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AS CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS SUPERLATIVAS
DISFÊMICAS: uma análise sociocognitiva
Silvio César Santos
Rio de Janeiro
Março de 2012
AS CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS SUPERLATIVAS
DISFÊMICAS: uma análise sociocognitiva
Silvio César Santos
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como requesito para a
obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Orientadora: Profª. Doutora Maria Lucia Leitão de
Almeida
Rio de Janeiro
Março de 2012
AS CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS SUPERLATIVAS DISFÊMICAS:
uma análise sociocognitiva
Silvio César Santos
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão Almeida
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Maria Lucia Leitão Almeida
_________________________________________________
Prof. Doutor Janderson Lemos de Souza – UNIFESP
_________________________________________________
Profª. Doutora Regina Souza Gomes – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Carlos Alexandre Gonçalves – UFRJ, Suplente
_________________________________________________
Profª. Doutora Lilian Ferrari – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro Março de 2012
Eu só me percebo como um ser do mundo,
quando me comparo aos outros seres.
À Manuela, a luz da minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Carlos Alexandre Gonçalves, pela sinceridade, incentivo e apoio
desde sempre.
À Maria Lúcia Leitão Almeida, orientadora, amiga, entusiasta e por
nunca ter desistido de mim.
A Mauro José Rocha, meu orientador pela simplicidade,
generosidade e gentileza, mesmo nas horas em que eu não merecia.
À Izabele, sobrinha e amiga , pelo apoio tecnológico indispensável a
qualquer pesquisa.
Aos professores e funcionários desta instituição, que cooperaram de
forma indelével para esta pesquisa.
À Tânia, à Fernanda e a Fábio, pela criteriosa revisão e pela atenta e
tradução.
A Rafael, por tirar as dúvidas em campos da ciência não percorridos
por este mestrando.
RESUMO
As Construções Comparativas Superlativas Disfêmicas: uma análise sociocognitiva
Silvio César Santos
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão Almeida
Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
A pesquisa tem por objeto de estudo as Construções Comparativas Superlativas Disfêmicas e
suas relações com os conceitos da Linguística Cognitiva. O foco centrou-se na análise de
construções que possuem grande ocorrência entre os falantes do Português do Brasil,
sobremaneira os da região sul e sudeste. O embasamento teórico privilegiou conceitos básicos
da Linguística Cognitiva como os Esquemas Imagéticos, os Modelos Cognitivos Idealizados
(LAKOFF, 1987) e os Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1994), que servem de substrato
para a formalização em termos de Mesclagem Conceptual (FAUCONNIER, 1994, 1997;
FAUCONNIER e TURNER, 2002) e em termos de Gramática Construcional (GOLDBERG,
1995). O percurso efetuado pelo estudo intenta demonstrar que a comparação é inerente não
só à linguagem, mas a muitas operações e experiências corpóreas sensoriais e cognitivas,
relacionando a comparação à metáfora, à metonímia e à metaftonímia em relações de
correspondência interdominiais.
O corpus selecionado para a pesquisa foi obtido por meio de audiência de programas
radiofônicos e televisivos, além de pesquisas em sítios eletrônicos de busca, o que
demonstrou a frequência de uso não só na linguagem cotidiana, mas também nas mídias em
geral.
Como não foram encontrados trabalhos relacionados às Construções Comparativas
Superlativas Disfêmicas na abordagem Cognitivista, o objetivo principal deste estudo foi
sinalizar as várias possibilidades de especificação dos estudos devido à alta complexidade do
fenômeno linguístico em questão.
Palavras-chave: comparação; metáfora; metonímia; Linguística Cognitiva;
mesclagem conceptual; construção gramatical.
Rio de Janeiro
Março de 2012
ABSTRACT
The Comparative and Superlative Dysphemic Constructions: a social cognitive analysis
Summary of the Master’s dissertation submitted to the Post-Graduation Program in Language
of Federal University of Rio de Janeiro –UFRJ, as part of the requirements for obtaining the
Master's degree in Portuguese Language.
Silvio César Santos
Advisor: Maria Lúcia Leitão Almeida
This research has the aim of studying the Comparative and Superlative Dysphemic
Constructions and their relationship with concepts of Cognitive Linguistics. The study was
based on the construction of the analysis that presents high productivity among the brazilian
portuguese speakers, especially the south and southeast speakers. The basis of the theory gave
more importance to basic concepts of the Cognitive Linguistics like the Image Schemas, the e
Idealized Cognitive Models (LAKOFF, 1987) and the Mental Spaces (FAUCONNIER,
1994), that serve as the essence to a formalization in terms of Conceptual Blending and in
terms of Constructional Grammar (GOLDBERG, 1995). The study wants to show that the
comparison is inherent not only to the language but also to many bodily sensory and cognitive
experiences, relating the comparison to the metaphor, metonymy and metaftonymy in
relations of the corresponding relationship interdominiais.
The “corpus” selected to the study was obtained through the hearing on radio and television
programs, in addition to the research to sites of search, and all of this demonstrated that the
use is very common in daily language and in different kinds communication vehicles.
As we did not find similar researches related to the comparative and superlative dysphemic
constructions concerning the cognitive approach, the main aim of this study is to demonstrate
the different possibilities of specification of the studies of the linguistic phenomenon that is
being discussed.
Keywords: comparison; metaphor; metonymy; cognitive linguistics; conceptual blending;
grammatical construction.
Rio de Janeiro
Março de 2012
SUMÁRIO
1. A COMPARAÇÃO 11
1.1 COMPARAÇÃO e LINGUAGEM 12
1.2 COMPARAÇÃO E CORRELAÇÃO 14
2. O DISFEMISMO 16
2.1 A COMPARAÇÃO DISFÊMICA 17
3. A LINGUÍSTICA COGNITIVA 19
3.1 OS ESQUEMAS IMAGÉTICOS 22
3.1.1. Outro Exemplo 24
3.2 OS MODELOS COGNITIVOS IDEALIZADOS 24
3.3 OS ESPAÇOS MENTAIS 29
3.4 OS MAPEAMENTOS CONCEPTUAIS 34
3.4.1 Os Espaços de Entrada 36
3.4.2 O Espaço Mescla 40
4. A FIGURATIVIDADE NA LINGUAGEM 42
4.1 A METÁFORA 42
4.2 A METONÍMIA 45
4.3 A POLISSEMIA 45
4.4 A VISÃO COGNITIVISTA 46
4.4.1 A Metonímia Conceptual 48
4.4.2 A Metaftonímia 49
4.4.3 A Correspondência Metafórica 49
5. A VISÃO CONSTRUCIONAL 53
5.1 A VISÃO TRADICIONAL DA
CONSTRUÇÃO COMPARATIVA 54
5.2 A TEORIA CONSTRUCIONAL GOLDBERGUIANA 55
5.2.1 Os Princípios Goldberguianos 56
5.2.2 As Relações de Herança 57
5.3 A ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES 58
5.3.1 A Construção Comparativa 59
5.3.2 A Construção Comparativa Superlativa 60
5.4 PROPOSTA INICIAL DE REDE CONSTRUCIONAL 63
6. METODOLOGIA 65
6.1 CONSTITUIÇÃO DOS CORPORA 65
6.2 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE 65
7. A ANÁLISE DO CORPUS 67
7.1 A IDIOMATICIDADE 67
7.2 TIPO E OCORRÊNCIA 72
7.2.1 A Construção 1 72
7.2.2 A Transitividade da Construção 1 73
7.3 A CONSTRUÇÃO 2 75
7.4 OS CONSTITUINTES ESTRATIFICADOS 77
7.5 O TERMO COMPARANTE 78
7.6 O PROCESSO DE MESCLAGEM NAS CONSTRUÇÕES 82
CONCLUSÃO 88
REFERÊNCIAS 90
ANEXO 94
ÍNDICE DE ESQUEMAS, GRÁFICOS, TABELAS E DIAGRAMAS
1.1 C
O
M
P
A
R
A
Ç
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A
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E
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1
1
TIPO PÁGINA
ESQUEMA 1
ESQUEMA 2
ESQUEMQ 3
ESQUEMA 4
ESQUEMA 5
23
69
85
86
87
GRÁFICO 1
GRÁFICO 2
GRÁFICO 3
GRÁFICO 4
GRÁFICO 5
GRÁFICO 6
GRÁFICO 7
GRÁFICO 8
GRÁFICO 9
GRÁFICO 10
GRÁFICO 11
GRÁFICO 12
GRÁFICO 13
GRÁFICO 14
GRÁFICO 15
GRÁFICO 16
GRÁFICO 17
GRÁFICO 18
GRÁFICO 19
GRÁFICO 20
GRÁFICO 21
27
32
33
36
37
38
39
41
44
48
51
53
55
59
60
61
62
63
79
80
82
TABELA 1
TABELA 2
26
75
DIAGRAMA 1 64
1. A COMPARAÇÃO
A comparação, antes de ser um fenômeno linguístico, deve ser encarada como
uma operação mental inerente à espécie humana e atuante em suas formas de
relacionamento social. Não é difícil vislumbrar que nossos antepassados mais remotos
mensuravam os riscos que poderiam correr na obtenção de alimentos através do cotejo
das diferentes situações e dos riscos advindos delas.
Com o incremento das relações sociais, o homem expande o processo
comparativo às múltiplas e complexas situações a que se acha exposto e, assim, além
dos riscos vitais, ele também está habilitado a fazer ilações acerca de possíveis
eventos, podendo decidir uma situação de acordo com a previsão de determinada
situação.
Com a comparação, o homem se identifica no mundo em relação aos seres
humanos e aos animais, também consegue verificar a existência das coisas, dos
processos e eventos que o cercam, desenvolvendo uma consciência ontológica
primordial à própria existência. Passamos boa parte da vida fazendo comparações entre
pessoas, objetos e entidades diversas, e esse processo é tão inerente ao mais básico
subjetivismo individual (estou aqui porque não me encontro lá) quanto ao conjunto de
conhecimentos compartilhados por um grupo específico (como a comparação entre
rochas feita por geólogos).
Também há a comparação feita por determinada comunidade, como a
comparação entre as cores, que possuem diferentes nuanças de acordo com a cultura
em questão (o que, para o brasileiro, é o azul prototípico, para o uruguaio, chama-se
celeste). E, finalmente, as comparações feitas por toda a humanidade, ao comparamos
ações rotineiras compartilhadas por todos, como andar, correr, sorrir etc.
Decorrente da operação cognitiva de comparar e de outras operações e
experiências, temos nossos padrões culturais definidos1, tais como o que é ser magro
ou gordo, alto ou baixo, bonito ou feio, quente ou frio.
1 Definidos, mas não estáticos, pois podem ser mudados por fatores diversos, tais como cultura e período
histórico.
1.1 COMPARAÇÃO E LINGUAGEM
É indiscutível que o processamento da comparação ocorre na mente, mas essa
operação somente se efetivará através da linguagem, uma vez que as diversas
instanciações das sentenças comparativas conduzirão o pensamento do interlocutor
para um caminho em que entrarão em jogo os termos a serem comparados.
E diante dos elementos envolvidos na comparação, temos as comparações mais
prototípicas, que é a comparação entre seres de um mesmo universo, como “Pedro é
mais alto que João.”; passando por comparações entre seres de universos diferentes:
“João é alto como uma girafa.”
É na experiência compartilhada entre os seres humanos que baseamos a
presente pesquisa que procedeu a um recorte devido à grande produtividade de
ocorrências e tipos de sentenças comparativas, mas que não deixará de enfocar suas
características centrais.
O objeto de estudo foi definido ao levar em consideração dois aspectos das
sentenças comparativas em que interagem de forma indissociáve:l a face sintática e a
face semântica. Em relação à face sintática, nos referimos à organização e
configuração da construção, visto que sua mudança poderá interferir em seu sentido.
Há diversas configurações de construções comparativas, variando em número e
natureza dos constituintes, como assinala Lima-Hernades (2006: 3)
A expressão da comparação, contudo, manifesta-se em níveis variados de
complexidade estrutural. Assim é que se pode manifestar a comparação por
meio de orações simples com a inclusão de termos que se predispõem a esse
processamento (por ex.: o verbo preferir, anteriormente citado). Pode-se
também estabelecer a comparação por intermédio da aproximação de
orações num período composto, cujas informações são justapostas para o
encaminhamento da operação de comparar através de conjunções
específicas.
Já a informação semântica, que se agrega à configuração sintática atribui uma
carga de sentido diversa, dependendo da construção em questão e desse modo,
observamos os diversos tipos de orações comparativas já compiladas por Gramáticas
Tradicionais (BECHARA, 2001:326-7; CUNHA e CINTRA, 2007:621-2), que
privilegiam a gramaticalidade das orações, classificando-as de acordo com o conectivo
ou recurso morfossintático envolvidos em:
a) comparativo de superioridade: um ser possui determinada
qualidade em grau superior a outro: “Pedro é mais estudioso
do que Paulo.”
b) comparativo de igualdade: um ser possui determinada
qualidade em grau igual a outro: “Álvaro é tão estudioso
como [ou quanto] Pedro.”
c) comparativo de inferioridade: um ser possui determinada
qualidade em grau inferior a outro: “Paulo é menos
estudioso que Álvaro.”
d) superlativo absoluto: um ser apresenta em elevado grau
determinada qualidade: “Paulo é inteligentíssimo.”
e) superlativo relativo: em relação à totalidade dos seres que
apresentam a mesma qualidade, um se sobressai por possuí-
la em grau maior ou menor que os demais: “Carlos é o
aluno mais estudioso do Colégio.”
Ao observar a análise tradicional, fica patente a importância dada à estrutura
sintática em detrimento da semântica de apenas um item - a conjunção -, no caso das
comparativas de superioridade, igualdade e inferioridade; ou de recursos
morfossintáticos, tais como o sufixo ‘-íssimo’ e o uso da configuração sintática no
superlativo absoluto.
Assim os estudos tradicionais analisam as construções comparativas
privilegiando apenas um item: ”Comparativas, se a conjunção é subordinativa
comparativa” (CUNHA e CINTRA, 2007:621), o que torna a análise eminentemente
composicional, ao preterir os demais constituintes da configuração sintática.
1.2 COMPARAÇÃO E CORRELAÇÃO
Observando mais uma vez as análises tradicionais, constatou-se que um grande
número de construções comparativas possuem uma idiossincrasia sintático-semântica
que as aproxima de outras construções do Português do Brasil.
A relação entre os termos que processam a comparação pode ser definida como
uma correlação, uma vez que estão envolvidos dois termos em relação de analogia.
Essa relação não é exclusividade das construções comparativas, visto que ocorre em
outros ambientes sintáticos, mas ela possui alguns conflitos em sua descrição, porque
não se enquadra nas tradicionais relações entre orações que são classificadas como
coordenadas, quando há independência entre elas; ou subordinadas, quando existe uma
dependência da oração subordinada em relação à oração principal.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira segue claramente os parâmetros
dicotômicos estruturalistas (MÓDULO, 2010), que não admite a inserção de uma
terceira categoria na classificação dos processos sintáticos, o que leva a alguns
conflitos em relação à correlação.
Concordamos que uma construção como “Cláudio pegou a chave do carro e
saiu” se enquadra entre as orações coordenadas pela relação de independência sintática
existente entre suas partes (Cláudio pegou a chave do carro. / Cláudio saiu.); mas a
mesma classificação não pode ser atribuída à construção “Cláudio não só pegou a
chave do carro, mas também saiu.”, uma vez que aqui não há independência
sintática e muito menos semântica (*Cláudio não só pegou a chave do carro. /
*Cláudio mas também saiu.).
Há no exemplo acima uma relação de interdependência (OITICICA, 1942), não
só sintática, mas também semântica entre as partes constituintes que imprimem uma
nuança mais enfática em relação à oração chamada de coordenada aditiva.
Rosário (2010) nos mostra que há um grupo que afirma que as construções
correlativas se processam por meio da coordenação e da subordinação como um
subtipo das coordenadas e das subordinadas (CAMARA JR., 1981; BECHARA, 2001;
LUFT, 2000; KURY, 2003), enquanto um outro grupo segue a análise de Oiticica
(1952) e situam as construções correlativas como um terceiro processo sintático
(MELO, 1978; CASTILHO, 2004; RODRIGUES, 2009; MÓDULO, 2010).
Dessa forma, um novo caminho para a pesquisa foi iniciado ainda na metade do
século passado e permanece atualmente, não só em relação às construções
comparativas, mas também às demais que apresentam a correlação como característica
principal.
2. O DISFEMISMO
Diante de tantas manifestações linguísticas que traziam o sentido comparativo,
uma chamou a atenção justamente por não constar nos manuais tradicionais e
tampouco em pesquisas recentes: a Construção Comparativa Superlativa Disfêmica.
A partir desse momento instauraram-se os primeiros problemas da pesquisa: a
verificação da produtividade dessa construção e a definição da natureza semântica
disfêmica.
Fato antigo na língua, o disfemismo é um fenômeno de larga produtividade,
mas pouco estudado até o momento desta pesquisa. As menções encontradas sobre o
disfemismo encontram-se em poucos manuais de Estilística (MARTINS, 1981;
GUIMARÃES e LESSA, 1998; LAPA, 1970) ou em um compêndio com uma listagem
dividida por subtipos (KROOL,1984).
No âmbito da lexicografia, foi encontrada apenas uma entrada lexicográfica em
que Houaiss (2001) o define como:
i) emprego de palavra ou expressão depreciativa, ridícula, sarcástica
ou chula, em lugar de outra palavra ou expressão neutra (p.ex.: ficar
puto por ficar com raiva).
ii) palavra ou expressão agressiva, blasfema ou
pejorativa (p.ex.: poetastro, politicóide, reaça).
Uma vez que o objetivo principal da lexicografia não é atribuir um significado
relacionando-o ao contexto de produção discursiva, fez-se necessário uma segunda
definição que tentasse englobar algumas noções discursivas, como o fez Santos
(2009:7): “Disfemismo é um enunciado que contém uma intenção negativa, pejorativa
ou humorística que geralmente é usado em situações informais.”
Dessa forma, a expressão linguística fica condicionada às condições de
produção do discurso e à intenção do falante que poderá adequar o discurso aos seus
propósitos interativos de acordo com o contrato comunicativo (CHARAUDEAU,
2009:56)
A produtividade das expressões disfêmicas mostra-se elevada em manchetes de
jornais populares de grande circulação no Estado do Rio de Janeiro.
“Polícia dá sacode no Borel e avisa: safados vão pra jaula.” Meia Hora de
Notícias, 04 de Janeiro de 2008.
“Bombeirão da milícia leva ferro na Z. Oeste.” Meia Hora de Notícias, 05
de Janeiro de 2008.
“A coisa tá preta na Verde-e-Rosa.” Meia Hora de Notícias, 12 de Janeiro de
2008.
