Fundamentos ■■
Históricos, teóricos e metodológicos do serviço social
módulo
Professora Ma. Enilda Maria Lemos
unidade didática – Fundamentos Históricos
e teóricos do serviço social
BookUniderp63_ServSocial.indb 1 11/16/09 1:45:53 PM
apresentação ■
Caro(a) aluno(a),
Os textos que compõem a Unidade Didática “Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Ser-
viço Social” abordam o Serviço Social brasileiro após 1964, a formação profissional e algumas manifestações
da sociedade atual.
Com a preocupação de explicitar o Serviço Social na sociedade monopolista, buscou-se observar o critério
da unidade teórica das obras pesquisadas, como foi feito na unidade didática “Fundamentos Históricos do
Serviço Social”.
A unidade didática “Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social” está estruturada em nove aulas.
A aula 1 trata da perspectiva da modernização conservadora do Serviço Social; a aula 2 aborda a perspectiva
da reatualização do conservadorismo do Serviço Social e a perspectiva da intenção de ruptura; a aula 3 analisa
o movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina; a aula 4 discute a questão social e o Ser-
viço Social; a aula 5 tece considerações sobre o neoliberalismo; a aula 6 versa sobre o movimento ambienta-
lista; a aula 7 trata do terceiro setor; a aula 8 aborda a importância de o assistente social conhecer a Sociedade
contemporânea; a aula 9 discute a assistência social e o Serviço Social.
É importante que você, aluno(a), leia todos os textos referentes à unidade que fazem parte do livro e/ou
aqueles que serão postados no Portal.
Você está convidado a adentrar a profundidade das análises, lendo o texto original das obras pesquisadas.
Faça da leitura das obras originais uma preliminar para a leitura de textos clássicos, aqueles que revelam a
questão social: o objeto do Serviço Social. Faça deles um componente da sua formação acadêmica. Busque
muito mais...
Professora Ma. Enilda Maria Lemos
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AULA
1a PersPectiva da modernização
conservadora do serviço social
Conteúdo■■
A implantação de empresas de capital internacional no Brasil•
O processo de renovação do Serviço Social•
A perspectiva modernizadora do Serviço Social•
O Seminário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis (RJ)•
Competências e habilidades■■
Compreender os determinantes que levaram às adequações na formação e atuação dos •
assistentes sociais brasileiros, no período do regime militar de 1964
Ler e analisar textos que tratam da renovação do Serviço Social tradicional no Brasil•
Reconhecer os principais pontos da perspectiva da modernização conservadora realizada •
no regime militar na formação e atuação na área de Serviço Social
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz considerações acerca do
processo de renovação do Serviço Social brasileiro,
que desembocou nas três perspectivas do Serviço
Social, discutidas por José Paulo Netto (2006): a mo-
dernização conservadora, a que faz uma reatualiza-
ção do conservadorismo e a que busca romper com
as formas tradicionais da profissão. Este texto, mais
especificamente, faz uma abordagem da perspectiva
da modernização conservadora do Serviço Social.
Para isso, é fundamental que sejam feitas algu-
mas considerações a respeito da dominação nos
países da América Latina após a Segunda Guerra
Mundial, para que se possa compreender o con-
texto no qual o Serviço Social do Brasil se desen-
volveu.
A obra que referencia este texto é Ditadura e Ser-
viço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil
pós-64, de José Paulo Netto.
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
A IMPLANTAÇÃO DE EMPRESAS DE CAPITAL
INTERNACIONAL NO BRASIL
Com a construção do bloco capitalista e do bloco
socialista, o capitalismo gerou algumas mudanças
na sociedade. Para Fernandes (1981, p. 21), após a
Segunda Guerra Mundial, países da Europa, Ásia e
América lançaram estratégias em defesa do capita-
lismo. Uma dessas estratégias foi a implantação de
empresas norte-americanas e europeias na América
Latina.
Moniz Bandeira, no estudo sobre cartéis e desna-
cionalização no Brasil, de 1964 a 1974, afirma que
a economia brasileira registrava “alta concentração
monopolística” nos anos 1950.1
Segundo Bandeira (1975, p. 10), o governo de
Juscelino Kubitschek de Oliveira2 fez concessões ao
capital internacional, como, por exemplo, ao apri-
morar a “Instrução 113 da Sumoc”3. Esse meca-
nismo massacrou o empresariado nacional e “[...]
instituiu um regime de privilégios para capitalistas
estrangeiros, ou melhor, americanos” (BANDEIRA,
1975, p. 10).
Nessa altura, o empresariado nacional, que atuava
de forma competitiva, teve que ceder ao capital in-
ternacional. Florestan Fernandes, num estudo sobre
capitalismo dependente e classes sociais na América
Latina, afirma que as empresas locais
[...] foram absorvidas ou destruídas, as estruturas
econômicas existentes foram adaptadas às dimen-
sões e às funções das empresas corporativas, as
bases para o crescimento autônomo e a integração
1 O Brasil, àquele tempo, já registrava alta concentração mo-nopolística e, nos anos seguintes, década de 1950, tornou-se no-vamente campo de batalha dos grandes interesses estrangeiros, que, de um lado, disputavam entre si o mercado nacional e o controle das fontes de matérias-primas e, do outro, procuravam arrebatar e distorcer o processo de industrialização, na medida em que não mais podiam segurá-lo, conforme as conveniências do sistema capitalista mundial. (MONIZ, 1975, pp.9–10).
2 Juscelino Kubitschek de Oliveira foi o presidente do Brasil de 31.01.1956 a 31.01.1961.
3 Instrução da “Superintendência da Moeda e do Crédito (SU-MOC)” foi baixada no governo de Café Filho, no início de 1955, conforme Moniz (1975, p. 10).
nacional da economia, conquistadas tão ardua-
mente, foram postas a serviço dessas empresas e
dos seus poderosos interesses privados (FERNAN-
DES, 1981, p. 23).
Assim sendo, uma parte da burguesia (a parte
aliada aos Estados Unidos era a favor do capital in-
ternacional e a outra defendia o nacionalismo, pro-
vocando uma crise4 na burguesia. Conforme Iama-
moto (2004, pp. 77–78), a crise se deu por pressões
de ordem externa e interna.
A primeira era exercida pelas empresas de capi-
tal monopolista mundial com interesse no Brasil. A
outra pressão vinha da burguesia local (que resistia
a mudanças) e dos trabalhadores.
A parte da burguesia nacional que era atrelada aos
norte-americanos resolveu a crise com o golpe de 1o
de abril de 1964.5 Para Bandeira (1975, pp. 16–17),
em apoio à concentração do capital, o regime mi-
litar proibiu o sindicalismo, “suprimiu os focos de
resistência” e agravou a exploração do trabalhador.
Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go-
vernos militares6 deram amplo apoio às empresas
internacionais. O capital monopolista contou com
“[...] o respaldo de uma política econômica capaz
4 Pano de fundo dessa crise foi “[...] a exigência de adaptação da burguesia à industrialização intensiva e aos novos ritmos econômico-sociais, transferidos de fora para a sociedade brasileira” (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
5 O Brasil, entre os anos de 1945 a 1963, teve à frente governos populistas que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960 a 1964, os movimentos sociais ganharam força e apoiaram as Reformas de Base (reforma agrária e reforma urbana, por exemplo) e o nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos governos populistas. Nesse período, configurou-se “[...] o apro-fundamento e a problematização do processo democrático na sociedade e no Estado” (NETTO, 2006, p.159).
6 Por desenvolvimentismo entende-se “[...] qualquer tipo de políti-ca econômica baseada no crescimento da produção industrial e da infraestrutura, com participação ativa do Estado, [...]” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo. Acessado em 31 de janeiro de 2008). Compondo o discurso oficial de alguns países da América Latina, o desenvolvimentismo “[...] converteu-se em prática e diretriz de ação política de diversas regiões latino-amer-icanas” (CASTRO, 2006, p. 151). A política desenvolvimentista é parte inerente de economias capitalistas “[...] como no Brasil (gover-no JK) e no governo militar, quando ocorreu o ‘milagre econômico brasileiro’, [...]”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo. Acessado em 31 de janeiro de 2008).
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5
aula 1 — A Perspectiva da Modernização Conservadora do Serviço Social
de articular a ação governamental com os interesses
dos grandes empresários” (IAMAMOTO, 2004, p.
77). Foram implantadas medidas de controle nas
[...] instituições oficiais, semioficiais ou privadas
encarregadas de conduzir a política de controle
global das finanças, da educação, da pesquisa cien-
tífica, da inovação tecnológica, dos meios de comu-
nicação em massa, do emprego extranacional das
políticas, das forças armadas e mesmo dos gover-
nos. (FERNANDES, 1981, p. 24)
A título de exemplo, o autor cita os programas
educacionais, de controle de natalidade, de inova-
ções tecnológicas que “[...] são projetados e aplica-
dos sem consideração (ou com pouca considera-
ção) pelas necessidades e potencialidades concretas
dos países receptores” (FERNANDES (1981, p. 25).
Pode-se concluir que os governos militares fizeram
modificações na sociedade brasileira em benefício
do “grande capital”.
O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO SERVIÇO
SOCIAL
O processo de renovação do Serviço Social
ocorreu na crise do Serviço Social tradicional,
que levou ao movimento de reconceituação
do Serviço Social latino-americano. A renovação do
Serviço Social brasileiro é discutida no estudo de
José Paulo Netto sobre o Serviço Social, depois da
ditadura de 1964.
No caso da América Latina, o movimento de re-
conceituação do Serviço Social tradicional é “[...]
parte integrante do processo internacional de erosão
do Serviço Social tradicional [...]” (NETTO, 2006, p.
146).7 Isso quer dizer que o movimento de reconcei-
tuação foi uma resposta local à crise internacional do
Serviço Social.
7 Em resposta à crise e aos questionamentos dos movimentos sociais acerca da sociedade burguesa e do Serviço Social tradi-cional, um grupo de assistentes sociais organizou o movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino-americano, que ocorreu de 1965 a 1975 (tema do texto da aula 3).
Segundo Netto (2006, p. 154), na erosão da base
do Serviço Social tradicional, “a reflexão profissio-
nal de desenvolveu em três direções”: a perspecti-
va modernizadora, a perspectiva da reatualização
do conservadorismo e a perspectiva da intenção de
ruptura. Foi assim o início da renovação do Serviço
Social brasileiro.
O Serviço Social, na perspectiva modernizadora,
ajustou-se ao projeto econômico do governo mili-
tar. Na concepção da reatualização do conservado-
rismo, deu um novo formato a ele, e na perspectiva
da intenção de ruptura, pretendia romper com a sua
herança conservadora.
Netto (2006, pp. 152–153) também detectou três
momentos no processo de renovação:
O primeiro, desencadeado na segunda metade
dos anos 1960, foi marcado pelos seminários de te-
orização do Serviço Social, promovidos pelo Centro
Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS).8
O segundo momento, além do CBCISS, que se
manifestou na década de 1970, incorporou as pro-
duções teóricas dos cursos de pós-graduação.9
O terceiro, que se desencadeou no início dos anos
de 1980, agregou aos dois anteriores a Associação
Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS)
ligada às agências de formação, e entidades ligadas
à categoria, como as associações profissionais, os
sindicatos, entre outros.
É possível dizer que, no Brasil, fatores como a luta
dos subalternos contra a exploração e as manifesta-
ções pela democracia, ocorridas no período de 1960
a 1964, bem como o golpe militar de 1964 e a aber-
8 “Fundado em 1946 sob a denominação de Comitê Brasileiro de Conferência Internacional do Serviço Social, e re-estrutura-do em 1956 [...]”. Seu prestígio aumentou “[...] quando iniciou a publicação de sua revista Debates Sociais, que passou a con-stituir o principal órgão de difusão de trabalhos na área”. (AM-MANN, 184, p. 152)
9 De fato, boa parte da produção divulgada no final dos anos 1970 já é fruto desses programas de pós-graduação, muito es-pecialmente as teses defendidas nas Pontifícias Universidades Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. (NETTO, 2006, p. 153, nota de rodapé no 86)
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
tura política na crise da ditadura estão ligados ao
processo de renovação do Serviço Social.
A PERSPECTIVA MODERNIZADORA DO SERVIÇO
SOCIAL (SEGUNDA METADE DA DÉCADA
DE 1960)
Como foi dito, no contexto da ditadura, o Ser-
viço Social na perspectiva modernizadora ajustou-
se ao projeto de governo para atender ao “grande
capital”.
