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CENTRO UNIVERSITRIO CURITIBA PROGRAMA DE PS-GRADUAO - MESTRADO EM DIREITO
THAIS CAROLINE ANYZEWSKI MARCONDES
O TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS DE ESCRAVO FACE AO CONSENTIMENTO DO TITULAR DO BEM JURDICO UMA VISO ACERCA DA
AUTONOMIA INDIVIDUAL E DO BEM JURDICO TUTELADO
CURITIBA 2014
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THAIS CAROLINE ANYZEWSKI MARCONDES
O TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS DE ESCRAVO FACE AO CONSENTIMENTO DO TITULAR DO BEM JURDICO UMA VISO ACERCA DA
AUTONOMIA INDIVIDUAL E DO BEM JURDICO TUTELADO
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitrio Curitiba, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Fbio Andr Guaragni
CURITIBA 2014
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THAIS CAROLINE ANYZEWSKI MARCONDES
O TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS DE ESCRAVO FACE AO CONSENTIMENTO DO TITULAR DO BEM JURDICO UMA VISO ACERCA DA
AUTONOMIA INDIVIDUAL E DO BEM JURDICO TUTELADO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito pelo Centro Universitrio Curitiba.
Banca Examinadora constituda pelos seguintes membros: Orientador: _______________________________________________ Prof. Dr. Fbio Andr Guaragni Membro Interno: ___________________________________________ Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther Membro Externo: ___________________________________________
Prof. Dr. Gisele Mendes de Carvalho
Curitiba, 09 de Junho de 2014
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Dedico este trabalho ao meu marido e minha filha, amores da minha vida, que em todos os momentos me do suporte para trilhar o caminho.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo dom da vida, educao e direcionamento. Aos meus queridos irmos, amigos para vida toda. Ao meu amado marido Jos Carlos Marcondes pelo carinho e pacincia no decorrer deste processo, pelo incentivo e suporte constantes que tornam os meus sonhos realidade. minha filha Gabriela, razo da minha existncia, presente de Deus que ilumina todos os meus dias com um simples sorriso. Ao meu orientador Prof. Fbio Andr Guaragni, pelos questionamentos e ideias que enriqueceram o trabalho, exemplo de competncia na rea da pesquisa acadmica. todos os professores do Mestrado, especialmente ao querido Prof. Luiz Eduardo Gunther, que com sua alma generosa est sempre disposto a ajudar. querida professora Gisele Mendes de Carvalho, pelo carinho e generosidade em compor as Bancas de Qualificao e Defesa. coordenadora do Mestrado Viviane Celho de Sllos Knoerr, modelo de competncia profissional, que atravs da sua dedicao e auxlio constantes, incentiva a todos e consegue resultados excelentes para o Programa de Mestrado. Aos meus queridos amigos companheiros do Mestrado, que tornaram tudo mais fcil e prazeroso, foi muito bom dividir tantos momentos com vocs. Deus por seu infinito Amor.
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Era ele que erguia casas Onde antes s havia cho.
Como um pssaro sem asas Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mo. Mas tudo desconhecia
De sua grande misso: No sabia, por exemplo
Que a casa de um homem um templo Um templo sem religio Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravido.
(O Operrio em Construo Vincius de Moraes)
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RESUMO
Aborda a questo do trabalho anlogo ao de escravo e o consentimento do titular do bem jurdico. Avalia a possibilidade da utilizao do consentimento do ofendido como meio apto a afastar o injusto penal do crime de reduo a condio anloga de escravo nas hipteses elencadas no artigo 149 do Cdigo Penal considerando o bem jurdico tutelado e a autonomia individual. Para tanto realiza a anlise dos variados aspectos que circunscrevem a situao da escravido contempornea. Analisa as relaes laborais no contexto da globalizao. Verifica as formas usuais da escravido contempornea no meio urbano e rural. Averigua a incidncia do trabalho anlogo ao de escravo no Brasil. Analisa as normativas internacionais e internas voltadas ao combate das novas formas de trabalho anlogas de escravo. Examina as condutas previstas no artigo 149 do CP que configuram o crime de reduo a condio anloga de escravo. Verifica o bem jurdico protegido. Avalia a questo da disponibilidade do bem jurdico. Pondera a dignidade da pessoa humana na perspectiva da autonomia e da heteronomia. Analisa o instituto do consentimento do ofendido e avalia a possibilidade deste afastar o injusto penal nas hipteses que configuram o trabalho anlogo ao de escravo. Emprega o estudo o mtodo dedutivo e dialtico, partindo da perspectiva geral para campo especfico. Utiliza a pesquisa bibliogrfica, abrangendo obras doutrinrias nacionais e estrangeiras, artigos cientficos, jurisprudncia, dispositivos legais e normativas internacionais. Verifica as notcias referentes ao tema e produes culturais atravs de filmes cuja narrativa fictcia tenha como contedo a abordagem do problema e retrocesso social que envolve o trabalho anlogo ao de escravo. Como resultado percebe que as hipteses elencadas como condutas caracterizadoras do trabalho anlogo ao de escravo no comportam o consentimento do titular do bem jurdico. Os bens jurdicos liberdade em sentido amplo e organizao do trabalho no so passveis de disposio ilimitada o que por si s j afasta a possibilidade de consentimento. Conclui-se que embora a dignidade da pessoa humana como autonomia tenha papel principal no texto constitucional h espao para situaes especficas caracterizadoras da dignidade como heteronomia quando esta devido a situao concreta se justifica. PALAVRAS CHAVE: escravido contempornea; consentimento; dignidade da pessoa humana; autonomia.
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ABSTRACT
Addresses the issue of labor analogous to slavery and the consent of the legal interest. Evaluates the possibility of the use of consent of the victim as able to ward off criminal unjust crime reduction to conditions analogous to slavery in the cases listed in Article 149 of the Penal Code tutored considering the legal right and individual autonomy means. For that performs the analysis of the various aspects that encompass the situation of "contemporary slavery." Analyzes labor relations in the context of globalization. Checks the usual forms of "contemporary slavery" in urban and rural environments. Ascertains the incidence of labor analogous to slavery in Brazil. Examines the international and domestic legal provisions related to combating new forms of labor analogous to slavery. Examines the conduct referred to in Article 149 of the Penal Code that constitute the crime of reduction to conditions analogous to slavery. Checks the legal interest protected. Evaluates the issue of the availability of legal interest. Ponder the dignity of the human person from the perspective of autonomy and heteronomy. Analyzes the institution of consent of the victim and assesses the possibility of this criminal away the assumptions that constitute unfair labor analogous to slavery. Study employs the deductive and dialectical method, based on the overall outlook for specific field. Uses literature, covering national and international foreign doctrinal works, scientific articles, case law, legal and regulatory. Checks the news on the topic and cultural productions through fictional narrative films whose content has to approach the problem and social regression that involves labor analogous to slavery. As a result, realize that the assumptions listed, as characterizing conduct of labor similar to slavery does not involve the consent of the holder of the legal interest. The legal interests "freedom in a broad sense" and "organization of work" are not liable to unlimited disposal, which in itself preclude the possibility of consent. We conclude that although human dignity as autonomy has lead role in the constitutional text no room for specific situations characterizing dignity as heteronomy when due to this particular situation is justified. KEYWORDS: contemporary slavery; consent; dignity of the human person; autonomy.
