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7/31/2019 Antenor Pimenta - E o cu uniu dois coraes
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...E o Cu Uniu Dois Coraes
Drama em 5 Atos
Antenor Pimenta
1942
Personagens
Alberto
Neli
Perdinari
SantaFernando
Torre
Francisco
Juca
VelascoBenevides
Adlia
Marli
Inspetor
CriadoGuardas
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Primeiro Ato
Bar. Balco a E. sup. Prateleira com garrafas, etc.
A E. da porta, uma pequena mesa com rdio. A E.
e D. mesas com cadeiras ao redor. Ao abrir a corti-
na, est atrs do balco Velasco, dono do bar.
Muito surdo. Entra em seguida Torre e FranciscoPereira, que vo sentar-se junto mesa da D.
FRANCISCO
(entrando) Afinal, por que me telefonaste que
viesse imediatamente para aqui?
TORRE
J vais saber. (sentam-se, Velasco vai at eles)
Sirva-nos alguma coisa.
VELASCO
(pondo a mo em concha no ouvido) Hein?
TORRE
(alto) D-nos qualquer coisa para beber!
VELASCO
(mais alto ainda) Hein?(Torre faz um sinal com
o indicador e o polegar, que quer um clice com
qualquer coisa para beber) Ah!... Sim!... (sobeao balco)
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TORRE
(a Francisco) Creio que hoje vamos ter um beloservio.
FRANCISCO
Se no for igual ao ltimo.
TORRE
No, este dar resultado. (Velasco trouxe as
bebidas. Alto, a Velasco) Este whisky no falsi-
ficado?
VELASCO
Hein?
TORRE
(mais alto) Este whisky no falsificado?
VELASCO
Ah!... Sou sim senhor.
TORRE
(admirado) Hein?!...
VELASCOHein!?...
TORRE
(a Francisco, irritado) No h nada pior do que
conversar com uma pessoa surda. (une a palavra
ao gesto, indicando o ouvido)
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VELASCO
(a Francisco, apontando Torre) Ele surdo!... Ah,bom! (volta ao balco)
TORRE
Como eu ia dizendo...
FRANCISCO
Fale baixo.
TORRE
O homem surdo.
FRANCISCO
Bem, mas eu no sou. E pode entrar algum e
ouvir e ento estaremos em maus lenes.
TORRE
No haver perigo. Ningum ter a ousadia de
nos acusar. E depois, as autoridades no acredi-
taro que ns, Manoel De La Torre e Francisco
Pereira, dois cidados de bem, conceituados,
sejamos ladres.FRANCISCO
De La Torre, vou falar-te com franqueza. Tu ain-
da s moo, cheio de vigor, mas eu j estou per-
dendo a minha coragem. Depois, bem sabes,
minha nica filha morreu, deixando-me ummenino que, por sinal, tem o mesmo nome meu,
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Francisco. Preciso agora mudar de vida. Tenho
medo de cair nas mos da polcia e de o meuneto vir a saber mais tarde que eu, seu av, fui
um ladro.
TORRE
Ora... ora... Desde quando adquiristes estes ho-
nestos sentimentos? Deixa de bobagens. Olha,
meu caro, eu tenho uma idia, e tenho certeza
de que ela vai receber a tua aprovao.
FRANCISCO
Qual ?
TORRE
Antes de tudo, devo dizer-lhe que ser um
servicinho no qual no arriscaremos cousa ne-
nhuma.
FRANCISCO
Onde?
TORREAqui mesmo.
FRANCISCO
Aqui?! Como?
TORRE
Oua. Bem sabes que amanh ser o pagamentodo pessoal da fbrica do italiano Jos Perdinari.
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FRANCISCO
Sim, sei. TORRE
Mas o que no sabes que ele amanh embar-
ca para o Rio a fim de internar o filho num col-
gio e realizar vultoso negcio de compra.
FRANCISCO
Bem.
TORRE
Ora, como o Banco aqui, onde ele tem todo o
seu dinheiro depositado, no tem agncia no
Rio, ele teria hoje que retirar a quantia necess-
ria para fazer o negcio e para fazer os paga-
mentos da fbrica.
FRANCISCO
Ah... percebo... mas como soubeste disso?
TORRE
Eu no vivo dormindo. E tanto assim, que hoje,desde cedo, segui-lhes os passos. Agora tarde,
ele retirou do banco vultosa quantia e, em se-
guida, foi receber o aluguel de uma a uma de
suas casas.
FRANCISCOE da?
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TORRE
A ento foi que telefonei que viesses aqui paraencontrarmos o nosso homem. Pois esta casa
tambm sua e ele vir receber o aluguel.
FRANCISCO
Bem, mas ele poder deixar o dinheiro em casa
para depois vir.
TORRE
Ora, bem sabes que aquele desconfia da prpria
sombra. O seu dinheiro s fica no Banco ou no
bolso. Pois ele nem siquer confia que um em-
pregado receba o aluguel de suas casas, com
medo que fuja com os cobres. E o pagamento
de seus operrios, ele mesmo quem faz.
FRANCISCO
Mas teremos que assalt-lo logo aqui? E disses-
te que era um servicinho sem perigo.
TORRESe as coisas no correrem como eu espero, ns
vamos assalt-lo esta noite em sua casa. Mas se
forem como eu desejo, dentro em pouco esta-
remos com o cobre do italiano.
FRANCISCOExplica-me logo o que temos a fazer.
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TORRE
No conheces o chofer da fbrica do Sr.Perdinari, que h pouco tempo atirou o auto-
mvel contra um poste, ocasionando aquele ter-
rvel desastre?
FRANCISCO
Como no? Chama-se Fernando.
TORRE
Esse mesmo. Ora, como sabes, nesse desastre
Fernando perdeu a mulher, sua me ficou cega,
s escapando ilesos ele e a sua filhinha. Devido
a este acidente, foi despedido da fbrica, fican-
do desempregado e est agora na maior mis-
ria. Por isso, odeia de morte ao ex-patro. Toda
a cidade sabe disso. De maneira que, se amanh
o italiano aparecer assassinado e roubado, nin-
gum duvidar que foi o seu ex-empregado. E
alm de tudo, vamos instigar os dois a fim deque discutam; dessa discusso surgir um crime,
no achas?
FRANCISCO
s vezes no.
TORREEstando eu perto, forosamente o italiano mor-
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rer. E na confuso, ns limparemos o cadver.
FRANCISCOE depois?
TORRE
Acusaremos Fernando como assassino.
FRANCISCO
Mas onde fazer os dois se encontrarem?
TORRE
Aqui mesmo. Fernando tambm vir aqui hoje.
No tardar. Vir com a me e a filhinha. Todos
os dias vem almoar e jantar aqui. O homem
do bar, o surdo, segundo eu soube, ficou com
pena devido misria por que esto passando e
lhes tem fornecido comida gratuitamente. O
essencial que Fernando venha antes do italia-
no, para termos tempo de baratin-lo. (entram
Fernando, D. Santa e Neli (menina).
FERNANDOBoa tarde.
D. SANTA
(quasi a um tempo) Boa tarde.
TORRE
A est o nosso homem.
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VELASCO
(que esteve distrado) Ol, Fernando! Ento sen-tem-se. (leva D. Santa para a mesa da E. Sen-
tam-se) Daqui a pouco o empregado dever che-
gar e mandarei servir-lhes o jantar. (Fernando
agradece com um aceno de cabea)
SANTA
Que nobre corao!
FERNANDO
Se no fosse a generosidade desse homem, tal-
vez passssemos fome. Nunca poderemos pagar
tamanha caridade.
SANTA
Nem siquer com palavras podemos agradecer-
lhe, pois um infeliz como eu. A mim, falta-me
a luz dos olhos e no posso ver. A ele, falta-lhe a
audio e no pode ouvir.
FERNANDOParece incrvel! Um homem so, forte, ter que
implorar a um surdo, por caridade, um prato de
comida para matar a fome de minha me e de
minha filhinha! Tudo por causa daquele maldi-
to homem!
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SANTA
preciso compreender, meu filho, que ele tinhaas suas razes. Cassada a tua carta de chofer,
serias para ele um empregado intil.
FERNANDO
Mas no devia deixar-me desamparado, saben-
do que eu tinha me e filha para sustentar. Fui
sempre um empregado cumpridor dos meus
deveres. (noutro tom) No posso compreender
por que ele fez isso. Parecia um bom homem.
SANTA
Depois da tempestade, por certo vir a bonana.
FERNANDO
E enquanto esperamos essa bonana, temos que
implorar um prato de comida, se no quisermos
morrer de fome.
SANTA
Escuta, meu filho. Por que no fazes como eu jte falei? Bem sei que ser para ns muito cruel
essa resoluo, mas infelizmente a nica.
FERNANDO
Mame, peo que no fale mais nisso.
NELIO que , hein vov?
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FERNANDO
A fim de que eu possa trabalhar, tua av, Neli,quer que eu a interne num asilo de cegos e te
entregue a alguma famlia bondosa para cuidar
de ti.
NELI
No, vov! Eu ficar longe de minha avozinha e
de meu pai? No. Ento a senhora no gosta
mais de ns?
SANTA
Se gosto? Adoro-os!
NELI
Ento?
SANTA
Mas, minha filha, assim, cuidando de ns, seu
pai no poder trabalhar.
TORRE
(a Francisco) Vamos agir. (a Fernando) SenhorFernando! Faa um favor. Faa o obsquio de
sentar-se. (Fernando senta-se junto a eles) Creio
que me conhece.
FERNANDO
Sim, Sr. De La Torre.
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TORRE
Eu e meu amigo, Francisco Pereira, ouvimos o queconversavam e creia que ficamos profundamente
penalizados. Parece incrvel o que fez o seu ex-
patro. Despedi-lo de sua fbrica, assim...
FRANCISCO
Mas ele tinha motivos para fazer isso?
FERNANDO
Vou contar-lhe o que se passou. Como sabem,
eu era chofer do Sr. Perdinari. Era um domingo.
