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A EDUCAÇÃO DO GÊNERO FEMININO NO BRASIL COLÔNIA
DANIELE VASCONCELOS RIBEIRO DA SILVA [email protected] - UFPB ITAMAR COSME DA SILVA
[email protected] - UEPB KALINE DA SILVA NOGUEIRA
[email protected] - UEPB A educação feminina através de uma instituição escolar é um fenômeno recente de estudo na historiografia. Durante séculos a mulher foi remetida, de modo geral, a uma situação de subordinação e de dependência dos pais e/ou maridos. Conforme Saint-Hilaire (1940), a mulher era tratada como uma escrava e equiparada, muitas vezes, pela sociedade a um cão. Vista assim, como objeto sexual do homem, colonizador e proprietário. Dentro de casa, elas recebiam instruções de suas mães, escravas, avós, governantas e tias, tais como: bordar, cozinhar, costurar e outros afazeres, em sua maioria ligada ao cotidiano doméstico. O objetivo deste trabalho é evidenciar como se deu o acesso do gênero feminino ao sistema educacional durante o período colonial, bem como qual o grau e o tipo de instrução recebido. Metodologicamente optou-se por uma abordagem bibliográfica e documental. Segundo Franco (2000), se a condição educacional da mulher branca, “elitizada”, era tida como inferior, a negra escravizada era inexistente e tida como desnecessária para a sociedade patriarcal da época. Palavras-chave: Gênero. Sociedade. Educação
1 Introdução
A economia colonial brasileira nasceu de uma sociedade patriarcal, na qual o
gênero feminino ocupava uma posição de inferioridade em relação ao gênero masculino,
em que essa particularidade afetou e perpetuou a imagem da mulher como sendo um ser
“passivo” e obediente, difundindo essa imagem durante séculos.
Nessa sociedade, a mulher ficava em segundo plano em relação ao homem, isto no
aspecto econômico, social e principalmente político. Durante muito tempo, a historiografia
tradicional deixou a mulher à margem da sociedade, e quando retratada, era de forma
condicionada, atrelada ao homem, inferiorizando-a. As relações entre os gêneros ocasionou
a consequente posição que a mulher tem diante da família e da sociedade, formando parte
de um sistema caracterizado pela dominação masculina em detrimento da mulher.
Segundo Freyre (1977, p. 93):
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No regime patriarcal, o homem tendia a transformar a mulher num ser diferente dele, criando jargões do tipo “sexo forte” e “sexo frágil”. No Brasil, a diferenciação parecia em todas as esferas, desde o modo de se trajarem até, nos tipos que se estabeleciam. A sociedade patriarcal agrária extremava essa diferenciação, criando um padrão duplo de moralidade, no qual o homem era livre e a mulher, um instrumento de satisfação sexual.
Esse padrão, tido como de moralidade, imposto à mulher, consentia ao homem
usufruir do convívio social, permitindo-lhe uma maior participação na vida política e
social, cabendo a mulher cuidar dos filhos, da casa e dá ordem referente aos afazeres
domésticos.
Tudo isso contribuiu para fortalecer o estigma do fortalecimento do “sexo forte”,
evidenciando a “fragilidade” da mulher, reforçando a imagem, o conceito do sexo forte do
nobre dominador.
Conforme Saffioti (1969, p. 177-8):
As mulheres brancas submetiam-se sem contestação ao poder do patriarca. Eram ignorantes imaturas e casavam-se antes dos quinze anos. Ao contrair matrimônio, passavam do domínio paterno para o domínio do marido. Raramente saíam à rua e, quando o faziam, iam à igreja acompanhadas.
Isso demonstra a submissão que a mulher, no período colonial, era submetida, em
que a vontade não era respeitada, porém, imposta.
É notório que a educação feminina através de uma instituição escolar é um
fenômeno recente de estudo na historiografia. Pois durante séculos a mulher foi remetida,
de modo geral, a uma situação de subordinação e de dependência dos pais e/ou maridos.
Assim, surge o seguinte questionamento: Como se deu a inserção da mulher no
processo de escolarização institucional no período colonial?
Logo, o objetivo deste trabalho é evidenciar como se deu o acesso do gênero
feminino ao sistema educacional durante o período colonial, bem como qual o grau e o tipo
de instrução recebido. Metodologicamente optou-se por uma abordagem bibliográfica e
documental.
2 Os primórdios da educação feminina no brasil colônia
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Os estudos sobre a história da sociedade descreve a mulher brasileira, no período
colonial, principalmente a mulher branca, como uma figura obediente e passiva ao homem.
