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Correriasluso-americanas no Pas das Amazonas:
Projetos reformistas e conexes transfronteirias (1772-1777).
ADILSON J. I. BRITO
Introduo:
As Monarquias portuguesa e espanhola adentraram a dcada de 1770 com grande
incerteza em relao ao futuro imediato de suas soberanias imperiais na Amrica. Essa
sensao de instabilidade se justificava por dois importantes motivos: a reduo da soberania
britnica sobre os seus domnios da Amrica do Norte, com o processo de independncia dastreze colnias que compunham a Nova Inglaterra, e os perigos da decorrentes; e a conjuntura
explosiva na fronteira luso-espanhola do Rio da Prata, com a escalada da guerra ibero-
americana pelo controle da regio, a partir a ocupao espanhola da Capitania de Santa
Catarina em 1776. As duas conjunturas polticas foram fortemente interpretadas como
potencialmente desagregadoras das soberanias luso-espanholas na Amrica, a partir da qual se
fazia misterproteger os territrios e as populaes que integravam as partes americanas dos
Imprios ibricos.A disposio para a disputa por espaos ultramarinos americanos entre as instncias
polticas e militares luso-espanholas atingiram, nesse contexto, uma amplitude imperial, pela
qual as Monarquias procuraram fortalecer os seus posicionamentos polticos e ampliar suas
possibilidades econmicas. As estratgias de manuteno dos limites pluricontinentais das
duas Coroas tiveram que ser minuciosamente planejadas por causa da conjuntura
internacional francamente desfavorvel do ponto de vista do posicionamento da Pennsula
Ibrica no concerto dos poderes imperiais europeus, marcado pelas hostilidades
mundializadas entre a Gr-Bretanha e a Frana no cenrio internacional, ainda sob a
influncia da mal resolvida Guerra dos Sete Anos (1756-1763) (GODECHOT, 1976; VOSS,
2002: 1-16).
A amplitude desses choques blicos luso-espanhis nesse momento passou a abranger
outros espaos ultramarinos pouco inseridos nas dinmicas de suas polticas imperiais, que
passaram a figurar com no somenos importncia na afirmao das soberanias ibricas na
Amrica, como foi o caso dos domnios do amplo espao sem delimitao contguo ao rio
Doutorando em Histria Social pela Universidade de So Paulo; Professor Efetivo da Universidade Federal doParCampus Universitrio de Bragana; Lder do Grupo de Estudos de FronteiraGEF/CNPq.
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Amazonas, comumente denominado na cartografia da poca como Pas das Amazonas. A
ecloso da guerra no eixo platino serviu para que as autoridades ministeriais das Cortes deLisboa e Madri iniciassem um planejamento mais amplo de seus projetos americanos, que
acabaram inserindo a regio do extremo norte do continente sul-americano como um dos
meios de equivalncia e complementaridade em caso de capitulao de um ou outro lado da
contenda no Rio da Prata, incluindo-se as possveis compensaes britnicas sobre a perda
das colnias na Amrica do Norte, que poderiam atingir as conquistas ibricas em seus
quadrantes imperiais.
A partir dessa conjuntura entendida como amplamente frgil para as Monarquiasibricas do ponto de vista nos negcios externos que procuraremos problematizar os
projetos polticos e econmicos construdos pelas referidas Cortes em direo aos seus
domnios no extremo norte da Amrica Equatorial. Particularmente nesse perodo, possvel
compreendermos importantes elementos da presena ibero-americana nos limites extremos do
rio Amazonas, a partir da viso imperial com a qual as autoridades dos dois lados da fronteira
procuravam afirmar as soberanias de seus monarcas na Amrica, sobretudo com a
implementao de amplas reformas polticas e administrativas pensadas para tornarem mais
pragmticas e eficientes suas estruturas imperiais de dominao colonial.
Por outro lado, esse tipo de enfoque expe a necessidade de melhor conhecermos as
dinmicas polticas, administrativas e militares das Monarquias de Portugal e Espanha a partir
de seus projetos transimperiais concebidos estrategicamente a partir de uma lgica de
expanso intra-americana em regies fronteirias perifricas de seus Imprios. Essas mltiplas
interconexes estavam fundamentalmente relacionadas aos planejamentos voltados para os
espaos martimos do Mar do Caribe e dos oceanos Pacfico e Atlntico, mas tambm
mantinham uma especificidade intrarregional e transfronteiria importante, com dinmicas
locais complexas e relativamente integradas, que a historiografia atualmente comea a
desenvolver, sobretudo em se falando do vasto espao sob influncia do rio Amazonas
(SAFIER, 2008; CARDOSO, 2012; CARVALHO, 2012; BASTOS, 2013; GMEZ
GONZLEZ, 2014).
Por sobre um espao difuso, impreciso e muitas vezes ambguo nos testemunhos, cujas
fronteiras eram mais imaginadas que conhecidas por conta do insucesso das demarcaes
estipuladas no Tratado de Madri em 1750, portugueses e espanhis procuraram assegurar as
conquistas de suas Monarquias imperiais em tempos difceis, nos quais os Imprios
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comeavam a vivenciar uma crise de desintegrao (ARMITAGE, 2012). Desse modo,
ficava claro para as Cortes portuguesa e espanhola que a sobrevivncia de suas soberaniasimperiais dependia quase que integralmente do sistema de alianas que cada uma das
monarquias teria que estabelecer para sua prpria sobrevivncia no jogo dos poderes
imperiais em questo, j que estavam relativamente conscientes da supremacia econmica e
militar da Frana e da Gr-Bretanha no mundo da poca.
