A BUSCA DA AUTONOMIA COGNITIVA: AUTORREGULAR O
APRENDER EM SALAS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Jussara Cristina Barboza Tortella
Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Campinas
Resumo
Neste trabalho, ao analisar as produções de alunos do 5º ano do ensino fundamental,
participantes do projeto “Aprender a aprender: As Travessuras do Amarelo”, discutimos
mudanças de procedimentos e atitudes à luz das relações entre os conceitos de
equilibração a partir do modelo teórico piagetiano e autorregulação preconizados pelo
modelo teórico sociocognitivo de Zimmerman. Participaram da pesquisa 90 alunos do
5º ano do Ensino Fundamental de um município da região metropolitana de Campinas.
Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos, o uso do diário sobre os
procedimentos de estudos preenchido em três momentos e a narrativa sobre
determinados trechos da história “As travessuras do Amarelo”. Como resultados
evidenciamos que para algumas crianças não notamos mudanças nos argumentos
quando consideramos os três registros dos diários. No entanto, alguns alunos
demonstraram pensamentos diferenciados no preenchimento desse instrumento. As
narrativas denotam uma nítida diferença entre as atitudes dos alunos antes e após a
participação no projeto. Nota-se pelos argumentos apresentados, tanto na explicação do
motivo pelo qual os alunos decidiram iniciar os estudos, como suas percepções antes e
após o projeto, mudanças de atitudes frente às atividades de estudo. Inferimos que
houve, para alguns alunos, um processo de tomada de consciência e de equilibração
majorante. Este trabalho está composto de três partes, sendo que a primeira destaca as
contribuições teóricas sobre o processo de equilibração, tomada de consciência e
autorregulação. A segunda apresenta a pesquisa que retrata as representações de alunos
sobre as aprendizagens a partir da participação no referido projeto que utiliza a literatura
infantil para construção de estratégias de aprendizagem. Na última parte, trazemos
algumas considerações sobre a contribuição dos estudos para a realidade escolar.
Palavras-chave: Autorregulação. Equilibração. Ensino Fundamental.
Introdução
Escola. Conviver nesse espaço como gestor, docente ou aluno nos remete a
compreender as variáveis que interferem no processo de aprendizagem de conceitos e
atitudes. O sucesso (ou não) do trabalho docente e dos alunos depende de fatores tais
como a organização da escola, o currículo, um ambiente familiar satisfatório, um
ambiente escolar propício à aprendizagem, a avaliação da aprendizagem, a organização
do próprio aluno para a aprendizagem dos diferentes conteúdos. Particularmente, para o
presente artigo, nos interessa esse último tópico.
De forma geral, documentos oficiais apontam que a criança tem o direito de
aprender os diversos conteúdos em situações de escolarização mediadas pela
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100093
intervenção dos professores e, de forma específica, apontam para as situações mais
autônomas a serem fortalecidas pelos profissionais da escola e alunos (BRASÍLIA,
2012; CNE, 2010).
Embora os esforços dos docentes estejam voltados para o sucesso escolar, os
resultados das avaliações externas, tais como a Prova Brasil e o SARESP denotam a
dificuldade na interpretação dos textos e de raciocínio lógico matemático por parte do
aluno. Além de avaliar as competências cognitivas, o SARESP utiliza também outro
instrumento (Questionário socioeconômico) que faz um levantamento, dentre muitos
aspectos, das estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos, por exemplo, se o
professor o incentiva a fazer as tarefas; se há abertura para esclarecimento de possíveis
dúvidas; se o aluno gosta das atividades de sala de aula; se os pais ou irmãos ajudam nas
tarefas de casa ou se o aluno as realiza sozinho (SÃO PAULO, 2012).
Os resultados apresentados em relatório oficial apontam que, para os alunos, há
incentivo por parte dos docentes para as atividades escolares, com novas explicações,
ajuda e controle adequado do tempo das atividades. Quando analisamos as questões
relacionadas às tarefas e estudos, menos alunos apontam esse acompanhamento, tanto
por parte dos professores quanto dos familiares. Quando questionados sobre a lição de
casa, os alunos apontam que nem sempre se comprometem, revelando que esta não é
uma prática frequente para quase 30% dos alunos (SÃO PAULO, 2012). A tarefa
escolar pode ser considerada como uma atividade que requer certa autonomia por parte
dos alunos. Nota-se, pelos resultados, que nem todos quando solicitados a realizarem
atividades de forma mais independente, mais autônoma, as realizam.