Com os exemplos acima, fica patente que a intenção do produtor do discurso
vai muito além de veicular uma ideia grosseira oposta ao eufemismo, ou seja, há nas
expressões uma conjugação de ideias que se veiculam à notícia levando em
consideração o local onde o fato se efetivou, os personagens envolvidos e uma visão
particular do fato em si, realizada através do disfemismo.
2.1 A COMPARAÇÃO DISFÊMICA
A comparação disfêmica, embora pouco analisada, representa grande
produtividade no Português do Brasil, como se pode observar em adágios sem datação
confirmada, mas sempre presente no ideário dos falantes (Mais comprido que trova
de gago.)
Mas outra forma de expressão linguística que carrega a semântica disfêmica e
que se mostrou muito produtiva em programas radiofônicos de grande audiência² no
Estado do Rio de Janeiro foi a Construção Comparativa Superlativa Disfêmica que
sintetiza em uma forma linguística uma qualidade como feio ou baixo ou um processo
ordinário como bater, correr ou chorar a uma entidade que, à primeira vista, em nada
se assemelha com o processo ou qualidade em questão, mas que está armazenada de
alguma forma na mente do interlocutor, como nas construções abaixo:
1) “Deu mais que chuchu na serra.” (Patrulha da Cidade, 13 de
março de 2009).
2) “Apanhou mais que mulher de malandro.” (Patrulha da Cidade,
12 de Novembro de 2008).
3) “Chorou mais que tampa de marmita.” (Patrulha da Cidade, 05
de Agosto de 2010).
4) “Se virou mais que charuto em boca de bêbado.” (Patrulha da
Cidade, 21 de janeiro de 2011).
Diante das amostras apresentadas, temos agora uma confluência da expressão
disfêmica com a noção de comparação de pelo menos dois termos- o comparante e o
comparado (MARTINS, 1981:97)- e a de superlativismo que dá à expressão uma
carga disfêmica mais forte, visto que não foram observadas expressões inferlativas na
audiência dos programas nem em sítios eletrônicos.
É surpreendente como uma construção preterida durante tanto tempo pela
análise linguística pode apresentar traços tão particulares em sua composição, porque a
Construção Comparativa Superlativa Disfêmica não é apenas uma forma de linguagem
que aproveita um mote qualquer do cotidiano para fazer rir ou ridicularizar alguém ou
uma situação, mas nela estão encaixados processos variados, tais como a correlação
escalar entre os termos comparados, em que temos a noção de um sofrimento superior
a um sofrimento já intensificado (Mais fedorento que arroto de corvo.) e que se
processa na cognição do interlocutor, haja vista não ter ele vivido a maioria dos
processos que instanciam as construções.
É nesse tipo particular de expressão que a pesquisa concentrará seus esforços
para que seja obtida uma análise com bases cognitivistas que considerarão além dos
elementos linguísticos o conhecimento de mundo armazenado na mente dos falantes
durante suas vidas.
3. A LINGUÍSTICA COGNITIVA
A humanidade vem se ocupando do estudo da linguagem desde sempre e é
fascinante perceber como o objeto de estudo tem sido encarado incessantemente
através de milênios e como uma característica inerentemente humana pode receber tão
diversos tratamentos dependendo do ponto de vista adotado.
Do grunhido ao discurso, muito tempo passou, mas o interesse pela capacidade
humana de se comunicar aumenta a cada dia, dando margem a vários modelos
epistemológicos de investigação.
Tínhamos algumas opções para escolher o fulcro teórico desta pesquisa, mas
como investigar construções idiomáticas com correntes linguísticas que não
privilegiam a criatividade do uso linguageiro ou que imaginam um falante ideal que se
comunica de acordo com estruturas arraigadas em seu cérebro por gerações?
A resposta veio com uma teoria que abarcasse não só a língua como objeto de
estudo, mas sim a língua como principal objeto de estudo e em constante confluência
com outras ciências que investigam o nosso pensamento, nossa cultura e nossos
movimentos corpóreos em um mundo a que todo momento fazemos referência.
Essa foi, acredito, a melhor escolha epistemológica para dar conta de
expressões linguísticas que nos trazem sensações, lembranças e experiências que
vivemos, ou – e isso é o melhor- não.
A data de fundação da linguística cognitiva ainda é controversa (cf. CUENCA
e HILFERTHY, 1999; SILVA; SALOMÃO, 2009), mas é ponto pacífico que o
embrião começou a se desenvolver nos finais dos anos 70 a partir de dissidências com
a Gramática Gerativa Padrão de Chomsky (1965) e de ampliação da Semântica
Gerativa, igualmente ligada à cisão em relação à corrente chomskyana, que, sendo uma
teoria mentalista, considerava a linguagem como mais uma faculdade autônoma
humana.
Mesmo sem uma data de fundação definida, é inegável a importância da obra
Women, fire and dangerous things (1987) de George Lakoff, que apresentou a ruptura
com o paradigma objetivista, relacionando a clássica teoria categorial ao estudo das
linguagens naturais e afirmando que o paradigma objetivista é uma idealização, uma
vez que a concepção das categorias de mundo segundo esse paradigma faz-se de modo
arbitrário e, por isso mesmo, artificial, haja vista as operações ad hoc para o
enquadramento nas categorias e o desterramento atribuído aos elementos considerados
esdrúxulos ou idiossincráticos.
Fato com o qual concordamos, uma vez que a categorização clássica
aristotélica, representada no diálogo entre Hermógenes, Crátilo e Sócrates sobre a
justeza das coisas (CRÁTILO), nos informa que a categorização é totalmente arbitrária
e se baseia em características necessárias e suficientes, isto é, que seriam as
propriedades essenciais que convivem com as propriedades acidentais para que
determinado ente faça ou não parte de determinada categoria.
Em sua obra de forte cunho filosófico, Lakoff (1987:160-84) faz uma
importante assunção ao mostrar que tanto o Objetivismo quanto o Experiencialismo
são duas versões do Realismo Básico, em que o primeiro prima pela autonomia e
hermeticidade das categorias, enquanto o segundo postula a confluência de diversos
conhecimentos.
O linguista questiona os postulados da categorização clássica mostrando
exemplos de referenciação biológica e os diferentes conceitos que essa pode
enquadrar, quando mostra que a palavra ‘zebra’ somente se prestará para referir-se
corretamente uma entidade da realidade se corresponder a um grupo com as mesmas
características [comer grama], ou seja, não considera o indivíduo de um grupo, mas o
grupo em si, rementendo-nos à visão de Saussure (1916), que não aborda a
individualidade linguística, lugar onde a criatividade emerge alimentada pela vivência
pessoal e intersubjetividade do falante.
Assim, realça que o Objetivismo é um constructo epistemológico artificial que
não resiste a algumas observações empíricas e, para isso, toma como exemplo a
diferenciação categorial entre ‘zebra’ e ‘peixe’, que podem ser consideradas como
entidades pertencentes a categorias diferentes se for aplicado o critério de classificação
fenético, que considera as diferenças morfológicas e fisiológicas, mas essa ordenação
não resiste a uma classificação cladística, sendo consideradas pertencentes a uma
mesma categoria, uma vez que este critério leva em consideração a evolução de uma
espécie. E, como ambos provêm de um mesmo antepassado, provam que a
classificação categorial clássica é arbitrária porque se baseia em critérios também
arbitrários.
Para construir sua argumentação a favor do Experiencialismo, já demonstrando
como deve ser o modus operandi da Linguística Cognitiva, opera com conhecimentos
de outros campos que vão formar o fulcro epistemológico da Linguística Cognitiva.
Faz uso de teorias de outras ciências, como a Psicologia de Eleanor Rosch
(1976), que estudou a categorização de cores introduzindo a teoria da prototipicidade,
a Filosofia de Wittigeinstein (1994), que introduziu o conceito de semelhança de
família e afirma ter as categorias uma zona de intersecção, e não limites estanques.
Após decidido qual caminho tomar, fizeram-se necessárias duas operações
distintas, mas solidárias: a primeira, comparar o método cognitivo com o de outras
correntes linguísticas e a segunda, explicitar as operações cognitivas a serem realizadas
para embasar a análise do fenômeno.
Iniciar uma empreitada cognitivista requer um esforço singular, no sentido de
se tentar demonstrar relações entre conceitos que todos sabemos existir, mas que não
relacionamos à linguagem.
Como demonstrar para uma comunidade tão acostumada às ideias clássicas que
a linguagem não é especular e que o referente do mundo “real” não ativa apenas um
único significado em nossa mente?
Como revelar que nossas estruturas linguísticas não repousam desde sempre em
nossas mentes e que nossas vivências as modificam sem aviso prévio?
Para muitos, a Linguística Cognitiva é algo como a metafísica transcendental, à
moda de um espírito que pode ser evocado para dar conta de tal ou qual fenômeno
linguístico. O que o cognitivismo postula por observação e formalização é que não há
um nível estrutural de significação, negando a autonomia estruturalista (SILVA,
1997:112), mas que a superfície linguística interage on line com os conhecimentos
adquiridos pelos falantes e pelo espaço que os circunda.
Nega igualmente que a linguagem possa ser gerada por regras lógicas e por
traços semânticos objetivos, indo de encontro ao ideal gerativista que considera a
linguagem como mais uma faculdade humana que possui seu local no cérebro, sendo
assim, modular e isolada de outras faculdades, tais como locomoção, respiração e
visão.
O aporte gerativista considera possuir o indivíduo as estruturas em sua mente
em um estado latente que será desenvolvido com o convívio com os demais
participantes da comunidade linguística.
Achamos (LAKOFF 1987, FALCONNIER, 1997) que é o próprio convívio, ou
seja, o uso que condiciona, modifica e motiva a linguagem e que esse convívio se
encontra tanto na esfera individual quanto na esfera coletiva, que contém os costumes,
as crenças e as convicções (UNGERER e SHIMID, 2006:51-2).
Para embasar nossa pesquisa, levaremos em consideração alguns pressupostos
cognitivistas gerais que não raras vezes podem gerar conflitos devido à fluidez das
concepções: os Esquemas Imagéticos; os Modelos Cognitivos Idealizados (MCI) e
os Espaços Mentais, mas também utilizaremos conceitos mais específicos com a
Teoria da Metáfora e a Teoria da Mescla Conceptual.
3.1 OS ESQUEMAS IMAGÉTICOS
Não é tarefa simples apresentar conceitos que subjazem ideias tão abstratas
como linguagem, cultura e sociedade e, por esse motivo, decidimos por seguir a
explanação de Almeida e Castilho (2007), que partem de uma experiência básica
humana – a motora espacial – para o esclarecimento do conceito imagético espacial
que se apresenta “muito geral e desprovido de conteúdo proposicional e de uma
formulação linguística, e vinculado diretamente à percepção de si próprio e do
ambiente” (CASTILHO, 2007:106). Ou seja, com o nosso próprio movimento
corporal, começamos a nos dar conta de um ser e estar no mundo e é com nossos
movimentos físicos corporais que começamos a dimensionar uma segunda noção
básica: a espacial.
Mesmo não configurando a totalidade dos esquemas imagéticos (CASTILHO,
op.cit.), é graças à percepção espacial que desenvolvemos habilidades cognitivas que
abrangem distância, altura, largura, profundidade e deslocamento. Salientando que nos
esquemas imagéticos não há a presença de conteúdo proposicional, podemos afirmar
que os Esquemas Imagéticos fornecem as primeiras bases cognitivas para a formação
de frases simples, tais como “Minha boneca é mais grande que a sua.”, mas também
estão presentes em frases que revelam o poder dos Esquemas Imagéticos em nossa
linguagem ordinária, mesmo parecendo aparentemente simples “Noventa anos, já é
quase o fim da vida.”, em que a expressão ‘fim da vida’ revela a noção de distância
temporal configurada no espaço vital humano, isto é, a noção básica espacial se
coaduna com a noção biológica e cultural de tempo de vida, suportado pelo Esquema
Imagético do percurso.
No gráfico seguinte, tentamos representar de forma simplificada o caminho
percorrido da experiência básica à formulação de expressões linguísticas cotidianas:
Esquema 1: esquema imagético como substrato cognitivo
100m 500m 1km 2km 10km
10cm 20cm 40cm 80cm
0 ano 7 anos 20 anos 90 anos 95 anos
Nascer Crescer Amadurecer Envelhecer Morrer
Espaço como base para a noção de distância vital
Experiência espacial básica
Minha boneca é mais grande que a sua.
Espaço como base para a noção de tamanho
3.1.1 Outro Exemplo
Observando-se a expressão disfêmica “Estava mais por fora que cotovelo de
caminhoneiro.”, podemos atentar que o termo ‘por fora’ se enquadra em um esquema
imagético espacial, visto que possui um sentido básico que pode ser interpretado como
‘aquele que não está por dentro’. Essa expressão parte de um sentido espacial básico
para compor no ideário do falante uma construção que significa “sem conhecimento,
sem notícia; ignorando (algo)” (HOUAISS, 2001), que, relacionada à imagem de um
motorista de caminhão ao volante, suscita uma derivação de sentido a partir
daexperiência espacial básica.
Com esse exemplo, podemos constatar como uma experiência corpórea básica
alimenta um processo linguístico que produz uma construção idiomática de fácil
entendimento para os falantes de determinada comunidade linguística.
Os Esquemas Imagéticos, por serem mais básicos e não possuírem conteúdo
proposicional, alimentam um outro conceito da Linguística Cognitiva que será
explanado a seguir: o Modelo Cognitivo idealizado.
3.2 OS MODELOS COGNITIVOS IDEALIZADOS
Neste momento estamos frente a frente com um conceito de base cultural, mas
agora avançamos um degrau no caminho que vai das experiências básicas ontológicas
– os Esquemas Imagéticos – e, por isso, não dotadas de conteúdo proposicional; às
experiências ônticas complexas, agora sim dotadas de conteúdo proposicional e de
material linguístico (LAKOFF, 1987), haja vista que é a linguagem que estrutura a
cognição, desde a mais tenra idade, como se pode observar neste passo de Herculano
de Carvalho (1967:293)
...a coisa agora sensivelmente percebida já não é mais um ser fantasmagórico e
nunca antes experimentado, - uma mancha de contornos imprecisos movendo-se
num mundo de outras manchas móveis ou imóveis, inidentificável -, mas é um
cavalo que corre no prado, ...
É na própria aquisição das estruturas mais básicas da natureza humana que se
encontra o arcabouço para a construção das estruturas complexas que terão a árdua
missão de tentar organizar o pensamento humano.
Os Modelos Cognitivos Idealizados, termo cunhado por George Lakoff
(1987), foram de suma importância para embasar a oposição que o experiencialismo
adotou contra o objetivismo clássico aristotélico, que concebia as categorias do mundo
de forma mecanicamente organizadas. Sob a influência da Psicologia de Eleanor
Rosch (1976), Lakoff (1987) nos mostra que as categorias possuem limites difusos e
interconectados e que uma das razões para isso é a influência dos Modelos Cognitivos
Idealizados nas mentes dos falantes de determinada comunidade linguística.
O exemplo clássico é a palavra ‘bachelor’ (solteirão), estudada por Filmore
(1975) apud Cuenca e Hilferty (1999:75), que serviu de base para a investigação dos
efeitos de protipicidade, relacionando-os aos diversos Modelos Cognitivos
Idealizados. A análise do exemplo se presta a argumentar que, no mundo ocidental,
sob uma perspectiva judaico-cristã, o solteirão seria uma pessoa que não se casou na
idade ideal, segundo essa cultura, ou que não conseguiu se manter em união. Mas
nessa categoria não estariam incluídos o Papa e os padres católicos, visto que esses não
possuem a permissão eclesiástica para o matrimônio.
Dessa forma, procurou-se demonstrar que, mesmo em uma mesma cultura, a
compartimentalização das categorias do mundo se mostra artificial, porque cada
categoria possui modelos centrais ou prototípicos, que representam os elementos
exemplares, e modelos periféricos, que não são exemplares e podem estar em contato
com outras categorias, realizando o que Wittgenstein (1994) chamou de semelhanças
de família.
Os Modelos Cognitivos Idealizados são primeiramente modelos, porque são
paradigmas observados em determinada cultura, ou, como observa Castilho (2007):
“os MCI’s enquadram situações de maneira holística, global e utilizam critérios com
um forte lastro na experiência física e social das pessoas, em vez de categorias
estabelecidas conceitualmente e em abstrato.”. Mas também são cognitivos porque
estão em nossas mentes e, desse modo, não podem ser quantificados, muito menos
formalizados em sua totalidade, ou como bem observa Jesus (2009:31):
Mais do que entendimento de contexto, o MCI auxilia a compreensão do
pensamento humano para categorização das entidades ao seu redor, ao mesmo
tempo em que não pode ser ‘encaixotado’ completamente em uma teoria
esquemática; há mais MCI’s do que esquemas teóricos para representá-los.
E, por fim, são idealizados porque não possuímos em nossas mentes estruturas
que refletem a realidade objetivamente, muito ao contrário, construímos um mundo a
partir de percepções que temos de experiências que vivemos e de situações que
imaginamos, construindo, desse modo, nossa cosmovisão. E essa idealização parece
ser o calcanhar de Aquiles do conceito, mas isso é facilmente refutado se observarmos
que os Modelos Cognitivos Idealizados fazem parte de um conjunto maior que são os
modelos culturais e, como a cultura não pode pertencer a apenas uma pessoa, é lícito
afirmar que uma mesma comunidade tem o mesmo conhecimento básico sobre
algumas coisas.
Por isso é que, no MCI de um brasileiro, o local ‘praia’ enquadra homens e
mulheres, ao mesmo tempo, com roupas de banho e - às vezes, sem as roupas - e isso é
algo compartilhado por todos desta comunidade. Essa situação de enquadre seria
inadmissível se considerarmos o MCI de um árabe muçulmano, uma vez que, nessa
cultura, não é permitido à mulher transitar em local público sem que o corpo esteja
coberto quase totalmente.
Portanto, as pessoas compartilham conhecimentos arraigados em sua cultura,
que estabilizam as informações que alimentam os MCI’s e, dessa forma, concordamos
com Ungerer e Schimid (2006:53), quando afirmam que
(...) enquanto o termo ‘modelo cognitivo’ enfatiza a natureza psicológica dessas
entidades cognitivas e permite as diferenças interindividuais, o termo ‘modelo
cultural’ enfatiza o aspecto de unidade de ser compartilhado coletivamente por
muitas pessoas.
Assim, podemos dizer que é nossa cognição que nos faz diferentes um do outro
e, por isso, indivíduos; mas essas diferenças têm uma mesma base que se encontra em
nossa cultura e garante o entendimento entre os falantes.
Todavia, discordamos dos autores quando afirmam que os modelos culturais e
os modelos cognitivos são os dois lados da mesma moeda, pois entendemos que os
modelos cognitivos são o subconjunto dos modelos culturais, uma vez que aqueles se
encontram no âmbito da Antropologia, por abrangerem não somente experiências
cognitivas, mas também corpóreas e motoras, enquanto esses dizem respeito
principalmente às relações psicossociais entre os falantes.
