Download - A Emergência Do Significado Em Música - LFO
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Luis Felipe Oliveira
A Emergncia do Significado em Msica
Campinas
2010
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Luis Felipe Oliveira
A Emergncia do Significado em Msica
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Instituto de Artes daUniversidade Estadual de Campinas rea deconcentrao em Fundamentos Tericos, paraobteno do ttulo de Doutor em Msica.
Orientador: Prof. Dr. Jnatas Manzolli
Campinas
2010
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A Emergncia do Significado em Msica
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Instituto de Artes da Universi-
dade Estadual de Campinas rea de concentrao em Fundamentos Tericos, para obteno
do ttulo de Doutor em Msica.
Aprovada em 30 de maro de 2010, pela banca examinadora constituda pelos professores:
Prof. Dr. Jnatas Manzolli - OrientadorUNICAMP - Departamento de Msica
Prof. Dr. Yara CaznokUNESP - Departamento de Msica
Prof. Dr. Claudiney CarrascoUNICAMP - Departamento de Msica
Prof. Dr. Maria Eunice Quilici GonzalezUNESP - Departamento de Filosofia
Prof. Dr. tala M. Loffredo DOttavianoUNICAMP - Centro de Lgica, Epistemologia
e Histria da Cincia
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Aos meus pais e aos meus mestres.
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Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeo ao meu estimado orientador e amigo Jnatas Manzolli, por quem
nutro profunda admirao. Sou-lhe grato no apenas pelas sugestes e contribuies, mas por
todas as oportunidades que me possibilitou nestes anos em que trabalhamos juntos no NICS
(Ncleo Interdisciplinar de Comunicao Sonora, Unicamp). Sua criatividade e a maneira como
olha a arte e a cincia inspiradora; a rapidez em conectar idias e disposio em aceitar
e entender aquelas que so novas algo que enriquece qualquer relao entre pesquisadores
e amigos. Agradeo ao Jnatas, tambm, por ter aceitado orientar um trabalho como este,
com tantas dores-de-cabea filosficas (este fato ilustra bem as qualidades que mencionamos
acima). Sem a sua disposio este trabalho nunca teria deixado de ser um projeto.
Devo Agradecer com especial nfase a Willem (Pim) Haselager, que me orientou em meu
estgio de pesquisa na Universidade Radboud, na Holanda, e tambm o co-orientador desta
pesquisa. Foi a estada no Nijmegen Institute for Cognition and Information (atual Centre for
Cognition do Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour) e o trabalho com Pim que
me levou inicialmente na direo do estudo da abduo. Essa oportunidade deve-se em igual
medida ao incentivo constante e enriquecedor de Maria Eunice Quilici Gonzalez, e os caminhos
que trao enquanto pesquisador, desde o mestrado em cincia cognitiva, devem-se, em grande
parte, ao contato com suas idias. Se no doutorado me voltei ao pensamento peirceano, em
grande parte foi pela leitura dos artigos de Gonzalez & Haselager.
Sou imensamente grato a todos os professores que participaram das bancas de monografia I
e II, de qualificao e de defesa deste trabalho. Dos quais destaco com profunda admirao Yara
Caznok, Maria Eunice Quilici Gonzalez, Claudiney Carrasco, tala M. Loffredo DOttaviano,
Lauro Frederico Barbosa da Silveira, Denise Garcia, Adolfo Maia Jr. e Tristan Torriani. Muitos
dos desenvolvimentos que esta pesquisa apresentou so decorrncia direta da contribuio de
cada um de vocs. Agradeo aos pareceristas de alguns artigos que publicamos em eventos e pe-
ridicos, cujas crticas sempre construtivas e consideraes bastante frutferas so inestimveis,
assim como foram as anlises dos pareceristas ad hoc da FAPESP.
Certamente este trabalho reflete idias e consideraes de pesquisadores que tomo como
referenciais em minha trajetria e pelos quais nutro uma profunda admirao, com os quais tive
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a honra de estudar, como Mariana Broens, Edson Zampronha, Marisa Fonterrada, Lia Thoms,
e Helena Jank.
Agradeo imensamente aos meus amigos-colegas pelas inmeras discusses e profcuos
debates, que tanto me ensinam, Andr Luiz Gonalves de Oliveira e Patrcia Mertzig, Ana L-
cia Gaborim Moreira e Marcelo Fernandes, Rael B.G. Toffolo e Sabrina Schultz, Jlio Cesar
Lancia, Alexandre Takahama, Rafael Salgado e Cinara Bacilli, Vicente Maral, Vanessa Rodri-
gues, Rodrigo Lima, Alexandre Porres, Andr Luvizotto, Cesar Renno Costa, Luis Carlos de
Oliveira (Tu), Cesar Traldi, Cleber Campos, Jos Eduardo Fornari (Tuti), Mariana Shellard e
demais colegas do NICS e do Programa de Ps-graduao em Msica da Unicamp.
Sou grato aos colegas de departamento da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
assim como aos membros do Grupo de Auto-Organizao do Centro de Lgica, Epistemologia
e Histria da Cincia da Unicamp, que fomemtan esse ncleo to interessante e rico de idias.
Agradeo tambm aos funcionrios do NICS, especialmente Elizabeth Fernandes e Mrcia Nas-
cimento dos Santos.
Este trabalho s foi possvel graas ao apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Es-
tado de So Paulo (processo FAPESP n 2005/59643-1) e bolsa de pesquisador visitante
DELTA/NUFFIC concedida pela Universidade Radboud.
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Resumo
O objetivo desta tese apresentar um modelo fenomenolgico e semitico dos processos designificao em msica, tendo como apoio conceitual e terico a filosofia de C.S. Peirce. O con-ceito de significado musical ou o entendimento de como a msica se torna significativa envolvequestes que perpassam a histria da filosofia da msica, da antiguidade atualidade, assimcomo so consideradas tambm nas rea da psicologia ou da neurocincia aplicada msica,mais recentemente. Em um certo sentido, as perspectivas sobre o que msica e sobre como aentendemos, sobre seu papel dentro do universo do conhecimento humano e dentro das investi-gaes metafsicas e cosmolgicas, acompanham as mudanas paradigmticas do pensamentoocidental. O primeiro captulo apresenta uma viso panormica e sucinta das transformaes doentendimento de msica e de seus significados, a partir de trs enfoques: (i) msica enquantoimitao; (ii) msica enquanto forma; (iii) msica enquanto coletividade. O segundo captuloadentra rea da psicologia, trazendo discusso a teoria de Leonard Meyer do significadomusical. O pioneiro trabalho de Meyer sobre essa questo dentro da psicologia da msica esta-belece um interessante contraponto s vises apresentadas no captulo primeiro, e com especialcorrelao com a abordagem formalista de Eduard Hanslick. O terceiro captulo continua ainvestigao dos processos de significao em msica dentro da rea da psicologia, a partir dateoria da expectativa musical de David Huron. A teoria de Huron pode ser tomada como umaproposta derivada da teoria meyeriana do significado musical, porm focando-se mais sobreevidncias experimentais e sobre aspectos biolgicos e neurolgicos do fenmeno da anteci-pao. No quarto captulo deixamos de lado a questo especfica do significado musical paranos lanarmos instigante tarefa de uma descrio do pensamento peirceano, em algum dosseus aspectos: (i) a classificao das cincias; (ii) a fenomenologia: (iii) a lgica-semitica;(iv) as cincias normativas; (v) a lgica da descoberta; e (vi) o pragmatismo. Essa incurso aopensamento de Peirce nos possibilitar voltar s questes especficas do significado e da sig-nificao musicais, no quinto e ltimo captulo desta tese. Nesse captulo estabelecemos umacorrespondncia entre essa viso peirceana da significao em msica e aquelas apresentadasnos trs primeiros captulos, tanto em termos lgico-semiticos, quanto em termos normativos,como tambm em termos pragmticos. Apresentamos, em tal descrio peirceana da signifi-cao em msica, uma correspondncia dessa abordagem com conceitos atuais dos estudos damente, como: (i) emergncia; (ii) auto-organizao; (iii) criatividade. O encerramento da teseleva ao dilogo, portanto, do modelo peirceano de significao musical tanto com atualidadedas pequisas sobre cognio quanto com a tradio do pensamento ocidental sobre msica eseus significados.
Palavras-chaves: significado musical; significao; escuta musical; abduo; fenomenologia;semitica.
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Abstract
This thesis intends to provide a phenomenological and semiotic model of the process of signifi-cation in music, bearing itself conceptually and theoretically on the philosophy of C.S. Peirce.The concept of meaning in music or the understanding of how music becomes meaningful in-volve questions that spread over the history of the philosophy of music, from ancient times tomodernity, as well as they are also considered in the field of music psychology or neuroscienceof music, more recently. In a sense, the perspectives about what is music and how we do un-derstand it, about its role within the universe of human knowledge and within the metaphysicaland cosmological investigations, reflect paradigmatic changes in the history of western thought.The first chapter presents a panoramic and brief view of the shifting in the understanding ofmusic and its meanings, from three perspectives: (i) music as imitation; (ii) music as form; (iii)music as collectiveness. The second chapter goes into the area of psychology, bringing forth thetheory of musical meaning proposed by Leonard Meyer. The pioneer work of Meyer on mu-sical meaning in psychology establishes a interesting counterpoint to those views discussed inthe first chapter, with a special correlation with the formalist approach of Eduard Hanslick. Thethird chapter goes on in investigating the process of music signification in the field of psycho-logy, describing the theory of musical expectancy advocated by David Huron. Hurons theorycan be taken as derived from Meyers point of view on musical meaning, but it is more focusedover experimental evidences and on biological and neurological aspects of anticipation. In thefourth chapter we take aside the specific question of musical meaning to launch ourselves inthe instigating task of describing some aspects of the peircean thought: (i) the classification ofscience; (ii) the phenomenology; (iii) the logic-semiotics; (iv) the normative sciences; (v) thelogic of discovery, and (vi) the pragmatism. Such incursion in the Peirces thought would leadus back to the especific questions about musical meaning and signification, in the fifth chapterof this thesis. In such chapter we establish a correspondence between this peircean perspectiveof musical signification and those presented in the first three chapters, in logic-semiotic, nor-mative and pragmatic terms. We also propose a correspondence of this approach with recentconcepts in the studies of mind , as: (i) emergence; (ii) self-organization; (iii) creativity. In thethesiss finishing takes to a dialog, thus, between the peircean model of musical significationwith both the the actuality of the recent researches on human cognition and the western traditionof thinking about music and its meanings.