O Serviço Social “modernizou” a sua metodologia
e os cursos para formar o profissional “moderno”
para atuar nas instituições burguesas remodeladas
do regime militar:10 “[...] exige-se um assistente so-
cial, ele mesmo, ‘moderno’ – com um desempenho
cujos traços ‘tradicionais’ são deslocados e substi-
tuídos por procedimentos ‘racionais’” (NETTO,
p.123). Portanto, esse profissional moderno “[...]
supõe uma formação bem diversa daquela que foi a
predominante até meados dos anos 1960.” (NETTO,
2006, p. 192).
Yasbek (1996) chama a atenção para a dificulda-
de de se discutir a relação entre o Serviço Social e
a sociedade no regime militar. Daí a ênfase que os
seminários de Araxá (1967) e de Teresópolis (1970)
deram à metodologia do Serviço Social.
A perspectiva modernizadora, segundo Netto
(2006, p. 164), foi discutida e proposta no Seminá-
rio de Araxá (1967), contudo, as ideias dessa pers-
pectiva emergiram do I Seminário Regional Latino-
Americano de Serviço Social, ocorrido em Porto Ale-
gre, em maio de 1965.
O principal representante da perspectiva mo-
dernizadora é José Lucena Dantas. Para o autor,
Dantas11 “[...] ofereceu ao debate uma concepção
10 “Sinteticamente, o fato central é que, no curso deste pro-cesso, mudou o perfil do profissional demandado pelo mer-cado de trabalho que as condições novas postas pelo quadro macroscópico da autocracia burguesa faziam emergir: [...].” (NETTO, p. 123).
11 José Lucena Dantas desempenhou funções de relevo (1970-1974) na Secretaria de Serviços Sociais do Governo do Distrito Federal, de docência, trabalhou no Conselho Interamericano de Bem-Estar Social, dedicando-se também à teorização do
extremamente articulada da ‘metodologia do Ser-
viço Social’, efetivamente a mais compatível com
a perspectiva modernizadora [...]” (NETTO, 2006,
p. 180).12
Ele considera Dantas um profundo teorizador,
pois as suas elaborações teóricas e os cursos e as
conferências que ele proferiu atestam, “[...] indubi-
tavelmente, que ele foi o assistente social que mais
apurou as concepções nucleares da modernização
do Serviço Social no Brasil” (NETTO, 2006, p. 181,
nota de rodapé no 140).
De concepção funcionalista, Dantas “[...] era for-
temente influenciado pelas teses desenvolvimentis-
tas e do bem-estar social emanadas de agências in-
ternacionais” (NETTO, 2006, p. 181, nota de rodapé
no 140).
Em relação à orientação que a teoria funciona-
lista deu ao Serviço Social, Vicente de Paula Falei-
ros associa a posição neutra do assistente social à
“neutralidade” dos funcionalistas. Portanto, a “[...]
posição ideológica dos funcionalistas é a ‘neutrali-
dade’, que se manifesta no Serviço Social [...]” (FA-
LEIROS, 1983, p. 22).
O funcionalismo “[...] busca a integração do ho-
mem ao meio e tem como base o equilíbrio das ten-
sões na unificação social de todos os papéis.” (FA-
LEIROS, 1983, p. 22). No referencial funcionalista, o
sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso
contrário as disfunções precisam ser corrigidas.
A perspectiva modernizadora “[...] constitui –
sob todos os aspectos – a primeira expressão do
processo de renovação do Serviço Social no Brasil”
(NETTO, 2006, p. 164).
A título de esclarecimento, a perspectiva da re-
atualização do conservadorismo e a perspectiva
da intenção de ruptura farão parte do conteúdo
da aula 2.
Serviço Social, conforme Netto (2006, p. 181, nota de rodapé no 140).
12 Segundo Netto (2006, p. 181), José Lucena Dantas considera a metodologia de ação como “a parte central da Teoria Geral do Serviço Social”.
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aula 1 — A Perspectiva da Modernização Conservadora do Serviço Social
O SEMINÁRIO DE ARAXÁ (MG) E O SEMINÁRIO
DE TERESÓPOLIS (RJ)
Durante a ditadura militar foram realizados dois
seminários de teorização do Serviço Social, o Semi-
nário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis
(RJ). O documento de Araxá, o de Teresópolis e o
documento de Sumaré constam das publicações do
CBCISS (1986) e constituem uma importante fonte
de pesquisa. A seguir, será feito um breve comentá-
rio sobre os referidos seminários.
O Seminário de Araxá
Segundo Netto (2006, p. 164), o I Seminário de
Teorização do Serviço Social foi realizado em Araxá
(MG), no período de 19 a 26 de março de 1967. En-
tre outros temas, o documento de Araxá, publicado
pelo CBCISS (1986, p. 32) trata dos níveis da micro-
atuação e da macroatuação do Serviço Social.
O nível da microatuação discute a prática pro-
fissional voltada para a prestação de serviços dire-
tos. Para tanto, o “[...] Serviço Social, como técnica,
dispõe de uma metodologia de ação que utiliza di-
versos processos” (CBCISS 1986, p. 30). São os pro-
cessos de caso, grupo, comunidade e trabalho com
a população.
Na macroatuação, o Serviço Social está voltado
para a política e o planejamento. “Essa integra-
ção supõe a participação no planejamento, na im-
plantação e na melhor utilização da infraestrutura
social”13 (CBCISS, 1986, p. 31).
Para Netto (2006, p. 172) há “um exagero da pro-
posta”. Contudo, ele reconhece nela a “[...] recusa em
limitar-se às funções executivas terminais, em torno
das quais historicamente centralizaram-se a práti-
ca profissional e a meridiana indicação dos novos
papéis profissionais”. De fato, o assistente social, ao
participar “da política e do planejamento para o de-
senvolvimento”, deixa de atuar apenas na execução.
13 A infraestrutura social é aqui entendida como “facilidades básicas, programas para saúde, educação, habitação, educação e serviços sociais fundamentais [...]” (CBCISS, 1986, p. 32).
O Seminário de Teresópolis
Enquanto o Seminário de Araxá (1967) foi rea-
lizado na cidade mineira, que é ornamentada pela
beleza da Serra da Bocaina, os participantes do Se-
minário de Teresópolis puderam desfrutar da paisa-
gem do Parque Nacional da Serra dos Órgãos.14
Promovido pelo CBCISS, o II Seminário de Teo-
rização do Serviço Social, cujo tema era a metodo-
logia do Serviço Social, foi realizado de 10 a 17 de
janeiro de 1970, em Teresópolis.
A ditadura exigia que o profissional fosse prepa-
rado para atuar nas instituições que foram adapta-
das ao projeto da autocracia burguesa,15 vinculado
ao capital internacional. Nesse sentido, Teresópolis
situa o assistente social como um “funcionário do
desenvolvimento”, afirma Netto (2006, p. 192).
Para isso, as formulações de Teresópolis “[...]
apontam para a requalificação profissional do as-
sistente social, definem nitidamente o perfil socio-
técnico da profissão e a inscrevem conclusivamente
no circuito da ‘modernização conservadora’ [...]”
(NETTO, 2006, p. 192).
As elaborações que constam dos documentos de
Araxá e de Teresópolis objetivavam instrumentali-
zar o assistente social para responder às demandas
do regime ditatorial; por isso, não buscavam uma
nova organização para a sociedade.
14 A área do Parque Nacional da Serra dos Órgãos abrange os municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim, no Estado do Rio de Janeiro.
15 A burguesia brasileira possui algumas características próprias. Segundo Madson (2001), na concepção de Florestan Fernandes, a burguesia brasileira (sem tender para a democratização) é de-pendente e autoritária. Essa dependência possibilitou o desen-volvimento capitalista e a sua dominação. “A dominação bur-guesa no Brasil é autocrática”, quer dizer, a burguesia deixou de fora a população. Para Cardoso (1994, 1995), as formas de dominação aconte-ceram desde as relações mais simples até aquelas de âmbitos maiores: no caso do Brasil, desde as relações internas estabele-cidas entre a classe dominante e a população até a relação dos Estados Unidos com o governo brasileiro. Nesse tipo de regime, a burguesia dos países periféricos esta-beleceu com a burguesia hegemônica uma relação de “parceria subordinada” e uma relação de opressão e de exploração “[...] com as demais classes e agrupamentos sociais” (CARDOSO, 1994, 1995, p. 7).
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Concluindo■■
Nos anos de 1950, a economia brasileira registra-
va “alta concentração monopolística”. O governo de
Juscelino Kubitschek de Oliveira, por exemplo, apri-
morou a “Instrução 113 da Sumoc”, que massacrou
o empresariado nacional e instituiu um regime de
privilégios para capitalistas americanos.
A burguesia nacional entrou em crise por pressão
das empresas de capital monopolista mundial com
interesse no Brasil, da burguesia local (que resistia a
mudanças) e dos trabalhadores.
Essa crise foi resolvida com o regime militar,
que apoiou a concentração do capital, proibiu o
sindicalismo,“suprimiu os focos de resistência” e
agravou a exploração do trabalhador.
Os governos militares beneficiaram o “grande
capital”, articulando a ação governamental com os
interesses dos grandes empresários.
Quando foi “erodida a base do Serviço Social tra-
dicional”, iniciou-se a renovação do Serviço Social
brasileiro a partir de três perspectivas: a moderniza-
dora, a de reatualização do conservadorismo e a da
intenção de ruptura.
O Serviço Social na perspectiva modernizadora
“modernizou” a metodologia e a formação acadê-
mica para atuar nas instituições burguesas remode-
ladas do regime militar.
A perspectiva modernizadora foi discutida e pro-
posta no Seminário de Araxá (1967), mas as suas
ideias emergiram do I Seminário Regional Latino-
Americano de Serviço Social, ocorrido em Porto
Alegre, em maio de 1965. Essa perspectiva é “a pri-
meira expressão do processo de renovação do Servi-
ço Social no Brasil”.
O principal representante da modernização con-
servadora é José Lucena Dantas. Ele orientou-se pela
teoria funcionalista, que prevê o funcionamento do
sistema na mais perfeita ordem, caso contrário, as
disfunções precisam ser corrigidas.
Durante a ditadura militar foram realizados dois
seminários de teorização do Serviço Social, o Semi-
nário de Araxá (MG) e o Seminário de Teresópolis
(RJ). O documento de Araxá, o de Teresópolis e o
documento de Sumaré constam das publicações do
CBCISS (1986) que discutiram a metodologia do
Serviço Social.
As elaborações que constam dos documentos de
Araxá e de Teresópolis objetivavam instrumentali-
zar o assistente social para responder às demandas
do regime ditatorial; por isso, não buscavam uma
nova organização para a sociedade.
Atividade■■
Leia o texto da aula 1 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Fale sobre a implantação das empresas de capi-
tal internacional no Brasil.
2. Como se deu o processo de renovação do Ser-
viço Social no Brasil?
3. Quais os três momentos de reflexão profissio-
nal que Netto (2006) detectou?
4. Como você compreendeu a perspectiva da mo-
dernização conservadora (segunda metade da déca-
da de 1960)?
5. Quem foi o principal representante da pers-
pectiva da modernização conservadora na visão de
Netto (2006)?
6. Destaque os pontos importantes do Seminário
de Araxá e do Seminário de Teresópolis.
anotaçÕes *
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aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva da Intenção de Ruptura
INTRODUÇÃO
Dando continuidade à reflexão sobre o processo
de renovação do Serviço Social, este texto aborda a
perspectiva da reatualização do conservadorismo e
a perspectiva da intenção de ruptura com as formas
tradicionais do Serviço Social. A obra em referência
é a Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço
Social no Brasil pós-64, de José Paulo Netto.
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AULA
2a PersPectiva da reatualização
do conservadorismo do serviço social e a PersPectiva da intenção de ruPtura
Conteúdo■■
Os rumos do Serviço Social brasileiro na vigência do regime militar de 1964•
A perspectiva da reatualização do conservadorismo (década de 1970)•
A perspectiva da intenção de ruptura, do início (década de 1980)•
Considerações acerca do Seminário de Sumaré (1978) e do Seminário do Alto da Boa Vista •
(1984)
Competências e habilidades■■
Compreender a emergência da perspectiva da intenção de ruptura e da perspectiva da rea-•
tualização do conservadorismo no Serviço Social
Associar as manifestações da sociedade que ocorreram na primeira metade da década de •
1960 com o Serviço Social
Compreender o sentido da perspectiva da reatualização do conservadorismo do Serviço •
Social
Reconhecer o “Método BH” como proposta teórico-metodológica•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo•
2 h-a – presenciais com professor local•
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo•
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
OS RUMOS DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
NA VIGÊNCIA DO REGIME MILITAR DE 1964
A crise da ditadura, depois de meados dos anos
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza-
dora do Serviço Social perdesse a sua hegemonia.