Entre a iminncia da guerra e os reformismos ibero-americanos:
No incio de 1777, uma intensa troca de correspondncias entre a Corte de Madri e asinstncias hispano-americanas do Imprio parecia conduzir as relaes diplomticas com a
Corte de Lisboa ao limite da tolerncia. O Secretrio de Estado do Conselho das ndias, Jos
de Galvz, chamava a ateno para a vasta regio da Provncia de Guayana na Capitania
General da Venezuela, na qual, segundo informaes do comandante local, estariam
acontecendo diversos "insultos" e correriascometidos pelos portugueses em todo o ano de
1777, que adentravam com grande facilidade na regio da lagoa Parim e na boca do rio Mao,
a qual seria teoricamente terras espanholas.
O mesmo contedo fora tambm enviado por Galvz ao Presidente da Real Audincia
de Quito, D. Jos Diguja, sobre a ocupao considerada acintosa dos portugueses nas margens
do rio Putumayo (afluente hispnico do rio Maraon, ou Amazonas para os portugueses),
asseverando que "no perdone V. E. medio, ni providencia a contenerlos y escarmentarlos
hasta reducirlos a sus antiguos lmites y tomar venganza"1. A contrapartida espanhola a ser
tomada contra esses insultos portugueses estava integrada s disputas dos dois imprios na
fronteira do Rio da Prata, dado que, na continuidade dos mesmos documentos enviados ao
comandante de Guayana, insistia-se que "D. Pedro Cevallos se le tiene prevenido tomar
venganza de estos insultos sobre los Portugueses del Brasil, y que se cree, que con la actual
mutacin de la corte de Lisboa, se mude su conducta"2.
O perigo de um conflito entre as Coroas ibricas nos dois lados do Atlntico passou a
ser severamente acompanhado pelos servios diplomticos franceses e britnicos nas Cortes
de D. Jos I e Carlos III. A possvel contenda entre os governos de Lisboa e Madri poderia
1Ofcio do Secretrio de Estado do Conselho de ndias, Jos de Galvez, ao Presidente da Audincia de Quito, D.
Jos Diguja, datado em 13/02/1777. Archivo Anexo: Fondo Lmites. Fl. 102. Archivo General de la Nacin -Colombia (AGNC).2Ofcio do Ministro de ndias Jos de Galvez, datado em 18/03/1777. Archivo Anexo: Fondo Lmites. Fl. 101f.AGNC.
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aprofundar ainda mais a difcil conjuntura de guerra travada a partir da Amrica do Norte, que
reavivara o Pacto da Famlia entre as dinastias dos Bourbons franceses e espanhis, o quetornava possvel a desagregao geral dos imprios em decorrncia da deflagrao de outra
guerra mundial, seguida, consequentemente, do caos considerado inevitvel em caso da
detonao de outra guerra geral de independncia ainda pior nos domnios ibero-americanos.
Tanto os ministros da Corte britnica de Jorge III quanto os da Corte francesa de Luis XVI
procuraram aconselhar os plenipotencirios ibricos a buscar a via pacfica para as suas
diferenas, argumentos esse utilizados principalmente para os espanhis que eram os mais
exaltados defensores de uma sada belicosa, com vistas voltadas para a reanexao do Imprioportugus na retomada do pujante Imprio Espanhol dos tempos da Unio Ibrica (1580-
1640) (RIBEIRO, 1997: 295).
De fato, o cerne de um plausvel conflito entre Portugal e Espanha estava mesmo
centrado no estratgico espao do Rio da Prata, onde os dirigentes portugueses e espanhis
iniciaram seus processos de maior interveno administrativa, fiscal e militar. A criao do
novo Vice-Reino do Rio da Prata, pela Corte de Madri, redirecionou a imaginao do espao
platino, antes muito perifrico economicamente, para a criao de um emprio terrestre e
martimo da rica e cobiada rota da prata do Alto Peru, a tornar mais curta e menos
dispendiosa a trasladao das cargas de metais preciosos que antes eram escoados para a
Europa pelos portos de Lima e do Panam no oceano Pacfico, que a partir de ento passariam
a ser transportados da nova capital vicerreinal de Buenos Aires (FONTANA LZARO;
DELGADO RIBAS, 1999: 17-31).
Do lado portugus, a dinmica econmica da regio platina montada sobre a criao e
o comrcio do gado e de suas carnes e couros, somadas s possibilidades de insero na rota
da prata de Potos no Alto Peru, fez com que o Estado portugus tambm empreendesse uma
poltica de ocupao mais efetiva sobre a margem esquerda do Prata, na qual se destacava o
principal ncleo de povoamento portugus, a Colnia do Sacramento. As institucionalizaes
da Junta de Comrcio (1755) e do Errio Rgio (1761) tiveram por meta racionalizar a
organizao e a fiscalizao sobre as variadas prticas comerciais em toda a Amrica
portuguesa e eliminar os descaminhos e contrabandos de suas variadas capitanias. A
concentrao de atribuies deste ltimo rgo imperial foi complementada com a criao de
Juntas da Fazenda em todas as Capitanias-Gerais e Subordinadas que substituiu as funes
dos provedores, tesoureiros e almoxarifes de antes, que eram mantidas sob o controle das
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autoridades locais dos capites-generais e das cmaras municipais. Essas novas instituies
rgias passaram a funcionar efetivamente no sul da Amrica Meridional a partir da criao daCapitania subordinada do Rio Grande de So Pedro em 1760 (FALCON, 2000: 151-168; .
