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MENÇÃO HONROSA - DEFESA DA CONCORRÊNCIA E PROMOÇÃO DA CONCORRÊNCIA
AUTORA: LILIANE MAYUMI MOORI PECEGUINI
SÃO PAULO - SP
A IMPLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA NA DEFESA COMERCIAL
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RESUMO
Tema 1: Defesa da Concorrência e Promoção da Concorrência
A IMPLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA NA DEFESA COMERCIAL
O presente estudo inicialmente abordará em separado o Direito da Concorrência e a
Defesa Comercial para, ao final, analisar as convergências e divergências entre as
políticas de Defesa Comercial e as de Defesa da Concorrência. Pretende-se obter
conclusões a respeito do entrelaçamento dos propósitos dessas duas políticas.
No caso das medidas compensatórias a subsídios e de salvaguardas a literatura
consultada aponta convergência dos objetivos da defesa comercial e da defesa
concorrencial. Entretanto, no caso de medidas antidumping, tem-se a possibilidade
de divergência entre essas duas políticas, de modo que conviria, em nível nacional,
mesclar a análise sob o prisma comercial (trade) àquela do ponto de vista da
concorrência (competition).
Em face do fenômeno da globalização e a formação de blocos econômicos entre
diferentes países, advém até mesmo o interesse na instituição de organismos
supranacionais incumbidos de focalizar, no âmbito do respectivo bloco, de modo
englobado as questões de ordem comercial e concorrencial.
Ao considerar a discriminação, o dumping só seria condenável quando causar
prejuízo à indústria nacional ou retardar a instalação de um parque fabril doméstico,
ou seja, tem-se uma visão protecionista, mas sem levar em conta os interesses dos
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consumidores nacionais. Por esta razão, a literatura consultada recomenda, para
exame da prática desleal por parte de concorrente no exterior, o emprego do
conceito de preço predatório, que seria mais abrangente, uma vez que busca
abarcar os objetivos das políticas comercial e da concorrência.
No caso brasileiro já ocorre entrelaçamento das análises, como no caso de exame
de dumping, que conta com a participação da Secretaria de Acompanhamento
Econômico (SEAE), órgão do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(SBDC), que segue uma metodologia própria, não prevista em lei, tendo por base
dados do Departamento de Defesa Comercial (DECOM), órgão dedicado à defesa
comercial. Isto evidencia a conveniência de se examinar a aplicação de medidas
comerciais também sob o ponto de vista da defesa da concorrência. Esse quadro
mereceria ser melhor avaliado, com vistas a uma possível formalização, inclusive
com eventual ampliação do alcance da atuação dos organismos de defesa da
concorrência, estendendo-o também para os casos de análises com vistas ao
emprego de medidas compensatórias e de salvaguardas.
Em síntese, cabe buscar um balanceamento entre os interesses em proteger a
indústria nacional e os interesses dos consumidores domésticos.
Palavras-chaves: direito da concorrência; defesa comercial; antidumping
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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................6
2. O DIREITO DA CONCORRÊNCIA...................................................................................7
2.1. A Livre Concorrência ........................................................................................7
2.2. O Direito Concorrencial.....................................................................................9
2.3. Conceituação..................................................................................................11
2.4. Finalidade e Propósito ....................................................................................12
2.5. O Direito da Concorrência no Brasil ...............................................................16
2.6. Regimes de Mercado......................................................................................18
2.6.1. Concorrência Perfeita...............................................................................18
2.6.2. Concorrência Imperfeita ...........................................................................18
2.6.3. Oligopólio e Oligopsônio ..........................................................................19
2.6.4. Monopólio e Monopsônio .........................................................................19
2.6.5. Monopólio Bilateral...................................................................................20
2.7. Modalidades de Concentração .......................................................................20
2.7.1. Cartel........................................................................................................21
2.7.2. Truste .......................................................................................................21
2.7.3. Conglomerados........................................................................................21
2.8. Transformação, incorporação, fusão e cisão ..................................................22
2.9. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência...........................................24
2.9.1. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) ..............................25
2.9.2. Secretaria de Direito Econômico (SDE) ...................................................27
2.9.3. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) .........................27
2.9.4. Estrutura da Defesa da Concorrência no Brasil .......................................29
2.10. A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994........................................................30
2.10.1. Repressão às práticas anticompetitivas .................................................30
2.10.2. Disciplina das concentrações entre agentes econômicos ......................33
3. A DEFESA COMERCIAL ......................................................................................36
3.1. Considerações Preliminares ...........................................................................36
3.2. Principais Instrumentos de Defesa Comercial ................................................38
3.2.1. Investigação .............................................................................................39
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3.3.1. Antidumping .............................................................................................42
3.3.2. Dumping ...................................................................................................43
3.4. Medidas Compensatórias e Subsídios............................................................46
3.4.1. Medidas Compensatórias.........................................................................46
3.4.2. Subsídios .................................................................................................48
3.4.2.1. Tipos de subsídios.............................................................................51
3.5. Medidas de Salvaguardas ..............................................................................56
3.6. A Defesa Comercial no Brasil .........................................................................60
3.7. A Nova Organização do Comércio Exterior Brasileiro ....................................63
3.7.1. Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)..................................................64
3.7.2. Secretaria do Comércio Exterior (SECEX)...............................................65
3.7.3. Departamento de Defesa Comercial (DECOM) .......................................66
4. DEFESA CONCORRENCIAL E DEFESA COMERCIAL.......................................67
5. CONCLUSÃO........................................................................................................75
BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................78
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1. INTRODUÇÃO
O objetivo geral deste trabalho é estudar a implicação do Direito da
Concorrência na Defesa Comercial.
A concorrência é uma situação ideal que estimula os agentes econômicos a
alcançarem uma produção mais eficiente e com melhor qualidade, com reflexos,
positivos para os consumidores finais dos bens e serviços oferecidos. O Direito da
Concorrência volta-se para a defesa dos interesses e da qualidade de vida dos
consumidores e, em última instância, procura orientar e tutelar a liberdade de
concorrência, proibindo, restringindo ou sancionando condutas que atentem de uma
forma ilegítima contra a concorrência.
A defesa comercial visa proteger a fabricação doméstica de produtos através
do exame de prática lesiva aos interesses nacionais por parte de produtores
externos. A defesa da indústria doméstica pode ocorrer, por exemplo, nos casos
das chamadas práticas desleais, ou em situações de dificuldades para a indústria
em razão dos denominados surtos de importação.
O primeiro capítulo desta monografia corresponde a esta introdução.
O segundo capítulo abordará de maneira geral o conceito e o objetivo do
Direito da Concorrência, a importância da defesa da concorrência no Brasil, bem
como identificará e analisará sucintamente as estruturas de mercados e as
modalidades de concentração, e, por fim, estudar-se-á o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência e a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.
O terceiro capítulo apresentará uma visão geral da Defesa Comercial e os
instrumentos de combate (medidas compensatórias) ao dumping, subsídios e
salvaguardas, definindo-os e indicando a base legal no Brasil. Discorrerá sobre as
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regras básicas do comércio internacional, a Organização Mundial do Comércio
(OMC), bem como sobre o papel e a atuação do Departamento de Defesa Comercial
(DECOM).
Após o exame em separado do Direito da Concorrência e da Defesa
Comercial, o propósito do quarto capítulo é analisar as convergências e divergências
entre as políticas de Defesa Comercial e as de Defesa da Concorrência, muito
embora seus objetivos aparentem ser distintos.
O quinto e último capítulo, realizado com base nos estudos desenvolvidos nos
capítulos anteriores, apresenta as conclusões a respeito do entrelaçamento dos
propósitos das duas políticas estudadas.
2. O DIREITO DA CONCORRÊNCIA
2.1. A Livre Concorrência
A livre concorrência, além de ser um princípio importante para a proteção da
sociedade, permite aos seus agentes econômicos o desenvolvimento de ações
próprias para o crescimento do mercado. A disputa por mercado consumidor é
essencial numa economia de mercado, pois, além de impulsionar a competitividade
das empresas, força um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos e
de seus custos. A livre concorrência constitui um fenômeno natural, legítimo e
indispensável ao progresso e bem-estar social.
As economias competitivas são uma condição necessária para o
desenvolvimento econômico sustentável a longo prazo. No contexto de uma
economia de mercado, a presença da concorrência possibilita um aumento na
demanda, variedade e qualidade de produtos e serviços como, também, diminuição
8
de preços. As empresas, para enfrentarem um mercado concorrido, devem investir
em tecnologias e realizar estudos de mercado com a intenção de conhecer e
atender às expectativas dos consumidores. A concorrência apresenta-se como
instrumento a serviço da economia e dos próprios cidadãos. A concorrência confere
à economia uma melhor estrutura para seu crescimento rumo ao mercado
internacional.
A concorrência verifica-se por intermédio do mercado, mas este pode sofrer
deformação por meio de práticas de concentração. Tais práticas permitem que
empresas controlem o mercado, levando a situações de oligopólio ou de oligopsônio
e, no caso de controle único, ao monopólio ou ao monopsônio. Diante de tais
estruturas de mercado, que serão analisadas mais detalhadamente em tópico
adiante, tornou-se de plena necessidade adotar legislação para evitar operações
que resultem em certa concentração de empresas. É preciso a edição de leis
específicas e de instrumentos eficazes para a preservação das normas garantidoras
de uma efetiva economia de mercado.
Nas palavras de Nusdeo, “os problemas concorrências impedem a chamada
auto-regulação dos mercados e dão origem a um grande número de leis,
particularmente no campo da chamada legislação de tutela da concorrência ou
antitruste”. 1
A concentração econômica pode levar ao aumento unilateral de preços ou
facilitar atitudes anti-concorrenciais, como o acordo entre as empresas
concentradas, com a intenção de reduzir as quantidades, ou dividir o mercado, e o
1 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 280.
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escopo de elevar preços. As empresas que adotam esta atitude estão infringindo a
lei.
As condutas anti-concorrenciais são muito prejudiciais à sociedade, pois
eliminam os benefícios da competição e não geram os benefícios da concentração,
tais como as reduções de custo derivadas de economias de escala de produção.
2.2. O Direito Concorrencial
O Direito da Concorrência é uma área do Direito de extrema importância
econômica e política, que se relaciona com outros ramos do mundo jurídico,
estendendo-se, também, por outras ciências. É clara a importância do direito
concorrencial no ordenamento brasileiro, visto ser ele o ramo do direito dedicado à
prevenção e repressão do abuso do poder econômico, visando à manutenção da
ordem econômica no território nacional.
O Direito da Concorrência (...) é fundamental nas economias de mercado, pois, além de possibilitar uma maior variedade de produtos, o aprimoramento na qualidade dos mesmos e contribuir diretamente para a redução de preços, revela-se importante instrumento para Governos e Estados implantarem suas políticas jurídico-econômicas desenvolvimentistas. 2
Considera-se que a concorrência é uma situação ideal que estimula os
agentes econômicos à busca de produção mais eficiente e com melhor qualidade,
com reflexos, portanto, positivos para os consumidores finais dos bens e serviços
oferecidos. O Direito da Concorrência volta-se para a defesa dos interesses e da
qualidade de vida dos consumidores e, em última instância, procura orientar e tutelar
a liberdade de concorrência, proibindo, restringindo ou sancionando condutas que
atentem de uma forma ilegítima contra a concorrência.
2 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 236.
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De acordo com Bagnoli
O Direito da Concorrência talvez seja a área do Direito que mais se relaciona com os outros ramos do mundo jurídico, o que exige de seu estudioso um conhecimento macro para analisar cada caso de defesa concorrencial e saber como melhor proceder. Mas não é apenas o Direito que se relaciona com a defesa da concorrência, sua interdisciplinariedade se estende por outras ciências, como a Sociologia, a Filosofia e a Economia. 3
Franceschini entende que o Direito da Concorrência é, por essência, ramo do
Direito Público. 4
A defesa da concorrência possui como objetivo promover uma concorrência
“justa” entre as empresas atuantes em um determinado mercado consumidor.
Para Salomão Filho
Se o direito concorrencial funciona como um corpo de regras mínimas de organização da ordem privada, que deve oferecer a seus agentes a possibilidade de livre escolha e, consequentemente, de descoberta da melhor opção de conduta, deve ele garantir, no mínimo, (a) liberdade de escolha e (b) máxima precisão possível das informações transmitidas. Ora, para atender a esses dois requisitos mínimos, o conteúdo central (mas não exclusivo) do direito concorrencial deve ser a regulamentação do poder econômico no mercado. 5
O Direito da Concorrência disciplina as relações de mercado entre agentes
econômicos e seus clientes. São estranhas ao Direito da Concorrência as questões
meramente comerciais entre empresas ou entre acionistas de uma companhia sem
que se alterem as estruturas de mercado ou da conduta dos concorrentes.
3 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 113 e 114. 4 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 22. 5 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. 1.ed.. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 43.
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2.3. Conceituação
Existem 3 (três) correntes doutrinárias que procuram situar o Direito da
Concorrência ora no campo do Direito Administrativo, ora no campo do Direito
Econômico, ora no campo do Direito Penal-Econômico.
A primeira corrente vincula o Direito da Concorrência ao conceito de Poder de
Polícia, um dos institutos do Direito Administrativo.
Franceschini opõe-se à primeira corrente, visto que seriam inaplicáveis e
estranhos ao Direito da Concorrência os atributos específicos e peculiares ao
exercício do Poder de Polícia: (i) a discricionariedade; (ii) a auto-executoriedade e
(iii) a coercibilidade.
A “discricionariedade” se traduz na livre escolha, pela Administração, da
oportunidade e conveniência de decidir as circunstâncias para o exercício da
atividade. Não podendo afastar-se das indicações legais e regulamentares, atuando
por atos administrativos “vinculados” ou “regrados”.
Com a “auto-executoriedade” do Poder de Polícia o ato será executado
diretamente pela Administração, não carecendo de provimento judicial para tornar-se
adepto (por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário). Por outro lado, as
decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) não
geram coisa julgada, no sentido próprio, e se sujeitam ao poder judiciário.
A “coercibilidade”, como característica do poder de Polícia, leva à imposição
coativa de medidas provenientes da Administração. Este atributo é incompatível com
a solução obrigatoriamente judicial, para fins executórios, das decisões proferidas
pelo CADE.
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A segunda corrente procura situar o Direito da Concorrência no campo do
Direito Econômico. O Direito Econômico é a parte do ordenamento que assimila e
traduz, no âmbito das normas, a direção emprestada pelo Estado ao processo
econômico. Os conceitos de Direito Econômico evidenciam o cunho da participação
ativa do Estado, com a constituição de um sistema de normas jurídicas que se
destinam a regulamentar a Política Econômica.
Franceschini discorda também da segunda corrente, porquanto
Conclui-se, destarte, que a inclusão do Direito da Concorrência no âmbito do Direito Econômico implicaria a transferência da titularidade do bem jurídico “livre concorrência” da coletividade (como atualmente consagrado no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994) para o Estado, o que se nos afigura inconstitucional (art. 170 da Carta Magna), na medida em que transforma o Estado em agente preferencial da organização das atividades econômicas. 6
A terceira corrente, por sua vez, procura situar o Direito da Concorrência no
campo do Direito Penal-Econômico.
