As transportadoras em crise aceitaram
facilmente a introdução do livre-acesso quando a Order 436 foi criada em 1986, criando o
programa de livre-acesso voluntário à rede de transporte. Outro aspecto importante dessa lei
foi a criação do mercado spot para o gás natural que permitiu que produtores com excedente
pudessem vender o gás em um mercado de curto prazo (OECD, 1994). Já em 1989, com o
Natural Gas Wellhead Decontrol Act (NGWDA), o controle de preços do gás na boca do
poço foi totalmente eliminado (IEA, 2002).
No ano de 1992, a Order 636, conhecida como Final Restructuring Order, completou
o processo regulatório de introdução da concorrência. Essa regulamentação tinha quatro
objetivos principais: a separação das atividades de transporte, suprimento e estocagem de gás
natural de forma a erradicar os incentivos à discriminação contra os competidores e dar
transparência ao mercado; o livre acesso não-discriminatório de terceiros às redes de
transporte e estocagem e a obrigação de informar sobre a disponibilidade da capacidade; a
obrigação de realocação de capacidade em um mercado secundário para a revenda da
capacidade não utilizada; e a criação de um encargo fixo de capacidade para cobrir os custos
fixos de transporte, o “straight fixed variable”, em substituição ao “modified fixed variable”,
apresentados no Capítulo 2 (IEA, 2002). A nova regulamentação previa ainda a padronização
dos pacotes de serviços a serem contratados para diminuir os custos de transação e a criação
dos Centros de Comercialização (CDC) que, operando nos pontos de interconexão da rede,
127
tentam agregar oferta e demanda de gás utilizando estoques se necessário, equilibrando o
mercado e uniformizando o preço do gás em toda a rede (ALMEIDA, 2003a).
Para a introdução da concorrência no segmento de distribuição, determinou-se a
separação dos serviços oferecidos pelas companhias de distribuição local, que além de
disponibilizar o acesso de terceiros às suas redes de transporte e estocagem, ficariam
responsáveis pelos serviços de transporte e entrega do gás através de gasodutos de baixa
pressão, pelos serviços de estocagem e de comercialização e pela medição e cobrança. A
reforma na distribuição teria um ritmo mais lento do que a liberalização do mercado de
grandes consumidores porque no caso dos pequenos consumidores, dado o menor consumo, a
possibilidade de se reduzir os custos do gás é pequena (ALMEIDA, 2003a).
A Order 636 mudou consideravelmente a relação entre os agentes da indústria de gás
natural dos Estados Unidos. Um grande número de comercializadores surgiu, os centros de
comercialização se desenvolveram e mercados spot e futuro36 de gás se expandiram. Essas
transformações na organização da IGN americana mudaram o padrão de concorrência e
aumentaram a complexidade da indústria (IEA, 2002). A Order 636 removeu grande parte das
barreiras remanescentes que impediam a transparência do mercado, pré-condição para a
competição. Nesse novo ambiente, novas regras foram introduzidas. Dentre essas regras,
pode-se citar: o balanceamento do sistema por acordos operacionais de retiradas e injeção de
gás dos gasodutos de transporte como forma de garantir o abastecimento em períodos de pico;
e a aplicação de multas para os agentes que não cumprirem com o acordado (ALMEIDA,
2003a).
Em relação às mudanças ocorridas nos contratos, a participação dos contratos de curto
prazo passou a ser expressiva. Tais contratos possibilitaram aos fornecedores maior
flexibilidade para atender mudanças na demanda e maior diversidade de opções de contrato de
fornecimento. Esse tipo de contrato permite ainda que os consumidores que podem trocar de
36 Os contratos no mercado spot são finalizados no final do mês anterior à entrega do gás e envolvem um volume de gás negociado pelo preço do dia do fechamento do negócio. O mercado spot de gás natural surgiu nos anos 80 e se desenvolveu rapidamente com o colapso de 1986. Já o mercado futuro é uma forma dos agentes minimizarem os riscos de mercado que surgiram com a desverticalizam das empresas por meio de contratos de hedge (Almeida, 2003a). Os contratos da indústria de gás natural também podem ser de médio e longo prazo. Os contratos de médio prazo são aqueles de até três anos e são caracterizados por volumes diários fixos com pequenas variações. Já os contratos de longo prazo são de mais de três anos e são relativos a volumes mensais de gás fixos, o que possibilita cobrir custos fixos de expansão de capacidade. Os preços dos contratos de longo prazo podem ser fixos, indexados aos preços dos mercados spot ou futuro, ou relacionados ao preço de combustíveis alternativos ou da eletricidade. Os contratos de longo prazo podem envolver ainda cláusulas do tipo take-or-release, que disponibiliza no mercado de curto prazo o gás não retirado pelo carregador (ALMEIDA, 2003a).
128
combustível aproveitem o movimento dos preços relativos. Os contratos de curto prazo
podem ser feitos por negociação direta entre consumidores e comercializadores ou por meio
de mercados spot e futuro (ALMEIDA, 2003a).
Nos Estados Unidos existem diferentes tipos de transporte de gás natural, sendo os
mais importantes o serviço de transporte interruptível, o serviço de transporte firme e o
serviço premium, em que o carregador não paga multas ao utilizar uma capacidade de
transporte maior do que a que foi contratada com o transportador, que por sua vez oferece
uma capacidade de backup37. As empresas de distribuição geralmente utilizam os serviços de
transporte firme e premium, dada a necessidade de atendimento do mercado cativo. Alguns
grandes consumidores, por sua vez, além do serviço firme, utilizam também o interruptível,
quando podem trocar de combustível (ALMEIDA, 2003a).
Além desses serviços, existe ainda o mercado secundário de capacidade, onde se pode
despachar o gás no mercado de curto-prazo. No mercado secundário, o preço da capacidade
está diretamente relacionado à demanda pelo gás, ou seja, quanto maior a demanda pelo gás,
maior seu preço no mercado secundário. Porém, de uma maneira geral, dada a incerteza de
fornecimento de gás nesse mercado, os preços costumam ser menores (ALMEIDA, 2003a).
A reestruturação da IGN americana mudou significativamente as negociações e
ampliou o número de agentes, em especial na comercialização do gás natural. Os produtores
passaram a vender gás para os usuários finais e para os comercializadores, além das empresas
de distribuição. Os consumidores, por sua vez, passaram a poder contratar o fornecimento do
gás natural separadamente de seu transporte, o que proporciona menores custos. O transporte
foi separado da comercialização pois se acreditava que a competição no segmento de
transporte ainda não era factível. Por esse motivo as tarifas de transporte deveriam ser
reguladas conforme regras que serão apresentadas a seguir (IEA, 2002).
4.2.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural
O Natural Gas Act de 1938 autorizava o então FPC a regular as taxas de transporte
interestadual de gás natural. A Lei previa que essas taxas deveriam ser justas e razoáveis, sem
que houvesse qualquer tipo de discriminação entre os contratantes. O princípio do custo de
129
serviço utilizado na época se manteve na Order 436 de 1985 e na Order 636 de 1992, que
mudou apenas a forma de representar a taxa para eliminar as potenciais distorções
competitivas nas estruturas da tarifa de utilização dos gasodutos.
Nos Estados Unidos, se utiliza o conceito de Custos Contábeis Médios (Average
Accounting Costs - AAC) para o cálculo da taxa de retorno dos gasodutos. No método AAC,
todos os custos presentes na contabilidade da empresa são alocados nos diferentes serviços de
transporte ou na capacidade. Esse método permite toda a cobertura dos custos, mas não dá os
sinais de preço corretos para os carregadores, existindo a possibilidade de haver subsídio
cruzado. Uma vez escolhida a base de custo, basta decidir de que forma os encargos se
relacionarão à distância (OECD, 1994).
Para a determinação das taxas dos gasodutos regulados pela FERC, deve-se seguir os
seguintes passos (OECD, 1994, p. 144):
- Determinar o custo total do serviço do gasoduto: a receita total necessária sem
cobrir as operações do gasoduto, incluindo uma taxa de retorno justa e razoável em
sua taxa base (o valor dos ativos sobre os quais é permitido à empresa ganhar um
retorno específico);
- Operacionalizar os custos do gasoduto, determinando qual das operações do
gasoduto engloba cada custo;
- Caracterizar os custos como fixos (não variáveis de acordo com o volume de gás
transportado) ou variáveis e classificá-los em encargo de reserva e encargo de
uso38;
- Alocar os custos classificados em relação ao encargo de reserva e de uso entre as
várias zonas tarifárias dos gasodutos e classes de serviço jurisdicionais;
- Determinar as taxas computando taxas unitárias para cada serviço. Os encargos
unitários resultantes para os diversos serviços, divididos entre encargo de reserva e
de uso, devem ser transparentes e publicados.
37 A capacidade de backup pode ser por meio de estoques perto do mercado consumidor ou o transportador lançar mão de serviço interruptível (Almeida, 2003a). 38 Na terminologia européia esses encargos seriam equivalentes aos encargos de demanda e encargos da commodity.
130
Para a FERC, “a transferência dos custos para as tarifas é mais do que um simples
mecanismo de procedimento contábil sobre a causa dos custos, mas um complexo de metas às
vezes contraditórias de reconciliação dos interesses conflitantes no processo de transferência
de receitas entre os diversos serviços dos gasodutos e os consumidores” (OCDE, 1994,
p.145).
A forma como os custos fixos e variáveis são alocados em encargos de demanda e de
commodity é de grande importância na discussão sobre a forma da tarifação de transporte de
gás nos EUA. Em 1952, com o Atlantic Seabord Method, 50% dos custos fixos eram alocados
em um encargo de demanda e o resto dos custos fixos e todos os custos variáveis eram
alocados em um encargo de commodity. Posteriormente, o sistema foi modificado e 100% dos
custos fixos passaram a ser alocados ao encargo de commodity.
Em 1973, com o United Method, 25% dos custos fixos foram alocados ao encargo de
demanda de uma parte e os demais custos fixos e variáveis ao encargo de commodity. O
objetivo desse método era conservar a oferta de gás disponível impondo um alto encargo de
commodity (OECD, 1994).
Em 1983 foi criado o Modified Fixed Variable (MFV) que passou a envolver um
encargo de demanda de duas partes, com metade dos custos fixos cobertos por um encargo de
demanda de pico e a outra metade por um encargo de demanda anual. No MFV, todos os
encargos variáveis eram alocados ao encargo de commodity.
Já em 1992, o Straight Fixed Variable (SFV), estabelecido pela Order 636, previa a
alocação de todos os custos fixos no encargo de reserva e todos os custos variáveis no encargo
de uso. O SFV utilizado nos EUA possui de 90 a 95% dos custos alocados ao encargo de
capacidade. Assim, enquanto o MFV possui cerca de 25% de participação do encargo de
commodity, o SFV tem apenas 5%. O SFV foi criado com os objetivos de facilitar o
desenvolvimento do mercado secundário, aumentar os incentivos de redução da capacidade
ociosa, promover a competição boca de poço, facilitar a criação de um mercado nacional de
gás, promover sinais de preço não discriminatório e assegurar taxas razoáveis e justas às
empresas (OECD, 1994).
131
A FERC atua, portanto, estabelecendo um preço máximo a ser cobrado pelas empresas
de transporte interestadual. As empresas de transporte, por sua vez, têm interesse em manter
um custo baixo, uma vez que a introdução da concorrência na comercialização de gás implica
concorrência também no setor de transporte39. Assim, quanto menores os custos de transporte,
mais descontos terão as tarifas, mais contratos de venda serão feitos e melhores os contratos
de compra das comercializadores (ALMEIDA, 2003a).
Cabe ressaltar que o critério utilizado na tarifação de transporte nos EUA é postal
dentro dos hubs, que são localidades geográficas nas quais um grande número de
compradores e vendedores negociam o gás e onde se dá a entrega física do produto. Já entre
os diversos hubs, a tarifa é calculada utilizando-se o fator distância. Assim, a tarifação
utilizada nos EUA é de certa forma semelhante à tarifação zonal, onde cada hub é uma zona
tarifária. Entretanto, a área coberta pelos hubs é muito pequena comparada ao território norte-
americano, conforme pode observado no mapa a seguir:
Figura 9 - Hubs dos EUA
Fonte: Naturalgas.org, 2004
Ainda não foram estabelecidas nos EUA as pré-condições para que as tarifas de
transporte de gás natural sejam definidas pelo mercado e, portanto, espera-se que as tarifas de
transporte continuem sendo reguladas, exceto em algumas áreas onde as empresas que
possuem gasodutos competem entre si. As empresas, por outro lado, argumentam a favor de
39 A concorrência no suprimento e na comercialização implica concorrência no transporte de gás porque as empresas das duas pontas da cadeia estão interessadas em diminuir os custos do transporte (Almeida, 2003a).
132
taxas negociadas livremente com os consumidores, que, por sua vez, terão a opção de
reverteram para taxas reguladas se desejarem. A FERC continua a requerer taxas reguladas
exceto para casos especiais, como o mercado secundário, pois acredita que ainda não exista
competição suficiente que impeça que as empresas pratiquem subsídios cruzados entre os
compradores (IEA, 2002).
A intenção da FERC é introduzir uma regulação incentivada, de forma a corrigir as
deficiências da regulação tradicional criando incentivos para a redução de custos. Os
mecanismos de incentivo têm como objetivo dividir, entre produtores e consumidores, os
benefícios da melhora de eficiência40 (IEA, 2002). Portanto, a previsão é de que as tarifas de
transporte de gás natural continuem sendo reguladas até que a competição ocorra
efetivamente entre as empresas que atuam no segmento.
4.3 - Argentina
As reservas provadas de gás da Argentina eram de 660 bilhões de m3 até o final de
2003, a terceira maior da América do Sul, atrás apenas da Bolívia e da Venezuela. A produção
em 2003 foi de 41 bilhões de m3, com uma relação reserva/produção de 16,2 anos. O consumo
anual interno é da ordem de 34,6 bilhões de m3. O país passou, a partir de 1997, a exportar gás
natural para países vizinhos e, em 2003, exportou 5,75 bilhões de m3 para o Chile, 680
milhões de m3 para o Brasil e 30 milhões para o Uruguai (BP STATISTICAL REVIEW,
2004).
A participação do gás natural na matriz energética argentina é de 53% do total de
energia primária consumida. Atualmente, o gás natural tem grande relevância em vários
segmentos, com 34,2% de participação nas indústrias, 32,7% na geração termelétrica, 18,6%
no segmento residencial e 9% no segmento automotivo (ENARGAS, 2004).
40 No passado, quando a FERC utilizou taxas de incentivo, as transportadoras deveriam demonstrar benefícios quantificáveis ou que as taxas não excediam as taxas de custo de serviço. Para promover as taxas de incentivo, a FERC abandonou esses requerimentos e está estudando a possibilidade de usar uma taxa benchmark-performance.
133
A rede de gasodutos de transporte argentina possui cinco grandes gasodutos para
atender a demanda interna, sendo três deles associados à Transportadora Gas del Sur (TGS) e
os outros dois à Transportadora Gas del Norte (TGN). Existem ainda dez gasodutos para a
exportação de gás natural para o Chile, Brasil e Uruguai. A rede de gasodutos de transporte da
Argentina é de aproximadamente 12,4 mil km, com capacidade de 157,5 milhões m³/dia
(IPQA, 2004). A figura abaixo apresenta a rede de gasodutos de transporte argentina.
Figura 10 - Rede de Gasodutos de Transporte da Argentina
Fonte: Petrobras (2004)
4.3.1 - Antecedentes
Até a década de 40, a indústria de gás na Argentina era pouco desenvolvida. Depois de
90 anos de exploração do serviço de gás manufaturado canalizado por empresas estrangeiras,
somente 6% da população era atendida (BRAVO e KOZULJ, 1991). Em 1946 foi criada a
134
estatal Gas Del Estado (GdE), uma empresa integrada que ficaria responsável pelo transporte
e distribuição do gás natural desde as bacias até os usuários residenciais e industriais. A
Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), por sua vez, seria a responsável pelas atividades de
exploração e produção (TEICH e NIEMETZ, 2004).
Na década de 70, foram descobertas significativas reservas de gás no país, o que
estimulou a Argentina a desenvolver políticas de diversificação de sua matriz energética,
expandindo a participação do gás. Entre essas políticas, destaca-se o Plano Nacional de
Substituição de Combustíveis Líquidos, que promovia o uso do gás natural em veículos de
forma a favorecer a exportação de petróleo e reduzir o déficit na balança comercial. Com esse
Plano, a Argentina aumentou sua frota de veículos movidos a GNV e hoje é o país do mundo
com o maior número de veículos convertidos (ANP, 2003b).
Até 1990, a YPF havia crescido, em média, 11% ao ano enquanto a GdE apresentou
um crescimento anual de 12,2%. Em 1990 a Argentina era um dos países com maior
desenvolvimento da rede de gasodutos e atendia cinco milhões de usuários domésticos,
equivalentes a 45% da população do país (BRAVO e KOZULJ, 1991). Entretanto, acreditava-
se que as condições eram desfavoráveis para novos investimentos, o que culminou com a
reestruturação do setor em 1992.