SILVA, 1987: 244-272).3
Esses impulsos reformadores dos Imprios ibricos sobre os seus domnios
fronteirios americanos tambm foram estendidos para a vasta e pouco ocupada regio do rio
Amazonas, localizada no extremo norte do continente. Considerada uma rea de indefinio
territorial por causa da inviabilidade no cumprimento das demarcaes do Tratado de Madri
(1750), anuladas pelo Tratado deEl Pardo(1761), a regio do Amazonas comeou a receberuma srie de mudanas administrativas no inicio da dcada de 1770.
Do lado espanhol, figuraram a criao da Governana de Maynas (1772), da
Intendncia de Caracas (1776) e da Capitania Geral da Venezuela (1777), que agregaram o
vasto territrio constitudo pelas provncias de Cuman, Maracaibo, Trinidad, Margarita e
Guayana, na qual esta ltima se estendia at a fronteira com os domnios portugueses. A
motivao central dessa mudana estava em reforar a unidade de uma vasta rea que ainda
mantinha-se precariamente dependente de autoridades distantes - que estavam em Quito,
Lima e Bogot -, que agora deveriam passar para a subordinao de autoridades polticas,
administrativas, militares e judiciais localizadas na regio, sobretudo em Loreto, Pebas e San
Joaqun de Omguas, na Provncia de Maynas, e em Angostura e San Fernando de Atabapo,
na Provncia de Guayana (GONZLEZ OROPEZA; DONS ROS,1989: 119-122; LPEZ
BOHRQUEZ, 2009: 59-65).
Do lado portugus, as reformas incidiram sobre essa mesma regio primeiramente a
partir da instituio do Estado do Gro-Par e Maranho (1751), unidade autnoma e
desvinculada do Estado do Brasil, cuja sede do governo foi transferida da cidade de So Lus
para Santa Maria de Belm do Gro-Par. A criao dessa nova unidade administrativa
demonstra a centralidade que a regio fronteiria adquiriu com a continuidade da poltica de
expanso do Imprio portugus mais para o oeste do rio Amazonas, atravs das infiltraes
pelos rios Negro, Branco, Madeira, Tapajs, Xingu e Tocantins (REIS,1993; TORRES,2003:
185-216).
3 A Capitania de Rio Grande de So Pedro possua o estatuto de subordinada Capitania Geral do Rio de
Janeiro, que acumulou tambm a funo de sede do Vice-Reino do Brasil a partir de 1763, com a crise daeconomia mineradora. Tinham o mesmo estatuto de subordinao as Capitanias do Esprito Santo e SantaCatarina, o que demonstra o carter de centralidade da reforma administrativa promovida pelo Marqus dePombal a partir da criao do Vice-Reinado do Brasil.
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Nova mudana poltico-administrativa, militar e fiscal foi realizada em 1772 com a
com a diviso do Estado do Gro-Par e Maranho em duas partes: o Estado do Gro-Par eRio Negro, composto pelas duas capitanias de mesmo nome, e o Estado do Maranho e Piau
(BAENA, 1969: 190)4. A ocupao dos territrios cada vez mais prximos das raias
fronteirias espanholas adquiriu uma importncia fundamental para o Imprio portugus nas
ltimas trs dcadas dos setecentos, voltadas que eram para o fortalecimento da soberania
monrquica sobre esses vastos territrios, alm da abertura de novos canais comerciais que
pudessem gerar maior volume de riqueza.
necessrio ressaltar que as reformas administrativas impulsionadas pelas Cortes deD. Jos I e Carlos III, longe de ser uma questo isolada e perifrica nos quadros das relaes
interimperiais europeia da segunda metade do sculo XVIII, estavam circunscritas ao
fortalecimento das soberanias imperiais ibricas em espaos centrais e perifricos de seus
Imprios. Por outro lado, as mudanas na gesto das zonas territoriais dos rios da Prata e
Amazonas, de parte a parte, se davam sob um forte clima de beligerncia diretamente ligado
ao contexto mais amplo de acirramento das rivalidades imperiais europeias decorrentes do
processo de independncia das treze colnias inglesas da Amrica do Norte, que ameaava as
soberanias luso-espanholas na Europa e no eixo atlntico com o possvel perigo de expanso
dos britnicos e franceses sobre os territrios luso-espanhis na Sulamrica (ADELMAN,
2006: 102).
Correriasnas fronteiras do rio Maraon:
As reformas administrativas realizadas pela Corte de Madri para as possesses
ultramarinas dos rios Maraon, Napo, Caquet e Putumayo tinham uma forte natureza de
contenodos avanos territoriais portugueses na fronteira. Durante toda a dcada de 1770, as
possesses espanholas continuaram sofrendo com a inexistncia de tropas regulares para o
guarnecimento da larga faixa limtrofe com as conquistas de Portugal. Dessa realidade nos d
notcia o presidente da Real Audincia de Quito D. Jos Diguja em 1772, em cumprimento
real cdula de Santo Ildefonso que instituiu o Governo de Maynas, criado justamente para
fazer frente s essas penetraes transimperiais. Em primeiro plano, Diguja procura
4A reforma administrativa que resultou na instituio do Estado do Gro-Par e Rio Negro foi realizada peloReal Decreto de 20 de Agosto de 1772.