Essa terceira corrente é defendida por Franceschini, para o qual
O Direito da Concorrência pode ser entendido como o ramo do Direito Penal-Econômico que disciplina as relações de mercado entre os agentes econômicos e os consumidores, tutelando-lhes, sob sanção, o pleno exercício do direito à livre concorrência como instrumento da livre iniciativa, em prol da coletividade. 7
2.4. Finalidade e Propósito
A finalidade e propósito do Direito da Concorrência é a eficiência econômica,
visando beneficiar o consumidor e tutelar um bem jurídico da coletividade.
6 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 10. 7 Ibid., p. 8.
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Para Franceschini,
A finalidade da legislação de defesa da concorrência, portanto, é unívoca, qual seja, a defesa e viabilização do princípio maior da “livre concorrência” (art. 170, inciso IV), não podendo, portanto, ser utilizada pelo Estado para alcançar objetivos diversos. Impõe-se, aliás, o entendimento, máxime diante do fato de que a finalidade social de uma lei é fundamental à sua interpretação (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil). 8
Não visa à legislação antitruste proteger agentes econômicos unitariamente
considerados, mas preservar o mercado como instituição de coordenação das
decisões econômicas, adequada ao modo de produção capitalista. O bem jurídico
sob tutela da legislação de defesa da concorrência é o mercado, não servindo esta
para dirimir ou regular controvérsias ou interesses particulares ou mercantis.
A determinação do objetivo das leis da concorrência, de grande importância
em sua aplicação, se divide em grandes escolas de pensamento.
A Escola de Chicago, que encontrou seu apogeu no final da década de 70,
com os trabalhos de Robert H. Bork, não encara a concentração como um mal
porque ela resultaria da maior eficiência obtida mediante economias de escala. Ou
seja, os grandes empreendimentos, operando a custos menores, acabam por
assumir posição dominante nos respectivos mercados, mas beneficiariam os
consumidores pela possibilidade de praticarem preços menores. Segundo a visão da
Escola de Chicago, a concentração econômica seria em princípio, ao contrário da
posição dos “estruturalistas”, geradora de eficiências, salvo se resultar na redução
da produção, assim gerando pressões sobre os preços. O titular do bem jurídico
protegido seria, portanto, o consumidor, maior beneficiário da eficiência.
8FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 19 e 20.
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Porém, para os “tradicionalistas”, também chamados “estruturalistas”, que se
baseiam nos trabalhos da Escola de Harvard, o Direito da Concorrência visa à
defesa da concorrência como um valor em si mesmo, que seria valiosa na medida
em que promoveria a redução do desperdício e tenderia a motivar as inovações.
Para os “estruturalistas”, ao contrário da Escola de Chicago, a estrutura do mercado
determinaria a conduta dos agentes econômicos, que, para eles, se presume lesiva
sempre que se apresente concentrada. A Escola de Harvard defende que devem ser
evitadas as excessivas concentrações de poder econômico, uma vez que podem
resultar em disfunções prejudiciais ao próprio fluxo das relações econômicas. Visa-
se a concorrência como um fim em si mesma, com a manutenção ou aumento do
número de agentes econômicos no mercado. O conceito central dessa teoria é o de
que o valor primordial a ser protegido seria a concorrência em si mesma e não a
eficiência.
A diferença fundamental entre as duas teses é basicamente ideológica, a
primeira com uma visão mais próxima do princípio “puro” da livre iniciativa como
instrumento de defesa dos interesses dos consumidores (melhoria da qualidade dos
produtos e redução de preços), enquanto a segunda tende à aceitação de maior
intervenção do Estado no domínio econômico, em defesa dos empreendimentos
menores, ainda que menos eficientes.
Uma terceira teoria corresponde às posições da Escola Ordo-liberal ou Escola
de Freiburg, cujos principais representantes são Eucken, Böhm e Mestmäcker. Além
de ser o maior expoente contrário à Escola de Chicago, esta Escola apresenta o
direito concorrencial como aquele voltado a garantir uma possibilidade de
competição além da possibilidade de escolha. Assim, a proteção ao consumidor
seria apenas uma conseqüência da liberdade de concorrência. Para os ordo-liberais,
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o que essencialmente garante o funcionamento econômico de uma economia de
mercado é a garantia da competição. Para os estudiosos dessa Escola não é
obrigatória a existência da concorrência, basta a sua potencialidade, assegurada
pela inexistência de barreiras à entrada de agentes econômicos no mercado.
Dependendo do bem jurídico a ser tutelado pela lei de defesa da
concorrência, pode-se verificar que temos diversas respostas jurídicas ao ato
praticado pelo agente econômico, surgindo dois grandes sistemas: sistema da
concorrência-fim e o sistema da concorrência-meio.
A concorrência-fim, também chamada teoria da concorrência-condição, é
aquela na qual a concorrência aparece como um objetivo, ou seja, a concorrência é
um fim em si mesmo, trata-se do fim máximo a ser tutelado pela legislação.
Estabelece-se uma proibição genérica e a priori de todos os acordos e práticas
suscetíveis de atingirem a estrutura concorrencial do mercado, combatendo-se,
portanto, a concentração por meio da proibição das práticas que a ela possam
conduzir. Esse sistema centra a sua atenção no perigo que as restrições, por si
mesmas, representam. O controle e técnica da proibição tende a ser a posteriori.
A concorrência-meio, também chamado de concorrência-instrumento, é
aquela na qual a concorrência é vista como um instrumento utilizado para se chegar
a um outro objetivo que é ainda maior, objetivo esse que, para ser definido, depende
do país, do momento econômico, dos valores previstos na ordem econômica
constitucional, etc. A concorrência-meio tende a privilegiar os comportamentos dos
agentes econômicos. A concorrência é dada como um bem entre outros e não um
bem em si mesmo, podendo ser afastada em nome da proteção de outros interesses
ou da realização de outros fins socialmente relevantes. Esse sistema não pretende,
em abstrato, combater os acordos, oligopólios, monopólios ou quaisquer outros
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fatores de domínio de mercado nos quais venha a se manifestar a concentração
econômica. Preocupa-se apenas em reprimir tais atos quando se revelem
prejudiciais ao interesse geral, declarando ilícitos os acordos ou práticas que
produzam efeitos negativos na concorrência.
No Brasil, pela análise das decisões proferidas pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE) chega-se à conclusão de que utilizamos o sistema da
concorrência-meio, em que a tutela da concorrência não é um fim em si mesma. No
mesmo sentido, a conclusão a que se pode chegar pela análise do art. 170 da
Constituição Federal de 1988, orientador do art. 173 do mesmo diploma.
No Brasil, as normas “antitruste” vinculam-se constitucionalmente ao
conhecido trinômio “dominação de mercado”, “eliminação de concorrência” e
“aumento arbitrário de lucros”. Conforme o art. 173, § 4º, da Constituição Federal: “A
lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
2.5. O Direito da Concorrência no Brasil
A Constituição de 1988 adotou alguns princípios norteadores da ação do
Estado para a efetivação da livre iniciativa e conseqüente defesa da concorrência no
ordenamento brasileiro. Esses princípios estão arrolados no art. 170, cujo inciso IV
trata especificamente da livre concorrência. Por sua vez, o art. 173 § 4º, estabelece
que a lei irá reprimir o abuso do poder econômico.
A Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, é considerada a primeira lei
brasileira importante sobre concorrência. Essa lei regulamenta sobre a repressão ao
abuso de poder econômico, uma vez que se observava, desde essa época, uma
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tendência à eliminação da concorrência através de acordos ou ajustes entre
empresas, atingindo a livre formação de preços e a livre concorrência.
Posteriormente, o Brasil passou a contar com uma lei específica para a
defesa da concorrência, a Lei nº 8.158, de 08 de janeiro de 1991, denominada Lei
Brasileira de Defesa da Concorrência. Essa lei objetiva evitar distorções que possam
ocorrer no mercado, distorções essas aptas a afetar o livre mercado. Esse diploma
legal, ainda, reorganizou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),
dando-lhe nova estrutura e transformando-o em colegiado contencioso.
Mais recentemente, ocorreu o advento da Lei nº 8.884, de 11 de junho de
1994, também conhecida com Lei Antitruste, que fixa uma estrutura administrativa
para a proteção da ordem econômica, além de elencar condutas e procedimentos
administrativos. Essa lei tipifica condutas anti-concorrenciais e apresenta critérios de
análise e punibilidade dos atos, servindo como instrumento de intervenção do
Estado para evitar o abuso de poder econômico. A referida lei tem importância não
só como órgão repressor, mas também como um intermediador dos interesses
envolvidos, de modo a harmonizar a livre iniciativa com a livre concorrência, evitando
o abuso de poder econômico. A Lei Antitruste refere-se particularmente ao
procedimento administrativo de competência do CADE, mas há a participação ativa
da Secretaria de Direito Econômico (SDE), desde a fase investigatória. Além de
definir com maior precisão as práticas consideradas ofensivas à concorrência, essa
lei transformou o CADE em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça.
Mais adiante, em tópico específico, será descrita, de forma mais detalhada, a
estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), compreendendo
diferentes órgãos públicos, a saber: CADE, SDE e Secretaria de Acompanhamento
Econômico (SEAE).
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2.6. Regimes de Mercado
Podem-se identificar inúmeras estruturas de mercado, dentre as quais se
destacam: a concorrência perfeita, a concorrência imperfeita ou monopolística, o
oligopólio, o monopólio e o monopólio bilateral.
2.6.1. Concorrência Perfeita
Na concorrência perfeita existe um grande número de agentes (compradores
e vendedores) em interação recíproca, tanto do lado da oferta como do lado da
procura. Cada agente detém uma parcela muito pequena seja da oferta ou da
procura, de modo que não podem, individualmente, influenciar sobre o preço de
mercado, que surge naturalmente.
Alguns requisitos da concorrência perfeita são: (i) homogeneidade do produto
objeto das operações; (ii) facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por
parte de qualquer interessado (mobilidade); (iii) acesso dos operadores a todas as
informações relevantes; e (iv) ausência de economias de escala e de externalidades.
2.6.2. Concorrência Imperfeita
A concorrência imperfeita ou monopolística caracteriza-se pela existência de
um número bastante grande de agentes (compradores e vendedores). Porém, não
mais prevalece a homogeneidade do produto, sendo este regime caracterizado por
produtos que se tornam passíveis de diferenciação. Consequentemente, a procura
torna-se viscosa, deixando de ser fluida. Surgem, desta forma, as primeiras
imperfeições de mercado, as quais se compartimentam com o surgimento, ainda que
atenuado, do poder econômico.
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2.6.3. Oligopólio e Oligopsônio
O oligopólio é a situação de mercado em que poucos agentes atuam na
venda de determinado serviço ou produto a um grande número de consumidores.
De acordo com Nusdeo
É fácil compreender que num oligopólio há uma grande tendência no sentido de se unirem os operadores, os quais passarão então a atuar como na unidade, levando a uma situação de monopólio. Porém, numa fase de crise, os oligopolistas poderão tender para o regime anterior, isto é, exercer uma concorrência imperfeita, procurando, cada um deles, obter uma fatia maior de mercado. O oligopólio é, assim, um regime extremamente volátil, pois com base num conluio entre os oligopolistas, chamado cartel, pode transformar-se num monopólio. Por outro lado, não chegando eles a um acordo ou rompendo-o, quando já existente, passam a atuar de maneira muito próxima à da concorrência imperfeita, desencadeando guerras comerciais para a conquista de mercados. 9
O oligopsônio é a situação em que poucos compradores se defrontam com
vários fornecedores de um serviço ou produto. Essa situação ocorre do lado da
procura, com poucos compradores defrontando-se com vários vendedores.
2.6.4. Monopólio e Monopsônio
O monopólio é a situação de comércio abusivo, que consiste em um grupo
empresarial tornar-se o único possuidor de determinado gênero de mercadoria ou
serviço, para, na falta de competidores, poder vendê-lo a preço que desejar, que
pode atingir nível exorbitante.
Conforme Nusdeo o monopólio:
Corresponde a uma situação na qual apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como vendedora de um dado produto. Manifesta-se aqui em toda a sua plenitude o poder econômico, pois o monopolista está em condições de atuar simultaneamente nas duas variáveis que caracterizam a compra e venda, isto é, o preço e a quantidade. [...] A rigor no monopólio
9 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 267.
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deixa de existir o preço de mercado, pois ele será, em boa medida, uma decisão do monopolista. 10
O monopsônio é a situação em que um único agente no mercado adquire de
fornecedores um serviço ou produto, que oferecerá ao consumidor final. O
monopsonista procura quase sempre retardar ao máximo suas compras a fim de
forçar os vendedores a entregar o produto a um preço mais baixo.
2.6.5. Monopólio Bilateral
O monopólio bilateral é um regime pouco encontrado na prática, pois não
chega a ser um mercado. Caracteriza-se por ser o extremo oposto do regime de
concorrência perfeita. Neste regime um único vendedor defronta-se com um único
comprador.
2.7. Modalidades de Concentração
A literatura sobre concentração em mercados menciona diversas práticas
abusivas, que devem ser combativas através do Direito da Concorrência. As
estruturas concentradas de mercado, abordadas em tópicos anteriores, representam
situações do conjunto de agentes atuantes. Entretanto, por iniciativa de um
subconjunto desses agentes, por acordo em comum, há o agravamento do quadro
de concentração estrutural, pela aplicação de práticas lesivas aos demais agentes
atuantes no mercado.
Dentre as práticas mais citadas na literatura, a seguir focalizadas em maiores
detalhes, tem-se: cartel, truste e conglomerados.
10 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 269.
21
2.7.1. Cartel
Conforme conceituado pela legislação brasileira, entende-se por
Cartéis: acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio. Fatores estruturais podem favorecer a formação de cartéis: alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de novos competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e de demanda. 11
2.7.2. Truste
Truste é combinação entre empresas para assegurar controle econômico
sobre determinados mercados, a fim de afastar eventuais concorrentes e administrar
os preços de vendas de seus produtos, em busca de lucros elevados. 12
Truste refere-se à reunião ou fusão de várias companhias em uma só com o
fim de monopolizar de fato uma determinada indústria, dominar o mercado, suprimir
a livre concorrência, e, assim, obter proventos maiores com a elevação do preço dos
produtos. 13
2.7.3. Conglomerados
Para Nusdeo a conglomeração ocorre
Quando atividades diversas e, às vezes, aparentemente desconexas são conduzidas sob o comando de um único centro decisório. Exemplo: fábricas de produtos diversos, empresas transportadoras, redes varejistas, empresas de jornalismo, granjas avícolas, todas atuando como divisões de uma grande empresa ou como empresas interligadas por vínculos societários. 14
11 Anexo I da Resolução nº 20 do CADE 12 RUDGE, Luiz Fernando. Dicionário de termos financeiros. 1.ed. São Paulo: Santander Banespa, 2003, p. 324. 13 PESSÔA, Eduardo. Dicionário jurídico. 1.ed.Rio de Janeiro: Idéia Jurídica,2001, p. 369. 14 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 274.
22
2.8. Transformação, incorporação, fusão e cisão
A concentração pode dar-se com base em diversas formas jurídicas de
entrelaçamento de empresas, tais como a transformação, a incorporação, a fusão e
a cisão.
Através dos acima citados tipos de operações, as sociedades mudam de tipo,
unem-se ou dividem-se, buscando os seus sócios e acionistas dotá-las do perfil
adequado para o cumprimento das obrigações tributárias como também para a
realização dos negócios sociais.
Esses tipos de operações podem ou não resultar em práticas anti-
concorrenciais, daí a necessidade de uma avaliação dos seus desdobramentos em
relação ao mercado.
