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MIGUEL ANTONIO PINHO BRUNO
CRESCIMENTO ECONMICO, MUDANAS ESTRUTURAIS E DISTRIBUIO
AS TRANSFORMAES DO REGIME DE ACUMULAO NO BRASIL
Uma Anlise Regulacionista
Tese em co-tutela submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (EHESS) - Paris, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Economia.
ORIENTADORES:
Prof. Joo SABOIA (IE / UFRJ)
Prof. Robert BOYER (EHESS)
RIO DE JANEIRO
2005
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Andreia,
pelo apoio, compreenso e por acreditar que as
verdadeiras metas so realizveis e acabar me
convencendo disto. Enfim, mais uma vez, por tudo...
s nossas famlias ... pais, mes e irmos ...
Yedda Lcia de Abreu Pinho, minha tia (in memorian),
Pela grandeza de esprito e porque foi um exemplo de
que ser e saber, sensibilidade e razo
no precisam estar dissociados...
sobretudo, numa sociedade que tende a valorizar apenas
o ter...
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor Joo Saboia, meu orientador no Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo apoio e estmulo desde 1997, durante a defesa de tese
de Mestrado, na Universidade Federal Fluminense. O Professor Saboia foi pioneiro na
divulgao dos trabalhos da Escola da Regulao no Rio de Janeiro, inclusive ministrando o
curso Teoria da Regulao a nvel de Mestrado e de Doutorado no IE/UFRJ. Alm de sua
ateno contnua, pude desfrutar como orientando, do ambiente intelectual e de pesquisa
proporcionado pelo IE/UFRJ, com seu quadro de professores e pesquisadores entre os mais
gabaritados do pas.
Ao Professor Robert Boyer, meu orientador na cole des Hautes tudes en Sciences
Sociales
EHESS / Paris, e um dos pais da Teoria da Regulao, pelo encorajamento e
estmulo permanentes. Os trabalhos desenvolvidos por Boyer constituem a prova irrefutvel
do potencial explicativo e heurstico das macroanlises em termos de regulao, bem como de
sua ampla aplicabilidade. Este fato por si mesmo j um grande estmulo para trilhar o
mesmo percurso terico-metodolgico. Agradeo-lhe tambm os comentrios e as crticas
construtivas para que as diversas etapas desta anlise permanecessem coerentes com os
princpios tericos e metodolgicos regulacionistas.
Aos colegas e pesquisadores franceses do Centre d tudes Prospectives d conomie
Mathematique Applique la Planification
CEPREMAP / Paris, onde tive a oportunidade
de desfrutar de um ambiente de pesquisa voltado para as problemticas da regulao das
economias capitalistas contemporneas. Foi l que tive a oportunidade de conhecer as grandes
personalidades da Escola da Regulao, como Pascal Petit, Bruno Thret, Jaime Marques-
Pereira, Michel Aglietta, Luis Miotti, Bernard Billaudot, Benjamin Coriat, Alain Lipietz, para
citar os que pude interagir mais diretamente no mbito das discusses tericas e empricas.
Pierre Salama, tambm pelo estmulo em ler e discutir um dos artigos sobre uma das
etapas deste trabalho e que foi apresentado no Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de
Economia Poltica
SEP / 2004. Inclusive aos demais membros de seu grupo de pesquisa,
particularmente a Mamadou Camara e Alexis Saludjian.
Aos Professores Francisco Oliveira e Luiz Carlos Bresser Pereira, pelo estmulo e
valorizao sincera do meu trabalho. Durantes os eventos da SEP 2003 e 2004, eles muito me
prestigiaram assistindo as apresentaes de meus artigos e tecendo comentrios pertinentes e
motivadores.
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Tambm sou grato Hawa Diawara, pelas reflexes conjuntas sobre temas de alta
relevncia para a economia brasileira atual. Sua tese de doutoramento, orientada por Jaime
Marques-Pereira, possui um ponto de convergncia bsico com um dos momentos da presente
anlise: o lugar fundamental do Estado, das finanas e dos regimes monetrios na explicao
da performance macroeconmica brasileira nos anos 80 e 90. Marques-Pereira tambm muito
me estimulou ao ler e discutir meus artigos sobre o trabalho de tese, apresentados no Encontro
Nacional da SEP em Florianpolis / 2003 e Uberlndia / 2004, alm de assistir minha
apresentao nos Seminrios de Pesquisa do IE/UFRJ, sobre regulao e crescimento no
Brasil.
Ao Professor Getlio Borges da Silveira Filho, do IE/ UFRJ, pelos esclarecimentos
das dvidas quanto s questes economtricas.
A Regis Bonelli, do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada-IPEA, pelos
esclarecimentos quanto metodologia de estimao dos dados sobre utilizao da capacidade
produtiva para o total da economia brasileira, inclusive pelo envio das sries que estimou. No
IPEA tambm sou grato Lucilene Morandi pelo envio de seus dados sobre o estoque de
capital fixo do Brasil.
A Adalmir Marquetti, da PUC-RS, que gentilmente me enviou suas Notas
Metodolgicas para a construo das sries do nvel geral de emprego e da massa salarial da
economia brasileira, no perodo 1950-2000.
Ao Departamento de Evoluo Econmica da Faculdade de Cincias Econmicas da
UERJ e ao seu Programa de Capacitao Docente
PROCAD pela minha liberao com
vencimentos durante o ano que estive em Paris.
Ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro pela concesso
de uma bolsa ao licenciar-me do Departamento de Contas Nacionais do IBGE para
desenvolver esta tese. sempre atenciosa Anna Elizabeth e ao Ronei, cujos trabalhos na
Secretaria de Ps-Graduao do IE so fundamentais ao desenvolvimento de nossas pesquisas
de tese. Devo agradecer tambm ao Professor Antonio Licha pelo empenho na consecuo do
acordo de co-tutela entre a UFRJ e a EHESS-Paris.
A CAPES pela bolsa de doutorado no Brasil e ao CNPQ pela bolsa no exterior,
durante a estada em Paris.
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Ao amigo Ricardo Caffe, companheiro dos cursos dos Professores Boyer, Robert
Guttmann e Michel Aglietta, tanto na cole Normale Superieure
CEPREMAP/ Boulevard
Jourdan, quanto na Universit de Paris XIII.
Enfim, a todos aqueles que contriburam de alguma maneira para a realizao deste
trabalho, os meus mais sinceros agradecimentos.
Rio de Janeiro, dezembro de 2004.
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CRESCIMENTO ECONMICO, MUDANAS ESTRUTURAIS E DISTRIBUIO:
AS TRANSFORMAES DO REGIME DE ACUMULAO NO BRASIL
Uma Anlise Regulacionista
Resumo
A performance macroeconmica brasileira nas dcadas de 80 e 90 permaneceu muito abaixo
da mdia histrica. Vrias explicaes foram propostas, destacando-se o ambiente de alta
inflao vigente at 1994, o elevado passivo externo ou a insuficincia de poupana. No
faltaram crticas s ineficincias geradas pela prpria lgica do modo de desenvolvimento por
substituio de importaes. Em geral supe-se que as sadas para as grandes crises residem
sempre em se trilhar a direo oposta. Se havia protecionismo, ento deve-se agora liberalizar;
se a presena do Estado era excessiva, ento deve-se reduzir a participao do setor pblico;
se havia garantias mnimas de emprego, ento preciso remov-las e aprofundar o grau de
flexibilidade das relaes de trabalho. As economias so premidas a transitar de um extremo a
outro, com os governos aceitando passivamente as solues exgenas, em geral
completamente desconectadas das especificidades nacionais. O objetivo bsico desta anlise
proporcionar uma abordagem alternativa aos dois extremos, mobilizando os aportes tericos e
metodolgicos da Teoria (francesa) da Regulao, enquanto macroeconomia histrica e
institucionalista. Procura-se mostrar as particularidades dos modos de regulao e dos regimes
de acumulao que respondem pelas principais tendncias macroeconmicas observadas na
economia brasileira.
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CROISSANCE CONOMIQUE, CHANGEMENTS STRUCTURELS ET
DISTRIBUTION:
LES TRANSFORMATIONS DU RGIME D'ACCUMULATION AU BRSIL
Une Analyse Rgulationniste
Rsum
La performance macroconomique brsilienne dans les dcennies de 80 et 90 est
reste beaucoup au-dessous de la moyenne historique. Plusieurs explications ont t
proposes, les plus importantes tant l environnement de haute inflation prsente jusqu en
1994, l excessif endettement externe et l insuffisance d pargne. Les critiques adresses aux
inefficacits produites par la propre logique du mode de dveloppement par substitution
d importations n ont pas manqu. En gnral on suppose que les sorties des grandes crises
consistent toujours explorer la direction oppose. S il y avait protectionnisme, alors il faut
libraliser ; si la prsence de l tat tait considre excessive, alors sa participation doit tre
rduite ; s il y avait des garanties minimes d emploi, alors il est ncessaire de les enlever et
d approfondir le degr de flexibilit des relations de travail. Les gouvernements sont censes
faire transiter les conomies d un extrme l autre, en acceptant passivement les "solutions"
exognes, en gnral compltement dconnectes des spcificits nationales. L objectif
principal de cette analyse est de fournir une approche alternative ces deux extrmes, en
mobilisant les contributions thoriques et mthodologiques de la Thorie (franaise) de la
Rgulation, en tant que macroconomie historique et institutionnelle. La thse explicite les
particularits des modes de rgulation et des rgimes d accumulation qui sont l origine des
principales tendances macroconomiques observes dans l conomie brsilienne.
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Monsieur le Prsident du Jury Chers Collgues
C est avec le plus grand plaisir que j avais accept de faire partie du Jury de la thse de Miguel BRUNO. Ayant rencontr le candidat lors de son sjour Paris il y a 2 ans, je connaissais ses qualits de chercheur, et me rjouissais par avance de discuter de sa thse.
Malheureusement une suite fortuite d vnement malencontreux, me force renoncer cette perspective. Et je me vois contraint, inopinment de quitter Rio avant la soutenance pour rejoindre Paris en toute urgence.