Key-words: musical meaning; signification; musical listening; abduction; phenomenology;semiotics.
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Sumrio
Lista de Figuras p. xvii
Lista de Tabelas p. xxi
Introduo p. 1
1 Significado Musical nas filosofias e nas cincias da msica p. 5
1.1 Uma breve reviso das teorias da esttica musical e da filosofia da msica . . p. 6
1.1.1 O paradigma representacionalista: msica como imitao . . . . . . . p. 8
1.1.2 O paradigma absolutista: msica enquanto forma . . . . . . . . . . . p. 25
1.1.3 O paradigma sociolgico: msica enquanto coisa . . . . . . . . . . . p. 32
1.2 Algumas consideraes e perspectivas recentes do significado musical . . . . p. 36
2 A teoria de Leonard Meyer do significado musical p. 41
2.1 A teoria de Leonard Meyer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 41
2.1.1 Fundamentao terica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 41
2.1.2 Significado musical na teoria de Leonard Meyer . . . . . . . . . . . p. 51
2.1.3 Expectativas, aprendizagem e sistema musicais . . . . . . . . . . . . p. 56
2.2 Leis quase-gestlticas da percepo musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 61
2.2.1 A lei da boa continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 63
2.2.2 Completude e fechamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 68
2.2.3 Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 72
2.3 As evidncias de Meyer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 75
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2.4 Notas sobre imagens, conotaes e sentimentos . . . . . . . . . . . . . . . . p. 83
3 Psicologia da expectativa musical p. 89
3.1 Teoria Geral da Expectativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 89
3.1.1 ITPRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 90
3.1.2 Surpresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 94
3.2 Teoria da expectativa musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 98
3.2.1 Aprendizagem auditiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 98
3.2.2 Propriedades estatsticas da msica . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 101
3.2.3 Aprendizagem heurstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105
3.2.4 Representao mental da expectativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 108
3.2.5 Memria e expectativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 112
3.2.6 Notas sobre gneros, estilos e esquemas . . . . . . . . . . . . . . . . p. 115
3.3 Efeitos afetivos da expectativa musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 117
3.3.1 Efeito de previso e valorao contrastiva . . . . . . . . . . . . . . . p. 118
3.3.2 Exemplos na tonalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 120
3.3.3 Exemplos na temporalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 123
3.4 Uma esttica musical da expectativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 126
3.4.1 Criando previsibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 127
3.4.2 Criando surpresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 131
3.4.3 Criando tenso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 140
3.4.4 A Esttica do Contrrio ou esperar-se o inesperado . . . . . . . . . . p. 145
4 Lgica da Descoberta e Pragmatismo p. 151
4.1 A filosofia de C.S. Peirce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 151
4.1.1 Classificao das cincias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 152
4.1.2 Fenomenologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 156
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4.1.3 O signo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 160
4.1.4 As cincias normativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 166
4.2 Lgica da descoberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 171
4.2.1 Algumas vises sobre a criatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 172
4.2.2 Criatividade em uma perspectiva lgica . . . . . . . . . . . . . . . . p. 175
4.3 Pragmatismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 180
5 Uma nova viso do Significado Musical p. 185
5.1 Por uma fenomenologia da msica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 188
5.2 Msica e as cincias normativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 195
5.3 A lgica da escuta musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 198
5.4 Significado e significao musicais: emergncia, auto-organizao e criao . p. 206
5.4.1 Propriedades emergentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 207
5.4.2 Auto-organizao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 212
5.4.3 Criao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 214
5.5 Pragmatismo da significao musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 217
Consideraes finais p. 223
Referncias Bibliogrficas p. 227
Anexo A -- Medindo a expectativa musical p. 237
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Lista de Figuras
1.1 Paradigmas do significado musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 7
2.1 Exemplos visuais de Gestalt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 44
2.2 Cadncia Perfeita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 49
2.3 J.S. Bach Fuga em D menor do Cravo bem Temperado Vol. I . . . . . . . p. 54
2.4 F. Chopin Preldio Op. 28, No. 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 64
2.5 R. Wagner Liebestod (Tristo e Isolda) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 64
2.6 Urlinies schenkerianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 65
2.7 W.A. Mozart Sinfonia 40 (K.550) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 66
2.8 F.J. Haydn Minueto da Sinfonia Surpresa Hob. I:94 . . . . . . . . . . . . . p. 66
2.9 F.J. Haydn Minueto da Sinfonia Surpresa Hob. I:94 (com anlise rtmica) . p. 67
2.10 Hierarquias mtricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 67
2.11 G.F. Handel Concerto Grosso No. 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 68
2.12 F.J. Haydn Sonata em L bemol maior, Finale . . . . . . . . . . . . . . . . p. 73
2.13 F.J. Haydn Sonata em L bemol maior, Finale (reduo analtica) . . . . . . p. 74
2.14 F.J. Haydn Sonata em L bemol maior, Finale (anlise rtmica) . . . . . . . p. 74
2.15 J.S. Bach Paixo Segundo So Joo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 77
2.16 J.S. Bach Abertura da Sute Francesa No. 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 79
2.17 F.J. Haydn Sonata em Sol maior Hob. 27 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 80
2.18 Pea japonesa de textura heterofnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 83
3.1 Curso temporal da Teoria ITPRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 92
3.2 Estruturas cerebrais de resposta surpresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 94
3.3 Fragmentos meldicos empregados do experimento de Saffran et al. (1999) . p. 100
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3.4 Freqncia de ocorrncia de intervalos meldicos . . . . . . . . . . . . . . . p. 102
3.5 Proporo de intervalos meldicos ascendentes . . . . . . . . . . . . . . . . p. 102
3.6 Mudana de direo em intervalos meldicos em Lieder de F. Schubert . . . . p. 103
3.7 Regresso meldica e regio intervalar mdia . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 104
3.8 Mdia de perfis meldicos em frases de 7 notas . . . . . . . . . . . . . . . . p. 104
3.9 Mdia de perfis meldicos em frases de 11 notas . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105
3.10 Estruturas mnemnicas das expectativas musicais . . . . . . . . . . . . . . . p. 113
3.11 Distribuio dos tons da escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 122
3.12 Probabilidades de sucesses meldicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 123
3.13 Probabilidade de sucesses harmnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124
3.14 Organizaes mtricas e hiper-mtrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 125
3.15 Probabilidade de sucesses mtricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 126
3.16 B. Marcello Sonata em L menor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 129
3.17 Mediantes cromticas em tom maior (a) e menor (b). . . . . . . . . . . . . . p. 133
3.18 L.v. Beethoven Sinfonia 5, e P. Schickele Quodlibet for Small Orchestra . p. 135
3.19 F.J. Haydn Sinfonia 94 e L.v. Beethoven Sinfonia 9 . . . . . . . . . . . . p. 135
3.20 L.v. Beethoven Sonata Op. 14, No. 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 136
3.21 A. Schoenberg Verklrte Nacht e Pink Floyd The Final Cut . . . . . . . . p. 137
3.22 P.D.Q. Bach Concerto para Trompa e Hardart . . . . . . . . . . . . . . . . p. 138
3.23 S. Prokofiev Pedro e o Lobo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 140
3.24 Exemplo de (a) suspenso, (b) oddball note, e (c) appoggiatura em estruturas
cadenciais em F maior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 141
3.25 L.v. Beethoven Concerto No. 5 para Piano e Orquestra Op. 74 . . . . . . . p. 144
3.26 R. Wagner cadncias no resolvidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 147
3.27 Sries dodecafnicas com e sem implicao tonal . . . . . . . . . . . . . . . p. 148
3.28 I. Stravinsky Dana dos Adolescentes, Sagrao da Primavera . . . . . . . p. 149
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4.1 Categorias fenomenolgicas de Peirce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 159
4.2 Diagrama da trade peirceana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 160
4.3 Diagrama fenomenolgico da trade peirceana . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 163
5.1 Cadncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 199
5.2 L.v. Beethoven Sonata Op. 53, primeiro movimento . . . . . . . . . . . . . p. 201
5.3 Plos de enfoque musicolgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 218
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Lista de Tabelas
3.1 Respostas emocionais da Teoria ITPRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 93
3.2 Probabilidades de movimentos ascendentes e descendentes por graus conjuntosp. 103
3.3 Tabela das propriedades estatsticas e das expectativas musicais . . . . . . . . p. 106
3.4 Tipos de memrias e de expectativas musicais . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 115
3.5 Expectativas anteriores ao primeiro evento sonoro . . . . . . . . . . . . . . . p. 117
3.6 Qualia dos graus da escala maior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 121
3.7 Anlise estatstica de mtricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 126
3.8 Tipos de surpresa musicalmente induzidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 132
3.9 Qualia reportados de acordes medinticos cromticos em tonalidade maior . . p. 133
3.10 Qualia reportados de acordes medinticos cromticos em tonalidade menor . p. 134
3.11 Tabela com sumrio da experincia afetiva das suspenses . . . . . . . . . . p. 142
3.12 Tabela com sumrio da experincia afetiva oddball notes . . . . . . . . . . . p. 142
3.13 Tabela com sumrio da experincia afetiva das appoggiaturas . . . . . . . . . p. 143
4.1 Classificao das Cincias segundo C.S. Peirce . . . . . . . . . . . . . . . . p. 153
4.2 Tipos de interpretantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 166
4.3 Dez classes de signos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 170
4.4 Descrio das dez classes de signos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 170
5.1 Tricotomias peirceanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 193
5.2 Cadncias no innio da Sonata Op. 53 de L.v. Beethoven . . . . . . . . . . . p. 202
5.3 Tabela de Parncutt da musicologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 221
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Introduo
O objetivo principal desta tese apresentar uma descrio do processo de significao em
msica e do conceito de significado apoiados na filosofia de C.S. Peirce. A relao entre m-
sica e o pensamento de Peirce j pode ser tomada como uma abordagem tradicionalmente aceita,
principalmente quando se trata da anlise semitica de obras e estruturas musicais,i.e., da an-
lise das obras musicais enquanto signos. No entanto, a abordagem que pretendemos realizar
aqui mostra-se como uma proposta razoavelmente distinta dessas anlises semiticas, j que
o que nos interessa mais no caracterizar a msica enquanto signo, ainda que em alguns
momentos passaremos por essas questes, mas verificar as formas de operao perceptivas e
cognitivas que se manifestam na escuta musical. Assume-se a hiptese, aqui, de que a escuta
musical pode ser descrita e entendida enquanto um processo lgico, no sentido semitico que
esse termo assume na filosofia peirceana.