Eu estava em casa, conversando alegremente
com minha esposa e minha me, quando, de
repente, vimos Neli, minha filhinha, caminhan-
do em nossa direo, cambaleando, com as duas
mozinhas na garganta, respirando com gran-
de dificuldade. Estava sufocada. Parecia que sua
garganta queria fechar-se. Ficamos como lou-
cos. Precisava lev-la imediatamente a um m-dico. Eu morava perto da fbrica e como tinha
comigo a chave da garage, corri e trouxe um
carro para levar minha filha. Fomos todos. Cor-
ri a toda velocidade casa do Dr. Gouveia. Ele
ministrou menina uma injeo e ela logo me-lhorou. Voltvamos ento satisfeitos porque Neli
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estava fora de perigo. Conversvamos a respei-
to quando, de repente, o auto bateu num pos-te. Foi um choque tremendo. O poste caiu sobre
ns, no lado onde estava minha infeliz esposa,
que perdeu a vida instantaneamente. Minha
me, com o abalo, perdeu as duas vistas. Eu e
minha filhinha escapamos milagrosamente. Foi
aberto inqurito pelas autoridades policiais. E
ento foi cassada a minha carta de chofer e fui
condenado a pagar Empresa de Luz os estra-
gos causados pelo desastre. Recorri ao meu pa-
tro. Mas como eu havia ocupado o auto sem
sua ordem e sem ser a servio da fbrica, ele
recusou-se a auxiliar-me. O pouco dinheiro que
eu tinha economizado, gastei-o com os funerais
de minha pobre mulher. Meu patro, no se
importando com a desgraa que j me pesava,
despediu-me da fbrica.FRANCISCO
No resta dvida, foi um ato desleal de um pa-
tro para com um bom operrio. Esse homem
no deveria ficar impune.
FERNANDOAinda no pude arranjar um emprego. Desde
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rapazote sou chofer. No aprendi outra coisa.
Agora, cassaram-me a carta, de maneira que seme tornou difcil uma colocao.
TORRE
Meu amigo, a sua narrao cortou-me o corao.
FERNANDO
(consigo, revoltado) Mas esta situao no pode
continuar. No possvel! Um homem como eu
mendigar!
TORRE
Tem razo. Eu vou dar-lhe um emprego, com
um ordenado bastante para viver comodamen-
te. (Velasco sai)
FERNANDO
(numa exploso de alegria) Oh! Senhor, agra-
decer-lhe-ei imensamente. Creia que serei seu
escravo. Graas, meu Deus! Encontrei finalmen-
te um corao generoso que vem desafogar aminha situao.
TORRE
Bem, ento comear amanh. Sabe onde
moro?
FERNANDOSim, senhor.
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TORRE
Procure-me ento s 11 horas. Creia, vai gostardo servio.
FERNANDO
Pois bem. Amanh estarei l s 11 horas em pon-
to! (corre me numa alegria indizvel) Mame!
Ouviu, mame? O senhor De La Torre arranjou-
me um emprego! (beija-a)A senhora no preci-
sa ir para o asilo, mame. (beijando-a e abra-
ando Neli) Minha filhinha no precisa ir para
casa de estranhos!
SANTA
V, meu filho, eu no disse que depois da tem-
pestade viria a bonana?
FERNANDO
verdade, mame.
FRANCISCO
(A Torre) O que vais fazer agora?TORRE
Veja. (tira dois revlveres) Este est com uma
bala deflagrada. E no precisarei mais do que
uma. (guarda-os)
FRANCISCOPara que isso?
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TORRE
Vers. SANTA
Deus nunca esquece os que Dele se lembram,
meu filho.
TORRE
Fernando! (Fernando vai a ele) Daqui eu vou
com meu amigo a uma reunio. Tenho comigo
um revlver e como no quero ir armado, peo-
lhe que o guarde e o leve amanh minha casa.
FERNANDO
Pois no, senhor. (guarda o revlver)Agradeo-
lhe a confiana. (entra Perdinari)
PERDINARI
(italiano que se esfora para falar em portugus,
est com uma pasta) Boas tardes, senhores.
TORRE E FRANCISCO
Boa tarde.TORRE
A est o italiano.
PERDINARI
O Sr. De La Torre e o Sr. Francisco por aqui?!
TORREPassamos por acaso e entramos para tomar qual-
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quer coisa. Est servido?
PERDINARIObrigado. Eu no bebo. Mas, onde est essa
gente do bar?
FRANCISCO
O surdo est l dentro.
PERDINARI
Eh!... Vamos mal... Se o empregado no est, o
seu Velasco vai dar muito trabalho para com-
preender que eu vim buscar o dinheiro do alu-
guel da casa.
TORRE
Por que, Sr. Perdinari?
PERDINARI
O homem mais surdo do que uma porta! Do
licena. Eu vou sentar aqui porque estou com as
pernas modas.
TORREAndou muito?
PERDINARI
Muito! Tenho que deixar tudo arrumado, por-
que amanh embarco para o Rio.
TORREPerdoe a minha indiscrio, mas que vai fazer
ao Rio?
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PERDINARI
Vou levar meu filho para um colgio. Podia es-tudar aqui. Mas l tenho um amigo que tem uma
poro de filhos. L ele ter companheiros.
Aqui... coitadinho... Se tivesse me viva ou se
tivesse irmo, v l...
TORRE
Tem razo.
PERDINARI
Sim!... Ele precisa estudar porque tudo o que
eu tenho j passei para o seu nome. Ele precisa
saber dirigir os negcios.
FRANCISCO
Ento passou toda a sua fortuna para o filho?
PERDINARI
Sim, passei. Mas com uma condio. Ele s po-
der tomar posse de tudo, no dia em que casar.
TORREPor que essa condio?
PERDINARI
Sim, porque uma fortuna dessa na mo de um
solteiro um perigo. Esbanja tudo. No tem
responsabilidade. (fala baixo)SANTA
(a Fernando) Quem est a?
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FERNANDO
O Sr. Perdinari. SANTA
(apreensiva) Ento vamos sair daqui, Fernando.
FERNANDO
No, mame.
PERDINARI
(os trs riem com o que acabara de dizer)Agora
mesmo fui ao cartrio para fazer o documento.
(abre a pasta para retir-lo, aparece muito
dinheiro) Aqui dentro deste envelope lacrado
esto os papis que declaram meu filho Alberto
dono de tudo quanto tenho no dia do seu
casamento.
TORRE
Dizem que o senhor vai realizar no Rio impor-
tante negcio, verdade?
PERDINARISim! Vou gastar uns dez milhes de cruzeiros
em mquinas modernas para a fbrica.
TORRE
(intrigante, a meia voz) Pena que muitas vezes
um industrial gasta uma fortuna em umamquina, para entreg-la a operrios sem a
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mnima noo de responsabilidade.
PERDINARI verdade.
TORRE
(indicando Fernando ) Haja visto esse que est,
Fernando.
PERDINARI
Quem? Fernando? No, no!... Esse no!...
(confidencial) Se todos os operrios fossem
cumpridores dos seus deveres como o Fernando,
ns, industriais, estaramos bem servidos.
FRANCISCO E TORRE
Como?!
PERDINARI
Sim!... Bom homem est ali.
TORRE
E por que o senhor o despediu?
PERDINARIPorque desrespeitou os regulamentos da fbri-
ca. Tirou o automvel da garagem sem ordem.
No podia ficar sem punio. Mas j estou satis-
feito, foi boa lio. E sabem que eu estou satis-
feito por encontr-lo aqui? Vou convid-lo a vol-tar para a fbrica. Estava mesmo sua procura.
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TORRE
Mas como? Ele perdeu a carta de chofer!PERDINARI
Ele no ser mais chofer. Ser agora chefe de
uma das sees da fbrica. E tenho certeza que
estarei bem servido.
TORRE
(venenoso) Dizem por a que ele jurou mat-lo.
PERDINARI
Quem? O Fernando? Aquele ali no mata nem
mosca com Detefon. E depois da lio que teve,
estou certo que nunca mais cometer falta al-
guma. (Entra Velasco.)
VELASCO
Oh! Sr. Perdinari!... Boa tarde.
PERDINARI
Boa tarde. Senhor Velasco... Bem, primeiro d
um copo dgua.VELASCO
(com a mo em concha, junto ao ouvido) Hein?
PERDINARI
Ai, ai, ai!... (grita-lhe ao ouvido) Um copo
dgua!...
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VELASCO
Ah!... O dinheiro? J est prontinho. (sai)PERDINARI
Bonito!... (a Torre) Se eu pedisse o dinheiro era
capaz de trazer gua. Bem, foi melhor assim.
(Velasco traz o dinheiro, que Perdinari vai con-
tando enquanto fala) Vejam que cara farabuto!
Eu o conheo desde que vim para o Brasil. Era
pequeno assim. Jogvamos biroca juntos. Lem-
bra?(voltando-se para Torre) Ele no lembra,
surdo. (riem os trs, acaba de contar) Eh! Fal-
tam cem cruzeiros!
VELASCO
(pondo a mo em concha) Hein?
PERDINARI
Ai, ai, ai, ai, ai!... (grita) Faltam cem cruzeiros!
VELASCO
Ah! Sim! (sai)PERDINARI
Per la Madonna! Toda vez que venho aqui e o
empregado no est, assim. Me deixa quasi
louco! (entra Velasco, trazendo gua) Eh!... no
estou falando?... (apanha o copo, pe sobre a mesae, quasi desesperado) Faltam cem cruzeiros! (pau-
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sa) Cem fiorins!! (pausa) Cem massones!!! (corta.
Rpido para Torre) Que que eu vou falar mais?TORRE
Fala-lhe por sinais.
PERDINARI
(abrindo as duas mos) Faltam cem cruzeiros!
No foi isso que eu pedi. Faltam cem cruzeiros.
VELASCO
Ah! Dez copos dgua? (vai a sair e Perdinari
segura-o)
PERDINARI
No! (explica a frase mais com gestos do que
com palavras) Aqui faltam cem cruzeiros!
VELASCO
Ah, faltam cem cruzeiros? Eu vou buscar. Por que
no falou antes?(sai)
PERDINARI
(colrico ainda) M varda, varda que brutabestia! (imitando-o) Por que no falou antes?
V, v que estou quasi rouco de tanto gritar!
(noutro tom) Puxa, que agora estou com mais
sede ainda. (apanhando o copo) Esto servidos?
(bebe um gole) mas que gua ruim!... Oh, seuVelasco! (vai ao balco) Que gua suja essa?!
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TORRE
(a Francisco)Alerta. (saca o revlver e atira emPerdinari)
FERNANDO
(correndo para De La Torre, num gesto instinti-
vo de defesa, pondo-se sua frente para impe-
dir outros tiros) Que isso?(D. Santa ergue-se,
assustada. Neli est agarrada av, esconden-
do o rosto de medo)
PERDINARI
(sentindo o ferimento, volta-se como a querer
saber quem o seu agressor e depara com
Fernando) Fernando, no me devias ter
matado... (cai morto)
SANTA
(quase que num grito de horror) Hein?!
FERNANDO
(a Torre) Por que o matou?TORRE
Esta arma dele prprio. Estava examinando-a
e disparou por acaso. (corre a Perdinari) Mas ele
no est morto! (a Fernando) V correndo
chamar um mdico! (Fernando sai correndo.Francisco est afobado, junto porta do F.)