Je regrette ce contre-temps, et j espre vivement que ma dfaillance ne portera pas tord au candidat.
Pour suppler mon absence, je vous prie de trouver ci-joint, un document qui consigne par crit les remarques essentielles que m a inspir la lecture de la thse. Si vous le jugez utile, elles peuvent tre lues en sance, et en tous cas tre reproduites dans le procs verbal de soutenance.
En souhaitant plein succs au candidat, je vous prie d agrer Monsieur le Prsident, l expression de mes cordiales salutations.
Fait Rio de Janeiro, le 23 mars 2005 Benjamin Coriat
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SUMRIO
INTRODUO GERAL..........................................................................................................19 CAPTULO 1 - A REGULAO COMO PRINCPIO DE ANLISE: ORIGENS, FUNDAMENTOS TERICOS E METODOLGICOS.........................................................25 1.1 Introduo ...........................................................................................................................25 1.2 Teoria da regulao e macroeconomia .........................................................................26 1.3 Regulao e reproduo em economias capitalistas .....................................................28 1.4 Macrodinmica capitalista: as relaes sociais determinativas ....................................34 1.5 Fundamentos epistemolgicos: as dimenses ontolgicas do conceito de regulao ..37 1.6 Fundamentos tericos: o hard core da Teoria da Regulao........................................46 1.7 Dos conceitos intermedirios ao nvel meso-econmico de anlise.............................52 1.7.1 A forma institucional do rapport salarial ou wage-labor nexus (WLN) ..................55 1.7.2 A forma institucional da moeda ou regime monetrio-financeiro (RMF)................63 1.7.3 A forma institucional da concorrncia (FC) .............................................................68 1.7.4 A forma institucional do Estado (FE) .......................................................................70 1.7.5 A forma institucional de insero no regime internacional (FII)..............................75 1.8 Sntese das principais questes .....................................................................................78 CAPTULO 2 - MODOS DE REGULAO E REGIMES DE ACUMULAO: OS DETERMINANTES ENDGENOS DA PERFORMANCE MACROECONMICA ..........80 2.1 - Introduo.........................................................................................................................80 2.2 Os modos de regulao e a variabilidade das dinmicas econmicas e sociais ..............81 2.3 Modos de regulao e formas particulares de capitalismo ..............................................82 2.4 O conceito de paradigma tecnolgico-industrial .............................................................85 2.5 Os regimes de crescimento ou de acumulao ................................................................89 2.6 Regimes de produtividade e regimes de demanda...........................................................99 2.7 Os modos de desenvolvimento e os perodos de regime e de crise ...............................110 2.8 Uma macroeconomia histrica e institucionalista: mtodo e princpios de anlise.......113 2.8.1 Agentes e estruturas em interao: a racionalidade situada ou contextual ....................116 2.8.2 Uma hiptese central: a macrodinmica e a poltica econmica dependem dos modos de regulao .................................................................................................................................128 2.8.3 Anlise regulacionista: uma macroeconomia do crescimento e das crises econmicas133 2.8.4 As hipteses de complementaridade e hierarquia das formas institucionais .................142 2.9 Avanos recentes da Teoria da Regulao: uma sntese................................................148 CAPTULO 3 A PERFORMANCE MACROECONMICA EM PERSPECTIVA HISTRICA: PRINCIPAIS FATOS ESTILIZADOS...........................................................153 3.1 Introduo ...................................................................................................................153 3.2 A performance macroeconmica em perspectiva histrica: principais fatos estilizados
157 3.2.1 Acumulao de capital e crescimento econmico: primeiras constataes............159 3.2.2 Inflao ...................................................................................................................168 3.2.3 Desemprego e relaes de trabalho ........................................................................171 3.2.4 Setor externo ...........................................................................................................179 3.2.5 Setor pblico ...........................................................................................................189 3.2.6 Evoluo setorial e de ramos especficos da indstria............................................196 3.3 Sntese dos principais resultados ................................................................................200 CAPTULO 4 AS FORMAS INSTITUCIONAIS NA ECONOMIA BRASILEIRA: CONFIGURAES E TENDNCIAS EVOLUTIVAS .......................................................205 4.1 Introduo ...................................................................................................................205 4.2 As relaes Estado-economia: entre intervencionismo autoritrio e democracia poltica
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4.2.1 Uma primeira periodizao da evoluo do Estado brasileiro................................208 4.2.2 A evoluo do regime fisco-financeiro...................................................................233 4.2.3 Industrializao, regime fisco-financeiro e regime de poltica econmica ............234 4.2.4 Seguridade social e estruturas de bem-estar ...........................................................241 4.2.5 Evoluo do grau de centralizao fiscal................................................................248 4.2.6 Investimento, consumo e poupana do governo .....................................................248 4.2.7 Uma estrutura tributria regressiva e amplamente favorvel ao capital .................259 4.2.8 As transformaes do regime fisco-financeiro: uma anlise em termos de mudana estrutural 262 4.2.9 Sntese dos principais resultados ............................................................................277 4.3.1 O rapport salarial como sistema de relations salariales .......................................281 4.3.2 Condicionantes histricos da constituio do salariado no Brasil ..........................284 4.3.3 As configuraes-tipo da WLN em dois modelos tericos ............................................288 4.3.4 Uma sociedade salarial dual e a configurao da WLN ..........................................290 a) Caractersticas gerais do modo de consumo assalariado ............................................295 b) Dualidade e flexibilidade da WLN .............................................................................303 c) A formao dos salrios por segmento .......................................................................319 d) A WLN e a fixao do salrio mnimo .......................................................................326 e) A WLN e o setor industrial.........................................................................................337 f) Os ajustamentos do emprego total da economia......................................................360 4.3.5 Sntese dos principais resultados ............................................................................362 4.4 O regime monetrio-financeiro: a difcil construo da moeda nacional .........................373 4.4.1 Introduo ......................................................................................................................373 4.4.2 O conceito de regime monetrio-financeiro (RMF) e sua relevncia............................373 4.4.3 A evoluo do RMF brasileiro: uma periodizao em termos de mudana institucional
375 4.4.4 Particularidades do sistema financeiro brasileiro ..........................................................379 4.4.5 Indicadores de desenvolvimento financeiro ..................................................................384 4.4.6 O regime monetrio-financeiro dual..............................................................................391 4.4.7 O regime monetrio-financeiro ps-Plano Real ............................................................406 4.4.8 Sntese dos principais resultados ...................................................................................415 4.5 As formas da concorrncia e de insero internacional da substituio de importaes globalizao .........................................................................................................................418 4.5.1 Introduo ......................................................................................................................418 4.5.2 Concorrncia e insero internacional no contexto da globalizao .............................419 4.5.3 Da substituio de importaes globalizao neoliberal .........................................422 4.5.4 Liberalizao comercial e financeira nos anos 90 .........................................................425 4.5.5 A dimenso comercial ...................................................................................................426 4.5.6 Concentrao e internacionalizao...............................................................................435 4.5.7 Comportamento dos mark ups setoriais e mudanas estruturais na indstria................442 4.5.8 A dimenso financeira ...................................................................................................448 4.5.9 Impactos das transformaes das formas da concorrncia sobre a WLN: primeiras constataes ............................................................................................................................459 4.5.10 Sntese dos principais resultados ............................................................................461 CAPTULO 5 CRESCIMENTO ECONMICO, MUDANAS ESTRUTURAIS E DISTRIBUIO: AS TRANSFORMAES DO REGIME DE ACUMULAO NO BRASIL ..................................................................................................................................464 5.1 Introduo ...................................................................................................................464 5.2 Distribuio e acumulao de capital: as bases do crescimento econmico ..............465
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5.3 Estoque de capital fixo bruto, intensidade do capital e ritmo de substituio capital/trabalho........................................................................................................................466 5.4 Uma anlise da mudana estrutural como mudana de regime ..................................502 5.3 A relao de Kaldor-Verdoorn e os regimes de produtividade...................................513 5.4 A relao de Kaldor-Verdoorn e a economia brasileira..............................................515 5.5 Teste da primeira lei de Kaldor...................................................................................522 5.6 A lei de Kaldor-Verdoorn nos setores no-industriais................................................537 5.7 Regimes de acumulao e abordagem neo-estruturalista: o modelo de Bowles-Boyer e o caso brasileiro ......................................................................................................................542 5.8 Uma anlise economtrica das relaes entre lucro e acumulao de capital ............555 5.9 Poupana e acumulao de capital no perodo [1984 2003]....................................572 5.10 Os determinantes da taxa de poupana na abordagem Aglietta-Vidal .......................600 5.11 A evoluo das tendncias da demanda agregada: o regime de demanda..................603 5.12 Indicadores das tendncias da demanda .....................................................................607 5.13 A economia brasileira em financeirizao forada .................................................612 5.16 Financeirizao na economia brasileira e o padro finance led growth .....................620 5.17 Utilizao da capacidade instalada (u) e razo dvida externa / PIB (bx) ..................628 5.18 Determinantes da taxa de investimento produtivo sob condies de elevado endividamento externo e finanas liberalizadas .....................................................................630 5.19 Lucro empresarial, juros e acumulao de capital ......................................................632 5.20 Indicadores de financeirizao....................................................................................647 5.21 Sntese dos principais resultados ................................................................................656 CONCLUSO GERAL..........................................................................................................673 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................684 NDICE DE GRFICOS........................................................................................................705 NDICE DE TABELAS..........................................................................................................710 NDICE DE QUADROS ........................................................................................................712 NDICE DE FIGURAS ..........................................................................................................719 ANEXOS ................................................................................................................................721 1. FONTES DE DADOS ................................................................................................721 2. SOFTWARES UTILIZADOS:...................................................................................722 RSUM DE LA THSE (deux pages).................................................................................722 RSUM DE LA THSE (quarante-six pages).....................................................................724
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INTRODUO GERAL
Nothing is as practical as a good theory
(Johnson, Jr et alii, Econometrics, 1987)
Esta anlise fruto de mais de uma dcada de pesquisas no mbito da Teoria
(francesa) da Regulao. Mais precisamente, no campo das macroanlises regulacionistas que,
por natureza, so voltadas compreenso da evoluo das economias que se organizam sob o
modo de produo capitalista, com as especificidades de suas crises e de seus perodos de
crescimento.