Essa imagem é evidenciada nos escritos de viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil
e nas obras de grandes escritores como Gilberto Freyre, Alcântara Machado, Fernando de
Azevêdo, entre outros.
A partir destes estudos as mulheres estiveram associadas à natureza e os homens à
cultura, negando sua aparição na história, pois o status da mulher era proveniente de seu
papel na sociedade, o qual era resumido aos cuidados domésticos.
No Brasil Colônia eram discursados versos contrários à instrução feminina e
favoráveis à superioridade masculina, que segundo Ribeiro (1997), originário de uma
sociedade patriarcal e machista "mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe
de família, saiba pouco ou saiba nada.’’ e “[...] a mulher honrada deve ser sempre
calada”(1997:2). Somando isso, ainda ao discurso religioso, pelo qual a mulher deveria
possuir os predicados de Maria de Nazaré, sendo doce, pura e casta.
Verifica-se também que até o discurso médico reforçava a submissão e
inferioridade feminina.
O sistema nervoso (da mulher) muito mais delicado, é envolvido por um tecido cellular mais humido e frouxo ... é assim que vemos, a doçura a indulgência e a submissão, serem as virtudes essenciais deste bello e primoroso filho de Deus: sempre e sempre a intenção do Creador se revelando na organização, nos instinctos, pensamentos e sentimento da mulher. (Diário de Campinas, 30/11/1875 apud RIBEIRO, 2006, p. 58).
Desta forma, a construção de idéias em torno de um processo de inferioridade
biológica e intelectual, traçado pela diferença entre gêneros, possui como fundamentação
afirmações de caráter religioso, histórico-filosófico e clínico. Assim sendo, naturalizou-se
no imaginário a sujeição feminina e sua ausência nas decisões dos espaços privado e
público.
Sem dúvida, esse discurso contribuiu para o estigma de inferiorização do gênero
feminino, colocando-a em segundo plano tanto na vida social, quanto nas tomadas de
decisões, sua participação era restrita, e quase sempre inexistente. No pensamento
patriarcal da época, não havia necessidade de se ter uma mulher pensante, e sim executora
de suas ordenações.
Por isso, a educação formal era tida e vista como desnecessária, neste sentido, a
educação feminina era direcionada apenas aos afazeres domésticos, como bordar, coser,
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cuidar dos filhos, etc. Conhecer as necessidades dos filhos e marido era o bastante, logo
sua participação na vida política não seria necessária, tendo em vista que esse mundo
poderia depreciar seus preceitos morais.
Quando se remete a direitos humanos, pode ser observado que foram negados
muitos direitos às mulheres, tais como a educação, a liberdade básica de todo os
indivíduos. Entretanto, é perceptível que muito antes da constituição da Declaração
Universal dos Direitos Humanos já havia a falta de respeito com a liberdade de
pensamento das mulheres, que lutaram para se tornarem seres ativos e pensantes perante a
sociedade, mas que, infelizmente, foram impedidas pela ignorância e pelo machismo
preponderante da sociedade.
Conforme Áries (1981, passim) “a ausência da educação feminina pode ser
explicada pela exclusão da mulher do processo educativo pelo menos até o final do século
XVII, quase dois séculos de diferença em relação aos homens”. Essa diferença na inserção
do gênero feminino no sistema de educação formal, de certa forma, contribuiu para o
descompasso entre os gêneros, tanto no mercado de trabalho, na política e na sociedade de
forma mais ampla.
Em suma, pode-se afirmar que durante os primeiros trezentos anos de construção da
vida em sociedade, no Brasil, as mulheres, como outros segmentos sociais, estiveram a
disposição dos interesses de alguns grupos, que desejavam a manutenção do sistema em
vigor. Um sistema salientado pela submissão, opressão e desigualdade social, quanto aos
gêneros, como também pela posição social de cada um.
É importante ressaltar, o tipo de colonização ao qual o Brasil foi submetido,
totalmente diferente do ocorrido nos Estados Unidos, à denominada “Nova Inglaterra”.
Tendo em vista que na América do Norte, o colono imigrou carregando da Inglaterra, sua
família, em função da expulsão dos campos ingleses. Trazendo consigo toda estrutura
familiar, como sua a mulher, os filhos, a mãe, a sogra, seus instrumentos domésticos, seus
costumes, religião, etc. além da vontade de se firmar naquela terra, transformando-a em
seu lar. Logo após se fixar, construía juntamente com os outros colonos, casas, igreja,
protestante no caso americano, seu local para lazer e escola. O colono americano almejava
que seus filhos adquirissem acesso à educação e consequentemente ao conhecimento e a
cultura. (PRADO JR, 1973). Isso, graças ao tipo de colonização, a qual didaticamente
chamamos de “colonização de povoamento”.