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LISTA DE SIGLAS
CP - Cdigo Penal CC Cdigo Civil STJ Superior Tribunal de Justia STF Supremo Tribunal Federal TRF Tribunal Regional Federal TJ/PR Tribunal de Justia do Paran TRT- Tribunal Regional do Trabalho TST Tribunal Superior do Trabalho CLT Consolidao das leis Trabalhistas CF Constituio Federal ANAMATRA - Associao dos Magistrados da Justia do Trabalho OIT Organizao Internacional do Trabalho ONU Organizao das Naes Unidas ANTD - Agenda Nacional de Trabalho Decente PNETD - Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente MPT Ministrio Pblico do Trabalho CONAETE - Coordenadoria Nacional de Erradicao do Trabalho Escravo TAC - Termo de Ajustamento de Conduta CONATRAE - Comisso Nacional para Erradicao do Trabalho Escravo BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social PEC Projeto de Emenda Constitucional
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SUMRIO RESUMO .....................................................................................................................6 ABSTRACT .................................................................................................................7 LISTA DE SIGLAS ......................................................................................................8 1 INTRODUO ........................................................................................................11 2 A GLOBALIZAO E A ESCRAVIDO CONTEMPORNEA ..............................14 2.1 CONCEITO DE ESCRAVIDO NA ATUALIDADE AS FORMAS ENCONTRADAS NO BRASIL ................................................................................... 22 2.1.1 A Escravido Contempornea no Campo .........................................................23 2.1.2 A Escravido Contempornea nos Centros Urbanos ........................................27 2.1.3 A Relao da Terceirizao com a Escravido Contempornea .......................32 2.1.4 O Dumping Social ..............................................................................................37 2.2 A PROTEO CONTRA A ESCRAVIDO CONTEMPORNEA NO MBITO EXTERNO.............................................................................................40 2.2.1 O Papel Desempenhado pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT) no Combate a Escravido Contempornea ................................................................41 2.2.2 A Declarao da OIT sobre os Princpios e Direitos Fundamentais No Trabalho ...............................................................................................................43 2.2.3 A Conveno 29 da OIT sobre o Trabalho Forado ou Obrigatrio ....................46 2.2.4 A Conveno 105 da OIT sobre Abolio do Trabalho Forado ........................49 2.3 O TRABALHO DECENTE ....................................................................................52 2.4 A DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ..............................53 2.5 A PROTEO CONTRA A ESCRAVIDO CONTEMPORNEA NO MBITO INTERNO ....................................................................................................55 2.5.1 O Papel do Ministrio Pblico do Trabalho ........................................................55 2.5.2 O Papel do Ministrio do Trabalho e Emprego ...................................................59 2.5.3 O Papel do Judicirio .........................................................................................62 2.6 ALTERNATIVAS EXTRAPENAIS DESTINADAS AO COMBATE ESCRAVIDO CONTEMPORNEA .........................................................................63 2.6.1 A Lista Suja do Trabalho Escravo ...................................................................64 2.6.2 A Lei do Estado de So Paulo n.14. 946/ 2013 e a Lei do Estado Do Rio de Janeiro n. 4.744/2006 ...............................................................................66 2.6.3 A Proposta de Emenda Constitucional 438 de 2001 (PEC 438/2001) ................69 3 O CRIME DE REDUO A CONDIO ANLOGA DE ESCRAVO CONTIDO NO ARTIGO 149 DO CDIGO PENAL E O BEM JURIDICO TUTELADO ...............................................................................................................71 3.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A AUTONOMIA INDIVIDUAL PELA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL................................................................71 3.2. A REDUO A CONDIO ANLOGA DE ESCRAVO A PARTIR DA REDAO DA LEI 10.803/2003 DADA AO ART. 149 DO CP. .............................83 3.3 CONCEITO DE BEM JURDICO E A SUA APLICAO AO ART. 149, CP. .........87 3.3.1 Identificao do bem jurdico tutelado no art. 149 do CP.................................. 90 3.4 AS HIPTESES PREVISTAS NO ARTIGO 149 DO CDIGO PENAL...............101 3.4.1 Trabalhos Forados ........................................................................................101 3.4.2 Jornada Exaustiva ...........................................................................................109 3.4.4 Condies Degradantes de Trabalho ..............................................................120 3.4.5 Restrio de Locomoo .................................................................................129 4 O CONSENTIMENTO DO OFENDIDO .................................................................136
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4.1 CONCEITO E IMPORTNCIA DO INSTITUTO DO CONSENTIMENTO DO OFENDIDO........................................................................................................137 4.2 ESPCIES E FORMAS DE CONSENTIMENTO ................................................148 4.2.1 Consentimento Real, Expresso ou Tcito ........................................................149 4.2.2 Consentimento Presumido ..............................................................................150 4.2.3 Consentimento Putativo ..................................................................................152 4.3 REQUISITOS DE VALIDADE DO INSTITUTO DO CONSENTIMENTO DO OFENDIDO........................................................................................................153 4.3.1 Capacidade do Titular do Bem Jurdico ..........................................................154 4.3.2 Manifestao de Vontade Livre do Consenciente ............................................158 4.3.3 Consentimento Anterior ou Concomitante Conduta, Limitador e Conhecido pelo agente.............................................................................................159 4.3.4 Disponibilidade e Indisponibilidade do Bem Jurdico .......................................160 4.4 REVOGAO DO CONSENTIMENTO .............................................................166 4.5 A NATUREZA JURDICA DO CONSENTIMENTO DO OFENDIDO...................166 4.5.1 Consentimento como Excluso de Antijuridicidade ou como Excluso de Tipicidade (Teoria Dualista) .................................................................169 4.5.2 Consentimento como Excluso de Tipicidade. (Teoria Monista) .....................172 4.6 O CONSENTIMENTO DO TITULAR DO BEM JURDICO FACE A AUTOCOLOCAO E A HETEROCOLOCAO EM PERIGO NA TEORIA DA IMPUTAO OBJETIVA NA PERSPECTIVA DE CLAUS ROXIN......................179 4.7 CONSIDERAES FINAIS VERIFICAO DA POSSIBILIDADE DO CONSENTIMENTO DO TITULAR DO BEM JURDICO AFASTAR O INJUSTO PENAL NO CRIME PREVISTO NO ART. 149. DO CP.............................185 5. REFERNCIAS ...................................................................................................196
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1 INTRODUO
A histria da humanidade marcada por eventos que culminaram em
atrocidades cometidas por seres humanos contra outros seres humanos. Ocorreram
violaes de toda a sorte na escravido, nas guerras, nos regimes totalitrios. Tais
fatos evidenciaram a necessidade de se assegurar direitos considerados essenciais,
conferindo proeminncia aos denominados direitos humanos fundados a partir da
concepo da dignidade da pessoa humana.
Atravs da evoluo dos processos civilizatrios houveram mudanas
significativas na vida em sociedade. Estabeleceu-se o fim da escravido, elaborou-se
normativas de proteo aos direitos humanos no mbito internacional e a sua
positivao no plano interno com a insero de direitos fundamentais nos textos
constitucionais, fatos relevantes considerando-se o percurso e o desenvolvimento da
humanidade.
Entretanto, o processo de evoluo trouxe outras dificuldades, transformou e
adaptou problemas considerados solucionados nova realidade social. Dentro desta
perspectiva no existe mais a escravido nos moldes exercidos outrora, mas existem
situaes em que o indivduo reduzido a condio anloga de escravo.
Tem-se que o contexto da globalizao possibilitou maior mobilidade do capital
e dos centros de produo, o fluxo de pessoas e de mercadorias. Porm, tal processo
no uniforme, proporcionando a incluso de alguns e a excluso de muitos. Ocorre
que estes excludos so em regra os que acabam inseridos no sistema da escravido
contempornea. 1
Nesta conjuntura, o trabalho anlogo ao de escravo envolve situaes de trfico
de pessoas, de migrao de trabalhadores, de flexibilizao excessiva de direitos
trabalhistas e de precarizao do trabalho. A escravido contempornea assume
papel de destaque e de assustadora incidncia, pois em busca de maiores lucros
coisifica-se o homem.
Como meio de combate realidade que envolve a escravido contempornea
surgem diversos organismos e normativas internacionais que assumem a posio de
defesa do trabalhador, abrangendo os direitos humanos presentes na relao laboral.
1 A expresso escravido contempornea refere-se ao trabalho anloga ao de escravo, pois a escravido em sua concepo literal no permitida.
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No mbito interno, a tutela do trabalhador exercida essencialmente pelo
direito do trabalho, mas no que se refere ao trabalho anlogo ao de escravo o
legislador conferiu tutela penal.
Assim, foi criado o tipo penal do art. 149 do CP que sofreu alterao na sua
redao por meio da Lei n10.803/2003, estabelecendo as formas de realizao do
delito. O crime ocorre com a reduo a condio anloga de escravo: quer
submetendo a trabalhos forados ou jornadas exaustivas, quer sujeitando a condies
degradantes de trabalho, quer restringindo a sua locomoo.
preciso analisar o contedo das formas elencadas como caracterizadoras do
delito do art. 149 CP, para ento estabelecer se possvel afastar o injusto penal
atravs do consentimento do titular do bem jurdico.
Para tanto, necessrio percorrer questes referentes aos requisitos do
consentimento que envolvem: a verificao da capacidade do agente, a possibilidade
de disposio do bem jurdico pelo seu titular, a averiguao da presena de vcios de
consentimento e o momento da sua realizao.
Os aspectos a serem analisados so importantes, envolvendo ainda a questo
da identificao do bem jurdico tutelado, da autonomia individual e da interveno
estatal. Afinal, cabe ao homem se autodeterminar conforme o seu plano de vida.
Entra-se ento na questo fundamental: O consentimento do titular do bem jurdico
capaz de afastar o injusto penal do crime de reduo a condio anloga de escravo
nas hipteses elencadas no artigo 149 do Cdigo Penal, considerando o bem jurdico
tutelado e a autonomia individual?
Para chegar a uma concluso, percorrer-se- um longo caminho que envolve a
anlise: das relaes laborais no contexto da globalizao, das formas usuais que
assume a escravido contempornea, dos instrumentos normativos e formas
existentes de combate ao trabalho anlogo ao de escravo no mbito internacional e
interno, do contedo das formas caracterizadoras do crime de reduo a condio
anloga de escravo, do bem jurdico tutelado e da autonomia individual.
A realizao da pesquisa se dar pelo mtodo dedutivo e dialtico, partindo da
perspectiva geral para campo especfico. Utilizar a pesquisa bibliogrfica atravs de
obras doutrinrias nacionais e estrangeiras, artigos cientficos, jurisprudncia,
dispositivos legais e normativas internacionais. Ainda verificar as notcias que
envolvem o trabalho anlogo ao de escravo, bem como produes culturais, atravs
de filmes que tenham na narrativa aspectos referentes a temtica desenvolvida.
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Enfim, so muitas as nuances que envolvem o tema e a problemtica proposta
de modo que tornam o estudo atraente e relevante para os campos do direito e da
sociedade de forma geral.
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Para os habitantes do Primeiro Mundo o mundo cada vez mais cosmopolita e extraterritorial dos homens de negcios globais, dos controladores globais da cultura e dos
acadmicos globais as fronteiras dos Estados foram derrubadas, como foram derrubadas, como o foram para as mercadorias, o capital e as finanas. Para os habitantes do Segundo Mundo, os muros
constitudos pelos controles de imigrao, as leis de residncia, a poltica de ruas limpas e tolerncia zero ficaram mais altos; os fossos que os separam dos locais de desejo e da sonhada
redeno ficaram mais profundos, ao passo que todas as pontes, assim que se tenta atravess-las, revelam-se pontes levadias. Os primeiros viajam vontade, divertem-se bastante viajando
(particularmente se vo de primeira classe ou em avio particular), so adulados e seduzidos a viajar, sendo sempre recebidos com sorrisos e de braos abertos. Os segundos viajam s escondidas, muitas vezes ilegalmente, s vezes pagando por uma terceira classe superlotada num fedorento
navio sem condies de navegar mais do que outros pagam pelos luxos dourados de uma classe executiva e ainda por cima so olhados com desaprovao, quando no presos e deportados ao
chegar. (Zygmunt Bauman, Globalizao: as consequncias humanas, p.97-98)
2 A GLOBALIZAO E A ESCRAVIDO CONTEMPORNEA
A contemporaneidade tomou uma nova perspectiva atravs do processo de
globalizao que se instalou na sociedade e tornou-se um fato a que todos esto
submetidos.