Gráfico 1: relação de continência entre conceitos
2.2.1 Exemplo Disfêmico
Para ilustrar mais uma vez o conceito de MCI, tomaremos em análise a
expressão ‘Suou mais que tampa de marmita’, que significa a exacerbação de um
processo biológico ativado por situações de esforço físico, mal-estar orgânico ou
psicológico, e que somente poderá ser analisada sob MCI’s que enquadram o costume
de armazenar alimentos em um recipiente para um aquecimento posterior, algo que não
está contido, por exemplo, no MCI de um japonês onde a comida da marmita é
consumida em temperatura ambiente. Ou seja, uma expressão que é de fácil
entendimento para um brasileiro, mesmo que nunca tenha usado uma marmita,
parecerá incongruente para uma pessoa de MCI diverso.
Os Modelos Cognitivos Idealizados encontram-se na memória de longo prazo
(SALOMÃO, 2003:27) e, desse modo, configuram estruturas estáveis, mas não
estáticas, que fornecem a base para o entendimento comunicativo, uma vez que para a
Linguística Cognitiva, a forma linguística não é plena, porque não porta o significado;
apenas serve de guia (FAUCONNIER, 1994:1). Para demonstrar uma das formas
como a ampliação dos MCI’s se dá através da interação do ser humano com as
variantes sociais e históricas, procedemos a um teste linguístico que consiste em um
questionário composto por dez construções comparativas superlativas disfêmicas e
uma pergunta direcionada a todas as construções sobre o que o informante entendeu
acerca da frase e uma específica para cada construção, totalizando vinte perguntas, que
serão expostas em seguida:
MODELOS CULTURAIS
MCI
Esquemas
Imagéticos
1) Sofreu mais que suvaco de aleijado.
a) Por que suvaco de aleijado sofre?
2) Apanhou mais que mulher de malandro.
a) Por que mulher de malandro apanha?
3) Suou mais que tampa de marmita.
a) Por que tampa de marmita sua?
4) Estava mais quebrado que arroz de terceira.
a) Por que arroz de terceira é quebrado?
5) Estava mais por fora de cotovelo de caminhoneiro?
a) Por que cotovelo de caminhoneiro fica por fora?
6) Estava mais amassado que jornal pra limpar fiofó.
a) Por que jornal pra limpar fiofó fica amassado?
7) Deu mais que chuchu na serra.
a) Por que chuchu na serra dá?
8) Se virou mais que charuto na boca de bêbado.
a) Por que charuto na boca de bêbado vira?
9) Apanhou mais que bife de segunda.
a) Por que bife de segunda apanha?
10) Apanhou mais que boi ladrão.
a) Por que boi ladrão apanha?
Os informantes foram divididos em duas faixas etárias e uma dessas faixas foi
subdividida em dois níveis de escolaridade para que a intuição de que forma de se
dáaquisição e ampliação de MCI’s fosse confirmada, conforme a tabela abaixo:
Tabela 1: A aquisição e ampliação de MCI’s
INFORMANTES IDADE ESCOLARIDADE ACERTOS
100 [13 – 15] 8º ano 22 (2,2%)
100 [24 – 55] 8º ano 263 (26,3%)
100 [24 – 55] Nível Superior 797 (79,7%)
A distribuição no número de acertos nos leva a duas conclusões que
corroboram a hipótese aventada anteriormente. A primeira, em relação ao mesmo
nível de escolaridade, que possuem uma grande diferença em relação ao número de
acertos, o que nos permite afirmar que o conhecimento de mundo é mais ampliado de
acordo com a idade dos informantes, visto que nas faixas que possuem o mesmo nível
escolar, mas diferentes idades, o percentual de acertos foi bem maior nas pessoas com
mais idade. A segunda conclusão a que chegamos, é que o conhecimento acadêmico
amplia de forma incisiva os MCI’s, já que podemos constatar que grupo de
informantes com a mesma faixa etária possuem índices de acertos proporcionais ao
nível de escolaridade.
3.3 OS ESPAÇOS MENTAIS
Avançando nos conceitos que serão essenciais na análise das construções
disfêmicas, chegamos a mais um do qual a Linguística Cognitiva faz uso para explicar
como se opera o entendimento comunicativo: o de Espaço Mental.
Os Espaços Mentais são definidos como “pequenos pacotes conceituais
construídos enquanto pensamos ou falamos para o entendimento e ação locais”
Fauconnier (1985:11). Mas, se fossem apenas pacotes conceptuais, seria difícil
diferenciá-los dos Modelos Cognitivos Idealizados, se não delimitarmos as diferenças
entre ambos.
As diferenças entre os conceitos são bem mais salientes e se encontram
principalmente na extensão, porque os Modelos Cognitivos Idealizados, por serem
estáveis, possuem uma extensão bem maior que a dos Espaços Mentais – embora não
mensurável (JESUS, 2009); e na forma de processamento, pois os Espaços Mentais
são ativados localmente, respondendo pelo fluxo discursivo da memória de curto prazo
(SALOMÃO, 2003), enquanto os Modelos Cognitivos Idealizados servem de fonte
para a estruturação dos Espaços Mentais e se encontram na memória de longo prazo.
Desse modo, podemos afirmar que os Modelos Cognitivos Idealizados
constituem o estrato cognitivo que servirá de base para a estruturação dos Espaços
Mentais, que não durará mais que o tempo da interação.
Por estarem na mente e serem fugazes (SILVA, 2007), a ativação dos espaços
mentais é processada de forma pontual e efêmera e, por isso, seu processo é
comparado a uma bolha de sabão ou às bolhas d’água em ebulição. Como ocorrem à
medida que pensamos, falamos, lemos ou escrevemos, esse processo terá como
deflagrador algumas formas linguísticas denominadas por Fauconnier (1994:37-9) de
Construtores de Espaços Mentais (Space Builders) relativas a noções básicas, como
tempo e lugar, e outras mais complexas, como contrafactualidade e possibilidade.
Seria exaustivo e talvez contraproducente elencar as formas linguísticas
capazes de construir espaços mentais. Assim, tomaremos mais um exemplo para
explicitar o conceito.
Observemos, a título de exemplificação, a construção disfêmica “Sofreu mais
que suvaco de aleijado.”, em que podemos relacionar grupos lexicais a determinado
Espaço Mental, sem que esteja aqui falando em composicionalidade2, uma vez que a
força mais atuante aqui é o Princípio da Identificação (FAUCONNIER, 1985:184).
O verbo ‘sofrer’ ativa em nossa mente uma experiência de dano ou prejuízo
físico e/ou psicológico, que estará presente certamente em nossos Modelos Cognitivos
Idealizados sob variadas formas: dor de parto, dor de dente, dor de cabeça, dor de
cotovelo, dor da alma etc. (HOUAISS, 2001).
Já o grupo nominal ‘mais que’ é um construtor de espaços mentais responsável
pela edificação do espaço de comparação alimentado pelos Modelos Cognitivos
Idealizados, que, já vimos, provêm de um Esquema Imagético espacial, que
2 Sob uma abordagem cognitivista, uma construção é um pareamento forma-significado, isto é, o significado de
uma estrutura não repousa na soma dos significados de suas partes isoladamente, mas sim emerge da totalidade
da construção (GOLDBERG, 1995:1).
relacionará o termo anterior, no caso acima, um processo físico e/ou mental, ao termo
seguinte.
E será exatamente no termo seguinte que o Cognitivismo mostrará toda a sua
elegância e refinamento na análise de termos antes relegados ao idiotismo.
O grupo nominal ‘suvaco de aleijado’ ativará um Espaço Mental de anatomia
do corpo humano: a axila. Mas não uma axila prototípica, já que o termo qualificativo
‘de aleijado’ a restringe e particulariza.
Visto que, no nosso MCI, a noção de aleijado está conectada aos aparelhos ou
instrumentos que auxiliam a locomoção do deficiente físico, tais como cadeira de
rodas, bengalas e muletas, em um modelo menos atual3, se constituíam de um bastão
com encosto na parte superior adaptado à axila, causando muitas vezes ferimentos a
essa parte do corpo. É nessa confluência de operações cognitivas que se dá o
entendimento, deixando claro, mais uma vez, que as palavras não portam o significado,
mas apenas servem de guia (FAUCONNIER, 1994)
Há de se pensar também em um intercâmbio informacional entre Modelos
Cognitivos Idealizados e Espaços Mentais, porque já vimos que, através dos MCI’s,
podemos entender expressões que representam processos que não vivenciamos e, a
partir da apreensão virtual desse conhecimento, através da formação dos Espaços
Mentais, estaremos fornecendo mais material cognitivo para alimentar os MCI’s ou,
como salienta Koch (2009: 38-9):
Isto se deve à possibilidade de ativação e transferência de unidades armazenadas na
memória de longo termo para a memória de curto termo, de modo a permitir o
tratamento da informação nela presente para posterior envio à memória de longo
termo. Há, pois, um contínuo ir-e-vir entre ambas as memórias.
(...) os dois tipos de conhecimento interagem continuamente: utilizamos o
conhecimento geral para desenvolver o conhecimento particular; este, por sua vez,
pode levar à modificação e ampliação do conhecimento geral.
É nessa ação conjunta entre os constructos teóricos que intentam demonstrar
um pouco do funcionamento de nossas mentes que enfocaremos a pesquisa, para que
se possa demonstrar nas análises que é através da nossa linguagem que se faz o
entendimento de nós mesmos, nosso com o os outros e nosso com o mundo.
3 Foi comprovado através de testes linguísticos que uma pessoa que não possui em seu MCI o modelo antigo de
muleta não consegue depreender o significado da construção, visto que, no modelo atual, a muleta não entra em
contato com a axila.
Abaixo, tentaremos formalizar a construção e expansão dos Espaços Mentais
nos termos de Fauconnier (1997), que nos mostra a criação de três Espaços Mentais:
a) um espaço de foco (M), que diz respeito ao contexto comunicativo em que vão
ocorrer as formas linguísticas; b) um espaço de fundação (F), em que a construção
emergirá e ativará os Espaços Mentais de acordo com as inferências produzidas pelo
falante; e um espaço de expansão (E), onde a construção será atualizada com a
convergência da forma linguística e das inferências contextuais.
No gráfico acima, podemos perceber que os elementos no espaço de foco (M)
não recebem nenhum índice, por se tratar apenas de entidades que pertencem à
situação que se enquadra nos Modelos Cognitivos Idealizados do falante; mas, a
partir da segunda projeção, entram em ação as inferências que, juntamente com as
instruções das expressões linguísticas (C), agem sobre os Espaços Mentais ativados,
que serão ressignificados na terceira projeção por meio de novas inferências.
Abaixo temos a representação de “Sofreu mais que suvaco de aleijado”, para
que passemos de uma representação geral a uma particularizada:
a
b
a¹
b¹
a²
b²
S
S
C
C
Gráfico 2: criação e ativação dos Espaços Mentais
M
F
E
No gráfico podemos constatar a constante criação de Espaços Mentais a partir
de um espaço que representa a situação comunicativa (M), nesse caso qualquer
contexto de desconforto físico ou psicológico, que se atualiza com a construção em
análise e já constrói no espaço de fundação (F) as primeiras inferências, que serão
atualizadas novamente no espaço de expansão (E) com novas inferências e com as
instruções das expressões linguísticas (C), nesse caso as partículas “mais” e “que”,
que inserem a noção comparativa superlativa.
a
b
Sofrer a¹
Aleijado b¹
Alguém que sofre a²
Suvaco de
aleijado b²
Desconforto Físico ou
psicológico
Sofrimento além do
sofrimento
C
C
Gráfico 3: criação e ativação dos Espaços Mentais em
“Sofreu mais que suvaco de aleijado”
M
F
E
3.4 OS MAPEAMENTOS CONCEPTUAIS
Os três conceitos apresentados acima fazem parte do arcabouço teórico geral da
Linguística Cognitiva e servirão para que possamos passar à explanação de um
conceito tão importante quanto os citados, não obstante serem mais específicos: o de
mapeamento conceptual.
Os mapeamentos conceptuais, executados enquanto pensamos ou falamos,
fornecem um modelo elegante e eficaz de formalizar constructos que até então
pareciam uma saída ad hoc para dar conta da análise de alguns dados linguísticos.
Por representarem a pedra de toque desta pesquisa, será necessário um
detalhamento mais demorado desse conceito, uma vez que estarão presentes os três
conceitos básicos explorados anteriormente, além de outros advindos de outras
ciências linguísticas.
Quando Fauconnier (1994) compara a linguagem à ponta de um iceberg e a
construção do sentido como a parte submersa, ele cria uma imagem fortíssima que
serve de estandarte para uma ciência que não acredita na função especular da
linguagem, mas em uma linguagem em uso em que o entendimento é feito segundo
uma situação social de interação intersubjetiva (MONDADA; DUBOIS, 1995:25).
O mapeamento tem papel crucial na estruturação do pensamento representado
pela linguagem, visto que usa a identificação, a integração e a imaginação entre
domínios (FAUCONNIER e TURNER, 2002) para compor, juntamente com os
elementos pragmáticos, a congruência comunicativa.
Um mapeamento faz-se entre, pelo menos, dois domínios, que podem se
constituir de proposições discursivas. Essas proposições ativam enquanto falamos,
escutamos, lemos ou escrevemos (SILVA, 2007) os Espaços Mentais, que, segundo
Lakoff (1987), são estruturados por Modelos Cognitivos Idealizados, que servem de
paradigma para determinada situação social e, juntamente com os Esquemas
Imagéticos, constituem os Domínios Cognitivos (CUENCA E HILFERTY, 1999).
Dessa forma, as formas gramaticais ativam os espaços mentais de um domínio,
doravante, o domínio alvo, de forma que, no domínio origem, se encontre o arquétipo
de algumas propriedades do domínio alvo e nesse as novas categorias conceptuais
(FAUCONNIER, 1997).
Mas o que serve de base para a construção desse domínio? A resposta está no
caráter enciclopédico da linguagem, que, consoante a Linguística Cognitiva, inclui o
conhecimento linguístico e suas formas emergentes insuficientes para a apreensão do
significado global.
É o conhecimento de mundo adquirido desde o nascimento por cada falante que
servirá de fulcro para um domínio em que os conceitos se situam em um plano mais
geral e abstrato como poderemos ver no seguinte exemplo:
“Chiou mais que panela de pressão.”, em que o verbo que inicia a oração
preenche o domínio genérico com os diferentes significados que ativa, tais como:
emitir canto, som agudo, bradar, queixar-se, protestar (HOUAISS, 2001). E, além
disso, por ser um verbo nocional, também atua como poderoso construtor de Espaços
Mentais , um vez que suscita em nossos Modelos Cognitivos Idealizados um agente –
o chiador, que está situado em um evento/processo: o de chiar.
Mas o significado da oração não fica restrito ao verbo, colocando mais uma vez
o conceito de composicionalidade em xeque. Além da expressão “mais que”, que
acrescenta a noção comparativa superlativa, o sintagma nominal “panela de pressão”
faz uma referência prototípica a um recipiente utilizado no preparo de alimentos, mas
também pode se referir a um grupo de pessoas unidas por afinidade e interesses
comuns (Aqueles garotos formam uma panelinha muito forte.); ao orifício causado ao
dente por uma cárie e até a um tabuísmo no Português Europeu, em que tem em uma
de suas acepções: o ânus.
Uma das grandes conquistas da Linguística Cognitiva foi exterminar a divisão
entre denotativo e conotativo, defendendo que usamos em nossa linguagem ordinária
expressões tão arraigadas que nem conseguimos perceber que são metafóricas ou
metonímicas. Para isso, foi primordial desenvolver o conceito de metáfora conceptual,
que será utilizado brevemente agora, mas adiante será mais esmiuçado.
Não é raro ouvir que determinada pessoa “explodiu de raiva” ou que ficou
com a “cara quente” de ódio. Essas e outras expressões são instanciações de uma
metáfora conceptual que pode ser definida como “raiva é um fluido que se eleva com
a temperatura”. E, a partir dessa metáfora “mãe”, muitas expressões são escritas e
faladas pelos falantes a todo o instante. No exemplo em questão, a “panela de
pressão” é um recipiente que contém água e alimentos e para que funcione precisa ser
aquecida. É a partir da prototipicidade culturalmente construída desse recipiente que a
expressão ganha sentido superlativo para o interlocutor graças a uma relação
metafórica e metonímica.
Gráfico 4: Criação do Espaço Genérico da expressão “Chiou mais que panela de pressão”
Uma vez comparando a “panela de pressão” ao cérebro de uma pessoa
(relação metafórica) e o seu conteúdo (água e alimentos) a suas ideias e sentimentos, o
interlocutor cria um espaço genérico ancorado na metáfora conceptual “raiva é um
fluido que se eleva com a temperatura”, e, elevando a temperatura do conteúdo
(ideias e sentimentos), o cérebro procede a uma reação de causa e efeito (relação
metonímica), que resulta no evento/processo de chiar. A ativação do frame pelo MCI
de um falante enquanto entra em contato com a construção, em sua formação e uso
pode ser melhor observada no gráfico abaixo:
3.4.1 Os Espaços de Entrada
A organização do mapeamento entre os domínios faz-se quase
simultaneamente, não sendo possível uma mensuração temporal que estipule o
momento exato em que cada espaço é acionado.
Considerando que os Espaços Mentais são ativados à medida que pensamos,
falamos, ouvimos, lemos e escrevemos e que são ancorados em nossos Modelos
Cognitivos Idealizados, vamos considerar a direção sintagmática ocidental
(esquerda/direita) para expor a natureza dos espaços de entrada.
Para explicitarmos a construção dos Espaços de Entrada, utilizaremos a oração
“Suou mais que tampa de marmita.” demonstrando os elementos que habitam cada
Emitir canto
Reclamar
Culinária
Elevação da temperatura
Raiva
Alimentos
Cozinha
MCI
espaço. Observando o sentido atribuído à expressão, teremos, além do elemento de
conexão “mais que”, que confere à construção a semântica comparativa, duas
informações que nos remetem a um evento/processo do mundo objetivo e figurarão
como comparado e comparante (MARTINS, 1991).
A forma verbal ”suou” ativará os Espaços Mentais que constituirão o primeiro
espaço de entrada, mas a forma é apenas uma instaciação de uma construção abstrata4
(oração comparativa superlativa disfêmica) e será representada no Espaço 1 por suas
categorias semânticas.
Uma vez que a ação de “suar” evoca um agente, o verbo também pode evocar
desconfortos ou sofrimentos, que seriam as possíveis causas desse processo biológico,
suscitando, assim, além de um agente biológico, um paciente que sua devido a algum
desconforto não causado por ele. Desse modo, o primeiro Espaço de Entrada pode ficar
configurado assim:
Após a conexão “mais que” ocorre o sintagma nominal “tampa de marmita”
que, isoladamente, representaria um objeto do mundo objetivo, mas assume, na
interrelação com o Espaço de Entrada 1, o papel de protótipo do que sua, o que
confere à expressão a semântica disfêmica.