De acordo com o art. 54, §3º da Lei nº 8.884/94 (Lei de Infrações à Ordem
Econômica), a incorporação e a fusão estão condicionadas à aprovação pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sempre que resultar em uma
empresa que tenha participação em vinte por cento ou mais de um mercado
relevante, ou se qualquer das sociedades envolvidas venha a ter faturamento bruto
anual expressivo.
Na transformação, a sociedade passa de um tipo para outro sem dissolução
ou liquidação, ou seja, se dá quando a sociedade muda sua modalidade societária.
A transformação pode ser pura (prevista no contrato ou estatuto da sociedade) ou
constitutiva (não prevista no contrato ou estatuto da sociedade). Os requisitos da
transformação estão previstos no art. 1.114 do Código Civil. Conforme o art. 220 da
Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), a transformação é a operação pela
23
qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo
para outro.
De acordo com Coelho,
A transformação é a operação de mudança de tipo societário: a sociedade limitada torna-se anônima, ou vice-versa. Pode dizer respeito aos cinco tipos de sociedades personalizadas do direito brasileiro e não acarreta a dissolução e liquidação do ente societário. Aliás, a transformação não extingue a pessoa jurídica da sociedade, nem cria outra nova. É o mesmo sujeito de direito coletivo anterior à transformação que permanece. 15
Na incorporação (art. 1.116 do Código Civil), uma ou mais sociedades são
absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Ou seja, a
incorporadora permanece, extinguindo-se as incorporadas pela transmissão total de
seu patrimônio. Os requisitos da incorporação estão previstos no art. 1.117 e 1.118,
CC.
Na fusão (art.1.119, CC), unem-se duas ou mais sociedades para formar uma
terceira. Dá-se a fusão quando há a união de duas ou mais sociedades que se
extinguem para formar uma nova. Os requisitos da fusão estão previstos no art.
1.120 e 1.121, CC.
A fusão se difere da holding, porque na holding duas empresas se unem, cria-
se uma terceira empresa para administrar (gerenciar) as duas empresas que
permanecem com suas marcas (holding – empresa que detém o controle acionário
de uma empresa ou de um grupo de empresas subsidiárias, ou seja, sociedade
controladora).
A cisão em sentido estrito é o desdobramento da sociedade em, duas novas
que a sucedem. Por outro lado, a cisão em sentido lato é a transferência de parte do
15 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 217.
24
patrimônio de uma sociedade a outra ou outras já existentes, ou seja, operação pela
qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais
sociedades.
2.9. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é como se
convencionou chamar o conjunto de órgãos do governo que possuem competência
para prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica em todo o território
nacional.
No Brasil, os órgãos que atuam na defesa da concorrência são: a Secretaria
de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), a Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) autarquia vinculada ao Ministério da Justiça. Estes
órgãos, que integram o SBDC, atuam à luz da Lei de Defesa da Concorrência – Lei
nº 8.884/94.
Franceschini esclarece que
Aos órgãos de defesa da concorrência compete exclusivamente, “ratione materiae” prevenir, apurar e coibir as chamadas “ofensas à ordem econômica”, expressão sinônima, na Lei nº 8.884/94, de infringência às regras do livre mercado. 16
A atuação dos órgãos integrantes do SBDC tem contribuído muito para
aumentar a difusão de uma cultura da concorrência no país. Visando à promoção e
à defesa da concorrência, a atuação dos três agentes do SBDC subdivide-se em: (i)
controlar as estruturas de mercado, analisando aquisições, fusões e incorporações
16 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 22.
25
de empresas; (ii) controlar as práticas anti-concorrenciais, constatando a ocorrência
de infração à ordem econômica.
O intervencionismo do Estado se releva na medida em que o CADE, a SEAE
e a SDE atuam no controle das fusões e incorporações de empresas no Brasil.
2.9.1. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)
A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), órgão do Ministério da
Fazenda, atua como um dos agentes do SBDC, tendo sido criada por meio da
Medida Provisória nº 813, de 1º de janeiro de 1995.
A SEAE é um órgão encarregado da instrução do processo, como também
responde pela apreciação dos atos de concentração entre empresas e pela
repressão às condutas anti-concorrenciais. Cabe-lhe, ainda, acompanhar os preços
da economia, subsidiar decisões sobre de reajustes e revisões de tarifas públicas.
A SEAE tem adotado iniciativas voltadas a favorecer o uso da legislação
antitruste como indutora do desenvolvimento econômico. A SEAE criou,
recentemente, guia para exame dos atos de concentração, padronizando a análise
econômica feita pelo órgão, conferindo maior consistência às suas recomendações e
dando maior transparência aos seus procedimentos.
De acordo com o estudo “Comércio e Competição”, elaborado por Schmidt,
Souza e Lima 17 , a SEAE, em conjunto com a Secretaria de Assuntos Internacionais
(SAIN), do Ministério da Fazenda, participa em análises de processos na esfera da
defesa comercial. O estudo em questão menciona que a SEAE elabora análise
própria, não prevista em lei, com vistas a contribuir para aplicação de medida
antidumping, dispondo de metodologia própria e utilizando dados levantados nas
investigações promovidas pelo DECOM. 17 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002.
26
Há Dano?
Não para o MDIC18 e para
a SEAE
Sem aplicação de medida.
Sim para o MDIC ou para a SEAE
Há Nexo Causal?
Não para o MDIC e para a
SEAE
Sem aplicação de medida.
Sim para o MDIC ou para a SEAE
Há Concorrência?
Sim para a SEAE
Análise da Medida
Antidumping
A SEAE aceita
uma aplicação da medida, pois
entende que os consumidores serão pouco
afetados. Porém não concorda. O ideal seria não
aplicá-la.
Não para a SEAE
Análise de Preços
Predatórios
Não há preço
predatório
Sem aplicação
de medida
Há preço predatório
Análise da Medida
Antidumping
Há preço predatório
Aplicação de medida.
Figura 1 – Análise (informal) da SEAE na defesa comercial Fonte: SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002, Anexo III. Com modificações efetuadas pela autora deste trabalho. 18 MDIC – Ministério de Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior
27
2.9.2. Secretaria de Direito Econômico (SDE)
A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que revogou a Lei nº 8.158/91, deu
novo nome à Secretaria Nacional de Direito Econômico, que passou a se chamar
Secretaria de Direito Econômico (SDE).
A SDE, órgão da administração direta, mais especificamente do Ministério da
Justiça, tem função acessória às funções do CADE, além de exercer funções
preventivas, referentes às infrações à ordem econômica, emitindo pareceres
relativamente aos atos de concentração.
As competências da SDE estão estabelecidas nas Leis nº 8.078/90, 8.884/94,
9.008/95 e 9.021/95. Conforme a Lei nº 8.884/94 cabe à SDE acompanhar e
monitorar as práticas de mercado visando prevenir infrações à ordem econômica.
Em caso de indícios de infração a SDE deve realizar averiguações preliminares e
instaurar processos administrativos.
A SDE atua tanto no âmbito da Lei de Defesa da Concorrência como também
no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Para desempenhar a sua atuação a
SDE possui dois departamentos: Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor (DPDC) e Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE). O
DPDE é auxiliado em análises econômicas pela Gerência de Programas (GRP).
2.9.3. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, criado, em 1962,
pela Lei nº 4.137 e transformado, em 1994, em Autarquia vinculada ao Ministério da
Justiça, tem suas atribuições previstas na Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.
Cabe-lhe, entre outras atribuições, zelar pela livre concorrência, defender a ordem
econômica, controlar e fiscalizar o mercado, difundir a cultura da concorrência por
28
meio de esclarecimentos ao público sobre as formas de infração à ordem econômica
e decidir questões relativas às infrações. As atribuições da agência estendem-se a
todo território nacional. Com a Lei nº 8.884/94 o CADE continuou com sede e foro no
Distrito Federal e jurisdição em todo território nacional.
O CADE é uma agência judicante e a última instância, na esfera
administrativa, sendo de sua responsabilidade a decisão final a cerca da matéria
concorrencial. Somente após receber os pareceres das duas secretarias (SEAE e
SDE) o CADE tem a tarefa de julgar os processos.
O CADE desempenha 3 (três) papéis importantes: preventivo, repressivo e
educativo.
O papel preventivo previsto nos artigos 54, e seguintes da Lei nº 8.884/94,
corresponde à análise dos atos de concentração, melhor dizendo, à análise das
fusões, incorporações e associações de qualquer espécie entre agentes
econômicos.
O papel repressivo corresponde à análise das condutas anti-concorrenciais,
que estão previstas nos artigos 20 e seguintes da Lei nº 8.884/94 e na Resolução 20
do CADE. O CADE, neste caso, tem o papel de reprimir as infrações à ordem
econômica, tais como: cartéis, preços predatórios e outros.
O papel educativo do CADE está presente no artigo 7º, XVIII, da Lei nº
8.884/94, e consiste em difundir a cultura da concorrência. Para o cumprimento do
papel pedagógico é fundamental a parceria com instituições (como universidades,
institutos de pesquisa, entre outros) e realizar seminários, cursos e palestras.
O CADE é formado por um Plenário composto por um presidente e seis
conselheiros, sendo de sua competência zelar e observar a Lei de Defesa da
Concorrência, bem como as suas determinações.
29
O CADE também possui sua própria Procuradoria, que presta assessoria
jurídica. Cabe a esta representar e defender o CADE em juízo, como emitir
pareceres nos processos em trâmite na Autarquia.
A Lei nº 8.884/94 prevê, ainda, a presença do Ministério Público Federal
diante do CADE, para oficiar nos processos submetidos a este Conselho, como
também promover a execução dos julgados.
O CADE é absolutamente incompetente para conhecer de questões privadas.
As questões comerciais que surgem entre as partes privadas hão de ser dirimidas
exclusivamente perante o Poder Judiciário, não dispondo o CADE de competência
para resolvê-las.
Como exemplos de posicionamentos recentes do CADE, ressaltam-se a
aprovação da fusão das cervejarias Antarctica e Brahma, resultando na empresa
Ambev S.A. e a decisão desfavorável à aquisição da fabricante de bombons Garoto
pela Nestlé.
2.9.4. Estrutura da Defesa da Concorrência no Brasil
PRESIDENTE
CADE
6 (SEIS) CONSELHEIROS
PROCURADORIA MPF
SEAE
SDE
Figura 2 – Estrutura da Defesa da Concorrência no Brasil Fonte: extraído da obra Introdução ao Direito da Concorrência, de Bagnoli, Vicente. p. 160 (o quadro original da referida obra foi simplificado pela autora desta monografia).
30
2.10. A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994
Em 11 de junho de 1994 foi promulgada a Lei nº 8.884, a Lei de Defesa da
Concorrência, com o intuito de assegurar a livre competição entre os agentes
econômicos e garantir as condições de produção e consumo de um regime de
mercado.
A citada lei foi orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores
e repressão ao abuso do poder econômico.
A atual Lei Antitruste transformou o CADE em autarquia federal, beneficiando-
o com destinação orçamentária própria, e implementou o que se convencionou
chamar de “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência” (SBDC), focalizado no
tópico anterior.
A matéria tratada pelo diploma de 1994 pode ser analisada em duas grandes
partes: (i) repressão às práticas anticompetitivas; e (ii) disciplina das concentrações
entre agentes econômicos.
2.10.1. Repressão às práticas anticompetitivas
A repressão às práticas anticompetitivas corresponde à vedação dos acordos
– horizontais e verticais – restritivos da concorrência, como também ao abuso da
posição dominante.
O tópico em questão diz respeito a “condutas”. As condutas, quando
investigadas, podem originar processos administrativos, baseados na aplicação dos
artigos 20 e 21 da Lei nº 8.884, de 1994.
As condutas de agentes econômicos capazes de modificar o equilíbrio em um
certo mercado e contrárias às relações da livre concorrência resultam nas infrações
à ordem econômica.
31
O legislador, no art. 21 da supra mencionada Lei, apresentou um rol
exemplificativo de condutas. Buscou o legislador deixar em aberto para que qualquer
modalidade de conduta, que possa vir a ser adotada, venha caracterizar infração
contrária à ordem econômica. Para que o ato seja considerado contrário à ordem
econômica, basta que o ato determine a incidência do art. 20.
Nosso diploma antitruste, para fins de caracterização da ilicitude, não
classifica as práticas dos agentes econômicos entre acordos e concentrações entre
empresas, ou abuso de posição dominante. 19 Em seu lugar, a terminologia utilizada
na redação do art. 20, opta por menção a “atos, sob qualquer forma manifestados”,
constituem infração da ordem econômica na medida em que tenham por objeto ou
possam produzir efeito tipificado em qualquer dos incisos do citado artigo.
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II. § 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. § 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29/06/95).
Conforme ensina Forgioni.
Os acordos entre os agentes econômicos tendem, muitas vezes, a viabilizar a reprodução de condições monopolísticas e, por essa razão, são tradicionalmente regulamentados pelas legislações antitruste. Em outras palavras, a união entre agentes (concorrentes ou não) pode proporcionar um
19FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2.ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005, p. 493.
32
poder econômico tal que permita aos partícipes desfrutar de uma posição de indiferença e independência em relação aos outros agentes econômicos. Nosso sistema jurídico, desde que nele foram introduzidas normas destinadas a tutelar a livre concorrência e reprimir o abuso do poder econômico, sempre determinou a ilicitude de acordos entre empresas que fossem nocivos, em seu objeto ou efeito, à concorrência. 20
A prática de infração da ordem econômica sujeita o agente econômico às
penas previstas no artigo 23 da Lei 8.884/94.
De forma complementar, a Resolução nº 20 do CADE dispõe sobre o
processo administrativo, nos termos do art.51 da Lei 8.884/94. Esta Resolução traz
dois anexos importantes que orientam o exame dos efeitos das diferentes condutas
anti-concorrenciais nos mercados.
O Anexo I da citada Resolução apresenta a definição e classificação das
práticas restritivas. Quanto às práticas restritivas horizontais e verticais o Anexo I
traz o que se segue:
As práticas restritivas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade. Em geral, tais práticas pressupõem a existência ou a busca de poder de mercado sobre o mercado relevante. As práticas restritivas verticais são restrições impostas por produtores/ofertantes de bens ou serviços em determinado mercado ("de origem") sobre mercados relacionados verticalmente – a "montante" ou a "jusante" – ao longo da cadeia produtiva (mercado "alvo"). As restrições verticais são anticompetitivas quando implicam a criação de mecanismos de exclusão dos rivais, seja por aumentarem as barreiras à entrada para competidores potenciais, seja por elevarem os custos dos competidores efetivos, ou ainda quando aumentam a probabilidade de exercício coordenado de poder de mercado por parte de produtores/ofertantes, fornecedores ou distribuidores, pela constituição de mecanismos que permitem a superação de obstáculos à coordenação que de outra forma existiriam.
20FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2.ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005, p. 393 e 394 – Vale ressaltar que Paula Forgioni utiliza a palavra “acordo” em sentido amplo, compreendendo: “decisão de associação de empresas”, “prática concertada”, como também “prática orquestrada”, podendo todas ser subsumidas à palavra “ato”, prevista no art. 20 da Lei n º 8.884/94.
33
Aquele que entender que a concorrência está sendo prejudicada poderá
apresentar representação à SDE. A SDE verificará os indícios da infração para abrir
Procedimento Administrativo (indícios quase inexistentes), promover Averiguações
Preliminares (indícios não tão fortes) ou instaurar Processo Administrativo (indícios
fortes).