O mesmo regime que moldou a perspectiva
modernizadora,1 fazia emergir posições contes-
tadoras, criando “[...] um espaço onde se inscre-
via a possibilidade de se gestarem alternativas às
práticas e às concepções profissionais que ela de-
mandava” (NETTO, 2006, p. 129).
O autor distingue dois aspectos da perspectiva
modernizadora. De um lado, “[...] seu conteúdo
reformista (recorde-se que ela incorpora o vetor
do reformismo próprio ao conservantismo bur-
guês) [...]” não foi incorporado pelos assistentes
sociais mais tradicionais. (NETTO, 2006, p. 156).2
De outro, “[...] seu traço conservador e sua co-
lagem à ditadura incompatibilizaram-na com os
segmentos profissionais críticos [...]” (NETTO,
2006, p. 161). Isso resultou nas outras duas dire-
ções do processo de renovação do Serviço Social,
discutidas por Netto (2006, p. 194): a perspectiva
da reatualização do conservadorismo e a perspec-
tiva da intenção da ruptura.3
De fato, a ditadura não manteve a hegemonia da
perspectiva modernizadora, visto que não agregou
os assistentes sociais. Por outra parte, a perspecti-
va da reatualização do conservadorismo e a pers-
pectiva da intenção de ruptura não conseguiram
extinguir a perspectiva modernizadora. Nas pala-
vras do autor, “[...] o que de fato se registra é o
1 A primeira direção da renovação do Serviço Social foi a per-spectiva modernizadora.
2 “Este segmento de vinculação católica privilegia os componen-tes mais conservadores da tradição profissional e mostra-se refra-tário às inovações introduzidas pela perspectiva modernizadora [...]” (NETTO, 2006, p. 156-157).
3 Enquanto a perspectiva da reatualização do conservadorismo era menos afeita a mudanças sociais, pois almejava tão somente um novo jeito de fazer profissional, a perspectiva da intenção da ruptura, sim, vislumbrava romper com o conservadorismo do Serviço Social.
seu deslocamento da arena central do debate e da
polêmica” (NETTO, 2006, p. 194).
Na sequência, serão feitas algumas considerações
sobre a perspectiva da reatualização do conservado-
rismo e a perspectiva da intenção de ruptura.
A PERSPECTIVA DA REATUALIZAÇÃO
DO CONSERVADORISMO (DÉCADA DE 1970)
Segundo Netto (2006, p. 201), foi no marco do
Seminário de Sumaré (1978) e no Seminário do Alto
da Boa Vista (1984) “que se explicitou” a perspectiva
da reatualização do conservadorismo. Ela foi “[...]
expressa primeiramente na tese de livre-docência de
Anna Augusta de Almeida (1978), texto base nesta
perspectiva [...]”, intitulada a “nova proposta”.
Foi significativa a preocupação dos teóricos da
perspectiva da reatualização do conservadorismo
em buscar um suporte metodológico na fenome-
nologia. Antes disso, a fenomenologia não era co-
nhecida no meio profissional, é o que indica Netto
(2006, p. 208-209).
Esses teóricos não se apoiaram na teoria positivis-
ta e na teoria marxista, mas na teoria fenomenológi-
ca. No que se refere à abordagem positivista, o autor
faz a seguinte observação: “[...] ao ‘pensamento cau-
sal’ quer substituir-se ‘um pensamento não causal,
o fenomenológico, cujo quadro de referência não
é a explicação, mas a compreensão’” (CARVALHO,
1987. Citado por NETTO, 2006, p. 205).
Em relação à abordagem marxista, Anna Augusta
de Almeida e outros autores da perspectiva da re-
atualização do conservadorismo não vislumbram
mudanças na organização da sociedade.4 Almeida
“[...] nada incorpora das problemáticas relativas às
lutas de classes, às formas de manipulação ideológi-
ca, aos modos de controle das classes subalternas, à
divisão social e técnica do trabalho, ao Estado [...]”
(NETTO, 2006, p. 229).
Sem discutir as causas, nem os conflitos de classe,
a perspectiva da reatualização do conservadorismo
4 A própria denominação é cuidadosa ao reafirmar que, nessa vertente do Serviço Social, foi feita, apenas, uma reatualização do conservadorismo.
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aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
trouxe à tona elementos do conservadorismo e do
pensamento católico, imprimindo-lhe um novo
formato. Para Anna Augusta de Almeida, os valores
são calcados “[...] por uma fenomenologia existen-
cial e por uma ética cristã motivante (ALMEIDA,
1978:11) [...]” (NETTO, 2006, p. 205).
Anna Augusta de Almeida é a responsável pela
“[...] formulação seminal desta vertente no processo
de renovação do Serviço Social no Brasil” (NETTO,
2006, p. 227).
O autor chama a atenção para o uso de fontes se-
cundárias. Mas, cuidadosamente, ele sublinha que
somente “[...] Carvalho (1987) se aproxima de uma
fonte original – Merleau-Ponty – da qual recolhe
o que lhe parece pertinente para os seus objetivos,
num processo seletivo [...]” (NETTO, 2006, p. 212).
Segundo ele, no documento de Sumaré consta que
há uma ou duas referências clássicas, nas demais, é
comum o uso das fontes secundárias.
É preciso lembrar que docentes encaminham
suas pesquisas na perspectiva da reatualização do
conservadorismo, assim como profissionais, nela,
ancoram suas práticas.
A PERSPECTIVA DA INTENÇÃO DE RUPTURA
(DÉCADA DE 1980)
Como a proposta da perspectiva da intenção de
ruptura é romper com as práticas tradicionais do
Serviço Social, vinculadas aos interesses da classe
dominante, ela discute a relação entre o Serviço So-
cial e a sociedade capitalista.
Nas palavras do autor, ela queria “[...] romper
com o passado conservador do Serviço Social e os
indicativos prático-profissionais para consumá-la”
(NETTO, 2006, p. 161). Ela foi manifestada no âm-
bito dos movimentos democráticos e das classes
exploradas e subalternas, do início dos anos 1960,
quando
[...] o Serviço Social – de forma visível, pela pri-
meira vez – vulnerabilizava-se a vontades sociais
(de classe) que indicavam a criação, no mar-
co profissional, de núcleos capazes de intervir
no sentido de vinculá-lo a projeções societárias
pertinentes às classes exploradas e subalternas.
(NETTO, 2006, p. 256)
O autor enfatiza a importância desse momento
da sociedade brasileira para a intenção de ruptura:
“[...] Sociopolítica e historicamente, esta perspec-
tiva é impensável sem o processo que se precipita
de 1961 a 1964 – e é abortada em abril – no plano
também profissional, é ali que ela encontra os seus
suportes sociais” (NETTO, 2006, p. 257).
Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a
opção política de trabalhar em favor dos explora-
dos e subalternos, conceberam as primeiras ideias
da perspectiva da intenção de ruptura:
Netto (2006, p. 261) apreendeu três momentos
dessa perspectiva: a) o momento da emersão da
intenção de ruptura; b) o momento da conso-
lidação acadêmica da intenção de ruptura; e c) o
momento do espalhamento da intenção de ruptura
no âmbito da categoria profissional.
O momento da emersão da intenção de ruptura
(de 1972 a 1975)
Segundo ele, a perspectiva da intenção de ruptu-
ra emergiu com o grupo da Escola de Serviço So-
cial da Universidade Católica de Minas Gerais, de
1972 a 1975. Apesar da repressão militar, as ideias
da intenção de ruptura se desenvolveram nessa es-
cola mineira.
Sob a liderança de Leila Lima dos Santos (diretora
da escola) e Ana Maria Quiroga, o grupo elaborou o
“Método Belo Horizonte”, conhecido por “Método
BH”, um trabalho de crítica teórico-prática ao tradi-
cionalismo. O “Método BH” foi considerado
[...] a primeira elaboração cuidadosa, no país, sob
a autocracia burguesa, de uma proposta profissio-
nal alternativa ao tradicionalismo preocupada em
atender a critérios teóricos, metodológicos e inter-
ventivos capazes de aportar ao Serviço Social uma
fundamentação orgânica e sistemática, articulada
a partir de uma angulação que pretendia expressar
os interesses históricos das classes e camadas ex-
ploradas e subalternas. (NETTO, 2006, p. 275)
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
Tal importância conferida ao movimento não foi
suficiente para impedir a demissão dos principais
formuladores e gestores do “Método BH”, interrom-
pendo de novo o projeto da intenção de ruptura.
Efetivamente, a demissão desmantelou o grupo,
mas não conseguiu extinguir o movimento.
Embora tenha sido uma experiência isolada, em
plena ditadura, o “Método BH” contribuiu para a
implementação da perspectiva da intenção de rup-
tura, pois foi ele que estabeleceu “[...] no final da
década, as bases para a retomada da crítica ao tra-
dicionalismo [...]” (NETTO, 2006, p. 270).
Com este grupo, “[...] a intenção de ruptura se ex-
plicita originalmente em nosso país, assumindo uma
formulação abrangente que até hoje se revela uma ar-
quitetura ímpar” (NETTO, 2006, p. 261).
Como bem diz Netto (2006, p. 270), na década
de 1970 não havia condições institucionais para
implementar o projeto da intenção de ruptura. Na
verdade, segundo Netto (2006, p. 258), a perspecti-
va da intenção de ruptura só pôde expressar-se na
crise da autocracia burguesa.
Alguns registros sobre o “Método BH”
Para Netto (2006, pp. 276–277 ) o “Método BH”
constituiu um marco para o Serviço Social, uma al-
ternativa global ao Serviço Social tradicional. Pois
o grupo que elaborou o “Método BH” não se ateve
em fazer apenas uma crítica ao Serviço Social tra-
dicional, suas formulações dirigidas às concepções
e às práticas do Serviço Social deram “[...] suportes
acadêmicos para a formação dos quadros técnicos
e para a intervenção do Serviço Social”.
Dentre as críticas ao tradicionalismo do Serviço
Social, o documento (1974) do “Método BH” re-
gistrou a neutralidade do Serviço Social (no fundo
expressa um certo comprometimento da profissão
com os interesses conservadores); a departamen-
talização da realidade, e a fragmentação dos fenô-
menos sociais, que separa realidade social e grupos
sociais, sociedade e homens, sujeito e objeto.
O documento reafirmou que o Serviço Social
tradicional está voltado para “[...] eliminar as dis-
funções, os problemas de desadaptação, as con-
dutas desviadas” (Análise histórica... p. 6-7 apud.
NETTO, 2006, p. 278).
Serão destacados alguns aspectos das considera-
ções que o autor faz sobre Leila Lima dos Santos e
Vicente de Paula Faleiros.
LeiLa Lima dos santos
Primeiramente vale dizer que Leila Lima dos San-
tos e Vicente de Paula Faleiros tiveram participação
relevante “[...] no momento em que a perspectiva
da ruptura, consolidada, desborda os circuitos aca-
dêmicos e rebate no conjunto da categoria profis-
sional” (NETTO, 2006, p. 271).
Leila Lima dos Santos “[...] exerceu um papel
central no experimento de Belo Horizonte [...]”.
Como foi mencionado, o “Método BH”, formulado
durante o regime militar, teve singular importância
para a perspectiva da intenção de ruptura e para o
Serviço Social brasileiro.
Demitida da escola de Belo Horizonte, Leila Lima
dos Santos atuou no Centro Latinoamericano de
Trabajo Social (CELATS)5 até a metade da década de
1980. Lá, ela fez reflexões críticas acerca da proposta
de Belo Horizonte, destacando entre outros pontos
“[...] a compreensão do papel da categoria profis-
sional como espaço para a redefinição do Serviço
Social” (NETTO, 2006, p. 272).
Vicente de PauLa FaLeiros
Vicente de Paula Faleiros destacou-se, também,
pela preocupação em buscar referenciais críticos
para a prática cotidiana dos assistentes sociais. Para
tanto, Vicente Faleiros “[...] procura fundar o pro-
jeto de ruptura no domínio do fazer profissional a
partir de uma análise das conexões entre dinâmica
social e dinâmica institucional e das correlações de
força [...]” (NETTO, 2006, p. 273).
5 O CELATS foi criado pela Asociación Latinoamericana de Es-cuelas de Trabajo Social (ALAETS), como seu organismo aca-dêmico. Fundada no Panamá, em 1965, a ALAETS e o CELATS exercem influência no trabalho social dos países do continente. (Seno A. Cornely. Disponível em: http://www.pucrs.br/textos/anteriores/ano1/memorias02.pdf. Acessado em 1o de dezembro de 2006).
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aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
Ele é autor de uma bibliografia considerável so-
bre o Serviço Social. Dentre outros trabalhos, publi-
cou Trabajo Social: Ideologia y Método, no seu exílio
(ditadura militar) em Buenos Aires, Argentina, em
1970. Este livro trouxe contribuições para a perspec-
tiva da intenção de ruptura e para o Serviço Social
brasileiro, mas circulou no Brasil, discretamente,
durante o regime militar.