As perspectivas de si, do outro e da prpria sociedade local, tomam novas
feies a partir da nova concepo que se apresenta, a qual se costuma denominar
sociedade global.
Dentro dessa perspectiva h grandes alteraes, tanto no campo cultural como
no campo econmico e social. De forma que estamos perante um fenmeno
multifacetado com dimenses econmicas, sociais, polticas, culturais, religiosas e
jurdicas interligadas de modo complexo.2
Com a globalizao houve grande incremento na movimentao das pessoas,
das mercadorias e tambm das empresas.
O fato que o mercado contemporneo global e as corporaes querem
garantir o seu espao dentro deste vasto campo de atuao, que em certa medida,
tornou-se ilimitado, no sentido de que, obedecendo regras comerciais e as leis
especficas internacionais ou locais, no h limites de alcance e permanncia para a
empresas.
2 SANTOS, Boaventura de Souza. A Globalizao e as Cincias Sociais. 2. ed. So Paulo: Corts, 2002, p.26.
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Desta forma, percebe-se que as empresas pela prpria facilidade que possuem
de alterao de posio geogrfica mudam em maior velocidade seus centros de
produo, levando em considerao as oportunidades de lucros que se apresentam.
Como os acionistas definem as alteraes conforme e de acordo com a
perspectiva do lucro, e no esto presos ao local, vez que podem estar em qualquer
parte do globo, tanto faz para estes qual a localizao espacial da empresa, o que
realmente importa onde est consegue obter um maior lucro. Tal fato, no abrange
os trabalhadores, fornecedores e mesmo a comunidade que circunscreve a empresa,
pois que estes esto em certa medida presos a localidade, como bem apontado por
Bauman:
[...] Os empregados so recrutados na populao local e - sobrecarregados como devem ser por deveres de famlia, propriedade domstica e coisas do tipo no poderiam facilmente seguir a companhia quando ela se muda para outro lugar. Os fornecedores tm que entregar os suprimentos e os custos do transporte local da aos fornecedores locais uma vantagem que desaparece assim que a companhia se muda. Quanto prpria localidade, ficar obviamente onde est, dificilmente pode mudar de lugar, seja qual for o novo endereo da companhia. Entre todos os candidatos nomeados que tm voz de direo em uma companhia, apenas as pessoas que investem os acionistas no esto de forma alguma presas ao espao; elas podem comprar qualquer participao em qualquer bolsa de valores e atravs de qualquer corretor, e a proximidade ou distncia geogrfica da companhia ser com toda a probabilidade a considerao menos importante na sua deciso de comprar ou vender. Em princpio no h nada determinado em termos de espao na disperso dos acionistas. Eles so o nico fator autenticamente livre da determinao espacial. E a eles e apenas a eles que pertence a companhia. Cabe a eles portanto mover a companhia para onde quer que percebam ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os demais presos como so a localidade a tarefa de lamber as feridas, de consertar o dano e se livrar do lixo. A companhia livre para se mudar, mas as consequncias da mudana esto fadadas a permanecer. Quem for livre para fugir da localidade livre para escapar das consequncias. Esses so os esplios mais importantes da vitoriosa guerra espacial.3
Ficam claras as vantagens advindas com a globalizao e do denominado
mercado global s empresas, pela facilidade de modificao de posio espacial, de
se obter trabalhadores com menor remunerao, dos incentivos fiscais que lhe so
oferecidos para a instalao e pela sua menor responsabilidade com a localidade,
3 BAUMAN, Zygmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Traduo: Marcos Penchel. Rio de
Janeiro: Zahar, 1999, p.15-16.
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sendo que estas no esto enraizadas e no possuem uma relao estreita ou
emocional com o local, apenas uma relao econmica. Assim, na medida em que
esta se torna desinteressante no h mais o porqu de ali permanecer, e a empresa
transfere-se de lugar buscando sempre o menor dispndio financeiro que esta
operao acarreta.
Nesta nova conjuntura as empresas possuem um papel extremamente
relevante no contexto econmico face s naes, pois muitas corporaes possuem
dividendos maiores que o PIB (Produto Interno Bruto) de determinados pases.4 Ter
uma grande empresa em seu territrio torna-se atraente e importante, devido
gerao de riquezas, de emprego, de fluxo de capital.
Logo, o Estado perde parte importante no mbito econmico, pois a este no
permitido interferncias que no sejam desejadas pelas grandes corporaes, vez
que:
[...] as macroempresas acabam por ganhar um papel de regulao do conjunto do espao. Junte-se a esse controle a ao explicita ou dissimulada do Estado, em todos os seus nveis territoriais. Trata-se de uma regulao frequentemente subordinada porque, em grande nmero de casos, destinada a favorecer os atores hegemnicos. Tomada em considerao determinada rea, o espao de fluxo tem o papel de integrao com nveis econmicos mais abrangentes. Tal integrao, todavia, vertical, dependente e alienadora, j que as decises essenciais concernentes aos processos locais so estranhas ao lugar e obedecem a motivaes distantes. Nessas condies, a tendncia a prevalncia dos interesses corporativos sobre os interesses pblicos, quanto evoluo do territrio, da economia e das sociedades locais. [...] [...] O modelo hegemnico planejado para ser, em sua ao individual, indiferente a seu entorno. Mas este de algum modo se ope plenitude dessa hegemonia. Esta, porm, exercida em sua forma limite, pois a empresa se esfora por esgotar as virtualidades e perspectivas de sua ao racional. O nvel desse limite define a operao respectiva do ponto de vista de sua rentabilidade, comparada de outras empresas e de outros lugares. Se considerada insatisfatria, leva sua migrao.5
Todavia, a ampla mobilidade das empresas possibilitada pela globalizao traz
tambm enormes prejuzos sociedade local, pois quando a empresa se retira da
4 Dez gigantes do capitalismo que so maiores que muitos pases: Veja algumas empresas cujo faturamento maior que o PIB de vrias naes, segundo o site Business Insider. Portal Exame.com. Disponvel em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/dez-gigantes-do-capitalismo-que-sao-maiores-que-muitos-paises. Acesso em: 10 abr. 2014. 5 SANTOS, Milton. Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. 20. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011, p.106-108.
http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/dez-gigantes-do-capitalismo-que-sao-maiores-que-muitos-paiseshttp://exame.abril.com.br/negocios/noticias/dez-gigantes-do-capitalismo-que-sao-maiores-que-muitos-paises
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localidade gera desemprego, diminuio da arrecadao tributria, entre outros
fatores que tal fato acarreta. Cite-se como exemplo o que ocorreu na cidade de
Detroit6 nos Estados Unidos, que era considerada a quarta maior cidade americana,
tinha uma economia pulsante e representava um forte polo automobilstico. Com a
sada e fechamento das indstrias automobilsticas a cidade apresentou uma queda
brutal na sua arrecadao, um elevado ndice de desemprego e a migrao da sua
populao para outros lugares dos Estados Unidos. claro que a sada das indstrias
da cidade ocorreu por motivos diversos, como a prpria crise econmica. Porm, as
mesmas empresas que l encerraram as suas atividades continuaram a desempenh-
la em outras regies e cidades, ou seja, onde ainda havia um retorno interessante
para a mesma.
Evidentemente, a populao quando se v em uma situao de alto ndice de
desemprego e sem perspectiva futura, migra para outras cidades ou regies.
Nesta perspectiva, atrair grandes companhias para o seu territrio torna-se
atraente e interessante do ponto de vista econmico e social. Assim, muitos pases
acabam afrouxando sua legislao trabalhista atravs de flexibilizaes, outros
diminuem direitos, retiram vantagens auferidas pelo trabalhador e h ainda, aqueles
que fazem vista grossa para a precarizao do trabalho e o consequente trabalho
escravo contemporneo.7 Assim, tem-se que no domnio da globalizao social, o
consenso neoliberal o de que o crescimento e a estabilidade econmicos assentam
na reduo dos custos salariais para o que necessrio liberalizar o mercado de
trabalho [...].8
6 Detroit uma cidade americana que tem sido chamada de cidade fantasma devido ao abandono que a cidade sofreu e ainda sofre por parte da sua populao. O fato que por vrios motivos, incluindo a crise econmica de 2007/2008 e o fechamento de muitas indstrias automobilsticas a cidade tornou-se invivel pelo desemprego e falta de arrecadao, o que levou a cidade a inclusive pedir falncia. Neste sentido ver: VALEIKA, Fernando de Barros; BARROSO, Cesar. A cidade que ruiu com sua indstria. A crise que quase liquidou GM, Ford e Chrysler transformou Detroit no pior lugar dos EUA para se viver. Mas no o fim da estrada para a cidade do motor. poca Negcios. Disponvel em: < http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT206975-16642,00.html>. Acesso em: 15 mar. 2014. 7 Cf. TERRADILLOS BASOCO, Juan M. Empresa y derecho penal. Buenos Aires: Ad. Hoc. Villela Editor.1.ed., 2001, p.51. Expe o autor: La tutela de derechos de los trabajadores en situaciones de conflito no puede ceder ante el impulso desregulador. Este impulso h sido potenciado por los processos de globalizacin econmica, que, lejos de generar naturalmente, como proclamam sus corifeos, el progresso de la igualdad y de los derechos fundamentales, son efecto y causa de una desigualdade que debe ser mitigada por la recuperacin del papel de mediacin y formalizacin del conflito que corresponde al derecho pblico de base democrtica. 8 SANTOS, 2002, p.34.
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT206975-16642,00.html
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Exemplar o caso de pases muito pobres, s vezes submetidos inclusive a
regimes totalitrios que exploram os trabalhadores em uma condio anloga
escravido.