4 A Gramática das Construções relaciona algumas formas de herança nas quais as construções são instanciadas.
Agente
Efeito
Processo
Biológico
Líquido
Gráfico 5: o Espaço de Entrada 1
Fauconnier e Turner (2002) enfatizam algumas relações vitais presentes nos
mapeamentos conceptuais e, entre eles, destacam que a relação vital de identificação
seria a mais proeminente no caso da metáfora.
Considerando que a comparação pode ser encarada como uma metáfora
desenvolvida, aplicaremos essa relação vital no mapeamento nos Espaços de Entrada
1 e 2.
No segundo espaço, podemos destacar alguns atributos do sintagma nominal
”tampa de marmita”, sem considerar o sentido global da construção, algo que se dará
em um próximo processo e que uma análise composicional não daria conta.
Levando em conta que a “tampa de marmita” em questão também está
envolvida no processo/evento de “suar”, poderemos ter os seguintes atributos:
Agora, com os atributos de ambos os espaços, podemos aplicar a relação de
identidade para que possamos explicitar a relação entre os espaços:
Paciente
Efeito
Processo Físico
Líquido
Gráfico 6: o Espaço de Entrada 2
–
Paciente
Efeito
Processo Físico
Líquido
.
Analisando o mapeamento entre os espaços, o caos parece imposto, pois um
agente possui uma relação de identidade com um paciente e um processo biológico
está em direta relação de identidade com um processo físico.
Também podemos observar a identidade entre duas substâncias e entre duas
relações de efeito, uma vez que, em ambos os espaços, o líquido é a substância
resultante de um processo, seja ele físico ou biológico, que, por sua vez, já se configura
como consequência de um outro episódio5.
No Espaço 1, o processo pode ser o efeito de um esforço ou desconforto físico
ou mental, enquanto, no Espaço 2, o efeito é proveniente de um processo físico de
evaporação. Aqui está o cerne da comparação e da metáfora. Como ambos os
processos guardam similitude entre atributos que determinadas entidades
compartilham, se mantêm como disitintos, uma vez que, se compartilhassem todos os
atributos, seriam um único processo.
O suposto caos será resolvido na construção de um espaço de mapeamento em
que encontraremos os atributos que emergem dos Espaços 1 e 2 e, que, por isso,
instanciará a própria construção e configurará um espaço mais rico e completo: o
Espaço Mescla.
5 Há nesse caso outros processos envolvidos, como a metonímia e a metaftonímia, que serão analisados
posteriormente.
Agente .
Efeito .
Processo Biológico . Líquido .
PRINCÍPIO DE
IDENTIFICAÇÃO
Gráfico 7: a relação de identidade entre os espaços
3.4.2 O Espaço Mescla
Depois de abordarmos as bases de cognição que fornecem substrato para a
estruturação de Espaços Mentais nos Espaços de Entrada, é necessário delinear o
espaço onde a construção em que a forma linguística manifesta o seu sentido sem a
pecha de de idiotismo: o Espaço Mescla.
No Espaço Mescla, apenas alguns atributos dos Espaços de Entrada são
admitidos, uma vez que o sentido da forma linguística emergirá do processo de fusão
entre as contrapartes, executado em milésimos de segundo pela cognição humana.
Fauconnier (1997) destaca os três modos que constituem o processo de criação
de uma estrutura emergente a partir do mapeamento entre os Espaços de Entrada:
a) composição: tomadas em conjunto, a projeção dos Espaços de
Entrada produz novas relações disponíveis que não existiam nos Espaços de Entrada
separadamente. Ou seja, na fusão, começamos a captar algumas relações inexistentes
se tomássemos os Espaços de Entrada separadamente, o que justifica a mescla.
b) completamento: o conhecimento de mundo, modelos cognitivos e
culturais, permite que o complexo da estrutura projetada na mescla seja observado
como parte de uma estrutura de conteúdo próprio maior na mescla. O modelo
desencadeado na mescla pelas estruturas herdadas está completo em uma estrutura
emergente;
Aqui percebemos que os atributos projetados na mescla constituem um
conjunto maior que o observado nos Espaços de Entrada separadamente, pois entram
todas as possibilidades de realização de cada contraparte, considerando não só o
conhecimento de dicionário, mas também o enciclopédico (CUENCA E HILFERTHY,
1999).
c) elaboração: é o trabalho cognitivo realizado na mescla de acordo
com sua própria lógica emergente. Desse modo, não deve haver soluções ad hoc para
encaixar os conteúdos dos Espaços de Entrada na estrutura emergente presente na
mescla, tais como situações pragmáticas inusitadas ou inverossímeis, mesmo porque
nem todas as características dos espaços de entrada são utilizadas na estrutura
emergente da mescla, como mostra o gráfico abaixo:
O quadrilátero no centro do círculo representa a estrutura de mescla que emerge
a partir da operação de compressão entre as estruturas dos espaços de entrada, e os
pontos fora desse quadrilátero representam as estruturas que não foram selecionadas
pelo espaço de mescla, mas continuam existindo nos espaços de entrada.
. . .
Gráfico 8: o Espaço Mescla
. . . . . .
4. A FIGURATIVIDADE NA LINGUAGEM
Já ao propor os conceitos básicos delineados anteriormente, a Linguística
Cognitiva também considera a figuratividade na linguagem, sobremaneira a metáfora,
como fator constitutivo, e não ornamento retórico ou desvio linguístico.
Desde a cultura clássica, as figuras de linguagem, ou retórica eram motivo de
discussões e anseios por parte dos pensadores, pois enquanto uma parte a achava
nociva em busca da verdade, outros afirmavam que o seu uso constituía fato de
excelência na produção dos discursos.
Passado o período clássico, o conjunto de figuras de linguagem
compartimentou-se e, já no século XX, formou-se uma disciplina ligada à Linguística,
mas que sempre esteve em uma espécie de limbo entre a Gramática Normativa e a
Literatura: a Estilística.
Esse isolamento deve-se ao fato de que as construções que possuem figuras
linguísticas são consideradas uma questão de desvio pela maioria dos gramáticos e
uma questão de estilo pelos literatos. O que fazer então com aquelas expressões que
são inventadas, ditas e repetidas por falantes comuns que nunca escreveram um livro e
talvez nem saibam ler?
A resposta parece difícil até para estudiosos de um mesmo campo, como
explicita Martins (1989:90): “Já Dumarsais dizia, com evidente exagero, que se fazem
mais metáforas num dia de feira do que numa sessão de Academia.” Tradicionalmente,
estudos sobre a figuratividade linguística pautados no Objetivismo Clássico que
concebem as figuras como fenômenos da linguagem e uso como privativo dos artistas.
Também concebem seu uso como estratégia de quem deseja esconder a verdade.
4.1 A METÁFORA
Considerada a mais importante das figuras de linguagem, seu significado
primeiro, de ‘ mudança’, transposição’, já apresenta seu objetivo – mudar do sentido
próprio ao figurado -, o que justifica o medo dos filosófos e o fascínio dos artistas.
Estudiosos já deixavam entrever, mesmo sem o aparato teórico atual, o viés
cognitivista em suas análises, como Bally (1951) apud Martins (1989:90) que explica:
(...) as figuras de linguagem resultam da necessidade expressiva e se devem à
incapacidade de nosso espírito abstrair, de apreender um conceito, de conceber uma
ideia fora do contato com a realidade concreta. Assimilamos as noções abstratas aos
objetos de nossas percepções sensíveis, porque é o único meio de que dispomos para
delas tomar conhecimento e torná-las inteligíveis aos outros. O espírito, induzido
pela associação de duas representações, confunde num só termo a noção
caracterizada e o objeto sensível tomada como ponto de comparação (este homem é
uma raposa = este homem é astuto como uma raposa). Estas associações são
fundadas sobre vagas analogias, por vezes muito ilógicas, mas elas revelam que o
sujeito pensante extrai das suas observações da natureza exterior imagens para
representar aquilo que o seu cérebro não consegue apresentar sob a forma de
abstração pura.
Observando atentamente a explanação acima, não é difícil perceber que já
existiam coincidências com teorias mais atuais em relação à metáfora. Se, em vez de
corroborar que o nosso espírito não tem capacidade de abstrair, de apreender um
conceito e de conceber uma ideia fora do contato com a realidade concreta,
considerarmos que o nosso aparelho cognitivo se utiliza de metáforas para abstrair,
apreender um conceito e conceber uma ideia fora do contato com a realidade concreta
estaremos, dando um passo importante para deixar de pensar na metáfora como
ornamento vocabular e considerá-la como parte integrante de nossa cognição. Garcia
(2006:107) também deixa algumas cores cognitivas à mostra ao definir metáfora como
a figura de significação ( tropo) que consiste em dizer que uma coisa ( A) é outra
(B), em virtude de qualquer semelhança percebida pelo espírito entre um traço
característico de A e o atributo predominante, atributo por excelência de B, feita a
exclusão de outros, secundários por não convenientes à caracterização do termo
próprio A. Ora a experiência e o espírito de observação nos ensinam que os objetos,
seres, coisas presentes na natureza – fonte primacial de nossas impressões –
impõem-se-nos aos sentidos por certos traços distintos.
Novamente vemos aqui a menção ao espírito humano que poderíamos
aproximar à inteligência e à cognição. Mesmo fazendo menção aos objetos, seres e
coisas da natureza, o autor não privilegia o contexto e a cultura do falante,
direcionando sua definição mais uma vez para o caminho objetivista. Garcia também
introduz em sua obra uma representação esquemática da metáfora, que lembra de
forma incipiente uma mescla conceptual:
No diagrama, pode ser constatado que a metáfora é vista como uma questão da
linguagem, representada em sua forma mais abstrata pelo 1° círculo e por um conceito
mais bem delineado no segundo círculo. A interseção entre os círculos representa os
atributos mais proeminentes de cada conceito.
A representação, até certo ponto elegante, não poderia dar conta de uma
possível intenção do falante de expor outros atributos comuns ao “incêndio” e ao “leão
ruivo, ensanguentado”, tal como o sentimento de tristeza inerente a uma edificação em
chamas e a um leão ensanguentado abatido por um caçador.
Fatores extralinguísticos não mencionados na representação influenciam
significativamente no sentido de construções linguísticas e também devem ser
formalizados cientificamente por uma teoria que deseje incorporá-los.
4.2 A METONÍMIA
Manuais gramaticais (BECHARA, 2001; CUNHA E CINTRA, 2007; ROCHA
LIMA, 2002; TERRA, 2002) e estilísticos (LAPA; MARTINS, 1989; GARCIA, 2006)
caminham em uma mesma direção ao sinalizar que, mesmo parecida com a metáfora,
pois usa um termo que normalmente designa uma coisa para designar outra, a
metonímia não o faz por meio de semelhança, mas sim por uma relação de
1º Círculo Plano real:
incêndio (A)
2º Círculo Plano imaginário:
Leão ruivo, ensaguentado (B)
Zona sombreada
Área de semelhança
entre os dois planos
(A é B)
Incêndio – leão ruivo, ensaguentado
Gráfico 9: modelo de representação metafórica de Garcia (2006)
contiguidade, termo um tanto vago que não se aplica a todos os casos, a não ser se
ampliarmos a noção de proximidade.
Tradicionalmente, o que distingue metáfora e metonímia é o seu processo de
constituição, haja vista que enquanto aquela se baseia em relações de semelhança,
enquanto esta se fundamenta em uma relação lógica, que pode ser representada como
causa/efeito, conteúdo/continente, autor/obra, parte/todo6. Dessa forma, enquanto
na metáfora observamos semelhanças verificadas na relação entre o “incêndio” e o
“leão ruivo ensanguentado”; um caso metonímico poderia ser a frase “O leão suou para
fugir de seu algoz.”, em que o verbo ‘suar’ estaria representando uma instanciação da
metonímia causa/efeito do esforço empreendido pelo animal em fuga.
4.3 A POLISSEMIA
Por se tratar mais de um fenômeno léxico-semântico, e não de figuratividade, a
polissemia assume papel importante por revelar, entre os sentidos derivados, a
incidência da metáfora e da metonímia. Por ser condicionada pelo discurso, a
polissemia pode atribuir diversos significados a um único item lexical (Cf. Pietroforte
e Lopes, 2007:131), contribuindo, assim, na construção de imagens metafóricas e
metonímicas através de um espraiamento semântico como representado pelas várias
instanciações do verbo ‘tomar’, por exemplo:
1) Tomou a moça para dançar.
2) Tomou um copo de suco.
3) Tomou o caderno do colega.
4) Toma o táxi no Jardim Botânico.
O sentido básico de ‘ter para si’ é encontrado em todas as instanciações, sendo
modificado de acordo com as idiossincrasias semânticas de seus argumentos externos.
6 Não será feita a distinção entre metonímia e sinédoque, visto que a relação parte/todo faz parte do conjunto de
relações lógicas abarcadas pela metonímia.
4.4 A VISÃO COGNITIVISTA
Opondo-se inteiramente, mais uma vez, à visão da tradição Objetivista Clássica
e ainda predominante no mundo ocidental, Johnson e Lakoff (1980:45) já começam
seu estudo contrapondo-se à ideia de ornamento e plasticidade desde sempre ligada à
metáfora:
Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não
somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema
conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos mas também agimos, é
fundamentalmente metafórico por natureza.
Em seu primeiro capítulo, já conseguimos perceber o que faltava nas
tradicionais definições do conceito metafórico: em primeiro lugar, a mudança de
espírito (MARTINS, 1989; GARCIA, 2006) para sistema conceptual; e posteriormente
a asserção de que a metáfora não é questão somente de linguagem, mas também de
pensamento e ação.
Quando se fala em pensamento e ação, já se está na seara cognitivista, visto
que, como fulcro cognitivista, temos a relação entre o ser, seu pensamento, o ambiente,
os outros seres e as ações necessárias para essa interação. Ao afirmarem que a
metáfora está em nosso cotidiano, os autores procuram por expressões que a maioria
não entende ou não percebe como metáforas para explicarem a natureza dos conceitos
metafóricos, ou seja, empreendem um estudo semasiológico que conta com um grande
número de dados, nos quais apontam que a metáfora é produzida a todo momento por
todos os falantes.
Durante a sistematização dos conceitos metafóricos, algumas assunções foram
desenvolvidas e corroboradas através das construções. A primeira e mais inovadora é
que os conceitos metafóricos formam um sistema baseado em relações de implicações
diversas, como causalidade e subcategorização, entre outras.
Para exemplificar, afirmam que a metafora TEMPO É DINHEIRO é formada
por uma relação de subcategorização em que TEMPO É UM RECURSO e o
TEMPO É UM BEM VALIOSO. Para isso não, deixam de mencionar a cultura e as
relações econômicas em que esses conceitos se manifestam e o porquê de o tempo ter
se tornado um recurso valioso.
Um outro exemplo de metáfora cotidiana seria FELIZ É PARA CIMA, que
pode ser instanciada por expressões do tipo “Ele está nas nuvens.” e também implica
os conceitos MAIS É PARA CIMA e BOM É PARA CIMA, novamente em uma
relação de subcategorização. Ou seja, em alguns casos, teremos a relação entre uma
série de metáforas para chegar à compreensão de um conceito mais geral (LAKOFF,
1993).
A segunda importante contribuição da teoria metafórica de Johnson e Lakoff é
a consciência de que estruturas conceptuais metafóricas iluminam apenas parte de um
conceito, pois dependem da capacidade e intenção do falante, que é condicionado por
um estar em um tempo e em uma cultura.
Os diferentes conceitos metafóricos são distribuídos conforme seu processo de
constituição. Já foram observados casos em que um conceito metafórico é estruturado
em termos de outro (TEMPO É DINHEIRO e FELIZ É PARA CIMA), nesses
casos, o que teremos são as metáforas estruturais. Quando as metáforas tomam por
base as relações sensório-motoras e os Esquemas Imagéticos para organizar um
sistema de conceitos em relação a outro, são denominadas metáforas orientacionais.
Desse modo podemos conceptualizar BOM É PARA CIMA, porque ereta é a
posição corporal quando estamos felizes e saudáveis, e o inverso ocorre quando
estamos chateados e doentes. Assim, as noções orientacionais organizam uma série de
conceitos metafóricos em relação à determinada direção espacial.
Alguns conceitos experienciados pelos seres humanos encontram-se em tal
estágio de abstração, que não conseguimos traduzi-los a não ser usando metáforas que
usam o conceito de entidade e substância para nos referirmos a atividades, emoções e
ideias. Na construção “Estou vermelho com essa situação.”, o que ocorre é a
conceptualização do sentimento de vergonha como um objeto contido em nosso corpo,
que causa vermelhidão a determinada parte de nosso corpo, geralmente a face. Aqui
temos um sistema metafórico que inclui a metáfora conceptual SENTIMENTO É UM
FLUIDO, formando nesses casos o que é chamado de metáforas ontológicas, que
delimitam e reificam nossas experiências pessoais e mundanas.
4.4.1 A Metonímia Conceptual
Tomando como ponto de partida o exemplo “Estou vermelho com essa
situação.”, entendemos que a construção é constituída pela metáfora conceptual
SENTIMENTO É UM FLUIDO, uma vez que o sentimento de timidez é
conceptualizado como um objeto/fluido que está contido em nosso corpo,
conceptualizado, por sua vez, como um recipiente, mas há dois processos cognitivos
imbricados na construção, e um de deles é o processo metonímico.
Sob uma ótica cognitivista, o que diferencia metáfora e metonímia não é apenas
a relação de contiguidade inerente à segunda, mas o prórpio modus operandi dos
processos, uma vez que a metáfora se processa através de projeções interdominiais e a
metonímia é executada em apenas um domínio cognitivo (LAKOFF E TURNER,
1989:103), em que entram em interação uma estrutura implícita, denominada Zona
ativa ou Referente lógico, e outra explícita denominada Ponto de referência (cf.
CUENCA e HILFERTY, 1999:111).
No exemplo citado, temos uma metonímia conceptual do tipo
CAUSA/EFEITO, visto que a cor avermelhada é o efeito da ação do objeto sobre a
face e, assim, teremos uma metáfora no interior de uma metonímia, como mostrado no
diagrama abaixo:
PR ZA
VERMELHO VERGONHA
PR ZA
PR= Ponto de referência
ZA= Zona ativa
Gráfico 10: projeção intradominial da metonímia
Projeção metonímica (Cuenca e
Hilferty, 1999)
4.4.2 A Metaftonímia
Com o avanço dos estudos sobre a metáfora e a metonímia e a consequente
interação entre ambas, alguns autores postularam um continnum entre esses processos
conceptuais.
Goossens (2002:323) denomina de metaftonímia essa interação e verifica nas
expressões em inglês casos de metonímia dentro da metáfora e, mais raramente, como
foi mostrado acima, metáfora dentro da metonímia (SILVA, 2006:144).