No trabalho de tese de Mestrado, concludo em 1997, a preocupao principal foi
basicamente terica e metodolgica. Tratou-se de um estudo das origens e evoluo da
abordagem em termos de regulao, o que possibilitou uma compreenso mais qualificada de
seu potencial heurstico e explicativo. Por outro lado, esta etapa foi tambm fundamental para
dirimir dvidas e incompreenses comuns acerca de seus objetivos e objetos privilegiados de
anlise.
No Brasil, muitas das crticas frequentemente endereadas Teoria da Regulao,
normalmente partem de leituras parciais ou de estudos centrados na primeira gerao dos
trabalhos. Na maior parte dos casos, essas crticas revestem-se de contedos destrutivos, como
se o surgimento e a difuso de novas abordagens alternativas viso tradicional implicasse
necessariamente na excluso ou no demrito das demais vises existentes. Paradoxalmente, as
interpretaes mais negativas so provenientes do campo heterodoxo, o que, do ponto de vista
epistemolgico, tende a fragiliz-lo diante da coeso e da institucionalizao da viso
neoclssica e de suas variantes contemporneas, que normalmente no travam disputas intra-
paradigma. Estas ltimas avanam com o suporte ideolgico de uma poca de
mundializao do capital e de disseminao do pensamento nico.
Aps um longo perodo de estudos no campo da Epistemologia da Economia,
confrontando teorias e mtodos de anlise, os resultados das pesquisas regulacionistas
pareciam proporcionar um conjunto de respostas originais para as grandes questes
macroeconmicas do nosso tempo: os fatores que possibilitaram os trinta gloriosos anos de
prosperidade do ps-Guerra; a crise do fordismo e seus desdobramentos; o lugar das
economias em desenvolvimento no contexto das transformaes trazidas pelo processo de
globalizao; etc.
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A escolha do tema da presente tese foi ento uma decorrncia natural do percurso
terico-metodolgico que levou dissertao de 1997. Considerando-se como
suficientemente assimilados os fundamentos tericos e as noes de base das macroanlises
regulacionistas, tratava-se agora de aplic-las a uma formao social concreta. E mais uma
vez a escolha seguiu uma ordem tambm natural, pois desde 1995, a oportunidade de
ministrar as disciplinas de Formao Econmica do Brasil e Economia Brasileira
Contempornea na UFF, UERJ e UCAM, contriburam para suscitar problemticas e questes
intelectualmente instigantes.
O captulo 1 fornece uma sntese da problemtica instaurada pela aplicao do
conceito de regulao (em sua acepo macroeconmica e no-neoclssica) em economia.
Mostra os vnculos tericos entre regulao e reproduo nas economias capitalistas e procura
responder s freqentes acusaes de funcionalismo nas anlises. O hard core da Teoria da
Regulao ento explicitado com as hipteses fundadoras. Em seguida, so apresentados os
chamados conceitos intermedirios com as definies de formas institucionais. Estas ltimas
ocupam um lugar fundamental na construo de um nvel meso-econmico de anlise,
permitindo a passagem micro-macro sem o subterfgio do agente representativo.
No captulo 2, so introduzidos os conceitos de modo de regulao e modos de
desenvolvimento. Explicitam-se as condies tericas que fazem das macroanlises em termos
de regulao uma alternativa possvel s tradicionais abordagens pelo equilbrio. A idia de
racionalidade situada ou contextual torna-se fundamental no mbito da interao agente-
estrutura sendo ento uma das bases para o desenvolvimento de uma macroeconomia histrica
e institucionalista.
A noo de regime de acumulao ou de crescimento definida como a conjuno de
um regime de produtividade com um regime de demanda. Neste contexto, uma hiptese
central explicitada: a macrodinmica e a poltica econmica dependem das particularidades
do modo de regulao vigente. Isto significa que a eficcia de um determinado regime de
poltica econmica uma funo das condies estruturais atravs das quais as macro-
regularidades econmicas so reproduzidas. Mudar a poltica econmica ou o modelo que a
pressupe implica em mudar a institucionalidade e os demais fatores organizacionais que
suportam o padro vigente de relacionamento entre setores ou entre agentes econmicos.
Uma taxionomia regulacionista das crises econmicas e as hipteses de hierarquia e
complementaridade das formas institucionais tambm constam deste captulo que conclui com
uma sntese dos avanos recentes da Teoria da Regulao.
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O captulo 3 proporciona uma viso geral da performance macroeconmica brasileira
numa perspectiva de longo prazo. So apresentados vrios indicadores concernentes
acumulao de capital, crescimento econmico, inflao, desemprego, setor pblico, relaes
internacionais e evoluo setorial. Seu principal objetivo reunir um conjunto de fatos
estilizados na definio kaldoriana, preparando a anlise para as etapas subseqentes onde
devero ser explicados de acordo com os pressupostos e hipteses tericas.
O captulo 4 desenvolve uma anlise da evoluo das cinco formas institucionais que
compem um modo de regulao: o rapport salarial ou wage-labor nexus; as relaes
Estado-economia; o regime monetrio-financeiro; as formas da concorrncia e de insero
internacional. Busca-se periodizar sua evoluo e explicitar sua lgica, atravs da anlise de
sries temporais e de testes economtricos com os dados disponveis para a economia
brasileira. A hiptese bsica neste contexto que cada economia e sociedade desenvolve
configuraes particulares para essas formas institucionais. Essas configuraes especficas
respondem pelos padres de desenvolvimento macroeconmico na medida em que
determinam as caractersticas do regime de acumulao.
H aqui uma ntida ruptura com as vises tradicionais que procuram explicar o
econmico pelo econmico, ou seja, mediante o recurso a uma axiomtica totalizante e ao
mesmo tempo redutora, a realidade econmica considerada movida por determinaes
puramente mercantis, derivadas do comportamento de sujeitos individuais. Quando as
estruturas, instituies ou formas sociais de organizao so consideradas, elas so
simplesmente acrescentadas axiomtica de partida sem jamais alterar seus pressupostos
microeconmicos. Utilizando-se de uma analogia, as instituies so introduzidas no mbito
das anlises neoclssicas como se estivessem entrando pelas janelas de uma construo j
completa e definitiva ; so adornos ou componentes para enriquecer uma estrutura terica
considerada universalmente vlida. Mas nas anlises regulacionistas, as instituies surgem
como os prprios alicerces de um edifcio que deve, por princpio metodolgico, adaptar-se
s mutaes irreversveis da realidade ; as instituies, regras, convenes no so entes
dedutveis de uma lgica de otimizao. So suportes de micro, meso e macro-regularidades
fundamentais reproduo social e econmica. Mais do que dotar os mercados de densidade e
eficincia, elas surgem como o substrato par excellance das relaes e regularidades
econmicas.
O captulo 5 conduz a anlise ao plano da regulao global (rgulation d ensemble),
convergindo para o principal objeto deste trabalho: a identificao dos regimes de
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acumulao, explicitando suas particularidades e suas transformaes. Os padres de
crescimento e acumulao de capital durante o Plano de Metas e o milagre econmico
brasileiro so explicitados em suas caractersticas bsicas, mobilizando vrios recursos
estatsticos e procedimentos tericos. A anlise de co-integrao constitui uma tcnica
recorrentemente utilizada. Todavia, so consideradas as mudanas estruturais ou os perodos
de estabilidade, no s porque a periodizao um dos objetivos deste trabalho, mas porque
afetam os resultados dos testes de razes unitrias e de co-integrao.
Talvez um dos contributos desta anlise seja o fato de proporcionar uma abordagem
macroeconmica do crescimento brasileiro, onde os seus determinantes como a taxa de lucro
e a taxa de acumulao de capital so explicitados em sua evoluo de longo prazo.
Normalmente, as abordagens tradicionais preocupam-se demasiadamente com problemas de
insuficincia de poupana e minimizam os aspectos desestabilizadores de um ambiente
caracterizado por finanas liberalizadas. Praticam um retorno apressado e teoricamente pouco
fundamentado s estruturas de um capitalismo concorrencial, abstraindo-se do fato de que
foram estas que conduziram grande crise dos anos 30. Estranha terapia ortodoxa que v no
restabelecimento da livre concorrncia financeira as condies para a retomada sustentada
do crescimento econmico, abstraindo-se desta crise estrutural e das demais crises financeiras
que marcaram os anos 90 e os primeiros anos deste sculo.
Uma hiptese considerada fundamental nesta anlise refere-se ao processo de
financeirizao que tem incio nos ano 80 com a crise da dvida e a crise fiscal do Estado. Um
regime monetrio-financeiro dual e inflacionista pde emergir e reproduzir as tendncias
estagnao, ao mesmo tempo em que se tornava o suporte de uma acumulao rentista-
patrimonial, centrada nos grandes lucros do setor bancrio. O setor para o qual no houve nem
primeira
nem segunda dcada perdida . Nos anos 90, os ganhos inflacionrios so
rapidamente substitudos pela renda financeira derivada de umas das taxas de juros reais mais
elevadas do planeta. Tratava-se de se criar as condies estruturais para o aprofundamento da
dimenso financeira da abertura econmica e ento a alta inflao deveria cessar. Surgem
muitas promessas de aumento de eficincia econmica com o conseqente retorno a uma
trajetria de crescimento forte e durvel. Todavia, os dados empricos mostram que apesar da
taxa de lucro, que havia permanecido em queda desde o fim do milagre , ter-se recuperado a
partir da vigncia do Real, a taxa de acumulao de capital permaneceu em um nvel
historicamente medocre e em tendncia de declnio.