4.3.2 - Reestruturação
O processo de reestruturação da Indústria de Gás Natural na Argentina teve início com
a quebra do monopólio estatal, com a venda da YPF para a espanhola Repsol e com a entrada
de novos operadores. A Lei 24.076 de 1992 estabeleceu o marco regulatório para a indústria
Argentina, com leis que regulavam as atividades de transporte e distribuição. Tal lei
estabeleceu, ainda, a divisão da estatal Gas del Estado em oito companhias de distribuição e
duas transportadoras, a Transportadora Gas del Norte e a Transportadora Gas del Sur.
Os argumentos utilizados para essa reestruturação incluíam: a ausência de capital da
Gas del Estado; a existência de subsídios cruzados entre a GdE e a YPF; a grande abundância
de recursos não utilizados; a necessidade de expandir os sistemas de transporte e distribuição;
a existência de déficits operacionais da GdE e da YPF; a fixação de preços, que se dava
politicamente; a existência de problemas de abastecimento durante o inverno; o tratamento do
135
gás natural como produto secundário da YPF; a elevada importação de gás natural da Bolívia
a preços muito altos; e o baixo nível de produção. Os objetivos da regulação da indústria de
gás natural argentina, portanto, centravam-se na necessidade de atrair investimentos para a
indústria em geral; na separação da cadeia de gás natural; no aumento da produção; na
eliminação de subsídios cruzados; e na necessidade de expansão do sistema de transporte e
distribuição (TEICH e NIEMETZ, 2004).
Todas as empresas da indústria foram privatizadas e a competição foi inserida em
todos os segmentos da cadeia. Ficou estabelecido que as atividades de exploração, produção,
processamento e comercialização do gás natural seriam segmentos livres, enquanto o
transporte e a distribuição do gás deveriam ser regulados, por meio de concessões, pelo Ente
Nacional Regulador del Gas (ENARGAS), criado na ocasião da Lei (ENARGAS, 2004). A
figura a seguir apresenta as mudanças ocorridas na estrutura da indústria de gás natural
Argentina:
Figura 11 - Mudanças Ocorridas na Estrutura da Indústria de
Gás Natural na Argentina
Fonte: ANP, 2002b, p. 10
Produção (YPF)
Transporte (Gas del Estado)
Distribuição (Monopólios Geográficos)
Transporte (TGS e TGN)
Produção (Vários Agentes)
Consumo
Distribuição (Gas del Estado)
UTEs e Grandes Indústrias
Consumo
Estrutura Antiga Estrutura Atual
136
A Lei 24.076/92, em seus artigos 33 e 34, apresentou limites à participação cruzada na
indústria de gás natural:
- Os transportadores ficaram proibidos de comprar ou vender gás, exceto para
consumo próprio e para manter o sistema em operação;
- Nenhum produtor, armazenador, distribuidor ou consumidor que contrate
diretamente com o produtor poderia ter participação controladora em uma
sociedade habilitada como transportadora;
- Os produtores, armazenadores e transportadores não poderiam ter participação
controladora em uma sociedade habilitada como distribuidora;
- Os consumidores que contratassem diretamente com o produtor não poderiam ter
participação controladora em uma sociedade habilitada como distribuidora que
corresponda à zona geográfica de seu consumo;
- Os comercializadores não poderiam ter participação controladora em sociedades
habilitadas como transportadora ou distribuidora.
Em relação ao transporte de gás natural, além da necessidade de licenças baseadas no
“Regulamento do Serviço”, do Decreto 2.555 de 1992, a lei prevê o acesso regulado de
terceiros às redes de transporte, sem que haja nenhum tipo de discriminação. É de
responsabilidade do Enargas o estabelecimento de tarifas de acesso transparentes e justas. Há
ainda o Concurso Aberto41 para a oferta e alocação de capacidade de transporte para o serviço
firme. As operações de cessão de capacidade de transporte são reguladas pelo Enargas,
conforme a Resolução 419 de 1997, que estabelece que qualquer operação de cessão de
capacidade de transporte de gás deve ser realizada por oferta pública de capacidade. A
manutenção da eficiência do sistema de transporte era um dos principais objetivos do Ente
Regulador. Por este motivo, a Resolução 716 de 1998 do Enargas, previa alguns
procedimentos para manter o equilíbrio do sistema, como o controle por parte dos
carregadores de seu desequilíbrio42 acumulado; a determinação por parte dos transportadores
41 O Concurso Aberto inicia-se com uma Declaração de Utilidade Pública, disponibilizada no portal eletrônico da Enargas e da Transportadora, na qual o prestador de serviço anuncia a intenção de aumentar a capacidade de transporte. Essa declaração contém informações a respeito dos pontos de recepção e entrega da expansão, os critérios de escolha das solicitações, as exigências técnicas e as datas dos resultados. 42 Desequilíbrio é a diferença entre o somatório das Quantidades Realizadas nos Pontos de Recepção, excluindo o gás para uso no sistema, e o somatório das Quantidades Realizadas nos Pontos de Entrega (ANP, 2003b).
137
de bandas de tolerância de desequilíbrios acumulados; a definição de níveis de alarme e do
estado do sistema (classificados como normal, alerta, crítico ou de emergência, dependendo
do fator de carga e da capacidade de entrega do gasoduto); e a manutenção de fluxos de
informação entre transportadores e carregadores.
Já em relação à distribuição do gás natural canalizado, a Argentina é dividida em nove
áreas de concessão e, portanto, são nove as distribuidoras que possuem licença para atuar no
país. Também está previsto o livre acesso não discriminatório de terceiros às redes existentes.
Outro aspecto previsto na legislação sobre a distribuição é a possibilidade de by pass, que
permite que grandes usuários43 e distribuidoras comprem o gás diretamente de produtores ou
comercializadores44. Existem, na Argentina, três modalidades de comercialização do gás: o by
pass comercial, que é a negociação direta do gás com o grande consumidor final, que paga
apenas uma tarifa para o distribuidor pela utilização de sua rede; o by pass físico, onde o
consumidor conecta-se diretamente ao sistema de transporte, sem utilizar a rede de
distribuição; e as vendas na boca do poço, que ocorrem quando o consumidor não se vincula
aos sistemas de transporte nem de distribuição (ANP, 2003b).
O mercado spot45 de venda de gás na Argentina é regulado pelo Decreto nº 2.731 de
1993, que determina que as distribuidoras podem efetuar transações de compra de gás no
mercado spot até 20%46 dos volumes operados durante o mesmo mês do ano anterior. As
tarifas de distribuição de gás natural são reguladas pelo Enargas e fundamentam-se no
mecanismo de price cap, com reajustes semestrais baseados na inflação, nos investimentos na
rede e nos incentivos à eficiência. Os distribuidores devem informar ao Enargas as tarifas que
pretendem cobrar e devem respeitar as tarifas máximas autorizadas (ANP, 2003b).
O preço final do gás natural na Argentina, de acordo com a Lei 24.076/92, é a soma de
três parcelas: o preço do gás natural no ponto de entrega no sistema de transporte; a tarifa de
transporte e a tarifa de distribuição.
43 São considerados grandes usuários aqueles que consumem mais de 5.000 m3 diários de gás. 44 Comercializadores são agentes que compram o gás dos produtores e vendem diretamente para distribuidoras e alguns consumidores finais. 45 No mercado spot da Argentina são consideradas as transações entre um e seis meses. 46 A critério da Secretaría de Energía, esse patamar pode ser de até 40%.
138
4.3.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural
A tarifação do transporte de gás natural na Argentina, assim como a de distribuição, é
baseada no estabelecimento de um preço teto, que foi visto no Capítulo 1. Esse preço máximo
é estabelecido pelo Enargas e, até 2002, essas tarifas eram reajustadas com base em
indicadores internacionais e em um fator de produtividade, que tinha como objetivo estimular
a eficiência e investimentos na infra-estrutura da rede de transportes. Assim, o sistema de
regulação de preços passou a ser do tipo price cap, com um sistema de ajuste por fator-X. A
metodologia utilizada para calcular a taxa de rentabilidade da indústria de gás se baseou no
custo médio ponderado de capital (WACC), sendo o custo de capital próprio calculado com
base no modelo CAPM, visto no Capítulo 1 (VISINTINI, 1998).
A Lei 24.076 de 1992, em seu artigo 38, estabeleceu que as tarifas de transporte de gás
natural deveriam garantir receitas suficientes para cobrir os custos de operação e manutenção,
impostos, amortizações e uma taxa de retorno justa sobre os investimentos, calculada como a
taxa que poderia ser obtida em uma atividade de risco semelhante (Lei 24.076/92, art. 39). Na
tarifação, devem ser levadas em conta as diferenças que existem entre os diversos tipos de
serviço em relação à forma de prestação, localização geográfica e distância relativa.
Considerando essas premissas, o custo do gás para o consumidor final deve ser o menor
possível, compatível com a segurança no abastecimento. As tarifas de transporte incluem o
fator distância e são definidas por zona de entrega.
Nessa mesma Lei, o artigo 42 previa uma revisão do sistema de ajuste de tarifas de
cinco em cinco anos, fixando novas tarifas máximas de acordo com o estabelecido no artigo
38. As tarifas estabelecidas pelo Enargas têm caráter de máximo e, portanto, os
transportadores podem praticar preços menores sem necessidade de autorização, contanto que
não haja subsídios cruzados, que a mesma tarifa seja oferecida a todos os carregadores em
condição de igualdade e que o ente regulador seja informado (Lei 24.076/92, art. 41, 43 e 44).
Para o cálculo da tarifa de transporte, deve-se considerar o risco envolvido nessa
atividade. No caso da Argentina, as empresas de transporte de gás natural vendem sua
capacidade principalmente por meio de contratação de longo prazo com as distribuidoras. No
caso de expansão de capacidade, da mesma forma, se praticam contratos de longo prazo com
as distribuidoras ou com as centrais elétricas. Outro aspecto relacionado ao transporte de gás
139
natural na Argentina é a escassa possibilidade de concorrência entre a TGS e a TGN, devido à
estrutura geográfica de conexão entre as bacias e o mercado. Por esses motivos, o risco do
transporte de gás natural na Argentina é considerado baixo, e, portanto, as tarifas de transporte
costumam ser mais baixas que as tarifas de distribuição47 (VISINTINI, 1998).
Apenas uma revisão qüinqüenal foi realizada, pois a crise Argentina, em 2002, ocorreu
durante o processo da segunda revisão tarifária. Devido à crise, a forma de tarifação de
transporte de gás natural sofreu algumas alterações. Com a mudança no sistema de câmbio, os
contratos e os serviços públicos privatizados também foram modificados. A Lei 25.561 de
2002, que modificou o sistema de câmbio fixo argentino, converteu as tarifas do serviço
público de dólar para pesos e impediu qualquer reajuste por indexadores externos (ANP,
2003b).
Desde o congelamento, o preço final do gás doméstico passou de 1,50 US$/MBTU
para 0,50 US$/MBTU, afetando as empresas de transporte e distribuição. Por outro lado, as
tarifas são livres para a compra direto do produtor e para a exportação. Ao exportar o gás, os
produtores podem cobrar 1,40 US$/MBTU, o que leva os produtores a priorizarem a
exportação (REPAR, 2004). Os agentes envolvidos no transporte e distribuição de gás natural
exigiram tarifas mais altas para dar continuidade aos serviços e aos investimentos. Porém, em
2002 só houve um pequeno aumento no preço final do gás natural, sem nenhum reajuste nas
tarifas de transporte nem nas margens de distribuição. A desvalorização do peso frente ao
dólar fez com que muitas empresas de gás natural da Argentina deixassem de pagar suas
dívidas, incluindo a TGN, a TGS e algumas distribuidoras de gás.
A forma de tarifação por preço teto na Argentina foi satisfatória apenas até a
desvalorização do peso frente ao dólar. Como os contratos de transporte de gás natural foram
proibidos de sofrer reajustes, as tarifas passaram a não refletir seus custos fazendo com que os
lucros diminuíssem e os investimentos fossem paralisados. Tais problemas foram apontados
pelas empresas como a principal causa da crise energética que atingiu o país no início de
2004.
47 As tarifas de distribuição são mais altas pois os riscos da atividade de distribuição na Argentina são maiores. Não há concorrência na distribuição para pequenos usuários e consumidores residenciais, entretanto, para as termelétricas e usuários industrias, existe a possibilidade de by pass físico ou comercial, que faz com que a empresa esteja exposta a um grande risco de perdas.
140
O processo de reformas pelo qual passou a indústria de gás natural argentina foi
bastante intenso. Toda a indústria foi reestruturada, com a privatização de empresas nos
diversos segmentos da cadeia. Dentro desse processo houve a introdução da concorrência,
com limitações à participação cruzada das empresas e estabelecimento do livre acesso. A
Enargas passou a regular a indústria e as tarifas a serem praticadas nos diversos segmentos.
Embora a crise argentina tenha causado alguns problemas para a indústria, o estudo do
mercado de gás natural com maior experiência regulatória na América Latina é relevante para
a análise do caso brasileiro.
4.4 - Colômbia
A Colômbia possuía, até o final de 2003, reservas provadas de 110 bilhões de m3 de
gás natural. A produção de gás no país no mesmo ano foi de 6,1 bilhões de m3, representando
uma relação reserva produção de 18,6 anos. O consumo no mesmo ano foi de seis bilhões de
m3 (BP STATISTICAL REVIEW, 2004).
A rede de transporte de gás na Colômbia é apresentada na figura a seguir. Até 1999, a
infra-estrutura de transporte era de 2.800 quilômetros e havia cerca de 1,8 milhões de usuários
finais (CREG, 2004). A malha de gasodutos colombiana é composta de duas redes: a da Costa
Atlântica, que já está totalmente integrada com uma ampla rede de transporte; e a do Interior,
que também já está bastante desenvolvida.
141
Figura 12 - Rede de Gasodutos Colombiana
Fonte: DOE, 2004
4.4.1 - Antecedentes
A prestação de serviço de gás natural domiciliar na Colômbia teve início na década de
setenta, de forma isolada em algumas regiões do país. Entretanto, apesar da existência de
reservas de gás no país, a indústria apresentou um baixo crescimento durante um longo
período. A partir de 1986, com o programa “Gas para el cambio”, essa situação começou a se
modificar. Esse programa teve como objetivos expandir a rede de gasodutos de forma a
142
interconectar todas as regiões do país e aumentar a cobertura do sistema, além de estimular a
descoberta de novas reservas (CREG, 2004).
A empresa Ecopetrol controlava todas as etapas da cadeia produtiva e, entre 1995 e
1997, construiu mais de dois mil quilômetros de gasodutos, interconectando a rede. Em 1997,
a lei 401 separou a atividade de transporte da empresa e criou a Empresa Colombiana de Gás,
conhecida como Ecogas. O segmento de distribuição também sofreu algumas modificações,
com a concessão de áreas de distribuição exclusiva de gás entre 1997 e 1998.
Cada um dos segmentos da cadeia é regulado de forma independente, com limitações
diferentes para a integração vertical e horizontal. As empresas colombianas de produção,
comercialização e transporte de gás natural são tanto privadas como estatais. Já as empresas
de distribuição são majoritariamente de capital privado.
4.4.2 - Reestruturação
O marco regulatório colombiano para a indústria de gás natural estabeleceu regras que
permitiram um mercado administrado na produção e comercialização do gás. Para os
segmentos de transporte e distribuição, que são considerados monopólios naturais, a questão
do livre acesso foi fundamental na regulamentação do setor. Para atingir esses objetivos,
algumas limitações verticais e horizontais foram impostas. Com o objetivo de garantir o
acesso de terceiros à infra-estrutura de transporte, tal atividade foi separada dos segmentos de
produção, comercialização e distribuição de gás em 1996. Assim, o transportador de gás ficou
proibido de realizar ou manter interesse econômico em qualquer atividade relacionada à
produção e distribuição de gás e não poderia dar nenhum tratamento preferencial a qualquer
usuário de seus serviços (CREG, 2004). Outras limitações verticais impostas pela nova
legislação em relação às empresas foram: a proibição dos agentes de distribuição e
comercialização de atuarem em geração de energia elétrica e o fato dos produtores só
poderem deter até 25% das empresas de geração de eletricidade e até 30% de uma
distribuidora. Por outro lado, a comercialização poderia ser realizada por empresas de
produção e distribuição (ANP, 2002b).
As limitações horizontais incluíam: a proibição de qualquer pessoa ou empresa possuir
mais de 25% do volume transacionado no mercado de comercialização a usuários finais,
143
regulados ou não, excluindo o gás comercializado para geração termelétrica e as
determinações de que, a partir de 1o de janeiro de 2015, nenhuma empresa de distribuição
poderia atender a mais de 30% do total de usuários do mercado e de que, a partir de setembro
de 2000, os produtores de gás não poderiam comercializar a produção conjuntamente com
outros sócios do contrato de exploração e produção respectivo nem poderiam comercializar
conjuntamente a produção de dois ou mais contratos de exploração e produção diferentes. Por
outro lado, a comercialização de gás para empresas de geração termoelétrica não teria limites
de participação no mercado (CREG, 2004).
O conjunto de todos os gasodutos colombianos que ligam os centros de produção de
gás do país, aos city-gates, sistemas de distribuição, usuários não regulados, interconexões
internacionais ou sistemas de armazenamento, excluindo conexões e gasodutos dedicados
recebeu, em 2000, o nome de Sistema Nacional de Transporte. A maior parte da rede de
transporte do interior do País é de propriedade da estatal Ecogás, e da Costa Atlântica, da
empresa privada Promigas. Os outros transportadores de gás colombianos foram definidos por
meio de contratos de concessão, ou por livre iniciativa.