Os modelos de significao musical postulados na psicologia da msica costumam ser lo-
gicamente descritos atravs das inferncias dedutiva e indutiva, e acreditamos que essa lgica
bipartida deixa espao para outra forma de inferncia: a abduo. A lgica-semitica de Peirce
apia-se sobre um trip inferencial no qual esta ltima somada s outras duas primeiras. Se
a deduo permite derivar-se concluses por relaes de necessidade, a induo possibilita a
generalizao atravs de relaes de possibilidade. A abduo, por sua vez, a forma lgica
que permite a formulao de hipteses. Se a induo pode testar as consequncias prticas de-
duzidas de um fato analisado, ela s o pode fazer porque uma hiptese foi concebida antes. Dito
de outra forma, a abduo formula hipteses explicativas, das quais se deduzem consequncias
que podem ser testadas indutivamente. Se podemos conhecer o mundo, o fazemos efetivamente
porque somos capazes de formular hipteses. sobre esse trip inferencial que, segundo Peirce,
funcionam os sistemas mentais em suas mais variadas operaes, dos processos aparentemente
mais autnomos at as grandes formulaes filosficas, artsticas e cientficas.
O que nos interessa neste trabalho no estudar a lgica dos processos criativos em arte,
mas estud-la nos processos de fruio em arte, especificamente no domnio musical ainda
que a descrio lgico-semitica possa ser facilmente aplicada a outros domnios. Nos inte-
ressa, assim, as relaes entre fruidor e obra de arte, em seus aspectos significativos e afetivos.
Para tanto, apenas as consideraes lgico-semiticas no nos parecem suficientes. O que nos
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motivou a investigar aspectos que esto aqum e alm da lgica-semitica, dentro do complexo
e belo sistema de classificao das cincias de Peirce.
A dicotomia sujeito/objeto pode ser enganadora no estudo da arte, como parece tambm
ser no estudo de quase tudo, principalmente porque pressupe plos desconectados da subje-
tividade, de um lado, e da objetividade, de outro. Dessa forma, a compreenso e apreciao
esttica fica a cargo de um sujeito que deve ser capaz de extrair e processar informaes a par-
tir das propriedades objetivas dos artefatos artsticos. Nessa perspectiva, dicotmica, a fruio
artstica fica sempre concentrada em um dos lados, tornando a conexo fruidor-obra frgil; ou
entende-se que a significao da arte antes de mais nada um processo mental em uma viso
internalista da mente e, dessa forma, retira-se do objeto qualquer papel significativo do pro-
cesso de fruio; ou se coloca a responsabilidade pela significao no prprio objeto, como se
o significado de obras de arte fosse auto-evidente. A superao dessa bipartio possibilitada
por uma abordagem fenomenolgica da arte, quando os plos da subjetividade e da objetividade
se amalgamam em uma interseco entre eles, destruindo-se a independncia em favor de uma
interdependncia. Fruidor e obra, so, em uma perspectiva fenomenolgica, ambos necessrios
para qualquer atividade de fins estticos. A arte, e seus significados, s pode ser considerada a
partir do fenmeno, dessa coisa que ao mesmo tempo sujeito e objeto. Argumentamos nesta
tese que filosofia peircana oferece uma fenomenologia interessantssima, que serve de base para
a elaborao de uma lgica-semitica da apreciao musical enquanto experincia significativa
e afetiva.
Em decorrncia dessa fenomenologia da msica, em sentido peirceano, podemos nos aven-
turar em investigaes de carter mais especulativos trabalhando em algumas hipteses sobre o
papel da msica enquanto atividade normativa, em sentido lgico, tico e esttico. O que nos
motiva, nesse sentido, so consideraes a partir da concepo fenomnica da msica enquanto
pensamento e deste enquanto foco das cincias normativas. Como Peirce apresenta em sua filo-
sofia uma concepo cosmolgica do pensamento, ao se conceber a experincia musical como
uma manifestao esttica dessa viso do pensamento, conecta-se msica e mundo novamente,
pela sua incluso enquanto elemento presente na continuidade criativa do cosmos. A filosofia
de Peirce permite um olhar sobre a msica que se remete fascinantemente s consideraes
cosmolgicas e cosmognicas dos arqus numricos da filosofia pr-socrtica. Esse o ponto
de partida desta tese.
O primeiro captulo traz uma abordagem sinttica referente s vises e concepes sobre
msica, sobre a sua natureza e seus significados em momentos distintos da histria ocidental,
desde o conceito de mousik da filosofia pr-socrtica at a sociologia da msica de Adorno,
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aferindo uma posio privilegiada esttica formalista de Hanslick. O objetivo desse captulo
bastante modesto: oferecer uma viso panormica sobre o conceito de msica. De maneira
alguma almeja-se recriar argumentativamente o desenvolvimento da filosofia da msica e da
esttica musical ocidentais com rigor historiogrfico, como tambm no a considerao em
pormenores das diferentes posies ou das doutrinas filosficas defendidas pelos diversos pen-
sadores mencionados. Estruturamos esse captulo em duas sees principais. Na primeira seo
apresentamos essa abordagem histrica sobre a concepo geral de msica em trs aspectos: (i)
a msica enquanto imitao; (ii) a msica enquanto forma; e (iii) a msica enquanto fenmeno
social. Na segunda seo mencionamos algumas teorias recentes sobre o conceito de significado
em msica.
O segundo captulo inicia a abordagem do significado musical a partir da psicologia, ainda
que de um modo bastante prximo da filosofia da msica. Apresentamos a perspectiva de Le-
onard Meyer sobre significado e afeto musicais, atravs de uma descrio transversal de sua
teoria. Esse autor busca estabelecer um ponto intermedirio entre o formalismo de Hanslick,
de um lado, e das teorias imitativas da msica, de outro. Seu ponto de partida o conceito de
expectativa musical, entendido em uma perspectiva quase- gestltica. A teoria de Meyer que
retoma a discusso sobre significado em msica e se torna um ponto de apoio para as consi-
deraes posteriores, sejam de carter experimental ou meramente conceitual. Curiosamente
notamos uma profunda semelhana entre a teoria de Meyer e a filosofia peirceana, ainda que
esse autor em nenhum momento mencione C.S. Peirce. Nesse sentido, assumimos como hip-
tese tal correspondncia.
O terceiro captulo, ainda dentro do escopo da psicologia da msica, ou da musicologia
cognitiva, apresenta a contrapartida experimental da teoria de Meyer, a partir da teoria da an-
tecipao musical de David Huron. O prprio autor remete a sua teoria pesquisa pioneira de
Meyer sobre expectativas musicais, porm estabelecendo mais fortemente uma correlao entre
aspectos psicolgicos e aspectos biolgicos e neurolgicos, sustentando tal correlao a partir
de uma enorme quantidade de dados experimentais. Nesse sentido, a teoria da antecipao de
Huron complementa a de Meyer. Em termos lgicos, as duas teorias, ainda que a de Huron seja
mais explcita, apoiam-se sobre as formas inferenciais dedutivas e indutivas para explicar os
processos de gerao de expectativas na escuta musical, assumindo uma caracterizao passiva
do processo de aquisio de conhecimento Meyer at sugere a formao de hipteses como
parte do processo de significao, mas no explica como hipteses so criadas, nem lgica nem
psicologicamente.
No quarto captulo voltamos filosofia, aps essa incurso psicologia da msica, mas
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nesse ponto para ver como um filsofo que quase nada disse sobre msica, a no ser como
pequenas glosas ilustrativas, pode oferecer um sistema filosfico muito frutfero quando a ela
aplicado. Nesse captulo, descrevemos alguns aspectos da ampla produo filosfica deste fil-
sofo e cientista norte-americano quase renascentista que morreu no incio do sculo XX: C.S.
Peirce. Em primeiro lugar abordamos a concepo de Peirce sobre cincia e como ele esta-
belece um sistema de classificao e organizao do conhecimento, para ento, seguindo tal
sistema, iniciarmos uma descrio de sua fenomenologia, de sua semitica, da lgica da desco-
berta e, por fim, do pragmatismo peirceano. Esse percorrer sobre algumas das idias de Peirce
possibilita consideraes sobre msica e seus processos de significao.
Sendo assim, no quinto captulo conectamos msica o pensamento de Peirce. Existem
alguns trabalhos bastante interessantes que relacionam a filosofia peirceana com a msica, es-
pecialmente considerando os aspectos semiticos da msica enquanto signo. Obviamente que
passamos por tal relao, corroborando seus postulados, mas buscamos a estabelecer uma des-
crio dos processos de significao em msica e de suas propriedades a partir da lgica da des-
coberta. Entender a significao em msica como o operar lgico da escuta musical, apoiado
primordialmente sobre o raciocnio abdutivo, leva, ainda, a outras consideraes que considera-
mos importantes e frutferas, em termos fenomenolgicos e pragmticos. Nesse captulo esta-
belecemos a correlao entre a fenomenolgica, a semitica e o pragmatismo musicais a partir
de outros trs enfoques: o emergentismo, a auto-organizao e a criatividade. Caracterizamos,
dessa forma, os processos de significao musical e suas propriedades enquanto emergentes,
auto-organizados e criativos.
Alm das consideraes fenomenolgica e lgico-semitica do processos de significao
musical e de suas propriedades significativas, enquanto experincia musical, interessante ve-
rificar, e dessa forma encerramos esta tese, em que sentido e de que modo o pragmatismo de
Peirce se conecta s prticas e aos interesses da musicologia, enquanto prtica cientfica, em
sentido amplo. Argumentamos que o pragmatismo enquanto mtodo de pensamento cientfico
pode se relacionar musicologia atual em vrias das suas vertentes, ajudando a clarificar con-
ceitos e oferecendo a possibilidade de elaborao de base epistemolgica robusta que possa
fomentar dilogos no somente entre subreas distintas da musicologia como tambm possibi-
lite prticas interdisciplinares na pesquisa sobre msica.
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1 Significado Musical nas filosofias enas cincias da msica
Existe geometria no soar das cordas. . . h
msica no espao das esferas.