Na ndia, por exemplo, milhes de pessoas so submetidas a servido por
dvida, no incomum a presena de crianas laborando como operrias ou
empregadas domsticas atravs de trabalhos forados, apesar de existirem no pas
leis proibindo tanto o trabalho forado, como o infantil e o trfico sexual, com penas
que vo desde de sete anos de recluso at mesmo priso perptua9. Contudo, falta
efetividade pela falta de vontade e empenho das autoridades, sendo raras as
condenaes.10 Ainda h relatos de casos de mulheres dalits que pertencem mais
baixa casta do pas, que se submetem a trabalhar em condies condizentes
escravido contempornea para conseguirem o valor de seu dote para o casamento,
muitas so adolescentes e sujeitam-se a tal trabalho para amenizar as necessidades
familiares ou por imposio dos pais.11
A China um exemplo clssico no que se refere a flexibilizao ou mesmo
anulao dos direitos trabalhistas. O pas no reconhece em sua legislao a
possibilidade de homens serem vtimas de trfico humano nem tampouco adultos
como vtimas de trabalho escravo, eliminando, portanto, qualquer discusso neste
sentido e possibilitando tal explorao, j que por lei tal conduta inexiste.12 Por isso
mesmo, no toa que muitas empresas tm seus centros de produo na China e
que os custos dos seus produtos so inferiores ao de muitos pases. Tais fatos so
evidencias de um sistema de explorao laboral, baseado em poucos direitos
trabalhistas, em uma remunerao baixa, chegando ao ponto mais grave, ou seja, ao
estado de escravido contempornea.
Outro problema trazido dentro do enfoque do estudo proposto, diz respeito a
migrao de trabalhadores. Muitos cidados de pases pobres e que enfrentam
9Trabalho escravo na ndia. Em discusso. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2014. 10Trabalho escravo na ndia. Em discusso. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2014. 11 ndia: mulheres dalits fazem trabalho escravo por promessa de dote. Disponvel em: < http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201106101022_EFE_79753698>. Acesso em: 3 mar. 2014. 12Trabalho escravo na China. Em discusso. Disponvel em: < http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-escravo/trabalho-escravo-no-mundo/trabalho-escravo-na-china.aspx>. Acesso em 3 mar.2014.
http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201106101022_EFE_79753698http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-escravo/trabalho-escravo-no-mundo/trabalho-escravo-na-china.aspxhttp://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-escravo/trabalho-escravo-no-mundo/trabalho-escravo-na-china.aspx
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dificuldades tanto no campo econmico como no social migram para outros pases em
melhor situao com a finalidade de conseguir um trabalho e condies de vida
melhor. Afinal, nada mais coerente do que ir em busca de oportunidades melhores,
de localidades com melhores perspectivas a procura de pastagens mais
verdejantes13.
No novidade a questo da migrao com finalidade de se obter uma
colocao laboral e com a globalizao e o processo rpido e dinmico da informao
o fluxo dos trabalhadores ao redor do mundo se intensificou.
Enfim, o que h de concreto o intenso fluxo de pessoas, de mercadorias e de
empresas pelo territrio global, proporcionados e intensificados pela globalizao
resultante tambm da intensificao da velocidade da informao, da disseminao
dos produtos e do comrcio internacional, o que resultou tambm em uma
transformao na dinmica do espao laboral.
Tal dinmica resulta na migrao de cidados de pases com menores
oportunidades de trabalho para pases com uma maior oferta de trabalho. Todavia,
muitos trabalhadores migrantes chegam ao pas que possui maior nmero de vagas
de trabalho de forma ilegal e clandestina, ficando expostos ao de agenciadores
de pessoas que recrutam trabalhadores para exercerem trabalhos em condies
anlogas da escravido. Perspectiva esta que pode ser observada no filme
Biutiful14, em que imigrantes africanos clandestinos so explorados como camels
pelo agenciador vivido pelo ator Javier Bardem, que tambm agencia imigrantes
ilegais chineses para trabalhar na construo civil e na indstria txtil. O filme mostra
a triste realidade de vida destas pessoas que no tem acesso a quase nada, moram
precariamente ou no prprio estabelecimento onde trabalham. Umas das cenas mais
marcantes do filme quando um grupo de trabalhadoras chinesas que dormem
trancafiadas no poro do estabelecimento em que trabalham morrem asfixiadas pelo
vazamento de gs dos aquecedores instalados, inclusive com a morte de um beb
13 Tal expresso utilizada por Bauman ao apontar que muitos tm o acesso negado s localidades que oferecem melhores perspectivas de vida e trabalho. Conforme o trecho a seguir: Se a nova extraterritorialidade da elite parece uma liberdade intoxicante, a territorialidade do resto parece cada vez menos com uma base domstica e cada vez mais com uma priso tanto mais humilhante pela intrometida viso da liberdade de movimento dos outros. No se trata apenas do fato de que a condio de estar imobilizado, incapaz de se mover vontade e com acesso barrado a pastagens mais verdejantes, exsude o odor acre da derrota, indicando uma condio humana incompleta e implicando ser desfraldado na diviso dos esplendores que a vida tem a oferecer. A privao atinge mais fundo. [...]. BAUMAN,1999, p.31. 14 Biutiful. Direo: Alejandro Gonzlez Irritu. Paris Filmes. Espanha, 2010, 147 min.
http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-35365/
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que estava com a me nesta vida de trabalho marcada pelas condies degradantes
e pela escravido contempornea.
Todavia a fico apresentada no filme Biutiful a realidade da vida de muitos
trabalhadores imigrantes, que se deslocam de seus pases para aquelas naes em
que acreditam conseguir um trabalho e uma vida melhor. Porm, a estes reservado
a ilegalidade, o anonimato e a clandestinidade. A maioria destes trabalhadores no
conhecem e nem so inseridos ao local, vivem diante de total excluso social, pois
estes no pertencem quele mundo.
Enfim, a globalizao de um modo agrega e aproxima, de outro separa e
exclui.15 Percebe-se que mesmo os trabalhadores locais no veem com bons olhos a
entrada de trabalhadores estrangeiros em seu territrio, pois estes se tornam
concorrentes vaga de trabalho e, portanto, no so bem vindos. Resta aos obreiros
estrangeiros os trabalhos indesejados. Torna-se interessante aquele mercado laboral
que corre margem da legislao e dos direitos fundamentais o imigrante ilegal, pois
que este com receio da sua ilegalidade na maioria das vezes nenhum risco
representar.
Convm ressaltar ainda a existncia do trfico de pessoas16 17crime voltado a
explorao do ser humano para trabalhos forados, explorao sexual e at mesmo
para retirada de rgos18.
15 Neste sentido ver: SANTOS, 2011, p. 104-143. O autor expressa em sua obra a ideia de que a globalizao ao mesmo tempo que agrega e diminui barreiras tambm distancia e exclui. Cite-se alguns trechos: [...] a vocao homogeneizadora do capital global vai ser exercida sobre uma base formada por parcelas muito diferentes umas das outras e cujas diferenas e desigualdades so ampliadas sob tal ao unitria. O dinheiro regulador e homogeneizador agrava heterogeneidades e aprofunda as dependncias. p. 104. E ainda: Os indivduos no so igualmente atingidos por esse fenmeno, cuja difuso encontra obstculos na diversidade das pessoas e na diversidade dos lugares. Na realidade, a globalizao agrava a heterogeneidade, dando-lhe mesmo um carter ainda mais estrutural. p. 143. 16 Ressalte-se a existncia do Protocolo de Palermo: Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo Preveno, Represso e Punio do Trfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianas. Tal protocolo foi internalizado pelo Decreto n 5.017, de 12 de maro de 2004. Disponvel em: . Acesso em: 10 abr. 2014. 17 Cf. ALONSO, Esteban J. Prez. Consideraciones poltico-criminales sobre el fenmeno migratrio actual y el trfico de personas. In: Proteccin penal de los derechos de los trabajadores: seguridade en el trabajo, trfico ilegal de personas e inmigracin clandestina. Diretores: Santiago Mir Puig, Mirentxu Corcoy Bidasolo. Coord: Juan Carlos Hortal Ibarra. Montevideo: Editorial IBdef, Madrid: Edisofer s.l., 2009, p.410. Expe o autor: El fin del siglo XX y el comienzo del siglo XXI nos han permitido presenciar atnitos el surgimiento de una forma moderna de esclavitud: el trfico ilegal de seres humanos. Es una nueva forma de delincuencia que ha hecho de la gestin de los movimientos migratorios un rentable negocio a costa de aprovecharse y explotar a las personas ms necesitadas y vulnerables del mundo. 18 Cf. O que trfico de pessoas? Conselho Nacional de Justia. CNJ. O trfico de pessoas para remoo de rgos comea com a venda dos prprios rgos pela vtima. Trata-se de um mercado cruel, que explora o desespero de ambos os lados: doentes que podem pagar por um rgo
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%205.017-2004?OpenDocumenthttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm
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No h dvida da estreita relao existente entre o trfico de pessoas e a
escravido contempornea19, pois inseridas dentro deste modelo de mercado global,
as pessoas tornam-se mercadorias.
Enfim, o processo migratrio das pessoas no novidade na histria do homem
e das civilizaes, mas assume uma nova perspectiva diante do cenrio da
globalizao que traz uma realidade de fronteiras estatais mais permeveis, para o
fluxo de mercadorias, de empresas e pessoas, incluindo dentro desta categoria os
trabalhadores. Contudo, percebe-se que tal permeabilidade restringida para aqueles
mais vulnerveis, para os mais carentes e necessitados de trabalho e melhores
condies de vida, atravs de uma poltica de reteno pelos Estados que apresentam
melhores condies econmicas, o que demonstra que nem todos esto convidados
para a festa promovida pela globalizao da extraterritorialidade e das fronteiras
abertas. Muitos s podem dela participar como telespectadores pelos meios de
comunicao cada vez mais geis e velozes ao trazer a informao, a dinmica e a
realidade presente nos mais diversos cantos do mundo.