Kövecses (2000) direciona seu foco para a constituição conceptual das emoções
e sentimentos pela grande ocorrência de interação metáfora/metonímia e assume que
ambos se processam a partir da metonímia EFEITO PELA CAUSA.
Desse modo, essa metonímia serve como base para a metáfora conceptual
SENTIMENTO É UM FLUIDO, em construções do tipo “Estou até aqui com
você.”, que acompanhada de um gestual característico de levar a mão até a testa como
que indicando um nível, é formada a partir da concepção de que SENTIMENTO É
UM FLUIDO que se encontra em nosso corpo, conceptualizado como recipiente, e
que o efeito é o estado emocional gerado possivelmente pela falta de paciência com
alguém.
No âmbito das construções comparativas superlativas disfêmicas, temos a
instanciação “Suou mais que tampa de marmita.”, em que a projeção metafórica
entre o verbo ‘suar’ e a entidade ‘tampa de marmita’ é licenciada, também pela
metonímia EFEITO PELA CAUSA, já que o suor é o efeito de um esforço físico ou
desconforto físico-psicológico e serve de fulcro para o sistema metafórico conceptual
SENTIMENTO É UM FLUIDO, CANSAÇO É UM FLUIDO, DESCONFORTO
É UM FLUIDO, mas com a particularidade de conter um comparante superlativo e,
por isso, ser disfêmica, em que o FLUIDO ultrapassa os limites do corpo (continente).
4.4.3 A Correspondência Metafórica
A definição clássica cognitivista nos ensina que “a essência da metáfora é
compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (JOHNSON E LAKOFF,
1980:48), que a metáfora é “um mecanismo que envolve a conceptualização de um
domínio de experiência em termos de outro” ( FERRARI, 2011:92).
Essa relação entre as coisas ou os domínios se processa através de
correspondências entre conceitos, constituídas de um Domínio-origem que empresta
seus conceitos a um Domínio-destino sobre o qual os conceitos são sobrepostos
(CUENCA e HILFERTY, 1999:101). Para licenciar a correspondência devemos saber
o que será incluído em cada domínio, de modo que a formalização possa estar de
acordo com o objetivo de generalização da teoria.
Como temos mais facilidade de apreender um conceito abstrato via concretude
ou reificação, na grande maioria das metáforas conceptuais, o Domínio-origem será
constituído de conceitos mais básicos e acessíveis à compreensão (Sweetser, 1990:18).
Assim, na construção “Ele já percorreu um longo caminho na vida.”, estamos
conceptualizando TEMPO utilizando o conceito ESPACIAL e como o conceito
ESPACIAL é mais concreto e acessível do momento de nosso nascimento até a nossa
morte com as relações motoras de deslocamento e o TEMPO como constructo
abstrato humano é de difícil apreensão, será mais viável e comunicável apreender o
TEMPO através do conceito ESPACIAL, como na construção “Ele está bem
distante do início da carreira.”, em que a noção de tempo de serviço é considerada
em termos de distância, logo, ESPACIAL.
Sabendo a constituição de cada domínio, o próximo passo de formalização é a
própria correspondência, que são as projeções do Domínio-origem no Domínio-
destino e que, segundo Lakoff (1987), dividem-se em dois tipos.
A correspondência ontológica é composta de relações analógicas que existem
entre as partes mais relevantes de casa domínio. Assim, quando conceptualizamos
EMOÇÕES em termos de FLUIDOS e instanciamos a construção “Meu sangue
ferve quando te vejo.”, temos a relação de similaridade entre uma EMOÇÃO (ódio,
amor) e um FLUIDO CORPORAL (o sangue).
Já a correspondência epistêmica é composta por ideias que se aplicam a
ambos os domínios. Quando utilizamos a construção “Minha mente pifou.”,
conceptualizamos MENTE em termos de MOTOR e a noção inerente é extraída da
função de ambos, visto que a MENTE funciona em prol do organismo e o MOTOR
funciona em prol de uma máquina.
Interessante é comparar a formalização realizada por Garcia (2006:108) e a
correspondência metafórica, como no diagrama abaixo:
Aparentemente as diferenças estão entre as relações de interseção propostas por
Garcia (2006) e as projeção de Lakoff e Johnson (1980). Mas não é só isso. Na relação
entre os círculos, Garcia (2006) não indica que atributos entram em confluência nos
dois círculos, podendo o interlocutor, motivado por suas crenças e sua cosmovisão,
fazer suas próprias inferências acerca da metáfora em questão.
Em contrapartida, o modelo de projeções deixa claro que nem todos os aspectos
do Domíno-origem são projetados no Domínio-destino, uma vez que o que se quer
iluminar com a metáfora é a natureza violenta de ambos os domínios, e não outros
aspectos, como a fragilidade de um leão ensanguentado ou a tristeza gerada por um
1º Círculo Plano real:
incêndio (A)
2º Círculo Plano imaginário:
Leão ruivo, ensaguentado (B)
Zona sombreada
Área de semelhança
entre os dois planos
(A é B)
Incêndio – leão ruivo, ensaguentado
Cor rubra . Fúria . Fragilidade . Morte .
Modelo de representação metafórica de Garcia (2006)
Domínio-origem
leão
Domínio-destino
incêndio
Projeção conceptual metafórica
Gráfico 11: semelhanças e diferenças nas formalizações
.Cor rubra
.Fúria
.Tristeza
.Morte
incêndio. Essa seleção projetiva é algo essencial, uma vez que “a correspondência
entre o que dizemos e um estado de coisas no mundo é sempre mediada por nossa
compreensão dessa afirmação e do estado de coisa” (Lakoff e Johnson, 1980:291).
A importância da teoria metafórica conceptual para o estudo em pauta se
justifica pela relação intrínseca entre comparação e metáfora. A metáfora tem sido
tradicionalmente baseada em noções de similaridade e comparação (Ungerer e Schmid,
2006:258) ou como uma comparação abreviada (Lessa e Guimarães, 2008:47).
Mas é quando encaramos a figuratividade como constitutiva da linguagem e a
linguagem como meio para a interação entre falantes com suas vivências sociais e
históricas que percebemos a magnitude do processo de correspondência, capazes de
criar novas maneiras de compreender saberes que não são apreensíveis apenas por
nossos sentidos básicos, mas pela cooperação dos sentidos, pela relação do corpo com
o ambiente, com outros corpos e com o próprio corpo e a linguagem, o que aumentará
o conhecimento de mundo do indivíduo.
Lakoff e Johnson (1980) justificam a atenção prestada à metáfora pelo motivo
de ela reunir razão e imaginação, mas não de qualquer forma. O que ocorre é uma
correspondência harmônica, cognitivamente estruturada por um processo imaginativo
ancorado na razão, de tal modo que não apenas aquele que criou a construção possa
entendê-la, interagir e usá-la, mas que possa ser apreendida, senão por todos, por
grande parte dos que compartilham sua base cultural e social.
Os pioneiros encontraram grande apoio para a teoria com o surgimento da
mesclagem conceptual ancorada nos três “I’s” da mente (Fauconnier e Turner, 1994;
2002), que representam a imaginação, a identificação e a integração.
Pela imaginação tomamos contato com um conceito ou categoria apenas de
forma abstrata e idealizada. A partir desse momento, já começamos o processo de
identificação com algo mais concreto e presente em nossas mentes para que possamos
entendê-lo melhor e fazer com que os outros também o entendam. Tendo emergido da
imaginação e identificado com algo mais concreto, o próximo passo é a integração,
que reunirá os aspectos ou atributos que queremos enfatizar para que uma nova
categoria possa surgir. Não aquela imaginada inicialmente nem a identificada com algo
do mundo externo. O que teremos agora será informação nova em forma de
comparação, metáfora, metonímia ou metaftonímia, que reunirá a linguagem, a razão,
a imaginação, os sentimentos e experiências no mundo e com o mundo.
5. A VISÃO CONSTRUCIONAL
Comparar disfemicamente significa incorporar forças semânticas a
processos/eventos comuns à vida cotidiana, ou seja, extrair da construção uma força
expressiva presente na natureza da disfemia, seja ela a de depreciar, ridicularizar, ou
fazer rir.
Deste modo, a idéia disfêmica emerge do conhecimento humano que ao
comparar tem sempre de colocar os elementos em algum nível, seja de igualdade,
superioridade ou inferioridade e, no caso supracitado, o nível será vertical, tendo
sempre um elemento mais afetado que outro. Mesmo que o primeiro elemento esteja
localizado em um nível muito baixo na escala, o segundo elemento ainda localizar-se-á
em um patamar inferior, conforme o gráfico abaixo:
Adaptado de Salomão (2009)
a i
P
b
P k
a: sujeito {Ø}
P: apanhar
Pia
b: bife de segunda
Pka
Pi > Pk
B A
Gráfico 12: representação da construção “Apanhou mais que bife de segunda.”
Onde a elipse A representa o espaço mental que emerge do primeiro evento e a
letra i indica o grau em que se encontra na escala; enquanto a elipse B representa o
grau k que a expressão suscita na escalaridade.
5.1 A VISÃO TRADICIONAL DA CONSTRUÇÃO COMPARATIVA
É ponto pacífico na maioria dos estudos tradicionais o conceito e constituição
das construções comparativas; entretanto, a noção orgânico-semântica optava por
soluções que davam conta de quase tudo, relegando as exceções ao plano das
idiossincrasias e trivialidades.
O conceito de comparação não será revisto, uma vez que já foi explicitado, mas
sua sintaxe carece de alguns questionamentos. É comum e aceita pelos os que optam
por uma visão tradicional o expediente da elipse verbal relacionada ao segundo termo
de expressões como:
“Suou mais que tampa de marmita [sua].”; mas, mesmo os estudos
tradicionais deixaram vir à tona - de forma incipiente - as forças cognitivas que agem
sobre a linguagem, como se pode observar no excerto de Lima (2002:79):
“Frequentemente dá-se na oração comparativa, a elipse de termos da oração principal,
os quais a inteligência supre com facilidade”.
A referida inteligência em uma abordagem cognitiva não diz respeito apenas à
inteligência dicionarística, mas à enciclopédica e às experiências vividas pelo homem
em seu devir sócio-histórico.
Porque, se a inteligência fosse automatizada para suprir a falta de verbo na
oração, ela ficaria presa à cena evocada pelo primeiro verbo e isso não é uma condição
sine qua non, como percebeu Azeredo (2000:112-3), ao analisar a construção “A
cidade estava (tão) silenciosa como um cemitério.”, em que nega a elipse
argumentando que o cemitério não estava silencioso, mas era silencioso. Mais uma vez
a “inteligência” vai suprir as necessidades sintáticas, mas se o cemitério é ou estava
silencioso, ou enfeitado, ou sombrio dependerá exclusivamente dos Modelos
Cognitivos Idealizados (MCI) e frames (enquadramento) ativados pelos falantes.
A expressão “cemitério” pode evocar muitos espaços mentais e cabe ao falante
escolher através de suas experiências aquele que mais se adéqua ao contexto em
questão, conforme representado no esquema abaixo:
como
Nesse capítulo, tentaremos aplicar um tratamento teórico às elipses nas orações
comparativas do Português utilizando os princípios goldberguianos que serão
mostrados adiante e aplicados na análise da construção.
5.2 A TEORIA CONSTRUCIONAL GOLDBERGUIANA
O modelo construcional escolhido para embasar este estudo foi o de Goldberg
(1995), devido ao cuidadoso tratamento das construções através das relações de
heranças e análise por meio de princípios metodológicos cognitivistas, o que tornará
possível a demonstração e formalização do caminho percorrido por uma construção
mais básica à construção comparativa superlativa disfêmica.
Para Goldberg (op. cit), uma construção é uma par forma-significado, tal que
algum aspecto da forma ou do significado não é estritamente preditível das partes
componentes da construção ou de outras construções previamente estabelecidas.
Dessa forma, o conceito saussuriano de morfema é ampliado para palavras,
frases, períodos, discurso e, assim, consegue-se conceber significados básicos que
emergem não de cada item lexical, mas da construção como um todo, combatendo o
conceito de composicionalidade.
Entre as vantagens da abordagem construcional, têm-se a indicação dos
argumentos dos verbos a partir da construção e não de contextos específicos, como o
verbo “dar” que prototipicamente se apresenta como um verbo de três lugares, mas
que na construção instanciada: “Deu mais que chuchu na serra.”, o verbo não possui
nenhum de seus argumentos internos, mas nem por isso carece de sentido, pois o
significado não jaz sobre ele ou seus argumentos internos, senão sobre toda a
A cidade estava silenciosa como um cemitério
era silencioso.
era bonito.
era sombrio.
estava enfeitado.
Gráfico 13: as várias possibilidades do implícito
construção2. Com isso tem-se uma economia na descrição semântica porque o
significado do evento não é circunscrito ao verbo e também não é preciso descrever
cada contexto em que o verbo ocorre.
Essas vantagens abrem espaço nos estudos linguísticos para os idiomatismos
que necessitam de uma série de processos cognitivos para a sua compreensão, uma vez
que seu significado não pode ser depreendido a partir da soma dos significados de seus
elementos constituintes.
5.2.1 Os Princípios Goldberguianos
Goldberg (1995:3) postula alguns princípios a que as construções devem ser
submetidas para que possam realmente ser consideradas um pareamanto forma-
significado. Entre eles, há dois princípios que devem ser obedecidos quando ocorre a
fusão na formalização da construção.
São eles: o Princípio da Coerência Semântica, que afirma que apenas os papéis
semanticamente compatíveis podem ser fundidos; e o Princípio da Correspondência
que assevera que cada papel participante lexicalmente designado deve ser fundido com
um papel argumental da construção.
Entretanto, em alguns casos, como na comparação, ocorre a não designação de
um papel argumental, como acontece com o verbo “pedir” que normalmente ocorre
com três papéis argumentais: a) alguém que pede; b) algo que é pedido; c) e alguém
que recebe o pedido. Mas na comparativa disfêmica “Jorge pede mais que filho de
cego.”, dois papéis argumentais não são instanciados, mas sabemos de sua existência.
Esse fenômeno foi nomeado por Goldberg de complementos nulos, que podem ser
definidos quando o referente é recuperável pelo contexto; mas, se não conseguirmos
recuperar o referente, estaremos diante de um complemento nulo indefinido, como na
construção acima, em que sabemos que alguém pediu algo, mas não podemos definir o
que.
Outro fenômeno importante é sombreamento, que ocorre quando um dos
participantes existe, mas não é instanciado na construção. É o que ocorre quando não
conseguimos saber a quem é feito o pedido na construção supracitada. Esses
8 Em estudo sobre como condições culturais interferem em uma construção gramatical, Bronzato (2000) afirma
que a destransitivização de alguns verbos, tais como “dar”; “meter”; “fumar”; “engolir” é causada por um
rompimento de regra de conduta social.
fenômenos serão de extrema importância na representação e na análise das construções
comparativas. Os outros fenômenos citados por Goldberg são o corte e a absorção de
papel, que não serão exemplificados aqui por não terem participação incisiva nas
construções comparativas proposta por este estudo.
Outros princípios de base cognitiva enumerados por Goldberg são:
Princípio da Motivação Maximizada, que relaciona a sintaxe e a
semântica de duas construções e afirma que essas relações devem motivadas
maximamente;
Princípio da Não-Sinonímia assevera que duas construções
sintaticamente distintas devem ter a semântica ou a pragmática distinta e se expande
por duas ilações: a primeira diz que duas construções sintaticamente distintas e
semanticamente sinônimas devem ser pragmaticamente distintas; e a segunda afirma
que duas construções sintaticamente distintas e pragmaticamente sinônimas devem ser
semanticamente distintas.
Os dois últimos princípios enumerados por Goldberg trabalham em conjunto e
se relacionam à economia semântico-pragmática, uma vez que o Princípio do Poder
Expressivo Maximizado afirma que o inventário de construções é maximizado para
atender aos propósitos comunicativos e o Princípio da Economia Maximizada diz
que o número de construções é minimizado o tanto quanto possível dado o princípio
anterior, ou seja, teremos o máximo de construções para podermos nos comunicar, mas
desse conjunto teremos o mínimo de construções possível.
5.2.2 As Relações de Herança
As construções possuem relações entre si, formando a Rede de Construções de
determinada língua. Em seu estudo seminal, Goldberg enumera quatro tipos de
relações entre construções em que uma construção herda características formais ou
semânticas de uma construção mais básica. O primeiro é a relação por polissemia, em
que se estabelece uma relação entre a semântica da construção base e cada extensão
que esse significado pode adquirir nas construções herdadas. O seguinte é a herança
por subparte, em que uma construção é propriamente a subparte de uma construção
base e existe independentemente dessa. O terceiro tipo de herança é por instanciação,
nesse caso, todos os elementos da construção base são instanciados na construção
herdada. O último caso diz respeito ao mapeamento metafórico entre construções, ou
seja, o domínio semântico de uma construção é mapeado para outra por uma extensão
metafórica.
5.3 A ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES
Comparar entidades a entidades ou eventos/processos a eventos/processos é um
evento básico da experiência humana e, seguindo a fundamentação teórica de
Goldberg (1995), podemos codificar esse evento através de uma sentença básica do
Português.
Como fora dito anteriormente, temos três modos principais de comparar em
Português: pela superioridade, inferioridade e igualdade. Nessa análise, focaremos
nossos esforços nas construções comparativas, em um primeiro momento, para, em
seguida, analisarmos as de superioridade e, por fim, examinar as comparativas
superlativas disfêmicas.
O valor semântico básico da construção comparativa é “comparar
algo/alguém a algo/alguém”, e, nessa operação, temos um primeiro elemento
comparado (X) a um segundo elemento comparante (Y), uma característica/função que
os aproxima – sempre representada por um verbo ou verbo mais predicativo - que os
aproxima (Z) e um graduador (G), ou seja, a estrutura argumental dessa construção
pode ser representada por:
COMPARAR <comparador característica graduador comparante>
Onde o primeiro e o segundo termo compartilham uma mesma característica.
5.3.1 Construções Comparativas
O modelo de formalização proposto por Goldberg e representado em seguida
segue a diretriz da fusão dos papéis argumentais da construção, indicados na parte
superior no pólo semântico, com os papéis participantes do evento, indicados na parte
inferior no pólo sintático. E, desse modo, tanto os papéis desempenhados pela parte
semântica e pela contraparte sintática obedecem ao Princípio da Correspondência
visto anteriormente. A letra R indica a relação predicativa que ocorre na construção e
que poderá ser instanciada por qualquer verbo que obedeça ao Princípio de
Coerência.
B A
comparador comparante
Gráfico 14: os papéis semânticos da construção
Fusão
de
papéis
Obrigatoriamente ocorrerá nas construções a presença de um verbo, de um
graduador e de um elemento de conexão. A natureza semântica do verbo influirá
decisivamente na natureza dos elementos comparados, uma vez que se ocorrer verbo
de ligação estar-se-á comparando entidades através de estados e/ou processos: “Estava
mais perdido que cachorro em dia de mudança.”; mas se o verbo for nocional, a
comparação será feita entre eventos, podendo ocorrer ou não entidades ”Correu mais
que boi ladrão.”. Devido à frequência do verbo nessa construção, a
característica/função não foi representada no esquema, uma vez que a função é sempre
representada por um verbo ou um verbo e um predicativo.