Pitgoras
O objetivo deste primeiro captulo introduzir o conceito de (e a problematizao do) sig-
nificado musical e mostrar em que contextos histricos e filosficos ele se apresenta. Nesse
sentido, iremos oferecer uma viso bastante sinttica e breve de algumas teorias nas reas da
Filosofia da Msica e da Esttica Musical. No se almeja apresentar uma descrio pormenori-
zada da histria dessas reas ou das vrias aparies de assuntos musicais em obras filosficas,
muito menos trataremos o assunto com rigor historiogrfico, tendo em mente que nosso obje-
tivo no a reconstruo argumentativa das teorias esttico-musicais. Estruturamos este cap-
tulo em duas sees principais. A primeira traz uma reviso filosfica e esttica dividida em
trs enfoques: (i) a msica enquanto imitao; (ii) a msica absoluta; e (iii) a msica enquanto
construo social. O segundo item desta seo trata com especial ateno da conhecida obra
de Eduard Hanslick, Do Belo Musical: uma contribuio para a reviso da esttica musical,
publicada originalmente em 1854, por acreditarmos que ela foi responsvel por vertentes muito
fortes da musicologia a partir de meados do sculo XIX. De certa forma, ainda hoje muitos
dos postulados de Hanslick permanecem vivos em diversas teorias musicolgicas, implcita ou
explicitamente. Justifica-se o destaque dado obra de Hanslick, pois foi a ela que se dirigiram
muitas das teorias do significo musical desenvolvidas posteriormente, a partir de meados do
sculo XX. Por fim, na segunda e ltima seo abordamos algumas teorias mais recentes desen-
volvidas especificamente sobre o conceito de significado musical, especialmente nos estudos da
psicologia e, posteriormente, nas investigaes das cincias da cognio e da neurocincia.
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1.1 Uma breve reviso das teorias da esttica musical e dafilosofia da msica
Nicholas Cook (2001), em seu artigo Theorizing musical meaning, apresenta uma classi-
ficao dos estudos sobre significado musical em duas vertentes, as quais chama de: formalistas
e construtivistas-sociais. No grupo das teorias formalistas estariam todas aquelas que se focam
exclusivamente sobre aspectos estruturais e formais; as teorias contrutivistas-sociais engloba-
riam aquelas que de uma forma ou de outra entendem que o significado de obras musicais so
construdos socialmente.
J Leonard Meyer (1956), em seu livro Emotion and meaning in music, categoriza as
teorias do significado musical em duas outras vertentes: absolutistas e referencialistas. As
vinculadas s teorias absolutistas entendem a msica por suas prprias estruturas, podendo ou
no negar a existncia de emoes manifestas na escuta musical e desinteressados em qualquer
considerao de aspectos extra-musicais; as segundas entendem a msica na perspectiva da
representao das emoes humanas ou de eventos quaisquer de natureza extra-musical. O
grupo das teorias que Meyer (1956) chama de referencialistas abarca praticamente toda a
histria da filosofia da msica, da antiguidade clssica esttica musical do sculo XVIII e
mesmo XIX.
O termo absolutista, ao invs de formalista, parece ser muito bem empregado por Meyer,
j que no se pode desvincular teorias estticas como a hanslickiana do conceito de msica
absoluta, que emerge no sculo XIX.1 O conceito de msica absoluta decorrncia de um
pensamento positivista aplicado compreenso do fenmeno musical, associado idia de
que a msica pura forma musical e que a nica forma de descrio desse fenmenos pela
anlise objetiva de suas propriedades estruturais e formais no toa a identificao da obra
com a partitura, o entendimento da obra enquanto um todo e uma unidade cuja significao
completamente auto-contida, que no faz parte de nada mais amplo, que no se contamina de
outras esferas da realidade ou da experincia. Chua (1999, p. 228, grifos do autor) afirma que
o conceito de msica absoluta em Hanslick decorrncia da esttica kantiana, que identifica o
Belo como algo desinteressado, no-utilitarista, propositado mas sem finalidade:
A msica morre belamente porque a definio de msica absoluta de Haslickest baseada no formalismo da esttica do belo de Kant. A msica, ele escreve, a forma auto-subsistente do belo a invs do poder amorfo do sublime kan-tiano; ela exibe o que Kant chamou de uma finalidade da forma, onde osmeios no tm fins outros que no em si mesmos, de forma que no existe dis-
1Tal termo, msica absoluta, parece ter sido cunhado por R. Wagner, se referindo a msica clssica, produzidaentre o fim do sculo XVIII e o incio do XIX, que para ele j era uma prtica morta, ento (CHUA, 1999, p. 224).
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tino, diz Hanslick, entre substncia e forma; elas simplesmente coincidemem uma diviso sem resto, no deixando nada fora da obra para um balancetecrtico. A msica em essncia apenas a partitura, isolada do tipo de distrbiosublime que poderia desintegrar a forma para deixar a msica suscetvel s im-purezas histricas, polticas e emocionais com as quais Wagner desejava cobrirsuas estruturas. Assim, por encerrar a msica em si mesma, Hanslick superoua histria dialtica de Wagner simplesmente apagando da msica absoluta ahistria. Qualquer obra propensa s intenes de Wagner , dessa forma, umerro. por isso que, para Hanslick, o final da Nona Sinfonia de Beethoven no uma luz ao futuro mas uma deformao monstruosa que lana uma sombragigante sobre o que seria diferentemente uma promissora sinfonia; ela umacabea horrvel anexada a um belo corpo.
Considerando a perspectiva dos dois autores, Cook e Meyer, temos pelo menos trs pontos
de vista diferentes sobre o conceito de significado musical, conforme a Figura 1.1 indica. Os
trs pontos de vista apresentam focos diferentes, ainda que no sejam mutuamente exclusivos,
necessariamente. Ao se pensar em msica ocidental, aponta-se, normalmente, como perodo
iniciador de qualquer teorizao o perodo clssico da filosofia grega, ou, em perspectivas mais
abrangentes, a poca da filosofia pr-socrtica. Fato que oferece, portanto, mais de dois milnios
de especulaes filosficas sobre msica. Reduzir tamanho perodo a poucas categorias incorre
necessariamente no erro de uma supersimplificao da histria da compreenso da msica. En-
tretanto, algumas doutrinas permaneceram aceitas, ainda passando por diversas alteraes, por
tanto tempo que autores como os dois mencionados no hesitam em estabelecer classificaes
bastante gerais. Sendo assim, pode-se propor uma taxonomia da histria do significado mu-
sical sob trs paradigmas principais: (i) representacionalista; (ii) absolutista (ou formalista); e
(iii) construtivista social (OLIVEIRA; MANZOLLI, 2007). Estruturamos esta seo da tese em
acordo com essa tricotomia.
Paradigmas do signi f icado musical
**TTTTTTT
TTTTTTTT
TTTTTTTT
TTTT
ttjjjjjjjj
jjjjjjjj
jjjjjjjj
jj
Representacionalista Absolutista Construtivista social
Meyer(1956)
ddJJJJJJJJJJJJJJJ
::tttttttttttttttCook(2001)
ddJJJJJJJJJJJJJJJ
::ttttttttttttttt
Figura 1.1: Paradigmas do significado musical.
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1.1.1 O paradigma representacionalista: msica como imitao
A msica da antigidade clssica, assim como das sociedades mais antigas, deve ser enten-
dida como parte de um sistema cosmolgico maior; a msica no era considerada como uma
manifestao independente e regida por sua prpria lgica, postura essa que seria sintetizada no
conceito de autonomia, to caro esttica musical mais recente. Na antigidade clssica, sendo
a msica parte integrante do pensamento geral e da cosmologia metafsica, as questes sobre
seu significado e suas propriedades no se colocavam da maneira como se colocariam a partir
da Idade Moderna. Na perspectiva pitagrica, por exemplo, a msica (ou mousik), que ento
abarcava tambm tanto a poesia quanto a dana, era entendida como uma das manifestaes do
logos e da harmonia, por sua ligao com o nmero (e com o uno), da mesma forma que a geo-
metria; msica e geometria eram diferentes manifestaes de um mesmo princpio ordenador.
Toms (2002, p. 105, grifos da autora) diz que:
(. . . ) Sendo os trs domnios indissociveis [harmonia, nmero e msica], oque se pensa, se ouve e se v, nesse contexto, nada mais do que a verificaoe a constatao de um princpio universal que subsume toda a particularidade,ou seja, trata-se de um arch.
Ademais, a especulao pitagrica [assim como o entendimento subseqente]em torno da msica apresenta algumas caractersticas especficas. Por um lado,ela vem reforar um fato recorrente na Antigidade, que o entendimento damsica como campo de estudos no qual se mesclam filosofia, educao, ma-temtica, esttica, metafsica, religio, enfim, todo o mbito do conceito demousik. Como mousik primeiramente sentido e, como tal, ela no signi-fica: pan, ouvir o lgos em toda a sua abrangncia.
Pela citao acima j fica evidente no somente a ntima correspondncia entre as vrias
reas do conhecimento sob o conceito de mousik, reas estas que a partir da Idade Moderna
foram se afastando, mas tambm que essa correspondncia fazia com que as questes sobre o
significado especificamente musical no se colocassem no mbito dos estudos sobre msica no
perodo pr-socrtico. Entretanto, dizer-se que a msica grega deste perodo no significa, mas
sentida, deve ser compreendido de uma forma opostamente diferente das afirmaes recentes de
que a msica no tem significado, ou que a msica expressa nada alm de suas prprias formas
de acordo com sua prpria lgica. Para os pr-socrticos a msica, ou melhor, a mousik era a
manifestao de um princpio universal, um arch, e como tal aquele que com ela se engajasse
estava participando naturalmente de uma forma de conhecimento.
Quando dizemos que o som era sentido, sua fora era de tocar o homem paraqualquer lugar e no de fazer o homem refletir sobre este fenmeno, dividi-lo,analis-lo.
Assim, a gestualidade espontnea do corpo j por si mesma uma certaobjetivao, uma certa manifestao do sentido. Ela no , obviamente, a
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objetivao de uma idia, mas a de uma situao no mundo sobre a qual sedecalcam as prprias idias, Tal sentido, que os fenomenlogos consideram araiz do homem, encerrava imediatamente para o homem a pergunta sobre omundo e o convidava a sond-la, sem sair desse sentido.
Portanto, a fonte da msica, da forma como a compreendemos hoje, s podeestar na experincia auditiva e compulsria do universo. Da, tambm, a frasede Herclito: ouvir o lgos, no para entend-lo, mas apenas para ouvi-lo eescolher um dos caminhos que aprofundassem a prpria audio. (TOMS,2002, p. 50, grifos da autora)
Nesse contexto pr-socrtico, de Pitgoras, de Herclito e Parmnides, no faz sentido
perguntar-se o que a msica ou qual o seu propsito, j que ela no vista como uma
criao humana, como um artefato, como algo descolado da natureza e do cosmos. Como parte
de um sistema cosmolgico, enquanto manifestao de um arch, no faz sentido indagar o que
a msica significa, j que seu significado auto-evidente: o prprio lgos manifestado sono-
ramente. A filosofia pr-socrtica forneceu as bases conceituais da filosofia clssica, de Plato
e Aristteles, inclusive nas questes relacionadas msica, como na viso de ligao entre o
nmero e as manifestaes sonoras. Contudo, Plato inicia um sistema filosfico que tambm
refletiu em novas consideraes sobre msica, ainda que as bases pitagricas se mantivessem.