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demonstrar que a situao passou a fugir completamente do controle depois da expulso dos
jesutas do territrio imperial espanhol, em 1767, quando:
(...) se desmont por los Portugueses cierto territorio la Rivera del Norte del Maraon,
inmediato al Pueblo de Loreto, el que nominaron Tabatinga, y se situaron en el,
adelantando para el efecto un Destacamento de seis hombres, que tenan en la
Poblacin llamada Yaguar las riveras del Norte del msmo Maraon: Que en el ao
de setenta y tres pas por Comandante de Tabatinga Diego Luis Ravello con mayor
refuerzo de Tropa, Municiones de Guerra, Maestranza de Carpintera, Herrera, y otros
Artifices, con los que toda diligencia comenz fortificar el Puerto, edificar Casas,
Quartel y Almacenes5.
No relato feito corte de Madri pelo Presidente de Quito no havia dvidas de que o
projeto lusitano de ocupao das misses de Maynas com a fundao de povoaes no
extremo do rio Solimes e Javari era ambicioso e colocaria em risco a soberania espanhola
sobre os complexos naturais e humanos de toda aquela vasta e desamparada regio. Nesse
sentido, informava que:
(...) el fin de los Portugueses es sin duda apoderarse de la navegacin de el todo del
Mar aon, para lo que procurasen ir ganando las Bocas de los caudalosos Rios que
desembocan en l, fortificarse en ellas, como lo han verificado en los Rios Negro, y
Putumayo, y toda diligencia intentan tomar el Napo, insultando nuestras Misiones, con
el designio de que se vayan retirando, como lo han executado desde las bocas del
Putumayo, donde antes estuvieron situadas, el parage donde hoy se halla la de Loreto,
y Pebas, y en el desocupado terreno han establecido los Portugueses sus Misiones de San
Pablo las riveras del Norte y Sur del Maraon, y la nueva Tabatinga, que oy hace
frontera6
. (friso nosso)
O avano lusitano, no entanto, no parava nas terras prximas fronteira espanhola
circundante da povoao e da fortaleza de Tabatinga. A penetrao portuguesa era percebida
como muito mais ampla e sistemtica, o que impunha srias questes soberania hispnica
tambm para os espaos terrestres e fluviais dos afluentes do Maraon, descendo at as terras
confinantes com o Vice-Reino do Peru. No informe de Jos de Diguja:
5 Carta de D. Jos Diguja, Presidente da Audincia de Quito, para a corte de Madri, datado em Quito,19/07/1773. Legacin del Per. Expediente sobre el cumplimiento de la Real Cdula dada en San Ildefonso, a 2de septiembre de 1772. (GOULARD, 2011: 3).6Ibidem, p. 4.
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Manifiesta tambin la navegacin que hacen los Portugueses desde el Par, las Bocasde los Rios La Madera, Toromaz, desemboque del Rio Negro, y ste la Frontera de los
Espaoles; la que hacen hasta las Bocas del Putumayo, sus Misiones de San Pablo, y
poblacin de Tabatinga Frontera a los Espaoles: Y aunque dicho Mapa no est lo mas
exacto, especialmente el giso del Orinoco, y comunicacin de ste, y l Maraon, por
medio del Rio Negro, por haverse estampado antes del reconocimiento que se ha hecho
de dicho Rio Negro, da sin embargo bastante idea de la comunicacin de dichos Rios
Orinoco, y Maraon, por el Negro: Del Caquet, Yupur, desconocido, y sin
comunicacin con el Orinoco, aunque la manifiesta el dicho Mapa: De el Putumayo,
conocido desde la Provincia de Pasto, pero no la comunicacin que manifiesta conCaquet, que entra en el Orinoco. En todo lo demas conocido est bastante exacto, y en
lo por conocer se cree est en la mayor parte por congetura7.
A cobertura espacial que alcanavam as expedies de povoao lusitanas nos
territrios espanhis, cujo alcance atingia a marca das centenas de lguas contguas s
fronteiras entre os dois imprios, fazia com que o Presidente de Quito imaginasse a existncia
de uma ligao entre os variados rios transimperiais que singravam as fronteiras. Esta
imaginao geogrfica traava ligaes naturais (caos) entre as rotas fluviais sem o devidoconhecimento emprico, com seus pontos de preciso territorial e medio matemtica e fsica
das distncias a serem percorridas, prprios das reformas bourbnicas projetadas para outras
paragens do Imprio, como a Nova Espanha e o Rio da Prata (HARLEY, 2005).
No relato que as autoridades espanholas faziam sobre o estado dos limites de suas
possesses fronteirias com as terras de Portugal, as entradas dos portugueses teriam se
intensificado a partir de 1770, ficando concentradas inicialmente no espao superior dos rios
Negro e Branco, na faixa leste-oeste altura da Lagoa Parime, regio do baixo Orinoco.
Nessa rea fronteiria tambm com os territrios holandeses e franceses, estaria se dando uma
grande "corrida" de todos esses invasores entre as populaes indgenas da nao Caribe (ou
Caripuna para os portugueses), que concorriam pela sua mo de obra e pelos recursos naturais
da regio. Justamente no momento em que os imprios acirraram suas polticas diplomticas
em funo da iminncia de um conflito de grandes propores no continente europeu, essa
corrida por territrios, riquezas e mo de obra acabou colocando em risco a soberania
7 Carta de D. Jos Diguja, Presidente da Audincia de Quito, para a corte de Madri, datado em Quito,19/07/1773. Legacin del Per. Expediente sobre el cumplimiento de la Real Cdula dada en San Ildefonso, a 2de septiembre de 1772. (GOULARD, 2011: 6-7).