A Resolução no. 66 de 2002 definiu que existiriam dois tipos de transportadores no
monopólio de rede: o transportador comum, que no caso colombiano seriam a Ecogás e a
Promigas, e o transportador por contrato, estabelecidos por concessão. O transportador
comum tem como características: a expansão se baseia em estimativas de demanda realizadas
por um ente centralizado; os direitos de capacidade permanecem com o transportador; o ente
central concede o serviço de transporte mediante rateio da demanda; a capacidade não
remunerada é custo irrecuperável para o investidor; e existe a obrigação de expansão
promovida por um ente central. Já o modelo de transportador por contrato tem como
características principais: a expansão está baseada em contratos; os usuários adquirem direitos
de capacidade por meio dos contratos; o serviço de transporte é concedido diante do princípio
do que o primeiro a solicitar é o primeiro que se atende; a capacidade não contratada é um
custo irrecuperável para o transportador; e não há obrigação de expansão se não existe
contrato de transporte. Na modalidade de transporte por contrato, portanto, os diferentes tipos
de serviço e a expansão da infra-estrutura dependem dos termos e das condições dos contratos
(CREG, 2004).
O esquema abaixo mostra as mudanças ocorridas na estrutura da indústria colombiana
de gás natural:
144
Figura 13 - Mudanças Ocorridas na Estrutura da Indústria de
Gás Natural na Colômbia
Fonte: ANP, 2002b, p. 12
4.4.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural
De 1961 até 1994, o custo do transporte por gasodutos era fixado pelo Ministério de
Minas e Energia e revisado, a cada quatro anos, com cada um dos agentes. Em 1995,
entretanto, essa forma de determinação de custos foi modificada. A infra-estrutura de
gasodutos era formada por duas grandes redes não integradas e com enfoques regulatórios
diferentes. Tais redes eram a da Costa Atlântica, que tinha um encargo de capacidade único; e
o do interior, com um conjunto de encargos de capacidade de entrada e saída. Na Costa
Atlântica, portanto, as tarifas eram postais, com encargo único fixado em US$ 0,34/kpc
(ADUEN, 2000).
Produção (Ecopetrol)
Transporte (Ecopetrol)
Distribuição (Monopólios Geográficos)
Transporte (Ecogas e Promigas)
Produção (Vários Agentes)
Consumo
Distribuição (Ecopetrol)
UTEs e Grandes Indústrias
Consumo
Estrutura Antiga Estrutura Atual
145
Para a rede de gasodutos do interior, o nó de Vascovia era considerado o centro de
referência para as transações de gás natural. Ou seja, os transportadores calculavam a
distância do nó de entrada ao centro de referência e todas as transações de gás efetuavam em
relação a este centro. Este encargo denominava-se encargo de capacidade de entrada e refletia
o custo econômico de transportar o gás do nó de entrada ao centro de referência. Assim, os
consumidores pagavam o transporte do centro de referência até o nó de saída com base em
tarifas postais. Com base nesse esquema, a CREG (Comissão de Regulação de Energia e Gás)
fixou as tarifas de transporte de gás natural para o interior, o centro e o sul, em 1996, e para o
gasoduto de Tolima, Boyacá e Valle, em 1998 (CREG, 2004).
O Regulamento Único de Transporte foi concluído em 1999 e estabeleceu regras de
funcionamento do Sistema Nacional de Transporte (SNT). Esse regulamento assegurava o
acesso de terceiros sem discriminação ao SNT e criava condições e instrumentos para que a
operação da rede de gasodutos fosse eficiente, confiável e de qualidade. Além disso, o
regulamento determinou funções para o Conselho Nacional de Operação, que deveria atuar
em conjunto com a CREG na organização e resolução de conflitos no segmento de transporte
de gás natural.
Em 2000, aproveitando o prazo de vencimento dos períodos tarifários e com o objetivo
de unificar os diferentes critérios de tarifação de gás natural existentes, a CREG estabeleceu
um novo regime regulatório. A metodologia proposta tinha como objetivo facilitar a
penetração do gás natural, fazer uma sinalização eficiente dos custos do sistema de transporte
e manter a estabilidade regulatória (CREG, 2004).
O regime regulatório escolhido é baseado na tarifação por distância, de forma similar
ao que já ocorria em alguns gasodutos. O fator distância foi escolhido devido à sinalização
locacional possibilitada por esse critério e porque ele reflete todos os custos médios de cada
componente do sistema. Para o cálculo da remuneração do transporte de gás na Colômbia, a
metodologia proposta é de tarifação ponto a ponto. Ou seja, deve-se somar todos os
carregamentos correspondentes a cada trecho compreendido entre o ponto de entrada e o
ponto de saída.
A metodologia adotada é a de Custo Médio de Longo Prazo calculado a partir dos
custos eficientes de investimento no gasoduto; os gastos de administração, operação e
manutenção; e o volume transportado. Para a determinação dos carregamentos para cada
146
empresa, se utiliza, como taxa de retorno, o valor ponderado entre seu custo de capital
histórico e o custo de capital corrente, de acordo com a proporção entre a base de ativos
existentes e os novos investimentos previstos para o período tarifário (Resolução CREG-
007/2001).
Como diretrizes gerais, as empresas transportadoras devem ser remuneradas mediante
encargos de capacidade fixos e variáveis que remunerem os custos de investimento e
mediante encargos fixos que remunerem os gastos de administração, operação e manutenção
dos gasodutos, de acordo com a seguinte equação, apresentada na Resolução CREG 028 de
1999:
RT = CFC* CAP + CVC*VOL + CFAO&M* CAP
Onde: RT = Receita do transportador
CFC = Encargo fixo que remunera os custos de investimento calculados com uma taxa
de capital investido de 11%
CVC = Encargo variável que remunera os custos de investimento calculados com uma
taxa de capital investido de 16%
CFAO&M = Encargo fixo que remunera os gastos de Administração, Operação &
Manutenção calculado com uma taxa de capital investido de 11%
CAP = Capacidade contratada
VOL = Volume transportado
A determinação dos encargos fixos e variáveis que remuneram o investimento pode
ser feita livremente, por mútuo acordo entre as partes ou utilizando-se a metodologia de
aproximação ordinal. Já a determinação dos encargos para a remuneração dos gastos com
administração, operação e manutenção será feita pela CREG. A estimativa dos encargos fixos
e variáveis regulados para a prestação de serviço de transporte de um gasoduto ou grupo de
gasodutos se baseia na utilização de modelos de fluxo de caixa descontado (Resolução CREG
028/99). Para cada empresa de transporte do SNT, com exceção da Ecogas, foram feitas
resoluções diferentes, durante os anos de 2001 e 2002.
O principal objetivo desse novo regime, segundo a CREG (2004), era o incentivo a
inovações na remuneração de transporte de gás de forma a proporcionar flexibilidade e
147
repartição de riscos entre os agentes. A negociação das tarifas com alternativa fixada ex-ante
pelo agente regulador permite a adoção de mecanismos mais eficientes que os tradicionais e
rígidos esquemas regulatórios.
A reestruturação da indústria e as políticas de desenvolvimento do mercado e da infra-
estrutura de gás natural na Colômbia têm apresentado bons resultados nos últimos anos, com
incremento expressivo da demanda, ampliação da rede de transporte e aumento de
descobertas. A flexibilidade da regulação e a criação do Conselho Nacional de Operação em
atuação conjunta com o CREG na organização e resolução de conflitos são também pontos
positivos da reforma da indústria na Colômbia. No que diz respeito à definição tarifária, a
inserção do fator distância para que os custos associados ao transporte fossem refletidos na
tarifa foi marcante na reforma colombiana. A perspectiva de médio prazo para a indústria
colombiana é a interconexão com países vizinhos como forma de aproveitar as reservas do
País.
Os obstáculos, entretanto, também existem. O principal deles é a concorrência
hidrelétrica, que torna o mercado de termoeletricidade muito volátil e, consequentemente
expõe os agentes a altos riscos comerciais e financeiros. Outro obstáculo é a necessidade de
novas descobertas de reservas, para fazer frente à previsão de aumento da demanda nos
próximos anos (ADUEN, 2000).
4.5 - Considerações Finais do Capítulo
Este capítulo analisou algumas características da Indústria de Gás Natural na União
Européia, em especial na Espanha e na Irlanda, bem como nos Estados Unidos, Argentina e
Colômbia, com ênfase nas diferentes metodologias utilizadas para a determinação das tarifas
de transporte de gás natural.
Na União Européia, as Diretivas de 1998 e 2003 tinham como objetivo criar um
mercado único para o gás, regulamentar o setor, gerar competição e garantir o acesso de
terceiros à rede de transporte. As tarifas de transporte deveriam ser não-discriminatórias,
148
transparentes e justas, embora não tenha sido estabelecida nenhuma metodologia específica
para a tarifação, apenas uma indicação para a tarifação entry-exit, como ocorre, por exemplo,
na Irlanda. Neste país, a estrutura tarifária inclui sinais locacionais na entrada e tarifas postais
na saída. Avaliou-se também o exemplo da Espanha, que utiliza a metodologia de tarifação
postal, e a tarifa máxima de transporte do gás é única para todo o território. Entretanto, ainda
há alguns países europeus, como Portugal e Grécia, que não definiram nenhuma metodologia
para a tarifação.
No caso dos Estados Unidos, a regulação interestadual da indústria de gás natural é
feita pela FERC e, dentro dos Estados, pelas PUCs. O processo reestruturação do setor foi
finalizado com a Order 636, em 1992, que estabeleceu o livre-acesso e modificou a relação
entre os agentes da indústria de gás natural do país. Um grande número de comercializadores
surgiu, os centros de comercialização se desenvolveram e mercados spot e futuros de gás se
expandiram. O segmento de transporte de gás natural nos Estados Unidos, embora tenha sido
liberalizado, ainda tem suas tarifas reguladas. No caso do transporte de gás natural
interestadual, as tarifas são reguladas pela FERC, que tradicionalmente utiliza como
metodologia o custo histórico do serviço mais uma taxa de retorno justa. A tarifa é dividida
em tarifa de reserva de capacidade e tarifa de uso do gasoduto e o regulador estabelece um
preço máximo a ser cobrado pelas empresas de transporte. A partir de 1992 passou a se
utilizar a metodologia STV para promover a competição boca de poço, facilitar a criação de
um mercado nacional de gás, promover sinais de preço não discriminatórios e assegurar taxas
razoáveis e justas às empresas.
Na Argentina, a indústria de gás natural foi totalmente privatizada a partir da Lei
24.076/1992, que também: introduziu a competição em todos os segmentos da indústria
regulados desde então pela ENARGAS; estabeleceu limites à participação cruzada das
empresas na indústria e introduziu o livre-acesso à rede de transporte de gás natural. A
precificação do transporte de gás na Argentina é feita pelo método price cap, no qual a
ENARGAS estabelece um preço máximo para as tarifas que, até 2002, eram reajustadas por
indicadores internacionais e continham um fator de produtividade. Com a crise argentina,
entretanto, as tarifas foram desvalorizadas pelo impedimento de qualquer vínculo de reajuste
por indicadores internacionais, tornando essa forma de tarifação insatisfatória para os agentes
da indústria e contribuindo para a crise de 2004.
149
Na Colômbia, cada um dos segmentos da cadeia é regulado de forma independente,
com limitações diferentes para a integração vertical e horizontal. Para os segmentos de
transporte e distribuição, que são considerados monopólios naturais, a questão do livre acesso
foi fundamental na regulamentação do setor. O fator distância foi escolhido como
metodologia de tarifação devido a sua sinalização locacional e a possibilidade de refletir todos
os custos médios de cada componente do sistema. O cálculo é feito pela tarifação ponto a
ponto, devendo-se somar todos os carregamentos correspondentes a cada trecho
compreendido entre o ponto de entrada e o ponto de saída.
A análise da experiência internacional é muito importante para entender-se quais as
possibilidades de tarifação, dada a existência de objetivos distintos em cada mercado. No
próximo Capítulo, serão apresentadas possíveis alternativas para a tarifação de transporte de
gás natural no Brasil, com base nos objetivos que serão propostos no próximo capítulo.
150
CAPÍTULO V - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL
NO BRASIL
Este Capítulo tem como objetivo avaliar alguns dos desafios da indústria de gás
natural no Brasil e propor critérios para a definição de uma política de tarifação. Para tanto,
parte-se do que foi apresentado nos capítulos anteriores sobre as vantagens e desvantagens das
formas de regulação tarifária praticadas em diversos países e das características específicas da
indústria de gás natural brasileira.
Para a análise do momento atual da indústria de gás natural brasileira e para a questão
da política de transporte do gás natural foram utilizados estudos de IEPUC (2004), Almeida
(2003c), ANP (2004), Cecchi (2003) e Bosco (2003). Os critérios a serem contemplados na
definição da tarifação de transporte de gás natural no Brasil foram definidos a partir da análise
dessa indústria apresentada no Capítulo 3 e analisados com base nos estudos de Almeida
(2003b), ANP (2003b), Almeida e Trebat (2004) e Almeida e Freitas (2003). As metodologias
de transporte de gás natural foram classificadas como positivas ou negativas para cada um
desses critérios, e também com base na experiência internacional. A partir dos estudos
realizados acerca dos custos e benefícios envolvidos em cada metodologia de tarifação de
transporte de gás natural, busca-se encontrar respostas para essa questão.
5.1 - Momento Atual da Indústria de Gás no Brasil e Desafios
Durante a década de 90, a previsão era de que, até 2010, a participação do gás natural
na matriz energética brasileira seria de 12%. Entretanto, o ritmo de crescimento da demanda
do gás tem se apresentado pouco significativo devido, principalmente: aos altos preços do gás
151
natural em comparação a outros combustíveis, à baixa competitividade das termelétricas em
relação às hidrelétricas; à malha de transporte e distribuição de gás natural ainda pouco
desenvolvida; ao baixo desenvolvimento tecnológico para a utilização de gás natural nas
indústrias, à inadequação do atual marco regulatório diante das características da indústria de
gás natural; e ao conflito na lógica empresarial da Petrobras, que é responsável pelos
derivados de petróleo e pelo gás natural, energéticos potencialmente concorrentes (IEPUC,
2004).
Por outro lado, a oferta de gás natural, conforme apresentado no Capítulo 3, tem
apresentado um ritmo de crescimento acelerado, o que corrobora com a necessidade de uma
política de desenvolvimento da demanda pelo produto e de eliminação dos gargalos ainda
existentes na indústria. É necessário resolver questões relativas ao desenvolvimento de
mercados, à formação do preço do gás, ao aproveitamento das reservas, à adequação do marco
regulatório e à expansão da infra-estrutura. Tais necessidades estão incluídas nos objetivos da
Portaria MME 432/2003, que constituiu um grupo de trabalho para propor alternativas de
solução desses problemas. Esta Portaria estabeleceu, em 17 de novembro de 2003, um prazo
de 120 dias para a apresentação de soluções, mas nada foi feito.
As condições de oferta do gás natural fazem do energético a principal alternativa de
diversificação da matriz energética brasileira. Por outro lado, o ambiente de incerteza e a
ausência de investimento privado dificultam o desenvolvimento da indústria. Os dois
principais aspectos envolvidos na questão são a não realização dos investimentos previstos no
Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) e as incertezas sobre o marco legal da
indústria.
Os investimentos previstos para o Programa Prioritário de Termoeletricidade, como
visto no Capítulo 3, não se concretizaram. Isso fez com que o conseqüente crescimento da
demanda de gás natural estimulado por estes mercados-âncora ficasse muito abaixo do
esperado. Da mesma forma, os investimentos em infra-estrutura de transporte ficaram aquém
das expectativas, dificultando ainda mais o desenvolvimento da demanda.
Em relação à regulação do setor, o ambiente é também de incerteza. Ainda não ficou
estabelecido de fato se a competição será introduzida em todos os setores, incluindo a
separação da atividade de transporte, ou se a Petrobras continuará a ser predominante no
mercado. Além disso, o fraco arcabouço regulatório do setor não permite ao órgão regulador a
152
utilização de instrumentos fortes para a perfeita regulação do segmento de transporte, o que
aumenta a percepção de risco e desestimula a entrada de novos agentes. Nesse contexto, surge
a necessidade de uma legislação específica para o gás natural.
5.1.1 - Marco Regulatório
Em relação à legislação específica para o gás natural, os principais desafios dizem
respeito à entrada de novos agentes na indústria; à atração de investimentos privados; à
introdução de maior competição no suprimento; e à proteção dos interesses dos consumidores.
A legislação atual é contraditória e não existem aparatos legais suficientes para o
cumprimento de seus objetivos. Os contratos de prestação de serviços de transporte existentes
impedem o acesso indiscriminado de terceiros às redes e as tarifas de transporte de gás não
refletem os custos associados ao serviço, aumentando a incerteza e afastando investidores
privados.
O novo modelo de organização para a indústria de gás natural brasileira requer a
definição de questões relevantes, como qual o modelo de desenvolvimento a ser seguido; se
ele será baseado na competição, estimulando-se a entrada de novos agentes, ou na
predominância de apenas um único agente; qual o papel dos agentes privados nesse novo
modelo; qual estrutura de mercado será adotada; como serão atraídos os investimentos
privados; e se haverá ou não a separação da atividade de transporte. Nesse novo modelo, a
questão da regulação de acesso, a forma de tarifação a ser aplicada no segmento de transporte
e os aspectos ambientais e tributários são também fundamentais (IEPUC, 2004).