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O retorno do crescimento econmico em 2004 no significa nenhuma garantia de que
a economia brasileira tenha encontrado uma nova trajetria estvel de expanso. Nas atuais
condies de financeirizao e acumulao rentista-patrimonial, o crescimento no um
resultado impossvel. Todavia, a economia tende a alternar fases curtas de expanso com fases
de contrao desencadeadas pela prpria lgica do regime de poltica econmica sob finanas
liberalizadas. Como a taxa de lucro se desconectou da taxa de acumulao de capital
produtivo, uma expanso prolongada sustentvel de fato muito pouco provvel e at mesmo
indesejvel por parte dos segmentos beneficirios da acumulao de base rentista e do prprio
Estado que periodicamente levado a desacelerar o nvel de atividade ou interromper o
crescimento em prol da estabilidade .
Este ltimo captulo procura desenvolver esta problemtica fundamental
macrodinmica do crescimento econmico. Neste sentido, alm de recuperar, sob a tica
regulacionista, diversos aportes de trabalhos que se dedicaram a problemticas convergentes,
a presente anlise testa o modelo de BOWLES-BOYER (1990; 1995) para o caso brasileiro,
na verso proposta por UEMURA (2000). Em seguida, novas especificaes so propostas
para que o fenmeno financeiro na economia brasileira possa ser abordado em seus impactos
sobre o padro atual de acumulao de capital.
Ao final de cada captulo pode ser encontrada uma sntese dos principais resultados, o
que deve facilitar o acesso s problemticas desenvolvidas e a compreenso das questes de
base tratadas nesta tese. A concluso geral busca sumarizar os resultados bsicos em conjunto,
isto , em suas vinculaes com as questes abordadas nos diferentes captulos, para que o
leitor possa constatar a unidade temtica.
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CAPTULO 1 - A REGULAO COMO PRINCPIO DE ANLISE: ORIGENS,
FUNDAMENTOS TERICOS E METODOLGICOS
1.1 Introduo
O objetivo bsico deste e do prximo captulo apresentar as principais caractersticas
da abordagem terica que ser utilizada neste trabalho, justificando-se sua aplicao
economia brasileira contempornea. As origens, estrutura conceitual e os fundamentos
tericos das anlises em termos de regulao so explicitados em seus vnculos com a
macroeconomia do crescimento e das crises econmicas. Procurar-se- esclarecer de que
modo o conceito de regulao constitui uma alternativa verdadeiramente profcua noo
convencional de equilbrio e de que maneira ele permite construir as bases epistemolgicas
para uma macroeconomia histrica e institucionalista.
A aplicao do conceito de regulao em economia ocorre no contexto da crise terica
que abalou os fundamentos da macroeconomia tradicional, a partir da emergncia da
estagflao nos anos 70. Assim como a grande crise dos anos 30 fornecera os argumentos
empricos para a crtica keynesiana da teoria neoclssica, a estagflao abriria o espao
terico para o surgimento de novas abordagens e anlises alternativas. As correntes de anlise
econmica que foram alijadas pela revoluo keynesiana, encontraram ento um terreno livre
para o resgate de posies perdidas no campo da ortodoxia marginalista e de sua concepo
do equilbrio econmico. Neste ambiente intelectual propcio renovao terica, surgiriam
as abordagens monetarista e novo-clssica com suas investidas contra a macroeconomia
keynesiana e a verso formal que a sntese neoclssica se encarregou de divulgar, a partir
dos trabalhos de P. SAMUELSON (1939), J.HICKS (1937) e A. HANSEN (1987).1
Mas para os proponentes da Teoria da Regulao, as condies que permitiram os
Trinta Gloriosos , bem como as causas de sua interrupo com a grande crise de 1973,
permaneciam ainda obscuras e as explicaes atribudas ausncia de microfundamentos da
macroeconomia keynesiana, pouco satisfatrias. Em meio ao grande debate que se instaura no
seio da Macroeconomia estabelecida, o princpio de racionalidade neoclssica parecia ter
vindo inesperadamente recobrar sua suposta pertinncia no longo prazo. Curiosamente aps o
longo perodo de prosperidade do Ps-Segunda Guerra. medida que a poltica econmica
1 Em The Role of Monetary Policy de 1968, FRIEDMAN procura demonstrar que as polticas expansionistas de orientao keynesiana dos anos 50 e 60
polticas do cheap money, assim como o ativismo fiscal
teriam resultado em maior inflao. Em finais dos anos 70, com o objetivo de oferecer uma viso alternativa de KEYNES, LUCAS e SARGENT argumentariam em After Keynesian Macroeconomics que o autor da General Theory no possui mais do que uma simples teoria para o caso particular de salrios rgidos.
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derivada do instrumental IS-LM mostrava-se inoperante frente ao fenmeno da estagflao, a
investida terica anti-keynesiana afirmava-se atribuindo as origens da crise a fatores
exgenos, provenientes de intervenes indevidas do Estado e s expectativas racionais de
agentes econmicos sempre bem informados quanto lgica e natureza das macro-
regularidades envolvidas.
1.2 Teoria da regulao e macroeconomia
Desde os trabalhos fundadores, surgidos na segunda metade dos anos 1970, a Teoria
da Regulao tem se pautado por uma tradio do pensamento econmico que se posiciona
criticamente abordagem neoclssica e suas variantes contemporneas. Como observa
BOYER (2002), a corrente regulacionista encontra sua origem em uma crtica severa e radical
do programa de pesquisa neoclssico, que postula um carter auto-regulador das economias
de mercado.
Esta postura terica convencional tem resultado em interpretaes insatisfatrias tanto
no que concerne compreenso das condies estruturais que propiciaram os Trinta
Gloriosos , quanto apreenso dos desequilbrios e contradies que marcam o fim deste
longo perodo de crescimento econmico. Em conseqncia, a problemtica das crises
econmicas no tem nenhum estatuto terico na anlise macroeconmica estabelecida. As
variantes neoclssicas reduzem-na ao tratamento dos ciclos e das flutuaes econmicas,
pressupondo sempre a existncia de uma tendncia inexorvel para o equilbrio geral.
A Teoria da Regulao reconhece os impasses do individualismo metodolgico
neoclssico no contexto das macro-anlises. De fato, uma questo j identificada por
KEYNES (1936) ao estabelecer as bases para uma teoria macroeconmica fora dos limites do
equilbrio geral walrasiano. Mas os problemas tericos veiculados por um reducionismo
economicista, presente na ortodoxia marxista e em sua verso estruturalista, no foram menos
relevantes para motivar a busca de anlises alternativas.
Como observa BUNGE (1987), uma sociedade um sistema de indivduos inter-
relacionados e enquanto algumas de suas propriedades so meras resultantes de
propriedades de seus membros, outras, contudo, so derivadas de relaes entre estes. No
entanto, a busca dos micro-fundamentos da teoria macroeconmica, cara ao legado
neoclssico e suas derivaes contemporneas, tem sido mobilizada contra o projeto
keynesiano original. Mas ao preocupar-se demasiadamente em resgatar as posies tericas
perdidas para a crtica keynesiana, as variantes neoclssicas promovem um apressado e pouco
fundamentado retorno s origens da concepo naturalista em Cincias Econmicas e se
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abstm do necessrio movimento inverso: a busca dos fundamentos macro-sociais dos
comportamentos microeconmicos, pois as regularidades macroeconmicas possuem sua
prpria autonomia e no se reduzem jamais mera agregao de racionalidades individuais
otimizadoras.
Os fundamentos tericos regulacionistas foram ento concebidos contra a tradicional
concepo naturalista do sistema econmico que, quando no esvazia completamente o
estatuto terico da macroeconomia como disciplina autnoma, a reduz a uma microeconomia
dilatada pela hiptese do agente representativo. Todavia, na medida em que se apreende a
economia enquanto sistema complexo, funcionando sob informao incompleta e sujeito ao
problema das externalidades, menos os mercados so modos exclusivos de coordenao e
mais a aplicao do conceito de equilbrio para represent-lo em seu conjunto, se torna
ambgua e precria (AGLIETTA, 1997).
A noo de regulao foi ento mobilizada para o tratamento de processos
heterogneos em que se conjugam necessidade e contingncia, restries do passado e criao
do novo. Foi deliberadamente concebida para traduzir, no plano das macro-anlises, as
condies endgenas que permitem a reproduo do sistema scio-econmico, atravs da
gesto de novas formas ou estruturas organizativas, caracterizadas por sua historicidade e
irreversibilidade inerentes.
Quando aplicada em economia, a idia de regulao procura expressar o modo como
um processo essencialmente contraditrio
o processo de acumulao de capital
consegue
reproduzir-se com um grau suficientemente inteligvel de regularidade, apesar e a partir
mesmo das contradies e dos conflitos que ele permanentemente engendra. Todavia, uma
determinada forma de regulao permanecer sempre geogrfica e historicamente datada, no
sendo capaz, portanto, de suprimir as condies endgenas que levam passagem do
crescimento crise. Conseqentemente, esta abordagem permite compreender-se como,
apesar da existncia de fatores que perturbam a lgica da acumulao de capital e dos
obstculos que lhe so continuamente repostos por sua prpria dinmica, as economias do
mundo real encontram trajetrias estveis de crescimento e acumulao. Trata-se, portanto, de
um conceito-chave capaz de traduzir momentos determinantes da reproduo scio-
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econmica. De fato, por seu contedo dinmico e complexo, a regulao supera os obstculos
epistemolgicos2 que o conceito de equilbrio normalmente impe s macro-anlises.
1.3 Regulao e reproduo em economias capitalistas
Falo de casos em que no h nada que limite a concorrncia, nenhum obstculo a ela, nem na natureza do caso nem na forma de obstculos artificiais e, no entanto, o resultado no determinado pela concorrncia, seno pelo costume ou uso, sendo que a concorrncia ou simplesmente no vem ao caso, ou ento produz seu efeito de uma forma bem diferente daquela que normalmente se supe ser-lhe natural.