Nesta perspectiva, surgem os grupos criminosos voltados a iludir e vender o
convite da festa para as pessoas excludas, oferecendo-lhes uma oportunidade de
entrar no salo, de participar deste mundo que s acompanham pela televiso. Logo,
aps ou de forma concomitante a sua insero, comea a explorao, o desrespeito
ao ser humano, que s ento percebe que seu sonho no se tornou realidade, que
tudo foi uma iluso vendida aos seus olhos e que na verdade a sua excluso continua,
apenas a milhares de quilmetros de distncia da sua terra natal.
imprescindvel para viver e pessoas que ponderam entre o rgo sadio que tm e que avaliam que podem dispor sem risco de vida e o dinheiro que recebero com a venda. O caso mais conhecido apurado no Brasil ocorreu no incio dos anos 2000, com o trfico internacional que ligava o estado de Pernambuco e frica do Sul. As vtimas eram aliciadas, vendiam um rim na rea urbana de Recife e eram levadas para Durban, na frica do Sul, onde se submetiam cirurgia para a retirada desse rgo. Em 2004, o Ministrio Pblico Federal denunciou 28 pessoas por aquele crime. A estimativa foi de que o esquema criminoso movimentou em torno de US$ 4,5 milhes com a comercializao de cerca de 30 rgos. Disponvel em: . Acesso em: 18 abr. 2014. 19 Cf. ALONSO, 2009, p. 409. Expe o autor: Hablar de trfico ilegal de personas, en sentido genrico, es hablar de esclavitud. Y no me estoy refiriendo a la esclavitud. Y no me estoy refieriendo a la esclavitud en el derecho romano o a la trata transatlntica de esclavos de los siglos XVIII y XIX. No les voy a hablar sobre la historia de la esclavitud. Pero no piensen que la esclavitud es algo del passado, que ya esta totalmente erradicada. Al contrario, la esclavitud existe. Me refiero a la esclavitud contempornea, que es una prctica muy organizada y de irritante actualidad, que aparece disfrazada bajo nuevas formas y mtodos.
http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/cidadania-direito-de-todos/trafico-de-pessoashttp://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/cidadania-direito-de-todos/trafico-de-pessoas
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2.1 CONCEITO DE ESCRAVIDO NA ATUALIDADE AS FORMAS
ENCONTRADAS NO BRASIL
Evidentemente a escravido contempornea no a mesma daquela do sculo
XIX, que permitia legalmente a compra de um ser humano como objeto, como
propriedade, para ser utilizado pelo seu adquirente. Nem tampouco a mesma da
encontrada na antiguidade20 onde na prpria estratificao social existia a figura do
escravo, que assim podia se tornar, por meio de dvidas ou como prisioneiro capturado
de guerra.
Na sociedade contempornea as formas de escravido so diversas das que a
antecederam em tempos anteriores, tomou uma nova forma, um novo corpo, revestido
de um carter exploratrio do labor humano caracterstico do prprio capitalismo.
Logo, na contemporaneidade no se tem a denominada escravido em uma
concepo de propriedade adquirida legalmente, mas sim da explorao do
trabalhador como ferramenta na obteno de um maior lucro, atravs das
denominadas condies anlogas escravido.
No Brasil tais condies constituem crime e esto previstas na legislao,
especificamente no artigo 149 do Cdigo Penal. Tal artigo elenca as formas que
caracterizam a condio anloga de escravo, quais sejam: trabalho forado,
condio degradante de trabalho, jornada exaustiva e restrio de locomoo.
Importante observar que a escravido contempornea no se restringe apenas
ao espao rural, mais alcana tambm o meio urbano.
20 fato conhecido pela histria que na Grcia Antiga a escravido era comum. Muitos homens eram capturados em guerras e tornavam-se escravos dos seus conquistadores ou tornavam-se escravos por dvidas. Cf: Escravismo na Grcia Antiga: Histria do escravismo na Grcia Antiga, vida dos escravos
gregos, origens, situao de vida, trabalho domstico. Na Grcia Antiga uma pessoa tornava-se escrava de diversas formas. A mais comum era atravs da captura em guerras. Vrias cidades gregas transformavam o prisioneiro em escravo. Estes, eram vendidos como mercadorias para famlias ou produtores rurais. Em Esparta, por exemplo, cidade voltada para as guerras, o nmero de escravos era to grande que a lei permitia aos soldados em formao matarem os escravos nas ruas. Alm de ser uma forma de treinar o futuro soldado, controlava o excesso de escravos na cidade (fator de risco de revoltas). Em algumas cidades-estado gregas havia a escravido por dvidas. Ou seja, uma pessoa devia um valor para outra e, como no podia pagar, transformava-se em escrava do credor por um determinado tempo. Em Atenas, este tipo de escravido foi extinto somente no sculo VI a.C, aps as reformas sociais promovidas pelo legislador Slon. Disponvel em: < http://www.suapesquisa.com/grecia/escravismo_grecia.htm>. Acesso em: 30 mar. 2014.
http://www.suapesquisa.com/pesquisa/esparta.htmhttp://www.suapesquisa.com/grecia/escravismo_grecia.htm
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2.1.1 A Escravido Contempornea no Campo.
A escravido no campo caracterizada pela explorao do trabalhador rural e
envolve diversas situaes, que muitas vezes levam o obreiro a entrar em uma
situao indesejada de trabalho em condies anlogas de escravo. Outras vezes
o trabalhador consente em laborar em tais condies como meio de sobrevivncia em
conjunturas em que no visualiza outra perspectiva de vida para si e para sua famlia.
usual e exemplar o trabalho em condies anlogas de escravo no campo
nos canaviais, no corte da cana, onde os trabalhadores so submetidos na maioria
das vezes a mais de uma das formas previstas no art. 149 do CP. No raro tais
trabalhadores laborarem em condies degradantes de trabalho, sem estruturas
adequadas e sem os requisitos mnimos para a realizao do mesmo; com jornadas
exaustivas, seja em relao a quantidade de horas trabalhadas, seja em relao ao
empenho e energia despendida para o trabalho, pois cobrado dos trabalhadores um
esforo fsico alm do suportado pelo homem mdio, vez que estes trabalham e
recebem pelo critrio da produtividade. Percebe-se nesta situao que:
A produtividade um desafio dirio. O corte da cana um trabalho solitrio.
O ganho determinado pela metragem pelo peso e pelo tipo da cana cortada.
um clculo complexo, difcil de ser entendido pelos trabalhadores que esto
habituados lgica econmica do roado e do trabalho na terra. Na cana
tudo diferente. No ar sempre paira a suspeita de roubo nas medies,
porm a reclamao pode implicar advertncias, ganchos e demisses.
Diante desse risco se calam. No corte os movimentos requerem destreza e
habilidade, os riscos de acidentes so grandes. O padro mnimo de
produtividade das usinas para cada trabalhador de 10 toneladas de cana
por dia. Para cumprir essa meta, o corpo precisa de resistncia fsica, da a
necessidade de trabalhadores jovens nos canaviais. O ritmo de trabalho
alucinante, os trabalhadores ficam no limite da sua capacidade fsica. 21
21 NOVAES, Jos Roberto Pereira. Trabalho nos canaviais: os jovens entre a enxada e o faco. Revista Ruris: Revista do Centro de Estudos Rurais. v. 3, n. 1, Mar. 2009. UNICAMP. p.121. Disponvel em: . Acesso em: 04 set. 2013.
http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/viewFile/685/552
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Em virtude deste quadro o labor no corte da cana ambiente propcio para a
configurao do trabalho anlogo ao de escravo e, por isso, a maior parte dos casos
encontrados no campo ainda envolvem o setor sucroalcooleiro.22
Os trabalhadores que trabalham nos canaviais so denominados boias frias
e so transportados muitas vezes em caambas de caminhes, sem estrutura alguma
de alojamento e sem condies de higiene e sade, como narrado pelo Ministro Cezar
Peluso:
Presenciei com os meus olhos como magistrado, as condies a que eram submetidos os trabalhadores da cana. Era coisa de indignidade revoltante. Os trabalhadores, chamados boias frias, no tinham roupas, eram sujeitos a sol escaldante, levantavam-se s quatro horas da manh. E digo isso, porque tive empregada que era casada com um boia fria, de modo que acompanhei a vida dele. Eram transportados em caminhes abertos, sem condies de segurana pessoal, de higiene ento nem se fala; voltavam machucados, porque no tinham luvas. Eram reduzidos a uma condio quase desumana. Como que a ordem jurdica no pode considerar tudo isso, levando em conta os princpios da subsidiariedade, da fragmentariedade, a uma situao de reprovabilidade penal?23
Como se depreende situao a que estes trabalhadores so submetidos
algo que ultrapassa a razoabilidade configurando uma explorao desmedida e de
total desrespeito ao ser humano sua dignidade.
A lgica do pagamento por produtividade leva aos trabalhadores do corte de
cana a trabalharem em ritmos estonteantes e extenuantes na perspectiva de ganhar
um pouco mais e garantir o sustento prprio e de sua famlia, mas quem efetivamente
ganha com tal situao dono da produo, que no repassa o aumento do lucro
gerado pela maior produtividade de maneira proporcional e adequada aos
22 Neste sentido: Corte de cana lidera resgates no PR: Segundo MTE, 256 trabalhadores foram retirados de condies anlogas escravido no estado em 2012, 80% no setor sucroalcooleiro. Mais de 80% dos 256 trabalhadores resgatados em condies anlogas escravido no Paran ao longo de 2012 atuavam no corte de cana-de-acar, aponta balano divulgado anteontem pelo Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE). O setor sucroalcooleiro paranaense aparece, inclusive, no ranking das operaes e municpios onde foram registrados mais resgates no Brasil durante este perodo. Ao todo, foram 217 ocorrncias verificadas 92 em Engenheiro Beltro e 125 em Perobal. O restante das situaes no estado envolve erva-mate, reflorestamento, construo civil, pecuria e agricultura. Disponvel em: < http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1372686&tit=Corte-de-cana-lidera-resgates-no-PR>. Acesso em: 30 mar. 2014. 23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. INQ. 3.412/AL. Voto do Ministro Cezar Peluso. Disponvel em: . Acesso em: 17 jul. 2013.