Como visto no Capítulo 3, embora ainda não se tenha desenvolvido um marco
regulatório específico para o gás natural, a elaboração de portarias relativas ao livre acesso,
aos critérios tarifários e à cessão de capacidade de transporte, realizadas pela ANP,
complementam a regulamentação do setor. Entretanto, a definição de um modelo específico
com uma visão estratégica para o gás natural é essencial para o desenvolvimento do mercado.
153
O marco regulatório deve respeitar as características de indústria de rede do gás
natural e a existência tanto de segmentos que são monopólios naturais como de outros
potencialmente concorrenciais. Além disso, a legislação do gás natural deverá incluir questões
relativas à determinação da forma de separação (jurídica, contábil ou societária) das
atividades da cadeia; às limitações à participação cruzada; à determinação do regime de
outorga para a construção e operação dos gasodutos; à definição da fronteira entre as
competências regulatórias federal e estadual; à determinação de limites à queima de gás; ao
estabelecimento de prioridade no atendimento à demanda de gás natural em casos de
contingenciamento; à classificação dos dutos sujeitos ao livre acesso; à liberação gradual de
grandes consumidores; à anuência prévia da ANP das tarifas de acesso às redes; e à
adequação dos contratos de suprimento e transporte de gás natural previamente firmados
(ANP, 2004).
5.1.2 - Infra-estrutura de Transporte
A rede de transporte de gás natural brasileira é relativamente incipiente. No entanto, o
desenvolvimento da rede é de fundamental importância para ampliação do mercado de gás
natural. O desenvolvimento da infra-estrutura de transporte envolve duas questões essenciais:
o acesso de terceiros às redes e a atração de novos investimentos para a expansão da rede.
O livre acesso foi estabelecido na Lei 9.478/97 e, conforme visto no Capítulo 3, ficou
definido que, na ausência de acordo entre as partes envolvidas, a ANP seria responsável pela
fixação do valor e pela forma de remuneração do acesso, além de assegurar a utilização da
plena capacidade dos dutos. O acesso de terceiros às redes é um instrumento de regulação
capaz de introduzir a competição em segmentos de monopólio natural, no entanto, no caso
brasileiro, a legislação não prevê os meios para o estabelecimento do livre acesso e, assim, a
ANP, por meio de portarias, complementa a legislação.
Quando existe uma única empresa verticalmente integrada atuando na indústria em um
ambiente de concorrência à montante ou à jusante da cadeia, existem incentivos para que a
empresa com o monopólio na atividade de transporte discrimine o acesso de terceiros às
redes. No caso brasileiro, a presença de novas empresas atuando no upstream faz com que a
Petrobras aja de forma discriminatória e, portanto, cabe ao regulador garantir o livre acesso
(IEPUC, 2004).
154
Embora a Lei do Petróleo abordasse a abertura do mercado de gás natural, ela não
conseguiu introduzir a competição no segmento de transporte de gás natural. As empresas de
transporte de gás natural atuam em outros segmentos da cadeia e alguns contratos existentes
possuem cláusulas que impedem o acesso não discriminatório de terceiros. Para a competição
ocorrer efetivamente no segmento seria necessário que o transportador fosse, de fato,
independente e que o livre acesso permitisse a competição no upstream da indústria de gás e,
ao mesmo tempo, estimulasse novos investimentos na rede (IEPUC, 2004).
Atualmente, a Portaria ANP nº 254/2001 é a única em vigor que trata da questão do
acesso de terceiros. Como visto no Capítulo 3, tal Portaria trata da possibilidade de
intervenção da ANP em resoluções de conflitos de acesso de terceiros a gasodutos. É
importante ressaltar que a introdução da competição e o estabelecimento do livre acesso são
importantes para o aumento dos investimentos no segmento.
Outra dificuldade relativa à expansão da rede de gasodutos é a outorga de licenças
ambientais para a construção dos gasodutos. Há demora na obtenção dos documentos e na
coleta das informações necessárias para os estudos dos impactos ambientais. Essa ineficiência
pode inibir investimentos no setor.
Os únicos novos investimentos em discussão no Brasil são os investimentos do Projeto
Malhas planejado pela Petrobras para expandir sua infra-estrutura de transporte, com o
objetivo de cumprir os compromissos contratuais assumidos para o atendimento de térmicas
do Programa Prioritário de Termeletricidade, conforme visto no Capítulo 3. Atualmente, as
tarifas do Projeto Malhas estão sendo calculadas pela própria Petrobras, que discute
superficialmente com a ANP alguns temas, como a taxa de retorno.
5.1.3 - Precificação do Gás Natural
O processo de formação dos preços do gás natural é também muito importante. A
presença de distorções nos preços pode dificultar o processo de desenvolvimento do mercado
brasileiro. Além disso, os preços devem ser competitivos em relação aos concorrentes. Nesse
sentido, alguns aspectos são de grande relevância, como o alto custo do transporte, em
especial no Gasbol; o impacto das flutuações do dólar e dos preços do petróleo sobre o gás; e
a ausência de restrições ambientais para energéticos mais poluentes que o gás. A política de
155
precificação do gás natural deve ser consistente com regras de formação de preço e de reajuste
que assegurem menor volatilidade e que reflitam suas vantagens ambientais em preços mais
competitivos. A implementação de uma política de preços com essas características é muito
importante para a atração de novos investidores e para o aumento da pressão competitiva
(IEPUC, 2004).
Em relação à precificação do transporte de gás natural, o momento é também de
incertezas. Existem formas distintas de determinação de tarifas de transporte de gás natural
para o gás destinado ao PPT, que é fixo para todas as regiões do país, e para o gás importado
ou nacional, cujos preços são acordados entre as partes. Portanto, não existe nenhum critério
específico para a tarifação de transporte de gás natural no Brasil estabelecido pelo regulador.
5.1.4 - Perspectivas de aumento da participação do gás na matriz energética
O planejamento de inserção do gás na matriz energética visava inicialmente a geração
termelétrica, complementar à hidrelétrica, como forma de alavancar o mercado de gás natural,
conforme visto no Capítulo 3. No caso brasileiro, a geração térmica à gás é menos
competitiva que a hidroeletricidade e, portanto, os projetos de geração térmicas são, em sua
maioria, complementares à geração hídrica, como reserva de energia. O desenvolvimento
dessas termelétricas seria um grande impulso para o gás e as UTEs representariam a maior
parte do gás natural comercializado no país. Entretanto, as incertezas do setor elétrico
inviabilizaram a construção de grande parte dos projetos e, passada a crise de racionamento, a
redução da demanda por eletricidade e o aumento do nível dos reservatórios das hidrelétricas
fizeram com que os novos projetos de geração termelétrica, com custos de operação mais
elevados do que as hidrelétricas, fossem esquecidos e, atualmente, não se prevê a construção
de UTEs exceto as já projetadas pelo PPT (CECCHI, 2003).
A maioria dos projetos do PPT não se realizou e algumas usinas já instaladas não estão
despachando devido à baixa competitividade do gás e as mudanças nos rumos da política
energéticas nos últimos anos. A maior ou menor participação do gás no sistema elétrico
brasileiro depende do nível de segurança de oferta de energia que se deseja dar ao sistema
como um todo. É importante definir se a geração termelétrica, em um parque gerador
predominantemente hídrico, continuará a ser o mercado âncora para o desenvolvimento da
participação do gás na matriz energética brasileira. Caso seja esta a opção, é necessário
156
melhorar a viabilidade econômica dos projetos termelétricos e resolver os problemas da
indústria de gás brasileira (IEPUC, 2004). É preciso considerar também que o país investiu
mais de US$ 3 bilhões na construção de UTEs e US$ 2 bilhões no aumento da infra-estrutura
de transporte de gás natural para implementar esses projetos. Portanto, deve haver incentivo48
para a utilização dessa capacidade antes de se pensar em novos projetos para o setor elétrico
(BOSCO, 2003).
O ambiente de incertezas e indefinições que existe atualmente inibe os investimentos
privados na cadeia de gás e, conseqüentemente, o aumento expressivo de sua participação na
matriz energética brasileira. A Petrobras é a única empresa com planos de investimento na
atividade de transporte e, conforme visto anteriormente, o governo já aprovou leis que
permitem a utilização de recursos públicos para investimentos no segmento. O investimento
privado, por sua vez, dependerá da resolução dessas questões.
5.2 - Considerações acerca da Política de Transporte de Gás Natural no Brasil
Como visto anteriormente, a indústria de gás natural brasileira possui infra-estrutura
ainda incipiente, a Petrobras é a empresa dominante, o ambiente regulatório é inadequado e as
incertezas são muitas. Diante dessa situação, discute-se a possibilidade de criação de uma
legislação específica para o gás natural, incluindo pontos não contemplados na Lei do
Petróleo. Porém, é necessário que, antes da formulação de uma legislação, haja uma política
clara para o transporte de gás natural. No caso brasileiro, uma política de transporte de gás
natural deve considerar questões relativas ao estímulo a novos investimentos, à diminuição de
barreiras à entrada e ao aumento da flexibilidade no transporte.
48 Para a maior inserção das UTEs no sistema elétrico brasileiro, deve-se solucionar a questão do balanceamento do consumo de gás pelas termelétricas, que é interruptível, com os mercados convencionais. O contrato de compra de gás importado possui cláusulas take-or-pay e, portanto, deve-se pagar pelo gás ainda que não seja utilizado. A produção de gás destinada às termelétricas deve ser, portanto, direcionada para outros mercados quando não estiver sendo utilizada. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de um mercado secundário de gás, que, embora não seja suficiente para todo o mercado, soluciona parte do problema (Bosco, 2003).
157
Em relação ao transporte de gás natural, são muitos os problemas enfrentados no
Brasil além da forma de tarifação. Como visto anteriormente, o principal problema está
relacionado aos investimentos, que são muito inferiores aos necessários para o
desenvolvimento da rede. As empresas privadas não estão investindo no segmento devido ao
baixo crescimento da demanda e às incertezas quanto ao modelo de organização da indústria.
Para os novos investidores decidirem pela construção de um novo gasoduto é preciso
que haja garantia de mercado, ou seja, é necessário que exista um contrato de longo prazo
para a venda de gás ou que a empresa seja integrada verticalmente. Para diminuir os riscos do
investidor, alguns mecanismos podem ser utilizados, como financiamentos mais favoráveis; a
existência de um mercado secundário de gás, que permite um mercado secundário de
capacidade; um maior grau de abertura no consumo do gás, que atualmente tem participação
da Petrobras em quase todos os mercados; e o estabelecimento de concessão para o transporte
de gás natural, que será visto a seguir.
5.2.1 - Regime de Concessões
Para a realização de investimento privado no setor, uma possibilidade é a da ANP, à
semelhança do que ocorre na transmissão elétrica, licitar projetos de gasodutos com base no
critério de menor tarifa. Nesse caso, a ANP deveria promover leilões e outorgar a atividade de
transporte para quem oferecer o serviço pelo menor preço. Entretanto, existe uma grande
diferença entre o setor elétrico e o de gás natural no Brasil: enquanto o segmento de
transmissão do setor elétrico é uma concessão, o transporte de gás natural é uma autorização.
Pelo regime de concessão, o governo fixa as tarifas e, assim, o retorno financeiro é garantido,
reduzindo o risco do investidor. Já no caso da autorização do transporte de gás natural, não há
garantias de receita para o projeto, ainda que o governo fixe as tarifas.
Esse problema é grave, pois no transporte de gás natural brasileiro não há escala para
diluir os custos dos novos investimentos pelos consumidores finais dado o estágio incipiente
da rede. Assim, as empresas carregadoras teriam que assegurar as receitas. Os carregadores
podem ser os produtores, distribuidores, consumidores finais ou comercializadores
independentes. Os comercializadores independentes não devem surgir ainda no País, pois a
rede ainda é pouco desenvolvida e a não existência de consumidores livres dificulta a
contratação direta de capacidade de transporte. As distribuidoras, por sua vez, não tem
158
capacidade financeira para bancar projetos de grande porte. Assim, os únicos carregadores
possíveis no Brasil são as empresas produtoras que estiverem interessadas em monetizar
reservas (DIAS, 2004b).
5.2.2 - Classificação dos Dutos
Outro ponto importante para a questão do transporte de gás natural no Brasil é a
classificação entre gasodutos de transferência e de transporte. Não basta haver simplesmente
uma regra de tarifação de transporte de gás natural se muitos dos gasodutos que são
efetivamente de transporte são considerados gasodutos de transferência. Outro ponto
importante relacionado à classificação dos dutos é a questão do acesso aos dutos offshore,
essenciais para que os novos agentes de exploração e produção possam escoar a produção de
novos campos. Deve-se definir uma nova classificação de forma a abranger dutos em áreas de
produção e estudar a possibilidade de escoamento da produção pelos dutos da Petrobras.
Como visto no Capítulo 3, dutos de transferência são aqueles que transportam o gás de
uma empresa para outra unidade da própria empresa e, portanto, há exclusividade de
transporte. Sobre esses dutos não incide qualquer tarifa de transporte. Isso é possível no
Brasil, pois a Petrobras é detentora de toda a produção nacional e da maior parte da rede de
transporte por gasodutos. Dessa forma, muitos gasodutos que na verdade deveriam ser
considerados como de transporte são considerados como de transferência, pois levam o gás da
Petrobras para outras unidades da empresa.
O principal motivo da Petrobras classificar certos dutos como de transferência é se
proteger da concorrência, pois a exclusividade de utilização dos dutos é uma forte barreira à
entrada de novos concorrentes. Por outro lado, a Petrobras não pode cobrar, nesses casos, a
parcela do preço do gás referente ao transporte do gás. É preciso, portanto, que se estabeleçam
critérios para definir quando um gasoduto deve ser considerado como de transporte e quando
deve ser considerado simplesmente de transferência. Caso alguns desses gasodutos passem a
ser considerados como de transporte e, portanto, sujeitos ao livre acesso, o critério de
remuneração deve ser justo tanto para a Petrobras, que arcou com os custos de construção dos
gasodutos, como para os terceiros interessados no acesso.
159
5.2.3 - Livre Acesso
Um terceiro problema que deve estar contemplado na política para o transporte de gás
natural no Brasil é o livre acesso. Quando não há concessão e o transportador, que é o
responsável pelos investimentos na construção do gasoduto, é independente, não há tantos
problemas em liberar o acesso para terceiros uma vez que é melhor que se utilize a plena
capacidade do duto para diluir os custos fixos da construção dos gasodutos. Já no caso do
regime de concessão, essa necessidade não ocorre, pois os custos fixos são totalmente
repassados para as tarifas, independente de existir ou não capacidade ociosa.
Do ponto de vista da Petrobras, portanto, haveria ganhos se fosse liberado o acesso de
terceiros. Entretanto, este acesso possibilita a viabilidade do upstream, ou seja, as empresas
que possam vir a produzir gás natural no Brasil podem tirar o mercado da própria Petrobras ao
utilizar a rede existente. O livre acesso, portanto, não é um problema para o transporte de gás,
mas para a concorrência no upstream. Enquanto a Petrobras for a única empresa produtora do
país, o livre acesso não será problema, porém, se existir competição, a situação é diferente.
Portanto, a questão do livre acesso tem duas dimensões: o custo de transação, e o potencial de
concorrência na produção.
O problema do custo de transação existe no sentido de que, quanto maior for o risco de
investimento em transporte, maior será o custo do livre acesso. Ou seja, o livre acesso eleva
os riscos da construção dos gasodutos, pois a empresa responsável pela construção do
gasoduto ficará obrigada a disponibilizar o acesso a terceiros que não tiveram o mesmo risco.
Já em relação ao potencial de concorrência na produção, cabe ressaltar que houve um
aumento significativo com a licitação e concessão de blocos de exploração e produção.
Atualmente existem cerca de 40 novas empresas atuando na exploração de petróleo e gás no
Brasil e a Petrobras é detentora de apenas 40% dos blocos. Isso significa uma grande
possibilidade de novos agentes produtores no Brasil, sem contar com a concorrência das
empresas produtoras de gás da Argentina e da Bolívia.
Já a questão do novo investidor em relação ao livre acesso é diferente. Observou-se
que só é interessante construir novos gasodutos se houver um contrato de venda de gás. Caso
não se consiga vender esse gás e existir a obrigação de permitir o acesso de um terceiro
interessado em utilizar a rede, é possível que esse terceiro se aproprie do mercado da empresa
160
controladora do transporte sem arcar com os riscos e custos irrecuperáveis da construção do
gasoduto.
O modelo de livre acesso a ser utilizado no Brasil deve, portanto, levar em
consideração os elevados riscos assumidos pelos diferentes agentes da indústria. Como visto
no Capítulo 3, em um primeiro momento, propôs-se um modelo de livre acesso mais aberto,
com compra de capacidade pelos produtores apenas nos casos de segurança em relação ao
mercado e com grande incentivo para os investimentos em exploração e produção de gás
natural. Posteriormente, passou-se a defender um modelo de livre acesso mais restrito, com
um período de carência para novos gasodutos e novos mercados que minimizasse a percepção
de risco dos agentes. Esse modelo mais restrito incentiva o investimento anterior ao
crescimento do mercado e privilegia a Petrobras, que por ser o agente dominante, pode
assumir riscos maiores que os demais agentes. Propôs-se, ainda, um critério de alocação de
capacidade de transporte pelo menor preço do gás ofertado, de tal forma que houvesse
estímulo para os supridores adotarem preços mais competitivos (CECCHI, 2003).