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No Brasil, a colonização teve aspectos bem diferentes da americana. O colono
português veio sozinho. Não trouxe com ele a estrutura familiar, ou seja, sua mulher, os
filhos, a mãe, a sogra. Da mesma forma também não carregou consigo seus utensílios
domésticos, seus instrumentos musicais, sua cultura, apenas sua religião, a qual foi imposta
aos nativos. O nobre português veio a mando do rei como convidado a ser parceiro de um
negócio lucrativo. Não tinha interesse em fixar-se ou povoar as terras pertencentes à Coroa
Portuguesa. Com isso, não havia necessidade de construir escolas, locais de lazer, clubes,
igrejas, transformar a colônia em um lar eram objetivos fora de cogitação. Seu lar era
Portugal. Os padres de sua religião se encarregariam de construir igrejas.
Não havendo interesse em povoar, em fixar moradia, a educação e a criação de
escolas, não teve importância nesse primeiro momento. A educação ficaria a cargo dos
jesuítas primordialmente no campo que diz respeito à catequese e o ensino de primeiras
letras e com o intuito inicial de pacificar indígenas, não tendo como objetivo instruí-los de
forma crítica.
O colonizador não participou do processo educativo dessas ações evangelizadoras.
A Coroa portuguesa foi quem participou com os padres jesuítas, no “adestramento
ideológico” dos indígenas decorrentes da catequização jesuítica. O português estaria na
colônia para tratar de exclusivamente de “negócios”. Seu lar era em terras lusitanas e sua
família permaneceria lá a sua espera e de suas conquistas materiais.
No pensamento do colonizador português, se seu lar estava distante, para que
investir em uma terra que não lhe iria oferecer nada além dos lucros, apenas a lucratividade
lhe interessava. As colônias existiriam para a extração de bens que enriqueceriam o Reino
Português, não interessando investir no povoamento, muito menos em educação. Seu
objetivo principal era apenas a obtenção do lucro, através do escambo, da troca de Pau-
Brasil, da cana-de-açúcar, já que de início os portugueses não tiveram a mesma sorte dos
espanhóis, ou seja, de acharem prata, ouro ou esmeraldas.
É pertinente também observar que o junto com esses poucos nobres portugueses, de
início, vieram de Portugal, também os chamados “degradados”. Homens retirados das
cadeias, ladrões, saqueadores, bêbados, assassinos. Esses homens foram enviados pela
Coroa para “contribuírem” com a colonização, já que a população de Portugal em 1.500
não ultrapassava três milhões de pessoas. (PRADO JR, 1973).
A literatura traz a indígena Madalena Caramuru, filha do português Diogo Alvarez
Correia, chegado aqui em 1509, fruto do seu casamento com a índia Paraguaçu, da tribo
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tupimambás, como sendo a primeira brasileira a ser alfabetizada. Historiadores, a exemplo
de Gastão Penalva, em sua obra “Mulheres: história e fantasia”, defende que Madalena não
existiu, sendo mais uma obra de ficção. Enquanto Francisco Vernhagen (1854) em seu
livro “História Geral do Brasil”, afirma ter sido Madalena a primeira mulher a ser
alfabetizada no Brasil.
3 A trajetória feminina no processo de escolarização formal (1500-1822)
A educação no Brasil Colônia foi iniciada pela catequização através dos jesuítas,
com duas divisões para o ensino: o primário (reservado para os filhos dos portugueses e os
índios, onde era ensinado as primeiras letras) e o médio (reservado aos meninos brancos
para formá-los em artes e bacharéis em letras).
O ensino era voltado para formação religiosa e aos que não a seguiam restava a
preparação para estudos superiores, onde, geralmente, concluiriam na Europa.
Verifica-se então, que esse processo de formação era voltado para uma minoria, os
que possuíam terras e eram donos de engenho, e excluía a figura feminina de sua
participação. Era destinado apenas para homens que não fossem os primogênitos, pois,
estes eram designados a cuidaram das terras de seus pais.
O acesso à escolarização, neste período, era voltado apenas para a figura masculina.
Porém, os nativos atentaram para esta situação, achando injusto, e solicitaram ao Pe.