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espanhola sobre uma linha de fronteira ainda no demarcada e, o que era mais dramtica,
sequer conhecida com alguma clareza. D. Manuel Centurin, governador de Guayana,produziu um retrato desanimador da situao espanhola no que ainda eram fronteiras do Vice-
Reino do Novo Reino de Granada, no qual destacava:
Para o descubrimiento de la famosa Laguna Parime tengo despachado a un tiempo por
la Paragua, y por el Caura Exploradores Espaoles animosos conducidos de algunos
Indios prcticos de mucha devocin y espero las resultas de estas diligencias para
participar V. E. individualmente lo que se descubra, pues tengo entendido que en las
Islas y mrgenes de aquel inmenso Lago se hallan establecidos, con los naturales deellos, innumerables Indios que huyendo de los Espaoles, Portugueses, Franceses y
Olandeses que circundan este gran Pas, se retiraron al centro, dejando quasi desierta
toda su circunferencia8.
Embora a posio do imprio espanhol na constelao das naes europeias nesse
momento fosse de relativa estabilidade, garantida pelo "Pacto da Famlia" (1761) com a casa
Bourbon de Frana, que afianava a poltica de neutralidade na poltica externa, o relato de
Centurin nos coloca frente a uma questo que parecia razoavelmente clara para oscontemporneos administradores hispano-americanos, o de que os tratados diplomticos e as
polticas projetadas nas cortes do velho continente tinham uma incidncia relativa no quadro
dos domnios atlnticos.
A manuteno da soberania espanhola sobre suas zonas territoriais de alm-Atlntico,
nesse sentido, tinham que decorrer em grande medida de iniciativas prprias, singularizadas
circunstancialmente e ambientadas s potencialidades e necessidades dos espaos fronteirios
em questo. E naquelas circunstncias especficas, o governador teve que lidar com o
aumento da concorrncia estrangeira pelas terras, guas, recursos e trabalhadores nativos,
sobre a qual era necessria realizar uma mudana geral do ordenamento administrativo a
partir do planejamento urgente de uma poltica de defesa do territrio (HARO CUESTA,
2002: 146-147).
Nesse sentido, a retomada da soberania espanhola sobre os espaos que teoricamente
seriam seus de direito passaria pelas estratgias traadas in locopelas autoridades hispano-
americanas, que poderiam melhor mesurar o impacto da ocupao estrangeira e fazer-lhe
8 Carta do Governador da Provncia de Guayana D. Manuel Centurin para o Vice-Rei do Novo Reino deGranada D. Pedro Mesa de la Cerda, datada em Guayana, 03/11/1770. Archivo Anexo: Asuntos Importantes.Rollo I, Fl. 232f. AGNC.
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frente com o que dispunham. Seguindo a mesma lgica, e j antevendo parte do que se
entendia ser a soluo mais eficaz para o problema do avano estrangeiro sobre as possessesespanholas, D. Manuel Centurin vaticinava que:
(...) Y creo que que ocupada por los Espaoles una de las Islas de la encantada Laguna
[Parime] con un razonable destacamento lograremos a un tiempo las ventajas de quitar
a los Olandeses, y Carives adictos, la continua saca de Poyto [escravos] que hacen de lo
interior de esta Provincia por los Ros Apanoni, [sic], Maseroni, y otros muchos que
vierten el en Esquivo, y Facilitan la navegacin a los extrangeros por el Parime las
Cavezeras del Orinoco, Caura, Paragua, y otros. Aremos la entrada para el progreso de
nuestras misiones antes que los extrangeros se apoderen deste pais, e nos lo despueblen
con la continua extraccin de Indios que esclavizan para l incremento de la agricultura
de sus Colonias por medio del cruel infame comrcio [de los] Poitos con los Carives:
contendremos dentro de sus lmites a los olandeses de Esquivo, Bervz, y Surinam, [a los]
Franceses de la Cayena, y Portugueses de Amazonas estando a la [sic] para
embarazarles las usurpaciones que hacen constantes en estos nuestros Dominios sin que
aora las podamos evitar9.
Poucas eram as atividades espanholas nessa extenso que justificasse o arrefecimento
do avano territorial de portugueses e holandeses. A soberania espanhola estava muito
dependente das atividades evangelizadoras dos missionrios catales, que fundaram alguns
poucos povoados indgenas de Caribes e Guaicas. Totalizavam-se, nas contas do governador
Centurin, enviadas ao diretor da colnia holandesa de Esequibo, Lorenzo Storm von
Gravesand, cerca de 50 povoaes no amplo espao situado entre os rios Cuyuni e Maseroni,
de cujos limites fugiam com frequncia levas de indgenas para as terras contguas aos rios
Esequibo, Mao, Apanoni e Putaza, h 50 lguas da regio do Baixo Orinoco, onde os Caribes
negociavam escravos de outras pequenas naes ndias com agentes holandeses da
Companhia das ndias Ocidentais10.
As polticas imperiais espanholas direcionadas para o sistema de defesa das provncias
de Maynas e Guayana tiveram alcance bastante limitado. As iniciativas tomadas pelos
governadores das duas novas unidades fronteirias com os domnios portugueses, holandeses
9 Carta do Governador da Provncia de Guayana D. Manuel Centurin para o Vice-Rei do Novo Reino deGranada D. Pedro Mesa de la Cerda, datada em Guayana, 03/11/1770. Archivo Anexo: Asuntos Importantes.
Rolo I, Fls. 231f-232v. AGNC.10Noticia sobre los lmites de la Guayana adquiridos en los Archivos de Espaa por el Sor. Rafael M. Baralt,comisionado en efecto por el gobierno de Venezuela. Documentao Joaquim Nabuco: Srie Espanhola. ArchivoGeneral de Indias. Tomo 2: Fls. 12v-16v. Arquivo Histrico do Itamaraty (AHI).