O acesso de terceiros à infra-estrutura existente pode ser regulado ou negociado. O
livre acesso negociado dá maior liberdade para as partes envolvidas. Por outro lado, é mais
difícil garantir que o tratamento dado aos terceiros será não discriminatório. Além disso, o
livre acesso negociado em um ambiente de dominância de uma empresa faz com que o sistema
de transporte seja utilizado prioritariamente para o uso da companhia, e também de forma
estratégica. O acesso regulado, por sua vez, é mais vantajoso quando há um agente dominante.
Outra característica positiva do acesso regulado é a diminuição de disputas entre os agentes.
Como o órgão regulador define a operação do sistema padronizando contratos ou publicando
regulamentações específicas, há a necessidade de resolução de possíveis conflitos entre os
agentes, diminuindo a disputa entre eles. É importante ressaltar, entretanto, que no regime
regulado existe uma maior necessidade de informações em relação à operação do segmento e à
estrutura de custos. O quadro abaixo sintetiza as principais vantagens e desvantagens do livre
acesso regulado e do livre acesso negociado.
161
Quadro 2 - Livre Acesso Negociado vs. Regulado
LIVRE ACESSO DESVANTAGENS VANTAGENS
NEGOCIADO
- pode prejudicar a expansão do sistema;
- se há um agente integrado pode haver prioridade no uso do sistema;
- a definição das características de percurso, capacidade e necessidade de atendimento de determinados mercados fica a critério dos agentes;
- menores requisitos informacionais, mas são necessárias informações pois o órgão regulador intervém no caso de conflitos;
- maior liberdade para as partes envolvidas;
REGULADO
- requisitos informacionais maiores das especificidades das operações e estruturas de custo do segmento;
- é mais vantajoso em regimes com a presença de um agente dominante;
- reduz-se a disputa entre os agentes;
Fonte: Elaboração própria com base em ANP (2003b)
Existem alguns fatores importantes que motivam a adoção de um regime de livre
acesso regulado. Dentre eles, pode-se citar a minimização dos incentivos a práticas
anticompetitivas do agente dominante; a canalização de recursos públicos para o segmento de
transporte de gás natural; e a maior capacidade desse regime de livre acesso em atender aos
objetivos da política energética brasileira (ANP, 2003b).
No caso brasileiro, o livre acesso é negociado e a regulação tarifária é indireta. Esse
modelo se mostrou um obstáculo para o desenvolvimento de contratos de acesso de terceiros
às redes existentes. A razão principal é o fato da Petrobras já ter contratado quase toda a
capacidade de transporte dos gasodutos domésticos. Além disso, a Petrobras usou seu controle
sobre as companhias de transporte e distribuição para defender seus contratos. Depois disso,
apenas poucas empresas tentaram obter contratos de acesso devido ao difícil ambiente de
negociação.
Em 2001, a ANP estabeleceu o Concurso Aberto para a venda de nova capacidade
criada após a expansão dos gasodutos existentes. Essa nova regulação introduziu mudanças na
implementação do livre acesso e, para conseguirem acesso para o serviço de transporte
interruptível, os agentes devem negociar diretamente com os transportadores. Por outro lado,
162
as companhias deveriam oferecer, por meio do Concurso Aberto, toda a capacidade
disponível de forma transparente e não-discriminatória. A realocação de capacidade
representou uma novidade importante no ambiente regulatório e todos os contratos das
transportadoras poderiam ser realocados para terceiros temporariamente ou permanentemente.
Em relação às tarifas a serem cobradas, ficou determinado a necessidade de se refletirem os
custos associados ao serviço de transporte, incluindo o fator distância na metodologia
adotada.
A alteração para o livre acesso regulado é desejável para o caso brasileiro devido à
presença dominante da Petrobras. Outro aspecto importante é o fato dos recursos serem
originários de verbas públicas, o que faz com que o livre acesso negociado, no qual os agentes
definem quais as características gerais da infra-estrutura de gás natural, não seja muito
recomendável.
5.2.4 - Operação do Sistema
Ainda não foram estabelecidos no Brasil os termos e condições referentes à operação
do sistema. Conforme observado no Capítulo 3, a atividade de transporte no Brasil é feita
mediante autorização da ANP. Nesse sistema de autorização, não existem normas para o
despacho do gás nem regras que garantam a interconexão e integração ótima da rede. Desta
forma, a Petrobras, que é o agente dominante da indústria, influencia a operação da rede de
forma a garantir os melhores resultados. Atualmente, existem apenas disposições relativas ao
tema nos contratos de transporte e em alguns contratos entre a Petrobras e as companhias
distribuidoras que apresentam cláusulas relativas ao despacho do gás49. Ademais, a definição
de modelos padronizados de contrato de transporte também não é de responsabilidade do
órgão regulador (ANP, 2003b).
Além disso, no caso brasileiro, os termos e condições de oferta de transporte de gás
natural são estabelecidos nos contratos de transporte acordados livremente em negociações
bilaterais e a ANP apenas atua em caso de conflitos nas negociações, conforme visto no
Capítulo 3. Em mercados mais desenvolvidos, por sua vez, ou o regulador é responsável pela
49 Para o despacho do gás, foi criado o Comitê Operacional do Gás (COG), que é coordenado pela Petrobras e é responsável pelo gerenciamento e coordenação da programação diária de fornecimento e de recebimento do gás e do gerenciamento do remanejamento da Quantidade Diária Contratual (QDC) visando a otimização do sistema (ANP, 2003b).
163
determinação de regras e condições de oferta ou há negociação englobando toda a indústria.
Em ambos os casos, as regras estabelecidas valem para todos os agentes envolvidos na rede.
Esse aspecto é muito importante para a competição na indústria de gás natural e para que se
evite condições discriminatórias na oferta dos serviços.
O modelo brasileiro pode levar a situações de acesso discriminatório às redes ou de
competição desigual. As questões técnicas e operacionais, por sua vez, podem estar sujeitas a
estratégias comerciais das empresas ao invés de visar à eficiência do sistema (ANP, 2003b). É
necessário, portanto, que existam normas relativas à operação do sistema como um todo, de
tal forma que não haja discriminação entre os agentes atuantes. A formulação de regras não-
discriminatórias para a operação do sistema é muito importante para reduzir o risco de
conflitos no uso de serviços de gasodutos. Uma política de transporte de gás natural deveria
dar à ANP o poder de elaborar regras não discriminatórias a respeito da operação do sistema50.
5.2.5 - Financiamento
A questão do financiamento é também de grande importância no contexto de uma
política para o transporte de gás natural. Em relação ao desenvolvimento da infra-estrutura de
transporte de gás natural, as alternativas de financiamento possíveis são as Parcerias Público-
Privadas (PPP), ainda em discussão, e a Lei no. 10.438 de 2002. A Lei 10.438 instituiu a
Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para o desenvolvimento energético dos Estados
brasileiros e para aumentar a competitividade da energia eólica, das pequenas centrais
hidrelétricas, da biomassa, das térmicas a gás natural e do carvão mineral de origem nacional.
Essa legislação prevê a utilização de recursos para a indústria de gás natural, tanto para o
pagamento ao produtor de energia termelétrica a gás natural quanto para o financiamento das
instalações de transporte de gás natural. Essa mesma lei prevê, ainda, subsídios à construção
de gasodutos nos Estados em que não havia fornecimento de gás até o final de 2002. Nesse
caso, o aporte monetário não seria proveniente da CDE, mas de uma transferência de parcela
dos recursos obtidos com as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição de
energia elétrica. Os Estados previstos para serem beneficiados com esses recursos são Pará,
Tocantins, Rondônia, Goiás, Distrito Federal, Maranhão e Piauí.
50 No âmbito da operação do sistema, os procedimentos relativos à Alocação do Serviço de Transporte; Desequilíbrios e Bandas de Tolerância; e Penalidade sobre Variações e Desequilíbrios são passíveis de regulamentação por parte da ANP (ANP, 2003b).
164
O financiamento com recursos públicos pode ser interessante para a interiorização do
gás natural, mas é importante que se avalie quais os projetos prioritários para que não haja
ineficiências. Além disso, é necessário possuir informações sobre o montante e a forma de
implementação destes recursos, visto que os cortes orçamentários são comuns, dado o
contexto macroeconômico brasileiro.
5.2.6 - Questão Tarifária
Por fim, outro problema relacionado ao transporte do gás natural no Brasil é a
definição tarifária, ponto central dessa dissertação. Do ponto de vista alocativo, mais
importante do que a definição de qual metodologia tarifária será utilizada é a questão da
coerência da tarifa. A sustentabilidade econômica de cada gasoduto pode ficar ameaçada se
para cada novo gasoduto existir uma nova tarifa. É importante para a alocação de recursos,
portanto, que haja essa coerência. Como exemplo, pode-se citar o caso do gasoduto Bolívia-
Brasil, cuja tarifação é postal. Se a Bacia de Santos for aproveitada com um novo gasoduto
até São Paulo que utilize como critério a tarifação por distância, a renda ficará com a empresa
produtora do gás e não com os consumidores, pois o preço será estabelecido pelo critério
netback, ou seja, a empresa parte do preço que está sendo cobrado dos consumidores51 e
diminui desse valor o preço do transporte de gás para formar o preço boca-de-poço. É muito
importante que se adotem procedimentos que garantam a transparência da tarifa e um
tratamento uniforme a todos os usuários, em especial em países com um agente dominante,
como é o caso brasileiro.
Além disso, a definição tarifária deve levar em consideração que a tarifação não é
neutra, ou seja, a forma de tarifação pode implicar em subsídio entre determinadas regiões, o
que pode não ser eficiente do ponto de vista econômico. É preciso considerar até que ponto o
subsídio entre as regiões pode ou não desenvolver a indústria. Ao mesmo tempo que o
subsídio cruzado aumenta o consumo em regiões mais distantes dos centros de produção, em
regiões promissoras próximas desses centros pode ocorrer o inverso. Por exemplo, uma tarifa
postal aumenta o consumo no Sul do País, mas faz com que o crescimento do consumo no
interior de São Paulo seja menor do que seria se a tarifação respeitasse as vantagens
comparativas entre as regiões.
51 O preço final do gás é estabelecido pelas agências estaduais e as distribuidoras fazem um mix de preços.
165
5.3 - Critérios a serem utilizados para a definição da política de tarifação de
transporte de gás natural no Brasil
Como visto nos capítulos anteriores, a forma como é feita a tarifação do transporte de
gás natural nos diversos países está relacionada aos objetivos do regulador em relação à
indústria. Cada uma das formas de tarifação se adapta a objetivos distintos e, portanto, antes
de apresentar soluções para a tarifação do transporte do gás natural no Brasil, é necessário
definir critérios sobre os quais serão definidas as tarifas do segmento.
Com base na análise feita no Capítulo 3 e na seção anterior sobre a indústria de gás
natural no Brasil e seus desafios, foram estabelecidos quatro critérios relevantes na definição
da política de tarifação de transporte de gás natural: o estímulo ao desenvolvimento de novos
mercados de gás natural no Brasil; a adaptação às características da rede; o incentivo à
eficiência econômica; e o incentivo à integração energética.
5.3.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados de Gás Natural no Brasil
A maior inserção do gás na matriz energética é importante para o país por questões
ambientais, de eficiência energética e para diminuição da dependência de derivados do
petróleo. O desenvolvimento da IGN brasileira está fortemente relacionado ao
desenvolvimento do mercado que, no caso brasileiro, deve envolver a questão da
interiorização do gás e da ampliação da rede de gasodutos. O desenvolvimento de novos
mercados para o gás natural depende fortemente do preço, uma vez que a ampliação do
consumo de gás deve se dar pelo deslocamento da demanda por outros energéticos.
Os preços do gás natural, tanto o da commodity como o do transporte, são decisivos
para o desenvolvimento de novos mercados. Em relação à commodity, cabe ressaltar que a
diferença entre os preços do gás de origem nacional e o importado pode tornar-se um entrave
ao desenvolvimento de novos mercados no Brasil. Se o custo da commodity for alto, ainda que
166
as tarifas relativas ao transporte sejam definidas de forma a não onerar demais alguns
consumidores, o preço final do gás refletirá esse alto custo. Assim, é importante ressaltar que
uma política de tarifação do transporte de gás natural com o objetivo de desenvolvimento de
novos mercados deve estar acompanhada de preços razoáveis e não distorcidos da commodity.
Além do preço da commodity, a tarifa do transporte de gás natural é também
importante para o desenvolvimento dos mercados de gás natural uma vez que o preço do
transporte tem um peso relevante na formação do preço final do energético. Dependendo do
tipo de tarifação, algumas regiões do País podem ter que pagar um valor muito alto pelo
transporte, inviabilizando a troca de combustíveis, ainda que o preço da commodity seja
razoável. Na formação do preço final do energético, o transporte tem um peso relevante e,
assim, uma política de tarifação de transporte de gás natural deve levar em consideração se o
preço que chegará ao consumidor final viabiliza a expansão e o desenvolvimento da indústria.
No que se refere ao preço do gás natural na indústria e nas térmicas, o
desenvolvimento do mercado depende da competitividade do gás em relação aos demais
energéticos, em especial ao óleo combustível. Já para o desenvolvimento do mercado de
GNV, o aumento do consumo de gás é proporcional à economia proporcionada em relação à
gasolina, ao álcool e ao óleo diesel. Como a tarifa de transporte de gás natural é parcela
relevante do preço final do combustível, a forma como será feita a precificação do transporte
irá influenciar sobremaneira o desenvolvimento dos mercados de gás natural e,
conseqüentemente, da indústria como um todo.
O investimento em termelétricas é muito importante para o desenvolvimento da
indústria de gás natural. Como visto no Capítulo 3, a presença de uma térmica em locais com
baixo consumo é decisiva, dado o alto volume consumido. No ano de 2004, por exemplo, a
entrada em operação da térmica de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul aumentou em
272,1% o volume de gás natural consumido na Região Centro-Oeste (EKSTERMAN, 2004).
O GNV, por outro lado, como está com o preço em um patamar competitivo frente a
outros combustíveis, principalmente a gasolina, está ganhando cada vez mais espaço. A
questão do preço nesse caso é essencial para o desenvolvimento de novos mercados, uma vez
que as conversões dos veículos estão relacionadas à economia com a utilização do GNV. O
mercado de GNV é bastante promissor no País e, caso o GNV torne-se bastante competitivo
frente ao diesel, a frota de veículos pesados será um excelente mercado para o combustível,
167
abrangendo tanto os ônibus urbanos nos grandes centros como o transporte interurbano de
carga e passageiros, de acordo com o que foi focalizado no Capítulo 3.
Em relação ao consumo industrial, a questão do preço do gás natural também é
fundamental. Em algumas regiões do país, o mercado é dominado por energéticos com preços
muito baixos, como o coque e a lenha. Nesse caso, para o gás se tornar competitivo, deveria
haver políticas ambientais que tributassem os energéticos mais poluentes. Entretanto, políticas
de precificação de transporte de gás natural visando ao desenvolvimento de novos mercados
não são suficientes sem que haja redução do custo do gás na origem e sem uma política de
restrição ao uso de combustíveis poluentes, como é o caso do óleo combustível.
Outro aspecto relacionado à questão do desenvolvimento de novos mercados é a
interiorização do gás natural. No caso brasileiro, algumas regiões estão muito distantes dos
centros de produção. É importante ressaltar, no entanto, que a maior parte das reservas de gás
do Brasil está localizada na Região Sudeste, que também é a mais desenvolvida do País. A
interiorização do gás natural depende basicamente de novos investimentos nas redes de
transporte e de distribuição do gás natural e dos preços a serem cobrados nesses novos
mercados. Como visto no Capítulo 3, as termelétricas e as grandes indústrias, por
demandarem uma grande quantidade de gás, viabilizam a construção de novos trechos de
gasodutos e, portanto, são de grande importância na questão da interiorização do consumo de
gás natural.
No caso do GNV, por exemplo, uma vez que a maioria das grandes cidades do país já
tem acesso ao gás natural, a sua expansão ocorrerá cada vez mais em cidades de médio porte.
Nessas cidades, entretanto, a viabilização do consumo mínimo para possibilitar a construção
de um ou mais postos de GNV requer a conversão de transporte coletivo, pois os veículos de
pequeno porte têm um consumo diário menor do que nos grandes centros. A conversão de
ônibus viabilizaria uma demanda mínima, que muitas vezes pode justificar a construção de
gasodutos até estas cidades de menor porte. Para viabilizar esses projetos, no entanto, é
necessário garantir uma política de preços estável e, inclusive, tornar o preço do GNV
competitivo em relação ao óleo diesel (ALMEIDA e FREITAS, 2003).