Para explicar como os alunos chegam a se posicionar de forma mais autônoma
frente aos trabalhos escolares, utilizaremos o modelo construtivo no qual ao professor
cabe a organização das interações sociais, a organização didática pedagógica que
permite ao aluno interagir com os diversos objetos de aprendizagem e, ao aluno, o papel
ativo na construção de novos saberes; portanto, um modelo relacional. Outro aspecto a
ser considerado são as contribuições que a teoria da equilibração majorante, numa
abordagem construtivista, permite aos professores compreender e tomar consciência dos
“elementos epistemológicos em jogo e das restrições psicológicas inerentes à
construção dos conhecimentos” (CRAHAY, 1999 apud HADJI, 2011, p. 7).
Concordamos com Hadji (2011) sobre a necessidade da construção de novos
conhecimentos no campo das práticas pedagógicas sobre como organizar situações
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100094
didáticas nas quais os alunos realmente sejam os atores da construção de suas
aprendizagens e não meros expectadores.
A opção pela teoria piagetiana se deu ao fato de ela destacar a correspondência
entre os aspectos cognitivos, afetivos e sociais em qualquer conduta e no caso nos
interessa as condutas que os alunos adotam na realização das atividades escolares.
Destacamos nesse estudo as explicações da teoria de Jean Piaget sobre o processo de
equilibração, conceito que consideramos fundamental para o entendimento tanto do
aspecto intelectual como do afetivo. Recorremos, também, as estudos contemporâneos
sobre autorregulação, apoiados na teoria de Zimermnan.
1. Contribuições Teóricas: o processo de equilibração, tomada de consciência e
autorregulação
As questões sobre aprendizagem são fonte de preocupação e estudo de docentes
e pesquisadores da área da educação. Compreender os procedimentos e estratégias que
os alunos adotam conscientemente para resolver as tarefas escolares e realizá-las com
êxito é uma busca constante dos profissionais da escola. Aliado a essa compreensão
temos outros fatores que interferem no processo geral do ensino – a escolha das
atividades e os procedimentos didáticos adotados pelos docentes. Os estudos de Piaget
sobre a equilibração e tomada de consciência e os de Zimermman sobre autorregulação
nos ajudam a compreender os fatores ora mencionados.
Piaget (1976, p.10) parte do pressuposto de que o conhecimento não advém
nem da experiência, nem de um conhecimento inato, mas resulta de uma interação entre
sujeito e objeto de conhecimento, proveniente de “construções sucessivas com
elaborações constantes de estruturas novas”. Conhecer algo, “[...] não é somente
explicar; e não é somente viver: conhecer é algo que se dá a partir da vivência (ou seja,
da ação sobre o objeto do conhecimento) para que este objeto seja imerso em um
sistema de relações" (RAMOZZI-CHIAROTINO, 1988, p.3). O conceito de estrutura
pressupõe um conjunto de elementos relacionados e três características sempre
presentes: totalidade, transformação e autorregulação.
Segundo o autor, quatro fatores básicos regulam o desenvolvimento intelectual:
a maturação, a experiência, a transmissão social e a equilibração.
Outro fator interveniente na construção do conhecimento é a afetividade que é vista, no
contexto da teoria piagetiana, como aquela que move, que desencadeia o processo de
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100095
equilibração a partir do qual as estruturas se constroem. Partindo-se dessa conceituação,
o afeto tanto pode retardar como acelerar essa construção. Visto de outra forma, quando
o sujeito está afetivamente envolvido ou tem interesse por um dado objeto do
conhecimento, há uma aceleração e o atraso irá ocorrer quando as questões afetivas
forem obstáculos para o desenvolvimento intelectual.
A relação entre afeto e cognição se destaca na explicação dos conceitos centrais
da teoria piagetiana, como os estágios, a teoria da equilibração, o processo de tomada de
consciência, dentre outros. O autor descreve em suas obras quatro estágios, integrativos,
diferenciados e que se caracterizam por estruturas de conjunto, obedecendo a uma
ordem sequencial necessária.