http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1372686&tit=Corte-de-cana-lidera-resgates-no-PRhttp://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1372686&tit=Corte-de-cana-lidera-resgates-no-PRhttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283412%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7sbd5ghttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283412%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7sbd5g
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trabalhadores. O pagamento por produtividade acaba gerando muitos acidentes de
trabalho e algumas vezes at mesmo a morte de obreiros. O excessivo desgaste fsico
a que so submetidos os cortadores de cana com a concomitante falta de estrutura e
condies bsicas para a realizao do trabalho em segurana vem sendo
confrontados e questionados na justia do trabalho. Em uma deciso recente do
Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, uma usina de cana-de-acar foi
obrigada a substituir o pagamento por produtividade pelo pagamento de salrios,
como forma a afastar os malefcios que tal meio sujeita o trabalhador.24
H uma preocupao com relao ao mal causado aos trabalhadores dos
canaviais pelo pagamento baseado na produtividade, resultando em estudos e
pesquisas sobre os efeitos na vida destes obreiros. Francisco Alves professor adjunto
da Universidade de So Carlos publicou em 2006 um estudo intitulado: Por que
morrem os cortadores de cana?, em que demonstra a relao existente entre a morte
de trabalhadores cortadores de cana e o pagamento por produtividade ou a ainda a
elevao dos acidentes de trabalho gerando a incapacidade laboral.25
Desta forma, preciso rever a forma empregada de pagamento pelo trabalho
realizado aos cortadores de cana, visto que o pagamento por produtividade acaba
ocasionando uma jornada exaustiva estes trabalhadores, tanto em relao a
quantidade de horas trabalhadas, como na intensidade do esforo empreendido o que
caracteriza o trabalho em condies anlogas de escravo.
24 CARSTENSEN, Lisa. Justia confirma proibio no pagamento por produtividade no corte de cana: Usina Santa F obrigada a pagar salrios aos cortadores. Para Ministrio Pblico do Trabalho, caso abre precedente que pode ajudar a reduzir acidentes e mortes no setor. Reprter Brasil. Expe a notcia: O Tribunal Regional de Trabalho de Campinas (SP) confirmou em segunda instncia que a usina de cana-de-acar Santa F ser obrigada a substituir o sistema de pagamento por produo pelo pagamento de salrios (leia a sentena na ntegra). A sentena foi proferida pelo desembargador Hlio Grasselli e refora o posicionamento tomado em outubro de 2012 pela Justia do Trabalho em Mato (SP), no caso que considerado o primeiro em que uma usina foi impedida de vincular a remunerao paga aos cortadores quantidade de cana colhida por eles. Disponvel em: http://reporterbrasil.org.br/2013/10/justica-confirma-proibicao-de-pagamento-por-producao-no-corte-de-cana/ Acesso em: 15 mar. 2014. 25 ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana? Expressa o autor no Resumo da sua pesquisa: O objetivo deste trabalho demonstrar que a morte dos trabalhadores assalariados rurais, cortadores de cana, advm do pagamento por produo. Os processos de produo e de trabalho vigentes no Complexo Agroindustrial Canavieiro foram concebidos objetivando a produtividade crescente do trabalho e, combinados ao pagamento por produo, provocam a necessidade de os trabalhadores aumentarem o esforo despendido no trabalho. O crescimento do dispndio de energia e do esforo para cortar mais cana provoca ou a morte dos trabalhadores ou a perda precoce de capacidade de trabalho. Disponvel em: . Acesso em 31 mar. 2014.
http://www.prt15.mpt.gov.br/Administrativos/noticias/fckeditor/editor/filemanager/arquivos_up/acordaoproducao.pdfhttp://reporterbrasil.org.br/2013/01/justica-proibe-pagamento-por-producao-em-usina-de-sao-paulo/http://reporterbrasil.org.br/2013/01/justica-proibe-pagamento-por-producao-em-usina-de-sao-paulo/http://reporterbrasil.org.br/2013/10/justica-confirma-proibicao-de-pagamento-por-producao-no-corte-de-cana/http://reporterbrasil.org.br/2013/10/justica-confirma-proibicao-de-pagamento-por-producao-no-corte-de-cana/
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Outro exemplo, so dos homens e mulheres que trabalham em carvoarias, que
alm de no terem as condies mnimas de higiene e sade, laboram em condies
exaustivas e degradantes. Tal fato demonstrado em estudo realizado:
Em diferentes regies brasileiras, a mo de obra que atua nas carvoarias formada, em sua maioria, por trabalhadores pobres, despojados de meios de produo e que no possuem alternativas decentes de emprego e renda. Muitas vezes so migrantes com baixa escolaridade e que vivem de empreitadas servios temporrios e bicos mal remunerados. Levados para trabalhar no meio do mato, exercem atividades perigosas e degradantes, como mostram as fiscalizaes de campo realizadas pelo governo federal. So vtimas dos mais variados abusos, dentre eles o trabalho escravo. Entre 2003 e outubro de 2011, aproximadamente 2,7 mil trabalhadores foram libertos da escravido na produo do carvo vegetal. So frequentes os casos de jornadas excessivas, alimentao insuficiente, alojamentos insalubres, enfim, condies degradantes de trabalho, alm de formas de cerceamento da liberdade. Muitas vezes, os alojamentos so meros barracos improvisados. Alm disso, h situaes ainda mais graves, que envolvem o isolamento geogrfico, a vigilncia armada e a chamada peonagem por dvidas. Acontece quando o trabalhador coagido a permanecer no servio para pagar supostos dbitos, cobrados ilegalmente, de alimentao, transporte ou outros. Quanto mais trabalha mais est devendo. Tais abusos se enquadram no artigo 149 do Cdigo Penal, definidos como reduzir algum condio anloga de escravo - crime cuja pena vai de dois a oito anos de priso.26
Vale lembrar ainda, que alm da utilizao da mo de obra em condies
anlogas escravido nas carvoarias, ainda h a presena do trabalho infantil e que
a maior parte do carvo vegetal produzido no Brasil tem origem no desmatamento de
florestas nativas e no nas denominadas florestas plantadas gerando um grande
dano ambiental.27
Na verdade o que se percebe nas operaes de fiscalizao que flagram
trabalhadores em condies anlogas escravido o desrespeito a diversas normas
previstas no ordenamento jurdico.28
26 Combate Devastao ambiental e trabalho escravo na produo do ferro e do ao. Reprter Brasil. p.30. Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014. 27 Combate Devastao ambiental e trabalho escravo na produo do ferro e do ao. Reprter Brasil. Informa o Estudo: [...] atualmente cerca de 60% do carvo vegetal proveniente de florestas nativas. p. 7. Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2014. 28 Neste sentido: 2 dia de operao flagra mais 15 em situao anloga escravido em SP: Fiscalizao visitou duas carvoarias em Piracaia nesta quarta-feira (22). Dentre as irregularidades, havia falta de registro em carteira e insalubridade. Portal G1. Disponvel em: < http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2014/01/2-dia-de-operacao-flagra-mais-15-em-situacao-analoga-escravidao-em-sp.html>. Acesso em: 12 mar. 2014.
http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2014/01/2-dia-de-operacao-flagra-mais-15-em-situacao-analoga-escravidao-em-sp.htmlhttp://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2014/01/2-dia-de-operacao-flagra-mais-15-em-situacao-analoga-escravidao-em-sp.html
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Claro que no qualquer situao que ir caracterizar o trabalho em condies
anlogas de escravo, e no qualquer infrao a legislao trabalhista que ir
configurar a referida condio. De tal forma que se deve levar em considerao que:
No qualquer violao dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violao aos direitos do trabalho intensa e persistente, se atinge nveis gritantes e se os trabalhadores so submetidos a trabalhos forados, jornadas exaustivas ou a condies degradantes de trabalho, possvel, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Cdigo Penal, pois os trabalhadores esto recebendo o tratamento anlogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade.29
Assim para a configurao do trabalho anlogo ao de escravo ser preciso
analisar a dinmica e a situao existente no caso concreto.
2.1.2 A Escravido Contempornea nos Centros Urbanos.
A Escravido Contempornea nos centros urbanos tem crescido nos ltimos
anos, ou de fato tem se mostrado mais perceptvel por todo o processo de
transformao social que ocorreu, atravs do prprio processo da globalizao
acompanhado da velocidade de informao.
No Brasil, tem-se notado a presena do trabalho anlogo ao de escravo ligado
a indstria de confeces, principalmente atravs da explorao de imigrantes sul-
americanos. Marcas conhecidas de roupas tm tido seu nome ligado a explorao de
trabalhadores submetidos a condies anlogas de escravo.
O fato que muitos trabalhadores sul-americanos acabam vindo ao Brasil em
busca de trabalho, de melhores condies de vida e acabam inseridos dentro da
dinmica da escravido contempornea.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. INQ. 3.412/AL. Ementa. Redatora do Acrdo Ministra Rosa Weber. Disponvel em: . Acesso em: 17 jul. 2013.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283412%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7sbd5ghttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283412%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7sbd5g
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Nos ltimos anos criou-se uma expectativa em relao ao crescimento e a
oportunidade de trabalho no Brasil para a populao de alguns pases vizinhos, como
o caso dos bolivianos e peruanos que vm para o territrio brasileiro na certeza de
encontrar uma vida melhor. Muitos acabam sendo iludidos por terceiros que lhes
apresentam falsas perspectivas de trabalho e da realidade, do-lhes algum dinheiro
para deixar com a famlia e pagam a sua passagem.30 O que os imigrantes no sabem
que esto entrando num ciclo de difcil retorno, pois muitos comeam o trabalho j
devendo para o empregador, e tal dvida aumentar substancialmente com o passar
do tempo para suprir suas necessidades bsicas.