(John Stuart MILL, in Princpios de Economia Poltica, pg. 200, 1848)
O sistema scio-econmico capitalista reproduz-se pela gestao de novas estruturas
de produo e de distribuio e, exatamente por isso, que qualquer concepo determinista,
expressa em termos de leis econmicas gerais ou de princpios universais de otimizao ,
possuir vigncia historicamente datada e no pode conter a priori, a direo e as formas
particulares das transformaes scio-econmicas no tempo e no espao.
Uma lei econmica sempre relativa, isto , dependente e vulnervel ao da
histria, porque uma funo das prprias condies materiais e humanas que estabelecem as
bases para as regularidades econmicas e sociais. Se tais regularidades parecem anteceder a
dinmica dos comportamentos privados (da expressar-se no plano da teoria sob a forma
aparente de leis exteriores), elas so, em essncia, um resultado e no causa das formas
sociais que estruturam objetivamente a instncia econmica nas sociedades. Em
conseqncia, um sistema econmico jamais se reproduz da mesma maneira; ele se reproduz
se transformando, criando e recriando novas regularidades que no podem ser diretamente
dedutveis de padres previamente observados.3
O problema fundamental das economias que se organizam sob o capitalismo pode ser
enunciado da seguinte maneira: se a lei dos mercados de Say (formulada por KEYNES
como a oferta cria sua prpria demanda ) no encontra validade emprica, uma vez que a
moeda no capitalismo mais do que uma simples intermediria de trocas mercantis, ento,
compra e venda, demanda e ofertas so momentos dissociveis no tempo e no tm razo
alguma para se compatibilizarem automaticamente como conseqncia necessria dos
mecanismos de mercado. Em outros termos, se a estrutura de produo (base de toda a oferta
2 O conceito de obstculo epistemolgico utilizado segundo a definio de BACHELARD (1996). Uma anlise de suas implicaes pode ser encontrada em CANGUILHEM, G.(1985). 3 Segundo BLAUG (1980) e HOLLIS e NELL (1975), o estudo das condies para que uma economia se reproduza corresponderia de fato essncia de qualquer cincia adequada da economia.
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agregada) no encontra uma estrutura de circulao4(base de toda a demanda agregada) que
lhe seja dinamicamente compatvel, o processo capitalista de acumulao obstado e o
sistema econmico submerge em uma fase de crise.
Para DE BERNIS5, um dos primeiros a aplicar a noo de regulao em economia
h de fato a necessidade inescapvel de uma coerncia mnima entre produo e consumo,
como dois momentos fundamentais do processo de acumulao de capital:
la coherencia minimal tiene una doble exigencia: a
cada
periodo, una correspondencia entre la estructura de la produccin y la estructura del consumo, las cuales evolucionan cada una segn leyes independientes. Sin esa correspondencia el capital no puode ser valorizado. De
periodo
en
periodo, una correspondencia entre la estructura de la produccin en t0 y las necesidades del funcionamiento del aparato produtivo en t1, correspondencia sin la cual no podra reproducirse sobre una base ampliada ;
E De BERNIS conclui ento, que para compreender-se o funcionamento das economias capitalistas preciso:
(...) enunciar segn qu procedimientos sociales las decisiones de agentes soberanos puoden combinarse
para crear las condiciones de esa coherencia. Empleo a propsito el trmino procedimientos
sociales
en oposicin a mecanismos
para subrayar que estamos frente a fuerzas colectivas, a grupos activos y no frente a una mecnica abstracta o automtica. 6
Como as macro-regularidades que veiculam a oferta e a demanda agregadas tendem a
evoluir sob trajetrias que se mostram relativamente independentes, a regulao surge como
estrutura intermediria capaz de compatibilizar dinamicamente produo e circulao dos
capitais. Em conseqncia, a regulao emerge como fator de coeso das estruturas e de
coerncia dos momentos constitutivos do sistema, apesar, e a partir mesmo, das foras que
tendem permanentemente a desestrutur-lo. Uma forma ou modo de regulao um processo
endgeno que mantm as regularidades macroeconmicas bsicas da acumulao de capital
em limites compatveis com a coeso social enquanto condio necessria
reprodutibilidade do sistema scio-econmico.
Segundo R. DELORME (1990):
4 O processo de acumulao de capital pode ser apreendido em seus quatro momentos constitutivos: a produo, a distribuio, a circulao e o consumo. Mas como o consumo emerge como o momento que de fato fecha o circuito - quer dizer, nele reside latente o famoso problema da realizao ou, em termos keynesianos, o da problemtica da demanda efetiva
sero utilizadas indistintamente as expresses correspondncia ou compatibilidade entre produo e consumo , ou entre produo e demanda . Todavia, a expresso correspondncia entre produo e circulao apenas opera a um nvel maior de abstrao, sem que as
anteriores sejam imprprias. 5 DE BERNIS, G.D. Equilibrio y regulacin: una hiptesis alternativa y proposiciones de anlisis. Investigacin econmica, 1983. 6 Os grifos so de DE BERNIS.
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In essence the concern of rgulation theorists is to describe how economic
systems change while keeping their basic principles of organization. Tension and conflict, unevenness of development, disequilibrium, mutual dependence and order are basic to this reasoning. I define regulation as the process through which a given type of order or consistency obtains in a complex entity - a socio-economic system -which is itself submitted to a never ending tension. 7
Deve-se observar que no se pode apreender uma tal problemtica, a partir de uma
concepo de equilbrio essencialmente fsica ou naturalista. No contexto dos sistemas scio-
econmicos, no se poderia conceber algo como um processo de mudana equilibrada , j
que as mudanas sociais so, pela lgica e natureza mesma dos processos que a definem
enquanto tais, desequilibrantes.8 No mesmo texto, R. DELORME argumentaria que:
Is thus differs from the idea of tuning, of a conscious adjustment mechanism. As BOYER writes the process of fitting production and social demand in a given set of structures and institutions is always an uneven, unbalanced and usually contradictory consequence of very partial rationalities and strategies, however integrated modern corporate economies may seem . Why then, notwithstanding these disruptive pressures, are there alternating phases of stable growth and crisis ? 9
Observe-se como BOYER [1993], partindo das origens do conceito de regulao,
apresenta essa problemtica geral dos regulacionistas:
Basically, the name of this school of economic analysis derives from the transformation of a concept borrowed from biology: a rgulation mode describes the set of negative and positive feedbacks in relation to the stability
7 DELORME, Robert. The State and economic development. CEPREMAP n 9102, Paris, 1990 ( grifos do autor). 8 Uma mudana equilibrada , sobretudo, em se tratando de fenmenos sociais, implicaria no apenas que as variveis envolvidas no processo sofram variaes quantitativas na mesma proporo. Seria ainda necessrio que as transformaes qualitativas, que normalmente acompanham dialeticamente as variaes de quantum, ocorram em direes e vnculos sistmicos mutuamente compatveis e de modo a garantir que as estruturas do sistema em estudo possam evoluir de forma inalterada e coesa. Ora, no h evidncia emprica de que alguma vez no campo scio-econmico um tal fenmeno tenha realmente existido. Neste contexto, a questo verdadeiramente pertinente para a macro-anlise passa a ser a da relevncia das mudanas equilibradas , no no sentido estrito (oferta igual demanda) como fatores da coerncia macroeconmica e da coeso sistmica. Uma configurao macrodinamicamente estvel no requer uma tal condio to irrealista ou de nfima probabilidade de ocorrncia. No um fato emprico pouco conhecido que o crescimento econmico processa-se independentemente da existncia e permanncia de equilbrios nos diversos mercados por onde circulam a pluralidade dos capitais em uma economia real. E exatamente por isto que BLAUG (1993, p. 327) havia argumentado: colocando de forma contundente: nunca se observou uma economia em estado constante de crescimento e, alm disso, existem motivos profundos e inerentes que explicam por que o crescimento real sempre inconstante e sempre desequilibrado.
9 Em Technical change and the theory of rgulation [in DOSI et alii (eds.), Technical change and economic theory, Pinter Publishers, 1988, pg. 68], Robert BOYER chama a ateno para a possvel confuso entre o significado do vocbulo regulation na lngua inglesa e a conotao diversa que assume para a Escola da Regulao: This approach, called rgulation in French, is not easily translated into English, since the English word regulation is usually associated with the much narrower problem of regulation of the behavior of public utilities, while the expression socio-economic tuning brings a connotation of a conscious and sophisticated adjustment mechanism.
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of a complex network of interactions. When transposed to economics and completely re-elaborated, a form of rgulation denotes any dynamic process of adaptation of production and social demand, resulting from the conjunction of economic adjustments linked to a given configuration of social relations, forms of organization and productive structures. 10
A partir da argumentao desenvolvida acima, pode-se precisar a forma como a Teoria
da Regulao apreende o mercado nas sociedades que se organizam sob o capitalismo. O
mercado emerge historicamente como o locus da socializao de uma pluralidade de trabalhos
individuais e independentes, permitindo a unidade (entendida como correspondncia ou
adequao) entre produo e demanda agregada. Mas essa unidade contraditria apenas
formalmente veiculada pelo mercado, que para tanto deve contar com as outras instncias da
sociedade, atravs do estabelecimento de diversos procedimentos de coordenao e de
estruturas organizacionais, que so elas mesmas irredutveis a pura lgica mercantil.