Plato buscou elaborar um sistema filosfico que sustentasse a ao humana em geral sobre
bases essencialmente racionais, bases essas que garantiriam o bem-estar individual e coletivo.
A filosofia platnica tem um forte direcionamento educao, ou paidia, por acreditar que
essa forneceria as condies para uma sociedade saudvel e justa. O papel que cabia msica
na paidia foi ampla e criticamente discutido por Plato em vrios de seus textos, principal-
mente na Repblica. A partir do pensamento de Plato, o entendimento anterior, compreensivo
e abrangente de mousik foi significativamente reduzido pela perspectiva mais teorizada que
ento dominou o pensamento grego (BOWMAN, 1998). As questes que se colocaram passa-
ram a abordar mais os aspectos ticos e estticos, mais mimticos do que ontolgicos; a msica
deixa de ser uma manifestao do logos para ser sua imitao, uma imitao de segunda-ordem
ainda.
Para entendermos o papel paidtico que a msica tem na sociedade idealmente platnica,
temos que verificar como Plato a caracterizou atravs do conceito de mmesis e da Doutrina do
Ethos, e para compreendermos estes necessria uma introduo a sua descrio da realidade.
A relao entre realidade e aparncia em Plato constitui-se num sistema metafsico que parte
dos sentidos e chega nas Idias. Plato afirma no Livro VI da Repblica,2 que a realidade pode
ser representada3 por uma linha dividida em duas partes desiguais, uma maior que representa
a realidade aparente e acessvel aos sentidos, o domnio da crena e da opinio, e outra menor2Plato (1993).3Cf. nesse sentido, Bowman, 1998, p. 27.
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que se constitui em idias abstratas, inteligveis, o domnio do verdadeiro conhecimento. Cada
um desses segmentos de reta pode ser novamente dividido em partes desiguais. O mais baixo
ou primeiro deles incluiria as imagens e as sombras da realidade, mediadas pela imaginao e
pela fantasia; o segundo seria o nvel da percepo direta das coisas, no qual se d a crena e
a opinio esses dois nveis constituem o plano sensvel da realidade. O mundo das Idias
tambm seria dividido em duas partes desiguais, uma inferior onde se apresentariam as caracte-
rsticas imutveis e as relaes das coisas, e um segundo e mais alto nvel onde encontrar-se-ia
as verdades absolutas no contaminadas pela particularidade ou pelas manifestaes aparentes
das coisas; nesses dois nveis das idias estariam no primeiro o domnio do entendimento e no
segundo a razo puramente abstrata.
A essncia das coisas ideal para Plato, mas esse idealismo no subjetivo e nem pri-
vado; ele acredita que as idias so a realidade ltima, que existe independentemente de qual-
quer sujeito conhecedor. Aqui que encontramos o conceito de mmesis: O relacionamento
entre coisas empricas e suas formas ideais ou arquetpicas , de acordo com Plato, essencial-
mente imitativa (BOWMAN, 1998, p. 29). A msica, nesse sentido, imita ou deveria imitar
a harmonia ideal, fornecendo um vislumbre da essncia das coisas; mas no apenas isso, ela
tambm poderia imitar a harmonia da alma tripartida, que para este filsofo seria composta por
suas pores corporal, espiritual e racional. No obstante essa conexo mimtica com o ideal
harmnico, a msica guarda em si um perigo que merece cuidadosa considerao, e foi justa-
mente isso que Plato fez na maioria de seus escritos sobre msica, espalhados ao longo de suas
obras. O referido perigo que a imitao que a msica pode fazer no se limita harmonia,
verdade ou beleza, podendo tambm mirar a atributos nem um pouco desejveis ou con-
fiveis. De fato, para Plato no h como se saber se a imitao musical faz jus aos atributos
atingveis racionalmente; ainda mais porque para ele a msica, que primeiramente se apresenta
aos sentidos, possui origem ou inspirao irracional, i.e., sensorial. E no s isso. A mmesis
em msica uma imitao de terceira-ordem, j que tal arte imitaria a aparncia sensvel das
coisas, que so cpias da essncia ideal da realidade: imitaes musicais assim como imitaes
em geral esto trs pontos afastadas da realidade (PLATO, 1993, X, 597e). Idealmente, se a
arte no pode imitar a verdade diretamente, imita a sua imagem.
No obstante, o filsofo atribua um grande poder msica. E isso a tornava ainda mais
perigosa. Estamos nos referindo ao poder de mover as emoes tanto para o que bom e
desejvel quanto para o que reprovvel e vil. Se, porm, acolheres a Musa aprazvel na
lrica ou na epopia, governaro a tua cidade o prazer e a dor, em lugar da lei e do princpio
(. . . ) (Plato, 1993, X, 607a). Em vez da msica dominar as emoes, por meio da razo, a
msica deixa que aquelas governem a conduta. A msica deveria servir como instrumento para
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se atingir efeitos moralizantes e racionalmente apropriados; ela deveria buscar no o prazer mas
a verdade. No entanto, difcil se assegurar que tais nobres fins estejam sempre garantidos em
prtica to sensual4. Bowman (1998, p. 31) elucida que no pensamento platnico a validade
da arte das musas deveria ser avaliada de acordo com trs critrios: (i) o que imitado; (ii) a
verdade ou fidelidade da imitao; e (iii) a eficincia da execuo do imitador. E a avaliao
da adequao mimtica no poderia ser de responsabilidade dos imitadores, mas de cidados
habituados ao uso da razo e que se preocupem com aquilo que verdadeiro e justo, belo
e harmonioso, e no meramente agradvel e aprazvel. Autoridade e tradio so os meios
platnicos para se regular tal prtica to ludibriosa.
A poca de Plato assistiu a um desenvolvimento da teoria musical assim como da execu-
o instrumental; desenvolvimento esse que aos olhos (e ouvidos) do filsofo se aproximavam
mais a um processo decadente e hedonista.5 Por esse motivo Plato buscou prescrever quais se-
riam os harmonai adequados ao bem estar individual e citadino os harmonia eram os modos
gregos que corporificavam a harmonia; cada harmonai expressava um carter especfico. Dessa
forma, na Repblica, s deveriam ser tolerados aqueles modos que cumprissem sua funo tica
e paidtica, colocando harmonia no pensamento e na ao (BOWMAN, 1998, p. 34); a verda-
deira beleza musical no aquela simples dos sentidos, mas a harmoniosa, que molda o carter
essa seria a diferena entre os msicos verdadeiros e aqueles que podem ser considerados
como meramente habilidosos, que colocam o ouvido frente do esprito (PLATO, 1993,
VII, 531b). A Doutrina do Ethos essa crena de que cada harmonai possui o poder de moldar
o carter daquele que o contempla (racionalmente).
Plato parece ter levado a msica e suas potencialidades mais a srio do que outros filsofos,
inclusive porque via na educao dirigida razo e verdade, ao bem-estar do homem e da
sociedade, uma sada perante a decadncia da sociedade grega de sua poca.6 A msica que
se presta s aspiraes paidticas deve ser simples e pura e seus efeitos ethticos devem ser
cuidadosamente controlados, sob os aspectos rtmicos e harmnicos,7 para que sua prtica seja
efetiva.
As msicas simples e de carter distinto seriam aceitas na cidade visualizada por Plato:
4Empregamos a palavra sensual no sentido de que o efeito da msica se d principalmente por meio dos senti-dos.
5Essa decadncia da prtica musical poca de Plato tambm atestada por Aristoxeno, discpulo de Plato.Ele recrimina os modernos por um juzo superficial que o esprito no controla; mas, sobretudo, acha-os de ouvidopervertido e grosseiro, a ponto de no mais distinguirem os pequenos intervalos do gnero enarmnico. (CAND,1994, p. 76)
6A postura educacional platnica profundamente oposta quela quista pelos sofistas, que buscava desenvolvercapacidades retricas e sem compromisso com a verdade essencial das coisas.
7No sentido de harmonai.
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se prevalecer minha opinio [, afirma o filsofo], receberemos a forma sem mistura que imita
o homem de bem (PLATO, 1993, III, 397d). Mas em geral, as prticas menos puras e diretas,
ornamentadas e complexificadas em sua constituio devem ser banidas da sociedade; aquelas
cujo carter da imitao no pode ser clara nem inequivocadamente determinado devem igual-
mente ser banidas. Como a msica da poca de Plato j estava irremediavelmente distante da
prtica que este filsofo considerava adequada, como tal prtica poderia sob um grande risco
ser guiada apenas por meios voltados ao prazer sensual e pouco dirigidos razo e verdade,
ele acha melhor decidir, ainda que relutantemente, pela eliminao da msica de sua sociedade.
Como a msica era uma prtica leviana e no teorizada, os riscos eram ainda maiores, pois
aqueles que a executavam poderiam nem mesmo estar conscientes dos males potenciais. Mas
Plato afirma (1993, X, 607c):
Mesmo assim, diga-se que, se a poesia8 imitativa voltada para o prazer tiverargumentos para provar que deve estar presente numa cidade bem governada,a receberemos com gosto, pois temos conscincia do encantamento que sobrens exerce; mas seria impiedade trair o que julgamos ser verdadeiro.
Bowman (1998, p. 47) diz que a histria da Filosofia da Msica , entre outras coisas,
o registro dos esforos para se responder satisfatoriamente os desafios impostos por Plato.
Apesar da hegemonia do pensamento platnico que se observa nos sculos posteriores, outro
autor que merece considerao Aristtoles, que fora discpulo do primeiro. Uma das grandes
diferenas entre os dois filsofos que enquanto Plato estava preocupado com a construo
de um sistema filosfico racional e idealista, que entendia que o mundo da experincia era
dominado por aparncias que imitavam com graus variantes de confiabilidade a verdade ltima,
essencial das coisas, acessvel apenas pela razo, Aristteles buscava a compreenso das coisas
a partir de suas manifestaes concretas, consideradas como reais e confiveis, importantes por
si prprias no processo de conhecimento, e que, nessa perspectiva naturalista, a razo serviria
para se entender as coisas como elas so. Bowman (1998, p. 50) diz que, no que se refere ao
conceito de harmonia, por exemplo, para Aristteles ela era mais um fato experiencial concreto
do que um affair metafsico, mais uma questo de notas e ritmos do que ideais intangveis ou
universais imperceptveis. Enquanto Plato visava generalizaes, Aristteles particularidades;
enquanto um buscava uma sntese ideal, o outro distines analticas, o primeiro descrevia como
as coisas deveriam ser, o segundo como elas so; Plato era um moralista e Aristteles um
humanista.9
No que se refere msica, o Aristteles no chegou a desenvolver uma teoria propriamente8Lembre-se que mousik era um conceito que integrava vrias formas de expresso; msica, poesia, dana eram
inseparveis para os gregos.9Cf. Bowman (1998, p. 48).