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VELASCO
(entrando com uma nota na mo) Que isso?(examina Perdinari rapidamente) Morto? Vou
chamar a polcia! (sai. Santa senta-se. Neli conti-
nua agarrada a ela, escondendo o rosto)
FRANCISCO
(enquanto Torre rouba o que traz Perdinari)
Depressa, antes que entre algum!
TORRE
Leva tudo isso. Leva o revlver tambm. E este
documento vai ficar comigo. (Francisco pe tudo
nos bolsos) Serei tutor do menino e toda a sua
fortuna cair em nossas mos. (Francisco sai)
SANTA
Neli, onde est seu pai?
NELI
(depois de verificar) No est aqui, vov, acho
que saiu. (entram Inspetor, guarda, Velasco e emseguida curiosos)
INSPETOR
O que foi?
TORREEsse homem acaba de ser assassinado.
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INSPETOR
Quem o assassinou?TORRE
Fernando Siqueira.
SANTA
(levanta rpida) mentira!
INSPETOR
(ao guarda) Pe essa gente para fora.
GUARDA
(obedecendo, comparsaria) Vo para fora. No
entra ningum aqui. (a Velasco, que sai sob pro-
testos) Voc tambm, vai para fora.
INSPETOR
(A Torre) Ento foi Fernando Siqueira?
TORRE
Eu sou testemunha de vista, Senhor Inspetor.
SANTA
No creia, Senhor Inspetor! Eu ouvi quando essehomem disse que a arma disparou na sua pr-
pria mo!
TORRE
Essa mulher mente para defender o filho. Mas
todos sabem que Fernando queria matar o Sr.Perdinari.
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SANTA
(chorando) mentira! mentira!TORRE
intil querer negar. Seu filho matou o Sr.
Perdinari. E a prova que fugiu. (guarda sai, a
toda pressa)
SANTA
(FORTE) Mentira, meu filho no matou
ningum!
INSPETOR
(reparando em D. Santa) Esta senhora cega?
SANTA
Sim, senhor.
INSPETOR
Escute, minha filha... (Neli chega-se a ele) Con-
te-me o que voc viu.
NELI
Ns estvamos sentados. A vov, eu e papai. Aliestava esse homem e mais um outro...
INSPETOR
Ah! Sim? (desconfiado e intencional, para De
La Torre) Ento havia outro homem aqui?
TORRE(meio confuso) S...sim...
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INSPETOR
(a Neli) E depois? NELI
De repente papai levantou-se e ouvi um tiro.
Ento esse homem disse: Fernando no me de-
vias ter matado.
SANTA
(Percebendo a inocente acusao) Neli!...
TORRE
Ouviu, Senhor Inspetor?
INSPETOR
Onde est o homem que conversava com o se-
nhor? Quem ele?
TORRE
(mais senhor da situao) o senhor Francisco
Pereira. Homem de carter reto e de conduta
fora de qualquer dvida.
INSPETORBem, mas por que no est ele aqui?
TORRE
Foi chamar um mdico.
INSPETORComo?
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TORRE
Para melhor clareza vou contar-lhe o que se pas-sou. Fernando e o Sr. Perdinari puseram-se a dis-
cutir. Em seguida Fernando puxa um revlver,
atira e foge.
SANTA
Esse homem est caluniando meu filho. Juro,
senhor, ele inocente.
TORRE
amos ao seu alcano, mas como Perdinari estava
ainda vivo, achei melhor socorr-lo. Foi ento que
o senhor Francisco saiu procura de um mdico. E
esta a razo porque no est ele aqui. (noutro
tom)Antes de morrer, o Sr. Perdinari implorou-
me que fosse eu o tutor de seu filho Alberto. E
entregando-me este envelope lacrado, disse-me
estar nele o documento que passa toda a fortuna
para o filho e que s poder entrar na posse nodia do seu casamento.
INSPETOR
Tem testemunha de que a vtima lhe entregou
esse envelope?
TORRETenho o Sr. Francisco. Mas mesmo que no ti-
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vesse, bem v que o envelope est lacrado, e s
pela boca do Sr. Perdinari poderia eu conhecero seu contedo. (entra guarda, conduzindo
Fernando)
FERNANDO
(logo ao entrar, vendo inerte Perdinari) Morto!
GUARDA
(empurrando, para a frente) Aqui est o
homem. Consegui alcan-lo.
FERNANDO
(vendo o cadver) Morto! Mas, Sr. Inspetor, o
guarda prendeu-me acusando-me de um crime?!
Estou inocente!
INSPETOR
Se est inocente, por que fugiu?
GUARDA
Estava correndo. Custou-me alcan-lo.
FERNANDOFui chamar um mdico, enquanto o Sr. De La
Torre socorria o moribundo.
TORRE
verdade que o socorri. Foi quando ele pediu-
me que cuidasse de seu filho e entregou-me oenvelope.
-
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232
FERNANDO
Ouvem? Tenho como testemunha de minha ino-cncia o Sr. De La Torre.
TORRE
Como?!... No consinto que diga semelhante
cousa! Pois eu, Manoel De La Torre, homem de
dignidade conhecida em toda a cidade, nunca
poderei acobertar um crime do qual sou teste-
munha de vista.
FERNANDO
(com desespero) Parece incrvel o que estou
ouvindo!...O senhor me acusa? (revoltado) Te-
nha coragem! Confesse que foi o senhor quem
por acaso deixou disparar a arma.
TORRE
(calmo) Eu!?(risinho)
INSPETOR
Com licena. (revista o Sr. De La Torre, nada en-cont rando)
TORRE
(enquanto o inspetor revista) O senhor no s
o matou, mas roubou tambm o dinheiro que o
pobre trazia consigo.
-
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FERNANDO
Infame! (vai avanar e impedido pelo guarda)Reviste-me Sr. Inspetor, e ver se tenho algum
dinheiro comigo.
TORRE
Com certeza j o escondeu em alguma parte.
INSPETOR
(revistando Fernando e encontrando o revlver) Um
revlver!... (examina) Falta justamente uma bala.
TORRE
V... intil querer fugir justia. As provas so
esmagadoras.
FERNANDO
Esse revlver foi o senhor mesmo quem mo deu.
TORRE
Eu?!... (risadinha cnica) Sr. Inspetor, creio serem
desnecessrias mais provas!
INSPETORVamos conduzir este homem para a cadeia.
NELI
(num desespero) Vov, vo levar o papai!... (cor-
rendo e agarrando-se a ele) No... no levem o
papai!
-
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SANTA
Oh! Senhores, no levem o meu filho! Ele ino-cente, Sr. Inspetor!
INSPETOR
Cumpro a lei, minha senhora.
NELI
No! Pelo amor de Deus, no levem meu pai!
No o levem!
SANTA
Sim. Deixem-no, senhores. Tenha d desta cega!
Salve o meu filho!
TORRE
Basta de lamentaes. Seu filho que sofra as
conseqncias de seu crime.
FERNANDO
Miservel! (tenta avanar e impedido pelo
guarda)
SANTAMas meu filho no criminoso. O Sr. bem sabe.
FERNANDO
intil, mame. Agora compreendo. Ca numa
cilada. Todas as provas so contra mim.
SANTAMas meu filho, sem voc, o que ser desta cega
-
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e desta infeliz criana?
FERNANDO(com lgrimas a correr dos olhos) No sei, ma-
me... s Deus saber...
INSPETOR
Leve-o. (guarda sai, conduzindo Fernando. A De
La Torre) O senhor est arrolado como
testemunha.
TORRE
Nem podia deixar de estar, visto que sou teste-
munha ocular desse monstruoso delito e portan-
to preciso auxiliar a justia a elucidar um crime,
punindo esse brbaro assassino.
INSPETOR
Muito obrigado. Preciso providenciar um carro
para a remoo do cadver. (sai)
SANTA
Foi o senhor quem matou Perdinari. E no lhedi a conscincia, ao ver preso um inocente, fi-
cando desamparadas estas duas infelizes?...
TORRE
(risadinha cnica. Baixo, junto a D. Santa) Eu no
matei s, no... roubei tudo quanto ele traziaconsigo. E serei eu o tutor de seu filho. Mais tar-
-
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de toda a sua fortuna cair nas minhas mos.
SANTAOuviu, Sr. Inspetor? Meu filho inocente! (pau-
sa, durante a qual Torre ri, baixo, cinicamente)
No ouviu, senhor? Este homem acaba de con-
fessar! ele o assassino!
TORRE
A polcia j no est aqui. Ah! Ah! Ah!... Agora
vai, vai justia e diga que eu confessei o meu
crime... Ela no te acreditar... (muito
cinicamente) Porque faltam provas!... (sai)
SANTA
O que ser de ns, minha netinha, o que ser de
ns?!
-
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Segundo Ato
Casa pobre. Mesa e cadeiras toscas a D., a E., um
banco. Ao abrir a cortina, D. Santa e Marli esto
sentadas junto mesa. D. Santa enxuga uma
lgrima. So passados 11 anos.
MARLI
E depois, D. Santa?
SANTA
Depois, meu Fernando foi preso. Todas as pro-
vas eram contra ele. Apareceram testemunhas
afirmando que meu filho jurara matar o Sr.
Perdinari.
MARLI
Infelizes!
SANTA
Eram testemunhas falsas, arranjadas por De La
Torre. Tudo condenava meu filho. Foi condenado
a 20 anos de priso. A fbrica foi obrigada a para-
lisar os servios, ficando desempregados cente-
nas de operrios, que se revoltaram contra ns.
Ameaaram arrancar meu filho das mos da justi-a para linch-lo. Pobre filho!... Mrtir inocente!...
-
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MARLI
E aos dois verdadeiros criminosos, a justia nadafez?
SANTA
Nada, minha filha. Francisco Pereira, segundo
me disseram, embarcou logo depois para a sua
terra natal, Portugal. A De La Torre, a justia
fez justamente o que ele desejava: nomeou-o
tutor do menino Alberto.
MARLI
E o pobre moo estima-o como se fora seu pai?
SANTA
Voc conhece o Alberto?
MARLI
(atrapalhada) No... eu... quero dizer, ouvi di-
zer que estima muito o Sr. de La Torre... conti-
nue a narrao, D. Santa.
SANTAAh! Marli... Depois que fiquei sem meu filho, te-
nho sofrido muito... A princpio no foi tanto,
porque o Sr. Velasco, que Deus o tenha em bom
lugar, continuou como at ali, a nos fornecer co-
mida. Todos os dias amos matar a fome naquelebar. Mas um dia encontramos a porta fechada.
-
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Disseram-nos que o Sr. Velasco havia falecido, v-
tima de uma sncope. Sa a mendigar, tendo Nelicomo guia. nessa situao, minha filha, que se
conhece o quanto perversa a humanidade. Quan-
to fui escarnecida... Quando, na rua, eu ouvia os
passos de algum que se aproximava e pedia que
tivesse piedade de ns, matasse-nos a fome, as
mais das vezes, respondiam-me: Vai-te embora!