2.10.2. Disciplina das concentrações entre agentes econômicos
As concentrações são analisadas pelas autoridades que integram o SBDC
com base no disposto no art. 54 da Lei nº 8.884/94, no corpo dos procedimentos
administrativos denominados atos de concentração.
Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.
Existem três formas de concentrações: concentrações horizontais, verticais e
conglomeradas.
As concentrações horizontais, ou também denominadas acordos horizontais,
são acordos celebrados entre agentes que atuam num mesmo mercado relevante e
estão em relação direta de concorrência. Neste caso, a concentração encontra-se
num mesmo estágio do processo produtivo. Os acordos realizados entre empresas
concorrentes, que atuam num mesmo mercado relevante geográfico e material, e
que buscam neutralizar a concorrência existente entre elas são conhecidos como
cartéis (assunto já estudado no tópico 1.8.1).
Cartéis: acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio. Fatores estruturais podem favorecer a formação de cartéis: alto grau de concentração do mercado, existência de barreiras à entrada de novos
34
competidores, homogeneidade de produtos e de custos, e condições estáveis de custos e de demanda. 21
Nusdeo apresenta o seguinte exemplo de concentração horizontal: “Quando
vários produtores de matérias-primas se reúnem, apresentando-se no mercado
como um único bloco, ou pura e simplesmente quando algumas unidades são
compradas por outras.”22
Já as concentrações verticais, ou denominadas também de acordos verticais,
são acordos celebrados entre agentes que desenvolvem suas atividades em
mercados relevantes diversos, muitas vezes mercados complementares. As
concentrações verticais envolvem agentes econômicos que atuam em estágios
diversos de uma mesma cadeia de produção ou comercialização (sendo freqüente a
existência de uma relação comercial de fornecimento de produtos ou serviços entre
os agentes econômicos).
Mais uma vez nas palavras de Nusdeo tem-se concentração vertical,
Quando vários estágios de produção de um bem são aglutinados por uma mesma empresa ou grupo. Assim, uma empresa que extraia o minério, o refine, produza a folha de aço, exerça a manufatura dos objetos de metal extraído desse minério e finalmente os venda no mercado de produtos acabados será um caso de concentração vertical. 23
E, as concentrações conglomeradas são, por seu turno, correspondentes ao
crescimento de um agente por meio de uma concentração com um outro agente,
desde que este agente não seja seu concorrente nem fornecedor ou cliente.
Para Nusdeo, a conglomeração ocorre
Quando atividades diversas e, às vezes, aparentemente desconexas são conduzidas sob o comando de um único centro decisório. Exemplo: fábricas
21 Anexo I da Resolução nº 20 do CADE 22 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 274. 23 Ibid., p. 274.
35
de produtos diversos, empresas transportadoras, redes varejistas, empresas de jornalismo, granjas avícolas, todas atuando como divisões de uma grande empresa ou como empresas interligadas por vínculos societários. 24
De acordo com o §3º do art. 54 da Lei nº 8.884/94, pode se perceber que, em
princípio, não é necessário que caracterizemos o ato como “concentração
econômica”. Basta que o ato, de alguma forma, prejudique a livre concorrência ou
resulte na dominação de mercados relevantes, sejam de bens ou serviços. Em se
tratando de uma concentração econômica que esteja submetida ao que dispõe o §
3º do mesmo artigo acima referido, esta deverá ser levada à apreciação do CADE.
Por outro lado, caso se trate de um simples acordo entre agentes econômicos, o ato
apenas deverá ser comunicado se implicar domínio de mercado ou prejudicar a livre
concorrência, pois o acordo não está previsto na hipótese do §3º. Vale ressaltar que
o mencionado parágrafo exemplifica as formas de que se pode revestir a
concentração.
Conforme apresenta a Professora Forgioni,
A interpretação sistemática da Lei nº 8.884, de 1994, leva à seguinte conclusão: (i) todos os atos restritivos da concorrência (i.e., que impliquem prejuízo à livre iniciativa ou à livre concorrência ou ao domínio de mercado) devem ser submetidos ao CADE, sejam eles acordos entre empresas ou concentrações econômicas. Nessa linha, as multas serão aplicadas pelo descumprimento dos prazos para submissão à apreciação do CADE de todos os atos que “possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços” (e não apenas das concentrações relacionadas no § 3º). (ii) quanto aos atos de concentração econômica (tais como fusões, aquisições, constituições de empresa comum etc.), a Lei presume sejam eles restritivos da concorrência sempre que envolvam mais de 20 % do mercado relevante ou que os partícipes possuam faturamento bruto anual superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); presente um desses parâmetros, há a obrigatoriedade de submissão do ato de concentração às autoridades antitrustes; (iii) ainda que determinada concentração econômica possa ser entendida como não restritiva da concorrência, deverá ser submetida às autoridades competentes quando atingido o gabarito do § 3º do art. 54; isso porque a lei
24 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3.ed. São Paulo: RT, 2001, p. 274.
36
presume seja tal operação restritiva da concorrência e obrigatória sua apresentação ao CADE. 25
3. A DEFESA COMERCIAL
3.1. Considerações Preliminares
A defesa comercial visa proteger a fabricação doméstica de produtos através
do exame de prática lesiva aos interesses nacionais por parte de produtores
externos. A defesa da indústria doméstica pode ocorrer nos casos das chamadas
práticas desleais, ou em situações de dificuldades para a indústria em razão dos
denominados surtos de importação.
A concorrência estrangeira desleal caracteriza-se, via de regra, pelo dumping,
ou seja, o bem importado ingressa no território nacional com preço inferior àquele
praticado no país de procedência. Para tal prática, o antídoto é o instrumento de
defesa comercial conhecido por antidumping.
Outros instrumentos de defesa comercial, que oportunamente serão
focalizados com mais detalhes neste trabalho, são: medidas compensatórias e
salvaguardas.
Assim, o termo defesa comercial relaciona-se aos Acordos Antidumping,
sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e sobre Salvaguardas da Organização
Mundial do Comércio (OMC), disciplinados no anexo do Decreto nº 1.355/94 e
alterações posteriores através de decretos presidenciais.
Na fase inicial da industrialização, o Brasil adotou o modelo de substituição de
importações, período em que a chamada indústria nascente nacional foi protegida
por elevados níveis tarifários aplicados aos bens importados.
25 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2.ed., 2. tir. rev. e atual. São Paulo: RT, 2005, p. 393 e 394.
37
Esgotado o referido modelo de substituição de importações, sucede-o o
modelo de inserção competitiva no mercado internacional. É indiscutível que o
aumento do grau de abertura comercial vem trazendo maiores benefícios para os
consumidores nacionais, porém, em contrapartida, expõe os produtores internos à
concorrência mundial, que nem sempre se dá de modo leal.
Enfatize-se ainda que, segundo assinala Bagnoli,
As chamadas práticas predatórias de comércio, além de distorcerem a economia mundial, podem “quebrar” setores econômicos inteiros de países que não combatem tais abusos. Daí, a necessidade de legislações que assegurem a defesa comercial. 26
Sendo que, de acordo com o referido autor,
A criação da OMC foi um marco nas relações econômicas internacionais entre os mais diversos povos, e, para os brasileiros, serviu para a modernização da estrutura legal extremamente necessária para estar inserido na ordem econômica mundial, traduzindo-se em grandes oportunidades para as empresas e toda a população em geral. 27
Sob o ponto de vista histórico, em 1947 o Brasil juntamente com outros 22
países firmaram o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on
Tariffs and Trade - GATT), que vigorou a partir de 1948. O GATT, de tempos em
tempos, tinha seu foco de incidência atualizado e ampliado, através de alterações
decididas em oito rodadas de negociações. O Brasil esteve presente nessas
negociações, sendo que a última, denominada Rodada Uruguai, com início em julho
de 1986 e término em dezembro de 1993, resultou na criação da Organização
Mundial do Comércio (OMC).
26 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 127. 27 Ibid., p. 127.
38
Em síntese, a defesa comercial diz respeito à aplicação de instrumentos de
combate às práticas desleais de comércio internacional, fazendo parte da atuação
do Estado brasileiro, na defesa da produção nacional, ou seja, da empresa instalada
no Brasil (independentemente do controle nacional, ou não, do capital social), junto à
OMC, frente a possíveis abusos praticados por outros países ou por empresas
instaladas no exterior.
3.2. Principais Instrumentos de Defesa Comercial
Os instrumentos de defesa comercial são: o antidumping (contra importações
a preços deslealmente baixos); as medidas compensatórias (contra importações
subsidiadas); e as salvaguardas (restrição temporária contra surto de importações).
Os supra mencionados instrumentos visam coibir as práticas desleais de
comércio (dumping e subsídios), sendo que no caso das salvaguardas busca-se dar
condições para que algum setor produtivo venha a ficar protegido durante o tempo
necessário para elevar seus níveis de competitividade e, desse modo, em etapa
subseqüente, já robustecido, poder enfrentar e participar da intensa concorrência
internacional.
Os instrumentos de defesa comercial devem ser aplicados sempre que uma
investigação comprovar que: (a) ocorreu dano à indústria doméstica do produto
similar ao importado, provocado pelo dumping; (b) ocorreu dano à indústria
doméstica do produto similar ao importado, provocado pelo subsídio; (c) ocorreu
prejuízo grave à indústria doméstica do produto similar ou diretamente concorrente,
provocado por um surto de importações.
O quadro a seguir resume as práticas predatórias e os respectivos
instrumentos de defesa comercial.
39
Tabela 1 – Medidas de defesa comercial
DUMPING SUBSÍDIO SALVAGUARDA DEFINIÇÃO Exportação de
um produto a um preço inferior ao
praticado no mercado de
origem.
Ajuda, direta ou indireta,
concedida pelo governo ao exportador.
Importações causam ou ameaçam produção nacional.
LEGISLAÇÃO Lei 9.019/95 Decreto 1602/95 Circular nº 21/96
Lei 9.019/95 Decreto 1751/96 Circular nº 20/96
Lei 9.019/95 Decreto 1488/95
ANTÍDOTO Medidas Antidumping
Direitos Compensatórios
Medidas de Salvaguardas
PRAZO 5 anos (prorrogável)
5 anos (prorrogável)
4 anos (casos especiais: 10
anos) Fonte: OLIVEIRA, Gesner - Apresentação no Simpósio Mackenzie de Direito da Concorrência (set/2006), com modificações efetuadas pela autora deste trabalho.
3.2.1. Investigação
No Brasil, a investigação para detectar a ocorrência de práticas desleais no
comércio exterior está a cargo do Departamento de Defesa Comercial (DECOM),
órgão diretamente ligado à Secretaria do Comércio Exterior do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (SECEX).
Segundo o citado DECOM, a aplicação de medidas de defesa comercial
requer que, no âmbito de um processo administrativo, seja realizada uma
investigação, da qual devem participar todas as partes interessadas, onde dados e
informações são conferidos e opiniões são confrontadas, para que o Departamento
possa propor a aplicação de uma medida ou o encerramento de uma investigação
sem imposição da mesma.
Deve ficar comprovado, na investigação, a ocorrência de dumping ou de
subsídios acionáveis 28, com dano à produção doméstica e de relação causal entre
28 Há diferentes categorias de subsídios, dentre os quais sobressaem os subsídios acionáveis ou irrecorríveis. Essas diversas categorias são detidamente examinadas adiante, em tópico específico.
40
ambos; para a aplicação das salvaguardas, deve-se verificar grave dano provocado
por importações crescentes.
Uma investigação será encerrada sem aplicação de direitos compensatórios e
de direitos antidumping: (i) quando não houver comprovação suficiente da existência
de subsídio acionável ou de dumping ou de dano deles decorrentes; (ii) quando o
montante de subsídio acionável for de minimis (1% a 2%, se originário de país em
desenvolvimento) ou a margem de dumping for inferior a 2%; (iii) quando o volume
de importações objeto de subsídio acionável ou dumping for insignificante (inferior a
3%).
Direito antidumping provisório poderá ser aplicado caso fique demonstrado
que tal medida seja necessária para impedir que, no curso da investigação, ocorra
dano. Mas esse direito provisório somente poderá ser aplicado desde que haja
decorrido, pelo menos, 60 dias da data da abertura da investigação e que tenha sido
determinada, de forma preliminar, a prática de dumping, dano à indústria doméstica
e nexo causal, ou seja, dano sofrido em decorrência da prática de dumping.
A investigação, em todos os casos, observará as regras fixadas nos Acordos
da OMC e na legislação brasileira. Essas regras visam assegurar ampla
oportunidade de defesa a todas as partes interessadas, bem como a transparência
no andamento do processo. Caso não haja a observância dos procedimentos
estabelecidos pelo Acordo Antidumping, em particular aqueles relativos à garantia
de oportunidade de defesa das partes, poderá implicar em contestação da medida
que vier a ser adotada ao término da investigação, podendo até culminar com a
revogação da mesma por determinação da OMC.
O Órgão de Resolução de Disputas (ORD) da OMC é responsável pela
resolução dos conflitos: tem a autoridade exclusiva para estabelecer os comitês de
41
investigação, compostos por especialistas que analisarão cada caso, assim como
para aceitar ou rejeitar as recomendações de um painel, ou os resultados de uma
apelação. Ainda, cabe a esse órgão monitorar a implementação das decisões e
recomendações, possuindo poder de autorizar retaliações no caso de um país não
implementá-las.29 A seguir tem-se o esquema de procedimento do Sistema de
Resolução de Disputas da OMC, a ser respeitado nos casos de dumping, subsídios
e salvaguardas. 30
3.3
Figura 3 – Procedimento do Sistema de Resolução de Disputa da OMC. 29 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 23. 30 Ibid., p.63.
Consulta – 60 dias
ORD estabelece painel
Termos de referência – 20 dias Composição – 20 dias
Encontro Exame pelo painel Encontro com as partes máximo 6 meses com terceiros
Revisão do grupo de peritos
Painel submete laudo às partes Revisão Interina
Partes negociam compensação até implementação total
ORD autoriza retaliação até implementação total - 60 dias após término do prazo de implementação
Painel circula laudo ao ORD
ORD adota laudo do painel 60 dias
Grau de recurso Máximo 90 dias
ORD adota laudo recursal dentro de 30 dias
ORD monitora implementação das recomendações do painel / Grau sucursal ORD monitora implementação das recomendações do painel / Grau sucursal
42
3.3.1. Antidumping
No Brasil, os procedimentos administrativos relativos à aplicação de medidas
antidumping são disciplinados pelo Decreto nº 1.602, de 23 de agosto de 1995, que
regulamenta o Acordo Antidumping (AAD).
Em conformidade com a Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995, o mencionado
Decreto determina que o direito antidumping será aplicado na forma de uma
alíquota, ad valorem ou específica, ou a combinação de ambas, sendo a sua
natureza distinta da natureza do imposto de importação. O art. 1º, Parágrafo único
da citada lei, determina que o direito antidumping será cobrado “independentemente
de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos
afetados”, o que significa que mesmo as eventuais importações não sujeitas à
aplicação do imposto de importação estarão sujeitas ao direito antidumping.