Conseqentemente, a unidade entre produo e consumo no se processa
automaticamente como decorrncia lgica e necessria do comportamento racional de agentes
otimizadores. To pouco a agregao das racionalidades parciais seria por si mesma suficiente
para estabelecer as regularidades micro e macroeconmicas bsicas para a promoo e
garantia de um padro, a priori, timo, definitivo e universalizvel do sistema scio-
econmico. As configuraes estveis ou instveis de uma economia capitalista esto
organicamente correlacionadas com as formas particulares assumidas pelas relaes sociais de
produo e de distribuio, ao longo de sua evoluo histrica. Formas essas que constituem,
na realidade, os pressupostos estruturais da eficcia do mercado como um fator de
coordenao das atividades econmicas. Como argumenta BOYER [1995]:
le march est une forme de coordination des activits conomiques beaucoup plus organise et sophistiqu que ne le supposent les thories noclassiques qui, sur ce point, confondent hypothses et rsultats: une fois institu et insr dans un rseau de contrles et de rgles, le march peut oprer avec une grande efficacit et sembler autorgulateur, mais il est incapable d auto-institutionnalisation. 11
10 BOYER, R. Labour institutions and economic growth: a survey and a regulationist approach. Fondazione Giacomo Brodolini, 1993. 11 Os trabalhos desenvolvidos pela Teoria da Regulao para as economias da antiga URSS, apontam exatamente para a impossibilidade de auto-institucionalizao das relaes mercantis e capitalistas, a partir da simples remoo do Estado e demais instituies do regime sovitico anterior. Como o mercado surge como uma construo institucional e organizacional complexa, so necessrias novas formas sociais e dispositivos jurdico-institucionais para torn-lo social e economicamente eficiente. At que isso seja realizado, a estagnao e a crise social e econmica tendem a permanecer. Para maiores detalhes, vide Bernard CHAVANCE, nos captulos 42 (Institutions, rgulation et crise dans les conomies socialistes) e 43 (Rforme du socialisme et conversion au march: les voies centre-europennes) de Thori de la Rgulation: L tat des Savoirs. La Dcouverte, 1995.
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Em conseqncia, no plano macroeconmico, o sucesso de um modo de regulao em
compatibilizar as estruturas de produo e de consumo reside em sua capacidade de dotar os
mercados de densidade e eficincia, superando os problemas de falha de coordenao.
Caractersticas estas que os mercados no podem alcanar sem instituies, convenes,
regras e demais dispositivos organizativos que codificam as relaes sociais e conformam os
comportamentos privados lgica maior e natureza da macrodinmica da acumulao de
capital.
Todavia, a compreenso do objeto terico regulacionista exige que se elimine qualquer
confuso do termo regulao com a concepo anglo-saxnica de regulation ou
regulamentao. A regulamentao refere-se diretamente s aes do poder estatal para
disciplinar, impor e organizar os comportamentos dos agentes econmicos a partir de regras
legalmente institudas. Os procedimentos legais de regulamentao esto, portanto, contidos
na noo mais ampla de regulao e integram-lhe as estruturas materiais como um momento
da codificao de processos e prticas econmicas e sociais. Mas se a regulao engloba a
regulamentao, ela a ultrapassa porque se baseia tambm em regras, convenes e hbitos ou
costumes que no se apresentam necessariamente expressos em dispositivos institucionais ou
normas escritas.12
O conceito de regulao traduz ento a necessidade de existncia de uma coerncia
macroeconmica mnima para assegurar as condies de reprodutibilidade scio-econmica.
Mas a eficcia e a coerncia de um modo de regulao no obedecem a nenhuma lei geral pr-
estabelecida. Trata-se de uma singularidade histrica que pode estabelecer as bases
macroeconmicas para a estabilidade de um regime de crescimento ou de acumulao. A
vigncia de uma determinada forma de regulao um fator fundamental para se explicar
como, apesar de suas contradies essenciais, uma economia organizada em bases capitalistas
capaz de alcanar trajetrias sustentveis de crescimento. Todavia, como os perodos
histricos de coerncia so finitos escala de vida das naes, a eficcia dos modos de
regulao se revela vulnervel prpria dinmica do processo de acumulao e as crises
sobrevm. Em termos do mtodo dialtico de anlise, a regulao expressaria a unidade
(sempre relativa) apesar da contradio (sempre absoluta) entre produo e circulao do
12 Os trabalhos em Antropologia reconhecem a diversidade de formas de regulao econmica e social vigentes em sociedades primitivas que no possuam a escrita, enquanto base para a codificao de relaes sociais bsicas para a coeso e sobrevivncia dos grupos e categorias sociais. Por exemplo, os de M. SALLINS, A Primeira Sociedade da Afluncia e Stone Age Economics.
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capital, permitindo a reproduo da lgica e natureza do capitalismo apesar de suas
contradies permanentemente renovadas.13
Segundo BOYER (2003, p. 3), a viabilidade do modo de produo capitalista impe
certas restries institucionais quanto organizao da relao capital-trabalho e quanto
dinmica da concorrncia. Para a anlise desta problemtica, a Teoria da Regulao busca
explicitar os fundamentos macro-institucionais de uma economia de mercado .14
Conseqentemente, uma hiptese central nas anlises em termos de regulao decorre
de uma constatao emprica, continuamente reposta pela histria viva das economias
capitalistas reais: o capitalismo uma fora extraordinria de mudana que no contm em si
mesmo os princpios que lhe asseguram a coerncia macroeconmica e a coeso social,
enquanto condies necessrias de sua prpria permanncia histrica. Fatores de mediao
so ento requisitados para compor uma determinada estrutura social de acumulao15, sem a
qual o capitalismo se encontraria historicamente inviabilizado.
Isto no significa supor que o sistema sempre ser capaz de encontrar formas de
regulao adequadas, que lhe faculte a reproduo ad infinitum, no importando a gravidade
das crises que atravesse. Pode ser, como o foi para os modos de produo pr-capitalistas, que
as economias no sejam mais capazes de reproduzir a mesma lgica e natureza que as
singularizam na histria longa. H sempre a possibilidade de uma transformao mais
profunda, isto , ao nvel da prpria estrutura invariante ou fundamental que o caracteriza
enquanto sistema capitalista. Neste caso, ter-se-ia de buscar novos conceitos e novos
princpios para expressar a emergncia de uma outra lgica de se organizar a produo e a
13 Segundo a metodologia histrico-dialtica, o princpio epistemolgico implcito o de que a unidade entre produo e circulao do capital sempre relativa, mas possvel. Do contrrio no haveria reproduo scio-econmica e as fases de crescimento econmico no seriam factveis. Mas isto no elimina as foras que expressam o carter contraditrio dessa unidade entre produo e circulao, ou seja, a contradio sempre absoluta, tendencial, latente. Pode ser temporariamente contida dentro de limites suportveis pelas estruturas da regulao vigente e ento superada - mas no suprimida - pela criao de novas formas tambm contraditrias. Com o desenvolvimento do processo capitalista de acumulao, novas contradies surgem e se manifestam na histria concreta das economias atravs de configuraes particulares de crises. 14 R. BOYER, em Les Institutions dans la Thorie de la Rgulation, CEMPREMAP n 2003-08, aot 2003. 15 A noo de social structure of accumulation (SSA) deriva dos trabalhos de BOWLES, GORDON e WEISSKOPF (1986) e designa o ambiente institucional especfico no qual o processo capitalista de acumulao se desenvolve. Sua convergncia com os conceitos de modo de regulao e de regime de acumulao foi reconhecida pelos prprios proponentes da abordagem regulacionista. Para mais detalhes, ver BOYER e SAILLARD em Thorie de la rgulation
l tat des savoirs, La Dcouverte, Paris, 1995.
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distribuio do produto social. Mas enquanto este tipo de crise no acontece, o economista
no deve se furtar a explicitar as condies ainda factveis de reprodutibilidade sistmica.16
1.4 Macrodinmica capitalista: as relaes sociais determinativas
A definio de capitalismo no consensual e de acordo com os pressupostos de cada
corrente terica, seu contedo declina, freqentemente enfatizando momentos parciais da
lgica e natureza deste sistema. Em A dinmica do Capitalismo, o historiador econmico
Fernand BRAUDEL procura mostrar que economia de mercado e capitalismo no so
sinnimos, uma vez que as anlises histricas confirmam a existncia das relaes mercantis e
monetrias muito antes da emergncia das relaes capitalistas de produo. No entanto, o
mesmo autor ressalta que o surgimento e desenvolvimento da moeda como aceleradora das
trocas mercantis proporcionaria as condies necessrias para o advento do capitalismo.17
Como argumenta BRAUDEL:
Entre os sculos XV e XVIII, certos processos reclamam uma designao especial. Quando observados de perto, seria quase absurdo inclu-los e disp-los, sem mais nem menos, na economia ordinria de mercado. A palavra que ento acode mais espontaneamente ao esprito bem capitalismo.
Tais processos correspondem ao surgimento de novas relaes sociais, instituies e
formas de se organizar o funcionamento de uma economia baseada em trocas mercantis
monetizadas e que estabeleceram as condies estruturais para a emergncia e expanso do
modo de produo capitalista.
A argumentao de BRAUDEL fundamenta-se numa anlise histrica comparativa
das economias ocidentais e orientais. Segundo o historiador, sem nenhuma exceo, todos os
mecanismos da troca se reencontram fora da Europa, desenvolvidos e utilizados em graus
diversos. Pode-se mesmo discernir uma certa hierarquia: no estgio superior, o grupo formado
pelo Japo, a Insulndia, o Isl e a ndia, com sua rede de crdito desenvolvida pelos
mercadores banianos, sua prtica de emprstimo de dinheiro s iniciativas arriscadas, seus
16 Na teoria econmica marxiana as crises cclicas expressam processos endgenos de reprodutibilidade sistmica. Apenas a chamada crise final ou geral marcaria a passagem para um novo modo de produo com lgica e natureza diversa. 17 A moeda definida aqui como o dinheiro em suas vrias formas, pois diversas mercadorias ( metais preciosos, animais, sal, etc) foram utilizados como padro de trocas mercantis ao longo da histria econmica. Rigorosamente, a moeda como forma do dinheiro corresponde a uma etapa superior do desenvolvimento das relaes mercantis, quando o dinheiro no mais se representa como uma mercadoria particular, pois passa ento a representar o universo de todas elas. Em termos marxistas clssicos, ele converte-se no chamado equivalente geral e com isso ganha autonomia relativa frente s demais formas do capital (capital-mercadoria e capital-produtivo, que por natureza possuem menor liquidez). Neste momento fundamental ao desenvolvimento das relaes de produo e de distribuio capitalistas que surgem os Bancos Centrais como instituies destinadas a administrar a autonomia relativa do equivalente geral e garantir deste modo, a aceitao de uma moeda fiduciria e de curso forado.