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musical, mas realizou algumas consideraes em algumas de suas obras, como na Potica e
no Livro VIII da Poltica.10 Na primeira obra o autor nos d informaes valiosas sobre seu
entendimento musical, por extenso, j que sua discusso primordialmente focada sobre o
texto potico. Um poema deve formar um todo coerente e bem estruturado, que reaja a suas
prprias formas e tenha seu prprio desenvolvimento, de modo que uma parte seja conseqncia
da outra.
(. . . ) a tragdia imitao de uma ao completa, constituindo um todo quetem certa grandeza, porque pode haver um todo que no tenha grandeza.
Todo aquilo que tem princpio, meio e fim. Princpio o que no con-tm em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa, e que, pelocontrrio, tem depois de si algo com que est ou estaria necessariamente unido.Fim, ao invs, o que naturalmente sucede outra coisa, por necessidade ouporque assim acontece na maioria dos casos, e que, depois de si, nada tem.Meio, o que est depois de alguma coisa e tem outra coisa depois de si.
necessrio, portanto, que os mitos bem compostos no comecem nem ter-minam ao acaso, mas que se conformem aos mencionados princpios. (ARIS-TTELES, 1979, VII 41-43, aspas do autor)
Fica claro pela citao acima, que para Aristteles a forma artstica deve obedecer a suas
prprias urgncias, e no ser determinada por imposies idealistas ou ticas (mas inclusive por
questes mnemnicas, ibidem, VII, 45). Sendo assim, o autor desconecta critrios artsticos
de critrios morais na atribuio de valor arte. Contudo, no que tange a imitao, e ao papel
paidtico da msica, o autor, assim como seu mestre, tambm entende que ela capaz de moldar
o carter humano e deve ser empregada cuidadosamente.
(. . . ) ahora bien, los ritmos e melodias contienem representaciones e imitaci-ones de la ira y la dulzura, de la fortaleza y la templanza y sus opuestos, y detodas las dems cualidades morales, imitaciones que con el mayor rigor corres-ponden a la verdadera naturaleza de estas cualidadesy esto es evidente porlos mismos hechos; al oir estas imitaciones sentimos cambiar nuestra alma;y el habituar-se a sentir pena y deleite en las imitaciones de la realidad est muycerca de nuestra manera de sentir la misma realidad; por ejemplo, si un hom-bre se deleita en la contemplacin de la estatua de alguien, no por otra razn,sino por su propia belleza, la vista actual de la persona cuya estatua contem-pla debe tambin necessariamente producirle placer. Ahora bien, de hecho losobjetos sensibles distintos de los auditivos no imitan en manera alguna senti-mientos morales, por ejemplo los objeto del tacto y del gusto; los objetos dela vista los imitan, pero debilmente (. . . ) en cambio, las melodias contienenen si mismas imitaciones de emociones morales (cosa evidente, ya que, desdesu origen, los modos musicales difieren naturalmente unos de otros, de formaque los que oyen son afectados de distincta manera. . . ). Eso mismo es perfec-tamente aplicable tambin a los ritmos, ya que unos tienen efectivamente uncarcter ms estable y otros de carcter ms agitado, y entre los ltimos unosson ms vulgares en sus efectos emocionales y otros ms liberales.
10O livro oitavo aprece como quinto em algumas edies, especialmente na de Newman (1902).
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De estas consideraciones se deduce, por lo tanto, que la msica tiene elpoder de producir un determinado efecto en el carcter moral del alma, y sitiene el poder de hacer esto, es evidente que los jvenes deben ser orientadosa la msica y deben ser educados en ella. Adems, la educacin en la msicase adapta bien a la naturaleza joven, pues los jovenes, debido a su juventud,no pueden soportar nada que no est endulzado por el placer, y la msica tienepor naturaleza una dulzura agradable. Parece as mismo que tenemos ciertaafinidad con los ritmos y los modos; debido a esto, muchos sabios dicen que elalma es una armona o bien tiene una armona. (ARISTTELES, 1982, VIII,1340a,b)
E devemos salientar que a viso de Aristteles sobre a imitao no apenas ligada
paidia, preocupao central do Livro VIII de sua Poltica, mas relaciona-se ao prprio processo
de aquisio de conhecimento.
O imitar congnito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, detodos, ele o maior imitador, e, por imitao, aprende as primeiras noes), eos homens se comprazem no imitado.
Sinal disso o que acontece na experincia: ns contemplamos com pra-zer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repug-nncia, por exemplo, [as representaes de] animais ferozes e [de] cadveres.Causa que o aprender no s muito apraz aos filsofos, mas tambm, igual-mente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente,tal o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as aprendeme discorrem sobre o que seja cada uma delas, [e diro], por exemplo, este tal. Porque, se suceder que algum no tenha visto o original, nenhum prazerlhe advir da imagem, como imitativa, mas to-somente da execuo, da corou qualquer outra causa da mesma espcie. (Aristteles, 1979, IV, 13-14)
Pela citao acima podemos perceber que Aristteles no apenas considera a imitao a
primeira forma de aquisio de conhecimento a partir da experincia, mas menciona ainda o
prazer que dela decorre. Ao contrrio de seu mestre, esse filsofo no pensava ser o prazer
sempre suspeito e irracional, mas que toda atividade tinha seu prazer prprio, intrnseco. De
todos os prazeres, o melhor aquele intelectual e contemplativo, j que o humano se diferen-
cia dos demais animais pela sua capacidade racional. Relacionados msica especificamente,
existiriam os prazeres mais grosseiros e corporais, ligados s formas mais populares de msica,
e os mais refinados e racionais, prprios as formas mais sofisticadas.11 E todas as formas de
msica tm a sua serventia, as boas e as ruins, mesmo que algumas sejam teis meramente
para o relaxamento ou para a diverso hedonista, j que as pessoas no so todas iguais e nem
possuem a mesma educao (ARISTTELES, 1982, VIII, 7). E para a afirmao de Plato que
a msica irracional, ele parece responder que a experincia musical pode inclusive ser uma
instncia de aprendizado e de insights potenciais (BOWMAN, 1998, p. 56).11Sofisticao no implicando em complexidade estrutural ou de execuo (virtuosismo). Ainda que Aristteles
admitia que o virtuosismo possa resultar em prazer em quem ouve, tal postura, a do msico profissional, deve sercontrolada dentro da educao dos jovens, para que os efeitos ethticos sejam satisfatoriamente atingidos.
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Ao retomar-se a idia lanada alguns pargrafos atrs de que a histria da Filosofia da
Msica , em grande parte, as respostas aos desafios lanados por Plato, e mais ainda, que
grande parte dos filsofos da Idade Mdia reconstruram e modificaram os ensinamentos do
mesmo ateneu, no ser surpresa o fato de que as descries de msica comungadas neste
perodo ainda eram muito mais preocupadas com a natureza imitativa desta arte e com seus usos
do que com os seus aspectos prprios de estrutura e organizao. Ou seja, apesar dos aspectos
divergentes entre Plato e Aristteles, o ltimo oferece descries das artes mais relacionadas
a suas prprias constituies e desenvolvimentos, a filosofia medieval parece ter tido maior
apreo pelo primeiro, pelo sistema platnico. Nomes como Plotino, Agostinho e Bocio podem
ser tomados como exemplos desse neoplatonismo medievo.
Quanto msica, PLOTINO acreditava que ela pode revelar atributos de uma realidade
inteligvel, manifestando-se como imanaes desta:
E harmonias inaudveis no som criam as harmonias que escutamos, a desper-tam a alma para a conscincia da beleza, mostrando-na a essncia una em outrotipo: por que as medidas de nossa msica sensvel no so arbitrrias mas de-terminadas pelo Princpio cujo trabalho dominar a matria e trazer padres existncia. (PLOTINO, I, 6, 3)
Mas no que baste a beleza audvel, deve-se exercitar a capacidade de enxergar a verdadeira
beleza para alm dos sentidos, e o caminho para esse feito a introspeco (a procura pela
beleza interna), como exerccio de tornar-se sensvel a esta beleza real, porque o olho deve
adaptar-se ao que visto (PLOTINO, I, 6, 9). A verdadeira beleza musical estaria oposta ao
prazer meramente sensual; a beleza natural, material, da msica deve ser considerada como um
caminho para a beleza intelectual, contemplativa e ideal, moldada pelo Princpio que oferece
forma e padres s coisas:
A Natureza, ento, que cria coisas to amveis deve ser ela prpria uma belezabastante antiga; ns, indisciplinados no discernimento do interior, no sabendonada dele, perseguimos o externo, nunca entendendo que o interno que nosmove; estamos na situao daquele que v seu prprio reflexo e, sem perceberde onde ele vem, parte em sua perseguio. (PLOTINO, V, 8, 2)
No sculo IV o cristianismo que at ento sobrevivera reclusiva e clandestinamente, em
prticas variadas, adotado como religio oficial do Imprio Romano quando Constantino I o
unifica no Conclio de Nicia em 325. Com a crescente organizao e solidificao da Igreja,
grande parte dos esforos intelectuais de seus membros foi o desenvolvimento de um sistema
teolgico unificado e coerente. Para tanto, a base da filosofia crist da igreja de Roma ser o
pensamento platnico, assim como seus desenvolvimentos plotinianos.
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Agostinho de Hipona foi um filsofo de especial destaque no incio da Igreja, associando
os conceitos da perfeio ideal do mundo inteligvel platnico e do Princpio plotiniano no-
o da divindade crist (Fucci Amatto, 2007). Seguindo a tradio filosfica numerolgica e
associando-o, o nmero, ao fundamento da perfeio divina, a educao monstica ento ideali-
zada neo-platonicamente compreendia as chamadas Artes Liberais, que eram sete e continham
a gramtica, a retrica, a lgica, a aritmtica, a geometria, a msica e a astronomia. O emprego
da msica para educar e elevar a alma ao divino deveria ser cuidadoso, regrado e disciplinado,
para que sejam evitados os problemas de sua apreciao meramente hednica; as preocupaes
agostinianas no que se refere msica so quase que exclusivamente numricas, ainda que ele
no negue os efeitos aprazveis do canto ambrosiano. Uma boa parte de seu tratado Da Musica
versa sobre relaes numricas do ritmo, do metro e do verso.