Em seu livro “OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do
comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais”, Thorstensen
esclarece que:
Antidumping é um instrumento mais ágil e eficiente para buscar proteção; é um instrumento seletivo contra um país ou uma empresa; não exige compensações como no caso de salvaguardas; e, ainda, permite maior flexibilidade de interpretações, o que facilita o enquadramento de muitos casos dentro da legislação. 31
Ainda segundo Thorstensen,
Medidas antidumping estão se convertendo no mais freqüente instrumento do comércio internacional contra as chamadas práticas desleais de comércio.
31 THORSTENSEN, Vera. OMC. Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 116 e 117.
43
Estão sendo usadas contra importações com preços discriminatórios e abaixo de seus preços domésticos, mas também como medidas de proteção para setores tradicionais dos países mais desenvolvidos. 32
O direito antidumping é aquele aplicado às importações realizadas a preços
de dumping e constituem uma medida não tributária de intervenção no domínio
econômico com a finalidade de neutralizar os efeitos danosos de uma prática
econômica ilícita. Esse direito deverá ser igual ou inferior à margem de dumping
apurada e sua aplicação caracterizar-se-á por:
(i) alíquotas ad valorem sobre o valor aduaneiro da mercadoria em base CIF,
ou específicas fixas ou variáveis, ou pela conjugação de ambas;
(ii) aplicado individualmente para as empresas que participaram da
investigação e forneceram dados suficientes para determinação da correspondente
margem de dumping;
(iii) não é cobrado de exportadores com os quais tenham sido acordados
compromissos de preço.
3.3.2. Dumping
O art. 2º do Acordo Antidumping apresenta a seguinte definição:
“1 - Para as finalidades do presente Acordo, considera-se haver prática de dumping, isto é, oferta de um produto no comércio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser inferior àquele praticado, no curso normal das atividades comerciais, para o mesmo produto quando destinado ao consumo no país exportador.”
Já o art.4º, do Decreto nº 1.602, de 23 de agosto de 1995, traz o que se
segue:
32 THORSTENSEN, Vera. OMC. Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 124.
44
“Art. 4. Para os efeitos deste Decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback33, a preço de exportação inferior ao valor normal.”
E, de acordo com a definição trazida pelo Relatório do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, o dumping consiste no
Ato de vender um produto a preço inferior ao preço considerado normal, por exemplo, abaixo do preço praticado no mercado doméstico da firma exportadora [...]. O dumping é uma prática de comércio considerada desleal na medida em que desloca do mercado os demais produtores em decorrência da prática de preços irrealistas, sendo combatida através da imposição de direitos antidumping.34
Sob a ótica do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), 1994, tem-
se:
Dumping - Introdução dos produtos de um país no mercado de outro país a um preço inferior a seu valor normal, condenável quando causa ou ameaça causar um dano significativo a um setor de produção de uma parte contratante ou se causa de maneira significativa retardamento no estabelecimento de uma indústria doméstica.
Vale destacar que, o dumping é uma prática de empresas, não se refere a
ações de governos, muito embora o seu combate envolva atuação de órgãos
governamentais.
De acordo com o Bagnoli,
Dumping é a prática de introduzir um produto no mercado de outro país a preço inferior ao “valor normal”, ou seja, o preço de exportação é inferior ao preço efetivamente praticado para produto semelhante em operações comerciais normais, que destinem o tal produto ao consumo interno no país exportador. 35
33 Drawback é um Regime Aduaneiro Especial que possibilita às empresas importar matérias-primas, peças, componentes e outros insumos, com a isenção ou suspensão de tributos alfandegários, para fabricar produtos destinados à exportação. É um benefício considerado incentivo à exportação. 34 RELATÓRIO MDIC. Barreiras externas às exportações brasileiras. 1999, p.229. 35 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 128.
45
Segundo Faria, dumping é conceituado no Acordo Antidumping (AAD) como a
introdução de uma mercadoria no mercado interno do país importador a preço
inferior ao praticado nas vendas no mercado doméstico do país exportador. Dessa
forma, o Acordo caracteriza o dumping como discriminação de preço, entre o preço
praticado pelo exportador no mercado de origem (valor normal) e aquele praticado
na exportação para um determinado país (preço de exportação).
Ressalta ainda Faria que
Dumping é uma prática privada (da empresa produtora ou exportadora estrangeira), não sendo condenada de per si, mas apenas se vier a causar ou ameaçar causar dano à indústria doméstica do país importador, situação em que este poderá adotar medida antidumping para anular os efeitos danosos. 36
As normas da OMC caracterizam o dumping como prática desleal ao
comércio. Segundo Marques,
Dumping é, portanto, um ilícito jurídico-econômico: jurídico porque é um fato
regulado por leis e tratados que impõem sanções, claras e objetivas, no caso de configurar-se a prática abusiva no comércio, e econômico, já que a ação visa a obtenção de vantagens de cunho meramente econômico[...].37
Conforme Oliveira, 38o dumping pode ocorrer somente quando duas
condições são satisfeitas: (i) existência de uma competição imperfeita e (ii)
segmentação de mercados. Dadas estas condições, por exemplo, uma firma
monopolística pode vir a lançar mão do dumping como uma prática lucrativa ou
impeditiva do ingresso de novos concorrentes no mercado internacional.
36 FARIA, Fábio Martins. A defesa comercial – origens e regulamentações das medidas antidumping, compensatórias e de salvaguardas. 1.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 43. 37 MARQUES, Frederico. In: CASELLA, P. Borba. Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio? São Paulo: LTr, 1998, p.299-300. 38 OLIVEIRA, Gesner. Apresentação na ABINEE (março/2005).
46
Finalizando, citam-se a seguir alguns casos de dumping envolvendo
interesses brasileiros.
O Brasil tem protagonizado inúmeras lides, de um lado como autor, de outro como réu. Em matéria de investigação de dumping, várias promovidas pelo Brasil, destacam-se a do aço inoxidável, laminados a quente e a frio, contra a África do Sul, Alemanha e Japão, no primeiro caso, e contra a África do Sul, Alemanha, Espanha, França, Itália, Japão e México, no segundo caso. A do tubo de vidro para a coleta de sangue, proposta contra os Estados Unidos da América – EUA. A de pneus de bicicleta, contra a República Popular da China, Índia, Taiwan e Tailândia. A das esferas de aço, promovida contra o Chile. 39
3.4. Medidas Compensatórias e Subsídios
3.4.1. Medidas Compensatórias
Com a finalidade de neutralizar possíveis efeitos danosos à indústria nacional,
a proteção de defesa comercial dada aos subsídios ilegais é denominada direitos
compensatórios. Entende-se por direito compensatório uma tarifa adicional ao
imposto de importação aplicada a um determinado produto de sorte a neutralizar, ou
equalizar, os benefícios derivados dos subsídios ilegais recebidos por um ou mais
agentes de sua cadeia de exportação e concedidos por qualquer agente da
administração pública direta ou indireta do país exportador. Diferentemente do
dumping, no qual a prática desleal parte de agente(s) privado(s), aqui a iniciativa é
de organismo público do país exportador em benefício de suas empresas
exportadoras.
A ação governamental pode originar-se da administração direta nacional ou
regional do país exportador, bem como da administração indireta, podendo tomar
39 ASSIS, Francisco Arnoldo de. Comércio exterior – política de defesa comercial versus práticas desleais de comércio. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. XXVII.
47
forma de um benefício direto, como um pagamento, ou ainda de um benefício
indireto, na modalidade de um financiamento abaixo dos custos de mercado. 40
Bagnoli assinala que são utilizados os direitos compensatórios, no intuito de
neutralizar efeitos danosos à indústria doméstica, através da imposição de taxas às
importações de produtos que tenham sido beneficiados com subsídios. 41
Thorstensen destaca que, como no caso de dumping, a prática de subsídio é
considerada desleal (unfair) no comércio internacional, e como tal, a proteção à
indústria doméstica é permitida através de uma medida compensatória. Ainda
segundo Thorstensen, dado o fato de envolver governos e não empresas nas
investigações, são menos empregados processos contra subsídios. Com efeito, as
investigações para medidas compensatórias, no período de 1995 até junho de 2000,
atingiram o número de 104 casos, sendo os EUA e a CE os grandes usuários desse
instrumento de defesa comercial. Já as investigações para aplicação de medidas
antidumping somaram 1.600 casos no mesmo período. 42
Entende-se que o subsídio proibido ou ilegal corresponde a uma prática ilícita
de natureza econômica, promovida por um governo estrangeiro, com reflexos
prejudiciais no território nacional do país importador do bem subsidiado. No tocante
à natureza jurídica do direito compensatório, este deve ser interpretado como
medida não tributária de intervenção no domínio econômico. Conforme disposto no
parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 9.019/95: “Os direitos antidumping e os
40 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal. 2003, p. 66. 41 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 129. 42 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 116 e 133.
48
direitos compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer
obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados”.
A exemplo da medida antidumping, a aplicação de medida compensatória
requer que seja determinada a existência de subsídio acionável, de dano à indústria
doméstica e de relação causal entre estes, apurados por meio de investigação
aberta com essa finalidade. Ao serem implementados os direitos compensatórios,
estes deverão vigorar no período necessário para corrigir o subsídio que está
causando dano, não podendo ultrapassar cinco anos.
3.4.2. Subsídios
Os subsídios compreendem diversas modalidades de apoio a produtores,
concedido por governo ou órgão publico de país exportador, podendo ser
materializadas mediante a transferência direta de fundos, receitas públicas devidas
que sejam perdoadas ou deixem de ser recolhidas e, por fim, fornecimento de bens
e serviços, além dos correspondentes à infra-estrutura geral.
Conforme o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC),
celebrado quando da Rodada Uruguai (1986-1994), tem-se a seguinte definição:
Art. 1 - Definição de subsídio 1 - Para os fins deste Acordo, considerar-se-á a ocorrência de subsídio quando: a.1) haja contribuição financeira por um governo ou órgão público no interior do território de um Membro (denominado, a partir daqui, “governo”) [...] a.2) haja qualquer forma de receita ou sustentação de preços no sentido do art. XIV do GATT 1994; e b) com isso se confira uma vantagem. 2 - Um subsídio, tal como definido no parágrafo 1º, apenas estará sujeito às disposições da Parte II ou às disposições das Partes III ou V se o mesmo for específico, de acordo com as disposições do art. 2.
Ainda segundo o ASMC, um subsídio existe caso venha a reunir 3 (três)
condições: (i) ser dado mediante contribuição governamental; (ii) significar um
49
benefício que é concedido a uma indústria; e (iii) ser específico a uma indústria
determinada.
De acordo com Bagnoli,
O subsídio caracterizar-se-ia por um benefício em decorrência da existência no país exportador de qualquer sustentação de renda ou preços que contribuam, mesmo que indiretamente, ao aumento das exportações ou a redução da importação de qualquer produto, ou pela existência de contribuição financeira governamental ou de algum órgão público, no próprio país exportador. 43
Thorstensen44 detalha as três condições anteriormente apontadas e
necessárias para a comprovação da ocorrência de prática desleal mediante o uso de
subsídio.
(i) Um subsídio existe se houver uma contribuição financeira de um governo ou órgão público dentro do território de um membro, isto é: - a prática do governo implicar em uma transferência direta de fundos, como doações, empréstimos, aporte de capital ou transferência direta ou potencial de fundos; ou implicar em uma obrigação, como garantia de empréstimos; - a receita do governo ser perdoada ou não recolhida, como no caso de incentivos fiscais ou créditos fiscais; - o governo fornecer bens ou serviços além de infra-estrutura, ou através da compra de bens; - o governo fazer pagamentos através de um mecanismo de apoio ou determinar a um órgão privado que execute alguma das atividades acima, cuja prática não difere da do governo; - ou se existir alguma forma de apoio à renda ou ao preço. (ii) A segunda condição para um subsídio existir é que um benefício seja conferido. Benefício é aqui entendido como uma vantagem dada à empresa ou indústria, através de uma ação do governo em termos mais vantajosos que a prática comercial do mercado. (iii) A terceira condição para que um subsídio seja proibido ou acionável é que seja específico. Para determinar se um subsídio é específico a uma empresa ou indústria, ou grupo de indústrias, dentro da jurisdição da autoridade que o concede, os seguintes princípios devem ser aplicados: - o subsídio é específico se a autoridade ou a legislação pertinente explicitamente limitar o acesso a um subsídio para certas empresas ou indústrias; - o subsídio não é específico se a autoridade ou a legislação estabelecerem critérios objetivos ou condições de elegibilidade para o subsídio e para a sua
43 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 128. 44 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 134 e 135.
50
quantia, desde que a elegibilidade seja automática e claramente determinada em lei; - na determinação da especificidade outros fatores podem ser considerados como: o uso de um programa de subsídios para um número limitado de empresas, o uso predominante do subsídio por certas empresas, a concessão de grande quantia de subsídios para certas empresas, e a maneira como foi concedido o subsídio; - um subsídio que seja limitado para certas empresas localizadas dentro de uma região geográfica determinada sob a jurisdição de uma autoridade deve ser específico; - subsídios de apoio à exportação devem ser considerados específicos.
É importante observar, num primeiro momento, o “critério da especificidade”,
ou seja, a aplicação de medidas compensatórias somente será legitimada nos casos
em que o subsídio se limitar a certas empresas, indústrias ou regiões. Caso seja
acessível de forma ampla, isto é, a empresas em geral, através de critérios objetivos,
dentro de um determinado Estado, será considerado não específico, e, portanto, não
proibido.
De acordo com a OMC, a maioria de subsídios diretos à exportação é
proibida, sendo que a legislação brasileira prevê direitos compensatórios às nossas
indústrias, devendo o produtor que se sentir prejudicado recorrer à SECEX. O
Decreto nº 1.751, de 19 de dezembro de 1995, institui a regulamentação das normas
que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à determinação da
existência de subsídio acionável, e do dano à industria doméstica dele decorrente, e
sobre a aplicação de medida compensatória.
Vale enfatizar que o Relatório do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior do Brasil define o subsídio como benefício econômico concedido
pelo governo a produtores e/ou exportadores com o objetivo de torná-los mais
competitivos, podendo ser concedido diretamente (desembolso monetário) ou
indiretamente (créditos a juros reduzidos, por exemplo).
51
Conforme observado por Noronha,
A questão dos subsídios é, sem sombra de dúvida, uma das de maior relevância a afetar o comércio internacional, por distorcer as trocas, penalizar os consumidores, aniquilar as economias dos países menos desenvolvidos e onerar as finanças públicas [...] 45
Por fim, cabe a menção a casos de maior repercussão em setores industriais
brasileiros, compreendendo questões de subsídios.
Em matéria de subsídios, ganhou tremenda repercussão, a investigação intentada pelo Canadá contra o Brasil, envolvendo a empresa canadense Bombardier, no rumoroso caso dos aviões da Embraer, no qual se fez necessária a intervenção da OMC, que reconheceu a vitória do Brasil. Do lado de cá, destaca-se a da carne de porco – carne de cerdo – proposta pela Argentina contra o Brasil, que culminou com a intervenção do tribunal Arbitral do MERCOSUL, cuja decisão, por maioria, foi de reconhecer improcedente a reclamação dos argentinos. 46
3.4.2.1. Tipos de subsídios
Em face de inúmeras formas de classificações de subsídios, julgou-se
oportuno acrescentar mais este tópico na presente monografia, com vistas a permitir
melhor aquilatar os casos em que cabe a aplicação de medidas compensatórias.
(i) Acionáveis ou recorríveis - Um subsídio é denominado acionável, isto é,
sujeito a medidas compensatórias, se for específico.