Existem mecanismos funcionais constantes e comuns em todos os estágios. O
sujeito busca sempre explicar algo, resolver problemas quer em situações cotidianas ou
escolares; esta ação, quer seja um movimento, quer seja um sentimento ou um
pensamento, é desencadeada por uma necessidade. Embora esse funcionamento seja
comum a todos os estágios, ele depende também das estruturas que o desencadeiam.
Piaget (1971, p.15) explica: “Os interesses de uma criança dependem, portanto,
a cada momento do conjunto de suas noções adquiridas e de suas disposições afetivas,
já que estas tendem a completá-los em sentido de melhor equilíbrio”.
Para explicar o processo de construção dos conceitos, sejam eles físicos, lógico-
matemáticos ou sociais, Piaget (1976, p.10) utiliza o termo equilibração: “É por isso que
falaremos de equilibração enquanto processo e não somente de equilíbrios, e sobretudo
de equilibrações ‘majorantes’ que corrigem e completam as formas precedentes de
equilíbrios”. Nesse sentido, o equilíbrio seria o produto final, enquanto a equilibração
seria o processo para se chegar a um estado de equilíbrio.
Esse processo de equilibração, que vai se diferenciar nos diversos níveis,
depende, para sua própria manutenção, de desequilíbrios e reequilibrações e os mais
fundamentais para o desenvolvimento são os que geram “um melhor equilíbrio, o que
nos fará falar de “equilibrações majorantes” e o que levantará a questão da auto
organização (PIAGET, 1976, p.11). Decorre dessa conceituação um processo dialético,
ou seja, o organismo ao mesmo tempo em que tende a se conservar, se modifica. A
partir desses postulados, pode-se explicar como ocorre o processo de equilibração.
Após ter esclarecido o que são equilibrações majorantes, passemos agora a outro
conceito relevante para o entendimento das relações afetivas e cognitivas: a tomada de
consciência. Para Piaget (1983), o que caracteriza a afetividade são suas composições
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100096
energéticas e o que caracteriza o aspecto cognitivo são as estruturas. Em ambos os casos
existem processos conscientes e inconscientes. Nos processos afetivos, os resultados são
conscientes visto que se traduzem por sentimentos que são manifestados, mas os
mecanismos deste processo são inconscientes. Da mesma forma, nos processos
cognitivos, o resultado da ação é consciente e os mecanismos são quase que totalmente
inconscientes, ou seja, o sujeito não tem consciência do funcionamento de suas
estruturas.
Piaget (1983) ainda estabelece uma relação entre a tomada de consciência e o
“recalque” cognitivo. Estudando-se o processo de tomada de consciência, percebe-se
que a criança desde muito cedo sabe executar várias ações com êxito; mas a tomada de
consciência de uma ação, principalmente a que apresenta conceitos contraditórios, é
geralmente tardia. O recalque afetivo ocorre quando um sentimento parece estar em
contradição com sentimentos ou tendências de posição superior, sendo eliminados por
uma repressão consciente ou um recalque inconsciente, sendo, pois, comparável ao
processo de tomada de consciência acima mencionado. Quando uma ação é eficaz não
há necessidade de uma tomada de consciência, mas quando uma ação requer regulagens
ativas, “o que supõe escolhas intencionais entre duas ou várias possibilidades, há
tomada de consciência em função dessas necessidades mesmas” (PIAGET, 1983,
p.231).
Dependendo do grau de contradição de uma ação, a tomada de consciência pode
ser rápida ou depender de construções: “ela é primeiramente deformante e lacunar,
depois se completa pouco a pouco graças a novos sistemas conceituais permitindo
ultrapassar contradições por integração dos dados nesses novos sistemas” (PIAGET,
1983, p.231).
A compreensão do processo de tomada de consciência nos conduz a perceber
que tal constructo pode explicar a importância do aluno conhecer seu próprio processo
de aprendizagem, o momento em que faz o planejamento para a realização das
atividades escolares, verificar quais as condições para a execução da tarefa, tais como
pedir ajuda ou organizar o ambiente para melhor resolver a tarefa proposta.