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e franceses pouco incidiram sobre as constantes internaes estrangeiras, cujo controle era o
que realmente se colocava como o mais urgente para a manuteno da soberania de SuaMajestade Catlica nos longnquos territrios do norte meridional americano. A execuo do
plano de difuso de companhias militares ao longo das fronteiras esbarrou na falta de auxlios
por parte da corte de Madri, que no enviava numerrio suficiente para a construo de praas
fortificadas, para o aprovisionamento e municiamento dos soldados para guarnecer os pontos
estratgicos, o que deixava as autoridades hispano-americanas de braos cruzados diante da
necessidade premente de proteger as fronteiras.
O plano de contrabando transimperial portugus:
As desconfianas espanholas embasadas em vastas informaes passadas pelas
integrantes das misses de Maynas e da Guayana tinham um lastro de veracidade quanto aos
planos de ocupao dos inimigos portugueses nos confins de suas conquistas da bacia do
Amazonas. A partir da dcada de 1770, quando ainda reinava o monarca D. Jos I e seu
ministro plenipotencirio Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus de Pombal, o
imprio portugus estava em pleno processo de reformas iniciadas em 1755, que tinham por
objetivo a regenerao do imprio atravs de um amplo e variado leque de medidas
racionalizadoras que, se por um lado foram introduzidas para recolocar Portugal na
constelao das grandes potncias mundiais, por outro concentraram-se no estreitamento das
relaes entre a sede da monarquia e suas partes constituintes.
A ocupao dos territrios cada vez mais prximos das raias fronteirias espanholas
adquiriu uma importncia fundamental para o Imprio portugus nas ltimas trs dcadas dos
setecentos. Essa estratgia no visava somente a corrida pela incorporao de espaos ao
imprio segundo o princpio jurdico do utis possidetis juris, estabelecido pelo Tratado de
Madri, mas o fortalecimento da soberania portuguesa sobre esses vastos territrios, alm da
abertura de novos canais comerciais que pudessem gerar maior volume de riqueza para todo o
imprio. As permanentes presses diplomticas sofridas pela corte de Lisboa na conjuntura
internacional marcada por sucessivas guerras europeias - que influenciavam diretamente as
relaes com a corte de Madri atadas ao sempre presente perigo de reunio das duas
monarquias sob o cetro e a coroa vizinha - e a situao potencialmente explosiva na regio do
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Rio da Prata, influenciaram decisivamente os principais dirigentes imperiais a desenvolver um
plano mais consistente de expanso por terras e rios, com o intuito de aumentar a riqueza doimprio a partir das possesses situadas nas margens do rio Amazonas e seus afluentes mais
direcionados para os limites com os domnios de Espanha: os rios Negro, Branco, Amazonas
e Madeira.
Em busca dessa nova projeo imperial foi gestada em Lisboa um amplo e ambicioso
plano de comrcio cujas notcias foram inicialmente mantidas em carter sigiloso, para que
somente um restrito crculo de burocratas pudesse pens-lo para o desenvolvimento imperial.
O grupo gestor do plano fora integrado em Lisboa por membros da alta cpula do impriolusitano, comeando pelo Secretrio de Estado e Negcios do Reino e principal ministro do
rei, o Marques de Pombal, pelo Secretrio de Estado da Marinha e Negcios Ultramarinos
Martinho de Melo e Castro, pelo Ministro de Estado Jos Seabra da Silva e por quatro
membros da Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho. Ainda na capital do Imprio,
se juntou s reunies de planejamento do referido plano de comrcio, que se davam na casa
do Marqus de Pombal, o ex-governador da Capitania do Piau Joo Pereira Caldas, que
acabara de ser nomeado para integrar o governo do Estado do Gro-Par e Maranho em
setembro de 1772.
Tudo o que sabemos sobre o plano de comrcio gestado em Lisboa est contido no
documento que foi passado ao governador do Par com o nome de Instruco Secretissima,
com a qual Sua Magestade manda passar Capital de Belm do Gro-Par o Governador
Joo Pereira Caldas, datado em 2 de setembro de 1772. No ncleo desse documento estava o
"o circunspecto Estabelecimento de um dos mais importantes Negcios, que actualmente
constituem o Interesse da minha Coroa"11. Alm do grupo reunido em Lisboa, mais nenhum
outro indivduo poderia ter conhecimento total do contedo do plano, mas caberia Pereira
Caldas somente informar as partes de sua execuo que caberia s outras diferentes
autoridades envolvidas, como os comandantes militares dos fortes de fronteira com as
possesses espanholas e o governador e capito-general do Mato Grosso Luis de Albuquerque
Melo Pereira e Cceres. Pelo seu carter de segredo de Estado, o plano de comrcio contido
na "Instruo Secretssima" ficou por muito tempo mantido no esquecimento pela
11 Instruco Secretissima, com a qual Sua Megestade manda passar Capital de Belm do Gro-Par oGovernador Joo Pereira Caldas, Fl. 1f, datado no Palcio de Nossa Senhora da Ajuda, em 02/09/1772. Cdice596, Volume 1: Registro de Cartas Rgias, regimentos, ordens e ofcios aos governadores e mais autoridades doGro-Par, Maranho e Mato Grosso (1772-1790). Arquivo Histrico Ultramarino (AHU).