O MOMENTO DA CONSOLIDAÇÃO ACADÊMICA
DA INTENÇÃO DE RUPTURA (fINAL DOS ANOS
1970 E INíCIO DOS ANOS 1980)
No final da década de 1970 e primeiro terço da
década de 1980, as universidades apresentavam al-
guns trabalhos de conclusão de pós-graduação6 e de
ensaios sobre a intenção de ruptura. Despontavam
as faculdades7 do Rio de Janeiro, de São Paulo e de
Campina Grande, conforme Netto (2006, p. 264).8
Os três primeiros anos da década de 1980 trans-
correram de forma diferente:
Ao contrário do momento de emersão da pers-
pectiva da intenção de ruptura – claramente loca-
lizada em Belo Horizonte e com suas formulações
claramente reduzidas às da escola mineira – o que
então se passa pluraliza os núcleos de aglutinação
dos pesquisadores e tem um efeito óbvio, na me-
dida em que os protagonistas vinham de diferentes
regiões do país e a elas frequentemente retornavam.
(NETTO, 2006, p. 264, nota de rodapé no 312)
Nesse momento, as elaborações teóricas benefi-
ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na
ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
6 “No Brasil, a pós-graduação é oficialmente implantada em 1972, pelas Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Ja-neiro e de São Paulo.” (AMMANN, 1984, p. 157).
7 As universidades que ofereciam pós-graduação na década de 1970 são a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972), a Pon-tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (1976 e 1977), dentre outras.
8 Desde 1966, a Universidade Federal do Rio de Janeiro oferecia cursos de aperfeiçoamento e especialização, cujos alunos proce-diam em grande parte dos quadros docentes das universidades brasileiras (AMMANN, 1984, p. 157).
Segundo Netto (2006, p. 264), até o início da década
de 1980, as pesquisas na perspectiva da intenção de
ruptura ainda não se pautavam nas fontes originais
do marxismo, apesar do seu rigor intelectual.
Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
mo clássico representavam um avanço. “Tipificam
esse momento os trabalhos de Iamamoto (1982) e
Carvalho (1986)” (NETTO, 2006, p. 269, nota de
rodapé no 322).
Vale registrar que a crítica às principais propostas
de renovação profissional foi influenciada por Mi-
riam Limoeiro Cardoso. “O [...] seu saldo positivo
[...] foi recolocar no centro do debate profissional o
projeto da ruptura [...]” (NETTO, 2006, p. 265).
As universidades tiveram um papel especial na
construção do arcabouço teórico e metodológico
da perspectiva da intenção de ruptura, pois, ali, o
controle do regime era menos rígido, se comparado
ao que era exercido em outras instituições.
mariLda ViLLeLa iamamoto
De acordo com Netto (2006, p. 299), Marilda Vil-
lela Iamamoto “[...] visualiza na sua evolução, duas
vertentes profissionais – a modernizadora e a que
pretende uma ruptura com a herança conservadora
do Serviço Social”. Com relação ao significado que a
autora deu à primeira, confira na transcrição abaixo:
[...] o que a vertente modernizadora do Serviço So-
cial no Brasil faz, no pós-64, é atualizar a herança
conservadora da profissão, de forma a adequá-la ‘às
novas estratégias de controle e repressão da classe
trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo gran-
de capital, para atender às exigências da política
de desenvolvimento com segurança’. (Iamamoto,
1982:213 apud NETTO, 2006, p. 299)
Assim, Marilda Villela Iamamoto mostra os
vínculos do Serviço Social com o Estado e com
o grande capital, na vertente modernizadora. O
autor destaca que Marilda Villela Iamamoto “[...]
participou em alguma medida da experiência da
escola de Belo Horizonte: ali ela iniciou a sua car-
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
reira docente, depois transitoriamente interrompi-
da pela repressão militar-fascista” (NETTO, 2006,
p. 275, nota no 345).
A produção teórica de Marilda Villela Iamamo-
to influencia os assistentes sociais e “[...] configura
a primeira incorporação bem-sucedida, no debate
brasileiro, da fonte clássica da tradição marxiana
para a compreensão profissional do Serviço Social”
(NETTO, 2006, p. 276).
Antes do trabalho dessa autora, as pesquisas não
eram feitas com base em fontes originais, mas em
autores que tratavam do marxismo. Ainda confor-
me Netto (2006, p. 276), a teoria de Marilda Villela
Iamamoto foi essencial para a consolidação da pro-
posta brasileira da intenção de ruptura.
Cabe registrar o seguinte fato citado por José
Paulo Netto na obra da autora Renovação e con-
servadorismo no serviço social: ensaios críticos: a
professora Marilda Villela Iamamoto participou
do movimento estudantil nos anos 1960 e expe-
rimentou na década de 1970 “[...] a tortura nos
porões da ditadura, a prisão e o ostracismo” (IA-
MAMOTO, 2004, p. 10). Marilda Villela Iamamo-
to, Raul de Carvalho, José Paulo Netto, Manuel
Manrique de Castro, Vicente de Paula Faleiros,
Leila Lima dos Santos e outros autores, com base
em fontes originais, discutira o Serviço Social na
perspectiva da intenção de ruptura.
O momento do espalhamento da intenção
de ruptura no âmbito da categoria profissional
(de 1982 a 1983)
No período de 1982 e 1983, o debate do Serviço
Social na perspectiva da intenção de ruptura esten-
deu-se para o conjunto dos profissionais. Confira
na transcrição abaixo:
O fato é que a incidência do projeto da ruptura, a
partir do segundo terço da década de 1980, penetra
e informa os debates da categoria profissional, dá o
tom da sua produção intelectual, rebate na forma-
ção de quadros operada nas agências acadêmicas de
ponta e atinge as organizações representativas dos
assistentes sociais. (NETTO, 2006, p. 267)
Conforme Netto (2006, p. 267, nota de rodapé, no
318), as escolas de Serviço Social implantaram seu
currículo mínimo utilizando referências dessa pers-
pectiva; a ABESS, que depois de 1982 empenhou-se
numa formação crítica ao tradicionalismo; e outras
entidades.
Merece registro o lançamento da Revista Servi-
ço Social e Sociedade, editada pela Cortez, em 1979,
“uma das mais importantes revistas profissionais do
continente”, que publicou grande parte dos textos
na perspectiva da intenção de ruptura.
O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
buições teóricas que desvelaram e desvelam o Ser-
viço Social brasileiro e latino-americano, pautadas
em fontes originais. São produções teóricas que
vão das origens da profissão até o Serviço Social na
sua contemporaneidade, sem contar, ainda, outros
eventos que a ela se reportam.
Convém registrar o “[...] flagrante hiato entre a
intenção de romper com o passado conservador do
Serviço Social e os indicativos práticos profissionais
para consumá-la” (NETTO, 2006, p. 161). Mas, Net-
to (2006, p. 161) reafirma o acúmulo teórico dessa
perspectiva que ajuda a pensar a profissão, além de
qualificar o debate acadêmico.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SEMINÁRIO
DE SUMARÉ (1978) E DO SEMINÁRIO DO ALTO
DA BOA VISTA (1984)
Como foi dito, no marco do Seminário de Su-
maré (1978) e do Seminário do Alto da Boa Vista
(1984) “[...] se explicitou a segunda direção do pro-
cesso renovador [...]”, a perspectiva da reatualização
do conservadorismo (NETTO, 2006, p. 201).
Mais especificamente, a perspectiva da reatuali-
zação do conservadorismo e a perspectiva da inten-
ção de ruptura foram discutidas no Seminário de
Sumaré (1978), promovido pelo CBCISS.
O III Seminário de Teorização do Serviço Social
foi realizado no Centro de Estudos de Sumaré, da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, de 20 a 24 de no-
vembro de 1978, tendo por tema: o Serviço Social e
a cientificidade; o Serviço Social e a fenomenologia;
bem como o Serviço Social e a Dialética.
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15
aula 2 — A Perspectiva da Reatualização do Conservadorismo do Serviço Social e a Perspectiva...
O Seminário do Alto da Boa Vista (1984), como
observa Netto (2006, p. 194), foi realizado no Colé-
gio Coração de Jesus, no Rio de Janeiro.
Comparando os dois primeiros seminários com
os dois últimos, Netto (2006, p. 197) chama a aten-
ção para os seminários de Araxá (1967) e de Teresó-
polis (1970), que possibilitavam o diálogo.
É importante, ainda, verificar que conforme
a ditadura ia entrando em crise, a perspectiva da
modernização conservadora, regida pelo funciona-
lismo, perdia a sua hegemonia, tanto é que o Semi-
nário de Sumaré abriu o debate para duas teorias
do conhecimento, a fenomenologia e o marxismo.
Concluindo■■
A crise da ditadura, depois de meados dos anos
1970, contribuiu para que a perspectiva moderniza-
dora perdesse a sua hegemonia.
Tanto o seu reformismo não foi incorporado pe-
los assistentes sociais mais tradicionais, como o seu
conservadorismo atrelado à ditadura não atendeu
aos segmentos profissionais críticos.
Isso resultou na formação de outras duas dire-
ções do processo de renovação do Serviço Social: a
perspectiva da reatualização do conservadorismo e
a perspectiva da intenção da ruptura, discutidas no
Seminário de Sumaré (1978).
A principal representante da perspectiva da rea-
tualização do conservadorismo foi Anna Augusta de
Almeida. Os teóricos não se apoiaram na aborda-
gem positivista e na marxista, mas na abordagem
fenomenológica. As pesquisas de Anna Augusta de
Almeida e de outros autores que discutiram o Servi-
ço Social na perspectiva da reatualização do conser-
vadorismo não vislumbraram mudanças na organi-
zação da sociedade.
Sem discutir as causas, nem os conflitos, a
perspectiva da reatualização do conservadorismo
trouxe à tona elementos do conservadorismo e do
pensamento católico, imprimindo-lhe um novo
formato.
A perspectiva da intenção de ruptura discute a
relação entre o Serviço Social e a sociedade e se ma-
nifestou no âmbito dos movimentos democráticos
e/ou das classes exploradas e subalternas, do início
dos anos 1960.
Os assistentes sociais, portanto, que fizeram a op-
ção política de trabalhar em favor dos explorados
e subalternos, conceberam as primeiras ideias da
perspectiva da intenção de ruptura. Mas esse pro-
cesso foi interrompido com o golpe de 1964.
Essa perspectiva emergiu de 1972 a 1975, com a
experiência do grupo da Escola de Serviço Social da
Universidade Católica de Minas Gerais, que desen-
volveu o “Método BH”, durante a ditadura. O “Mé-
todo BH” é um trabalho de crítica teórico-prática
ao tradicionalismo.
A consolidação acadêmica da intenção de rup-
tura se deu no final da década de 1970 e primeiro
terço da década de 1980, quando as universidades
apresentavam alguns trabalhos de conclusão de pós-
graduação e de ensaios sobre a intenção de ruptura.
Despontavam as faculdades do Rio, de São Paulo e
de Campina Grande.
Nesse momento, as elaborações teóricas benefi-
ciaram-se da produção teórica anterior, da crise na
ditadura e do movimento de abertura da sociedade.
Até o início da década de 1980, as pesquisas na pers-
pectiva da intenção de ruptura ainda não se pau-
tavam nas fontes originais do marxismo, apesar do
seu rigor intelectual.
Por isso, as pesquisas realizadas com base nas
fontes teórico-metodológicas originais do marxis-
mo clássico representavam um avanço.
O espalhamento da intenção de ruptura ocorreu
de 1982 a 1983, quando o debate do Serviço Social
na perspectiva da intenção de ruptura estendeu-se
para o conjunto dos profissionais.
O avanço dessa perspectiva é visível nas contri-
buições teóricas que desvelaram o Serviço Social
brasileiro e latino-americano, pautadas em fontes
originais. São produções teóricas que vão das ori-
gens da profissão até o Serviço Social na sua con-
temporaneidade, sem contar, ainda, outros eventos
que a ela se reportam. Mas ainda se observa uma
distância entre “a intenção de romper com o pas-
sado conservador do Serviço Social e os indicativos
práticos profissionais para consumá-la”.
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16
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Atividades■■
Leia o texto da aula 2 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Quais os rumos que o Serviço Social tomou no
regime militar de 1964?
2. Em que Seminário de Teorização foi discutida
a segunda direção da renovação do Serviço Social?
Quais as vertentes que compõem a segunda direção
do processo renovador do Serviço Social?
3. Qual era a preocupação que os teóricos tive-
ram ao formular a perspectiva da reatualização do
conservadorismo?