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seguros martimos; no estgio inferior, habituada a viver como economia autrquica, a China;
e finalmente, logo abaixo dela, milhares de economias ainda primitivas.
Para BRAUDEL, a explicao da emergncia do capitalismo primeiro no Ocidente,
deveu-se superioridade de seus instrumentos e de suas instituies; por exemplo, as Bolsas
e as diversas formas de crdito. Um fato histrico que vem reforar a relevncia terica da
problemtica das instituies nas anlises econmicas regulacionistas. Todavia, ao reconhecer
a determinao institucional das economias capitalistas, o carter determinante da expanso
do salariado como relao bsica de produo e distribuio do produto social parece estar
apenas implcito nas anlises braudelianas.18
Em MARX, o trabalho assalariado surge como a relao bsica de produo e de
distribuio que efetivamente singulariza o capitalismo na histria longa. Em outros termos,
moedas e mercados o antecedem e apenas estabelecem duas das condies necessrias para a
emergncia da lgica e natureza desses sistemas. Mais do que um mero resultado da
generalizao de trocas monetizadas, a relao salarial converte-se na forma especificamente
capitalista de se produzir e distribuir o produto social.19
Embora GUTTMANN [1995, p.87] reconhea que os regulacionistas tenham
construdo sua abordagem da moeda sobre o conceito ps-keynesiano de economia monetria
de produo (KEYNES, 1936)20, isto no significa que a dinmica capitalista possa ser
compreendida apenas com base em anlises centradas nas implicaes desta instituio
fundamental. Como observa BILLAUDOT (1996), uma definio regulacionista de
capitalismo deve explicitar suas relaes sociais determinativas. A natureza e a lgica das
economias que se organizam sob este sistema particular de produo so resultantes da
conjugao de trs relaes sociais fundamentais ao processo de acumulao de capital: a
relao mercantil, a relao monetria e a relao salarial.
18 Segundo BOYER [1986, P. 120], os trabalhos de BRAUDEL mostram que o capital comercial e financeiro , h muito tempo, um fenmeno internacional, enquanto que a insero vitalcia do salariado no interior do capitalismo bem mais recente, inovadora e portadora de uma nova forma dos conflitos sociais e da dinmica econmica . Seria a partir da mesma que o capitalismo encontraria sua base prpria de desenvolvimento, fazendo da relao capital-trabalho assalariado, a premissa e o resultado de seu funcionamento. (Os grifos so de BOYER). 19 No captulo VI, indito de O Capital, MARX argumenta que o trabalho assalariado , para a produo capitalista, uma forma socialmente necessria do trabalho, assim como o capital, valor elevado a uma potncia, uma forma necessria que devem adotar as condies objetivas do trabalho para que este ltimo seja trabalho assalariado. De modo que o trabalho assalariado constitui uma condio necessria para a formao de capital e se mantm como premissa necessria e permanente da produo capitalista . 20 Cunhado por KEYNES em A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, Nova Cultural, 1988.
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Conseqentemente, no se poderia pensar e desenvolver o espao terico da
macroeconomia sem pensar precisamente, a problemtica instaurada por essa conjugao no
plano concreto de atuao dos agentes econmicos e de suas organizaes. Um ponto de
partida analiticamente profcuo exatamente este que se pode denominar por princpio da
regulao (AGLIETTA, 1988) e cujo objetivo maior consiste em expressar, no plano das
macro-anlises, os momentos em que a conjuno dessas trs relaes sociais fundamentais
apresenta-se sob configuraes coerentes com a dinmica da acumulao de capital,
constituindo regimes particulares de crescimento e acumulao.
A Figura 1 ilustra essa problemtica fundamental ao desenvolvimento das anlises em
termos de regulao.
FIGURA 1
TRS RELAES SOCIAIS FUNDAMENTAIS DETERMINAM A LGICA E A NATUREZA DAS ECONOMIAS CAPITALISTAS
FONTE: Extenso a partir de M. BRUNO (1997).
A dinmica das economias que se organizam sob o modo de produo capitalista
resulta da conjugao de trs relaes sociais fundamentais. As economias capitalistas no so
apenas mercantis e monetrias, so tambm salariais. A nfase em apenas uma dessas
relaes tende a obscurecer momentos determinantes da lgica e natureza desses sistemas
econmicos. De uma maneira geral, as teorias neoclssica, ps-keynesiana e marxista
privilegiam, respectivamente, a relao mercantil, a relao monetria e a relao capital-
trabalho assalariado. Mas para as macro-anlises regulacionistas, a conjuno sempre
contraditria entre mercados, moedas e salariado define precisamente o espao concreto de
existncia e o estatuto terico do conceito de regulao, considerado-o fundamental
compreenso da macro-dinmica da acumulao capitalista.
=Economias Capitalistas + +Relao Mercantil Relao Monetria Relao Salarial
Teoria neoclssica esuas variantes
contemporneas
Teoria ps-keynesiana
Teoriaortodoxa marxista
Teoria da regulao
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1.5 Fundamentos epistemolgicos: as dimenses ontolgicas do conceito de regulao
Em um nvel ainda elevado de abstrao, uma forma ou modo de regulao um
conjunto de mediaes institucionais e organizacionais que mantm as distores produzidas
pela acumulao de capital nos limites compatveis com a coeso social e a coerncia
macroeconmica dos sistemas scio-econmicos (AGLIETTA, 1997). Esta noo possibilita
a compreenso de processos que emergem, se reproduzem e depois se enfraquecem sob o
efeito de foras desiguais de desenvolvimento que so inerentes ao modo de produo
capitalista.
Os fundamentos epistemolgicos para a aplicao deste conceito em macroeconomia
podem ser mais bem compreendidos quando explicitados em suas bases ontolgicas. Em
BRUNO (1997), procura-se mostrar de que maneira estas ltimas terminam por fundamentar
o percurso terico regulacionista e a prpria escolha do mtodo de anlise.21 Mostra-se
tambm de que modo a Sociologia de BOURDIEU, as anlises histricas de BRAUDEL e a
ontologia de LUKCS fornecem elementos tericos fundamentais validao epistemolgica
das macroanlises em termos de regulao. Esta seo buscar uma sntese da argumentao
desenvolvida por estes autores e considerada suficiente para efeitos deste trabalho.
A Ontologia pode ser definida como um ramo da Epistemologia que procura apreender
as propriedades essenciais e as singularidades dos objetos submetidos anlise22.
Conseqentemente, uma apreenso ontolgica do objeto econmico implica considerar que a
escolha do mtodo de anlise e dos princpios tericos utilizados precisa estar fundamentada
em uma correta percepo das caractersticas da economia enquanto sistema de relaes
sociais de produo e de distribuio, cujo modo de funcionamento tem se revelado, a nvel
emprico, essencialmente diverso dos sistemas fsicos e biolgicos.23 Da a relevncia do que
se denomina no ttulo desta seo por dimenses ontolgicas do conceito de regulao.24
21 BRUNO, Miguel. A Macroeconomia da Teoria da Regulao: uma anlise do projeto terico regulacionista, Tese de Mestrado, UFF, 1997. 22 Rigorosamente, um ramo da Filosofia, mas como a preocupao bsica neste contexto refere-se Filosofia da Cincia ou Epistemologia, optou-se por vincular a questo ontolgica de um modo direto e explcito Teoria do conhecimento econmico. Segundo JAPIASS e MARCONDES (2001), o termo foi introduzido pelo filsofo alemo Rudolph GOCLENIUS, Professor na Universidade de Marburg, em seu Lexicon Philosophicum (1613) designando o estudo do ser enquanto ser, isto , independentemente de suas determinaes particulares, mas naquilo que constitui sua inteligibilidade prpria . Distingue-se ainda ontolgico , que se refere ao ser em geral, de ntico, que se refere ao ser em particular. 23 Talvez no seja redundante lembrar que, como produto das concepes positivistas em cincias sociais, a teoria neoclssica e suas variantes contemporneas no empreendem nenhuma ruptura com o naturalismo que marcou o pensamento econmico fisiocrtico e clssico. Em termos da epistemologia de BACHELARD, elas no realizam nenhum corte epistemolgico que implicaria reconhecer as bases ontolgicas prprias aos sistemas sociais e empreender uma ruptura efetiva com a concepo fisicalista de se produzir conhecimento econmico.
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Como observa BILLAUDOT (1996, p.12), a necessidade de se explicitar a dimenso
ontolgica das teorias e hipteses econmicas foi inclusive ressaltada por autores como
SCHUMPETER25. Para este economista, toda teoria
concebida como uma anlise
organizada em princpios e hipteses
baseia-se numa determinada viso ou concepo das
propriedades do sistema em estudo. Em conseqncia, pode-se definir como base ontolgica
uma determinada concepo acerca do modo especfico de funcionamento do objeto sob
teorizao. Isto implica considerar-se que um dado mtodo de anlise pressupe sempre uma
ontologia que lhe subjacente, ou seja, uma concepo acerca das caractersticas prprias de
funcionamento ou modo especfico de existncia do objeto em estudo.
Segundo AGLIETTA (1997, p.13), a regulao na Biologia refere-se a um processo
que permite a reproduo de uma estrutura fundamental, de um modelo de base que incorpora
toda a informao necessria diferenciao caracterstica de um organismo complexo. A
diversidade dos seres singulares que pertencem a um mesmo modelo de base provm do
nmero gigantesco de combinaes s quais as diferenciaes procedem. No entanto, so
combinaes estritamente controladas pelo cdigo gentico que seleciona a informao
pertinente. Mas as mutaes dos modelos genticos se processam de forma aleatria. Acaso e
adaptao ao meio ambiente fazem a evoluo das espcies vivas. Diferentemente da
regulao scio-econmica, no h nada que possa engendrar uma histria. Observa ainda
AGLIETTA (1997, p.13) que:
C est pourquoi nous nous inscrivons en opposition tranche avec les discours prtendument totalisants qui font de l histoire humaine le prolongement de l volution des espces.