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historiografia, tendo vindo lume somente muito recentemente (CARREIRA, 1988: 91-96;
SANTOS, 2007: 85-141;
SANTOS, 2010: 499-521).O projeto consistia em fomentar a atuao da Companhia de Comrcio do Gro-Par e
Maranho, fundada em 1755 inicialmente para viabilizar o comrcio imperial portugus no
tringulo de suas partes na Europa, frica e Amrica, introduzindo grande nmero de
escravos africanos e gerando crditos para o desenvolvimento da agricultura e do comrcio no
Estado do Gro-Par e Maranho (CARREIRA, 1988: 49-90). Seria necessrio utilizar o
grande capital da Companhia para facilitar a ampliao do comrcio lusitano atravs da
insero da capitania do Mato Grosso a outros pontos do Estado do Brasil, e ainda introduziros produtos comerciais luso-americanos nas provncias espanholas do Orinoco, de Quito e do
Peru, nos moldes realizados na Colnia do Sacramento, na fronteira do rio da Prata. Esses
moldes seriam os do comrcio irregular atravs das fronteiras, conhecido como contrabando,
j que tinham por meta burlar a fiscalidade hispano-americana12.
Para o xito de uma empreitada to ambiciosa economicamente quanto vasta
espacialmente, o plano delimitava uma rota por onde deveria passar todas as embarcaes
comerciais, composta por 7 pontos mercantis integrados, que deveriam partir da capital do
Estado do Gro-Par, Belm, seguir para a Vila de Barcelos e capital da nova capitania
subordinada de So Jos do Rio Negro; passando pela Vila de So Jos do Javari; pela
primeira povoao do rio Madeira, a Vila de Borba, a Nova; outra h vintes dias desta ltima
na Ilha dos Muras; da para Vila Bela, capital do Mato Grosso at chegar Vila de Cuiab 13.
Na "segunda instruco", enviadas a Joo Pereira Caldas em 2 de outubro, essa rota seria
intercalada por 4 feitorias a serem instaladas respectivamente em Barcelos, na vila nova de S.
Jos do Javari, na vila de Borba Nova e a ltima h vintes dias de Borba Nova em direo
Ilhas dos ndios Muras, ainda sem nomenclatura definida14.
Todos os investimentos seriam feitos pela Companhia de Comrcio do Gro-Par e
Maranho, que passou a administrar todos os negcios referentes montagem do plano de
comrcio transimperial na povoao de Tabatinga a partir de 1774, onde foram construdos
uma casa e um armazm com teto de telhas, para "tramar negocios mais imediatamente com
12Ibidem, Fl. 1v.13ibidem, Fl. 4.14Instruco que Sua Magestade manda passar Capitania do Gro-Par e Maranho o Governador, e CapitoGeneral Joo Pereira Caldas, datada em 02/10/1772. Cdice 596, Volume 1: Registro de Cartas Rgias,regimentos, ordens e ofcios aos governadores e mais autoridades do Gro-Par, Maranho e Mato Grosso(1772-1790), Fls. 7v-8f. AHU.
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os habitantes d'aquelas partes, e com os Hespanhoes" (BAENA, 1969: 192). Os dividendos do
empreendimento seriam auferidos com o desenvolvimento do comrcio de fazendas secas,gneros molhados e remdios com as possesses espanholas, e com os lucros das rotas do
comrcio interno, j que o plano tambm projetava o abastecimento das vilas e povoaes
mais ao sul de Cuiab, no que seriam os limites da Capitania de So Paulo. A funcionalidade
econmica principal da rota mercantil imaginada pelos elaboradores do plano era criar um
caminho alternativo para os produtos portugueses penetrarem nas vastas terras contguas aos
principais rios do Mato Grosso, o Madeira e o Guapor, e a partir da fazer a entrada nas
possesses espanholas de Moxos e Chiquitos, que tinham dependiam das ligaes comerciaiscom o Peru a partir de Santa Cruz de la Sierra (CARVALHO, 2011: 596-597).
Para o norte da Capitania do Rio Negro, apesar das pouqussimas informaes
disponveis quanto s instrues enviadas Pereira Caldas, os portugueses parecem ter
projetado a construo de sete feitorias ao longo dos rios Negro, Madeira e Apure, este ltimo
situado na Guayana espanhola. Esses sete pontos fortificados, descritos em pormenores nos
dcimo oitavo e dcimo nono pargrafos do "Plano Geral" penetrariam nos domnios
praticamente desguarnecidos da Guayana para abastecer as povoaes missioneiras comdiversos produtos de primeira necessidade, como farinha, ch, aletria, vinhos, vinagres, azeite,
panos finos, tafets e baetas. Os portugueses supunham que a rota do Plano de Comrcio seria
bem mais curta do que a que vinha do Panam ou Caracas, e de l para Guayana15.
Como muito bem tinha sido identificado pelos espanhis de Maynas e da Guayana, as
"correrias" portuguesas concentravam-se sobretudo na escravizao de ndios dos diversos
ncleos missionrios dos rios de fronteira, levando-os para as suas vilas e fazendas para l
incrementarem a agricultura e a extrao de gneros da floresta. Nas instrues enviadas ao
governador Joo Pereira Caldas em 2 de outubro de 1772 foi ressaltada a importncia da
integrao indgena no projeto de ocupao do rio Amazonas e seus principais afluentes
atravs do Diretrio do ndios do Par e Maranho, depois da expulso dos Jesutas de todo o
imprio portugus em 1759. No pargrafo nono, ressaltada a importncia dos nativos da
terra no melhoramento do comrcio da capitania:
Estabelece as Entradas no Serto, para a extrao dos preciosos Gneros, que ali se
produzem: E a Navegao deles para o Par, como dois objetos os mais importantes
15Terceira Instruco, datada em 01/09/1772. Cdice 596, Volume 1, Fls. 13f-13v. AHU.