5.3.2 A Construção Comparativa Superlativa
A Construção Comparativa Superlativa está ligada à construção mais básica por
meio de um link de instanciação porque consegue fundir todos os papéis nos dois
pólos, mas irá ser uma construção diversa da comparativa de igualdade e da de
inferioridade, uma vez que sua semântica é diferente e, assim, obedecerá ao Princípio
da Não-sinonímia.
Para melhor exemplificar, vamos instanciar a construção com o verbo chorar:
Sem: COMPARAR < comparador graduador comparante >
R: instância PRED
meio < >
Sx: V SUJ¹ CONECTOR SUJ²
Gráfico 15: o pareamento forma-significado
Fusão
de
papéis
5.3.3 A Com
strução Comparativa Superlativa Disfêmica
Como bem observa Nascimento (2006), corroborando Goldberg (1995), os
estudos das construções são em sua maioria circunscritos à sintaxe, mas a noção
construcionista pode atuar desde o morfema até – em estudos mais recentes – ao
discurso.
A Construção Comparativa Superlativa Disfêmica constitui um nó da Rede de
Construções do Português que se interliga a construções de diversas naturezas e por si
própria já constitui uma rede, ou melhor, uma mescla entre dois tipos de construções: a
Construção Comparativa Superlativa e uma construção formada por SN modificado
por um SPrep ou um SAdj que projeta o disfemismo por metáfora.
Como instanciações dessa construção, podemos citar as seguintes:
“Apanhou mais que mulher de bêbado.”
“Apanhou mais que mulher de malandro.”
“Apanhou mais que gato de desenho animado.”
“Apanhou mais que pandeiro de forró.”
“Apanhou mais que puta pobre.”
Sem: COMPARAR < comparador graduador comparante >
R: instância CHORAR < chorador¹ mais que chorador² >
meio
Sx: V SUJ¹ CONECTOR SUJ²
Gráfico 16: formalização da construção “André chorou mais que bebê.”
em que o termo comparante é formado por uma construção que se mescla ao termo
comparado e daí emerge o significado disfêmico.
Poder-se-ía postular que a Construção Comparativa Superlativa Disfêmica seria
igual à Construção Comparativa Superlativa, mas, para refutarmos essa afirmação,
basta invocarmos novamente o Princípio de Não-Sinonímia, porque desta vez o que
muda, além da sintaxe é a pragmática, devido aos contextos específicos onde os
disfemismos são usados.
A título de exemplificação retornaremos ao gráfico da página 50, mas agora
indicando como os MCI’s do falante influem na decisão a ser tomada para a
compreensão da construção.
Sem: COMPARAR < comparador graduador comparante >
R: instância APANHAR < apanhador¹ mais que apanhador² >
meio
Sx: V SUJ¹ CONECTOR SUJ²
Gráfico 17: formalização da construção “Apanhou mais que pandeiro de forró.”
”
Apanhou mais que pandeiro de forró.
‘
5.4. PROPOSTA INICIAL DE REDE CONSTRUCIONAL
Desse modo, podemos postular uma pequena e incipiente Rede das
Construções Comparativas do Português, sem que haja a pretensão de esgotamento do
assunto e continuando sempre na investigação por outros nós construcionais.
A Rede proposta abaixo conta com as construções comparativas prototípicas e
uma expansão representada pelas disfêmicas como fora proposto por esse estudo.
a i
P
a: sujeito {Ø}
P: apanhar
Pia
b: pandeiro de forró
Pka
Pi > Pk
b
P k
é barato
é sem ritmo
é muito batido
é harmônico
é feio
Gráfico 18: as ativações dos Espaços Mentais do SN “pandeiro de forró” e
a representação da escalaridade disfêmica
A proposta inicial de uma Rede de Construções torna iminente a necessidade e
vontade de ligações com outras Redes Construcionais, que apresentará a língua como
um sistema – não o sistema saussuriano -, mas um sistema que irá incorporar além da
linguagem, todas as operações cognitivas e conhecimentos do ser humano.
Diagrama 1: Representação inicial da Rede Construcional Comparativa
6. METODOLOGIA
Nesse capítulo, descreveremos os procedimentos realizados na busca dos
dados, com as dificuldades inerentes a uma pesquisa que não pôde contar com estudos
precedentes que pudessem nortear tanto a coleta de dados quanto o modo de
classificação das construções envolvidas.
6.1 CONSTITUIÇÃO DOS CORPORA
A obtenção dos dados dos corpora foi realizada em três etapas: a) a leitura de
arquivos dos jornais populares “Meia-Hora de Notícias” e “Expresso”, do período de
janeiro de 2008 a dezembro de 2009; b) a audiência diária do programa radifônico
“Patrulha da Cidade7”, em que as construções eram proferidas para dar ênfase a uma
história policial, no período de outubro de 2009 a janeiro de 2012; c) a pesquisa em
sítio de busca eletrônica ”Google”.
Com a leitura dos periódicos, constatou-se a produtividade das construções que
possuíam a semântica disfêmica, mas não eram, em sua maioria, comparativas
superlativas, o que direcionou a coleta de dados para o programa radiofônico que
veiculava frequentemente as construções desejadas. Percebeu-se com as audiências
que as construções se repetiam com certa frequência, possivelmente por se repetirem
também as situações de crime a elas vinculadas.
Com a pesquisa em sítios de busca, foram encontradas muitas construções que
faziam parte do acervo linguístico da comunidade gaúcha, sobremaneira a população
que reside em áreas próximas às fronteiras, que usa com bastante frequência as
construções por elas representarem um modo típico de falar do gaúcho.
6.2 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE
Depois do agrupamento inicial dos dados, houve uma seleção preliminar para
identificar as construções que possuíam a mesma configuração sintática e uma segunda
seleção para ordenar as construções por natureza semântica. A primeira seleção
7 O programa que é líder de audiência no horário há 52 anos é veiculado pela Rádio Tupi no Estado do Rio de
janeiro é composto de reportagens de fatos policiais e de algumas dramatizações com rádioatores.
objetivou provar um dos princípios da Gramática das Construções (o Princípio da Não-
Sinonímia) para demonstrarmos que realmente se tratava de duas construções distintas,
mas bem próximas na rede construcional.
Já a segunda seleção primou por caracterizar a nuança semântica inerente ao
termo comparante, que possui a força disfêmica relacionada a outras forças semânticas,
o que permitiu que se fizessem observações qualitativas representadas em gráficos (cf.
páginas 75-6).
Após a seleção, o estudo centrou seus esforços nos objetivos gerais de
descrever e analisar as Construções Comparativas Superlativas Disfêmicas sob o
aporte teórico da Linguística Cognitiva e, formalizá-las em termos de mesclagem
conceptual e como um nó da rede construcional das Construções Comparativas do
Português do Brasil, bem como analisá-las como parte de uma estrutura mais genérica
da linguagem responsável por correlações
7. A ANÁLISE DO CORPUS
Por se tratar de construções usadas sobremaneira no registro oral, a coleta dos
dados para a pesquisa, em um primeiro momento, tornou-se onerosa por ter de contar
com a audiência frequente de programa radiofônico para que se pudessem transcrever
as construções disfêmicas.
Um grande ganho na coleta dos dados foi tomar conhecimento de que, na
variante diatópica do Rio Grande do Sul, as Construções Comparativas Superlativas
Disfêmicas já faziam parte do acervo linguístico dessa comunidade e já estavam
estratificadas no ideário gauchês, fato constatado por meio de pesquisa eletrônica em
sites de busca.
7.1 A IDIOMATICIDADE
Abarcando um grande número de gêneros, tais como ditos populares,
provérbios e ditados, entre outros, as construções linguísticas chamadas de
idiomatismos ou idiotismos são assim chamadas por terem alguns aspectos em comum,
como o fato de não serem composicionais, ou seja, o sentido das construções não pode
ser apreendido a partir da soma do sentido de seus constituintes. E também pelo fato de
possuírem uma estrutura mais ou menos fixa.
Em relação ao primeiro aspecto, tomaremos como exemplo a construção “Mais
por fora que surdo em bingo.”, em que a compreensão não se atém à soma dos
significados de cada constituinte, mas a uma confluência de conhecimentos
linguísticos, como o teor polissêmico da expressão ‘por fora’; processos cognitivos,
como a compreensão do Esquema Imagético projetado em um domínio de
entendimento comunicacional que serve de alicerce para as metáforas conceptuais
INTELIGÊNCIA É POR DENTRO e IGNORÂNCIA É POR FORA, que são
instanciadas por expressões metafóricas, como “Mais por dentro que biquíni de
mulata.“ e “Mais por fora do que arco de barril.”, além de outras construções mais
ordinárias e frequentes, como “Passei ao largo do assunto durante minha errática
vida acadêmica.” ( palpit. Blogspot.com/ 2009/10/empirismo – inglês.html), em que a
construção ‘ao largo’ constrói um Espaço Mental de desinteligência, porque é
alimentado por um Esquema Imagético espacial exterior, e pela Metáfora Conceptual
IGNORÂNCIA É POR FORA, ou de sentido oposto, como “Agora que entrei no
assunto, espero que me permita compartilhar a minha teoria.”
(www2.uol.com.br/vyaestelar/eusofrimento.htm), em que o verbo ‘entrar’ ativa o
Espaço Mental de entendimento a partir do substrato fornecido por um Esquema
Imagético espacial interior que também serve de fulcro à metáfora conceptual
INTELIGÊNCIA É POR DENTRO.
Além dos conhecimentos linguísticos, o interlocutor precisa contar com o
conhecimento enciclopédico para evocar e enquadrar a cena de um surdo em um bingo
e conseguir conceber a presença de um deficiente auditivo em um jogo em que,
normalmente, os números são falados.
Já em relação à estrutura sintagmática, há alguma discordância entre pesquisas
em relação à estratificação e composicionalidade. Cuenca e Hilferty (1999) relativizam
o conceito de composicionalidade e sugerem um continnum entre “frases feitas” que
possuem estruturas mais ou menos analisáveis.
Para corroborar sua tese, explanam sobre a diferença de não-literalidade e não-
composicionalidade e sugerem, juntamente com Gibbs (1990:427-8), que “a
compreensão é executada em um termo da imagem veiculada pelo Domínio origem.”
Discordamos dessa ideia, uma vez que o Domínio-origem possui estruturas
mais básicas e acessíveis à compreensão humana e, por isso, mais suscetíveis a
operações semânticas lexicais, como a homonímia e a polissemia.
Preferimos considerar a operação de compreensão em termos de mesclagem
conceptual, porque com este aparato podemos reunir os conhecimentos linguísticos,
enciclopédicos, além dos aspectos mais proeminentes de espaços de entrada, que serão
alimentados com os Esquemas Imagéticos, os Modelos Cognitivos Idealizados e os
Espaços Mentais.
Para demonstrar ambas as hipóteses, tentaremos representar no esquema abaixo
as projeções metafóricas entre os domínios:
Esquema 2: mescla conceptual da construção “Mais por dentro que biquíni de mulata.”
Espaço Genérico
. compreensão .
. anatomia .
. vestuário .
interior . entendimento .
. interior
. carnaval
. etnia
. fantasia
. . .
Espaço de Entrada 1 Espaço de Entrada 2
Espaço de Mescla
Mais por dentro Biquíni de mulata
Na representação acima, pode-se perceber que, no Domínio-origem, os estratos
cognitivos são mais escassos, uma vez que são constituídos basicamente por um
Esquema Imagético espacial e sua extensão polissêmica; enquanto, no Domínio-
destino, a expressão ‘biquíni de mulata’ suscita uma cena mais rica, uma vez que o
sintagma constrói muitos Espaços Mentais, como os de carnaval, anatomia e
vestuário, entre outros. Desse modo, ao contrário do que afirmam alguns autores (cf.
CUENCA e HILFERTY,1999; GIBBS, 1990), não podemos generalizar o domínio
onde o significado idiomático se veicula, uma vez que, no idiomatismo analisado, a
imagem metafórica disfêmica é veiculada no Domínio-destino, o que não quer dizer
que, em outros casos, o Domínio-origem seja o maior responsável pela veiculação da
imagem.
Voltando para o outro aspecto inerente aos idiomatismos, teremos de analisar a
questão da composicionalidade se esta for pensada em termos de um continnum, pois
há construções com níveis diferentes de estratificação. Jesus e Miranda (2003:269), em
seu trabalho sobre as Construções Condicionais Universais Proverbiais, postulam três
níveis de idiomaticidade.
Em um extremo do continnum, encontram-se os idiomas abertos, que são as
construções genéricas da rede, sem traços de idiomaticidade. Um exemplo de
construção comparativa idiomática aberta seria “O rio Amazonas é maior que o rio
Sena.”, em que os constituintes da construção podem ser substituídos por possuir ainda
um forte atributo composicional e o pelo sentido global ainda estar fortemente
veiculado ao sentido de cada constituinte.
Em um nível intermediário do continnum, localizam-se os idiomas
semiabertos, definidos como as construções proverbiais não cristalizadas, criadas no
dia-a-dia com base na estrutura proverbial e com traços de idiomaticidade.
Na outra extremidade do continnum, encontram-se os idiomas formulaicos,
que são os provérbios já cristalizados na comunidade de fala. São marcados por traços
idiomáticos.
Como tratamos de construções comparativas em vez de provérbios,
encontramos um obstáculo para enquadrar algumas construções que já estão em um
processo avançado de cristalização, como:
“Deu mais que chuchu na serra.”
“Mais feliz que pinto no lixo.”
Acho que a definição de Jesus e Salomão considerou dois critérios em sua
constituição: um construcional-sintagmático, que considera os elementos constituintes
e suas respectivas posições e níveis de estratificação, e outro variacionista, que localiza
a construção em determinado nível de cristalização em relação à comunidade de fala.
Dessa forma não ficou claro qual critério é mais prestigiado para a definição do
conceito, uma vez que os exemplos citados pelas autoras para cada nível de
idiomaticidade:
“Quem é demitido por justa causa tem direito a 40%do saldo do FGTS.“
“Quem bate cartão, não vota em patrão.”
“Quem semeia vento, colhe tempestade.”
fazem parte da mesma configuração sintática [Quem P,Q] e o que os diferencia é o
nível de estratificação de seus constituintes. Optamos, assim, por adotar apenas o
primeiro critério - o construcional-sintagmático – e, por se tratar de um estudo de base
eminentemente semântica e não variacionista, decidimos enquadrar as Construções
Comparativas Superlativas Disfêmicas entre as construções semiabertas, pois as
instanciações deixam clara a estratificação de alguns constituintes, uma vez que, na
primeira [V+ mais que + SN], temos estratificados o intensificador ‘mais’ e o nexo
comparativo ‘que’; e na segunda, [mais + SAdj + que + SN], temos novamente
estratificados o intensificador e o nexo comparativo, impulsionando a semântica
comparativa.
7.2 TIPO e OCORRÊNCIA
A pesquisa encontrou 132 instanciações da Construção Comparativa
Superlativa Disfêmica, mas entre os dados apresentaram-se dois tipos de configuração
sintática - que continuam circunscritas entre as comparativas superlativas disfêmicas -,
que possuem ocorrência desigual.
Considerando os dados sob um olhar geral e corroborando tanto estudos
tradicionais quanto pesquisas mais atuais, percebe-se que a Construção Comparativa
Superlativa Disfêmica é constituída por cinco termos:
a) um comparado: termo que se encontra elíptico em todas as
ocorrências, mas é sempre recuperável pelo co-texto;
b) um comparante: termo sempre explícito que se relaciona
semanticamente com o termo comparado;
c) a característica comum: o atributo que aproxima os termos
comparado e comparante;
d) o intensificador comparante: que intensificará o evento ou processo
representado pela característica comum;
e) o nexo comparativo: elemento responsável pela conexão entre o
termo comparado e o termo comparante.
7.2.1 A Construção 1
A primeira construção a ser observada tem a seguinte configuração sintática:
[Verbo + mais que + SN]. Sob essa configuração foram observadas 18 instanciações,
tais como:
1) “Corre mais que notícia ruim.”
2) “Rolando mais que pau de enchente.”
3) “Chorou mais que tampa de marmita.”
4) “Suou mais que tampa de marmita.”
5) “Sofreu mais que sapato de cego.”
Em relação ao primeiro termo – o comparado – podemos observar que se
encontra elíptico em todas as ocorrências, uma vez que as construções em tela podem
ser usadas para enfatizar situações diversas, mas sempre com o objetivo de imprimir
cores mais intensas aos eventos com os quais estão relacionados.
A característica comum aos dois domínios em questão é representada, nos
dados analisados, por verbos que encabeçam a construção e sempre indicam um
processo, seja ele físico, como representado pelos dois primeiros exemplos; biológico,
como indicam os verbos ‘chorar’ e ‘suar’; ou psicológico, como explicitado pelo
verbo ‘sofrer’.
Por representarem ações executadas frequentemente pelo ser humano, esses
verbos necessariamente precisam se encontrar no Domínio-origem, uma vez que as
noções que representam são mais básicas e acessíveis ao aparato cognitivo humano e
apresentam, nos casos acima, valores prototípicos.
Os movimentos corporais de correr e rolar são executados logo nos primeiros
anos de vida, algo que acontece igualmente aos processos biológicos de chorar e suar,
que executamos ainda de forma inconsciente nos primeiros dias de vida. E o que dizer
do processo de sofrimento, que experienciamos antes mesmo do nascimento?
A asserção acima não pretende generalizar a natureza verbal ou semântica
representada no Domínio-origem, mesmo porque encontramos instanciações, tais
como:
6) “Deu mais que chuchu na serra.”
7) “Apanhou mais que bife de pensão.”
8) “Chiou mais que panela de pressão.”
Em que os verbos se apresentam em um sentido não prototípico devido a
polissemia, embora o sentido seja facilmente entendido pelo conhecimento
enciclopédico do falante, que, ao ouvir a primeira instanciação, sabe instantaneamente
que sentido atribuir ao verbo ‘dar’8, mesmo não possuindo ele o argumento interno.
O mesmo ocorre com os demais verbos, que também não se encontram em seu
significado primeiro, mas por uma extensão de sentido, que pode ser atribuída ao uso
informal. Nesse ponto, a pesquisa encontrou um interessante fato para explicitar e
corroborar o aporte teórico cognitivista: a influência dos fatores sociais nas formas
linguísticas.
7.2.2 A Transitividade da Construção 1
Vimos anteriormente que o registro em que as construções se encontram toma
os verbos em seu sentido menos usual, como pode ser observado na construção “Se
9 Mesmo possuindo mais de 95 acepções (FERREIRA, 1989), o falante é capaz de aferir o sentido exato.
virou mais que charuto em boca de bêbado.”, em que o verbo ‘virar-se’, possui um
significado prototípico de mudança de direção ou posição (cf. Houaiss, 2001), mas no
contexto em que foi empregado toma o significado de ‘esforço empregado na
consecução de um objetivo’.