Por causa de teu filho, fechou-se a fbrica, muitos
operrios esto na misria, sofra o castigo que bem
mereces!... E outros ento chegavam a dizer que
era a Justia de Deus que pesava sobre ns, fazen-
do-nos sofrer: A est como Deus justo. O assas-
sino e ladro na cadeia, e tu sofrendo o castigo
merecido, pois soubeste instig-lo para que ma-
tasse e roubasse! Desaparea deste lugar, miser-
vel. Estas e outras coisas eu e Neli ouvamos cons-
tantemente. Pouqussimos eram os que nos da-vam esmolas. Todos odiavam-nos. (desalento)
Como mau este mundo!...
MARLI
verdade.
SANTAE quantas vezes ficamos sem comer! A mim j
-
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no fazia falta a comida... Habituei-me... mas a
minha pobre netinha pedia-me um pedacinhode po e... eu no tinha... Nesses dias ento,
minha filha, o nosso nico alimento eram as l-
grimas.
MARLI
No chore, D. Santa. Pois sofrem assim s os es-
colhidos por Deus. Jesus tambm sofreu muito,
por todos ns.
SANTA
Coitadinha da minha neta... agora para ganhar
um pouco de dinheiro, que mal d para com-
prar alimentos, vai para o trabalho ainda de
madrugada, e s volta j noite.
MARLI
Pobre Neli! ...E todo esse sacrifcio, ela faz sem
uma queixa.
SANTAMarli, voc que tem, como a maioria dos mor-
tais, a felicidade de ver, diga-me, sinceramente:
minha neta est forte, alegre?
MARLI
De uns tempos para c lhe tenho notado certaalegria. No sei por que, h momentos que Neli
-
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parece sentir-se to feliz, como se a vida para
ela fosse um mar de ventura. Depois, cai numprofundo abatimento e tristeza. Perguntei-lhe
a razo daquela tristeza repentina, disse-me que
era a lembrana do pai.
SANTA
Coitadinha... Nem o direito de se sentir alegre
ela tem. Aparece logo a viso de seu infeliz pai
condenado. Essa viso, como um vu negro, co-
bre aquela alma vida de felicidade.
JUCA
(entrando) Boa... boa... boa noite.
MARLI E SANTA
Boa noite.
SANTA
J noite?!
JUCA
J... j...SANTA
Ah, j?
JUCA
No.
SANTANo?
-
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JUCA
J... j... MARLI
Mas o que isso, Juca? Uma hora voc diz que
j noite, outra hora voc diz que no?
JUCA
Pois... num... num... num deixa eu... acab de
fal! J... j... j so mais de 6 horas...
MARLI
Ento! J noite!
JUCA
(irritado) Mas... mas deixa eu acab de fal!
MARLI
Ento, fala logo, Juca.
JUCA
J... j... so mais de seis horas...
MARLI
Mas voc j falou isso, Juca!JUCA
(muito irritado) Ma...ma...ma... (num repente
nervoso, se despenteando todo) Mais deixa eu
fal! (Marli mostra-se irritada, D. Santa sorri)
J... j... j so mais de 6 horas e.. e... e... a...mame manda dizer que... que... que... logo
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que... que... que... a Neli cheg para voc ir
para casa. MARLI
Sim. Logo que a Neli chegar eu vou.
JUCA
Eu... eu vou esper... pra ir com voc.
SANTA
Se voc quiser, pode ir, Marli. A Neli no deve
demorar.
MARLI
Oh! No, D. Santa, eu esperarei.
JUCA
Ns... esperaremos.
MARLI
O jantar est pronto, a casa arrumada, de modo
que, assim que a Neli chegar ns iremos.
SANTA
Escute-me, Marli. H pouco voc disse-me que Neli,s vezes, fica muito alegre, to feliz como se a
vida fosse um mar de venturas... Estive pensando
por que seria?... Ela sempre foi to triste...
JUCA
Ah... a s... a s... a senhora no sabia?(Marli leva-o para o canto) por... que... ela... ela...
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MARLI
(a meia voz) Cale-se! JUCA
Por... por qu?
MARLI
(baixo) No quero que lhe diga.
JUCA
(idem) O qu?... Vo...Voc num sabe o que eu ia
fal!
MARLI
(idem ) Ia dizer-lhe que Neli est namorando o
Sr. Alberto, filho do Sr. De La Torre.
JUCA
(idem) Ta! A...Agora voc acertou.
MARLI
(idem) Pois bem, no lhe diga.
JUCA
(idem) Por... qu?MARLI
(idem) Porque Neli no quer. Ela mesma que
lhe quer dizer.
JUCA
(idem) T... bom. En...to eu num falo. Maisque... eles to namorando, to mesmo.
-
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SANTA
Perdoe-me a pergunta, Marli. Mas por que es-to vocs conversando baixinho?
MARLI
o Juca que est me contando umas coisas, mas
sem importncia.
SANTA
Marli, por que seria que Neli, s vezes, sente-se
to alegre? Ela nunca disse a voc o motivo?
MARLI
(mentindo) No... D. Santa. Eu no sei por qu.
SANTA
Oh, se soubesse como tenho vontade de ver Neli,
e como sofro por no poder. Eu daria minha
vida em troca de um momento apenas dessa
felicidade imensa. Eu tenho necessidade de v-
la. A sua idade perigosa, eu precisava ver-lhe
o rosto para adivinhar no seu semblante demoa, o que se passa no seu corao, e que os
seus lbios procuram cuidadosamente ocultar-
me. Oh! Quanto anseio por sua felicidade, e eu
serei ainda mais desgraada se ela no for feliz...
(chorando) Oh! Marli, a Neli merece, precisa serfeliz... J tem sofrido tanto... tanto...
-
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Alberto, o meu namorado. Creio que j o co-
nhece de vista. ALBERTO
(apertando a mo de Juca) Muito prazer.
JUCA
O... o...
ALBERTO
O mesmo?
JUCA
O... o... o...
NELI
J sei. O prazer todo seu.
JUCA
No.
NELI
No?
JUCA
N... num isso... que eu quero fal!ALBERTO
(sorrindo) Fale.
JUCA
O s... o s...
NELIO senhor!
-
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JUCA
(muito irritado) Ma...ma...ma... (num repente,nervoso, mexendo outra vez todo o cabelo) Mais
deixa eu cab de fal! O s... o seu nome
A...Aberto mesmo?
ALBERTO
Ah, sim! Meu nome Alberto Perdinari.
JUCA
Mu...mu...
ALBERTO
Muito prazer?
JUCA
Ta! A...a...gora acertou.
NELI
Vov est l dentro, Juca?
JUCA
T.
NELIEscuta...Eu queria...
JUCA
J sei. ... ... (apontando os dois, d uma
risadinha maliciosa) pra mim d o fora. Eu v...
n...um... preciso mand. (sai rindodiscretamente)
-
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NELI
Estou curiosa para ver o presente que me deste.(muito alegre, vai a abrir)
ALBERTO
(impedindo) No abras agora. Deixa para depois
que eu sair.
NELI
Ento dize-me o que !
MARLI
Boa noite, Sr. Alberto...
NELI
A vov est l dentro?
MARLI
Est.
NELI
Procure distra-la. No lhe diga que eu j che-
guei. Quando eu der um assobio, pode vir.
MARLI(sria) Ento no demore. E conversem baixo,
porque sua av pode ouvir. Com licena.
NELI
(a Alberto) Eu ia contar um sonho que tive esta
noite, mas agora no conto.
-
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ALBERTO
Por que, Neli? NELI
Porque no me queres deixar ver o que h aqui
dentro.
ALBERTO
Conta, Neli...
NELI
Eu conto, mas com uma condio.
ALBERTO
Qual ela?
NELI
Deixar eu abrir a caixa.
ALBERTO
Pois bem. Podes abri-la. (Neli vai abrir. Impedin-
do) Mas primeiro conta o sonho.
NELI
Ento, vamos sentar.ALBERTO
Vamos. (vai sentar junto mesa)
NELI
No a. Vamos sentar no banco para ficarmos
mais longe dos ouvidos da vov.
-
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ALBERTO
Como quiseres. (sentam-se no banco)NELI
Ouve. (pequena pausa) Sonhei que estvamos
sentados sombra de uma frondosa rvore.
Falavas aos meus ouvidos lindas palavras de
amor. Por fim, levantamo-nos e pusemo-nos a
correr, brincando, por uma estrada atapetada
de flores. Essa estrada conduzia a um grande
porto que se via ao longe e que, segundo
supnhamos, era o Reino da Felicidade.
Dirigimo-nos para l. Encontramos no caminho
um viandante a quem perguntamos se aquele
porto era a estrada para o Reino. Sim,
respondeu-noso homem, mas aquele no o
Reino da Felicidade, como todos supem. o
Reino da Iluso. Mas como? disse eu Ali no
h felicidade? H, mas uma felicidade ilusria.O Reino da Felicidade aquele, mais ao longe.
L ela verdadeira e eterna. Tomem aquele
outro caminho, abrupto, cheio de abismos, mas
o nico que conduz quela porta. O viandante
disse isso e foi-se embora. Ficamos por unsinstantes indecisos, sem saber qual caminho
-
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seguir, quando num momento desabouuma tre-
menda tempestade. O vento, fortssimo, impe-liu-me para a outra estrada. E vi ento com gran-
de mgoa, que j tinhas outra moa ao teu lado
e com ela seguias o caminho cheio de flores.
ALBERTO
Que estranho sonho!
NELI
Eu, chorando, segui sozinha aquela horrvel es-
trada. Por fim, cheguei frente de um porto
enorme, de cor azul celeste. Comecei, nesse
momento, a ouvir uma msica linda, muito lin-
da, que cada vez mais chegava aos meus ouvi-
dos. Percebi ento que estava vestida de noiva.
O porto abriu-se lentamente. L dentro, ao
fundo, estava escrito, em letras de ouro: Reino
da Felicidade Completa e Eterna. Eu no quis
entrar, porque j no estavas ao meu lado. Fi-quei vagando ali, por alguns instantes, tua es-
pera, quando, de repente, ouvi a tua voz cha-
mar-me. Voltei-me e vi que vinhas cansado. Ao
ver-me, teus olhos tiveram um brilho estranho
de alegria, teus lbios esboaram um lindo sor-riso e ento eu disse baixinho, com medo que,
-
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com o som da minha voz, se fechasse aquele
porto: Vem, Alberto, vem... Eu vou... eu vou,disseste. Estendi a mo, que pegaste com ansie-
dade, pela ponta dos dedos, ouviu-se o tocar de
clarins, e assim entramos para o Reino da Felici-
dade Completa e Eterna.