O conceito de autorregulação parte desse mesmo pressuposto e “refere-se aos
processos que envolvem a activação e a manutenção das cognições, comportamentos, e
afectos dos alunos, planeados e ciclicamente adaptados para a obtenção dos seus
objectivos escolares (SCHUNK, 1989a, 1994; ZIMMERMAN, 1989, 2000a, 2002 apud
SOARES, 2007). Rosário (2004, p. 37) define a autorregulação da aprendizagem como:
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100097
“[…] um processo activo no qual os sujeitos estabelecem os objectivos que norteiam a
sua aprendizagem tentando monitorizar, regular e controlar as suas cognições,
motivação e comportamentos com o intuito de os alcançar”. O autor descreve, pautado
nos estudos de Zimmerman, um modelo cíclico denominado de Planejamento,
Execução e Avaliação (PLEA).
Segundo Soares (2007, p. 6), os estudos de Zimmermann indicam que o sucesso
escolar, relacionado com o processo da autorregulação da aprendizagem, envolve o
controle e a escolha de aspectos fundamentais da aprendizagem, tais como estabelecer
metas, planejar, organizar o tempo e ambiente e “a utilização eficiente dos recursos
disponíveis, a monitorização das realizações, a antecipação dos resultados das suas
acções escolares e a procura de ajuda sempre que necessário”. Para a autora, o sucesso
está ainda atrelado a crenças positivas que o aluno apresenta sobre sua aprendizagem e a
possibilidade de realizar atividades com êxito.
Muitas dessas estratégias não são efetivamente utilizadas pelos alunos pelo
desconhecimento e cabe ao professor promover ações educativas intencionais com o
objetivo da utilização dessas ferramentas pelos alunos, que acabam sendo úteis em
varias áreas do conhecimento. No entanto, não basta o conhecimento das estratégias,
mas são de extrema importância a vivência e utilização das mesmas em diferentes
atividades escolares.
As estratégias de aprendizagem estão relacionadas aos conteúdos aos quais elas
se inserem. Rosário, Núñez e González-Pienda (2007) descrevem três tipos de
conhecimento: o conhecimento declarativo está relacionado com o saber algo e a
tomada de consciência das etapas de sua construção (planejar, executar e avaliar). O
conhecimento procedimental se refere ao saber como fazer algo e o condicional à
capacidade de perceber quando e como utilizar determinada estratégia.
Os autores entendem que para que o processo de autorregulação se efetive é
necessário um contexto educacional em que o educador faça planejamentos intencionais
sobre a sua atuação, que parte de uma estrutura que contempla diferentes momentos do
ensino: 1. Ensino direto; 2. Modelação; 3. Prática guiada; 4. Interiorização; 5. Prática
autônoma.
Assim, a construção da autonomia se dá de forma progressiva e o papel do
professor é fundamental. Segundo Rosário (2004, p. 44) o apoio do docente “deve ser
feito de forma escalonada e transitar de uma mediação mais directiva e intensa, numa
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100098
fase inicial, para formas mais autocontroladas e auto-reguladas, até a supressão do
apoio.
Segundo Uchoa (2000, p. 6) nas atividades escolares intervém “simultaneamente
o processo de interiorização e outro de exteriorização das atividades de regulação”.
Quando os professores fazem questionamentos aos alunos, solicitam que revejam
determinada parte da tarefa proposta, os alunos não agem passivamente a essas
intervenções. Aos poucos vão construindo estratégias de autocorreção, elaborando bons
questionamentos ou buscando novas informações.
Os conceitos ora apontados – equilibração, tomada de consciência e
autorregulação – nos auxiliaram na compreensão das produções de alunos e professores
do 5º ano do ensino fundamental participantes do projeto “Aprender a aprender: As
Travessuras do Amarelo”. Assim, discutimos mudanças de procedimentos e atitudes em
situações de aprendizagem não no sentido de apreciação de resultados, mas com o
intuito de descrever o processo.
2. Delineando o campo metodológico
O objetivo dessa pesquisa foi analisar as produções de alunos e professores do 5º
ano do ensino fundamental participantes do projeto “Aprender a aprender: As
Travessuras do Amarelo”. Trata-se de uma pesquisa descritiva de cunho qualitativo.