4. Destaque alguns pontos da proposta de Anna
Augusta de Almeida, representante da perspectiva
da reatualização do conservadorismo.
5. Quais os fatores citados por Netto (2006) que
ligam a concepção das primeiras ideias da perspec-
tiva da intenção de ruptura ao cenário brasileiro e
internacional?
6. Como se deu a manifestação da intenção de
ruptura?
7. Em que consiste o “Método BH”?
8. Qual é o papel de Leila Lima dos Santos em
relação ao “Método BH”?
9. O que Vicente de Paula Faleiros enfatizou em
relação à perspectiva da intenção de ruptura?
10. Em que período se deu a consolidação pers-
pectiva da intenção de ruptura? Quais os fatos im-
portantes do processo de consolidação da intenção
de ruptura?
11. Quais os pontos que o texto destacou do estu-
do que Netto (2006) faz sobre a pesquisadora Maril-
da Villela Iamamoto?
12. Quais os pontos que o texto destacou so-
bre o estudo que Netto (2006) faz sobre o espa-
lhamento da perspectiva da intenção de ruptura
entre os profissionais do Serviço Social (de 1982
a 1983)?
anotaçÕes *
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17
aula 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina
INTRODUÇÃO
O texto desta aula trata do movimento de recon-
ceituação do Serviço Social na América Latina, que
ocorreu em decorrência da crise internacional do
Serviço Social tradicional. O texto, ainda, traz ob-
servações acerca das implicações da política desen-
volvimentista para o Serviço Social latino-america-
no. Ressalta o texto que as imposições dessa política
também motivaram a organização do movimento
de reconceituação do Serviço Social, que contestava
essa dominação.
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
nd
amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
ser
viço
so
cial
AULA
3o movimento de reconceituação
do serviço social na américa latina
Conteúdo■■
Alguns fatores da dependência latino-americana no pós II Guerra Mundial•
Intercâmbio do Serviço Social Latino-americano com o Serviço Social norte-americano•
Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil•
Competências e habilidades■■
Compreender o movimento histórico de reconceituação do Serviço Social latino-americano •
nas especificidades brasileiras
Associar a política desenvolvimentista às formas de realização do Serviço Social latino-ame-•
ricano
Reconhecer como o regime militar vigente à época e a divergência do grupo de assistentes •
sociais dificultaram a realização do movimento da reconceituação
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
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2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
A obra em referência é O Serviço Social na con-
temporaneidade: trabalho e formação profissional, de
Marilda Villela Iamamoto.
ALGUNS fATORES DA DEPENDÊNCIA LATINO-
AMERICANA NO PÓS SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
Segundo Faleiros (1983, p. 21), na década de 1940,
os Estados Unidos estabeleceram uma aliança com a
América Latina para que ela fornecesse matéria-pri-
ma e mercado para os produtos norte-americanos.
Nas décadas de 1960 a 1980, a América Latina pas-
sou por um “[...] processo de mobilização popular-
reforma e autoritarismo político [...]” (FALEIROS,
2006, p. 141). No Brasil, por exemplo, ocorreram
manifestações pela democracia e em favor das clas-
ses subalternas que foram duramente rechaçadas
pelo golpe de abril de 1964. Mas quando a ditadura
entrou em crise, a sociedade civil pôde voltar à cena
brasileira.
No caso das pressões exercidas pelos movimentos
sociais, o autor faz a seguinte colocação: “[...] as classes
dominantes ou suas frações hegemônicas respondiam,
seja com projeto de reformas, seja com a repressão, ar-
ticulando uns e outros em função das ameaças reais ou
percebidas” (FALEIROS, 2006, p. 142).
Os governos de João Goulart, no Brasil, Perez, na
Venezuela, Velasco Alvarado, no Peru, Frondisi, na
Argentina, tentaram “[...] a via de aglutinação de
massas em torno de mudanças parciais” (FALEI-
ROS, 2006, p. 142).1
Mas, quando as mobilizações constituíam uma
força capaz de levar adiante o embate contra a hege-
monia, elas eram reprimidas pela classe dominante
que estava no poder. Dessa forma, as populações
brasileira, argentina, equatoriana, uruguaia, chile-
na, boliviana e peruana viveram um longo período
1 Os governos “[...] impulsionaram reformas sob a égide do desenvolvimento, do crescimento e da modernização ou de um programa minimamente redistributivista de terras, renda e com um discurso participativo” (FALEIROS, 2006, p. 142). Eduardo Frei, no Chile, realizou uma ação reformista e desen-volvimentista.
de ditadura militar, é o que indica Faleiros (2006,
p. 142).2
INTERCÂMBIO DO SERVIÇO SOCIAL LATINO-
AMERICANO COM O SERVIÇO SOCIAL NORTE-
AMERICANO
Com base nos textos pesquisados, serão desta-
cados dois intercâmbios do Serviço Social latino-
americano com o Serviço Social norte-americano:
um que se deu no âmbito da formação acadêmica e
o outro, no âmbito de programas internacionais.
O primeiro foi efetivado com a participação de
diretores de escolas de Serviço Social da América
Latina, na Conferência Nacional de Serviço Social
(1941),3 citada por Yasbek (1988, p. 49). Nesse even-
to, instituições norte-americanas ofereceram aos
assistentes sociais sul-americanos bolsas de estudo
para aperfeiçoamento e especialização em escolas
norte-americanas.
A autora conclui que o intercâmbio do Serviço
Social latino-americano com o norte-americano
começou com as bolsistas. À época, ocorriam algu-
mas mudanças no cenário internacional que con-
correram para efetivar esse intercâmbio. Confira no
texto abaixo:
Com a Segunda Guerra Mundial e consequente
limitação do intercâmbio com a Europa, e com a
política da Boa Vizinhança do presidente Roose-
velt (reforço político e ideológico das relações de
solidariedade continental), há uma aproximação
muito intensa com os Estados Unidos. (YASBEK,
1988, p. 49).
Influenciado pelos norte-americanos, o Serviço
Social latino-americano passou a se orientar pelo
2 As empresas de capital internacional eram bem vistas pelos governos do continente, por isso, “[...] elas foram saudadas como uma contribuição efetiva para o “desarrolismo” ou o “de-senvolvimentismo”, recebendo um apoio econômico e político irracional” (FERNANDES, 1981, p. 22).
3 Segundo Yasbek (1988, p. 49), esta Conferência foi realizada pela American Association of Schools of Social Work, em Atlantic City.
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aula 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina
pensamento positivista na vertente funcionalista
que imperava nos Estados Unidos. Em relação à
orientação que a teoria funcionalista deu ao Serviço
Social, Vicente de Paula Faleiros associa a posição
neutra do assistente social à “neutralidade” dos fun-
cionalistas.4
O segundo intercâmbio se deu por intermédio
dos programas de Desenvolvimento de Comuni-
dade que envolviam governo e comunidade local,5
implantados pela Organização das Nações Unidas
(ONU) e pela Organização dos Estados Americanos
(OEA). A esse respeito, Castro (2006, p. 148) afirma
que a ONU e a OEA ofereciam apoio técnico e fi-
nanceiro aos países periféricos e latino-americanos,
em troca de ações na comunidade que fossem base-
adas em “formulações desenvolvimentistas”.6
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
No contexto da dominação econômica norte-
americana, um grupo de assistentes sociais que era
contra o imperialismo norte-americano e o Serviço
Social tradicional organizou o movimento de recon-
ceituação latino-americano. Segue abaixo um texto
que apresenta a forma imperialista de dominação:
O traço específico do imperialismo total consiste
no fato de que ele organiza a dominação externa a
partir de dentro e em todos os níveis da ordem so-
cial, desde o controle da natalidade, a comunicação
4 Dessa forma, a “[...] posição ideológica dos funcionalistas é a ‘neutralidade’, que se manifesta no Serviço Social [...]” (FA-LEIROS, 1983, p. 22). O funcionalismo “[...] busca a integração do homem ao meio e tem como base o equilíbrio das tensões na unificação social de todos os papéis.” No referencial funcio-nalista, o sistema deve funcionar na mais perfeita ordem, caso contrário, as disfunções precisam ser corrigidas.
5 O Desenvolvimento de Comunidade é um conjunto de “[...] atividades baseadas na associação de uma comunidade local com o governo, em busca da superação das condições de sub-desenvolvimento.” (UTRIA, 1969, p. 81 apud. CASTRO, 2006, p. 147).
6 O desenvolvimentismo incorporado ao discurso oficial de al-guns países da América Latina “[...] saltou do marco de uma proposta para resolver os problemas do atraso e converteu-se em prática e diretriz de ação política de diversas regiões latino-americanas” (CASTRO, 2006, p. 151).
de massa, o consumo de massa, até a educação, a
transposição maciça da tecnologia ou de institui-
ções sociais, a modernização da infra e da superes-
trutura, os expedientes financeiros ou de capital,
o eixo vital da política nacional etc. (Capitalismo
dependente e classes sociais na América Latina, op.
cit., Cap. I “Padrões de dominação na América La-
tina”, p. 18. Fernandes, 1981, p. 18 apud IAMAMO-
TO, 2004, p. 77).
“Nessa dinâmica, as políticas internas se entro-
sam com as relações externas de dependência/do-
minação dos Estados Unidos.” (FALEIROS, 2006, p.
142). Na verdade, os dois autores tratam da reorga-
nização interna exigida pela dominação imperialis-
ta durante o regime militar.
No caso do Serviço Social brasileiro, efetivamen-
te, o projeto modernizador do regime militar deu
os contornos do seu projeto hegemônico, mas não
conseguiu a adesão de todos. O movimento de re-
conceituação ia numa direção oposta. Para o movi-
mento a
[...] ruptura com o Serviço Social tradicional se
inscreve na dinâmica de rompimento das amarras
imperialistas, de lutas pela libertação nacional e
de transformações da estrutura capitalista exclu-
dente, concentradora, exploradora. (FALEIROS,
2006, p. 143)
Não bastava, então, inovar as instituições para
romper com o Serviço Social tradicional,7 nem
formular procedimentos metodológicos, nem se
apoiar na visão psicologista que foca a pessoa. A
partir disso, o “[...] Serviço Social passa a ques-
tionar seu papel na sociedade, seu atrelamento às
classes dominantes, sua teoria e sua prática corre-
tora de ‘disfunções’ sociais” (AMMANN, 1984, pp.
146–147).
7 O Serviço Social “tradicional” é “[...] a prática empirista reiterativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América Latina” (NETTO, J. P. La crítica conservadora... 1981, p. 44 apud IAMAMOTO, 2004, p. 206, nota de rodapé no 250).
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Ao optar pelos subalternos, o movimento lutou
contra as práticas tradicionais e por criar um Servi-
ço Social latino-americano; bem como orientou as
produções teóricas, para que fossem voltadas para as
questões do continente e não se prendessem ao mo-
delo norte-americano. O movimento é considerado,
portanto, “[...] um marco decisivo no desenvolvi-
mento do processo de revisão crítica do Serviço So-
cial no continente” (IAMAMOTO, 2006, p. 205).
Enquanto a visão oficial do Serviço Social brasi-
leiro não questionava as diretrizes governamentais,
o movimento de reconceituação latino-americano
(1965-1975)8 questionava desde as elaborações teó-
ricas até o modo de fazer do Serviço Social. Dessa
forma, observa Faleiros (1983, p. 133), a reconceitu-
ação acena com a possibilidade de se tentar compre-
ender as relações entre Serviço Social e sociedade.
Na sequência serão citados os “eixos de preocu-
pações fundamentais” do movimento de reconcei-
tuação na visão de Marilda Villela Iamamoto. Con-
forme a autora,
[...] o reconhecimento e a busca de compreensão
dos rumos peculiares do desenvolvimento latino-
americano em sua relação de dependência com
os países “cêntricos”, para a contextualização his-
tórica da ação profissional, redundaram em uma
incorporação das produções acadêmicas no vasto
campo das ciências econômicas, sociais e políticas.
(IAMAMOTO, 2006, p. 209)
Constata-se, no momento da reconceituação, a
necessidade de criar “[...] um projeto profissional
8 O período do movimento de reconceituação coincide com o terceiro momento do Serviço Social brasileiro, segundo a di-visão feita por Ammann (1984, p. 146). Segundo o autor, na primeira fase (1930–1945), sob a influência do neotomismo, o Serviço Social tradicional prestava assistência e orientações ao “cliente”, por meio da técnica do Serviço Social de Caso. Na se-gunda fase, (1945 – 1965), depois da Segunda Guerra Mundial, o Serviço Social foi marcado pela “[...] perspectiva funcionalista para a integração social [...]”. A prática é instrumentalizada pelo Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade “[...] inspirados numa visão atomizada da sociedade, que camufla os conflitos entre as classes e que interpela os indivíduos – isolada, grupal ou comunitariamente – como sujeitos responsáveis pelos prob-lemas sociais”.
abrangente e atento às características latino-ame-
ricanas, em contraposição ao tradicionalismo, que
envolvia critérios teórico-metodológicos e prático-
interventivos” (IAMAMOTO, 2006, p. 209). E, ain-
da, “[....] uma explícita politização da ação profis-
sional, solidária com a ‘libertação dos oprimidos’ e
comprometida com a ‘transformação social’ [...]”.