ALBERTO
Que sonho comprido!
NELI
Bem. Agora posso abrir a caixa?
ALBERTO
Pode.
NELI
(abre a caixa. Alegre, muito alegre, ao ver o
vestido) Um vestido de noiva?!... (olha-o) Que
lindo!!! V se fica bem para mim.
ALBERTO
Ficas ainda mais bonita. Neli, ests satisfeita como presente?
NELI
Se estou?! Que pergunta, Alberto!
ALBERTO
Neli, como estou ansioso que passem depressaesses cinco meses para a minha formatura. Nesse
-
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dia, eu comunicarei ao papai a minha resoluo
de casar contigo. (Neli fica triste) Depois vireipedir a tua mo a D. Santa. Ficaste triste, Neli?
Por qu?
NELI
Porque tenho quase certeza de que o Sr. De La
Torre no consentir o nosso casamento. E eu
no poderei viver sem ti.
ALBERTO
Ele nunca poder fazer isso. Porque esse amor
infinito. No existem foras no mundo capazes
de extingui-lo. Amo-te, Neli! Amo-te muito,
muito, e ainda que meu pai se oponha nossa
unio, eu casarei contigo!...
NELI
Oh! Como me fazem bem as tuas palavras. (nou-
tro tom) Desculpa-me, Alberto, mas eu tenho
motivos para os meus receios. Nunca pude con-tar-te a verdade sobre o crime de que meu pai
acusado e cuja vtima foi o teu verdadeiro pai.
Mas juro-te, ele inocente. O criminoso ...
ALBERTO
(atalhando) No digas. J pedi por diversas vezesque no torne a falar no assunto. Acredito,
-
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sinceramente, ser o teu pai inocente. Mas no
posso deixar que acuse ao Sr. De La Torre, a quemdevo a gratido de ter olhado por mim, desde
que me faltou meu pai. E depois, Neli, bem sa-
bes que no h uma prova contra ele.
NELI
E se houvesse?
ALBERTO
Se houvesse, toda a minha dedicao se
transformaria em dio. Isto , no seria
propriamente uma transformao, porque sem-
pre odiei o assassino de meu pai, embora no
saiba quem seja.
NELI
Infelizmente esta prova no existe. Est bem,
nunca mais falarei nisso. (fica triste)
ALBERTO
No fique triste, Neli. Hoje mesmo vou falar comas autoridades. Hei de trabalhar at conseguir
o indulto para teu pai.
NELI
(grande alegria)Alberto!
ALBERTOEle j cumpriu mais da metade da pena. Hei de
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fazer-te feliz, se Deus quiser. Restituirei teu pai
e dar-te-ei a minha mo de esposo!NELI
E visto que ests estudando medicina especializan-
do-se em doenas de olhos, poders tambm res-
tituir vista a minha avozinha.
ALBERTO
Empregarei toda a cincia possvel.
NELI
Alberto, como serei feliz!... Completamente
feliz!...
ALBERTO
Bem, agora vou-me embora. A tua av deve es-
tar impaciente com a tua demora, e Marli deve
estar furiosa espera do assobio.
JUCA
(entra) Vo...vocs desculpa. Ma...mais esto de-
morando, e...eu n...um posso fic no sereno.NELI
Por que, Juca? Voc est doente?
JUCA
Eu t c...om o calo doendo. (riem) Vocs esto
rindo, ma...mais t do...endo no duro.
-
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ALBERTO
Eu j vou. At amanh, minha vida!...NELI
At amanh, meu amor!...
ALBERTO
(da porta) Neli, guarde bem o meu primeiro
presente.
NELI
Hei de guard-lo sempre... sempre. At a morte.
(Alberto sai. Neli vai at a porta e desce, alegre,
coloca o vestido na caixa. A Juca) Eu vou assobi-
ar, se a vov perguntar quem assobiou, diga que
foi voc. Eu vou l fora e depois entro como se
estivesse chegando agora.
JUCA
T... bom. (Neli d um assobio e sai)
SANTA
(entra conduzida por Marli) Quem foi que asso-biou?
JUCA
Fui eu.
SANTA
Pensei que fosse a Neli.
-
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JUCA
Bem... mas ela m...mandou dizer que fui eu. (Nelientra e faz uma careta para Juca)
SANTA
Sempre marota... Mas onde est ela?
NELI
(alegre, descendo) Aqui estou, vovozinha.
(abraando-a e beijando-a) Boa noite.
SANTA
Boa noite.
NELI
(dando uma piscadela) Boa noite, Marli.
MARLI
(sorrindo) Boa noite.
NELI
Como passou a boa vovozinha?
SANTA
Bem, minha filha. Passa-se o dia satisfeita, quandose tem em companhia uma menina como a Marli.
MARLI
Obrigada, D. Santa, isso bondade sua.
SANTA
E tu, Neli, No te sentes cansada? E como passasteo dia? Pois parece que chegaste to alegre.
-
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NELI
Passei muito bem, vovozinha.JUCA
Ma...Marli, vamos pra c...casa, que... que... a
mame t esperando.
MARLI
Vamos. At amanh.
JUCA
(ao mesmo tempo)A...a...a...
NELI E SANTA
At amanh. (Marli sai)
JUCA
A...a...at. (sai correndo)
SANTA
Escuta, Neli. Disseste que passaste bem, mas isso
no justificativa para a tua alegria. Deve ha-
ver outro motivo que tu procuras ocultar-me.
(pausa) Conta, conta tua avozinha.NELI
Tens razo, vov. Tenho um segredo que at
hoje lhe ocultei, mas agora vou revelar. Porm,
antes, quero dar senhora uma notcia que vai
alegr-la imensamente.
-
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SANTA
Ah, Neli, minha alma est to habituada tris-teza, que dificilmente se alegrar.
NELI
Mas com a notcia que lhe vou dar, tenho certe-
za de que a senhora ficar alegre.
SANTA
Diz.
NELI
H uma pessoa que est trabalhando para que
papai seja indultado.
SANTA
(alegre) Que dizes, Neli? verdade? No est
dizendo isso somente para alegrar tua vov?
NELI
No, vov. verdade.
SANTA
E quem essa pessoa, essa nobre alma, que as-sim se compadeceu de ns?
NELI
A senhora nem pode calcular.
SANTA
Quem , Neli?
-
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NELI
o Sr. Alberto. SANTA
(grande espanto)Alberto, o filho do assassinado?
NELI
Ele mesmo.
SANTA
Mas como?
NELI
Ele sabe que o papai inocente.
SANTA
(alegre) Mas quem te deu to auspiciosa not-
cia?
NELI
Ele mesmo. Disse-me tambm que vai tentar
restituir-lhe a vista!
SANTA
(num crescendo de alegria)A mim? Mas como?NELI
Ele estudante de medicina. Est se
especializando em doenas de olhos e dentro
de poucos meses receber diploma.
SANTAOh! Meu Deus! Parece incrvel tudo quanto
estou ouvindo.
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NELI
Ouviu, vov, ele, esse anjo querido, vai nos res-tituir toda a felicidade.
SANTA
Anjo querido?... Tu o amas?
NELI
Adoro-o, vov! Adoro-o.
SANTA
E s correspondida, minha filha?
NELI
(muito alegre) Se sou!?... Oh! Vov, ele me quer
muito, muito!... A senhora no pode calcular
qual foi o primeiro presente que ele me fez.
SANTA
O que foi, Neli?
NELI
Vamos ver se a senhora adivinha. (abre a caixa e
pe o vestido no colo de D. Santa)Adivinha, vov.SANTA
Um vestido.
NELI
Sim, vovozinha, mas um vestido de noiva!...
SANTA(com um sorriso que deve expressar imensa ale-
-
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-
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NELI
Ele vir pedir a minha mo. Tenho certeza deque a senhora no lhe negar.
SANTA
Oh! No, minha filha...
NELI
Nem poderia, no assim vov? A ele que vai
restituir a liberdade ao papai, a vista senho-
ra e vai fazer de mim a esposa mais venturo-
sa! No vov? No assim?... (chora de ale-
gria debruada ao colo de D. Santa que est
sentada)
SANTA
Ento, minha filha!... Choras de alegria...
NELI
(com muita alegria e lgrimas a correr) Como
serei feliz, vov!... Como serei feliz!...
-
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Terceiro Ato
Casa rica. A E. sof e poltronas. A D. mesa com
cadeiras. Ao F. mesinha com rdio. Porta. Vasos e
flores, etc. Ao abrir a cortina, esto todos em cena.
BENEVIDES
(portugus) Sr. De La Torre. A festa est espln-dida!
TORRE
Desejei dar festa de hoje, que de formatura
de meu querido Alberto, um cunho excepcio-
nal! Ele bem o merece!
ADLIA
(portuguesa) (intencional) Sem dvida! Bem o
merece! E ele tem dispensado aos convidados
uma ateno distintssima, digna de nota!
ALBERTO
Obrigado pelo elogio, senhorita. Mas creiam que
a convidados to ilustres como os que brilham
nesta festa, todas as atenes so poucas.
ADLIA
Sempre gentil!... (msica)
COMPARSAVamos danar? Vamos para o salo.
-
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TODOS
Vamos. (exceto Francisco e De La Torre, desta-cando-se a voz espalhafatosa de Adlia) Vamos!
Vamos! (saem)
TORRE
Parece que tudo vai maravilhosamente bem!
FRANCISCO
A mim tambm me parece.
TORRE
Tal qual eu desejava, oh pah!, esse portugus
bronco, possui uma fortuna imensa e uma ig-
norncia ainda maior. J lhe falei do emprsti-
mo. Ele disps-se a atender-me logo mais.
FRANCISCO
O que ele quer casar a filha com Alberto. Coi-
tado. Com um qu de moderna, essa pequena
muito leviana. uma menina endiabrada. H
poucos dias que est no Brasil e j conhece todoo palavreado da nossa gria.
TORRE
Meio caminho j est andado. Farei com que
Alberto case com Adlia e com isso obterei o
emprstimo.
-
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FRANCISCO
E mais tarde ir pagar essa dvida?TORRE
No!... E o portugus no me ir apertar por isso.
Eu, o pai de seu genro!... No achas?
FRANCISCO
Muito bem, o senhor faz tudo calculadamente.
(noutro tom) Mas se no se casarem?
TORRE
Ora, tanta certeza tenho deste casamento, que
j escrevi ao teu av, avisando-lhe que Alberto
embarcar para l a fim de casar com Adlia.
FRANCISCO
Mas vo casar em Portugal, por qu?
TORRE
Pois no sabe que o Sr. Benevides e a filha em-
barcam amanh mesmo para a Europa?
FRANCISCOPois um perigo. Bem sabe que o meu av, por
causa dos seus remorsos, precisou afastar-se do
Brasil. No v ele l, agora, confessar tudo ao
Alberto.