Nas Confisses (X, Cap. 33), o filsofo conclui que ainda que a msica seja admitida na
igreja, com ressalvas, ela pode, pela beleza de suas condues, elevar as mentes menos capaci-
tadas devoo:
Os prazeres do ouvido que me movem e me detm muito mais poderosamente,mas que me desamarram e me libertam. Naquelas melodias nas quais as pala-vras inspiram quando cantadas com uma voz doce e treinada, ainda encontrorepouso; ainda que no tanto como se estivesse preso a elas, mas sempre comose capaz de me libertar como desejar. Mas isso se deve porque as palavrasque so a vida que elas tm entram em mim e foram caminho para um lugarhonroso em meu corao; e mal posso consider-las como adequadas. Muitasvezes, eu pareo-me dar-lhes mais respeito do que seria adequado. quandovejo que nossas mentes so mais devotada e seriamente inflamadas na piedadepelas palavras sagradas quando estas so cantadas do que quando no o so.E reconheo que todas as diversas afeies de nossos espritos tm suas medi-das apropriadas na voz e nos cnticos, para as quais elas so estimuladas poralguma correlao secreta que desconheo. Mas os prazeres de minha carne para os quais a mente nunca deve ser rendida nem por eles enfraquecida muitas vezes seduzem-me enquanto os sentidos fsicos no atendam razo,para segui-la pacientemente, mas tendo uma vez ganhado lugar no auxlio darazo, ela me faz me antecipar a elas e delas ser o lder. Ento, nessas coisaseu peco sem saber, mas passo a reconhecer em seguida.
Por outro lado, quando evito com toda seriedade esse tipo de decepo, euerro por muita austeridade. Muitas vezes chego a um ponto de desejar que to-das as melodias dos graciosos cnticos para os quais o saltrio de Davi adap-tado devem ser banidas tanto de meus ouvidos quanto dos da prpria Igreja.Neste sentimento, o caminho mais seguro parece-me ser o que lembro me tersido uma vez relacionado s preocupaes de Atansio, bispo de Alexandria,que pediu que os leitores dos salmos usassem um inflexo to suave da vozque era mais um falar do que um cantar.
Contudo, quando me lembro das lgrimas derramadas ao ouvir os cnticos devossa Igreja nos primrdios de minha converso f, e como ainda agora souatrado, no pelo cantar mas pelo que cantado, quando cantadas com uma vozclara e habilidosamente modulada, passo a reconhecer a grande utilidade deste
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costume. Assim oscilo entre os perigosos prazeres e o salutar exerccio. Souinclinado ainda que no pronuncie uma opinio irrevogvel sobre o assunto a aprovar o emprego do canto na Igreja, de forma que pelos prazeres doouvido as mentes mais fracas sejam estimuladas a um carter devoto. Ainda,quando ocorre de eu ser mais movido pelo cantar do que pelo que cantado,confesso-me como um lascivo pecador, de forma que no deveria ter ouvidocntico algum. Veja, ento, a condio em que me encontro! Chorais comigo, echorais por mim, vs que podeis controlar seus ntimos sentimentos dos quaisboas coisas sempre surgem. Como vs que nunca ages dessa forma, porqueque tais preocupaes no o afligem. Porm meu Senhor, meu Deus, oua-me,olhe e veja, e tenha piedade de mim; cura-me, em vossa viso tornei-me umenigma a mim mesmo; essa minha prpria fraqueza.
Impossvel ser uma doutrina musical menos platnica do que esta incrustada no pensamento
teolgico da igreja e instituda principalmente por Agostinho de Hippos, a partir da reconstruo
de Plotino. Mas quem considerado como o responsvel pela consolidao de uma filosofia
da msica dentro do cristianismo Bocio, novamente sobre bases platnicas e pitagricas, e,
em menor grau, sobre Aristteles. No que se refere s questes mais especificamente musicais,
a obra de Bocio apia-se em Aristxeno e Ptolomeu (CAND, 1994, p. 197). As sete Artes
Liberais de Agostinho passam a ser organizadas nos dois sistemas do trivium e do quadrivium,
que respectivamente englobavam, a gramtica, a retrica e a lgica, de um lado, e a aritmtica,
a msica, a geometria e a astronomia, de outro.12 Bocio concentra parte de seus esforos sobre
o quadrivium, justamente as cincias fundadas na matemtica, e conhece-se duas dessas suas
obras, De institutione musica e De institutione arithmetica. A msica para Bocio, e talvez essa
tenha sido sua maior contribuio ao seu estudo, foi dividida em trs tipos: a musica mundana;
a musica humana e a musica instrumentalis.
A musica mundana csmica, emana das formas e movimentos celestiais e inaudvel
para ns; so as relaes numricas fixas observveis nos movimentos dos planetas, na suces-
so das estaes e nos elementos, ou seja, a harmonia no macrocosmos (GROUT; PALISCA,
1994, p. 46). A musica humana, tambm inaudvel, determina a ligao do corpo e da alma e
das respectivas partes, o microcosmos (ibidem, p. 46). A musica instrumentalis aquela pro-
duzida pelos instrumentos, incluindo-se aqui a voz humana, que apenas o primeiro passo, pois
ilustra os mesmos princpios de ordem, especialmente nos quocientes numricos dos interva-
los musicais (ibidem, p. 46), para a ascese verdadeira msica. Sendo a verdadeira msica
aquela inaudvel, da harmonia macrocsmica, o verdadeiro msico aquele que compreende a
msica nesse sentido harmnico. No entanto, a msica sonora que tem poderes de influenciar
a conduta humama.13
12Bowman (1998, p.63) afirma que a denominao de trivium e quadrivium fruto da prpria obra de Bocio.No entanto, no achamos outra fonte que confirme este fato.
13De influenciar a conduta e tambm de curar, em uma espcie de terapia musical; o filsofo, em sua De
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Apesar do grande desenvolvimento da composio musical no perodo posterior a Bocio,
houve pouca inovao no campo da filosofia da msica, mantendo-se as doutrinas da msica
como imitao. Foi apenas em 1424 que, pela primeira vez se adotou uma obra que no a De
institutione musica na formao inicial de jovens msicos na academia de Florena, deixando
a obra de Bocio como uma leitura de interesse histrico (GROUT e PALISCA, 1994, p. 185).
De fato, desde h muito tempo j se produziam tratados tcnicos que ofereciam as bases tericas
da msica voltadas a questes da prtica composicional. Podem-se destacar, como exemplos,
os vrios tratados que Johannes Tinctoris publicou no sculo XV14 assim como o Le istituti-
oni harmoniche, publicado em meados do sculo XVI por Gioseffo Zarlino. A teoria musical
comea a ganhar o status de uma rea independente, ou pelo menos mais independente do que
antes, com relao s questes de natureza esttica e tica.15
Acreditamos que todo este itinerrio que percorremos demonstra que a pergunta o que a
msica significa no fazia parte das indagaes filosfico-musicais. A unio outrora indisso-
civel entre msica e palavra e sua compreenso enquanto manifestao ou imitao de um
princpio harmnico a tornava parte natural e necessria de um sistema cosmolgico, fundado
no nmero enquanto um arch ou manifestao divina. Ser a partir da Idade Moderna, com a
destruio dessa antiga cosmologia, que as perguntas sobre seu significado emergiro.
A msica e a modernidade
A Idade Moderna delimitada por uma das maiores revolues do pensamento ocidental
que, alterou no somente a antiga cosmologia como tambm a prpria compreenso do ho-
mem e de seu papel no mundo. A revoluo copernicana, que pode ser tomada como marco
de delimitao entre o pensamento antigo e o moderno, tirou a terra do centro do universo e
colocou em foco, novamente, o debate sobre a confiabilidade dos sentidos na busca pela ver-
dade. Partindo-se da razo ou partindo-se dos sentidos como fundamento do conhecimento, os
conceitos que sustentavam o edifcio filosfico no se apresentavam mais, pelo menos no de
maneira to robusta e firme, e todo o sistema filosfico teve que ser sustentado, para no dizer
novamente edificado, sobre novas perspectivas. A relao entre msica e filosofia enfraqueceu-
se tambm significativamente, principalmente por esta ter perdido seu estatuto ontolgico. A
msica tornou-se ento um assunto fugidio e de difcil teorizao filosfica, principalmente por
institutione musica diverte o leitor com uma srie de anedotas pitagricas sobre os poderes teraputicos da msica;dizia-se mesmo que Pitgoras havia se curado de um envenenamento atravs das notas certas, nada alm de umamelodia em modo frgio (BOWMAN, 1998, p.64).
14Textos originais disponveis em THESAURUS MUSICARUM LATINARUM (MATHIESEN; GIGER, 2007),da Indiana University.
15Dos quatorze tratados de Tinctoris, doze so direcionados a questes harmnicas, ainda que se assuma osentido pitagrico do termo, e apenas dois discutem os efeitos da msica.