(i.1) Subsídio específico:
Se explicitamente restringe o acesso ao subsídio a determinados(as):
- empresas ou indústrias;
- ramos de produção; ou
45 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 65. 46ASSIS, Francisco Arnoldo de. Comércio exterior – política de defesa comercial versus práticas desleais de comércio. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. XXVII.
52
- regiões geográficas.
(ii) Não acionáveis ou irrecorríveis - Um subsídio é denominado não
acionável, isto é, não sujeito a medidas compensatórias quando não for específico.
Durante os primeiros 5 (cinco) anos de vigência do Acordo sobre Subsídios e
Medidas Compensatórias (ASMC) foram considerados como não acionáveis os
seguintes subsídios específicos:
- para atividades de pesquisa; ou
- visando ao desenvolvimento regional; ou
- destinados à adaptação de instalações existentes a exigências
ambientalistas.
Além dos dois tipos supracitados, existem outras classificações para os
subsídios, com destaque para a do Acordo sobre Subsídios e Medidas
Compensatórias (ASMC) e a da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Para o exame de políticas de subsídios, o ASMC estabeleceu uma
classificação, abrangendo 3 (três) categorias:
(i) Subsídios Proibidos – art.3º do ASMC:
Art. 3 - Proibição 1 - Com exceção do disposto no Acordo sobre Agricultura, serão proibidos os seguintes subsídios, conforme definidos no art. 1: a) subsídios vinculados, de fato ou de direito, ao desempenho exportador, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, inclusive aqueles indicados a título de exemplo no Anexo I; b) subsídios vinculados, de fato ou de direito, ao uso preferencial de produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições.
Segundo Faria,
São considerados subsídios proibidos aqueles vinculados ao desempenho exportador e os condicionados ao uso preferencial de produtos domésticos em detrimento de produtos estrangeiros. O subsídio proibido é por definição
53
um subsídio específico. Todos os subsídios que não são proibidos são permitidos. 47
(ii) Subsídios Recorríveis – art. 5º do ASMC:
Art. 5 - Efeitos danosos Nenhum Membro deverá causar, por meio da aplicação de qualquer subsídio mencionado nos parágrafos 1º e 2º do art. 1, efeitos danosos aos interesses de outros Membros, isto é: a) dano à indústria nacional de outro Membro; b) anulação ou prejuízo de vantagens resultantes, para outros Membros, direta ou indiretamente do GATT 1994, em especial as vantagens de concessões consolidadas sob o art. II do GATT 1994; c) grave dano aos interesses de outro Membro. Este Artigo não se aplica aos subsídios mantidos para produtos agrícolas, conforme o disposto no art. 13 do Acordo sobre Agricultura.
Ainda segundo Faria,
Dois tipos de ações são possíveis de serem tomadas em contraposição a subsídio acionável ou recorrível, desde que se possa demonstrar ser ele específico e que sua concessão causa efeitos danosos aos interesses de um país, a saber: (a) imposição de medida compensatória para contrabalançar o subsídio concedido direta ou indiretamente à produção ou à exportação de uma mercadoria; (b) recurso direto à OMC em razão da concessão do subsídio estar ocasionando anulação de vantagens concedidas no âmbito do GATT 1994. Inicialmente são realizadas consultas e, se não se chegar a uma solução mutuamente acordada no prazo de 30 dias, o assunto poderá ser elevado ao órgão de Solução de Controvérsias para estabelecimento de um grupo arbitral. 48
(iii) Subsídios Permitidos – art. 8º do ASMC:
Art. 8 - Identificação de subsídios irrecorríveis 1 - Serão considerados irrecorríveis os seguintes subsídios: a) os que não são específicos no sentido do art. 2; b) os que são específicos no sentido do art. 2, mas que preenchem todas as condições enumeradas nos parágrafos 2.a, 2.b e 2.c abaixo. 2 - A despeito do disposto nas Partes III e V, os seguintes subsídios serão considerados irrecorríveis: a) assistência para atividades de pesquisa realizadas por empresas ou estabelecimentos de pesquisa ou de educação superior vinculados por relação contratual, se: a assistência cobre até o máximo de 75 por cento dos custos da pesquisa industrial ou de 50 por cento dos custos das atividades pré-competitivas de desenvolvimento [...]; b) assistência a uma região economicamente desfavorecida dentro do território de um Membro, concedida no quadro geral do desenvolvimento
47 FARIA, Fábio Martins. A defesa comercial – origens e regulamentações das medidas antidumping, compensatórias e de salvaguardas. 1.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 45. 48 Ibid., p. 45.
54
regional, e que seja inespecífica (no sentido do art. 2) no âmbito das regiões elegíveis [...]; c) assistência para promover a adaptação de instalações existentes a novas exigências ambientalistas impostas por lei e/ou regulamentos, de que resultem maiores obrigações ou carga financeira sobre as empresas [...].
Conforme Thorstensen, no âmbito da OMC há 3 (três) categorias de
subsídios: proibidos, acionáveis e não acionáveis, que ficaram conhecidos por meio
de cores: vermelhos, amarelos e verdes. 49 Para cada categoria, diferentes tipos de
recursos devem ser aplicados.
(i) Subsídios vermelhos ou proibidos
Dois tipos de subsídios devem ser considerados proibidos:
- subsídios vinculados ao desempenho das exportações, por lei ou de
fato, sob condições únicas ou dentro de outras condições;
- subsídios vinculados ao uso de bens domésticos de preferência a
bens importados, sob condições únicas ou dentro de outras condições.
No caso de subsídio proibido, dois tipos de recursos foram previstos. Se um
membro tiver razões para acreditar que um subsídio proibido está sendo concedido
por outro membro, ele pode: pedir consultas ao outro membro e chegar a uma
solução satisfatória; e/ou pedir o estabelecimento de um painel para analisar o
conflito, dentro do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC e, se for o
caso, aplicar contramedidas apropriadas caso o outro membro não acabe com a
prática do subsídio.
49 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 135 a 138.
55
(ii) Subsídios amarelos ou acionáveis
São considerados subsídios acionáveis aqueles que causam dano ou grave
prejuízo à indústria doméstica. Nos termos do Acordo, nenhum membro deve
causar, através do uso de algum subsídio, efeitos adversos aos interesses de outro
membro, isto é, dano à indústria doméstica do outro membro, anulação ou
diminuição de benefícios concedidos diretamente ou indiretamente por outros
membros, em particular, os benefícios de concessões tarifárias; ou grave prejuízo
aos interesses de outro membro.
No caso dos subsídios acionáveis dois tipos de recursos foram previstos. Se
um membro tiver razões para acreditar que algum subsídio está causando dano,
grave prejuízo a sua indústria, ou estiver anulando ou diminuindo os benefícios por
ele já negociados, ele poderá seguir o procedimento de consultas com o outro
membro, ou pedir o de estabelecimento de um painel dentro do Mecanismo de
Solução de Controvérsias da OMC, com o objetivo de conseguir o fim da prática do
subsídio.
No caso em que o subsídio estiver causando dano à indústria doméstica, o
membro pode iniciar uma investigação interna para a aplicação de medidas
compensatórias, dentro das regras estabelecidas pelo Acordo.
(iii) Subsídios verdes ou não acionáveis
São considerados subsídios não acionáveis os subsídios que são não
específicos e os subsídios específicos que atendam às condições estabelecidas no
Acordo.
No caso de subsídios não acionáveis, dois tipos de recursos foram previstos
no Acordo. Se um membro tiver razões para acreditar que um programa de
56
subsídios tenha resultado em sérios efeitos adversos para a sua indústria doméstica,
o membro pode pedir consultas ao membro que subsidia e, se for o caso, levar o
caso ao Comitê sobre Subsídios, que pode recomendar alterações no programa de
forma a eliminar os efeitos adversos.
3.5. Medidas de Salvaguardas
Medidas de salvaguardas, ou simplesmente salvaguardas, compreendem
ações passíveis de serem tomadas por um estado membro da OMC, a pedido de
setor relevante que se sinta afetado, para proteger uma atividade doméstica
específica de um aumento imprevisível, absoluto ou relativo à produção nacional, de
importações de produtos concorrentes, que causa, ou poderá causar, um sério dano
ao setor em questão.
Conforme esclarece Faria,
Salvaguardas são medidas de caráter não seletivo e temporário, na forma de elevações tarifárias ou limitações quantitativas, que têm como objetivo proteger uma indústria doméstica de prejuízo grave causado ou que possam ser causados por importações crescentes, tendo por objetivo facilitar o ajuste competitivo dessa indústria, que não se encontra em condições de concorrer com as importações. 50
Do mesmo modo, Thorstensen indica-nos que
Salvaguardas são medidas adotadas pelos governos, tais como elevação de tarifas ou estabelecimento de quotas, com o objetivo de dar uma proteção temporária à indústria doméstica contra importações crescentes que estiverem causando ou ameaçando causar um grave prejuízo a essa indústria. A diferença entre salvaguardas e os direitos antidumping e direitos compensatórios é que as importações com práticas de dumping e de subsídios são consideradas desleais, o que não acontece no caso das importações sujeitas a salvaguardas. 51
50 FARIA, Fábio Martins. A defesa comercial – origens e regulamentações das medidas antidumping, compensatórias e de salvaguardas. 1.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 47. 51 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 150.
57
A aplicação de medidas de salvaguardas, prevista no artigo XIX do GATT,
que disciplina as Ações de Emergência em Importações de Produtos Particulares, foi
regulamentada na Rodada Uruguai.
Vale assinalar que salvaguardas ainda são pouco utilizadas pelos membros
da OMC, com reduzido número de investigações, situando-se ao redor de 60
(sessenta) entre 1995 e 2000, sendo que, no referido período, EUA e Índia
destacaram-se como os maiores usuários desse instrumento de defesa comercial.
Esse recurso é pouco empregado porque envolve governos e não empresas. No
caso do Brasil, apenas duas medidas foram impostas, sendo uma sobre a
importação de brinquedos e outra sobre importações de coco ralado.
Acordo sobre Salvaguardas dá condições ao país importador de limitar
temporariamente as importações de um produto, por meio de elevação de alíquota
do imposto de importação ou estabelecimento de quotas (controle do volume
importado).
Cabe reiterar que as medidas de salvaguarda diferem dos direitos
antidumping e compensatórios uma vez que:
(i) não exigem ocorrência de prática "desleal";
(ii) abrangem todos os países - não existe seletividade;
(iii) há necessidade de comprovação de "prejuízo grave";
(iv) há possibilidade de compensação; e
(v) exigem um programa de ajustamento da indústria doméstica.
Salvaguarda constitui-se no último recurso ao produtor que não tenha
conseguido comprovar dano causado por dumping ou subsídios. A legislação prevê
salvaguardas para o setor que sofra invasão de bens importados que ameace a
produção nacional. Os produtores nacionais de um mesmo produto se unem e
58
reivindicam junto às autoridades a adoção de salvaguarda. Não está presente
qualquer prática “desleal” de comércio. O objetivo é aumentar a proteção à indústria
por um período, durante o qual a indústria doméstica se ajuste, aumentando a sua
competitividade para fazer face ao concorrente importado. Nesse sentido, a indústria
doméstica deve apresentar às autoridades um plano de ajuste a ser implementado
durante a vigência da medida de salvaguarda.
A medida de salvaguarda pode ser aplicada através de alíquota ad valorem,
na forma de um adicional ao imposto de importação, tendo assim a mesma natureza
jurídica deste, ou por meio de restrição quantitativa (quota), ou ainda pela
conjugação de ambas.
Um país membro deve aplicar medidas de salvaguardas apenas por lapso de
tempo suficiente para prevenir ou remediar o grave prejuízo ou para facilitar o ajuste
da indústria.
Segundo esclarece Faria,
Uma medida de salvaguarda pode ser aplicada para facilitar o ajuste da indústria doméstica afetada por aumento de importações. A duração dessa medida será limitada ao período necessário para prevenir ou remediar o prejuízo grave e facilitar o ajustamento, por período não superior a quatro anos, devendo a medida ser liberalizada progressivamente em intervalos regulares. 52
Reiterando, vale frisar que o instituto das salvaguardas tem por finalidade
proteger o setor doméstico de um estado membro da OMC, não da concorrência
desleal ou predatória, mas sim da sua perda de competitividade, momentânea e
conjuntural, face aos concorrentes estrangeiros, devido, de um lado, à liberalização
comercial e tarifária do país importador e, de outro, a fatores micro ou macro-
econômicos domésticos ou internacionais. As salvaguardas, portanto, não são uma
52 FARIA, Fábio Martins. A defesa comercial – origens e regulamentações das medidas antidumping, compensatórias e de salvaguardas. 1.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 49.
59
“defesa” contra um ilícito praticado por uma indústria ou governo de estado membro
da OMC, mas sim uma defesa econômica lícita de um setor prejudicado por uma
situação transitória e institucional. 53
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do
Brasil entende-se por salvaguarda um “ajuste” do setor produtivo nacional, ou seja:
Medidas temporárias empregadas com o intuito de conter as importações e permitir que o setor produtivo doméstico ajuste-se às novas condições competitivas internacionais. Em geral, as medidas de salvaguardas são impostas em resposta a uma elevação não esperada e significativa das importações, ou a uma forte queda nos preços internacionais. 54
Ressalta-se que, em contraposição aos direitos antidumping e aos direitos
compensatórios, as medidas de salvaguardas não possuem natureza jurídica de
“medida não tributária de intervenção no domínio econômico”, uma vez que, quando
expressas em majoração tarifária, com suspensão dos patamares máximos
consolidados pelo país importador no âmbito da OMC, revelam nítida natureza
tributária. De outra sorte, mesmo que a fixação provisória de quotas represente uma
exceção frente à ordem jurídica multilateral, deve se reconhecer o seu caráter de
“medida não tributária de intervenção no domínio econômico” caso a salvaguarda se
efetive através do estabelecimento de medidas quantitativas. 55
Bagnoli preconiza que
O acordo de Salvaguardas prevê que o país importador tem condições de limitar temporariamente as importações de um produto, elevando a alíquota do imposto de importação ou estabelecendo quotas. (Vide Decreto nº 1.488, de 11 de maio de 1995, alterado pelo Decreto nº 1.936, de 20 de julho de
53 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 93. 54 Ibid., p. 94. 55 Ibid., p. 95.
60
1996; Decreto nº2. 667, de 10 de julho de 1998; e Circular SECEX nº 19, Roteiro de preenchimento de petições). 56
No Brasil, a imposição de medidas de salvaguardas é regulamentada por
meio do Decreto nº 1.488, de 11 de maio de 1995, alterado pelo Decreto nº 1.936,
de 20 de julho de 1996. Posteriormente, foi aprovado um regulamento comum do
Mercosul para aplicação de medida de salvaguarda, adotado no Brasil através do
Decreto nº 2.667, de 10 de julho de 1998.
Com o ingresso da China na OMC, aquele país concordou com possíveis
aplicações de medidas de salvaguardas especiais para suas exportações, com
vigência até 2013. Em conseqüência, o Brasil regulamentou a adoção das referidas
salvaguardas especiais mediante a edição, em 2005, dos Decretos nº 5.556 e nº
5.558, aplicáveis aos produtos chineses.