Manoel da Nóbrega que permitisse que suas filhas pudessem ter acesso a escola de ler e
escrever. Logo, o Pe. enviou esta solicitação à Rainha Catarina, porém obteve uma
resposta negativa.
Conforme Ribeiro (2000, p. 81):
Mesmo as mulheres que viviam na Corte possuíam pouca leitura, destinada apenas ao livro de rezas. Por que então oferecer educação para mulheres ‘selvagens’, em uma colônia tão distante e que só existia para o lucro português?
Sendo assim, pode-se observar que a mulher quase não teve acesso à escolarização
no período colonial, a não ser a preparação para cuidar do lar, esposo e filhos. No entanto,
àquelas que não conseguiam casamento restava a vida religiosa em conventos.
Para Stamatto (2002, p. 3):
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A preocupação com a honra, que na concepção da época dependia da castidade feminina tanto para a mulher como para o homem que ‘a guardava’, fez dos conventos e casas de recolhimento femininas uma prática para as mulheres desamparadas ou solteiras.
No entanto, com a fundação destas instituições religiosas se deu o ponto de partida
para o processo de escolarização da mulher, mesmo que tenha sido acessível a poucas e
não tenha como objetivo precípuo a formação escolar da mulher. Nestes conventos elas
aprendiam a ler e a escrever e um pouco de matemática. Desta forma, observa-se que a
única maneira de educação institucional para as mulheres, neste período, era por meio dos
conventos.
Logo após a expulsão dos jesuítas, pelo Marquês de Pombal, a educação fica a
cargo do Estado. Ele criou aulas régias de latim, grego e retórica disponibilizadas a
meninas e meninos, porém em ambientes distintos. Estas foram criadas com o intuito de
suprir o vazio das aulas nas escolas jesuítas, porém, não era acessível às todas as camadas
da população.
Vale ressaltar que foi através de Pombal que as mulheres tiveram a oportunidade de
terem acesso a escola formalmente, como também sua inserção ao magistério.
Com a vinda da família real ao Brasil, em 1808, a educação passa e ser direcionada
para a formação no exército e para administração. Foram criados alguns cursos superiores
direcionados aos homens e mais escolas de ler e escrever, para homens e mulheres, porém
o acesso também era restrito a algumas camadas da população, principalmente para as
mulheres.
Considerações finais
Este trabalho abordou o processo de inserção da figura feminina à educação
institucionalizada. Mostrando o quanto a sociedade brasileira no período colonial excluía a
mulher de seu processo de desenvolvimento político, econômico e social.
Mesmo vivendo em um sistema opressor, patriarcal, a mulher sempre buscou
ocupar seu espaço, inicialmente no âmbito familiar, que mesmo omissa ao marido ou ao
pai, não deixava seus sonhos e desejos adormecidos, como dentro de um baú. Aos poucos
esses sonhos e desejos tomaram formas, sendo transformados em realidade,
paulatinamente, através de lutas entre os gêneros.
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Aquela mulher, antes submissa, obediente, reprimida, dá lugar a uma que aos
poucos conquista seu espaço, ainda que de forma condicionada, porém decidida e em
busca de um sentido a sua vida. A educação seria uma das saídas para a igualdade de
gênero, porém isso no primeiro lhe foi negado, já que a educação recebida por ela era
apenas doméstica, o que não lhe satisfazia.
Por fim, o ensino formal foi estendido ao gênero feminino, abrindo possibilidades
infinitas de crescimento profissional, de início a docência, e anos mais tarde ao cargo de
presidente.
Referências
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FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 5. ed. Rio de Janeiro:Olympio, 1977. PENALVA, Gastão. Mulheres: história e fantasia. Rio: Oficina Graf. Jornal do Brasil, [19--]. PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1973. RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. A educação das mulheres na colônia. In A Educação da Mulher no Brasil-Colônia São Paulo:Arte & Ciência, 1997. ___________. Mulheres educadas na colônia. In: 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: autêntica, 2000. p. 79-94. ___________. A Educação Feminina durante o Século XIX: O Colégio Florence de Campinas 1863-1889. Campinas: Área de Publicações CMU/UNICAMP, 2006. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Quatro Artes-INL, 1969. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil, província cisplatina e missões do Paraguai. Tradução de Rubens Borba de Moraes. São Paulo: Martins, 1940. STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Um olhar na historia: a mulher na escola (Brasil: 1549-1910). Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema5/0539.pdf>. Acesso em 10 de agosto de 2011.
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VARNHAGEN, Francisco. História Geral do Brasil. Rio: Laimmert, 1854.