Foram participantes 90 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de três escolas de
tempo integral de uma cidade da região metropolitana de Campinas-SP.
O referido projeto utiliza o livro infantil denominado “As Travessuras do
Amarelo” como uma ferramenta estratégica para trabalhar estratégias de autorregulação
da aprendizagem. Segundo Rosário, Nuñez e Pienda (2007) autores da história, a
narrativa foi escrita com o objetivo de promover e trabalhar estratégias de
autorregulação em crianças do ensino fundamental, possibilitando que elas vivenciem
situações nas quais possam construir determinadas estratégias que possibilitem uma
ação mais autônoma no que diz respeito à organização de suas tarefas, estudos e ações
cotidianas.
A história apresenta vários personagens que vivem em um bosque e tem como
foco central a busca do personagem Amarelo, uma das cores do arco-íris, que sumiu. Na
procura pelo amigo, as cores encontram vários desafios que, para superarem, contam
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100099
com a ajuda dos outros personagens. É nesse contexto que os autores possibilitam que
as crianças conheçam e vivenciem algumas das principais estratégias de autorregulação.
O projeto prevê um curso para professores e equipe pedagógica com a utilização
do material denominado Auto-Regulação em crianças Sub-10- Projecto Sarilhos do
Amarelo (Rosário, Nuñez e Pienda, 2007) que tem por objetivo discutir o marco teórico
da autorregulação e análise da narrativa infantil a ser trabalhada com os alunos;
acompanhamento do desenvolvimento do projeto em sala de aula e encontro com os
pais. Além desses procedimentos a presente pesquisa utilizou como instrumentos de
coleta de dado o uso do diário sobre os procedimentos de estudos e a narrativa sobre
determinados trechos da história, material preenchido pelos alunos.
Após as devidas autorizações da Secretaria da Educação e responsáveis pelos
alunos acompanhamos as formações dos professores, principalmente as que focavam a
utilização dos diários, que após a revisão das professoras foi organizado em dois
tópicos: questões nas quais as crianças completavam com registros de como estudavam
em casa e no outro na escola. Para as narrativas dos trechos da história, as crianças
precisavam destacar o que haviam compreendido daquele trecho e em segundo
momento se já haviam vivenciado uma situação parecida com aquela.
Foram agendadas as retiradas dos diários e narrativas com a orientadora
pedagógica responsável pelas escolas em dias específicos. Em posse dos registros dos
alunos selecionamos três de cada aluno sendo um no início da utilização dos diários, o
segundo após um mês e o último ao final do projeto. Os mesmos foram submetidos à
técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2011), com o intuito de descrever e interpretar
os registros dos alunos.
3. O Projeto Aprender a aprender: a busca da autonomia cognitiva
Nesta seção apresentamos as respostas dos alunos e a análise qualitativa dos
dados. Uma das questões para o preenchimento do diário tinha por objetivo
compreender os motivos pelos quais as crianças decidem iniciar seus estudos em casa
“decidi começar a estudar porque...”. Após a análise, as escritas dos alunos foram
organizadas em cinco seguintes categorias. O nome registrado dos alunos é fictício.
Categoria 1 - Motivos extrínsecos. O aluno Felipe assim argumenta: Pois minha mãe
disse que posso ficar bom na prova. Já a aluna Silvana destaca: Para ficar inteligente.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100100
Categoria 2: Bons resultados. O aluno José salienta que começou a estudar para
melhorar a nota e Pedro para tirar boas notas.
Categoria 3: Melhoria do aprendizado. Julia disse: Preciso melhorar na lição e nas
provas. Henrique escreve: Preciso melhorar no estudo, leitura e provas.
Categoria 4: Motivação e implicação. Aprender coisas novas foi o argumento de Julio
e Mariana começou a estudar para aprender e ganhar nota 10.
Categoria 5: Prazer do estudo. Ana afirma que iniciou o estudo porque: Gosto de
aprender.