3.6. A Defesa Comercial no Brasil
Em abril de 1979, ao término da Rodada de Tóquio, o Brasil tornou-se
signatário dos Códigos Antidumping e de Subsídios e Medidas Compensatórias do
GATT. Entretanto, tais acordos só vieram a integrar o arcabouço jurídico nacional
em 1987, pelos Decretos nº 93.941, de 19 de janeiro 1987 e nº 93.962, de 23 de
janeiro de 1987, aprovados pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo
nº 20, de 5 de dezembro de 1986.
Esse retardamento na introdução desses Códigos no Brasil ocorreu em
virtude de estarem em vigor, no país, outros mecanismos de proteção comercial, tais
como diversos regimes especiais de importação e severos controles administrativos
de importação, de sorte que a produção doméstica encontrava-se relativamente
imune às práticas desleais de comércio.
56 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência. 1.ed. São Paulo: Singular, 2005, p. 128.
61
Todavia, esses instrumentos e os procedimentos administrativos a eles
pertinentes, conflitavam com as normas do GATT e desgastaram, com a sua
permanência, a posição brasileira nos foros internacionais.
Em 1987, com a aprovação dos Códigos Antidumping e de Subsídios e
Medidas Compensatórias do GATT, o país passou a contar com instrumentos de
política comercial adequados, segundo a experiência internacional, para proteger a
indústria doméstica contra práticas desleais de comércio.
Ficou estabelecido, naquela ocasião, que as investigações e a aplicação dos
direitos antidumping e medidas compensatórias ficariam sob os cuidados da antiga
Comissão de Política Aduaneira (CPA), do Ministério da Fazenda. Porém,
efetivamente apenas a partir do início dos anos 90, com a abertura comercial, com a
extinção dos controles administrativos e a eliminação dos vários regimes especiais
de importação, o recurso da indústria brasileira a esses mecanismos tornou-se mais
efetivo.
Em 1994, o Congresso Brasileiro incorporou os resultados da Rodada
Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT, incluindo os novos Acordos
Antidumping, de Subsídios e Medidas Compensatórias e de Salvaguardas, como
também a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) 57.
57 A OMC é fruto das negociações multilaterais desenvolvidas na 8ª Rodada, denominada Rodada Uruguai. O contexto que favoreceu a criação da OMC foi um mundo globalizado, pós Guerra Fria, no qual se consolidou o capitalismo, sob a hegemonia dos Estados Unidos. São realizadas, no âmbito da OMC, reuniões semestrais dos Comitês de Práticas Antidumping, Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias e Comitê de Salvaguardas, nas quais se discutem diversos temas como: revisão das legislações nacionais de implementação dos Acordos e das medidas aplicadas, como também aspectos controversos da interpretação e implementação dos Acordos. Em 2001, foi realizada uma reunião ministerial em Doha, Catar, quando foi lançada a nona rodada de negociações multilaterais, que ainda não foi encerrada. Na área de defesa comercial foram abertas duas frentes de negociação: (i) com relação ao Grupo Negociador de Regras, em que se acordou negociar as disciplinas previstas nos Acordos Antidumping e sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, preservando-se os conceitos básicos desses Acordos; (ii) relaciona-se aos temas
62
Em 1995, foi criado o Departamento de Defesa Comercial (DECOM), no
âmbito da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, um órgão especializado para a
condução de investigações. Criado este órgão com o objetivo de aumentar a
capacitação técnica e operacional para a atuação governamental na aplicação da
legislação antidumping, medidas compensatórias e de salvaguardas.
Ainda em 1995, foi aprovada a união aduaneira no âmbito do Mercado
Comum do Sul (Mercosul) e adotada uma tarifa externa comum pelos quatro países
integrantes.
Inicialmente, a competência para aplicação de medidas de defesa comercial
era dos Ministros da Indústria, Comércio e Turismo (atualmente Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior) e da Fazenda, mas, a partir de 2001, foi transferida
para a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX).
O Brasil, atualmente, tem utilizado os instrumentos de defesa comercial
visando não só à defesa dos produtores domésticos afetados por importações a
preços de dumping, como também, em menor medida, de produtos objeto de
subsídios. Em contrapartida, tem tido suas exportações prejudicadas pela aplicação
dessas medidas por vários países, que as aplicam nem sempre de forma compatível
com as regras previstas na OMC. Frente a tal cenário, o Brasil tem defendido que
tais instrumentos são relevantes e que devem ser preservados, cabendo o seu
aprimoramento para que haja maior transparência e a redução de utilização
discricionária dos mesmos pelos Membros.
de implementação, se refere à forma como estão sendo implementados os acordos negociados na Rodada Uruguai. Essas negociações são de grande interesse para os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil.
63
3.7. A Nova Organização do Comércio Exterior Brasileiro
A matéria de defesa comercial está regulada em três acordos específicos na
OMC: (i) Acordo de Implementação do Artigo VI do GATT 1994 (que trata das
normas antidumping, visando evitar que os produtores domésticos se prejudiquem
com importações realizadas a preços de dumping); (ii) Acordo de Subsídios e
Medidas Compensatórias (que trata dos instrumentos legais para compensar
subsídios concedidos, direta ou indiretamente); e (iii) Acordo de Salvaguardas (que
objetiva aumentar, temporariamente, a proteção de uma indústria doméstica).
Em 1994, o Decreto nº 1.355 promulgou a Ata Final que incorpora os
resultados da Rodada Uruguai, cujos acordos sobre defesa comercial foram
adaptados de modo genérico, com o objetivo de que fossem adotados como
legislação interna.
São três órgãos diretamente envolvidos nos procedimentos de defesa
comercial: (i) Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), (ii) Secretaria do Comércio
Exterior (SECEX), e (iii) Departamento de Defesa Comercial (DECOM). Os três
órgãos são integrantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior.
O processamento dos instrumentos de defesa comercial, incluídos os critérios
para abertura e condução das investigações, será de competência da SECEX, por
intermédio do DECOM. A fase decisória, consubstanciada na aprovação final do
Parecer Técnico do DECOM e na fixação de direitos antidumping e compensatórios,
provisórios ou definitivos, e salvaguardas, é de competência da CAMEX. 58
58 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 125.
64
3.7.1. Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)
Com a promulgação da Lei 9019/95, e com as alterações introduzidas pela
Medida Provisória 2158-35, de 24 de agosto de 2001, e o Decreto nº 3981, de 24 de
outubro de 2001, ficaram estabelecidas as seguintes alçadas da CAMEX, em termos
de medidas de defesa comercial: (i)aplicação de medidas provisórias; (ii)
homologação de compromissos de preços; (iii) encerramento da investigação com
aplicação de medidas definitivas; (iv) suspensão, alteração ou prorrogação de
medidas definitivas; (v) encerramento de revisão dos direitos definitivos ou
compromissos de preços. Todas essas decisões serão tomadas com base em
parecer elaborado pelo DECOM.
A CAMEX teve suas atribuições ampliadas com o Decreto nº 3.981/01. De
acordo com o decreto é obrigatória a consulta prévia à CAMEX sobre qualquer tema
relacionado ao comércio exterior.
Conforme a obra “Tratado de Defesa Comercial: Antidumping,
Compensatórias e Salvaguardas”, tem-se que
A Câmara tem por atribuição formular diretrizes para implementação de políticas e programas de comércio exterior de bens e serviços, coordenar os demais órgãos de atuação na área de comércio exterior, propor medidas de cunho fiscal e cambial, de financiamento, de recuperação de créditos à exportação, de seguro, de transportes, melhoria de serviços portuários e de promoção comercial. 59
Foi transferida dos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento para a
CAMEX a competência para a imposição de medidas antidumping, compensatórias
e salvaguardas.
O Grupo Técnico de Defesa Comercial (GTDC), criado com a Resolução
CAMEX nº 9/2001, composto por representantes dos membros da CAMEX, é um 59 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 120 e 121.
65
órgão auxiliar que objetiva examinar propostas sobre a fixação de direitos
antidumping e de direitos compensatórios, e analisar a homologação de
compromissos em investigação de dumping e de subsídios. O GTDC, por suas
atribuições, é considerado mais uma instância julgadora, permanecendo a CAMEX
como o único órgão com poderes para deliberar.
3.7.2. Secretaria do Comércio Exterior (SECEX)
A SECEX é responsável por formular a política de comércio exterior, orientar
e coordenar a execução das medidas indispensáveis para a expansão das
transações comerciais.
De acordo com a obra “Tratado de Defesa Comercial: Antidumping,
Compensatórias e Salvaguardas”,
Compete à SECEX implementar os mecanismos de defesa comercial, mediante a investigação e elaboração dos pareceres que embasam as decisões relativas à medidas antidumping, subsídios e salvaguardas. O art. 5º da Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995, dispõe sobre a competência exclusiva da SECEX para apurar a margem de dumping ou o montante de subsídio. Por outro lado, a competência da SECEX na condução de investigações para aplicação de medidas de salvaguardas é definida no art. 2º do Decreto de Salvaguardas (Decreto nº 1.488/95). Assim, cabe à SECEX decidir sobre a abertura de investigação, prorrogação de prazo de investigação, arquivamento do processo a pedido do peticionário, início do processo de revisão de direito definitivo ou de compromisso de preços ou encerramento de investigação sem aplicação de medidas. 60
A SECEX divide-se em: (i) Departamento de Operações de Comércio Exterior
(DECEX); (ii) Departamento de Negociações Internacionais (DEINT); (iii)
Departamento de Defesa Comercial (DECOM); e (iv) Departamento de Planejamento
e Desenvolvimento de Comércio Exterior (DEPLA).
60 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 122.
66
3.7.3. Departamento de Defesa Comercial (DECOM)
O DECOM, como anteriormente visto, é um órgão que está diretamente ligado
a SECEX. Tem como atribuição executar a política de comércio ditada por essa
Secretaria e está encarregado de analisar os pedidos de aumento e redução das
alíquotas de importação.
Segundo a obra “Tratado de Defesa Comercial: Antidumping, Compensatórias
e Salvaguardas”,
O DECOM conduz o processo administrativo referente ao antidumping, subsídios e salvaguardas. O procedimento compreende uma análise da procedência e mérito das petições de abertura de investigação, avaliação técnica da existência de dumping ou subsídios, dano, e o nexo de causalidade. A análise é feita através da elaboração de um Parecer Técnico que, posteriormente, é apreciado pelo Comitê Consultivo de Defesa Comercial. Ao Departamento cabe, ainda, a assistência na defesa de agentes de comércio exterior e setores privados sujeitos a investigações de dumping, subsídios e salvaguardas fora do Brasil ou em outros órgãos governamentais, bem como o acompanhamento junto à OMC da evolução das medidas pertinentes às normas e à aplicação de acordos de defesa comercial. 61
O trabalho do DECOM está centrado em três vertentes: (i) na defesa da
indústria brasileira contra práticas desleais de comércio e surtos de importação,
atuando na condução das investigações no Brasil; (ii) no apoio ao exportador
brasileiro submetido a investigações contra práticas desleais de comércio no
exterior, cabendo ao DECOM orientar e participar nas investigações abertas por
terceiros países; e (iii) nas negociações internacionais sobre defesa comercial,
atuando na elaboração de estudos com o objetivo de subsidiar a posição brasileira
em fóruns internacionais de defesa comercial.
61 GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha; GABRIEL, Amélia Regina Mussi; CARVALHO, Carolina Monteiro de; NEGRINI, Maria Carolina Briza. Tratado de defesa comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas. 1.ed.São Paulo: Observador Legal, 2003, p. 122 e 123.
67
4. DEFESA CONCORRENCIAL E DEFESA COMERCIAL
Nos capítulos 2 e 3 foram abordados aspectos, no âmbito do Brasil, da defesa
comercial e da defesa da concorrência, incluindo a respectiva legislação básica e os
organismos responsáveis pela observância dessas normas.
Este capítulo 4 voltar-se-á para a finalidade deste trabalho, focalizando
possíveis conexões entre os objetivos subjacentes à legislação e aos instrumentos
de defesa da concorrência e aqueles pertinentes ao escopo da defesa comercial,
buscando identificar alguns pontos de convergência e de divergência.
Primeiramente parece não haver qualquer vínculo entre os dois conjuntos de
instrumentos, até porque a própria Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94)
estabelece, em seu artigo 91, que ela não se aplica a casos de dumping e de
subsídios, em conformidade com a Lei nº 9.019/95, a qual dispõe a respeito da
aplicação dos direitos previstos nos acordos antidumping e de subsídios e direitos
compensatórios.
Conforme visto mais detidamente nos capítulos anteriores, tem-se, em
resumo, que:
(i) a legislação de Defesa da Concorrência tem como principal objetivo
assegurar a concorrência no mercado interno, assegurando plena e
equilibrada competição, de sorte que as empresas concorram entre si, o
que resulta na oferta de produtos e serviços de melhor qualidade e a
preços mais atraentes para o consumidor doméstico. Assim, através dos
mecanismos de defesa concorrencial o maior beneficiado é o consumidor
nacional;
(ii) a legislação de Defesa Comercial busca combater práticas predatórias no
comércio internacional, descritas em capítulo anterior, a fim de evitar
68
falências de empresas e subseqüente risco de desindustrialização do país
importador submetido às referidas práticas desleais. O foco básico aqui é
a proteção à produção nacional, evitando o fechamento de empresas
nacionais, porquanto com a falência de um número destas, no longo
prazo, haveria menor número de ofertantes no mercado doméstico,
concentrando-o ainda mais, com perda sob o prisma dos consumidores.
Dessa forma, mesmo aqui, há também preocupação com os interesses do
consumidor nacional, embora de forma indireta e tendo em conta um
horizonte de tempo maior.
No trabalho “Comércio e Competição”, Schmidt, Souza e Lima 62 esclarecem
a respeito às metas das políticas de defesa da concorrência e de defesa comercial,
de modo que:
(i) no que concerne à defesa da concorrência, o foco é a maximização do bem-
estar social do país mediante a manutenção e aumento da eficiência
econômica (competition), orientada para a satisfação do consumidor;
(ii) com respeito à defesa comercial é razoável admitir que a meta esteja
associada diretamente ao fluxo de comércio exterior (trade), caracterizando-
se pela maximização da chamada corrente de comércio, representada pelo
fluxo de Exportações mais Importações, ou, então, mediante a maximização
do saldo positivo da balança comercial, correspondente ao resultado de
Exportações menos Importações.
Um importante aspecto que aponta para a convergência dos dois conjuntos
de políticas é a necessidade de proteger a produção doméstica de competidores
internacionais desleais, mas sem que isto provoque acomodação dos produtores
62 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002.
69
locais ao estado das artes em que se encontram, de sorte a evitar, além do prejuízo
imediato dos consumidores nacionais, que no longo prazo haja prejuízo para o
próprio país, em virtude da ampliação do hiato tecnológico. Exemplo clássico de
proteção excessiva foi a da indústria automotiva nacional até o início dos anos 90, o
que resultou num grande distanciamento do padrão tecnológico internacional
(benchmarking), indicando perda de competitividade e a oferta para o consumidor
brasileiro de veículos automotores de baixa qualidade, verdadeiras carroças no
entender de um político daquela época. Por conseguinte, não é surpreendente
observar que os instrumentos de defesa comercial apresentam prazos máximos de
duração.
Ainda no que diz respeito aos pontos de tangência da defesa comercial e da
defesa da concorrência, vale citar a recente edição das chamadas medidas de
salvaguardas especiais, decorrentes, basicamente, do ingresso da China na OMC.
Essas medidas especiais são mais flexíveis do que aquelas previstas no acordo
sobre salvaguardas, uma vez que basta demonstrar a ocorrência de um surto
importador que ameace desorganizar ou que desorganize um certo ramo produtivo.