168
Embora o preço do gás natural seja de grande importância para garantir a
interiorização de seu consumo, os investimentos em infra-estrutura de transporte e
distribuição são também essenciais. Existem no país mercados promissores para o gás natural,
como é o caso do noroeste de São Paulo, do oeste de Santa Catarina e do norte do Paraná, que
dependem não apenas de preços competitivos para o gás natural, mas também de investimento
em infra-estrutura de distribuição (ABEGÁS, 2004).
5.3.2 - Adaptação às Características da Rede
A política de tarifação do transporte de gás natural também deve levar em
consideração as características da rede. No caso brasileiro, a infra-estrutura de transporte de
gás natural é incipiente e os cerca de 7.800 km de gasodutos de transporte representam pouco
em relação à grande extensão territorial do País. Tal escassez da malha de gasodutos impede o
pleno desenvolvimento do mercado.
Conforme visto no Capítulo 3, as principais reservas de gás natural do Brasil estão
localizadas na Região Sudeste, nas Bacias de Campos e de Santos; na Região Norte, nas
Bacias de Solimões e do Amazonas; e no Nordeste, nas Bacias de Potiguar e do Recôncavo.
Além disso, o Brasil importa gás natural da Bolívia, pelo gasoduto Bolívia-Brasil e da
Argentina, pelo gasoduto que chega à cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Os
maiores centros de consumo de gás natural estão localizados na Região Sudeste, nas cidades
do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória; no Nordeste, nas cidades de Salvador,
Recife, Natal e Fortaleza; e no Sul, nas cidades de Curitiba e Porto Alegre. Com base nos
projetos existentes, a rede do Nordeste se conectará com o Sudeste pelo Gasene e a Argentina
com Porto Alegre, pelo gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre. No mapa abaixo, estão
representados os centros de produção de gás natural, os principais centros de consumo e a
rede de gasodutos existente.
169
Figura 14 - Diagrama Esquemático da Rede de Gasodutos Brasileira
Fonte: Elaboração Própria
Analisando a rede brasileira é possível determinar suas principais características. A
rede de gasodutos brasileira não é unidirecional, ou seja, não há apenas um ponto de entrada.
Existe um ponto de entrada na Região Nordeste, um na Região Sudeste, um na Região
Centro-Oeste, proveniente da Bolívia, e um na Região Sul, proveniente da Argentina. Além
disso, existem reservas na Região Norte, que abastecem algumas cidades da região.
Outra característica importante da rede brasileira é o fato do maior mercado
consumidor de gás natural estar localizado na Região Sudeste, onde também estão localizadas
as maiores reservas nacionais. Da mesma forma, as cidades da Região Nordeste também estão
próximas das reservas. Entretanto, As cidades da Região Sul do País estão bastante afastadas
desses centros de produção e recebem, atualmente, gás natural proveniente da Bolívia. Nesse
caso, uma tarifação baseada exclusivamente no fator distância faria com que o preço do gás
Reservas
Mercados
Pontos de Entrada
Gasodutos
Gasodutos Projetados
Bolívia
Argentina
170
nessa Região fosse muito alto, prejudicando o desenvolvimento da indústria. Por outro lado,
se a tarifação for postal, poderá haver um subsídio cruzado que favorece os consumidores
dessa Região em detrimento dos consumidores localizados próximos às reservas de gás
natural.
Além das características físicas da rede, é importante levar em consideração, aspectos
relativos ao grande diferencial de preços do gás natural entre as diversas regiões do Brasil.
Esse diferencial de preços está, em grande medida, associado ao custo mais baixo das tarifas
de transporte da Transpetro em comparação às tarifas cobradas no Gasbol. No primeiro
semestre de 2003, o gás boliviano custava cerca de US$ 3,37 / MMBtu, sendo que o preço da
commodity era de cerca de US$ 1,7 / MMBtu. Esse valor é aproximadamente 20% maior do
que o preço do gás de origem nacional, que tem uma tarifa de transporte de US$ 0,35, em
média, com a commodity custando US$ 2,58 (ALMEIDA, 2003c). A grande diferença na
tarifa de transporte de gás natural é explicada pelo fato de que os gasodutos da Transpetro já
estão amortizados e o Gasbol não. Assim, os custos do transporte da Transpetro para uma
mesma distância são muito mais baixos do que os do Gasbol.
Gráfico 5 - Diferencial de Preços do Gás Importado e de Origem Nacional
Fonte: Elaboração Própria a partir de dados obtidos em Almeida (2003c)
1 ,70
2 ,58
1 ,670 ,35
0 ,00
0 ,50
1 ,00
1 ,50
2 ,00
2 ,50
3 ,00
3 ,50
4 ,00
G ás B oliv iano G ás N ac ional
US
$ / M
MB
tu
C o m mo d ity T ra nsp o rte
171
Os distribuidores de gás argumentam que o preço do gás deveria ser de US$ 2,50 para
ser competitivo e para estimular a conversão dos equipamentos dos consumidores industriais.
Discute-se também a possibilidade de redução do preço da commodity boliviana ou ainda a
redução da tarifa de transporte (ALMEIDA, 2003c).
O estado de São Paulo, por exemplo, que representa 31,8% do consumo total de gás
natural do Brasil, depende prioritariamente do gás boliviano. Mesmo esse gás chegando aos
city-gates com um preço cerca de 40% maior que o gás de origem nacional, ele representa
quase 60% do gás comercializado no Estado. Esse diferencial de preços dá pouco incentivo
para a utilização do gás natural nas indústrias paulistas e, conseqüentemente, para o
desenvolvimento do mercado. Por outro lado, em estados como o Rio de Janeiro, o gás natural
é bastante competitivo em relação ao óleo combustível e, portanto, o desenvolvimento do
mercado industrial é mais fácil (ALMEIDA, 2003c).
O problema do diferencial de preços é ainda mais grave no Sul do País, que depende
exclusivamente do gás importado. Em Curitiba, por exemplo, os consumidores chegam a
pagar 7% a mais pelo gás natural do que pagariam pelo óleo combustível. Já no caso do GNV,
as cidades do Sul chegam a pagar 20% a mais pelo combustível do que no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Enquanto o gás natural chega aos postos da Região Sudeste por cerca de R$
0,68, no Sul esse valor é da ordem de R$ 0,93 (ANP, 2004).
Levando em conta a disparidade das tarifas cobradas nos diferentes gasodutos, a
questão do critério a ser utilizado torna-se ainda mais relevante. Se, no caso da Região Sul, a
tarifação for exclusivamente baseada no fator distância, de modo a refletir os custos
associados ao serviço de transporte, o desenvolvimento da indústria nessa Região ficará
comprometido caso seja considerado apenas o suprimento da Bolívia.
5.3.3 - Incentivos à Eficiência Econômica
Outro objetivo da política de precificação de transporte de gás natural deve ser a
garantia da eficiência econômica. Para que isso ocorra, as tarifas devem refletir o custo do
transporte de gás natural. Quando isso não acontece, algumas distorções podem ocorrer, como
ineficiências no mercado e na expansão da rede. A política de tarifação de transporte de gás
natural, portanto, deve garantir a eficiência alocativa e a eficiência no mercado.
172
Em relação à eficiência alocativa na expansão da rede, é preciso garantir que todos os
custos associados ao serviço de transporte sejam considerados na definição tarifária. Se isso
não acontece, algumas ineficiências podem ocorrer, como gasodutos de maior custo tornarem-
se mais competitivos que outros de menor custo e, ainda, projetos inviáveis economicamente
serem viabilizados por subsídios cruzados. No caso de uma tarifação postal, por exemplo,
como todos os custos são divididos igualmente entre os consumidores, poderá haver
expansões na rede que não seriam possíveis se a tarifação fosse baseada no fator distância. Da
mesma forma, com tarifas que não refletem os custos dos gasodutos, a competitividade fica
independente do preço, o que também gera ineficiências.
Como exemplo, pode-se citar a construção de um gasoduto que levasse o gás até
Brasília. No caso da tarifação postal, um gasoduto saindo de São Paulo proporcionaria tarifas
baixas em Brasília porque os consumidores paulistas estariam subsidiando os brasilienses.
Esse gasoduto seria muito menos eficiente do que um gasoduto ligando Cuiabá a Brasília,
mas, nesse caso, como o gás chegaria mais caro para os brasilienses, o projeto acabaria por
não sendo implementado.
Já em relação à eficiência de mercado, é necessário que a tarifação não resulte em
distorções no mercado de gás. As distorções no mercado de gás natural podem ocorrer quando
há subsídios cruzados entre as regiões. Nesse caso, o gás mais barato pode ser deslocado pelo
gás mais caro, ou seja, no caso de haver subsídio cruzado, a tarifa de transporte pode tornar o
gás, que seria mais barato, menos competitivo.
O estímulo à eficiência econômica é muito importante para indústria de gás natural
brasileira uma vez que a tarifação do transporte de gás natural tem influência sobre as
decisões de investimento das empresas. Nesse sentido, a existência de sinalização locacional é
importante para estimular novos investimentos. A tarifa deve ser baseada em parâmetros de
custos e de demanda, incluindo os custos de investimento, de operação e manutenção e de
capital, como visto no Capítulo 1.
5.3.4 - Estímulo a Integração Energética no Cone Sul
Após o avanço no comércio entre os países do Cone Sul ocorrido na década de 90, se
tornou claro que a falta de infra-estrutura é um sério obstáculo à integração. A questão
173
energética, assim como as telecomunicações e o transporte, é essencial para estimular à
integração dos países. Dentre as indústrias de energia, o gás natural tem o maior potencial de
integração regional, dada a abundância das reservas. A geração térmica, por apresentar um
custo de construção menor do que as hidrelétricas é uma das chaves para expandir a oferta de
energia na região. Com a convergência das indústrias de gás e eletricidade, é possível
aumentar a sinergia regional.
O contexto econômico, tecnológico e institucional das indústrias de energia mudou
radicalmente nos últimos 20 anos. O novo cenário é caracterizado pela diminuição das formas
tradicionais de financiamento, como os fundos públicos e o crédito de instituições
multilaterais; e a emergência de “global players”, que são capazes de investir em escala
suficiente para integrar suas atividades regionalmente (ALMEIDA, 2003c).
Em relação à integração das indústrias de gás natural no Cone Sul, é importante
ressaltar que, embora existam pontos que facilitam a integração, existem também alguns
obstáculos a serem transpostos. São três os principais fatores que beneficiam a ampliação do
comércio no Cone Sul: a complementaridade entre oferta e demanda de gás natural entre os
países; a existência de redes de transporte ligando os mercados; e a presença de grandes
multinacionais com tecnologia e capacidade para investir. Os obstáculos, por sua vez, também
são significativos: a instabilidade macroeconômica, as assimetrias regulatórias e a baixa
coordenação inter-regional dificultam a processo de integração (ALMEIDA e TREBAT,
2004).
Em relação à complementaridade entre oferta e demanda de gás pode-se destacar a
existência de grandes reservas de gás na Argentina e, principalmente, na Bolívia. Por outro
lado, o Brasil, o Chile e o Uruguai são mercados que demandam gás importado e, embora haja
grandes reservas no Brasil, a maior parte delas levará tempo para ser desenvolvida. Já em
relação à infra-estrutura conectando os países, o mapa abaixo mostra que a rede existente é
suficiente para a integração. Cabe ressaltar, entretanto, que o projeto que liga a Argentina ao
Brasil (gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre) dependerá do crescimento da demanda no Brasil.
A construção do gasoduto Cruz del Sur, ligando a Argentina ao Uruguai, é também
importante para promover o comércio energético no Cone Sul. Por fim, em relação às
multinacionais pode-se citar, entre outros, a presença da British Gas, da BP, da Repsol YPF,
da Total-Fina-Elf e da Shell, além da Petrobras, que é um ator chave nesse desenvolvimento
(ALMEIDA e TREBAT, 2004).
174
Figura 15 – Integração Energética no Cone Sul
Fonte: Cefired.org.ar
Embora as reservas existentes sejam capazes de suprir a demanda projetada para a
Região e já exista uma infra-estrutura conectando alguns dos países, a indústria deverá
investir pesadamente expandindo a infra-estrutura de transporte e distribuição nos países com
a indústria ainda incipiente, como é o caso do Brasil, da Bolívia, do Uruguai e do Paraguai.
Do ponto de vista regulatório, alguns obstáculos também devem ser removidos para estimular
o investimento privado (ALMEIDA, 2003c).
Embora existam aspectos que beneficiam a integração energética no Cone Sul, é
importante destacar a existência de riscos associados à indústria de gás natural como um todo,
como a grande interdependência entre os agentes, a presença de sunk costs e a grande
competição interenergética, além de riscos específicos para o caso do Cone Sul, como a
volatilidade da taxa de câmbio, as diferenças na política energética e as assimetrias
regulatórias.
A instabilidade macroeconômica dos países afeta a capacidade de financiamento das
empresas e a volatilidade da taxa de câmbio afeta a dinâmica de mercado, que passa a
depender basicamente de contratos de longo prazo com cláusulas do tipo take or pay ou ship
175
or pay, dada a dependência entre compradores e vendedores e a necessidade de promover a
estabilidade e sustentabilidade dos projetos. A questão da política energética de longo prazo,
por sua vez, é importante para a estabilidade da atividade regulatória e para a diminuição de
custos de transação. Por fim, a heterogeneidade do ambiente regulatório e no ritmo de
implementação das reformas entre os países para causar problemas na integração energética.
Deve haver regras comuns para a questão do acesso, para o grau de convergência entre as
indústrias de gás e eletricidade e, em especial, para a tarifação do transporte de gás natural,
que representa uma grande parte do preço final do energético.
O papel da definição tarifária é muito importante no contexto da integração energética.
Como visto anteriormente, o preço do gás boliviano, embora seja mais barato do que o
produzido no Brasil, chega ao consumidor final por um preço mais alto do que o gás de
origem nacional, devido ao alto custo do transporte no Gasbol. Assim, existem incentivos
para o aproveitamento das reservas brasileiras52 a preços mais baixos para estimular o
consumo no Sul e Sudeste, que são as regiões onde se concentra a maior parte das indústrias
do País.
O gás de origem argentina, por sua vez, custa cerca de US$ 1,20/MMBtu e, portanto, é
ainda mais barato do que o gás boliviano. Dada a proximidade com a região Sul do Brasil, os
custos de transporte também seriam menores no caso de uma integração. Assim, no caso da
conexão da rede com a Argentina, o preço do energético ficaria mais barato para os
consumidores do Sul, estimulando o desenvolvimento da indústria na região. É importante
ressaltar, entretanto, que a Argentina diminuiu muito a relação reserva/produção de gás nos
últimos anos e em 2004 passou por uma crise na infra-estrutura da indústria de GN, tendo
inclusive diminuído as exportações para o Chile e para o Uruguai e aumentando as
importações da Bolívia (FREITAS e CASTRO, 2004).
A integração energética entre os países do Mercosul e com a Bolívia é muito
importante para o desenvolvimento da indústria de gás natural. Portanto, uma política de
tarifação de transporte de gás natural deve estimular essa integração, respeitando as vantagens
comparativas de cada país e proporcionando o investimento necessário para a expansão da
infra-estrutura.
52 É importante ressaltar que a descoberta de gás na Bacia de Santos não diminui a necessidade de importação no curto prazo, mas no longo prazo, a Petrobras pode deixar de ser catalisadora do comércio energético entre os países (ALMEIDA e TREBAT, 2004).
176
5.4 - Análise comparativa das possíveis formas de tarifação
Nos Capítulos anteriores foram apresentados os critérios de tarifação do transporte de
gás natural existentes e as políticas de tarifação de gás natural vigentes no Brasil e em outros
países. Como visto no Capítulo 2, a tarifação postal pode ser aplicada em casos de monopólio
e em mercados maduros. Nesse tipo de tarifação, um mesmo preço é aplicado para cada
unidade de consumo, independentemente da origem e do destino do gás natural e, por isso, é
mais fácil aplicar o princípio da uniformidade tarifária em todo território. No Capítulo 4,
utilizou-se a Espanha como exemplo de país com tarifação postal. As grandes vantagens desse
tipo de tarifação são a facilidade de aplicação e a transparência.
A principal desvantagem da tarifação postal, por outro lado, é a possibilidade de
ocorrerem subsídios cruzados entre os consumidores localizados longe e perto dos centros de
produção de gás natural. Dada a localização das reservas de gás natural no Brasil e as
dimensões continentais do País, o subsídio cruzado entre os diversos consumidores fatalmente
existirá se esse tipo de tarifação for aplicado no País. A tarifação postal também apresenta
como grande desvantagem a ausência de sinalização locacional para os investidores, além de
não refletir os custos associados ao transporte do gás, que variam entre os diversos pontos de
entrega do gás.
Comparando-se a rede de gasodutos espanhola com a brasileira, pode-se perceber que
o estágio de desenvolvimento da infra-estrutura de transporte de gás natural na Espanha é
muito superior ao brasileiro e a rede é muito mais ramificada. Além disso, a Espanha é um
país de dimensões muito menores do que o Brasil e, por isso, a utilização de uma tarifação
postal não distorce tanto a sinalização locacional e não causa tantos problemas de subsídio
cruzado. No Brasil, uma tarifação exclusivamente postal não refletiria a variável custo, que
está fortemente relacionada à distância. Isso faria com que as vantagens comparativas das
regiões produtoras não fossem respeitadas e a sinalização locacional ficasse comprometida.