Além de transmutar o significado verbal, o fato de ser pronunciado em um
contexto informal também causa mudança em sua valência, de forma que os verbos
observados na Construção 1 são em sua totalidade intransitivos, mesmo aqueles que
em outros contextos poderiam apresentar a bitransitividade, como o verbo ‘dar’, que
foi destransitivado na construção “Deu mais que chuchu na serra.”, fato que
Bronzato (2000:78-9) denomina de complementação interdita, uma vez que o
argumento interno não é explicitado por fatores atribuídos ao rompimento de uma
regra de conduta, motivada por prática de polidez positiva para a proteção da face do
falante (GOFFMAN, 1983).
Como essa hipótese foi comprovada apenas com verbos que revelam tabus
sociais, como sexo e drogas, não podemos utilizá-la com outros verbos que também
perderam sua transitividade, como o verbo ‘reclamar’ em “Reclamou mais que sogra
de genro desempregado.” e o verbo ‘chiar’ em “Chiou mais que panela de
pressão.”.
A hipótese que será defendida na pesquisa levará em consideração a natureza
discursiva e generalizante inerente às construções comparativas superlativas
disfêmicas, que se assemelham aos ditados populares por sua configuração sintática
relativamente fixa, mas deles se diferenciam pela sua função pragmática, que não é de
ensinamento moral, mas de ridicularização de uma ideia.
Foi observado anteriormente sobre os verbos que encabeçam a Construção 1 o
fato de possuírem um conceito mais básico e acessível à compreensão, mesmo quando
usados fora de seu significado prototípico. Isso nos fez elaborar a ilação de que, nos
casos observados, incluindo o caso do verbo ‘dar’, a função discursivo-pragmática
obriga os verbos a permanecerem intransitivos, pois a finalidade é que a construção dê
conta de inúmeras situações, tornando-se, assim, generalizante para toda a mulher que
não possui um comportamento afetivo condizente com as regras sociais, como no
exemplo anterior. Mas também a toda situação que envolva algum tipo de sofrimento,
seja ele físico, moral ou psicológico, no caso do verbo ‘sofrer’, que poderá ser
representada pela instanciação “Sofreu mais que suvaco de aleijado.”
Desse modo, asseveramos que a intransitividade verbal inerente à Construção 1
deve-se a um fator discursivo-pragmático, com o objetivo de generalizar uma ideia
para que seja utilizada por situações básicas da vida cotidiana e como o discurso é um
produto social (Charaudeau, 2009:29), produzido em forma de contrato pelas
representações linguageiras, a mudança morfossintática emerge para fortalecer o
arcabouço cognitivista, que prima pelas influências sociais na linguagem, entre outras
coisas.
7.3 A CONSTRUÇÃO 2
A segunda construção configurada sintaticamente como [Mais + Qualificador
+ que + SN], não é encabeçada por um verbo, mas sim pelo intensificador
comparante ‘mais’. Embora tenha algumas semelhanças com a Construção 1, como a
elipse do termo comparado e a natureza semelhante entre o verbo da Construção 1 e a
maioria dos sintagmas adjetivais da Construção 2, visto que ambos representam um
processo9, os sintagmas adjetivais que constituem a característica comum entre o
termo comparado e o termo comparante não compartilham da mesma natureza
sintática, representando uma qualidade ou um processo.
Nos dados, foram observadas 76 ocorrências de sintagmas adjetivais que
representam qualidade, como nos casos abaixo:
1) “Mais sujo que pau de galinheiro.”
2) “Mais grosso que papel de enrolar prego.”
3) “Mais gelado que focinho de cachorro.”
4) “Mais por fora que cotovelo de caminhoneiro.”
5) “Mais difícil que nadar de poncho.”
Os dados nos mostram que o Domínio-origem novamente é composto por
conceitos que representam categorizações básicas do ser humano, que são baseadas
intrinsecamente em comparações, uma vez que o ser humano apreende os conceitos de
9 Adotamos aqui a lição de Mattoso Camara (1970) que afirma que privilegia o adjetivo em detrimento do
particípio, dizendo que este é no fundo um adjetivo com as marcas nominais de gênero e número, mas em vez de
expressar uma qualidade de um ser, expressa o processo que nele se passa.
sujo, grosso, gelado, por fora e difícil ao compará-los por experiência sensório-
motora-espacial com os conceitos de limpo, fino, por dentro e fácil.
Nos dados restantes, foram observadas 45 ocorrências em que o sintagma
adjetival representa um processo, conforme os exemplos a seguir:
1) “Mais perdido que cego em tiroteio.”
2) “Mais amontoado que teta de porco.”
3) “Mais engordurado que telefone de açogueiro.”
4) “Mais enfeitado que carroça de cigano.”
5) “Mais perfumado que mão de barbeiro.”
em que podemos perceber claramente os processos de perder-se, amontoar-se,
engordurar-se, enfeitar-se e perfumar-se, o que fornecerá mais atributos para o
Domínio-origem, por evocar uma cena mais rica, ainda que também intente uma
generalização situacional.
Uma outra hipótese aventada pela pesquisa é que, independentemente da
natureza semântica do sintagma adjetival, seja qualificativa ou processual, as
diferenças morfológicas entre as construções desencadeiam uma diferença na
configuração sintática, uma vez que, na Construção 1, a característica comum que
une os termos é representada sempre por um verbo nocional e esse verbo ocupa a
primeira posição na configuração [Verbo + mais que + SN], enquanto na segunda
construção, a primeira posição é ocupada pelo intensificador comparante, ainda que
existam construções a com a configuração [S.Adj + Mais + que + SN], como:
6) “Vocês não tem vergonha na cara, e ficam apontando defeito do
Serra, e não olham pro próprio RABO sujo mais que pau de
galinheiro.” (http://voce.estadao.com.br/robimc,10)
7) “Legislativo perdido mais que “cego em tiroteio”.”
(http://blogdoleunam.wordpress.com/2011/11/23/legislativo-
perdido-mais-que-cego-em-tiroteio)
8) “Vaidade acima de tudo e de todos para comandar um time
quebrado mais que arroz de terceira.”
(www.opovo.com.br/www/opovo/esportes/tcomentarios_933313.ht
m)
que por serem bem menos produtivas que a Construção 2, uma vez que não foram
encontrados dados que correspondessem a todas as instanciações da Construção 2,
preferimos encará-las como uma variação da mesma, sendo essa a sua representação
menos prototípica.
Aqui constatamos novamente que a mudança semântica de um dos termos acarreta
uma mudança na configuração sintática, mas, por não ser o objeto principal dessa
pesquisa, a hipótese acima será investigada em um outro momento.
7.4 OS CONSTITUINTES ESTRATIFICADOS
Uma vez classificadas entre as construções que possuem a configuração
sintática semi-aberta, as construções comparativas superlativas disfêmicas apresentam
em ambas as configurações vistas anteriormente:
[Verbo + mais que + SN]
[Mais + S.Adj + que + SN]
o intensificador comparante e o nexo comparativo como elementos estratificados,
uma vez que as outras posições podem ser preenchidas por um grande número de
elementos, dependendo da situação e da carga disfêmica que se queira atribuir e
porque não ocorreram instanciações com intensificadores como ‘muito’ ou
‘bastante’, muito menos nexos comparativos como ‘tal qual’; ‘como’; e ‘que nem’.
O papel exercido por esses termos é o de estabilização sintática e semântica,
visto que o intensificador comparante atribui às construções as noções superlativa e
comparativa, e o nexo comparativo faz a concatenação sintática entre os termos que
serão comparados, indicando sempre à sua esquerda o termo comparado e à sua
direita o termo comparante, porque não foram observados dados com uma possível
ordem inversa do tipo:
*”Sapato de cego mais que sofreu.”
*”Mais cavalo de carteiro que apressado.”
em que podemos constatar claramente que a primeira parte da construção precisa estar
ocupada obrigatoriamente por uma forma que represente uma qualidade ou um
processo que será intensificado posteriormente para se relacionar com o sintagma
nominal que se posicionará obrigatoriamente à direita do nexo comparativo.
7.5 O TERMO COMPARANTE
Conforme foi observado na seção anterior o Domínio-origem, nos casos
analisados, é constituído de processos e qualidades básicas presentes no cotidiano de
todos nós.
Como nas construções analisadas o objetivo do falante é produzir um
enunciado que contenha uma intenção negativa, pejorativa ou humorística que
geralmente seja usado em situações informais (Santos, 2009), podemos inferir que essa
intenção estará representada no Domínio-destino, que será representado em todos os
dados por um sintagma nominal.
Encontramos 124 instanciações de sintagmas nominais que possuem diversas
naturezas semânticas, distribuídas em locativo, posse, finalidade, modal, temporal,
qualificativo, companhia, causa, não-posse, instrumento e procedência, conforme
tabela abaixo:
Natureza Semântica Instanciações Frequência
Instrumento Mais seco que tiro de 12 cano serrado. 1/132 – 0,75%
Procedência Mais duro que salame de colônia. 1/132 – 0,75%
Locativo Se virou mais que charuto em boca de bêbado. 37/132 – 28,03%
Posse Mais comprido que trova de gago. 57/132 – 52,54%
Finalidade Mais amassado que jornal pra limpar fiofó. 4/132 – 3,03%
Modo Mais feio que tombo com a mão no bolso. 7/132 – 5,30%
Tempo Mais feliz que puta em dia de pagamento de
quartel.
2/132 – 1,51%
Qualificativo Apanhou mais que bife de segunda. 19/132 – 14,39%
Companhia Mais desconfiado que cego com amante. 2/132 – 1,51%
Causa Mais feio que indigestão de torresmo. 1/132 – 0,75%
Não-posse Mais quente que frigideira sem cabo. 1/132 – 0,75%
Tabela 2: a natureza semântica dos termos comparantes
Gráfico 19: índice de cada nuança semântica
Na tabela e no gráfico, podemos perceber como os sintagmas preposicionados
que fornecerão substrato cognitivo para o Domínio-destino se encontram em
diferentes níveis de ocorrência, dependendo de sua natureza semântica.
Uma vez sustentado e constatado que o Domínio-origem possui as
experiências mais básicas e acessíveis ao nosso sistema cognitivo, teremos que
comprovar que o Domínio-destino contém um substrato cognitivo mais complexo,
pois dele derivará a noção de disfemia a partir de entidades que, em um primeiro
momento não possuem qualquer tipo de semelhança com o processo ou a qualificação
presentes no Domínio-origem.
Pensando em termos de continnum, verificamos, conforme abaixo, que a
nuança semântica de posse ocuparia o centro da gradação, ou seja, seria o sintagma
nominal mais prototípico nas orações comparativas superlativas disfêmicas, seguida da
noção de locativo.
As noções de modo, tempo, qualificação e finalidade ficam mais afastadas
ainda do centro prototípico, sucedidas pelas noções semânticas de causa,
instrumento, procedência, companhia e não-posse, que figuram como os sintagmas
nominais menos prototípicos nas orações comparativas superlativas disfêmicas.
Verificando os dados, fez-se necessário formular uma hipótese para justificar a
grande ocorrência da noção de posse entre as construções (52,54%) em relação às
outras noções.
Entre algumas direções teóricas a serem tomadas, achamos a teoria de Fillmore
(1975) a mais adequada, por ter ele cunhado a conceito de frame como “um sistema de
escolhas linguísticas”, afirmando que a escolha de determinada forma aciona outras
formas que com ela interagem. Considerando, também, as noções de perspectiva
sintática, ele mostra que determinada escolha seleciona os papéis sintáticos
relacionados com a forma linguística privilegiada.
Mais tarde, ele relaciona o conceito de frame às estruturas cognitivas de
conhecimento codificadas nas palavras, incluindo, assim, além da sintaxe, o
conhecimento de mundo do falante.
O conceito de frame terá um papel de grande importância para tentarmos
entender por que a noção de posse é a mais frequente nas construções, mas devemos
entender agora que, ao lermos, falarmos, escrevermos ou escutarmos um sintagma
nominal como ‘cego com amante’ construímos um frame de ‘cego’ e um de
‘amante’, mas além desses, também construímos subframes de ‘namoro’ e
‘adultério’, entre outros, que constituirão uma rede de frames que ajudará o
interlocutor a captar o sentido desejado.
Mas além do conceito de frame, teremos que utilizar também o conceito de
script, que será a sequência de eventos contidos em um frame, ou seja, no sintagma
‘cego com amante’, os frames possuem scripts que podem ser representado da
seguinte maneira:
Com a representação das sequências de eventos suscitados pelos frames de
namoro e adultério, podemos observar que o frame seria o enquadre sintático e cultural
de determinado evento, sendo estático; enquanto a sequenciação dos atos desse evento
é representada por um script, que poderá variar de cultura para cultura e, inclusive,
dentro de uma mesma cultura, mas que terá uma base comum. E como é constituído
por sequências, é dinâmico.
Observando os sintagmas, percebe-se que as nuanças semânticas mais
frequentes entre os sintagmas preposicionados são a de posse e a de lugar. Tomando
como ponto de partida a premissa das Construções Gramaticais que afirma que uma
Conhecer uma
pessoa
Gostar da pessoa
Paquerar a pessoa
Ficar com a pessoa
Conhecer outra
pessoa
Gostar da outra
pessoa
Paquerar a outra
pessoa
Ficar com as duas
pessoas
Gráfico 20: representação dos atos seqüenciais (scripts)
construção é um pareamento forma-significado, observamos, primeiramente, uma
diferença na forma das preposições entre os sintagmas citados acima. Duas são as
preposições encarregadas de fornecer a semântica dos sintagmas acima: a preposição
‘de’ e a preposição ‘em’.
Em relação à noção de posse e de lugar, os frames suscitados pelos sintagmas
são mais ricos e dinâmicos porque envolve em seus papéis temáticos um possuidor e
um possuído, quando falamos em posse e de uma entidade situada em um local, ao
falarmos da noção locativa, sendo cada um responsável pela ativação de Espaços
Mentais variados, que apresentam scripts complexos para a apreensão do sentido.
Em instanciações com sintagmas nominais que indicam lugar, como “Mais
perdido que cego em tiroteio.”, o sintagma ativa alguns Espaços Mentais, tais como
o de deficiência física, dificuldade de locomoção, criminalidade e suas consequências,
mas essa riqueza de Espaços Mentais não se traduz em complexidade de script, uma
vez que a preposição ‘em’ introduz uma noção estática ao evento, não proporcionando,
assim, um grande número de atos sequenciais.
Já em relação à noção de posse, temos um frame com scripts mais complexos,
uma vez que em instanciações como “Mais enfeitado que carroça de cigano.”, temos
a ativação de Espaços Mentais de meio de transporte, meio rural, cultura cigana,
vestuário e outros mais, que configuram um número maior de sequência de atos, uma
outra razão para a maior dinamicidade do frame gerado por sintagmas que possuem a
natureza semântica de posse é a supremacia de ocorrência do atributo [+ animado] do
sintagma nominal que encerra a construção, visto que sua frequência é três vezes maior
(49 ocorrências) que a dos sintagmas nominais com a semântica locativa que possuem
o atributo [- animado].
Abaixo apresentamos o gráfico comparativo com os scripts de cada sintagma
preposicionado das instanciações citadas acima:
Gráfico 21: diferença entre os atos sequenciais
o que indica que a maior frequência entre os sintagmas nominais que indicam a
noção de posse se justifica pela maior facilidade de comparar uma situação cotidiana
com a riqueza de imagens produzida por esse sintagma e suas relações entre o
possuidor e o possuído.
7.6 O PROCESSO DE MESCLAGEM NAS CONSTRUÇÕES
Nesta seção, tentaremos promover a confluência de todos os conceitos vistos
até aqui. Para essa empresa, nos submeteremos ao ultimato de Lakoff e Johnson (2002)
que asseveram que “qualquer teoria adequada ao sistema conceptual humano terá de
dar conta de como os conceitos são 1) embasados, 2) estruturados, 3) relacionados uns
com os outros e 4) definidos.”
O cego se encontra em
uma troca de tiros
Fica desorientado por
não enxergar
Um meio de transporte
é enfeitado por alguém
Esse alguém tem como
costume se enfeitar
Essa pessoa usa enfeites
brilhantes tanto na
carroça, quanto no
animal
A carroça está pronta
para a festa ou
cerimônia
cego em tiroteio carroça de cigano
Os conceitos com os quais trabalharemos são embasados por nossas
experiências interacionais com o mundo e com nós mesmos, incluídas, entre essas, as
experiências corpóreas, motoras, sensoriais e intuitivas.
Os conceitos serão estruturados nos aparatos cognitivos mais básicos da
natureza humana:
a) os Esquemas Imagéticos: que, mesmo não dotados de conteúdo
proposicional, influenciam no pensamento, na ação e na linguagem,
uma vez que transportam as sensações corpóreas, sobretudo
orientacionais para a constituição e apreensão do significado;
b) os Modelos Cognitivos Idealizados: que constituirão a base
social, histórica e cultural que falantes de uma mesma comunidade
compartilham, para que se produza a compreensão:
c) os Espaços Mentais: que fermentam a todo o momento em nossas
mentes toda vez que são estimulados por palavras e frases e, por isso,
representarão o estrato mais emergente nos domínios existentes na
mescla.
As relações entre os conceitos farão uso de operações que são “o cerne da mais
simples possibilidade de significado” (FAUCONNIER e TURNER, 2002) e são
denominadas como os três “I’s” da mente:
a) identidade:que juntamente com a oposição são produtos acabados
fornecidos pela consciência depois de um trabalho elaborado de
cognição;
b) integração: é a parte mais complicada do processo de integração
conceptual, que elabora estruturas e propriedades dinâmicas e
restrições operacionais; mas normalmente é totalmente
despercebida, uma vez que trabalha rapidamente nos bastidores da
cognição:
c) imaginação: é indispensável, uma vez que a identidade e a
integração não podem dar conta do significado e do seu
desenvolvimento. Mesmo na ausência de estímulos externos, o
cérebro pode produzir simulações imaginativas.
A mesclagem conceptual pode se dar em variados níveis, desde o mais
superficial, em que os domínios serão constituídos pelas formas linguísticas
emergentes, até a um nível mais abstratos em que entrarão em cena os conceitos
expostos acima.
Como o objetivo de qualquer teoria é alcançar o máximo em generalização,
decidimos representar, em um primeiro momento, a mesclagem que ocorre em um
nível mais abstrato, para que possamos tentar englobar todas as construções
comparativas superlativas disfêmicas.