Garbelini Junior, cujo trecho de artigo publicado recentemente em jornal econômico
de grande circulação é transcrito a seguir, preconiza a participação dos órgãos do
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) nos procedimentos de defesa
comercial, com vistas ao adequado zelo dos interesses do consumidor brasileiro.
Tendo em vista o abrandamento das regras de aplicação de medidas de salvaguardas, os empresários nacionais estão apresentando pedidos junto ao Ministério do Desenvolvimento nesse sentido. Ocorre que, muito embora, até o presente momento nenhuma medida tenha sido aplicada, alguns exportadores chineses estariam propensos a assinar acordos de restrição voluntária de exportações. É aí que poderá haver prejuízos para o consumidor brasileiro. Cabe consignar, inicialmente, que é indiscutível o fato de que, uma vez demonstrado o atendimento dos requisitos exigidos pelos Decretos nº 5.556 e 5.558, mister se faz a aplicação das medidas de salvaguardas por eles autorizadas. Entretanto, a realização de acordos de restrição de exportação
70
antes do fim da instrução de procedimento administrativo visando a apuração da necessidade de aplicação de medidas de salvaguardas poderá ser injustificadamente onerosa para o consumidor brasileiro. Senão vejamos. Como qualquer procedimento de aplicação de medidas de defesa comercial (...) é bastante oneroso, já que implica na contratação de advogados no Brasil, gastos com viagens, (...), entre outros, é possível imaginar que muitos exportadores, mesmo sabendo que o resultado final da investigação lhes possa ser favorável, como forma de evitar os custos mencionados, estarão propensos a aceitar acordos menos onerosos, mas que irão importar em um aumento de preço para o consumidor. Assim, é necessário que o procedimento para aplicação de medidas de salvaguarda seja acompanhado pelos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), como forma de evitar que acordos prejudiciais ao consumidor brasileiro sejam firmados pelas autoridades de defesa comercial. Da mesma forma, a participação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência nos acordos de preços firmados nos procedimentos de aplicação de medidas antidumping ou de medidas compensatórias também deveria ser obrigatória, já que a fixação de preços naqueles procedimentos poder ter caráter anticompetitivo, em flagrante violação aos preceitos contidos na Lei nº 8.8884, de 1994. Somente com a participação efetiva do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência nos mencionados procedimentos de defesa comercial é que o consumidor brasileiro poderá ter certeza que os acordos firmados com exportadores, além de estar protegendo a indústria doméstica, não lhe estarão impondo um ônus indevido. 63
Vale assinalar que no âmbito do Mercosul discute-se a hipótese de criação de
um órgão supranacional para a defesa da concorrência, que cuidaria,
simultaneamente, dos aspectos de concorrência e de competitividade no bloco. A
esse respeito, existe o Protocolo de Fortaleza, que fixa regras sobre defesa da
concorrência que sejam uniformes entre os países-membros e cuja aprovação
depende de aprovação pelos respectivos Congressos desses países, existindo um
grupo de trabalho que examina possível substituição de medidas antidumping por
medidas de concorrência. Parece que, por efeito da introdução da Tarifa Externa
Comum (TEC), que ampliou o alcance geográfico da proteção comercial, por
analogia enseja também uma ampliação territorial para a defesa da concorrência,
vindo a abarcar o território do bloco, deixando de ficar restrita ao espaço de cada
país-membro.
63 GARBELINI JUNIOR, Antonio. Defesa da concorrência e defesa comercial. Valor Econômico, 25,26 e 27.8.2006, caderno E, p. 2.
71
Mais uma vez recorrendo ao trabalho “Comércio e Competição”, o mesmo
aponta para uma tendência, com o processo de globalização e formação de blocos
de países, para a criação de órgão supranacional dedicado à defesa da
concorrência ou para a absorção das normas de defesa comercial por leis de defesa
da concorrência. Cita, como exemplo do primeiro caso, o organismo da concorrência
supranacional para a Comunidade Européia e, para o segundo caso, o acordo
comercial entre Austrália e Nova Zelândia.
Schmidt, Souza e Lima 64 analisam os três instrumentos de defesa comercial
e a harmonização de cada um deles sob o prisma da defesa concorrencial,
concluindo que:
(i) o emprego de medidas compensatórias de combate a subsídios,
com a finalidade de nivelar novamente o grau de competitividade
entre firmas nacionais e de países que exportam para o Brasil, não
colide com os objetivos da defesa da concorrência;
(ii) a aplicação de salvaguardas poderia gerar conflito, mas que pode
ser superado com a elaboração de uma listagem de casos
relevantes, evitando-se que ramos industriais maduros se utilizem
desse instrumento sem uma razão plausível;
(iii) a utilização de antidumping, por sua vez, pode harmonizar-se ou
não, tendo em vista o conceito mais abrangente de dumping
definido pela OMC, que além do conceito de preço predatório
(correspondente a preço inferior ao custo), engloba a chamada
discriminação de preço de terceiro grau65 (firma estrangeira exporta
64 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002. 65 VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios Básicos. Tradução da 4ª edição norte-americana Ricardo Inojosa. Rio de Janeiro: Campos, 1999, p. 457. A discriminação de preços de terceiro grau é
72
para o Brasil a um preço menor do que aquele do seu mercado
doméstico).
Os três supracitados autores, examinando a situação (iii) acima, ressaltam
que
Em particular, se a empresa que está discriminando preço for estrangeira, provocando dumping no Brasil, dependendo de como for a estrutura deste mercado no âmbito nacional, (...), pode ser benéfico para os consumidores brasileiros que haja esta discriminação (e geralmente é). É claro que, do ponto de vista da indústria nacional, há descontentamento, pois parte do seu mark-up ou parte de seu excedente será transferido para os consumidores brasileiros. Daí a necessidade de se realizar uma análise do tipo regra da razão entre os custos para a indústria nacional e benefícios para os consumidores (...). 66
Qualquer que seja o conceito de dumping (preço predatório ou discriminação
de preço), a aplicação de medida antidumping na esfera da defesa comercial deve
ser analisada, conforme reza a legislação de defesa comercial, para se averiguar a
real ocorrência de dano e o denominado nexo causal. Complementarmente, e aí
ingressando no terreno da defesa concorrencial, caberia haver um balanço entre a
necessidade e/ou interesse em preservar empresas nacionais da falência com os
interesses dos consumidores domésticos.
O tipo de concorrência internacional que coloca grandemente em risco
determinado ramo produtivo doméstico irá verificar-se quando o preço do bem
importado for inferior ao custo variável médio do bem produzido internamente, ou
seja, no caso de preço predatório. Em tais circunstâncias, além de confirmar se o
a modalidade mais comum de discriminação de preços, que se caracteriza pela venda para pessoas diferentes por diferentes preços, mas cada unidade vendida a determinado segmento de pessoas é vendida pelo mesmo preço. Os exemplos podem incluir os descontos para estudantes nos cinemas e os descontos para pessoas idosas nas farmácias. Na discriminação de preços de segundo grau prevalece a prática de preços diferentes para diferentes volumes de compra; o exemplo característico desse tipo de discriminação de preços são os descontos por quantidade. Na discriminação de preços de primeiro grau o ofertante vende diferentes unidades de produtos por diferentes preços e os preços também diferem de pessoa para pessoa; essa prática é às vezes denominada de discriminação perfeita de preços. 66 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002, p. 6.
73
preço do bem importado é artificialmente rebaixado, cabe também avaliar quais as
razões para um custo doméstico mais elevado e examinar ser cabível, ou não,
preservar empresas nacionais do ramo em questão.
O conceito de preço predatório está associado ao direito da concorrência,
mas cabe também aplicá-lo nas questões relacionadas ao direito comercial.
De acordo com a Resolução 20 de 9 de junho de1999, do CADE, entende-se
por preço predatório a prática deliberada de
Preços predatórios: prática deliberada de preços abaixo do custo variável médio, visando eliminar concorrentes para, em momento posterior, poder praticar preços e lucros mais próximos do nívelmonopolista. O exame desta prática requer análise detalhada das condições efetivas de custos e do comportamento dos preços ao longo do tempo, para afastar a hipótese de práticas sazonais normais ou de outras políticas comerciais da empresa, além da análise de comportamento estratégico, avaliando-se as condições objetivas de ganhos potencialmente extraordinários posteriores suficientemente elevados e capazes de compensar as perdas decorrentes das vendas abaixo do custo.
Entretanto, vender abaixo do preço de custo pode, ou não, constituir infração.
A Portaria 70 de 12 de dezembro de2002, da SEAE, assim estabelece:
5. Conforme estipulado pela lei, a venda de mercadoria abaixo do preço de custo não constitui uma infração. Esta venda tem que produzir o efeito, ou ter como objeto, prejudicar a livre concorrência. Assim sendo, para a constatação de uma estratégia de preços predatórios é necessário provar, além da venda abaixo do custo, que as condições necessárias para que essa estratégia seja lucrativa (ou seja, que no longo prazo a concorrência irá se reduzir e com isto a firma predadora terá poder de mercado) estejam presentes, a saber: participação de mercado significativa da firma predadora, elevadas barreiras à entrada, capacidade produtiva para atender o incremento da demanda no curto prazo e capacidade de financiamento devido as perdas incorridas nessa estratégia.
Portanto, ao exame da prática de dumping por organismos dedicados à
defesa comercial, convém também a manifestação, em complemento, daqueles que
respondem pela defesa da concorrência. Estes últimos têm sobre si uma tarefa
complexa, que, porém, se faz necessária. A complexidade advém da
74
interdisciplinariedade do exame alicerçado no critério da razão entre os custos para
indústria nacional (falências com perda de empregos, perda de arrecadação de
tributos, etc.) e os benefícios para os consumidores nacionais (produtos melhores e
mais baratos).
Esse entrelaçamento entre os propósitos da defesa comercial (trade) e defesa
da concorrência (competition) é que tem recomendado, no contexto de bloco
econômico entre diferentes países, a harmonização dessas políticas e até mesmo o
estabelecimento, conforme anteriormente mencionado, de organismo supranacional
de defesa da concorrência, que abarcaria ainda as questões de natureza comercial.
Acrescente-se que a falta de harmonia entre trade e competition gera
distorções no padrão de concorrência. Schmidt, Souza e Lima67 mencionam estudo
que aponta existir evidência de ligação de cartel e medida antidumping, concluindo
que, dos cartéis investigados na União Européia no período de 1980 a 1987, 27
(vinte e sete) estavam envolvidos em casos antidumping. O referido estudo
comprovou empiricamente o fato de que medidas antidumping tendem a incentivar a
formação de cartéis entre as firmas atingidas pelas referidas medidas, com vistas a
poderem enfrentar melhor a retaliação que lhes foi imposta no âmbito das normas de
defesa comercial. Desse modo, no momento seguinte ao da aplicação de medida
antidumping agrava-se o quadro no tocante ao interesse dos consumidores em geral
(ou seja, tanto do país para o qual a exportação é dirigida quanto do próprio país de
origem da exportação).
No caso brasileiro, portanto, à luz de evidência internacional, pode-se também
apontar a possibilidade de, a partir de medida antidumping, ocorrer que empresas
nacionais sujeitas a essa medida, adotada por país estrangeiro, sintam-se
67 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002.
75
estimuladas a se juntarem, formando um conluio, o que fere frontalmente a Lei nº
8.884/94. Exemplo, citado por Bagnoli 68, é o das grandes indústrias nacionais
produtoras de suco de laranja, que reagindo a medida antidumping adotada pelo
Departamento de Comércio dos EUA, motivou investigação pela SDE – Secretaria
de Direito Econômico, para averiguar a formação, ou não, de cartel de compra de
laranjas no mercado doméstico.
Há que se ressaltar que, no Brasil já se observa, em termos práticos, a busca
pela integração dos objetivos das duas políticas em questão. Segundo já assinalado
no tópico 2.9.1, há participação da SEAE no exame para aplicação de medida
antidumping, a partir dos dados que o DECOM obteve em suas investigações.
Schmidt, Souza e Lima esclarecem que
A SEAE só acredita ser necessária a imposição de uma medida antidumping se estiver ocorrendo preço predatório (...) porque, uma discriminação de preços pode elevar o bem-estar da sociedade, levando a economia a alocar seus recursos de forma mais eficiente (...). 69
Assim, ainda que não contemplada em norma jurídica, os casos de aplicação
de medida antidumping acabam por envolver órgão do SBDC, refletindo, na prática,
a conveniência de avaliação de ocorrência, ou não, de dumping, considerados os
ângulos da política comercial e da política de defesa da concorrência.
5. CONCLUSÃO
Os objetivos da defesa comercial e da defesa da concorrência, tendo em vista
o estabelecido nas respectivas legislações, aparentam ser estanques. Todavia, em
realidade, há entrelaçamento entre os propósitos dessas políticas, uma vez que, em
68 BAGNOLI, Vicente, Defesa da concorrência e defesa comercial. http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/legislacaoetributos/Defesa+da+concorrencia+e+defesa+comercial,defesa%20comercial%20bagnoli,,86,3700285.html. Acesso em 14.09.2006. 69 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUZA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André de. Comércio e competição (SEAE /MF Documento de trabalho nº14), abril/ 2002, p. 12.
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última instância, pretende-se maximizar o bem-estar da sociedade, ainda que
considerados horizontes de tempo distintos. Em outros termos, cabe buscar um
balanceamento entre a necessidade e/ou interesse em proteger a indústria nacional
e os interesses dos consumidores domésticos.
Enquanto no caso das medidas compensatórias a subsídios e de
salvaguardas verifica-se a convergência dos objetivos das políticas comercial e de
concorrência, particularmente, no caso da aplicação de medidas antidumping, tem-
se a possibilidade de conflito entre essas duas políticas. Estudos internacionais,
inclusive, revelam que, como reação a medida antidumping, tende a ocorrer a
formação de cartel por parte das empresas atingidas pela mencionada medida.
Assim sendo, conviria, em nível nacional, mesclar a análise sob o prisma comercial
àquela do ponto de vista da concorrência.
É importante observar que, em virtude do fenômeno da globalização, com a
conseqüente formação de blocos econômicos entre diferentes países, há uma
tendência ao surgimento de organismo supranacionais dedicados à defesa da
concorrência intra-blocos. Esses organismos focalizariam de forma abrangente e
concomitante as questões de natureza concorrencial e comercial.
Para efeito de se examinar a ocorrência de prática desleal por parte de
concorrente no exterior, o conceito de preço predatório seria, segundo a literatura
consultada, superior comparativamente ao de discriminação de preços. Desse modo,
eventual aplicação de medida antidumping estaria mais bem alicerçada e com
provável menor impacto desfavorável sobre os interesses do consumidor doméstico.
Por fim, no caso brasileiro há situação prática de entrelaçamento das
análises, no caso de averiguação de dumping, que resulta na participação da SEAE,
órgão do SBDC, com dados do DECOM, órgão dedicado à defesa comercial,
77
constituindo-se em mais uma evidência da oportunidade de se examinar a aplicação
de medidas comerciais também sob o ponto de vista da defesa da concorrência.
Esse quadro mereceria ser melhor aquilatado, com vistas a uma possível
formalização, inclusive com eventual ampliação do alcance da atuação dos
organismos de defesa da concorrência, estendendo-o também para os casos de
análises com vistas ao emprego de medidas compensatórias e de salvaguardas.
78
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