Tais obreiros que esto submetidos a trabalhos em condies anlogas de
escravo nas confeces laboram em condies degradantes, na maioria das vezes
moram no local de trabalho, tem jornadas exaustivas, documentos retidos, com
restrio de locomoo. So alarmantes as condies que so submetidos estes
trabalhadores, como demonstrado no relato a seguir:
Os trabalhadores tinham a liberdade cerceada, permaneciam em ambientes de trabalho e havia indcios tambm de trfico de pessoas em um dos estabelecimentos. [...] Na primeira oficina, por exemplo, uma jovem trabalhadora mantinha o filho recm-nascido no colo amamentando, enquanto costurava um vestido de renda. Neste mesmo local, armrios estavam trancados com cadeado para que as pessoas no pudessem comer sem autorizao. Os empregados tambm confirmaram que precisavam da autorizao do dono da oficina para deixar o imvel, que servia ao mesmo tempo de moradia precria e de unidade de produo txtil improvisada. [...] Marido de Ins, Pedro**, de 30 anos, relatou que trabalhava das 7h s 23h, de segunda a sexta. A jornada era cumprida, segundo ele, "mesmo com os olhos fechando". Aos sbados, o turno seguia at s 13h. O casal chegou a trabalhar por trs meses, de forma intensiva e sem nenhuma remunerao, para quitar a dvida de suas passagens, sinal claro da conexo da escravido com o trfico de pessoas.31
30 CAVALCANTI, Hilda. Lista suja mostra aumento de trabalho escravo em reas urbanas: problema pode estar ligado trfico de pessoas e a explorao de imigrantes ilegais nas grandes cidades. Disponvel em: < http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/01/brasil-tem-579-empresas-que-tratam-trabalhadores-como-2018escravos-modernos2019-5579.html>. Acesso em 12 mar. 2014. 31 Grife de luxo mantinha trabalho escravo em confeces: pessoas eram mantidas presas at acertarem sua dvida com os empregadores. R7 notcias. Disponvel em: < noticias.r7.com/.../grife-de-luxo-mantinha-trabalho-es...>. Acesso em 10 mar. 2014.
http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/01/brasil-tem-579-empresas-que-tratam-trabalhadores-como-2018escravos-modernos2019-5579.htmlhttp://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/01/brasil-tem-579-empresas-que-tratam-trabalhadores-como-2018escravos-modernos2019-5579.html
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Percebe-se a estreita ligao entre a escravido contempornea nos centros
urbanos e o trfico de pessoas, j que muitos imigrantes vm para o Brasil de maneira
irregular e clandestina com o auxlio daqueles que fazem parte de um sistema de
angariao de mo-de-obra extremamente barata, j que deixada margem da
legalidade, dos direitos fundamentais e do trabalho. Tal mo de obra, mostra-se
interessante para aquele empresariado que busca um custo extremamente reduzido
almejando o mximo lucro sem se preocupar com a adequao e respeito a legislao,
tornando-se um negcio, portanto, interessante para todos os envolvidos neste
sistema, menos evidentemente ao trabalhador imigrante ilegal que se v preso a tal
circunstncia, na medida que tem medo de ser denunciado, deportado e at mesmo
de voltar ao seu pas.32
Caso emblemtico e que ganhou grande repercusso nacional e internacional
nos meios de comunicao, refere-se ao caso das oficinas clandestinas de costura
que utilizavam mo de obra em condies anlogas de escravo, ligadas a rede de
lojas Zara. Neste caso os fiscais encontraram a seguinte situao:
Dentro da oficina, o impacto de mais de 50 pessoas trabalhando em meio a pilhas desorganizadas de tecidos, lado a lado com fios desencapados e extintores vazios. Esse lugar pode pegar fogo a qualquer momento, disse um dos auditores, observando a quantidade de improvisaes eltricas para suprir o funcionamento de tantas mquinas. O calor era insuportvel. Em depoimento, trabalhadores admitiram receber aproximadamente R$ 0,20 por pea produzida, o que resultava em jornadas exaustivas de at 14 horas. Comeamos a costurar s 7h e terminamos s 21h, disse um deles. Em sua maioria bolivianos 46 do total , os costureiros desconheciam a lei brasileira. Boa parte deles permanecia no pas de forma ilegal, sem visto de permanncia vlido.33
32 Neste sentido ver: ROSSO, Gisele. Indocumentados em condies precrias. Medo de deportao faz com que imigrantes suportem situaes degradantes sem reclamar direitos. LABOR. Revista do Ministrio Pblico do Trabalho, ano I, n2, 2013 ISSN. p.47-48. Disponvel em: . Acesso em 10 mar. 2014. p.47-48. 33 ALMEIDA, Rafael. Flagrante de trabalho escravo muda paradigma do setor txtil. LABOR. Revista do Ministrio Pblico do Trabalho, ano I, no 1, 2013 ISSN 2317-2401. p. 15. Disponvel em: < http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/>. Acesso em 10 mar. 2014. p.47-48.
http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/
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A empresa afirmou no caso que no tinha conhecimento de tal situao e que
tais oficinas foram na verdade contratadas por uma empresa fornecedora da marca.
No entanto, com a presso dos rgos responsveis pela fiscalizao a Intedex
responsvel pela marca Zara firmou acordo de responsabilidade para com os
funcionrios das terceirizadas.34 35
Na verdade, para que haja uma transformao e tais episdios no se repitam,
ou ao menos, tornem-se menos frequentes preciso que se envolva e torne
claramente responsvel toda a cadeia de produo das confeces, evitando dvidas
quanto parcela de responsabilidade dos agentes econmicos envolvidos.
Outro exemplo de escravido contempornea nos centros urbanos
encontrado na construo civil, que tem registrado um aumento significativo no
nmero de casos. Assumindo inclusive o primeiro lugar na lista das empresas que se
utilizam de mo de obra em condies anlogas de escravo.36
Muitos trabalhadores vm para os centros urbanos aliciados e outros de forma
independente, porm, como meio de sobrevivncia acabam ingressando em um
mercado de trabalho destinado explorao na forma da escravido contempornea.
Desta forma, percebe-se que tambm nos centros urbanos h um estreitamento na
relao entre o trabalho anlogo ao de escravo com a migrao das pessoas.
O crescimento do nmero de ocorrncias da escravido contempornea na
construo civil pode ser explicado por vrios motivos entre os quais: a prpria
mecanizao do campo que leva aqueles que l eram submetidos a esta condio a
serem importados para trabalhos em rea urbana, o crescimento nos ltimos anos
na construo civil que precisa de mais trabalhadores para comportar a demanda, o
que acaba gerando uma esperana de emprego para os trabalhadores
34 ALMEIDA, Rafael. Flagrante de trabalho escravo muda paradigma do setor txtil. LABOR. Revista do Ministrio Pblico do Trabalho, ano I, no 1, 2013 ISSN 2317-2401. p. 15. Disponvel em: < http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/>. Acesso em 10 mar. 2014. p.47-48. 35 Cf. SAKAMOTO, Leonardo. Zara admite CPI que houve trabalho escravo na produo de suas roupas. Disponvel em: < http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/>. Acesso em: 23 maio. 2014. 36 OJEDA, Igor. Escravido urbana passa a rural pela primeira vez. Segundo dados sistematizados pela Comisso Pastoral da Terra, 53% dos resgatados em 2013 exerciam atividades nas cidades. Construo civil encabea lista. Reprter Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 5 abr. 2014.
http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/comunicacao/revista_labor/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hH92BPJydDRwML71BLA0cLE19jNw9TI2c3I6B8JJK8v4m7kYFniKmpu5dZUJiXgQEFukMdTYnRbYADOBKyOxzkV_xuxyMPdh1IHo_9fh75uan6BbmhoREGmQHpjoqKAJkt7JQ!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/05/22/zara-admite-a-cpi-que-houve-trabalho-escravo-na-producao-de-suas-roupas/http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/05/22/zara-admite-a-cpi-que-houve-trabalho-escravo-na-producao-de-suas-roupas/http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/http://reporterbrasil.org.br/2014/02/escravidao-urbana-passa-a-rural-pela-primeira-vez/http://reporterbrasil.org.br/2014/02/escravidao-urbana-passa-a-rural-pela-primeira-vez/
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desempregados e que sem perspectivas se dirigirem as cidades em busca de tais
oportunidades. 37
O fato que, muitas so as denncias e as situaes de flagrante que envolvem
a construo civil, inclusive abrangendo construtoras que so financiadas com
dinheiro pblico e que atuam para o governo, basta ver os casos que envolveram
empresas ligadas ao Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal. Como
se pode notar no exposto pelo Procurador Rafael de Arujo Gomes em notcia
vinculada pela Agncia Brasil:
De acordo com o procurador Gomes, com a exploso do crdito imobilirio, especialmente devido a programas do governo federal como o Minha Casa, Minha Vida, algumas construtoras buscam firmar o maior nmero de contratos possvel, sem ter condies de realizar as obras. [As empresas no sabem] como vo contratar, qualificar e dar andamento a essas obras. Se vo ter funcionrios suficientes ou no. Aparentemente est ocorrendo isso. Uma ganncia de fechar a maior parte de contratos, assegurar os recursos e s depois se preocupam se vo conseguir entregar o imvel. E no conseguem, destaca. De acordo com o vice-presidente de Relaes Capital-Trabalho do Sindicato da Indstria da Construo Civil do Estado de So Paulo (Sinduscon-SP), Haruo Ishikawa, h falta de mo de obra no setor, o que leva empreiteiras a subcontratar empresas no qualificadas para fornecer os trabalhadores. So os subempreiteiros contratados que esto praticando isso. Estamos sugerindo para as empresas que, ao contratar o subempreiteiro, verifiquem realmente as condies de trabalho apresentadas, destaca. A responsabilidade tambm da empresa contratante, que a empresa construtora principal, acrescenta.38
Existem outras formas de trabalho anlogo ao de escravo no meio urbano, mas
no se pretende aqui discorrer sobre todas, apenas apresentar as mais usuais
encontradas no contexto atual representada pelo nmero de incidncia e pelos
prejuzos sociais causados. Vale mencionar ainda o caso recente divulgado que
37 ROCHA, Rodrigo; HASHIZUME, Maurcio. Construo civil combina recorde de empregos e problemas. Nunca houve tantos trabalhadores formais na construo civil no pas. So 2,7 milhes que conforme dados, pesquisas e relatos de dirigentes sindicais seguem expostos a riscos e acidentes. Setor patronal destaca melhorias. Reprter Brasil. Expe a notcia: Um dado especfico da regio e que chamou a ateno da procuradora do trabalho foi a migrao de cortadores de cana-de-acar para a construo civil. Com a mecanizao de boa parte dos canaviais, parte dos trabalhadores ficou sem trabalho. [...]. Disponvel em: < http://reporterbrasil.org.br/2010/10/construcao-civil-combina-recorde-de-empregos-e-problemas/>. Acesso em 5 abr. 2014. 38 BOCCHINI, Bruno. Aumento de trabalho escravo na construo civil preocupa Ministrio Pblico. Agncia Brasil. Disponvel em: < http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-05-16/aumento-de-trabalho-escravo-na-construcao-civil-preocupa-ministerio-publico>. Acesso em: 20 nov. 2013.