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sua natureza ser entendida e descrita como algo difuso e etreo como sustentar uma teoria
esttica sobre algo que nem em suas prprias aparncias estvel e cuja compreenso parecia
ser ao mesmo tempo no-conceitual? Ao contrrio da antiguidade e da Idade Mdia, poucos
foram os filsofos modernos que consideraram a msica como assunto necessrio em suas es-
peculaes, e que oferecem algo alm de algumas raras passagens de carter que no vo alm
de glosas. Nesse sentido, Scruton (1997, p. vii, grifos do autor) nota, com boa dose de uma
cida inonia, que:
A filosofia da msica o ramo mais antigo da esttica, e tambm o mais influ-ente, sendo responsvel pela cosmologia que veio dos pitagricos, via Plato,Ptolomeu, Sto. gostinho, Plotino, e Bocio, para os poetas e filsofos da IdadeMdia. A revoluo copernicana, que destruiu a antiga cosmologia, destruiutambm a filosofia que a inspirara. Ainda que Schopenhauer brilhantementeescrevera sobre aquela metafsica da msica, os filsofos modernos se aven-turaram nessa terra, como um regra, com pouca confiana de que ela ir lanarluz sobre qualquer coisa alm de si mesma, e mesmo as teorias de Schope-nhauer dependem mais de seu sistema global do que de um estudo detalhadoda arte dos msicos. Assim como em Kant e Hegel os dois gigantes da est-tica moderna nenhuma pessoa dotada de orelhas pode ler as observaes doprimeiro sobre msica sem uma aguda sentincia de que ele era mais ou menossurdo a ela, enquanto que o segundo, que confessou ser pouco versado nestaarte, parece estar improvisando durante uma boa parte do captulo dedicado msica em suas palestras. Finalmente, Croce, o grande sucessor destes, ig-norou o assunto completamente. uma experincia nica, ainda, ler o ensaiode Croce sobre a relacionamento entre a Condessa e Cherubino nas Bodas deFigaro de Beaumarchais, e descobrir que o autor no menciona Mozart, cujamsica tornou esse relacionamento to comovente e claro.Tal negligncia da esttica musical caracterizou a filosofia moderna por todaa sua histria. Ainda que Descartes escrevera um breve tratado sobre m-sica, ele no achou nada neste assunto que alertasse seus poderes filosficos,e meramente regurgitou as teorias padres do Renascimento sobre harmonia.Leibniz fez alguns comentrios interessantes mas obscuros sobre isto, comosobre tudo; mas em Spinoza, Locke, Berkeley, e Hume a msica mal menci-onada. O renascimento da esttica musical no sculo XVIII foi o trabalho dealgumas figuras menores como Johan (sic) Mattheson e Charles Batteux, e nofoi at o Essai sur lorigine des langues e o Dictionnaire de musique que umgrande, mas errtico, filsofo [Rousseau] voltou sua ateno a este assunto.
Ainda que esses filsofos no tenham escrito sobre msica, ou o que escreveram no foi
suficientemente extenso nem despertou interesse direto nas discusses de carter musicolgico,
suas influncias na formao da modernidade ocidental foram to profundas que mal se poderia
ignor-los na rea de msica ou qualquer outra que se queira. Especificamente nesse cenrio, a
esttica musical das figuras menores, a que Scruton se refere acima, desenvolveu-se sobre a
chamada Doutrina dos Afetos,16 termo bastante recorrente na literatura sobre msica. Grout e
16Por vezes pode-se encontrar meno ao termo Teoria dos Afetos.
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Palisca (1994, p. 312, grifo dos autores) oferecem a seguinte descrio:
Caracterstica comum a quase todos os compositores deste perodo [primeirobarroco, sculo XVII] foi o seu esforo no sentido de exprimirem, ou antes, derepresentarem, uma vasta gama de idias e sentimentos com a mxima viva-cidade e veemncia. Este esforo constitua, de certo modo, uma extenso damusica reservata renascentista. Os compositores, prolongando certas tendn-cias j evidentes no madrigal dos finais do sculo XVI, procuravam encontraros meios musicais de exprimirem afectos ou estados de esprito, como a ira,a agitao, a majestade, o herosmo, a elevao contemplativa, o assombroou a exaltao mstica, e de intensificarem estes efeitos musicais por meio decontrastes violentos.Assim, a msica deste perodo no era escrita em primeira instncia para ex-primir os sentimentos de um artista individual, mas sim para representar osafetos num sentido genrico. Para a comunicao destes afetos foi surgindopouco a pouco um vocabulrio de recursos ou figuras musicais. J em 1600alguns tericos musicais tentavam classificar e sistematizar estes recursos, masessa tarefa foi realizada principalmente a posteriori. Foram, em particular, ostericos alemes que analisaram e designaram as figuras musicais por analogiacom as figuras e liberdades da retrica.
Johann Mattheson, por exemplo, citado freqentemente por tentar estabelecer e sistema-
tizar uma correlao entre estruturas musicais e determinados afetos, o que de fato j existia
em termos prticos. Tal correspondncia foi possvel quando a polifonia renascentista comea
a ser substituda pela monodia florentina (VIDEIRA, 2006, p. 58), j que a intrincada trama
meldica da polifonia no se prestava a estabelecer claramente um carter nico e marcante;
a monodia, ao contrrio, podia realizar tal tarefa, sendo estrutura composicionalmente quase
como se fosse um discurso dramtico a relao com a perspectiva platnica evidente: a
msica devendo representar claramente aqueles afetos que so desejveis, o mais diretamente
e sem interferncias o possvel. A relaes entre as figuras retrico-musicais e significados era
uma questo quase lingstica, nesse sentido; estruturas musicais eram compreendidas quase
como palavras e frases, aceitando-se como fato que a msica pode comunicar e efetivamente
comunica conceitos e estamos falando de msicas no necessariamente vocais, portanto, sem
texto que lhes d significado conceitual17. Alguns autores chegam a defender o termo msica
eloqente, ou seja, uma msica que fala, que estrutura-se como discurso (HARNONCOURT,
1990). As figuras retrico-musicais. . .
no apenas refletem musicalmente um texto particular, mas podem represen-tar a significao adotada em combinao com outros textos ou em contextos
17Devemos considerar que a significao atribuda a certas configuraes estruturais musicais foi transferida praprtica da composio vocal para a msica pura, instrumental ouvintes familiarizados com o repertrio vocale as associaes empregadas quase que sistematicamente poderiam reconhecer representaes afetivas mesmo naausncia das palavras (FUBINI, 1986; HARNONCOURT, 1990; BURMEISTER, 1993).
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no-textuais. Da mesma maneira que o sermo falado deve ensinar e edifi-car o ouvinte, tambm a musica poetica deve pregar em vez de simplesmenteentreter. (BARTEL, 1997, p. 358)
E essa msica prega pelo movimento, pela simpatia, por causar aquilo que ela supostamente
carrega. Seu significado no meramente conceito, como um substantivo, mas ao, como
um verbo; ela deve causar no ouvinte aquilo que representa em seu discurso cuidadosamente
construdo. A base filosfica aqui requerida evidente: a filosofia cartesiana. a relao entre
propriedades ou configuraes musicais especficas e as propriedades fisiolgicas consideradas
como causadoras das emoes que sustentava a relao entre msica e afetos. Descartes (2004,
Art. 27) menciona uma srie de exemplos de como mecanismos fisiolgicos, chamados pelo au-
tor de espritos animais, causam as paixes sentidas pela alma: percepes, ou sentimentos,
ou emoes da alma, que atribumos particularmente a ela, e que so provocados, sustentados
e fortalecidos por algum movimento dos espritos. Em outras palavras, Descartes diz que as
reaes fisiolgicas causam, sustentam e fortalecem as reaes emocionais.18
Assim sendo, uma passagem cromtica, por exemplo, pode ser entendida por duas perspec-
tivas: enquanto representao de um sentimento ou enquanto causa de um afeto. A seguinte
passagem bastante ilustrativa da conexo entre a teoria das paixes de Descartes e a justifica-
tiva para o emprego expressivo e afetivo de certas passagens musicais:
A dissonncia do semitom considerada til para se retratar afeies tristes,no apenas por suas propores imperfeitas e dissonantes mas tambmpor seu pequeno escopo ou abertura. As vrias dissonncias, particularmentequando se movem lentamente, tambm causam o enfraquecimento e lentidodos spiritus animales, finalmente at causando suas sufocaes. Essa condiono-natural refletida por um pulso no-natural, lento, fino e fraco, resultandonuma afeio de sofrimento e tristeza. Werckmeister continuou este pensa-mento explicando que a fraqueza dos spiritus animales torna mais difcil aentrada destes aos sentidos e ao intelecto. O mesmo intervalo em um temporpido expressaria e estimularia a afeio da ira. (BARTEL, 1997, p. 48-49,grifos do autor)
O que j deve ser evidente neste ponto, que a msica na modernidade mimtica, i.e.,
ela imita, no mais um arch, um princpio primordial cosmognico e cosmolgico, mas imita
a prpria expresso da natureza humana, representando-a atravs de suas figuras e causando-as
por seus meios representacionalistas. Schueller (1953, p. 345) nos coloca, resumidamente:
18As relaes entre as prticas musicais e a filosofia cartesiana podem ser consideradas sob inmeros aspectos,e estaria longe de nossos propsitos esgotar tais possibilidades, sendo que apenas as resvalaremos, por um enfo-que bastante limitado e modesto. De certa forma, a Idade Moderna pode ser chamada de a era do pensamentocartesiano. Esbarramos em Descartes a cada esquina no toa que a filosofia contempornea esfora-se tantoe esbanja seus recursos argumentativos para superar as coordenadas de seu plano e o senso-comum insiste emcumpriment-lo a todo quarteiro.
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Kant considerava a msica uma linguagem das emoes, e Hegel a chamavade uma linguagem do sentimento. Os estatutos da literatura e da histria anti-gas que faziam semelhantes asseres tm sido repetidos to frequentementeque dispensam novas descries. A histria do pensamento ocidental tambm plena de declaraes que ligam a msica s emoes, meramente humanasdurante o sculo XVIII, e mesmo msticas, transcendentais, ou metafsicas du-rante o Movimento Romntico. No sculo XVIII, Rousseau na Frana, Mar-purg e Mattheson na Alemanha, Burney na Inglaterra, vrios filsofos empiris-tas na Esccia, concordavam todos que a msica era uma arte em movimento.E, no sculo XIX, Kierkegaard, Schumann e Wagner pensavam nela comouma linguagem dos sentimentos. Schopenhauer, Pater, e, neste sculo [XX],escritores como Conrad e filsofos como Croce, nos seus diferentes modos,falavam da msica como um tipo de iluminao atravs da emoo.
No obstante, de fato, como j se disse aqui e ali, nenhum desses honrados senhores, no-
mes eminentes da filosofia ocidental, pode ser considerado como proponente de uma esttica
musical, efetivamente. Talvez com a discutvel exceo de Kant, que tomado como o filsofo
que institui a esttica como uma rea fundamental da e imprescindvel filosofia moderna. No
obstante, com a substituio da antiga cosmologia, a msica, assim como as outras artes, preci-
sou de novos argumentos para sua aceitao e validao como parte do conhecimento humano.
Nessa nova esttica, aquele entendimento quase lingstico do significado musical, passa a ser
despropositado e descabido, novamente devido a uma considerao no-conceitual da arte dos
sons.
Kant, na Crtica da Faculdade do Juzo (1995), procura fundar uma teoria esttica compat-
vel com o sistema filosfico que houvera desenvolvido em sua primeira crtica (Crtica da Razo
Pura). Em sua crtica do juzo, Kant entende que a beleza artstica deve ser no-conceitual mas
ao mesmo tempo no meramente sensual, constituda pela forma e pelo padro, deve parecer
propositada sem possuir um propsito, sua apreciao desinteressada, i