-
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TORRE
No h perigo! J lhe escrevi uma carta preve-nindo-o! Aqui est: (tira do bolso e l) Meu ami-
go Francisco Pereira, etc. Alberto dever seguir
para a, a fim de casar com a filha do Sr.
Benevides Barbosa. Fao esse casamento com o
fim de obter um emprstimo. Para isso, vou di-
zer a Alberto que estou arruinado e que tu s o
meu credor. Portanto, caso ele te perguntar,
confirma. Tenha prudncia. No vais, com teus
remorsos, confessar ao Alberto o assassnio de
seu pai, porque eu serei preso, mas caluniarei
ao teu neto e ele ir comigo.
FRANCISCO
Por que o ameaa dessa maneira?
TORRE
Porque eu sei o quanto ele te estima, e por tua
causa ele me obedecer.FRANCISCO
Mas uma imprudncia escrever isto numa carta.
TORRE
Com teu av preciso que seja assim. Mas tem
razo... esta carta poder ser interceptada e...No, no devo mand-la. (Pe sobre a mesa)
-
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BENEVIDES
Tambm quero que cases. Mas veja se te portasdireito. Estavas numa algazarra com aqueles ra-
pazes.
ADLIA
Eles estavam me ensinando termos usados na
gria brasileira. Ora, uma jovem inteligente
como eu, tem de aprender a conversar com os
moos brasileiros.
BENEVIDES
Bem, eu te peo que tenhas muito juzo. J hoje
durante o almoo tu estavas a tagarelar demais.
ADLIA
No adianta! O senhor no entende mesmo
nada. Vamos mudar de assunto. Ento, e o ne-
gcio do casamento?
BENEVIDES
Mas, minha filha, esse negcio pode no dar certo.ADLIA
D certo, sim.
BENEVIDES
Esse negcio de filha o diabo! Escuta, minha
filha, esse rapaz pode vir a saber do teu passa-do, cheio de leviandade e sabes como .
-
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ADLIA
Ningum ter a ousadia de lhe dizer. De mais amais, eu quero de qualquer maneira casar com
ele, pronto. (sai, passando por De La Torre que
acaba de entrar)
TORRE
A sua filha um raio de luz!
BENEVIDES
(aparte) o raio que a parta! (alto) O seu filho,
sim, um moo muito distinto, inteligente.
TORRE
E que breve ser seu genro.
BENEVIDES
(numa alegria)Ai, ai, ai! A minha Adelita quando
souber, vai ficar muito alegre!
TORRE
E a respeito do emprstimo que lhe pedi, Sr.
Benevides?BENEVIDES
Hoje mesmo, depois de anunciado o noivado,
vou providenciar isso. No poderei deixar de
servir ao futuro sogro de minha filha.
-
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CRIADO
(entra) O Sr. Francisco manda pedir ao Sr. De LaTorre que faa o obsquio de chegar at o sa-
lo. (sai)
TORRE
Com licena. (sai)
BENEVIDES
(s) No faz mal. Eu ainda vou ganhar no negcio.
Empresto o dinheiro, mas caso minha filha.
ADLIA
(entra) Oh! Ainda nesta sala, papai? Ento, como
vai a coisa?
BENEVIDES
Que coisa?
ADLIA
Quero dizer, o senhor, como vai? Est bom?
BENEVIDES
Ah!... A coisa ento sou eu?... Vou indo assim,assim.
ADLIA
Vaitemperando, no assim?
BENEVIDES
Eu no estou temperando nada no, minha filha.(aparte) Esta menina est ficando maluca!
-
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ADLIA
Oh, papai! Mas isto aqui bom! Eu quisera novoltar mais para Portugal. A coisa aqui boa!
do balaco-baco!...
BENEVIDES
do qu?
ADLIA
do balaco-baco.Aqui cocoreco e pronto.
BENEVIDES
(aparte) Ela est ficando maluca! (alto) O que
coroquco?
ADLIA
Cocoreco bico de pato. Quer dizer que aqui
no tem conversa mole pra boi dormir, no!
BENEVIDES
Escuta; o que que tem o bico do pato com a
conversa do boi?
ADLIA(depois de rir) Qual! O senhor no manja mesmo
nada. Para falar com o senhor s mesmo
portuguesa.
BENEVIDES
lgico! Tu vens falar em baco-baco, emcoroquco, em bico de boi, conversa de pato
-
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quando est dormindo! Vou l entender esse
negcio?... ADLIA
(depois de rir) O senhor no emboca uma! O
senhor no pode mesmo entender. No Brasil o
lero-lero diferente. (pausa) Ento, j cuidou
do casamento?
BENEVIDES
J falei ao Sr. De La Torre. Ele consente e disse
que o filho gosta de ti.
ADLIA
Eu bem o sabia! No h homem que resista a
uma bela cachopa portuguesa!...
BENEVIDES
Escuta aqui, minha filha, mas fala direito. No
enrola a lngua, no. Tu amas esse rapaz?
ADLIA
Eu gosto dele, mas amar no! Amor hoje em dia manga de culete.
BENEVIDES
Manga de culete? Ta. por isso que eu no
gosto de modernismo. Nos meus culetes, eu no
deixo por manga!
-
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ADLIA
Creio que desta vezacertei a mo!BENEVIDES
Acertou a mo aonde?
ADLIA
Causarei inveja a todas as minhas patrcias.
Mulher de um mdico! Qual, papai, vou casar
com ele! o meu pedao!
BENEVIDES
(espantado) Qu?! Falta um pedao ao rapaz?
Pois olha, eu no sabia.
ADLIA
Fique sabendo agora. Mas com ele, papai, a con-
versa outra. O Albertinho gosta de romantis-
mo. E nessa matria eu sou mestra.
ALBERTO
(entra) Oh! Por aqui!
ADLIAComo vs.
BENEVIDES
(aparte) Pronto. L vai besteira. (alto) Com
licena. (sai)
ADLIA(olhando para o sof, intencionalmente) Estou
to cansada!...
-
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ALBERTO
(indicando o sof) Pois ento sente-se.ADLIA
S se tu me fizeres companhia.
ALBERTO
Perfeitamente, senhorita.
ADLIA
Eu e papai falvamos a teu respeito. Falvamos
de teus dotes de inteligncia.
ALBERTO
So bondades de vossa parte todos esses elogios.
O que sei no produto da minha inteligncia.
Devo aos anos que passei nas escolas, aos meus
mestres.
ADLIA
Eu te aprecio imensamente. Perdoa-me a fran-
queza feminina: tu s o tipo sonhado pela maio-
ria das mulheres modernas. Inteligente, simpti-co e com uma posio privilegiada na sociedade.
ALBERTO
(rindo) Interessante! A luz bela e fulgurante de
um sol, fazer a apologia da insignificante luz
de uma vela de cera. (entra Benevides e prana porta)
-
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ADLIA
Pois eu desejava ser uma vela de cera.BENEVIDES
(aparte, pondo a mo na cabea) Pronto! Agora
quer virar vela de sebo. Ficou maluca de uma
vez. (sai)
ADLIA
Sim. Este sol fulgurante preferiria mil vezes ser
uma pequenina vela de cera, para derreter-se
ao lado de uma sua companheira, confundindo
a minha luz com a sua luz, e ao fim, aps derre-
tidas, fundirem-se numa s.
ALBERTO
Muito bem! Inteligente! Bela declarao do
amor! Admirvel!
ADLIA
(vaidosa) Gostou?
ALBERTO(seco) No. Admirei.
ADLIA
E achou-me inteligente. (com superioridade) Pois
fique sabendo que esse pequeno vislumbre de
inteligncia no adquiri nas escolas.
-
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ALBERTO
(sorridente e mordaz) Pequeno?!... Oh! Quantamodstia! (Adlia levanta-se indignada e encon-
tra-se com Benevides)
ADLIA
(na porta) Papai, quero casar com este rapaz de
qualquer jeito, porque eu o odeio e ele no gosta
de mim. (sai)
BENEVIDES
(consigo) Mas, raio me parta se estou
entendendo alguma coisa! (alto) Senhor
Alberto... faz favor... (entram rapazes em alga-
zarra, atrs de Adlia: todos querem danar com
ela)
ADLIA
(sempre espalhafatosa) Esperem! Peo desculpa,
mas j estou comprometida.
FRANCISCOCom quem?
ADLIA
Com o Alberto. (Alberto, contrariado, oferece-
lhe o brao e saem seguidos da comparsaria)
TORRE(entrando, para Benevides) Ento, como vai o
lindo par?
-
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BENEVIDES
A minha filha est maluca.TORRE
Que diz?!
BENEVIDES
No sei. Ela fala umas coisas que eu no entendo.
FRANCISCO
O que diz ela?
BENEVIDES
Disse-me que aqui no Brasil o lero-lero dife-
rente.
TORRE
Hein?!
BENEVIDES
, ela est maluca mesmo. Falou-me que no
gosta de conversa mole! Como que se pode
amolecer uma conversa?
TORREMas...
BENEVIDES
No!... No h dvida no! Ela est maluca mes-
mo! Pois ela est pensando que o seu filho
prncipe!
-
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TORRE
(srio) O qu?! BENEVIDES
Sim, ela disse-me que vai falar com um brasileiro
da coroa. (Torre e Francisco rindo. A Torre) O
senhor est rindo? Olhe aqui, ela disse mais...
disse-me que... eu at tenho vergonha de dizer.
TORRE
Pode dizer.
BENEVIDES
Ela disse que seu filho no completo, no!
TORRE
(espantado) O qu?!
BENEVIDES
Disse-me, h pouco, que ele um pedao s!
TORRE
(irritado, a Francisco) Esse portugus est louco!
Com licena!BENEVIDES
Coitada de minha filha! Ficar maluca em plena
e ridente juventude!
FRANCISCO
Acalme-se, Sr. Benevides. Quem sabe se o se-nhor no compreendeu bem.
-
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BENEVIDES
Como que no compreendeu? Pois olhe, escu-te, e se a Adelita no est maluca. Ela estava
aqui a falar com o Alberto. Entrei para ouvir o
que falavam, e calcula o que ela disse!
FRANCISCO
O que foi?
BENEVIDES
Ela quer virar vela de sebo.
FRANCISCO
No estou entendendo.
BENEVIDES
Nem eu. como lhe digo: minha filha est ma-
luca.
FRANCISCO
Ou ento o senhor est ficando caduco!
BENEVIDES
Caduco!? Caduco, eu?!FRANCISCO
No, o senhor no est caduco. Est louco. (vai
saindo)
BENEVIDES
Louco o raio que o parta! (pausa) Coitada deminha filha! Querer virar vela de sebo!... Como
-
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que pode? No possvel! (vai atravessando a
cena Adlia e Alberto) Adelita! Vem aqui. Ex-plica-me esse negcio de vela de sebo. J estou
com a vela atravessada na garganta.