A base ontolgica neste contexto advm do reconhecimento de que a histria no
fundada sobre nenhuma ordem natural. Contra essa concepo reducionista ( presente tambm
na banalizao do pensamento marxiano original) que faz da histria um resultado de leis
econmicas inescapveis, LUKCS (1968) argumentara que o homem um ser que d
respostas . E neste contexto se expressa a unidade
contida de modo contraditoriamente
Conseqentemente, o objeto econmico enquadrado num naturalismo que necessariamente conduz a uma viso determinista e reducionista do funcionamento das economias reais. Evidentemente numa tal concepo, a historicidade das anlises no tem nenhuma relevncia terica. Elementos histricos quando so mobilizados no passam de simples ingredientes de contextualizao de teorias supostamente vlidas em todos os tempos e lugares. 24 Observa AGLIETTA (1997) que nas Cincias Fsicas e Biolgicas sabe-se que os fenmenos microscpicos e macroscpicos no podem ser descritos com as mesmas ferramentas tericas. As regularidades macroscpicas tm sua prpria autonomia e especificidades. 25 SCHUMPETER no utiliza explicitamente o conceito de ontologia, mas suas preocupaes podem ser efetivamente traduzidas pela busca das bases ontolgicas das teorias e anlises desenvolvidas pelo economista e pesquisador.
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indissolvel no ser social
entre liberdade e necessidade. Uma unidade que se reproduz
continuamente sob formas sempre novas, cada vez mais complexas e mediadas em todos os
nveis scio-pessoais da atividade humana. Para este autor, o fator subjetivo, humano,
conserva-se como fator modificador das estruturas da economia e sociedade e por vezes se
mostra mesmo decisivo26.
Expresso de fatores relacionais complexos que vinculam os indivduos e grupos uns
aos outros, o lien social no tem o status de um modelo biolgico fundamental que
promoveria a organizao das sociedades complexas a partir de uma lgica de reproduo
sistmica que o deixaria essencialmente intacto (AGLIETTA, 1997)27. O lien social um
princpio de transformao permanente, pois os sistemas scio-econmicos reproduzem-se, se
transformando. Neste contexto, deve-se adotar uma certa prudncia com a utilizao do
conceito de reproduo em Cincias Econmicas. No se trata da reproduo ad infinitum de
uma estrutura invariante.28 A reproduo do sistema scio-econmico implica
necessariamente na mutao das estruturas que lhe constituem, permitindo recompor, sobre
novas bases, duas condies essenciais sua permanncia histrica: a coeso social e a
coerncia macroeconmica. Ambas so viabilizadas por formas historicamente definidas de
regulao. Mas, segundo AGLIETTA, contrariamente s interpretaes correntes, a noo de
regulao no recorre a nenhuma hiptese teleolgica. A Teoria da Regulao do capitalismo
a da gnese, do desenvolvimento e do desaparecimento das formas sociais que permitem a
reproduo scio-econmica como possibilidade histrica.
Em as Bases Ontolgicas do Pensamento e da Atividade do Homem, o epistemlogo
LUKCS observa que:
Toda sociedade se desenvolve at nveis onde a necessidade deixa de operar de maneira mecnico-espontnea (ou sob um padro determinista); o modo
26.LUKCS, G. As Bases Ontolgicas do Pensamento e da Atividade do Homem, 1968. 27 Conforme CHAUDEMAISON et alii (2000), o lien social ce qui rattache les individus et les groupes les uns aux autres. Il peut s agir de liens directs (ou relations primaires ) bass sur l inter connaissance : lien conjugal, familial, relations amicales, relations de voisinage, etc., ou de liens indirects tisss par la mdiation d institutions complexes : monde professionnel, associations, syndicats, partis, etc. Trs tipos de lien possuem um status particular nas cincias sociais: a troca comercial (o comrcio, vetor de relaes), a troca no comercial (circulao de bens simblicos), enfim o lao poltico baseado nos sentimentos de solidariedade numa coletividade nacional. 28 Talvez seja relevante pensar-se num exemplo biolgico. A evoluo dos cetceos e dos quirpteros lhes permitiram desenvolver mutaes bem sucedidas de seus membros para se adaptarem s novas condies ambientais. Todavia, a estrutura mais interna destes animais, isto , a estrutura que os definem enquanto mamferos que so, permaneceu inalterada ao longo de sua evoluo. Em suma, eles continuam mamferos. Agora, basta que o pesquisador no campo da economia atente para as diferenas essenciais entre as estruturas internas que definem os modos de produo feudal e capitalista. A reproduo scio-econmica foi alcanada atravs da transformao das prprias estruturas ou relaes sociais de produo no tempo histrico.
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de manifestao tpico da necessidade passa a ser, cada vez mais nitidamente e a depender do caso concreto, aquele de induzir, impelir, coagir, etc. os homens a tomarem determinadas decises teleolgicas, ou ento de impedir que eles o faam (o espao da regulao). O processo global da sociedade um processo causal, que possui suas prprias normatividades, mas no jamais objetivamente dirigido para a realizao de finalidades29. Mesmo quando alguns homens ou grupos de homens conseguem realizar suas finalidades, os resultados produzem, via de regra, algo que inteiramente diverso daquilo que se havia pretendido .30
As contribuies de LUKCS revelam-se particularmente profcuas para o mtodo e
hipteses propostos pela Teoria da Regulao. Para se apreender as especificidades do sistema
social preciso compreender-se que uma sociedade s pode surgir e se desenvolver sobre a
base de um sistema orgnico e que este ltimo s o faz sobre a base de um sistema inorgnico.
A passagem do sistema inorgnico ao social implica em um nvel crescente de complexidade.
Se existem propriedades comuns aos trs sistemas que integram a realidade concreta, tambm
h propriedades que respondem pelas particularidades de cada um deles e que no podem ser
deduzidas logicamente dos outros. Conseqentemente, mtodos e princpios tericos devem
refletir os padres de comportamento e reproduo caractersticos do sistema em estudo.31
O espao da regulao de um sistema scio-econmico tambm o do nvel terico
mediador entre os comportamentos micro e macroeconmico de anlise. A necessidade de se
apreender as estruturas particulares s economias reais no tempo e no espao levou a Teoria
da Regulao a buscar um enriquecimento do conceito de modo de produo. O princpio
terico de base se expressa no argumento de que, na histria longa, o modo de produo
capitalista desenvolve-se pela gestao de diferentes modos de regulao e de regimes de
29 LIPIETZ (1988, p. 3 e 4) observa que a introduo do conceito de regulao no suficiente para dissipar as ambigidades funcionalistas presentes nas interpretaes do conceito de reproduo. Este autor cita ento E. TERRAY (1977), que argumenta que on a frquemment vu se rintroduire, la faveur de considrations sur la reproduction, tout l arsenal prime des interprtations fonctionnalistes: la reproduction est conue comme une cause finale dont procde l ensemble des structures et des institutions analyses ( ). Pour viter cette erreur, il faut se rappeler d abord que la reproduction ne saurait tre un but : seul un sujet peut se proposer un but. Or la socit n est pas un sujet. Il faut se rappeler surtout que ce qui est reproduit, c est prcisment et avant tout une contradiction ( ). Ds lors, se placer du point de vue de la reproduction, c est en dfinitive comprendre comment le cycle mme de la production et de la distribution remet constamment en prsence les deux termes de cette contradiction qu est le rapport de production fondamental : dominants et domins, exploiteurs et exploits ( ). La reproduction dans son ensemble est la fois l enjeu de leur affrontement et son rsultat. 30 As expresses sob negrito entre parnteses so nossas e objetivam mostrar que a abordagem ontolgica lukacsiana converge precisamente para a problemtica da regulao das economias capitalistas. 31 Em As Bases Ontolgicas do Pensamento e da Atividade do Homem, p. 3, LUKCS argumenta que, no que concerne s especificidades dos sistemas scio-econmicos: (...) no seremos capazes de captar sua especificidade se no compreendermos que um ser social s pode surgir e se desenvolver sobre a base de um ser orgnico e que esse ltimo pode fazer o mesmo apenas sobre a base do ser inorgnico. (...) tornou-se claro que, entre uma forma mais simples de ser (por mais numerosas que sejam as categorias de transio que essa forma produz) e o nascimento real de uma forma mais complexa, existe algo qualitativamente novo, cuja gnese no pode jamais ser simplesmente deduzida da forma mais simples.
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acumulao. Um regime de acumulao uma forma particular e historicamente
determinada do processo de acumulao de capital em uma economia dada. Se expressa num
determinado padro de crescimento, resultante das especificidades de certa configurao das
estruturas institucionais e organizacionais que codificam o modo de regulao vigente.
Os dois ltimos conceitos (o de modo de regulao e de regime de acumulao) so,
portanto um enriquecimento da noo de modo de produo, medida que operam a um nvel
menor de abstrao, introduzindo nos quadros das anlises, as formas particulares de evoluo
e de crise que atravessam a dinmica das economias capitalistas reais.
Esta problemtica foi enfatizada por LUKCS ao chamar a ateno para o significado
da dialtica necessria entre as categorias universal, particular e singular. Para este autor, de
um ponto de vista metodolgico, o movimento analtico do singular ao universal sempre
mediado pelo particular. Observa LUKCS que,
(...) o particular um membro intermedirio real, tanto na realidade objetiva quanto no pensamento que a reflete de modo aproximadamente adequado. Ele , porm, um membro intermedirio com caractersticas muito especficas (...) a transformao da universalidade em particularidade e com isto a dialtica entre universalidade e particularidade o problema da ininterrupta transformao da sociedade como lei fundamental da histria.
LUKCS havia observado que se um conceito mais universal, como o de modo de
produo, liberado de qualquer relao dialtica (determinao, limitao, enriquecimento,
concretizao, etc.) com suas prprias formas particulares de estrutura e movimento histrico,
a anlise submerge numa pseudodialtica formalista e incapaz de apreender as especificidades
dos novos fenmenos scio-ec