“[...] Finalmente, as preocupações anteriores
se canalizam para a reestruturação da formação
profissional, articulando ensino, pesquisa e práti-
ca profissional [...]” (IAMAMOTO, 2006, p. 209).
Isso exigia “[...] da Universidade o exercício da
crítica, do debate, da produção criadora de conhe-
cimentos no estreitamento de seus vínculos com a
sociedade”.
O desfecho do movimento de reconceituação
Como foi visto, os vanguardistas latino-america-
nos pretendiam criar uma “[...] unidade profissio-
nal que respondesse às problemáticas comuns da
América Latina, uma unidade construída autono-
mamente sem a tutela imperialista [...]”(NETTO,
2006, p. 150). No entanto, essa união foi desfeita por
dois motivos: 1) o que se refere às ditaduras burgue-
sas que “[....] não deixaram vingar as propostas que
situavam a ultrapassagem do subdesenvolvimen-
to como função da transformação substantiva dos
quadros societários latino-americanos” (NETTO,
2006, p. 147); 2) e o que trata das posições distintas
que os assistentes sociais adotaram em relação ao
Serviço Social tradicional: “um polo investia num
aggiornamento do Serviço Social e outro tenciona-
va uma ruptura com o passado profissional [...]”
(NETTO, 2006, p. 147).
Vicente de Paula Faleiros (2006, p.143) chama a
atenção para as tendências que se manifestaram no
movimento de reconceituação: “[...] tendências de
conciliação e de reformas com outras de transfor-
mação da ordem vigente no bojo do processo revo-
lucionário, e ainda com outras, que visavam apenas
modernizar e minimizar a dominação”. De fato, di-
vergências internas, também, não permitiram a re-
alização de uma proposta única da reconceituação.
Apesar de todas as dificuldades, o movimento de re-
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aula 3 — O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina
conceituação conseguiu colocar na pauta dos encon-
tros profissionais assuntos de interesses latino-ame-
ricanos em lugar dos debates pan-americanistas,9
patrocinados pelos Estados Unidos.
O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
No estudo sobre o movimento de reconceitua-
ção no Brasil, Iamamoto (2006, p. 215) conclui que
o debate da reconceituação só criou força quando
a ditadura10 entrou em crise11 e a sociedade civil
emergiu novamente. A autora explica que, duran-
te o regime militar, o processo de modernização do
Serviço Social tradicional “[...] atualiza a sua heran-
ça conservadora”.
Verificou-se uma mudança no discurso, nos mé-
todos de ação e nos rumos da prática profissional
com o objetivo de obter um reforço de sua legitimi-
dade junto às instâncias demandantes da profissão,
em especial o Estado e as grandes empresas, ade-
quando o Serviço Social à ideologia dos governan-
tes (IAMAMOTO, 2006, p. 215).
Isso quer dizer que as inovações feitas nas insti-
tuições não foram suficientes para romper com o
Serviço Social tradicional. No regime militar, não
era possível discutir a relação entre Serviço Social
e sociedade.
9 O pan-americanismo oficial “[...] é uma estratégia dos Esta-dos Unidos para ganhar a hegemonia no continente” (CAS-TRO, 2006, p. 132). No final do século XIX, afirma Castro que o pan-americanismo definiu-se como um programa, em espe-cial a partir das Conferências Interamericanas realizadas em Washington (1889), no México (1910), no Rio de Janeiro (1906), em Buenos Aires (1910), em Santiago do Chile (1923), em Ha-vana (1928) e em Montevidéu (1933). Depois da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos organizaram a sua hegemonia, impondo a política do pan-americanismo.
10 Na crise da ditadura, os cursos de pós-graduação expandiram o diálogo do Serviço Social com as ciências afins, entretanto, as elaborações teóricas não se apoiaram nas fontes clássicas.
11 O período de crise da ditadura estendeu-se de 1975-1985, quando iniciou-se o auge da crise econômica e o fim do mi-lagre econômico. Aqui, cabe lembrar que, em 1973, ocorreu a crise internacional do petróleo, o que contribuiu com o fim do milagre brasileiro. À época, deu-se a abertura política que ocor-ria de forma lenta e gradual.
Em vez disso, a orientação funcionalista encami-
nhava o Serviço Social para discutir o “[...] aperfei-
çoamento do instrumental técnico-operativo ex-
presso pela sofisticação de modelos de diagnóstico
e planejamento, na busca de uma eficiência [...]”
(IAMAMOTO, 2006, p. 215).
É preciso dizer que a ditadura militar brasileira
dificultou o processamento das ideias da reconcei-
tuação, mas elas não foram extintas, “[...] no entan-
to, suas expressões são isoladas [...]”, como foi a ex-
periência do “Método BH” (IAMAMOTO, 2006, p.
214). Assim, Netto (2006, p. 275) e Iamamoto (2006,
p. 214) reconhecem o “Método BH”.
Cabe registrar ainda a realização do III Congres-
so Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em
1979, em São Paulo. Foi marcante neste Congresso
a substituição da comissão de honra dos ministros
do Estado pelos trabalhadores. Na “[...] sessão de
encerramento, em vez de ministros, falaram líderes
dos operários, dos metalúrgicos e dos movimentos
populares ‘pela anistia’ e ‘contra o custo de vida’”
(FALEIROS, 1983, p. 119). Nele, foi lançada a Revis-
ta Serviço Social e Sociedade, com a publicação do
seu primeiro número.
Concluindo■■
Na década de 1940, os Estados Unidos estabele-
ceram uma aliança com a América Latina para que
ela fornecesse matéria-prima e mercado para os
produtos norte-americanos. Nas décadas de 1960
a 1980, na América Latina alternavam “mobiliza-
ção popular-reforma e autoritarismo político”. No
Brasil, por exemplo, as manifestações sociais foram
duramente rechaçadas pelo golpe de abril de 1964.
Mas, quando a ditadura entrou em crise, a socieda-
de civil pôde voltar à cena brasileira.
O intercâmbio do Serviço Social latino-america-
no com o Serviço Social norte-americano se deu no
âmbito da formação acadêmica e de programas in-
ternacionais. No contexto da dominação econômica
norte-americana, um grupo de assistentes sociais,
que era contra o imperialismo norte-americano e o
Serviço Social tradicional, organizou o movimento
de reconceituação latino-americano.
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22
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Na proposta da reconceituação, a ruptura com
o Serviço Social tradicional estava vinculada ao
término do domínio imperialista. O grupo ques-
tionava o atrelamento do Serviço Social às classes
dominantes. Então, não bastava inovar as institui-
ções para romper com o Serviço Social tradicional,
nem formular procedimentos metodológicos.
Ao optar pelos subalternos, o movimento de re-
conceituação lutou contra as práticas tradicionais
e por criar um Serviço Social latino-americano; e
orientou as produções teóricas, para que fossem
voltadas para as questões do continente e não se
prendessem ao modelo norte-americano.
A união pretendida pelo movimento de recon-
ceituação foi desfeita pelas ditaduras burguesas e
por divergências no próprio grupo dos assistentes
sociais.
No Brasil, o debate da reconceituação só criou
força quando a ditadura entrou em crise e a socie-
dade civil emergiu novamente. A ditadura militar
brasileira dificultou, mas não extinguiu, o processa-
mento das ideias da reconceituação, pois elas ocor-
reram de forma isolada, como foi o “Método BH”.
Atividades■■
Leia o texto da aula 3 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Como o texto define o desenvolvimentismo?
2. Quais os fatores que mostram a dependência
latino-americana que ocorreu depois da Segunda
Guerra Mundial?
3. Como se deu o intercâmbio do Serviço Social
latino-americano com o Serviço Social norte-ame-
ricano?
4. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção do Serviço Social latino-americano?
5. Quais são os “eixos de preocupações funda-
mentais” do movimento de reconceituação, desta-
cados por Marilda Villela Iamamoto?
6. Qual foi o desfecho do movimento de recon-
ceituação?
7. Como ocorreu o movimento de reconceitua-
ção no Brasil?
anotaçÕes *
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aula 4 — A Questão Social e o Serviço Social
INTRODUÇÃO
A proposta deste texto é discutir a questão social e
o Serviço Social. O texto parte da organização social
monopolista para explicitar os vínculos do Serviço
Social com a questão social, nas suas diferentes ex-
pressões. Destaca, ainda, a reorganização da sociedade
brasileira, na ditadura de 1964, em função das exigên-
cias do capital externo, bem como a atuação do Servi-
ço Social em instituições do Estado e em empresas.
Basicamente, o texto está referendado na obra
Capitalismo monopolista e Serviço Social, de José
un
idad
e d
idát
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– Fu
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amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
ser
viço
so
cial
AULA
4a Questão social e o serviço social
Conteúdo■■
A sociedade dos monopólios•
A questão social e o Serviço Social•
A questão social nas mudanças ocorridas a partir do final do século XX•
O trabalho do assistente social nas unidades de serviço•
Competências e habilidades■■
Compreender a organização do Serviço Social na sociedade monopolista•
Reconhecer as várias expressões da questão social e buscar caminhos de trabalho•
Apreender o objeto do Serviço Social diante dos problemas sociais•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
Paulo Netto, e nas obras de Marilda Villela Ia-
mamoto, O Serviço Social na contemporaneidade:
trabalho e formação profissional, Serviço Social em
Tempo de Capital Fetiche e Renovação e conserva-
dorismo do Serviço Social: ensaios críticos.
A SOCIEDADE DOS MONOPÓLIOS
O capitalismo monopolista
Antes de refletir sobre a questão social e o Ser-
viço Social, serão feitas algumas observações acerca
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24
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
do capitalismo monopolista1 (instaurado no final
do século XIX), que configurou a questão social e o
Serviço Social.
O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189),
teve início quando as grandes empresas começa-
ram a abarcar as pequenas e as médias no último
terço do século XIX. “Tornando-se cada vez mais
gigantescas, aquelas, que se sustentaram no mer-
cado, deram margem à formação de empresas mo-
nopolistas”.
Na organização monopolista, em vez de traba-
lho, “[...] o monopólio faz aumentar a taxa de aflu-
ência de trabalhadores ao exército industrial de re-
serva” (Sweezy, 1977: 304 apud NETTO, 2006, p.
21). Nessas condições, Alves (2001, p. 190) afirma
que o capitalismo deixou de reproduzir somente a
riqueza social, reproduzindo o parasitismo. O Es-
tado, então, ficou com o controle do parasitismo.2
Segundo Netto (2006, p. 25), o Estado assumiu
várias funções no monopolismo. Pois o “[...] eixo
da intervenção estatal na idade do monopólio é di-
recionado para garantir os superlucros dos mono-
pólios [...]” (NETTO, 2007, p. 25).
O processo de monopolização do capital
no Brasil
Como foi dito no texto da aula 1, para Bandei-
ra (1975, pp. 9–10), na década de 19503 havia “alta
concentração monopolística” na economia brasi-
leira. Segundo ele, o governo de Juscelino Kubits-
chek de Oliveira faz concessões ao capital inter-
1 É bom lembrar que o capitalismo monopolista foi antecedido pelo capitalismo comercial e pelo concorrencial.
2 O Estado “[...] organizou o parasitismo a partir da transferên-cia, por meio de impostos, de parte dos ganhos dos capitalistas para as atividades improdutivas” (ALVES, 2001, p. 190).
3 “O Brasil, àquele tempo, já registrava alta concentração mo-nopolística e, nos anos seguintes, na década de 1950, tornou-se novamente campo de batalha dos grandes interesses es-trangeiros, que, de um lado, disputavam entre si o mercado nacional e o controle das fontes de matérias-primas e, do outro, procuravam arrebatar e distorcer o processo de industrializa-ção, na medida em que não mais podiam segurá-lo, conforme as conveniências do sistema capitalista mundial.” (MONIZ, 1975, pp.9–10).
nacional; por exemplo, ao aprimorar a Instrução
da Superintendência da Moeda e do Crédito (SU-
MOC), mecanismo que privilegia o capital norte-
americano.