ADLIA
Que vela de sebo, papai?!
BENEVIDES
Tu no disseste que quer virar vela de sebo?
ADLIA
Eu?! O senhor enlouqueceu?
BENEVIDES
(levando Alberto para um canto, a meia voz) O
senhor no acha que ela est maluca?
ALBERTO
No!
BENEVIDES
Ento o maluco sou eu!... (Adlia e Alberto saem)
Ai, ai, que estou maluco mesmo!
(Francisco e Torre entram)
BENEVIDES
(vendo-os) Senhor De La Torre, amanh mesmovou internar-me num hospcio.
-
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TORRE
Por qu? BENEVIDES
(voz chorosa)Acabo de saber que estou sofrendo
das faculdades mentais.
TORRE
Acalme-se. O senhor no tem nada. Est de per-
feito juzo.
BENEVIDES
Ento minha filha que est maluca!
TORRE
Deixe disso, senhor Benevides.
BENEVIDES
Qual, eu creio que... creio... qual! Creio que j
nem sei mais o que creio!... Creio que estou
ficando maluco mesmo! Logo que minha filha
casar vou passar para o seu nome toda a minha
fortuna, para que meu genro dirija os meusnegcios. (Torre olha com um sorriso,
significativamente, para Francisco)
FRANCISCO
Toda a sua fortuna?!
TORREPois, senhor Benevides, garanto-lhe que em bre-
-
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ve meu filho ser seu genro.
BENEVIDESEle gosta de minha filha?
TORRE
Se gosta!... Est loucamente apaixonado por ela!
BENEVIDES
Mas, raio me parta se eu entendo alguma coisa!
Foi Adelita mesma quem me disse que ele no
gosta dela!
TORRE
Impossvel! Ele no diria isso!
BENEVIDES
Ento no resta dvida. Eu estou mesmo malu-
co! (voz chorosa, saindo) Volto amanh para
Portugal e vou internar-me num hospcio. (sai)
FRANCISCO
(rindo) Coitado!... (entra criado com uma carta)
CRIADOUma carta para o Sr. Alberto.
TORRE
(l o subscrito) Quem lhe entregou esta carta?
CRIADO
Um rapaz.
-
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TORRE
No disse o nome? CRIADO
No, senhor. S sei informar que gago.
TORRE
Est bem. No diga ao Alberto que veio esta carta.
CRIADO
Sim, senhor. (sai)
FRANCISCO
com certeza carta da namorada de Alberto.
TORRE
Parece-me. (l num correr de olhos. Fala) Ora,
aqui est o que vai decidir Alberto a deixar esta
menina. Ouve (l) Meu querido... H 2 dias que
no te vejo. Estou como louca a pensar que no
vens porque j... Oh! no quero nem pensar.
Espero-te ansiosa. Serei tua, sempre tua. Beijos.
Neli. (Fala) Magnfico! Magnfico! A ltimaetapa est vencida.
FRANCISCO
Como?
TORRE
(Mostrando a carta) Nota que ela escreveuapenas meu querido, omitiu o nome.
-
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FRANCISCO
Bem, mas a carta dirigida a Alberto.TORRE
Isso fora de dvida! (cnico) Mas colocando aqui
o teu nome, deixar de o ser.
FRANCISCO
O meu nome?!
TORRE
E aqui onde ela escreveu 2, cabe perfeitamente
o nmero um. Ficar doze... E aqui onde ela diz
chego a pensar que no vens, porque j...
FRANCISCO
Naturalmente essa reticncia quer dizer: por-
que j... no me amas.
TORRE
(sempre cinicamente) Sim, mas aqui ns conclui-
remos a frase de outra maneira. (tirando do
bolso uma caneta tinteiro) Mos obra. (vai mesa)
FRANCISCO
Cuidado.
TORRE
(com um sorriso) No tenha receio. Para imitarletras, eu sou perito. (escreve Francisco) Que tal?
-
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FRANCISCO
Repare que h diferena de caligrafia.TORRE
Bem, mas so poucas palavras acrescentadas. De-
mais, Alberto no dar por isso, tenho certeza.
FRANCISCO
E agora?
TORRE
Fique com esta carta, v para o salo e aparea
s quando eu te mandar chamar.
FRANCISCO
Est bem. (sai)
TORRE
Vai tudo maravilhosamente bem!... (entra Alberto)
Oh! Meu filho, foi bom vires at aqui neste mo-
mento. Preciso falar-te de assunto muito srio.
ALBERTO
Estou s suas ordens.TORRE
Vou fazer-te uma revelao que, se at agora
no fiz, foi unicamente para no te causar um
desgaste e no perturbar os teus estudos. Estou
arruinado. Devo muito mais do que possuo.
-
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ALBERTO
(depois de pequena pausa de tristeza)A quem?TORRE
Tenho um nico credor, o Sr. Francisco Pereira ,
que ora reside em Portugal.
ALBERTO
Mas como foi isto?
TORRE
Negcios, meu filho. Nunca te disse, para no
te desgastar. Bem sabes que a fortuna deixada
por teu pai at hoje de nada te valeu, visto que
est nas mos da justia e s te ser entregue
quando casares. Eu cheguei at situao de
ver-me obrigado a parar os teus estudos. Ento,
para que isso no sucedesse, fiz um emprsti-
mo. Outros negcios fracassaram, outros em-
prstimos, e hoje estou arruinado. (pausa)
Pois bem. At hoje eu me sacrificaria por ti enada te pedi. Espero que no negues o primeiro
favor que te peo.
TORRE
Pedi ao Sr. Benevides um vultuoso emprstimo.
Com ele desafogarei a minha situao. Ao mes-mo tempo dizia-me ele que o seu maior desejo
-
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era ver a filha casada contigo. Pois bem. Hoje,
depois de anunciado o noivado, ele me far oemprstimo.
ALBERTO
Como? Ento o senhor, para salvar-se da runa,
est vendendo a minha felicidade?!
TORRE
(numa tristeza fingida) Oh! meu filho!... Como
di uma ingratido!
ALBERTO
Perdoa-me. Pea-me outra coisa qualquer, me-
nos isso!
TORRE
Por que, meu filho? Achas que ela no uma
moa digna?
ALBERTO
No, no isso. que amo outra. E nada h neste
mundo capaz de impedir que eu case com ela!TORRE
(fingindo ignorar) Ah!... bem... no preciso
desesperar, meu filho. Julguei que ainda no
tivesse pensado no casamento e queria
proporcionar-te um matrimnio altura e comisso salvar-me da misria que me espera... (nou-
-
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tro tom) Mas a minha situao, para mim, coi-
sa secundria. Eu quero ver feliz o meu queri-do filho.
ALBERTO
Quanto o Sr. bom!
TORRE
(sorridente) Dize-me, quem a deusa?
ALBERTO
a Srta. Neli, filha do Sr. Fernando Siqueira.
TORRE
(fingindo surpresa) O assassino?!... Tu casares
com a filha do assassino do teu pai?
ALBERTO
Perdo, mas eu no acredito que seja ele o as-
sassino!
TORRE
Eu fui testemunha de vista. Teu pai, antes de
morrer, pediu-me que te dissesse que vingassea sua morte. E a tua vingana essa!
ALBERTO
Mas, ainda que o pai de Neli seja o assassino, ela
no culpada!
-
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TORRE
Ser uma loucura o que ests tentando fazer!ALBERTO
No posso, de maneira alguma, retroceder. Amo-
a acima de tudo no mundo, e ela adora-me.
Nunca cometerei a monstruosidade de
abandon-la. Portanto, nada me far demover.
Com licena. (vai sair)
TORRE
Alberto! Ouve... (Alberto desce) Meu filho... sei
que amas muito essa menina. Por isso lutei de
todas as maneiras a fim de poupar-te um grande
desgosto. Mas foste irredutvel. Alberto, juro-
te: preferia ser ferido por qualquer desgraa,
por maior que fosse, a revelar-te este segredo.
ALBERTO
(surpreso) O que h?
TORRE(pondo as mos sobre os ombros de Alberto,
abanando a cabea, fingindo grande tristeza)
Meu filho!... Meu pobre filho!
ALBERTO
O que h? Pode dizer.
-
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TORRE
Essa moa, por quem ests apaixonado, umaperdida.
ALBERTO
(retirando violentamente dos ombros as mos
de De La Torre) Mentira! (num grande dio) Eu
deveria matar-te, canalha! Bem sei o quanto tu
s miservel! At hoje, sempoder falar, tenho
visto as tuas torpezas, trapaceando nos negci-
os, roubando. Contive-me sempre pela gratido
que te devo por ter olhando por mim desde que
morreu meu pai. Porm, agora, que procuras
caluniar infamemente aquela que adoro, digo-
te: se tornares a repetir o que acabas de dizer,
esquecerei tudo e saberei como punir-te!
TORRE
Meu filho...
ALBERTO(atalhando) Eu no sou o teu filho!
TORRE
(humildemente) Pois bem. Ouve-me. No sabes
avaliar o meu amor por ti. verdade, tenho con-
seguido dinheiro de maneiras incorretas, reconhe-o. Mas, se o fiz, foi unicamente para garantir
-
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seus estudos, pois eu me via arruinado. Eu come-
teria todas as loucuras, contanto que fosse paraa tua felicidade. por ti que tenho feito tudo
isso... Perdo, Alberto, tudo quanto me disseste.
Um pai perdoa tudo a um filho, e eu, embora
no seja teu pai, amo-te como se fora meu filho.
ALBERTO
Perdoa-me. Mas repare que o senhor avanou de-
mais na sua oposio ao meu casamento com a Neli.
TORRE
O que te disse foi apenas para teu bem. E nunca
te diria se no tivesse prova.
ALBERTO
Prova?! O Sr. tem prova?!
TORRE
Sim. (toca a campainha) H quantos dias no vs
essa menina?
ALBERTOH dois dias. (Entra o criado )
TORRE
(frisando) H dois dias... (ao criado) Diga ao Sr.
Francisco que faa o obsquio de vir at aqui.
(criado sai. A Alberto) Pois bem, hoje ela man-dou uma carta a um nosso amigo.
-
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294
ALBERTO
(j desvairado) Uma carta?TORRE
Sim. A uma pessoa que tu deves considerar o
teu melhor amigo, pois apressou-se em avisar-
me o ocorrido para que eu te prevenisse.
ALBERTO
A quem foi dirigida esta carta? Onde est ela?
Quero l-la!
TORRE
A carta foi dirigida a Francisco e est em seu poder.