Para algumas crianças não notamos mudanças nos argumentos quando
consideramos os três registros. O aluno Marcelo nas três coletas respondeu que decidiu
começar a estudar porque tem prova demonstrando argumentos de obrigatoriedade, para
obter nota favorável na avaliação. No entanto, alguns alunos demonstraram
pensamentos diferenciados no preenchimento dos diários. Como exemplo, a aluna
Laura que na primeira coleta respondeu que começou a estudar para ter boas notas, na
segunda para passar de ano e na terceira porque quer aprender, demonstrando uma
passagem da obrigatoriedade para a motivação pelo estudo.
Passemos agora para a análise das narrativas dos aprendizados dos trechos da
história. Após várias atividades de reflexão sobre a narrativa, como última proposta foi
solicitado à criança que escrevessem sobre sua rotina de estudo: Antes do projeto quais
eram as suas atitudes quando não conseguia aprender? E hoje o que você faz para
conseguir aprender e quais atitudes você toma quando surge alguma dificuldade?
Da mesma forma que na análise dos diários, as respostas das crianças foram
agrupadas por conteúdos similares. Destacamos as categorias (C) e um quadro que
demonstra as mudanças de conduta. Para antes da realização do projeto as respostas
foram organizadas em 4 categorias (Categoria 1: atitudes distratoras; Categoria 2:
Desistência; Categoria 3: Acomodação; Categoria 4: Ausência de Planejamento;
Categoria 5: Ausência de estudo) e no término do projeto outras 4 categorias (Categoria
6: PLEA; Categoria 7: Apoio social/Pedir ajuda; Categoria 8: Mudança
comportamental).
Quadro 1 – Atitudes antes e após o projeto
O quadro nos revela dados interessantes. Há uma nítida diferença entre as
atitudes dos alunos antes e após a participação no projeto “As travessuras do Amarelo”.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100101
Entendemos que a oportunidade de pensar sobre sua própria aprendizagem possibilitou
que os alunos pudessem aprender algumas estratégias importantes para o sucesso
escolar: pensar antes de realizar as atividades propostas, selecionando materiais,
realizando mentalmente ou com registro escrito um plano para a execução da atividade;
monitorar a realização da própria atividade ou do grupo, antecipando possíveis
problemas ou os resolvendo de forma eficiente. Foram capazes ainda de avaliar seu
próprio trabalho e utilizar a estratégia de pedir ajuda quando necessário.
Nota-se pelos argumentos apresentados, tanto na explicação do motivo pelo qual
os alunos decidiram iniciar os estudos, como suas percepções antes e após o projeto,
mudanças de atitudes frente às atividades de estudo. Inferimos que houve, para alguns
alunos, um processo de tomada de consciência e de equilibração majorante. Embora
sejam processos inconscientes, foi possível verificar por meio do pensar sobre sua
própria aprendizagem expresso na fala, o que Piaget (1976) denomina de um melhor
equilíbrio, provindo de desequilíbrios e reequilibrações constantes.
O docente teve um papel fundamental nessas nítidas mudanças de
comportamento permitindo que os alunos pudessem, durante a realização do projeto,
pensar sobre suas próprias aprendizagens, conhecer e utilizar estratégias
autorregulatórias em diferentes atividades escolares, em face a uma aprendizagem
autônoma das crianças.
Algumas considerações
O acompanhamento do desenvolvimento do projeto “Aprender a aprender: As
Travessuras do Amarelo” nos permitiu revisitar os conceitos de equilibração e tomada
de consciência que descrevem um aluno ativo, que busca novas compreensões a partir
do contato com o mundo que o rodeia, reconhecendo os conflitos e perturbações, na
busca de melhores explicações, de superações utilizando formas mais aperfeiçoadas,
“majorantes” (BRENELLI, 1996) A busca pela autonomia cognitiva se fez presente
nesses processos. A escola vem como reconhecedora desse sujeito aprendente, que tem
por função principal a organização de um espaço rico em situações de aprendizagem
(MACEDO, 2005).