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daquela Capitania: Prescreve o modo de equipar as Canoas: E entra no mais mido
detalhe sobre esse utilssimo Ramo de Comrcio, que s ele bastaria, sendo bem dirigidopara prosperar e enriquecer todas as Povoaes dos ndios, e fazer o Estado do Par
uma opulentssima Colnia Portuguesa16.
A integrao das naes indgenas no plano geral de ocupao da fronteira norte da
Amrica portuguesa era visto como fundamental pelos dirigentes do imprio. Por isso, as
orientaes mais importantes no que diz respeito ao avano das linha de fronteira para o
interior das possesses espanholas no poderia prescindir da presena dos ndios dos dois
lados da fronteira. Por serem nativos do territrio e conhecedores de sua hidrografia,caminhos e gneros naturais, o papel dos ndios no projeto de ocupao do vale do rio
Amazonas, e, por extenso, do "secretssimo plano de comrcio" transimperial lusitano, era
central. Ao governador Pereira Caldas foram dadas diretrizes claras sobre a racionalizao dos
indgenas na execuo do grande projeto portugus de ocupao, frente entrada cada vez
mais vigorosa de escravos africanos pela Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho,
que no poderia desviar o papel crucial dos nativos no projeto imperial.
A estreita vinculao do papel dos indgenas ao plano de comrcio transimperial no
deixa dvida de que a expanso das fronteiras territoriais, a explorao dos recursos naturais e
o desenvolvimento da nova rota comercial estavam diretamente relacionados. Por essa lgica,
as "correrias" portuguesas nas imediaes espanholas das povoaes de Tabatinga e So
Joaquim do Rio Branco ganham sentido, pois esses indgenas eram utilizados para a
explorao da pesca de tartarugas, das colheitas da salsa e do cacau, pois sabiam onde
localiz-los e como explor-los de modo mais eficiente.
Contudo, o plano apresentou crescentes limitaes, sobretudo pelo fortalecimento das
proibies espanholas impostas s relaes comerciais e comunicao com os portugueses,
reorganizao administrativa implementada com a criao da Governo de Maynas e da
Guayana, que passou a ser administrada mais de perto com a instituio da Capitania Geral da
Venezuela em 1777. Os subornos ficaram cada vez mais difceis e, por isso, mais caros, o que
afetou sobremaneira o fluxo dos negcios nas fronteiras do Maraon, Apure, Parim e Rio
Negro, onde pairava o espectro da ocupao territorial espanhola.
16Instruco que sua Megstade manda passar Capitania do Par, e Maranho, o governador, e Capito GeneralJoo Pereira Caldas, datada em 02/10/1772. Cdice 596, Volume 1, Fl. 2f. AHU.
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Concluso:
As disputas luso-espanholas na Amrica estavam fincadas, desse modo, em doishorizontes bem traados na dcada de 1770: os espanhis concentraram grandes esforos
militares para desalojar os portugueses na regio do Rio da Prata, enquanto que os
portugueses se aproveitaram da pouca presena administrativa e militar espanhola no rio
Amazonas para fomentar uma expanso ao mesmo tempo territorial e econmica sobre as
misses hispano-americanas das provncias de Maynas e Guayana. Entre um e outro extremo
territorial do continente, as polticas imperiais ibricas procuraram planejar a manuteno de
suas soberanias a partir dos influxos mais gerais do posicionamento das duas monarquias nadifcil conjuntura da guerra de independncia na Amrica do Norte, que passou a pressionar a
Pennsula Ibrica a aderir ao novo sistema de alinhamento poltico capitaneado pelas Cortes
de Londres e Versalhes em carter mundial.
A eficincia da ocupao espanhola na regio platina, com a tomada de Santa Catarina
em 1776, foi produto do soerguimento do Pacto da Famlia com a Frana, que gerou o
apoio dos exrcitos espanhis e franceses aos rebeldes anglo-americanos contra o Imprio
Britnico. Contudo, essa disposio para expandir os limites hispano-americanos no Prata no
foram acompanhados pela Monarquia de Carlos III na regio do rio Amazonas, onde a
preponderncia administrativa, comercial e militar luso-americana estava melhor montada,
apesar de ainda no enraizada com consistncia. No extremo-norte do continente, a ao dos
portugueses eram circunstancialmente associadas tradicional aliana diplomtica luso-
britnica, que agia no sentido de disseminar o contrabando em todos os quadrantes
americanos de Espanha, o que j era uma realidade desde 1769, quando foram concedidas
facilidades comerciais e fiscais para os britnicos exportarem ouro e prata dos domnios
espanhis para os portugueses, os asientose registros(LISS, 1995: 106).
A expanso comercial portuguesa no espao do rio Amazonas, no entanto, nada tinha
de relao com os britnicos. A ideia era a de dinamizar a economia da Capitania de So Jos
do Rio Negro, recm-instituda pela Coroa e premente de possibilidades de desenvolvimento
econmico para compensar as perdas circunstanciais na regio da Colnia do Sacramento e
Santa Catarina. O contrabando transimperial seria uma forma de alavancar o comrcio
imperial portugus, juntamente com a efetivao da ocupao territorial em terras reclamadas
pela Espanha e no demarcadas pelo acordo de 1750. De um lado e de outro da fronteira de
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Tabatinga e do Javari, os informantes e as armas mantiveram-se alertas aos movimentos dos
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