ALBERTO
(consigo) Oh! Mas custa-me a crer!... No pos-
svel!... (entra Francisco)
TORRE
Francisco. Mandei chamar-te para que mostres
a carta que recebeste hoje e que me mostraste
h pouco, aqui.FRANCISCO
No sei se deva.
ALBERTO
(abatido) Pode mostr-la, Francisco. Eu ficareiagradecido.
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FRANCISCO
(tirando-a do bolso e entregando-a) Ei-la.ALBERTO
(olha-a) sua letra, no h dvida. Ento
verdade! (Torre e Francisco trocam um olhar
de satisfao. L.) Meu querido Francisco. H
12 dias que no te vejo. Estou como louca.
Chego a pensar que no vens por que j...
aproveitaste da minha inocncia. (gesto
fisionmico de abatimento de Alberto) Oh!
No quero nem pensar. Espero-te ansiosa. Se-
rei tua, sempre tua. Beijo-te. Neli. (amarrota a
carta, deixando-a cair ao cho num grande
abatimento)
TORRE
Este era o desgosto que te queria poupar, meu
filho. Ela perdeu-se antes de tu a conheceres,
no verdade, Francisco?FRANCISCO
(a medo) Sim... pois agora eu no faria isso.
TORRE
Preciso guiar-te, meu filho. Este mundo cheio
de desenganos. Esquece essa ingrata que no
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TORRE
Nada disso. Bem sabes que no ficaria bem. Edemais, agora tu precisas distrair-te. Vai, vai para
o salo, meu filho e esquece este fato, indigno
que estar na tua memria.
ALBERTO
(depois de curta hesitao) Com licena. (sai para
o salo)
TORRE
(a Francisco) Vai tudo maravilhosamente bem.
Vamos procurar o Sr. Benevides para comunicar-
lhe. (saem)
BENEVIDES
(entra do lado oposto) No possvel!... Como
pode ser!... No pode!... (passeia, tenso) No
pode, no possvel!... (passa um casal de
comparsas) Por favor. Os senhores acham que
uma mulher pode virar vela de sebo?COMPARSA
O senhor est louco! (saem)
BENEVIDES
(irritado) Mas ela falou isto! (passeia) Ela est malu-
ca. (Entra um comparsa) Faa-me o favor. O senhoracha que uma mulher pode virar vela de sebo?
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JUCA
(sempre gaguejando) Como que no pode?CRIADO
Tenha a bondade!
JUCA
Que bondade o que , s!
BENEVIDES
(a Juca) Faa-me o favor. Tu achas que eu estou
maluco?
JUCA
O sinhor t louco nada, s! Quem t louco esse
camarada a(aponta o criado)
BENEVIDES
Graas a Deus! (abraa Juca)Achei um que diga
que eu no estou maluco!
CRIADO
(enrgico) Tenha a bondade de retirar-se!
BENEVIDESDeixe-o . Ele meu amigo.
CRIADO
Se voc for l para o salo, eu o esmago... (sai)
BENEVIDES
(apontando o sof) Sente-se ali. (Sentam-se) Tuachas que uma mulher pode virar vela de sebo?
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JUCA
(aparte) Uai, o homem t maluco mesmo!BENEVIDES
Faa-me o favor. Tu achas que eu estou maluco?
JUCA
No... O senhor t co intestino da cabea estra-
gado.
BENEVIDES
Isto sim, mas maluco no estou! Tu s meu amigo!
JUCA
Eu...eu...
BENEVIDES
No diga nada. Um abrao!... (Abraa-o)
JUCA
Eu...eu...
BENEVIDES
Outro abrao! (torna a abra-lo)
JUCAEu...eu...
BENEVIDES
Outro mais! (abraa mais uma vez)
JUCA
(levanta-se e afasta-se, aparte) O homem loucoferis!
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BENEVIDES
Olhe, meu amigo, disponha de mim no quequiseres.
JUCA
Eu...eu... venho buscar a resposta da carta que
eu trouxe pro senhor A...A...Aberto.
BENEVIDES
Pr quem?!
JUCA
Senhor Al...Alberto.
BENEVIDES
Ah! Bem. Ele est l pro salo. Vamos l.
JUCA
No. L eu no v.
BENEVIDES
Por qu?
JUCA
Porque o criado me esmagaria.BENEVIDES
Quem sabe se a resposta est por aqui mesmo?
(vai mesa) Ora aqui est uma. (pega a carta que
De La Torre deixou sobre a mesa) Deve ser esta.
Veja se no . Leia. (Juca pega a carta, olha, vira-ade diversas maneiras) Tu no sabes ler, homem?
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JUCA
Eu num leio porque est escrito a tinta. Eu sei la lpis.
BENEVIDES
Tu no tens vergonha de no saber ler?
JUCA
Ento l voc, seu portugueis. (entrega a carta)
BENEVIDES
(pega a carta, olha, vira-a de diversas maneiras)
Eu no leio, compreendeu, porque eu s sei ler
em portugus.
JUCA
Pois brasileiro e portugueis a mesma coisa.
BENEVIDES
No no senhor!
JUCA
Por qu?
BENEVIDESPorque no Brasil o lero- lero diferente!
JUCA
Sai da, purtugueis, voc tambm num sabe l!
Mais num tem nada. Eu num saio daqui sem lev
a resposta do seu A...Aberto.
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CRIADO
Voc ainda aqui?... Vou chamar o Sr. De La Torre!BENEVIDES
A resposta deve estar por aqui mesmo, sabes.
(apanha a carta de Neli no cho) Olha aqui, outra
carta. Uma delas a resposta, mas para evitar
enganos, tu levars as duas.
JUCA
isso mesmo. (guarda-as)
BENEVIDES
Mas faa-me o favor. (vo para o meio da cena)
Vamos falar como dois homens srios. Como dois
homens de juzo. Tu achas que uma mulher pode
virar vela de sebo?
JUCA
, seu portugueis. Esse negcio t me enchendo
as medidas. Voc t pensando que eu s trxa?
BENEVIDESFaz o favor. Eu estou falando srio. Tu achas ...
JUCA
Olha aqui, portugueis, voc t maluco!...
BENEVIDES
Viu? Eu sabia que no fim tu acabarias tambmdizendo isso! (consigo) No resta dvida eu es-
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tou louco mesmo. Amanh embarco para Portu-
gal e vou internar-me num hospcio. (vai saindo)JUCA
(chamando) portugueis!
BENEVIDES
O que h?
JUCA
Eu vou estud o seu caso.
BENEVIDES
V estudar o raio que te parta! (sai. Entra De La
Torre e criado)
CRIADO
(apontando Juca) aquele ali.
TORRE
Que faz o senhor aqui?
JUCA
Vim busc a resposta da carta que eu troxe pro
seu Alberto.TORRE
Ponha esse sujeito para fora.
JUCA
Sujeito a tua av! (sai, empurrado pelo criado)
FRANCISCOE ento?
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TORRE
Senhor Benevides, no viu por acaso, duas car-tas naquela mesa?
BENEVIDES
O gago levou-as consigo. (fica pensativo, com a
cabea apoiada nas duas mos)
TORRE
(toca a campainha, passeia agitado, entra criado)
V procurar o gago, e tire-lhe duas cartas que
ele levou daqui.
CRIADO
E se for preciso usar de violncia?
TORRE
Faa o que quiser, contanto que traga as cartas.
CRIADO
(arregaando as mangas) Pois aquele gago vai
me pagar direitinho!... (sai)
FRANCISCO(baixo a Torre) Ser um desastre! Se Neli vir a
sua carta alterada e a que o senhor escreveu ao
meu av, nos poder perder.
TORRE
Bem, felizmente, a minha carta ainda no estassinada. (pausa) Mas no h perigo, o criado as
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trar. (entram Adlia e Alberto) Ora, o lindo par
por aqui, ao invs de ir danar?FRANCISCO
Os apaixonados preferem a solido.
ADLIA
Muito bem!... Por certo, o senhor j esteve apai-
xonado.
FRANCISCO
No. Eu li isso num livro.
ADLIA
Eu no gosto de frases feitas. Prefiro as que surgem
da prpria inteligncia, inspirada nessa fonte ines-
gotvel que o amor, e ditada pelo corao!
BENEVIDES
(levanta-se e vai at ela) Escuta, minha filha.
Aquela frase sua mesmo?
ADLIA
(cheia de si) Qual , papai?BENEVIDES
Aquela em que tu queres virar vela de sebo?
ADLIA
papai, o senhor est louco!
BENEVIDESIsto eu j sei, no preciso dizer. (sai)
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ALBERTO
Com licena. (sai) ADLIA
Os senhores no acham que o Alberto est mui-
to esquisito?
TORRE
muito natural que esteja! No dia de hoje!...
Sabes que ele incumbiu-me de pedir para ele a
sua mo?
ADLIA
(com espalhafato) No diga?! Mas como que
ele no me disse nada?
TORRE
O Alberto muito tmido.
ADLIA
Eu vou procurar o papai para dizer-lhe. Com
licena. (Sai correndo)
TORREVai tudo maravilhosamente bem! (entra criado,
em desalinho, cansado, com um leno amarrado
na cabea. Est ferido)
TORRE
Trouxe as cartas?
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CRIADO
No. Ao sair daqui avistei o gago ainda na esqui-na. Ele correu. Corri tambm. Ele entrou por uma
rua escura. Entrei tambm. Virou uma esquina.
FRANCISCO
J sei. Voc virou tambm.
CRIADO
No. No cheguei a virar. Recebi uma cacetada
e um soco no olho. O gago sumiu, e eu voltei.
FRANCISCO
Se Neli vier aqui e revelar tudo ao Alberto,
estamos perdidos.
TORRE
(ao criado) No deixe ningum entrar nesta casa.
E desligue todos os telefones.
CRIADO
Mas eu vou apanhar outra vez. (sai)
FRANCISCOO que faremos agora?
TORRE
(num riso cnico) Ora, o programa ainda no se
modificou. Alberto embarcar amanh para Por-tugal e nunca vir a saber. (entra a comparsaria)
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COMPARSA
(a Torre)Adlia disse-nos que passssemos paraesta sala a fim de conhecermos a grande
novidade do dia.
COMPARSA
O que ser?
TORRE
Dentro em pouco a conhecero.
ADLIA
(entrando com Benevides) Onde est o Alberto?
TORRE
Pediu-me que apresentasse a todos as suas des-
culpas pela sua ausncia. Est com forte dor de
cabea. Est no gabinete.
ADLIA
Oh! Papai!... V busc-lo. Quando estou longe
de Albertinho, eu fico to sem graa!...
BENEVIDES. E quando ests perto, quem fica sem graa
ele... ( sai )
ADLIA
Senhor De La Torre, interessante o Albertinho.
Ele conversa pouco e deixa-me falar vontade.
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