http://reporterbrasil.org.br/2010/10/construcao-civil-combina-recorde-de-empregos-e-problemas/http://reporterbrasil.org.br/2010/10/construcao-civil-combina-recorde-de-empregos-e-problemas/http://reporterbrasil.org.br/2010/10/construcao-civil-combina-recorde-de-empregos-e-problemas/http://reporterbrasil.org.br/2010/10/construcao-civil-combina-recorde-de-empregos-e-problemas/http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-05-16/aumento-de-trabalho-escravo-na-construcao-civil-preocupa-ministerio-publicohttp://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-05-16/aumento-de-trabalho-escravo-na-construcao-civil-preocupa-ministerio-publico
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envolve a denncia de trabalho anlogo ao de escravo em navio que atua na costa
brasileira, tripulantes acusam a empresa de submet-los a jornadas exaustivas, o
Ministrio Pblico do Trabalho e o Ministrio do Trabalho e Emprego apuram as
acusaes.39
O que se percebe, principalmente nos casos de escravido urbana uma forte
presena do processo de terceirizao, que aparece como pano de fundo para
isentar a empresa tomadora, como tentativa desta se eximir da responsabilidade em
relao aos obreiros quando estes so submetidos a irregularidades e desrespeito
aos seus direitos fundamentais e trabalhistas. Logo, importante verificar como ocorre
esse processo de terceirizao e a sua relao com a escravido contempornea.
2.1.3 A Relao da Terceirizao com a Escravido Contempornea.
O processo de terceirizao surgiu com a finalidade de proporcionar uma
especializao de tarefas. O intuito era que a empresa gastasse suas energias e
recursos para a obteno de uma excelncia na sua atividade fim, podendo portanto,
passar a execuo de atividades meio para outra empresa, diminuindo seus custos
com a mo de obra.40
No Brasil a terceirizao permitida em relao a atividade meio, mas no
permitida em relao a atividade fim, conforme determina a smula 331 do TST41,
39 DCIMO, Tiago. MP apura suspeita de trabalho escravo em navio: Treze tripulantes reclamam de
jornadas de trabalho de 11h ininterruptas e de assdio moral e sexual a bordo de embarcao da MSC
Crociere. Estado. Disponvel em: . Acesso em: 16 abr. 2014. 40 MARTINS, Srgio Pinto. A terceirizao e o direito do trabalho. 5. ed. rev. e ampl. So Paulo: Atlas, 2001. p. 41. Expe o autor: Vem a ser a terceirizao uma opo, nas mos dos empresrios, para melhorar o desempenho de sua empresa, agilizando-a, esta tem de fazer apenas aquilo que especialidade sua, e no outras atividades. 41 Cf. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Smula 331: CONTRATO DE PRESTAO DE SERVIOS. LEGALIDADE (nova redao do item IV e inseridos os itens V e VI redao) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.I - A contratao de trabalhadores por empresa interposta ilegal, formando-se o vnculo diretamente com o tomador dos servios, salvo no caso de trabalho temporrio II - A contratao irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, no gera vnculo de emprego com os rgos da Administrao Pblica direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - No forma vnculo de emprego com o tomador a contratao de servios de vigilncia (Lei n 7.102, de 20.06.1983) e de conservao e limpeza, bem como a de servios especializados ligados atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinao direta. IV - O inadimplemento das obrigaes trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios quanto quelas obrigaes, desde que haja participado da relao
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mp-apura-suspeita-de-trabalho-escravo-em-navio,1149609,0.htmhttp://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mp-apura-suspeita-de-trabalho-escravo-em-navio,1149609,0.htm
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gerando responsabilidade subsidiria em relao a direitos trabalhistas ao tomador de
servios quando a terceirizao lcita ou solidria quando a mesma ilcita.
Contudo, o processo da terceirizao tem apresentado um desvirtuamento da
sua finalidade por parte de muitas empresas.42 Com o intuito de reduzir custos com a
mo de obra e na expectativa de se isentar da responsabilidade em relao a abusos
e inobservncia de direitos dos trabalhadores, algumas empresas buscam maquiar
contrataes de empregados atravs de um processo de terceirizao distorcido ou
de quarteirizao o que vedado pelo ordenamento jurdico brasileiro43.
Nesta perspectiva, muitos casos em que se encontra situaes de escravido
contempornea envolvem processos de terceirizao ou da denominada
quarteirizao. 44 Destaque-se os casos de trabalho anlogo ao de escravo presentes
processual e conste tambm do ttulo executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administrao Pblica direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condies do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigaes da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalizao do cumprimento das obrigaes contratuais e legais da prestadora de servio como empregadora. A aludida responsabilidade no decorre de mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI A responsabilidade subsidiria do tomador de servios abrange todas as verbas decorrentes da condenao referentes ao perodo da prestao laboral. Disponvel em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 10 mar. 2014. 42 Cf. VIANA, Mrcio Tlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirizao: aspectos gerais: a ltima deciso do STF e a Smula n. 331 do TST: novos enfoques. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, So Paulo, v. 77, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011. p. 60. Disponvel em: . Acesso em: 10 maio. 2014. Afirmam os autores: [...] a terceirizao, como vimos, tambm uma estratgia de poder. Viabilizada pela nova relao de foras entre capital e trabalho, ela aprofunda a desigualdade entre os atores sociais, minando a fora do grupo e abalando os alicerces do prprio Direito. 43 Cf. SO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2 Regio (TRT 2). Acrdo n: 20131056870.
Ementa: Quarteirizao. Modalidade deturpada de terceirizao de servios, inadmitida pelo
ordenamento jurdico. Ilicitude e fraude, luz do artigo 9 da CLT. Inadmissvel, luz do Direito do
Trabalho, a mera intermediao de mo-de-obra consistente no repasse, ao tomador final, de servios
ilicitamente terceirizados pela prestadora, pois vinculados sua prpria atividade-fim. Trata-se de
modalidade deturpada de terceirizao de servios, a que se possa atribuir a alcunha de quarteirizao,
inadmitida no ordenamento jurdico ptrio por envolver a prtica de terceirizao pela prpria empresa
contratada para a prestao de servios, que para esse fim deveria dispor de empregados prprios,
integrantes de seu quadro permanente. A prtica intrinsecamente ilcita e fraudulenta, atribuindo
empresa contratada a ambivalente condio de tomadora dos prprios servios prestados, em evidente
prejuzo do empregado, enredado numa trama que visa notoriamente ocultar os laos diretos que o
ligam tomadora final de seus servios. Ntida nessas condies a fraude praticada, atraindo a
incidncia do artigo 9 da CLT. Recurso Ordinrio. Data de julgamento: 26/09/2013. Relator (a): Jane
Granzoto Torres da Silva. Revisor (a): Bianca Bastos. Acrdo n: 20131056870. Processo n:
01366004320085020074 a20. Ano: 2013. Turma: 9. Data de publicao: 04/10/2013. Disponvel em:
. Acesso em: 10 abr. 2014. 44 Cf. PARAN. Tribunal Regional da 9 Regio (TRT 9). TRT-PR-00937-2007-892-09-00-4-ACO-17979-2008. Ementa: Quarteirizao - Responsabilidade Subsidiria das Empresas - A obreira foi contratada pela primeira r, que mediante contrato, prestou servios para a segunda r a qual possua contrato de prestao de servios em face da terceira r. o fenmeno que se denomina "quarteirizao", que nada mais do que a delegao da gesto de atividades terceirizadas, mas que
http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/22216http://www.trt2.jus.br/pesquisa-jurisprudencia-por-palavra-ementados
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nas confeces clandestinas de roupas encontradas em So Paulo, por meio de
terceirizaes realizadas por fornecedores de marcas famosas.45 As empresas tentam
ao mximo se eximir de responsabilidade, alegando o desconhecimento desta
terceirizao, a no aprovao da mesma e o desconhecimento da situao em que
se encontravam os trabalhadores submetidos a condies anlogas de escravo.
Caso amplamente divulgado no final da dcada de 90 envolveu a marca Nike,
que teve seu nome e imagem comprometidos depois de se constatar que haviam
crianas na sia trabalhando na confeco de seus produtos dentro de oficinas
terceirizadas.46 O documentrio A corporao47 mostra oficinas terceirizadas pela
Nike que utilizavam mo de obra infantil e aparentemente tambm a anloga de
escravo, pois conforme expe o filme, documentos da empresa foram encontrados no
lixo na Repblica Dominicana em que a Nike determinava o tempo de execuo para
a confeco das peas minuciosamente definidos em milsimos de segundo. O
trabalhador tinha 6,6 segundos para a confeco de uma camisa e ganhava por este
para o direito do trabalho possui as mesmas consequncias jurdicas e legais da terceirizao, pois h o trabalho humano desenvolvido pelo empregado da "quarteirizada" cujos benefcios so usufrudos por todas as empresas desta cadeia produtiva organizacional. No importa neste aspecto a inexistncia de relao jurdica material de forma direta da obreira em re