A tarifação determinada pelo fator distância, por sua vez, é indicada quando existe
uma grande distância entre os pontos de entrada e saída de gás, fazendo com que essa variável
seja relevante no custo do transporte. Esse tipo de tarifação evita subsídios cruzados entre os
177
consumidores próximos e distantes do centro de consumo. Além disso, a tarifação por
distância é prática comum em mercados em desenvolvimento e em concorrência. Entretanto,
embora exista uma distância significativa entre alguns dos pontos de entrada e saída de gás,
esse critério de tarifação pode apresentar algumas desvantagens para o caso brasileiro.
A Colômbia é um exemplo de sucesso com a tarifação por distância. A utilização
dessa metodologia teve como objetivo facilitar a penetração do gás natural, fazer uma
sinalização eficiente dos custos do sistema de transporte, manter a estabilidade regulatória,
incentivar inovações na remuneração de transporte de gás e proporcionar flexibilidade e
repartição de riscos entre os agentes. Para cada empresa transportadora colombiana foram
feitas resoluções diferentes e algumas variáveis podem ser definidas livremente ou por mútuo
acordo entre as partes, o que flexibiliza o mecanismo. Entretanto, comparando a rede dos dois
países, pode-se perceber que a Colômbia é um país de dimensões pequenas,
comparativamente ao Brasil. Além disso, a flexibilidade da negociação prevista na regulação
colombiana é fator importante para o sucesso da regulação.
No caso da Argentina, apresentado no Capítulo 4, verifica-se a utilização do critério de
tarifação por distância associado ao mecanismo price cap, ou seja, é estipulado um preço
máximo para a venda de gás que contempla uma parcela para a reposição dos custos, outra
para a taxa de retorno do investidor e ainda um fator de produtividade. Entretanto, a utilização
conjunta de dois mecanismos que em princípio deveriam estimular novos investimentos na
rede não atingiu seus objetivos, ainda que a competição tenha, de fato, sido introduzida em
todas as etapas da cadeia de gás. Após a crise que atingiu o país, a situação tarifária Argentina
tornou-se ainda pior com o congelamento das tarifas de transporte abaixo de seus custos.
Mesmo com esses problemas, comparando a rede do Brasil com a da Argentina, pode-se
perceber que o mercado gás natural argentino é bastante superior ao brasileiro e as redes são
muito mais desenvolvidas. Em mercados mais competitivos é importante que haja uma tarifa
que reflita os custos, como é o caso da tarifação por distância. Além disso, as reservas na
Argentina não estão localizadas tão distantes dos centros de produção como no caso
brasileiro.
Por fim, a tarifação entry-exit, conforme visto no Capítulo 2, é definida com base na
combinação dos “preços de entrada” (introdução do gás no sistema) e dos “preços de saída”
(retirada do gás no sistema). Esse critério contém um elemento de distância e, portanto, sinais
178
locacionais na entrada do gás enquanto, na saída, a tarifa é postal53. No guia “Orientações
sobre Boas Práticas de Acesso de Terceiros” estabelecido pelo Fórum Europeu de
Reguladores do Gás, esse método foi recomendado por apresentar resultados eficientes para a
indústria de gás natural. Esse tipo de tarifação é apropriado quando os custos marginais de
longo prazo são o conceito de custo dominante.
A tarifação entrada/saída é utilizada na Irlanda, onde o nível das tarifas de entrada é
determinado pelo custo da infra-estrutura necessária para colocar o gás na rede em cada ponto
de entrada e o nível da tarifa de saída é determinado pelo custo médio do transporte de gás
natural por gasodutos. Esse tipo de tarifação, portanto, possui uma parte postal e outra por
distância, o que é interessante para alguns tipos de rede. Ao mesmo tempo em que há sinais
locacionais, o fator distância não tem um peso excessivo para algumas regiões do país. As
dimensões do Brasil e da Irlanda são muito diferentes, mas a rede Irlandesa também não é
muito desenvolvida, assim como a brasileira.
Com base na análise sobre as formas de tarifação e na definição dos critérios
estabelecidos para a formulação de uma política de tarifação de transporte de gás natural, é
possível determinar as principais vantagens e desvantagens da tarifação por distância, postal e
entry-exit.
5.4.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados
A forma como é feita a tarifação pode afetar o desenvolvimento de novos mercados
para o gás natural no Brasil. No caso da tarifação postal, o subsídio cruzado entre os
consumidores pode representar um aspecto positivo, uma vez que muitos novos mercados
encontram-se em regiões que ficariam prejudicadas com a introdução do fator distância na
tarifa. Ainda que a existência de subsídios cruzados não respeitasse as vantagens
comparativas das regiões produtoras, o desenvolvimento de novos mercados está intimamente
relacionado ao preço do combustível e, portanto, se os preços fossem muito altos, algumas
regiões do país não teriam estímulo para utilizar esse combustível.
53 É importante ressaltar, conforme visto no Capítulo 2, que uma tarifação do tipo entrada/saída pode apresentar resultados diferentes de acordo com o tipo de capacidade utilizado. Os contratos ponto-a-ponto, por exemplo, são muito menos flexíveis do que os contratos postais, no qual o carregador tem o direito de entrar com o gás em qualquer ponto de entrada e retirá-lo em qualquer ponto de saída. A escolha entre o tipo de capacidade a ser utilizada, portanto, depende da intensidade do tráfego do sistema.
179
Cabe ressaltar, entretanto, que a utilização da tarifação postal pode prejudicar o
desenvolvimento de novos mercados próximos às regiões produtoras. Nesse caso, é necessário
comparar se os benefícios de se aplicar a tarifação postal são maiores para as regiões distantes
dos centros de produção do que o prejuízo para as regiões mais próximas. No caso brasileiro,
praticamente todo o litoral já está conectado e os mercados mais promissores para o gás
natural são Brasília, o Oeste do Paraná, o Rio Grande do Sul e o interior de Minas Gerais.
Todas essas regiões estão relativamente distantes dos centros de produção e, portanto, a
tarifação postal traria muitos benefícios para o desenvolvimento da indústria de gás natural
brasileira.
A tarifação baseada exclusivamente no fator distância, por outro lado, pode prejudicar
regiões muito distantes dos centros de produção. Se o gás atingir essas regiões com um preço
muito superior aos energéticos concorrentes, não se viabilizará. Além disso, a tarifação por
distância pode fazer com que haja muita diferença de preços entre os diversos consumidores,
o que também prejudica a expansão do mercado.
A tarifação entrada/saída, por sua vez, é intermediária entre a tarifação postal e a
tarifação por distância, podendo ser determinada utilizando parcialmente esses dois critérios.
Assim, a tarifa nas regiões mais distantes dos centros de produção baseada na tarifação entry-
exit é menor do que a tarifação por distância e maior do que a postal e, portanto, o preço em
algumas regiões pode não ser tão competitivo para deslocar a demanda de outros
combustíveis, o que é essencial no caso brasileiro.
Quadro 3 - Desenvolvimento de Novos Mercados
Postal Distância Entrada / Saída
- Proporciona o desenvolvimento de novos mercados, em especial em locais distantes dos centros de produção;
- Limita o desenvolvimento de mercados em áreas distantes dos centros de produção;
- Preços que variam muito entre os consumidores podem prejudicar o desenvolvimento da indústria
- Intermediária entre a tarifação postal e a por distância. Não prejudica tanto o desenvolvimento de novos mercados.
Fonte: Elaboração Própria
180
5.4.2 - Adaptação às Características da Rede
Conforme observado, a rede brasileira possui duas características físicas importantes:
existem vários pontos de injeção de gás natural e os maiores mercados consumidores estão
próximos aos centros produtores. O fato de existir mais que um ponto de injeção faz com que
a rede não seja unidirecional e, portanto, a tarifação por distância não é a única opção para a
adequação à morfologia da rede.
Por outro lado, o fato dos maiores mercados consumidores estarem próximos a centros
de produção significa que, no caso da utilização da tarifação postal, o subsídio cruzado entre
as regiões não será tão forte. Ou seja, no caso das regiões mais próximas aos centros de
produção terem que subsidiar as regiões mais longínquas, o valor pago a mais pelos
consumidores seria bastante diluído. A porcentagem do PIB brasileiro nos mercados
potenciais que estão distantes dos centros de produção é muito menor do que as regiões que já
tem acesso ao gás natural e, portanto, o volume de gás a ser consumido nessas regiões seria
pouco representativo em relação aos mercados já estabelecidos.
Por outro lado, se a tarifa a ser cobrada pelo transporte de gás natural incluísse uma
variável que representasse a totalidade dos custos envolvidos na atividade de transporte, as
regiões afastadas dos centros de produção poderiam ter tarifas proibitivas, inibindo o
crescimento da indústria. A tarifação por distância é indicada para redes unidirecionais.
Nessas redes, a adoção do fator distância torna-se simples e transparente.
A tarifação entrada/saída, por sua vez, é mais utilizada em redes mais ramificadas que
a brasileira. Quando há muitos pontos de entrada e saída, em um critério de tarifação entry-
exit que utilize o tipo de capacidade postal é mais fácil vender a capacidade ociosa,
estimulando a comercialização secundária da capacidade de transporte. Com esse tipo de
tarifação é possível, ainda, estabelecer tarifas mais baixas para trechos da rede que estejam
operando abaixo da capacidade eficiente, estimulando sua utilização. Com contratos de
capacidade mais flexíveis, a competição é estimulada e a capacidade ociosa da rede é
reduzida, embora a capacidade disponível para a venda possa não ser maximizada.
181
Quadro 4 - Adaptação às Características da Rede
Postal Distância Entrada / Saída
- Não seria tão prejudicial no caso brasileiro, pois a rede não é unidirecional e não causaria tantos subsídios cruzados;
- Facilidade de aplicação;
- No caso de malhas unidirecionais, é simples e transparente;
- Interessante para malhas muito ramificadas, com muitos pontos de entrada e saída;
- Eficiente para redes com capacidade ociosa.
Fonte: Elaboração Própria
5.4.3 - Estímulo à Eficiência Econômica
A tarifa mais adequada para estimular a eficiência econômica é a tarifação por
distância, pois ela é a que melhor reflete os custos associados ao serviço de transporte. Quanto
menor o nível de subsídio cruzado entre gasodutos e ao longo de um mesmo gasoduto, menor
a chance de ineficiência. A tarifação por distância, como visto no Capítulo 2, proporciona
uma sinalização locacional eficiente para os agentes, o que é muito importante. Em relação a
novos investimentos na rede, é importante que as tarifas representem seus custos e garantam
retorno sobre os seus investimentos.
Se a tarifação for exclusivamente postal, por sua vez, a vantagem comparativa dos
centros produtores não será respeitada, o que de certa forma, pode prejudicar a eficiência da
indústria. O risco de ineficiência pode gerar distorções e inibir o investimento privado em
expansão da infra-estrutura. Este problema, entretanto, pode ser minorado se o transporte
passar a ser precedido por planejamento. Se há um planejamento anterior aos investimentos
no qual se estabeleça quais os gasodutos que deverão ser construídos e, posteriormente haja
licitações públicas nas quais as empresas vencedoras recebam a concessão dos trechos
estabelecidos, então a tarifação postal não causaria tantas distorções alocativas.
Já a tarifação do tipo entrada/saída, por refletir mais os custos do transporte do que a
tarifação postal é mais indicada para estimular a eficiência econômica e evitar distorções. A
182
tarifação do tipo entrada/saída oferece ainda uma boa sinalização econômica no que diz
respeito à realização de novos investimentos por agentes privados, além de estimular a
competição entre os agentes.
Quadro 5 - Estímulo à Eficiência Econômica
Postal Distância Entrada / Saída
- Não reflete os custos; - Sem sinalização
econômica nem locacional;
- Reflete bem os custos;
- Promove eficiência econômica;
- Com sinalização econômica sobre investimentos;
Fonte: Elaboração Própria
5.4.4 - Estímulo à Integração Energética no Cone Sul
Em relação à Integração Energética, a tarifação postal não é muito indicada para a
integração, pois a possibilidade de haver subsídios cruzados e a não existência de sinalização
locacional pode afetar a decisão de investimento de forma a desestimular a integração entre os
países. Embora a tarifação postal tenha fórmulas de cálculo mais previsíveis e seja mais
transparente, diminuindo o risco, esse tipo de tarifação não respeita as vantagens
comparativas dos países e, portanto, inibe a integração.
Se a distância não for considerada na tarifa de transporte de gás natural, a importação
das reservas localizadas perto dos mercados finais pode ser deslocada pelo gás doméstico
distante deste mercado. No caso brasileiro, alguns gasodutos operam com a tarifação postal,
como é o caso do Gasbol. Assim, os países do Sul podem acabar optando por comprar o gás
da Bolívia, localizado a cerca de três mil quilômetros ao invés de importarem da Argentina,
que está localizada a apenas 650 quilômetros (ALMEIDA e TREBAT, 2004).
Por outro lado, a tarifação baseada no fator distância, por incentivar a eficiência
econômica, pode estimular a integração energética, em especial com a Argentina54. No caso
54 É importante ressaltar, entretanto, que atualmente a Argentina passa por uma crise de oferta de gás natural, tendo inclusive interrompido o fornecimento para o Uruguai e para o Chile.
183
da tarifação por distância, com a construção do gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre, as
cidades do Sul pagariam menos pelo transporte de gás natural do que atualmente pagam pelo
gás proveniente da Bolívia, o que estimularia o desenvolvimento da região.
Já a tarifação do tipo entry-exit ocupa uma posição intermediária entre a tarifação
postal e a por distância. Por um lado, este tipo de tarifação não causa tantas distorções sobre
os investimentos quanto a tarifação postal, mas, por outro, não respeita tanto as vantagens
comparativas dos países quanto a tarifação por distância.
Quadro 6 - Estímulo à Integração Energética no Mercosul
Postal Distância Entrada / Saída
- Transparência na fórmula de cálculo;
- Previsibilidade; - Não reflete os custos; - Sem sinalização
econômica nem locacional;
- Reflete bem os custos;
- Promove eficiência econômica;
- Estimula a integração com a Argentina e beneficia o Sul do país;
- Intermediária entre a tarifação postal e a por distância.
Fonte: Elaboração Própria
5.4.5 - Análise Comparativa
Dentre as três formas de definição tarifária analisadas: por distância, postal e entry-
exit, é preciso definir a que mais se adapta ao caso brasileiro. Para essa definição, cada uma
dessas formas foi analisada em relação aos critérios estabelecidos na seção 5.1. O quadro
comparativo a seguir mostra um resumo de como cada uma das formas de tarifação se adapta
aos critérios estabelecidos.
184
Quadro 7 - Quadro Comparativo das Formas de Tarifação
Distância Entrada-Saída Postal
Desenvolvimento de Novos Mercados
– –
�
+ +
Adaptação às Características da Rede
–
�
+
Incentivo à Eficiência Econômica
++
+
– –
Estímulo à Integração Energética
+
�
–
Legenda: O símbolo ++ significa que a forma de tarifação é muito positiva em relação ao critério, + positiva, � neutra, - negativa e - - muito negativa.
Fonte: Elaboração Própria
Como observado anteriormente, considerando o critério de desenvolvimento de novos
mercados, a tarifação postal é a mais indicada, uma vez que o subsídio cruzado entre os
consumidores torna o preço do gás mais competitivo em todas as regiões do país e, assim, o
gás é capaz de se tornar suficientemente competitivo para deslocar a demanda de outros
energéticos.
Em relação às características da rede, verificou-se que os maiores centros de consumo
estão próximos aos maiores centros de produção. Além disso, a rede brasileira não é
unidirecional e, portanto, a tarifação postal e o conseqüente subsídio cruzado entre as regiões
não seriam tão prejudiciais. Por outro lado, as regiões mais distantes dos centros de produção
teriam preços proibitivos se o critério utilizado fosse baseado apenas no fator distância, sendo
mais interessante, neste caso, a tarifação postal.
Em relação ao incentivo à eficiência econômica, o critério mais recomendado é a
tarifação por distância, pois é o que melhor reflete os custos associados ao serviço de
transporte de gás natural. A tarifação por distância evita os subsídios cruzados e dá
185
sinalização econômica, o que evita distorções. A tarifação entry-exit, nesse caso, por
apresentar também sinalização locacional, estimula também a eficiência econômica, embora
em escala menor do que a tarifação por distância. Por outro lado, a tarifação postal pode
causar distorções tanto alocativas como no mercado de gás, devido à falta de sinalização
locacional. Entretanto, o subsídio cruzado, no caso brasileiro, não seria tão forte. A maioria
das empresas privadas interessadas em atuar no segmento se mostra a favor da utilização do
critério de tarifação por distância, sendo a tarifação postal vista como um impedimento para a
entrada no mercado.
Por fim, em relação à integração energética no Mercosul, é importante considerar que
a utilização da tarifação por distância seria positiva, uma vez que respeitaria as vantagens
comparativas das regiões produtoras, além de proporcionar sinalização econômica eficiente
para os investidores. Já a tarifação postal se mostrou pouco adequada para a integração
energética dada a necessidade de se evitar distorções para estimular a integração, embora seja
transparente e de fácil aplicação.