Para uma mudança na realidade apontada no início do texto, em que boa parte
dos alunos não se comprometem com as tarefas escolares aliado a nossa experiência na
área educacional em que recebemos constantes queixas que professores apresentam
sobre a falta de estudo por parte dos alunos, notamos a necessidade de redimensionar
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100102
dois papéis importantes nesse processo. O primeiro, o papel do aluno que precisa cada
vez mais tomar consciência da responsabilidade frente aos seus próprios estudos, de
tomar consciência quais as melhores estratégias é preciso ter para obter melhores
resultados escolares. O segundo, o papel do docente nesse processo, pois assim como o
aluno, ele não pode ser um mero expectador e seu papel não se restringe a transmitir o
conhecimento culturalmente construído. Entendemos que, ao mesmo tempo em que
transmite conhecimento, necessita realizar intervenções que permitam a conscientização
do processo autorregulatório da aprendizagem dos alunos e nas interações sociais, no
desenvolvimento do currículo a partir de uma perspectiva formativa.
Referências
BRASÍLIA. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Elementos
conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e
desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental,
2012.
BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas
e aritméticas. Campinas : Papirus, 1996.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara de Educação Básica. Resolução
nº 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica. Resolução CNE/CEB 4/2010. Diário Oficial da União, Brasília, 14
de julho de 2010, Seção 1, p. 824.
HADJI, C. Ajudar os alunos a fazer a autorregulação da sua aprendizagem: Por
quê? Como? Editora Melo, maio 2011
MACEDO, L. de. Ensaios pedagógicos: Como construir uma escola para todos? Porto
Alegre: Artmed, 2005
PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 4.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1971.
________. A equilibração das estruturas cognitivas : o problema central do
desenvolvimento. Rio de Janeiro : Zahar, 1976
________. A epistemologia genética : sabedoria e ilusões da filosofia; problemas
de psicologia genética. São Paulo: Abril, 1983. (Os pensadores).
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget.
São Paulo : EPU, 1988. (Temas básicos de psicologia)
ROSÁRIO, P. Estudar o estudar: As (Des)venturas do Testas. Porto. Porto Editora,
2004.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100103
ROSÁRIO, P., NÚÑEZ, J., PIENDA, J.G. Auto-regulação em crianças sub-10:
Projecto Sarilhos do Amarelo. Porto. Porto Editora, 2007.
SÃO PAULO. Relatório dos estudos do SARESP de 2011. Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo. São Paulo, 2012.
SOARES, S. F. dos S. M. Auto-regulação da tomada de apontamentos no Ensino
Básico, (Doutorado em educação). Universidade do Minho, 2007.
Quadro 1 – Condutas antes e após o projeto
Nome Antes do projeto C Após o projeto C
Alex Eu fazia as coisas sem
pensar e só fazia bagunça. 1 Eu faço o PLEA, penso e consigo. 6
Caio Eu desistia. 2 Hoje quando não consigo aprender eu peço
ajuda para um colega ou para a professora e
tento me esforçar para aprender.
7
Bia Eu sempre desistia. 2 Eu sei que errando é que se aprende e estou usando o PLEA nas tarefas escolares.
6
Carol Quando eu não conseguia
aprender eu ficava quieta e tentava ver o livro dos
outros.
3 Eu procuro ajuda e não tenho medo, porque
os amigos servem para isso. 7
Luana Eu achava que quando
não estava conseguindo fazer uma atividade eu
podia deixar sem fazer.
Antes eu não dava opiniões, só brincava
durante a aula, quase não
dava tempo de fazer as
lições, pois eu ficava muito distraída.
1
Eu penso antes de agir, não faço tudo
correndo, presto atenção nas lições e em tudo que está à minha volta. Agora eu não brinco
mais na explicação da professora e dou
opinião. Eu mudei muito com esse projeto, a
professora ficou super impressionada. Hoje
eu não faço mais bagunça na sala de aula,
pois com a professora aprendi que no futuro quem vai sair prejudicada sou eu.
8
Bete Eu não planejava nada,
não entendia e quando ia avaliar se não fosse bom
eu nem ligava.
4 Agora eu faço exatamente o PLEA, planejar,
executar e avaliar. Consigo entender, e na hora de avaliar, tento fazer as coisas ainda
melhor.
6
Pedro Eu não estudava, por isso
tinha bastante dificuldade em algumas coisas.
5
Já hoje estudo, quando tem uma matéria que
não entendo eu pergunto para a professora. 7
Fonte: dados da pesquisa
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100104