As indústrias brasileiras perdem espaço de tal
maneira que os investimentos das grandes empre-
sas monopolistas “[...] absorvem posições de lide-
rança antes ocupadas por indústrias e empresários
nativos” (IAMAMOTO, 2004, p. 77, nota de roda-
pé no 3). O empresariado nacional, que atuava de
forma competitiva, teve que ceder ao capital inter-
nacional.4
Nesse contexto, uma parte da burguesia, aliada
aos Estados Unidos, era a favor do capital inter-
nacional e a outra, defendia o nacionalismo, pro-
vocando uma crise5 na burguesia, na passagem da
concorrência para o monopólio. Conforme Iama-
moto (2004, pp. 77–78), a crise se deu por pressões
de ordem externa e interna.
Uma delas foi exercida pelas empresas de capital
monopolista mundial com interesse no Brasil. A
outra pressão foi feita pela burguesia local (que re-
sistia a mudanças) e pelos trabalhadores. Se a pres-
são interna não chegou a representar uma ameaça
à burguesia, no mínimo causava um desgaste à sua
imagem.
Ao final, a parte da burguesia nacional que era
atrelada aos norte-americanos resolveu a crise
com o golpe de 1o de abril de 1964.6 Para Bandei-
4 Florestan Fernandes (1981, P. 23), num estudo sobre capital-ismo dependente e classes sociais na América Latina, afirma que as empresas locais “[...] foram absorvidas ou destruídas, as estruturas econômicas existentes foram adaptadas às dimen-sões e às funções das empresas corporativas, as bases para o crescimento autônomo e a integração nacional da economia, conquistadas tão arduamente, foram postas a serviço dessas empresas e dos seus poderosos interesses privados”.
5 O pano de fundo dessa crise foi “[...] a exigência de adapta-ção da burguesia à industrialização intensiva e aos novos rit-mos econômicos-sociais, transferidos de fora para a sociedade brasileira” (IAMAMOTO, 2004, p. 78).
6 O Brasil, de 1945 a 1963, teve à frente governos populistas que defendiam o nacionalismo. Nos anos de 1960 a 1964, os movimentos sociais ganharam força e apoiaram as Reformas de Base (reforma agrária e reforma urbana, por exemplo) e o nacional-desenvolvimentismo, proposto pelos governos popu-
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aula 4 — A Questão Social e o Serviço Social
ra (1975, pp. 16–17), em apoio à concentração do
capital, o regime militar proibiu o sindicalismo,
“suprimiu os focos de resistência” e agravou a ex-
ploração do trabalhador.
Como bem diz Iamamoto (2004, p. 77), os go-
vernos militares deram amplo apoio às empresas
internacionais. O capital monopolista contou com
“[...] o respaldo de uma política econômica capaz
de articular a ação governamental com os interes-
ses dos grandes empresários”.
O Estado foi “[...] posto a serviço da iniciativa
privada, favorecendo a adequação do espaço eco-
nômico e político aos requisitos do capitalismo
monopolista” (IAMAMOTO, 2004, p. 79).
Os programas assistenciais foram intensifica-
dos. Eles “[...] são mobilizados pelo Estado como
contraponto ao peso político do proletariado e dos
demais trabalhadores e à sua capacidade de pres-
são [...]” (IAMAMOTO, 2004, p. 83).
Era necessário “[...] neutralizar manifestações
de oposição, recrutar um apoio pelo menos passivo
ao regime, despolitizar organizações trabalhistas,
na tentativa de privilegiar o trabalho assistencial
em lugar da luta político-reivindicatória” (IAMA-
MOTO, 2004, p. 83).
Para isso, eram “[...] centralizados e regulados
pelo Estado e subordinados às diretrizes políticas
de garantia da estabilidade social e de reforço à ex-
pansão monopolista” (IAMAMOTO, 2004, p. 83).
Na ditadura, então, a assistência social foi espe-
cialmente utilizada “[...] como meio de regular o
conflito social em nome da ordem pública e da se-
gurança nacional” (IAMAMOTO, 2004, p. 83). Os
autores mostram que o Estado brasileiro se ajustou
aos interesses do capital internacional, garantindo
a estabilidade social e a expansão do capital finan-
ceiro. Proibiram-se as lutas políticas e reivindica-
tórias, fazendo calar a voz daqueles que estavam no
exercício da luta política.
listas. Nesse período, configurou-se “[...] o aprofundamento e a problematização do processo democrático na sociedade e no Estado” (NETTO, 2006, p.159).
A QUESTÃO SOCIAL E O SERVIÇO SOCIAL
Já se sabe que, em resposta às lutas operárias con-
tra o desemprego e a exploração social (acentuadas
pelo capitalismo monopolista), a classe dominante
criou mecanismos de controle social; dentre outras
estratégias, buscou se utilizar do Serviço Social para
este fim. Donde a necessidade de a profissão reafir-
mar, cada vez mais, seu projeto ético-político afina-
do com a garantia de direitos universais, com base
na proteção social da população vulnerabilizada.
Na sociedade monopolista “[...] se gestam as con-
dições histórico-sociais para que, na divisão social
(e técnica) do trabalho, constitua-se um espaço em
que se possam mover práticas profissionais como as
do assistente social” (NETTO, 2005, p. 73).7Conclui
o autor, reafirmando que, “[...] enquanto profissão,
o Serviço Social é indissociável da ordem monopó-
lica – ela cria e funda a profissionalidade do Serviço
Social” (NETTO, 2005, p. 74).
No que se refere à questão social,8 Marilda Villela
Iamamoto (2007, p. 156) tece algumas considera-
ções. A questão social “[...] condensa o conjunto das
desigualdades e lutas sociais, produzidas e repro-
duzidas no movimento contraditório das relações
sociais [...]”. Como diz Netto, “nas palavras de um
profissional do Serviço Social”:
[...] A questão social não é senão as expressões do
processo de formação e desenvolvimento da clas-
se operária e de seu ingresso no cenário político
da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
classe por parte do empresariado e do Estado. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da con-
tradição entre o proletariado e a burguesia [...]. (Ia-
mamoto, in: Iamamoto e Carvalho, 1983:77 apud
NETTO, 2006, p. 17, nota de rodapé no 1).
7 Vale dizer que José Paulo Netto fez um estudo sobre o capi-talismo monopolista e o Serviço Social.
8 A questão social é derivada “[...] do caráter coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria ativi-dade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos” (IAMAMOTO, 2007, p. 156).
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26
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
A questão social que Iamamoto (2006, p. 62) defi-
ne como “a matéria-prima ou o objeto do trabalho”
manifesta-se no conflito entre capital e trabalho. Para
a autora, a questão social “[...] provoca a necessidade
da ação profissional junto à criança e ao adolescente,
ao idoso, a situações de violência contra a mulher, a
luta pela terra etc.” Assim, Iamamoto situa o traba-
lho do assistente social nas “múltiplas expressões” da
questão social.
Pelos motivos apontados, não dá para discutir
a questão social9 e o Serviço Social fora do capita-
lismo monopolista, visto que ela é fruto da relação
entre o capital e o trabalho. “Portanto, a questão
social é uma categoria que expressa a contradição
fundamental do modo capitalista de produção”
(MACHADO, Edneia Maria. <http:www.ssrevista.
uel.br/c_2v_n1_quest. htm.> Acessado em 02 de se-
tembro de 2007).
Machado (2007) chama a atenção para os dife-
rentes profissionais que incorporaram a questão so-
cial ao seu campo de trabalho:
[...] o médico que atende problemas de saúde cau-
sados por fome, insegurança, acidentes de trabalho
etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo
custo; o advogado que atende as pessoas sem re-
cursos para defender seus direitos, enfim os mais
diferentes profissionais que, também, atuam nas
expressões da questão social. (MACHADO, www.
ssrevista.uel, acessado em 02 de setembro de 2007)
É possível concluir que a questão social não pode
ser vista em si mesma e, muito menos, como uma
exclusividade do Serviço Social. Mesmo sendo o
objeto do Serviço Social, o fato de ter surgido da
relação capital e trabalho, a questão social abriu um
campo de trabalho para outros profissionais.
9 ‘Por questão social’, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômi-cos que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a ‘questão social’ está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho.’ (Cerqueira Filho, 1982: 21 apud NETTO, 2006, p. 17, nota de rodapé no 1).
Como a questão social e o Serviço Social nasce-
ram e se moldam ao capitalismo monopolista, serão
feitas algumas considerações acerca das mudanças
da sociedade de hoje.
A QUESTÃO SOCIAL NAS MUDANÇAS
OCORRIDAS A PARTIR DO fINAL DO SÉCULO XX
Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 114) discute
a fragmentação da questão social. Nas suas palavras,
as “múltiplas expressões” da questão social “[...]
aparecem sob a forma de ‘fragmentos’ e ‘diferencia-
ções’ independentes entre si, traduzidas em autôno-
mas ‘questões sociais’”.
Se a questão social é percebida como “questões
sociais”, ela deixa de ser compreendida como fruto
do conflito capital e trabalho. Nessa interpretação,
a questão social, “[...] se esconde por detrás de suas
múltiplas expressões específicas [...]” (IAMAMO-
TO, 2007, p. 114).
A questão social que emergiu lá no final do sé-
culo XIX vem acompanhando as mudanças sociais,
dentre elas, serão destacadas duas.
A primeira é a “mundialização da economia” que
ocorre num contexto de globalização.10 Para a au-
tora, a mundialização11 “[...] da ‘sociedade global’ é
acionada pelos grandes grupos industriais transna-
cionais articulados ao mundo das finanças” (IAMA-
MOTO, 2007, pp. 106–107).12
A outra mudança é o tratamento unificado dado
aos processos sociais. Nesse caso, a mundialização
financeira “[...] unifica, dentro de um mesmo mo-
10 “[...] O agente talvez mais audaz (tão desejado quanto temido) da globalização é o capital financeiro, que alcança hoje cifras inauditas e se encontra no ápice de seu poder e brilho. Anônimo e desterritorializado, ele se desloca mercurialmente pelo mun-do, movido pela telemática, em busca incessante de maiores in-teresses”. ALBUQUERQUE. <http://www.fundaj.gov.br/clacso/paper02.doc.> Acessado em 18 de fevereiro de 2008.
11 “Os atores mais aparentes da mundialização são os grandes grupos econômicos transnacionais”. ALBUQUERQUE. <http://www. fundaj.gov.br/clacso/paper02.doc.> Acessado em 18 de fevereiro de 2008.
12 Os grandes grupos “[...] são resultantes de processos de fusões e aquisições de empresas em um contexto de desregulamenta-ção e liberalização da economia” (IAMAMOTO, 2007, p. 108).
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27
aula 4 — A Questão Social e o Serviço Social
vimento, processos que vêm sendo tratados pelos
intelectuais como se fossem isolados ou autônomos
[...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 114).
A questão social se reduz “[...] aos chamados pro-
cessos de exclusão e integração social, geralmente
circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social, à
ideologia neoliberal e às concepções pós-modernas
atinentes à esfera da cultura” (IAMAMOTO, 2007,
p. 114). De fato, a questão social tratada na perspec-
tiva da exclusão e da inclusão camufla os conflitos
sociais; o mesmo ocorre com a sua fragmentação.
Por outro lado, o mercado financeiro, segundo
afirma Iamamoto, instituiu mecanismos que acen-
tuam a taxa de exploração, o “enxugamento da mão
de obra”, a “ampliação das relações de trabalho não
formalizadas ou clandestinas”, dentre outras.
A partir dessas considerações acerca do Serviço
Social e da questão social, será feito um breve co-
mentário sobre o trabalho do assistente social nas
unidades de serviço.
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL
NAS UNIDADES DE SERVIÇO
Para Iamamoto, no Brasil, o Serviço Social foi
reconhecido na divisão social do trabalho, quan-
do foram criados espaços nas instituições. Nelas, o
Serviço Social tornou-se “[...] uma atividade insti-
tucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo con-
junto das classes dominantes” (IAMAMOTO, 2004,
pp. 92-93).
Barbosa; Cardoso e Almeida (orgs.) (1998, p. 127)
afirmam que nas unidades de serviço, o assistente
social realiza sua prática por meio de serviços assis-
tenciais, gerenciando benefícios que são distribuí-
dos aos usuários. É necessário reconhecer, contudo,
que essa prática reforça as condições de subserviên-
cia e de subordinação dos subalternos.
É importante mencionar que o assistente social
vende sua força de trabalho para entidades patro-
nais, estatais ou empresariais. Na empresa, os as-
sistentes sociais “[...] participam como trabalha-
dores assalariados do processo de produção e/ou
de redistribuição da riqueza social” (IAMAMOTO,
2006, p. 24).
No Estado, o Serviço Social, por ser “[...] social-
mente necessário, produz serviços que atendem às
necessidades sociais, isto é, têm um valor de uso,
uma utilidade social” (IAMAMOTO, 2006, p. 24).