5.5 - Propostas para a política de tarifação no Brasil
Conforme visto anteriormente, uma política para o transporte de gás natural deve levar
em consideração aspectos como a falta de investimentos no volume necessário para o
desenvolvimento da infra-estrutura da rede; os problemas relacionados ao livre acesso; à
operação do sistema de transporte; a classificação dos dutos; e forma de financiamento dos
investimentos. Dentro do contexto de uma política para o transporte de gás natural, entretanto,
a definição tarifária assume grande relevância para o desenvolvimento da indústria e o
incentivo a investimentos no setor.
Uma das principais questões para o desenvolvimento da indústria de gás natural no
Brasil é a modicidade tarifária. Para o desenvolvimento da indústria do gás e sua ampliação
na matriz energética brasileira é necessário que haja um deslocamento da demanda de outros
combustíveis, como, por exemplo, o óleo combustível na indústria e a gasolina e o óleo diesel
186
no setor automotivo. Para a redução do preço do gás, existem muitos fatores envolvidos além
da tarifação do transporte. O preço da commodity é também muito importante e, portanto,
deve haver um trabalho conjunto para que o preço do gás seja efetivamente competitivo.
No que tange à tarifação do transporte do gás natural, é essencial que haja uma política
única de definição tarifária que valha para todos os gasodutos brasileiros. Atualmente estão
em vigência no País contratos que possuem tarifação postal e contratos que foram
estabelecidos pela ANP na resolução de conflitos, todos com inclusão do fator distância.
Portanto, antes de ser estabelecida a melhor forma de tarifação para o transporte de gás
natural, é necessário que todas as tarifas sejam estabelecidas sob um mesmo critério e não por
contratos estabelecidos entre as partes envolvidas. Deve-se definir uma política de preços
homogênea pois a diferenciação de preços de acordo com a origem do gás é prejudicial ao
desenvolvimento do mercado e a coexistência de diferentes formas de tarifação pode trazer
conflitos e problemas para a indústria no longo prazo.
Em relação à metodologia a ser aplicada no Brasil, analisaram-se três formas distintas:
a tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação entry-exit. Entretanto, conforme visto
anteriormente, cada uma das diferentes formas de tarifação possui algumas limitações.
A tarifação entrada/saída possui algumas vantagens como a sinalização econômica
para novos investimentos e a eficiência quando existe capacidade ociosa na rede. No entanto,
no caso brasileiro, a rede ainda é muito incipiente, os pontos de entrada e saída não são muitos
e a rede não é muito ramificada, de tal forma que a tarifação do tipo entrada/saída não traria
tantos benefícios para o desenvolvimento da rede. No caso de se optar por este tipo de
tarifação, a questão do livre acesso deve estar bem definida, para que o uso da capacidade
ociosa do sistema seja bem definido e para aproveitar o potencial de introdução da
competição que é proporcionado por esse tipo de tarifa. Entretanto, com o desenvolvimento
da rede e a resolução das questões regulatórias, a tarifação entry-exit poderá ser uma
alternativa vantajosa para o Brasil.
Dentre as três formas de tarifação, a do tipo postal apresentou maiores benefícios em
relação ao desenvolvimento de novos mercados e à adaptação às características da rede,
embora tenha problemas de sinalização locacional. Portanto, considerando que há uma grande
necessidade de desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira, a tarifação postal seria
187
interessante para o Brasil. Entretanto, com a estrutura atual da indústria aberta à concorrência,
não é possível estabelecer uma tarifação postal. Isso ocorre porque, no caso de haver mais de
uma empresa, não pode haver distorções e, portanto, a tarifação deve refletir todos os custos
associados ao serviço de transporte. A ausência de sinalização locacional é incompatível com
a atual estrutura da indústria brasileira.
Para o caso da tarifação postal ser adotado no Brasil, portanto, haveria a necessidade
de se mudar a organização industrial. Se houver margem para mudanças na estrutura da
indústria, um ponto central será a coordenação da rede. Para a utilização da tarifa postal
deveria haver uma única empresa monopolista, de capital misto, que atuasse no transporte de
gás natural a partir da rede da Petrobras e que fosse independente dos interesses do upstream.
Outra opção de mudança seria a existência de um pool de gasodutos gerenciado por
um agente capaz de coordenar a rede, sem discriminação, como ocorre, por exemplo, dentro
dos hubs americanos. Deveria haver um planejador que gerenciasse o sistema e fizesse o
planejamento dos gasodutos, semelhante ao que ocorre com o Operador Nacional do Sistema
(ONS) no caso do sistema elétrico ou como ocorre, por exemplo, na Espanha. Nesse caso, o
desenvolvimento da indústria ficaria garantido.
No caso de se utilizar uma combinação de formas tarifárias, haverias problemas
semelhantes ao uso da tarifação postal pura, porém minimizados. Então, mas provável que a
adoção de uma tarifação postal seria a adoção de uma tarifa híbrida, para que a tarifação tenha
algum sinal locacional, sem utilizar a tarifação exclusivamente baseada no fator distância.
Dessa maneira, as regiões mais distantes dos centros de produção não precisariam pagar
muito mais pelo gás recebido e, por outro lado, a sinalização locacional evitaria decisões
irracionais de investimento. Essa sinalização locacional poderia ser algum percentual da tarifa
determinado pelo condicionante de custo do transporte, como a distância percorrida pelo gás
ou o volume de gás transportado. De qualquer forma, para qualquer tarifação híbrida com
base postal deveria haver reestruturação da indústria.
Por outro lado, se houver resistência à mudança, dada a estrutura atual da indústria, a
solução possível é uma tarifação que reflita a maior parte dos custos associados ao transporte,
como é o caso da tarifação por distância. A estrutura atual é de livre iniciativa, sob a forma de
autorização, para investimento nos dutos e, portanto, necessita de uma tarifação com
188
sinalização econômica. Para que se diminua a possibilidade de discrepância alocativa, se
estimule a entrada de novos agentes e se incentive a competição é necessário que as tarifas
reflitam o custo. É importante ressaltar, entretanto, que a tarifação por distância pode não
refletir corretamente os custos relacionados ao transporte de gás natural. Existem outros
condicionantes que afetam os custos de transporte, como o volume transportado, a quantidade
de operadores, a pressão e o fator de carga.
Para garantir o desenvolvimento da rede no caso da adoção de tarifas baseadas no fator
distância, é necessário que o governo intervenha. Uma vez que a tarifação por distância
privilegia as regiões mais próximas dos centros de produção, o desenvolvimento de potenciais
mercados distantes deverá contar com subsídios do governo para ser viabilizado. Nesse
sentido, é importante ressaltar que, no Brasil, a menor demanda está mais longe dos centros
de produção, o que é ruim para a economia de escala. Em algumas regiões do País não será
economicamente eficiente a utilização do gás e, portanto, o planejamento também será
importante para definir a expansão da rede.
A regulação das tarifas de transporte de gás natural é um passo fundamental para o
desenvolvimento do setor, principalmente devido à importância do preço final do gás para o
aumento da demanda. No entanto, existe um trade off entre o desenvolvimento dos mercados
e a sinalização econômica e, portanto, é preciso fazer escolhas. Independente da forma de
tarifa haverá subsídio: cruzado no caso da postal ou direto, no caso da distância. Com
qualquer uma das duas formas de tarifação – por distância ou postal – a questão do
planejamento será muito importante para o transporte de gás natural no Brasil e, portanto,
deve haver transparência e bom senso nas decisões de planejamento.
189
CONCLUSÃO
A indústria de gás natural no Brasil encontra-se em um momento de indefinição. O
crescimento da demanda de gás natural estimulado pelas termelétricas ficou aquém do
esperado e há muitas críticas em relação à forma como a legislação do gás natural foi feita no
País. A Lei do Petróleo trata o gás natural como um derivado do petróleo, não considerando
suas especificidades.
Em relação ao transporte de gás natural, são muitos os problemas enfrentados no
Brasil além da forma de tarifação. O principal está relacionado aos investimentos, que são
muito inferiores aos necessários para o desenvolvimento da rede. As empresas privadas não
estão investindo no segmento devido ao baixo crescimento da demanda e às incertezas quanto
ao modelo de organização da indústria. A ANP possui algumas propostas para a resolução da
questão, como a possibilidade de licitações de projetos de capacidade com o critério de menor
tarifa e a concessão de trechos de gasodutos.
A classificação entre gasodutos de transferência e de transporte é também outra
questão importante para o transporte de gás natural no Brasil uma vez que a regra de tarifação
de transporte dutoviário de gás natural só faz sentido se incorporar todos os gasodutos que são
efetivamente de transporte. Já o livre acesso é também importante dentro de uma política de
transporte de gás natural uma vez que, com a participação de novos agentes no upstream, a
empresa dominante tenderá a discriminar o acesso de terceiros para dominar o mercado. Já
para o caso de novos investidores, a existência de livre acesso pode aumentar os riscos
envolvidos nos projetos.
A definição tarifária, dentro do contexto de uma política para o transporte de gás
natural, adquire grande relevância uma vez que a forma como é calculada a tarifa do
transporte de gás natural tem implicações diretas sobre a decisão de investimento e o
desenvolvimento dos mercados. Uma questão importante em relação à definição tarifária é a
190
necessidade de haver coerência. Se para cada novo gasoduto o critério de tarifação for
diferente, podem ocorrer problemas alocativos, pois a diferença na tarifa de transporte pode
não ser refletida em preços mais baixos para o gás, mas fazer com que o preço da commodity
seja alterado, de forma a aumentar a renda do produtor e não beneficiar o consumidor.
Como apresentado ao longo deste trabalho, a análise do critério de tarifação mais
adequado para cada país está relacionada com os interesses do órgão regulador e com as
características da rede. Analisando os critérios para a definição da metodologia de tarifação
para o caso brasileiro, conclui-se que uma tarifação exclusivamente postal, em um país com
as dimensões do Brasil, pode gerar alguns problemas de sinalização para os investidores e de
subsídio cruzado entre os consumidores próximos e os consumidores distantes do centro de
consumo. Por outro lado, uma sinalização exclusivamente baseada no fator distância pode
fazer o gás natural ter preços proibitivos em regiões mais distantes dos centros produtores, o
que prejudicará substancialmente os objetivos de desenvolver novos mercados para o gás
natural no País.
Com base na análise desenvolvida, concluiu-se que, no caso da adoção da tarifação
postal, deverá haver mudanças na estrutura da indústria, seja com a separação da atividade de
transporte e instituição de monopólio regulado ou com a introdução de um planejador que
gerencie o sistema. Diante da possibilidade da combinação de formas tarifárias distintas, é
também possível que exista uma tarifação híbrida, na qual o transporte ficasse apenas em
parte relacionado à distância. Entretanto, os problemas da tarifação híbrida são os mesmos
que os da tarifação postal, só que em menor escala. Já no caso da opção pela tarifação por
distância, haveria necessidade de subsidiar o desenvolvimento da indústria em algumas
regiões do País.
Portanto, independentemente da escolha, a questão do planejamento vai ser central e o
Estado será importante em qualquer uma das metodologias. A melhor tarifação para essa fase
de desenvolvimento da indústria seria a tarifação postal. Entretanto, as mudanças necessárias
para a sua utilização são muito difíceis e, provavelmente, se adotará a tarifação por distância,
que deverá envolver subsídios diretos para a garantia de desenvolvimento de alguns
mercados. Com a evolução da indústria, por sua vez, os critérios tarifários podem ser
modificados, acompanhando novas realidades e desafios.
191
A partir dos estudos realizados e das conclusões obtidas é recomendável a análise de
outros fatores relativos à política de transporte de gás natural. Além disso, seria interessante
que se fizessem simulações no sentido de quantificar os resultados de cada uma das formas de
tarifação.
A indústria de gás natural brasileira encontra-se em um momento decisivo. Muitas
questões devem ser resolvidas para que a indústria se desenvolva e o gás aumente sua
participação na matriz energética brasileira. Muitos problemas relacionados ao transporte do
gás natural ainda não foram suficientemente debatidos e as soluções definitivas ainda não
foram tomadas. Dentre essas questões, a definição de um critério único de tarifação de
transporte de gás natural a ser aplicado no Brasil apresenta-se como de fundamental
importância. Embora existam diversas opções, cada uma delas requer ações adicionais no
sentido de contrabalançar os possíveis efeitos indesejados sobre a indústria. A definição da
metodologia tarifária a ser aplicada no transporte dutoviário é apenas um passo no desafio do
desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil.
192
GLOSSÁRIO
Bacia: depressão na superfície da terra na qual são depositados sedimentos, normalmente
caracterizados por acumulação por longo período de tempo; uma extensão de faixa de terra
sob a qual camadas de pedra são inclinadas, geralmente dos lados para o centro.
By-Pass (desvio): arranjo de tubulação com válvula de controle que conduz gás, ar ou outro
fluído, contornando, ao invés de atravessar, todo um trecho da uma tubulação.
City-Gate: estação de medição que pode dispor de regulagem de pressão, na qual uma rede de
distribuição recebe gás de uma companhia transportadora ou de um sistema de transporte.
Refere-se ao ponto de entrega ou transferência, no qual o gás passa de uma linha principal de
transporte para um sistema de distribuição local, sem troca de propriedade necessariamente.
Concessão: refere-se a uma região concedida ao operador pelo governo, titular do serviço,
durante um período determinado e sob certas condições estabelecidas pelo titular, que
permitem ao operador conduzir as atividades de exploração e/ou desenvolvimento. O contrato
de concessão garante ao operador direitos especificados por lei.
Estação de Compressão: equipamento que movimenta o gás através de dutos de transporte
ou de armazenagem, criando diferenciais de pressão. A maioria dessas estações usa parte do
gás escoado pelo duto como combustível para os compressores. Geralmente não inclui os
dutos de expansão ou estações de bombeamento pertencentes aos sistemas de distribuição
local.
Fator de carga (loadfactor): razão entre a carga média e a carga de ponta durante um
período.
Gás contratado: volume de gás que a companhia concorda em fornecer e, de forma geral, o
volume que o consumidor concorda em receber ou pagar.
193
Gás manufaturado: gases derivados de fontes primárias de energia, por processos
envolvendo reação química; por exemplo, o gás produzido de carvão vegetal ou
hidrocarbonetos líquidos, como a nafta.
Gasoduto de Transporte: tubulação cuja finalidade é transportar o gás de uma fonte para um
ou mais centros de distribuição, ou destinado à interligação de fontes de suprimento. Difere
das demais tubulações por trabalhar em pressões mais altas, por ser mais extenso e por
apresentar grandes distâncias entre suas derivações.
GTA (Gas Transportation Agreement): Contrato de capacidade de transporte de um
gasoduto.
Hub: localidade geográfica na qual um grande número de compradores e vendedores
negociam o gás e o entregam fisicamente nesse ponto.
Malha: layout de um sistema de distribuição do gás em uma cidade.
Netback: valor do gás vendido ao cliente no ponto de consumo, descontados os custos de
transporte e o custo de produção.
Operador: companhia, organização ou pessoa, com autoridade legal para perfurar poços e
extrair hidrocarbonetos. A atividade pode ser terceirizada.
Rede: complexo de dutos interligados de transporte, distribuição ou instalação de GNL, de
propriedade ou explorada por uma empresa de gás natural, incluída as instalações de
fornecimento de serviços auxiliares, e as de empresas afins, necessárias para permitir acesso
aos sistemas de transporte e distribuição.
Rede de distribuição: tubulação de distribuição, estação de controle de pressão, válvulas,
equipamentos operados por uma companhia de gás, para levar gás desde os pontos de
suprimento ou de fabricação até os medidores dos consumidores.
Rede interconectada: um certo número de redes ligadas entre si, para fins de trocas regionais
ou internacionais de grandes quantidades de gás ou energia.
194
Reservas Possíveis: reservas de petróleo e gás natural cuja análise dos dados geológicos e de
engenharia indica uma maior incerteza na sua recuperação quando comparada com a
estimativa de reservas prováveis.
Reservas Provadas: reservas de petróleo e gás natural que, com base na análise de dados
geológicos e de engenharia, se estima recuperar comercialmente de reservatórios descobertos
e avaliados, com elevado grau de certeza, e cuja estimativa considere as condições
econômicas vigentes, os métodos operacionais, usualmente viáveis e os regulamentos
instituídos pela legislação petrolífera e tributária brasileiras.
Reservas Prováveis: reservas de petróleo e gás natural cuja análise dos dados geológicos e de
engenharia indica uma maior incerteza na sua recuperação quando comparada com a
estimativa de reservas provadas.
Reservas Totais: soma das reservas provadas, prováveis e possíveis.
Serviço Firme: a melhor qualidade do serviço de transporte ou venda de gás aos clientes,
conforme uma programação de entrega que antecipa interrupções não planejadas. É
normalmente associado às companhias de distribuição, que atendem clientes residenciais e
outros usuários finais de alta prioridade, mas pode também se aplicar aos gasodutos à
montante e outros clientes.
Serviço Interruptível: serviço de gás sujeito à interrupção a critério do transportador.
Também conhecido como “serviço de melhor esforço”. As tarifas para serviços interruptíveis
são inferiores àquelas praticadas para serviço firme.
Ship-or-pay: cláusula incluída nos contratos de transporte de gás natural segundo a qual o
consumidor final ou a concessionária, para quem está sendo feito o transporte, são obrigados a
pagar pelo transporte do gás mesmo no caso do gás não ser transportado.
Take-or-pay: cláusula contratual na qual o comprador assume a obrigação de pagar por uma
certa quantidade de gás contratada, independente de retirá-la.
195
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