Intensificação
de uma ideia:
DISFEMIA
Experiência
básica
Entidade do
mundo
objetivo
C.C.S.D
Espaço Mescla
Espaço de
Entrada 1 Espaço de
entrada 2
Espaço Genérico
Identidade
Comparação
Esquema 3: mescla conceptual dos processos cognitivosnas
Construções Comparativas Superlativas Disfêmicas
No diagrama anterior, focalizamos no Espaço Genérico a finalidade discursiva
das construções comparativas superlativas disfêmicas e, a partir dessa necessidade,
como são selecionados os substratos conceptuais no Espaço de Entrada 1, que
identifica experiências básicas humanas, sejam elas processos (sumir, chorar, dar,
virar-se, suar), ou qualidades (feliz, triste, amontoado, baixo, por fora) para encontrar,
por meio da operação de integração, as entidades do mundo objetivo no Espaço de
Entrada 2, que serão comparadas através da imaginação, que deixará emergir o
sentido novo que não se encontra, em sua totalidade, em nenhum dos espaços de
entrada separadamente.
Dessa forma, acreditamos ter definido a mescla conceptual dos dois tipos de
construções analisadas neste estudo, além das não prototípicas, como “Sujo mais que
pau de galinheiro.”, tomando, assim, um passo para a generalização conceptual das
construções e orientando para a representação das instanciações.
Nos diagramas abaixo, efetuaremos a representação da mescla conceptual dos
dois tipos de construção analisadas na pesquisa e ancoradas na mescla conceptual
subjacente exposta acima:
. Movimento .
. Fumo .
. Alcoolismo .
. Anatomia .
Mudança de . direção
Superação de . dificuldades
. Debilidade
. Tipo de cigarro
. Alcoólatra
. Parte do corpo
C.C.S.D
Espaço Mescla
Espaço de
Entrada 1
Espaço de
entrada 2
Espaço Genérico
Esquema 4: mescla conceptual da construção
“Se virou mais que charuto em boca de bêbado.”
Em ambas as representações temos as instanciações do modelo apresentado
como o nível subjacente das orações comparativas superlativas disfêmicas. Percebe-se
claramente que o Espaço de Entrada 1 fornece sempre as experiências mais básicas
humanas, enquanto no Espaço de Entrada 2 encontram-se as entidades do mundo
objetivo que servirão de termo comparante para a operação.
É interessante notar também a diferença na quantidade de projeções entre os
espaços de entrada, que explicita apenas a operação de identidade, ficando por conta da
imaginação do falante a apreensão do significado.
. compreensão . . Trânsito . . Anatomia .
Falta de . entendimento
local externo .
. Condutor
. Parte do corpo
. Maneira de dirigir
C.C.S.D
Espaço Mescla
Espaço de
Entrada 1
Espaço de
entrada 2
Espaço Genérico
Esquema 5: mescla conceptual da construção
“Mais por fora que cotovelo de caminhoneiro.”
8. CONCLUSÃO
Quando nos deparamos com fatos linguísticos pouco analisados ou preteridos
pelos pesquisadores, as dúvidas aumentam em relação a que caminho adotar para
nortear uma pesquisa. Esse foi o caso das Construções Comparativas Superlativas
Disfêmicas, que permaneciam pulsantes no registro popular, mas longe de qualquer
abordagem científica.
O tipo especial de comparação chamou a atenção por sua produtividade e pelas
operações cognitivas responsáveis por atualização na língua. Analisar um fenômeno
inerente à espécie humana como um processo de identificação das coisas do mundo
nos levou a grande questão vigente ainda hoje na Linguística: a categorização das
coisas do mundo.
O mote principal da pesquisa foi a escassez de estudos relacionados ao
fenômeno, que nos fez caminhar por caminhos pouco explorados até este momento.
Não dar a devida atenção ao disfemismo é, antes de qualquer coisa, negar um modo
particular de referenciar os eventos do mundo que se encontra supostamente
organizado, usando a quebra de expectativa (BERGSON, 1983:33) para atribuir à
forma linguística significados que pertencem à cognição do falante.
À medida que a pesquisa se desenvolvia, mais caminhos apareciam com
encruzilhadas e bifurcações proporcionais à complexidade do fenômeno disfêmico
comparativo, que usa a relação de interdependência comum a outras construções
correlativas, como as condicionais e alternativas, acrescida da peculiar semântica.
Como muitas direções foram abertas com o avanço da pesquisa, torna-se
necessário esclarecer que este estudo preferiu optar por um objetivo de caráter mais
geral, uma vez que a análise defrontou-se com processos que agem em conjunto como
a escalaridade que relaciona três processos: um básico da vida cotidiana, um referente
a uma situação particular e um terceiro que é a mescla dos dois e que é acionado pela
imaginação do falante que será relacionada com os postulados da Linguística
Cognitiva. Outro processo inerente ao fenômeno comparativo superlativo disfêmico é a
primazia do conhecimento enciclopédico sobre o dicionarístico na apreensão do
significado das construções, uma vez que a hipótese tradicional da elipse verbal nas
construções comparativas cai por terra após a análise das construções que privilegia
mais os processos cognitivos que as pistas gramaticais.
A pesquisa procurou demonstrar as particularidades das construções que se
configuram, em um primeiro momento como uma correlação sintático-semântica em
que o primeiro termo exprime ordinariamente um evento ou processo comum e
frequente, mas que com as instruções linguísticas adquirem os atributos comparativos
e superlativos.
Essa é primeira visão da construção que se apresenta mais linguística pela
própria ‘estabilidade’ da linguagem, mas a partir desse ponto, temos a presença da
quebra de expectativa, do inusitado, do imaginativo que emergirão no segundo termo
da correlação, formando com o conjunto a interação entre a forma linguística e os
processos cognitivos metafóricos, metonímicos e metaftonímicos.
Acreditamos que o grande ganho da pesquisa foi sublevar uma construção
pouco estudada para um nível de análise científico, demonstrando a grande
complexidade dos processos envolvidos, mas sem ter a pretensão de dar como acabado
o estudo em relação a ela, visto que com as várias possibilidades apresentadas neste
estudo, fica aqui a possibilidade de ampliação e aprofundamento em trabalhos
posteriores com as Construções Comparativas Superlativas Disfêmicas, seja nos
caminhos apontados pela pesquisa, seja em outros que com certeza não foram
vislumbrados por ela.
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TERRA, Ernani. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Scipione, 2002.
TRAVAGLIA, . Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2°
graus. São Paulo: Cortez, 1997.
UNGERER, Friedrich; SCHMID, Hans-Jörg. An Introduction to Cognitive Linguistics. 2.ed.
Londres: Pearson Longman, 2006.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. 2.ed. Tradução de Marcos G.
Montagnoli. Petrópolis: Vozes, 1994.
ANEXO 1 – Explanação sobre a zona de ativação do termo
comparante
Referente Linguístico Referência Disfêmica
Corre mais que notícia ruim Diz-se comumente que o povo se interessa mais por notícias ruins.
Rolando mais que pau de
enchente
A madeira em uma tromba d’água.
Rebola mais que minhoca nas
cinzas.
A minhoca sofre porque não consegue respirar.
Deu mais que chuchu na serra. Local ideal de plantio.
Sofreu mais que suvaco de
aleijado.
Parte do corpo em que a muleta fica encaixada.
Apanhou mais que mulher de
malandro.
Pessoa que não respeita as outras.
Chorou mais que tampa de
marmita.
Fica com gotículas d’água quando aquecida.
Apanhou mais que bife de
segunda.
Carne dura que precisa ser amaciada.
Apanhou mais que bife de pensão. Idem.
Se virou mais que charuto em
boca de bêbado.
A pessoa alcoolizada fica com a coordenação motora reduzida.
Suou mais que tampa de marmita. Fica com gotículas d’água quando aquecida.
Reclamou mais que sogra de
genro desempregado.
Um genro desempregado não é bem visto pela sogra.
Ardendo mais que acarajé baiano. Iguaria que leva muito tempero, principalmente pimenta.
Apanhou mais que carne de
pescoço pra virar filé.
Carne dura que precisa ser amaciada.
Chiou mais que panela de
pressão.
Som da água em forma de vapor que sai da válvula.
Sumiu mais rápido que comida
em festa de maconheiro.
O consumo de maconha causa aumento de apetite.
Sofreu mais que sapato de cego. Por não ver, o cego tropeça muito.
Mais sujo que pau de galinheiro. O poleiro fica sujo com as fezes dos galináceos.
Mais baixa que bunda de cobra. Porque fica em contato com o solo.
Mais grosso que papel de enrolar
prego.
O papel precisa ser espesso para não ser rasgado pelo prego.
Mais quebrado que arroz de
terceira.
Arroz de baixa qualidade.
Mais gelado que focinho de
cachorro.
Parte do cão com temperatura inferior à epiderme.
Mais amassado que jornal pra
limpar fiofó.
O papel é amassado para que fique mais macio.
Mais por fora que cotovelo de
caminhoneiro.
Modo como o caminhoneiro costuma dirigir.
Mais por dentro que biquíni de
mulata.
Modo como as passistas de carnaval usam sua indumentária.
Mais feliz que pinto no lixo. Local onde há fartura de alimentos.
Mais perdido que cego em
tiroteio.
Desorientação pela falta de visão.
Mais afiada que língua de sogra. É comum dizer que a sogra fala mais do que deve.
Mais amarrado que pacote de
despacho.
Por ter muitos materiais que podem quebrar, como velas e bacias de barro.
Mais amontoado que teta de
porca.
Por possuir a porca entre 18 e 24 mamas.
Mais apertado que rato em
guampa.
Diz-se do rato metido em um recipiente estreito.
Mais apressado que cavalo de
carteiro.
Por ter um tempo pré-determinado para realizar o serviço.
Mais assanhada que solteirona em
festa de casamento.
Pela possibilidade de arrumar um acompanhante.
Mais assustado que cachorro
embarcado.
Assusta-se pela diferença de piso.
Mais comprido que trova de gago. O gago demora muito para pronunciar as palavras.
Mais conhecido que parteira de
campanha.
Pessoa responsável pelos partos de determinada localidade.
Mais contrariado que gato a
cabresto.
O gato não se acostuma com correntes.
Mais curto que estribo de anão. Porque é adaptado para o tamanho do anão.
Mais desconfiado que cego com a
amante.
O cego não sabe quem pode estar presenciando o adultério.
Mais devagarzito que enterro de
viúva rica.
A resignação é proporcional aos bens da falecida.
Mais difícil que nadar de poncho. Por ser uma calça muito larga, dificulta os movimentos corporais.
Mais empacado que burro de
mascate.
O burro anda muito, cansa e empaca.
Mais encolhido que tripa grossa
na brasa.
Desidratação em que perde água e gordura em consequência da elevação da temperatura.
Mais enfeitado que bidê de china. Considera-se que a prostituta possui um gosto extravagante.
Mais enfeitado que bombacha de
turco.
Considera-se o povo turco como uma comunidade que gosta de se enfeitar.
Mais enfeitado que carroça de
cigano.
Considera-se o povo cigano como uma comunidade que gosta de se enfeitar.
Mais enfeitado que mula de
mascate.
Os mascates enfeitam a mula para chamar a atenção dos fregueses.
Mais enfeitado que santo
milagroso.
As pessoas levam enfeites para as imagens que representam os santos.
Mais engordurado que telefone de
açougueiro.
O telefone fica engordurado devido ao ambiente em que se encontra.
Mais enrolado que linguiça de O modo como a linguiça fica exposta para a venda.
venda.
Mais entravado que carteira de sovina. O sovina não abre a carteira para não dar dinheiro.
Mais esburacado que poncho de
calavêra.
Diz-se da roupa do mendigo.
Mais escasso que passarinho em
zona de gringo.
Os turistas têm por hábito capturar os pássaros silvestres para levá-los para seus lares.
Mais esperto que cavalo de
contrabandista.
O animal sabe onde são os esconderijos.
Mais extraviado que chinelo de
bêbado.
O chinelo é perdido durante o porre.
Mais faceiro que égua com dois
potrilhos.
A alegria da fêmea que deu cria a dois potros.
Mais faceiro que ganso novo em
taipa de açude.
O filhote de ganso que está em cima de uma tábua.
Mais faceiro que mosca em rolha
de xarope.
Por ter grande quantidade de açúcar ou mel.
Mais fechado que baú de
solteirona.
Lugar onde podem estar os segredos de uma pessoa.
Mais fedorento que arroto de
corvo.
Por comer carne em decomposição, não deve ter um hálito agradável.
Mais fedorento que pano de
balcão.
É usado na limpeza de modo geral.
Mais feia que mulher de cego. Como não vê, não consegue avaliar a beleza física.
Mais feio que briga de foice no
escuro.
Não se sabe o que pode ser ferido.
Mais feio que indigestão de
torresmo.
Alimento com muita gordura e difícil digestão.
Mais feio que sapato de padre. A simplicidade é um dos votos dos padres.
Mais feliz que puta em dia de
pagamento de quartel.
Aumenta o movimento nos bordéis nesse dia.
Mais fino que assobio de papudo. Ave com o canto muito agudo.
Mais folgada que luva de
maquinista.
A luva precisa ser larga devido à temperatura elevada em que trabalha o maquinista e à transpiração.
Mais folgado que cama de viúva. Uma cama de casal em que dorme apenas uma pessoa.
Mais gordo que gato de
bolicheiro.
É o animal de estimação do dono de bar.
Mais informado que gerente de
funerária.
Sabe de todas os falecimentos da localidade e seus desdobramentos.
Mais intrometido que piolho na
costura.
O inseto não consegue sair da trama do tecido.
Mais nervoso que gato em dia de
faxina.
O felino não tem onde ficar.
Mais nervoso que potro com
mosca no ouvido.
Incômodo causado pelo inseto.
Mais perdido que cachorro em
procissão.
Animal desorientado pelo grande número de pessoas.
Mais perfumado que mão de barbeiro. O profissional tem contato contínuo com colônia.
Mais por fora que arco de barril. Anel usado para fixar as lascas de madeira.
Mais quente que frigideira sem
cabo.
Precisa ser manuseada diretamente no metal.
Mais redondo que alpargata de
gordo.
O calçado toma a foram do pé do obeso.
Mais seco que tiro de 12 cano-
serrado.
Com o cano da arma mais curto, o som se modifica.
Mais sério que guri borrado. A criança fica sem jeito ao defecar nas calças.
Mais triste que urubu em
tronqueira.
Lugar onde o pássaro fica à espera de alimento.
Mais afiada que navalha de
barbeiro caprichoso.
Profissional que cuida bem de seus instrumentos.
Mais amontoado que uva em
cacho.
Modo de frutificação.
Mais ansioso que anão em
comício
A pessoa não consegue ver o candidato.
Mais apagado que fogão de
tapera.
Um fogão em uma casa abandonada.
Mais apertado que queijo em
cincha.
Queijo colocado entre a barriga do equino e a peça de arreio usada para fixar a sela.
Mais apertado que bombacha de
fresco.
Diz-se do modo como o homossexual usa a calça do gaúcho.
Mais arisca do que china que não
quer dar.
Mulher que se recusa a ter relação sexual.
Mais assustado que guri em
cemitério.
Medo que a criança tem dos mortos.
Mais assustado que cachorro em
canoa.
Insegurança causada no animal pelo ambiente.
Mais assustado que cavalo
passarinheiro.
É o equino que se assusta com muita facilidade.
Mais atirado que capataz de
estância grande.
Segurança exacerbada gerada por se trabalhar em uma grande propriedade.
Mais atirado que alpargata em
cancha de bocha.
Diz-se do sapato atirado na pista de jogo de bocha.
Mais caro que argentina nova na
zona.
Valor elevado de mulher estrangeira no prostíbulo.
Mais conhecido que feijão em
cardápio de quartel.
Frequência com que o alimento é servido.
Mais constrangido que padre em
puteiro.
Local não usual para um eclesiástico.
Mais comprido que putiada de
gago.
O gago demora muito para pronunciar as palavras.
Mais comprido que esperança de
pobre.
Capacidade frequente nos mais humildes.
Mais comprido que suspiro em
velório.
Forma de resignação.
Mais comprido que cuspe de
bêbado.
O álcool muda a consistência da saliva.
Mais curto que coice de porco. Por ter o animal as pernas muito curtas.
Mais duro que salame da colônia. Tipo de embutido pouco macio.
Mais enrolada que namoro de
cobra.
Forma como os répteis acasalam.
Mais feio que tombo de mão no
bolso.
Dessa forma, não há como proteger nenhuma parte do corpo.
Mais feio que facada na bunda. Lugar incomum para o fato.
Mais feio que briga de touro. Violência gerada por disputa entre animais de grande porte.
Mais feio que rodada de cusco em
lançante.
Quando um cachorro cai de um terreno muito íngreme.
Mais feio que paraguaio baleado. Tem relação com a rivalidade entre paraguaios e gaúchos.
Mais por fora que surdo em bingo A pessoa não escuta o locutor pronunciar os números.
Mais por fora que cabelo de côco. É a aparência da casca do coco, depois de ressecada.
Mais forte que porteiro de cabaré. Homem corpulento colocado na entrada do estabelecimento para impor respeito.
Mais forte do que peido de burro
atolado.
Gases gerados pelo esforço do animal.
Mais gasto que fundilho de
tropeiro.
O tropeiro gasta essa parte da calça por ficar muito tempo em montaria.
Mais gostoso que beijo de prima. Diferença gerada por não ser permitida socialmente.
Mais grosso que dedo
destroncado.
Efeito decorrente de uma luxação.
Mais grosso que parafuso de
patrola.
Parafuso de uma niveladora de terraplanagem.
Mais grosso que rolha de poço. Tampa de grande dimensão.
Mais grudado que bosta em
tamanco de leiteiro.
É muito sujo pois o profissional procede à ordenha no curral.
Mais inchado que sapo bulido. Algumas espécies de sapo incham para dar ao predador a impressão de maior estatura.
Mais ligeiro que enterro de
bexiguento.
Para que ninguém mais se contamine com a varíola.
Mais magro que guri com
solitária.
Devido aos vermes, o corpo não consegue absorver os alimentos satisfatoriamente.
Mais medroso que velha em
canoa.
Local que geralmente gera temor em uma senhora.
Mais medroso que cascudo
atravessando galinheiro.
Temor sentido por um besouro ao estar em um ambiente em que é um dos alimentos.
Mais metido que merda em
chinelo de dedo.
Quando se pisa em fezes de animais.
Mais metido que dedo em nariz
de piá.
Criança com esse hábito.
Mais perdido que peido em
bombacha.
A bombacha é uma calça que se usa bem larga no corpo.
Mais perdido que cebola em
salada de frutas.
Porque o bulbo não é usado em salada de frutas por seu gosto forte.
Mais nojento que mocotó de
ontem.
Depois de armazenado por um dia, a iguaria forma uma película de gordura espessa.
Mais vagaroso que tropeiro de
lesma.
Pessoa que montaria em molusco conhecido por sua lentidão.
Mais à vontade que bugio em
mato de boa fruta.
É o macaco que está em um ambiente com fartura de alimentos.
Mais virado que bolacha em boca
de velha.
Por não ter dentes, a idosa usa a saliva para ajudar na digestão.