Como diz Rubin (1987:283), os trabalhos do ser-
vidor público, da polícia, dos soldados, do sacerdote
não podem ser relacionados a trabalho produtivo.
Não porque este trabalho seja “inútil” ou porque
não se materialize em “coisas”, mas porque está or-
ganizado segundo os princípios do direito público e
não sob a forma de empresas capitalistas privadas.
(IAMAMOTO, 2007, p. 86)
Esses trabalhadores não criam riqueza, uma vez
que eles não produzem mercadorias para serem dis-
ponibilizadas no mercado. Ao contrário, seu traba-
lho atende à necessidade social, sendo “[...] realiza-
do diretamente na esfera do Estado, na prestação de
serviços públicos, e nada tem a ver com o trabalho
produtivo, visto que não estabelece uma relação di-
reta com o capital [...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 86).
Nem é seu propósito estabelecer uma relação com o
capital. Pode-se dizer então que, em resposta aos in-
teresses contraditórios das classes sociais que estão
em luta permanente, o assistente social desenvolve
políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
institucionais.
Concluindo■■
O monopolismo, segundo Alves (2001, p. 189),
teve início quando as grandes empresas começaram
a abarcar as pequenas e as médias, no último terço
do século XIX.
No Brasil, o governo Juscelino abriu as portas
ao capital internacional e os governos militares
deram amplo apoio às empresas internacionais.
Na ditadura, as empresas nacionais que atua-
vam de forma competitiva foram absorvidas pelo
capital monopolista ou tiveram que se ajustar
ao capital internacional.
O Estado foi colocado a serviço da iniciativa pri-
vada e foram intensificados os programas assisten-
ciais para neutralizar conflitos. Durante a ditadura,
a assistência social foi especialmente utilizada para
regular o conflito social.
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28
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Em resposta às lutas operárias contra o desem-
prego e a exploração social (acentuados pelo ca-
pitalismo monopolista), a classe dominante criou
mecanismos de controle social; dentre outros, o
Serviço Social.
O Serviço Social tem como objeto do trabalho a
questão social, fruto do capital e trabalho, nas suas
diversas expressões, “criança e adolescente, idoso,
situações de violência contra a mulher, luta pela
terra etc”.
A questão social não pode ser vista em si mesma
e, muito menos, como uma exclusividade do Servi-
ço Social. Mesmo sendo o objeto do Serviço Social,
o fato de ter surgido da relação capital e trabalho,
a questão social abriu um campo de trabalho para
outros profissionais.
As “múltiplas expressões” da questão social são
fragmentadas como se fossem independentes. Se a
questão social é percebida como “questões sociais”,
ela deixa de ser compreendida como fruto do con-
flito capital e trabalho. A questão social tratada na
perspectiva dos processos de exclusão e integração
social camufla os conflitos sociais.
O assistente social vende sua força de trabalho
para entidades patronais, estatais ou empresariais.
Na empresa, os assistentes sociais são assalariados e
participam do processo de produção e/ou de redis-
tribuição da riqueza social.
No Estado, o Serviço Social “produz serviços que
atendem às necessidades sociais, isto é, têm um va-
lor de uso, uma utilidade social”, porque não segue a
organização de empresas capitalistas privadas. Esses
trabalhadores não criam riqueza, uma vez que não
produzem mercadorias para serem disponibilizadas
no mercado.
Pode-se dizer então que, em resposta aos inte-
resses contraditórios das classes sociais que estão
em luta permanente, o assistente social desenvolve
políticas sociais públicas ou privadas nos espaços
institucionais.
Atividades■■
Leia o texto da aula 4 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Discorra sobre o capitalismo monopolista.
2. Como se deu o processo de monopolização da
sociedade brasileira?
3. Cite algumas características dos governos po-
pulistas (1945 a 1964).
4. Fale sobre a questão social e o Serviço Social.
5. Como Marilda Villela Iamamoto compreende
a questão social a partir do final do século XX?
anotaçÕes *
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29
aula 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo
INTRODUÇÃO
Nesta aula são abordados alguns fatores da eco-
nomia da década de 1970 que concorreram para a
crise do capitalismo. A partir daí implantou-se o
neoliberalismo, um projeto mundial conduzido
pelo capital financeiro internacional que busca en-
fraquecer o Estado de Bem-Estar. O projeto neolibe-
ral prevê cortes nos gastos sociais, privatização, des-
centralização e políticas focalizadas e descontínuas
que levem ao desmonte do estado intervencionista.
São feitas, ainda, considerações sobre o Consenso
de Washington.
O texto baseia-se na obra O enfrentamento da
questão social: terceiro setor: o serviço social e suas
condições de trabalho nas ONGs, de Renato Almeida
de Andrade; no livro Terceiro setor e questão social:
crítica ao padrão emergente de intervenção social, de
Carlos Montaño; e na obra Para além do capital:
rumo a uma teoria de transição, de István Mészáros.
un
idad
e d
idát
ica
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amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
ser
viço
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al
AULA
5consideraçÕes sobre o neoliberalismo
Conteúdo■■
Antecedentes do neoliberalismo•
O projeto neoliberal•
O neoliberalismo e a questão social•
O neoliberalismo no Brasil•
O Consenso de Washington•
Competências e habilidades■■
Compreender o neoliberalismo no movimento da sociedade monopolista•
Reconhecer a importância de o assistente social inteirar-se do projeto neoliberal para a con-•
dução de sua prática
Compreender as estratégias do Consenso de Washington•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para auto estudo
BookUniderp63_ServSocial.indb 29 11/16/09 1:45:55 PM
30
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
ANTECEDENTES DO NEOLIBERALISMO
Até a década de 1970, a sociedade contemporâ-
nea tinha um outro formato: a produção era feita
em série e o salário propiciava condições de consu-
mo para os trabalhadores. Nos anos 1970, ocorreu a
“[...] mudança da forma de acumulação do capital
[...]” quando deflagraram “[...] as baixas taxas de
crescimento econômico e as altas taxas de inflação
[...]” e quando ocorreu a alta do petróleo (CHAUÍ,
1999, p.1). Essas mudanças refletiram sensivelmen-
te na sociedade.
Mais uma crise instaurou-se no capitalismo, re-
percutindo no Estado de Bem-Estar Social. Em
decorrência disso, formou-se a conjuntura que fa-
voreceu a implantação do neoliberalismo que “[...]
incentivou a especulação financeira em vez dos in-
vestimentos na produção” (CHAUÍ, 1999, p. 2).
O projeto neoliberal explica a crise do capital
a partir do “[...] poder excessivo dos sindicatos e
dos movimentos operários que haviam pressiona-
do por aumentos salariais e exigido o aumento dos
encargos sociais do Estado” (CHAUÍ, 1999, p. 1). A
concepção neoliberal argumenta que o Estado de
Bem-Estar Social tirava a liberdade das pessoas e a
possibilidade de elas competirem.
O PROJETO NEOLIBERAL
Carlos Montaño, num estudo sobre terceiro setor
e questão social, destaca dois fatos que mostram a
importância de Hayek no processo de criação do ne-
oliberalismo. Um deles foi a publicação da obra O
caminho da servidão, em 1944, de Friedrich August
von Hayek, conforme indica Montaño (2003, p. 79).
O outro fato foi a criação da Mont Pèlerin So-
ciety, a qual Hayek1 “[...] foi o idealizador e funda-
dor, uma associação internacional criada em 1947,
na Suíça, composta por notáveis [...]” (MONTAÑO,
2003, p. 76). Entre os notáveis estão Hayek, Popper,
Mises, Friedman, Polanyi e Salvador de Madariaga,
dentre outros.
1 De acordo com Montaño (2003, p. 76), Hayek recebeu o prê-mio Nobel da Economia, em 1974, dentre outros.
O autor chama a atenção para o papel que essa
Associação desempenhou: ela foi criada para es-
tabelecer as bases do neoliberalismo e combater o
intervencionismo do Estado (Estado de Bem-Estar
Social).
A essência teórica e política do neoliberalismo é
“[...] a defesa de um sistema social organizado por
meio da livre concorrência no mercado, como ga-
rantidor da liberdade” (MONTAÑO, 2003, p.79).
Não há como duvidar da ligação entre o neolibera-
lismo e o mercado se, para Hayek, a concorrência e
o planejamento do Estado não se conciliam.2
Hayek então considera que o bem-estar das pes-
soas “[...] depende, em essência, de seus próprios
esforços e decisões [e não do esforço de toda a so-
ciedade por intermédio do Estado]” (MONTAÑO,
2003, p. 82).3
Ao explicar a crise do capital pelos sindicatos e
pelos movimentos sociais, o neoliberalismo não
prevê diretrizes em favor da organização sindical e/
ou da mobilização social, uma vez que o seu foco é
o indivíduo.
Por que foi criado o neoliberalismo?
A realidade do pós-Segunda Guerra Mundial
criou algumas demandas sociais que foram aten-
didas pelo Estado de Bem-Estar Social,4 com base
no pensamento de Keynes.5 O Estado de Bem-Es-
2 A “[...] concorrência, efetivada no mercado, seria, portanto, para Hayek, o verdadeiro meio de organização e regulação social e ela seria inconciliável com o planejamento estatal” (MONTAÑO, 2003, p.79).
3 Hayek, então, vê a desigualdade “[...] (“como um mal necessário”); na verdade, ele defende a necessidade da desigual-dade como mecanismo (natural) estimulador do desenvolvi-mento social e econômico” (MONTAÑO, 2003, p. 80).
4 “No Pós-Segunda Guerra, uma grande demanda social se apresentou, de maneira inadiável e incontornável, aos Esta-dos/governos, determinando que eles tomassem iniciativas no sentido de reorganizar o tecido social rasgado pelo conflito e ‘ameaçado’ pelo avanço das forças socialistas e comunistas” (ANDRADE, 2006, p. 58).
5 John Maynard Keynes, economista inglês, propôs “[...] um modelo de organização da produção e reprodução da força de trabalho e do Capital (um projeto do e para o próprio Sistema Capitalista), baseado em um Estado com fortes capacidades de regulação da economia, cuja operação estaria orientada para a
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31
aula 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo
tar Social ou Estado Providência (em inglês: Wel-
fare State)6 veio em resposta aos problemas sociais
da Europa; ele era responsável por regulamentar a
“vida e saúde social, política e econômica” e por “ga-
rantir serviços públicos e proteção à população”7.
Renato Almeida de Andrade, num estudo sobre
as relações do Estado com a sociedade civil, afirma
que o neoliberalismo veio “para dar fim” ao Estado
de Bem-Estar Social. Nas palavras do autor:
O neoliberalismo é um projeto global, dirigido pelo
Capital Financeiro Internacional, buscando dar fim
ao chamado Estado de Bem-Estar, e que passou a
operacionalizar seu programa com a ajuda de al-
guns líderes políticos de vários países. (ANDRADE,
2006, p. 67)
O projeto neoliberal regido pelo capital mono-
polista financeiro foi ganhando força na medida em
que recebia a adesão de lideranças econômicas e po-
líticas internacionais. Essas lideranças
[...] começaram a propor em seus planos de gover-
no (baseados em documentos e acordos com orga-
nismos internacionais – FMI, BIRD etc.) mudanças
na estrutura produtiva e política da sociedade, tais
como a privatização de empresas estatais e serviços
públicos e a desregulamentação das leis trabalhis-
tas. (ANDRADE, 2006, p. 67)
promoção do ideal do ‘pleno emprego’ como forma de desen-volvimento e de crescimento econômico” (ANDRADE, 2006, p. 58).
6 O Estado de Bem-Estar Social “[...] é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da econo-mia.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia. Acessado em 17 de agosto de 2008).
7 “Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em par-ceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do Bem-Estar Social garantir serviços públicos e proteção à população.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado-provid%C3%AAncia. Acessado em 17 de agosto de 2008).
O primeiro governante a aderir à proposta neo-
liberal foi Margareth Thatcher. O governo dessa lí-
der do meio político inglês, eleita no final dos anos
1970, “[...] foi pioneiro na exposição pública de
uma orientação neoliberal [...]” (ANDRADE, 2006,
p. 67). A proposta neoliberal foi aderida no ano de
1980, “[....] por Ronald Reagan, nos EUA; em 1982,
por Kohl, na Alemanha; e, em 1983, por Schluter, na
Dinamarca” (ANDRADE, 2006, p. 67).8
O Estado reorientou-se “[...] para intervir em fa-
vor das indústrias, banqueiros, empresários e todos
aqueles ligados ao capital, em favor da exploração
do trabalhador e dos mercados dos países subdesen-
volvidos [...]” (ANDRADE, 2006, p. 68). Portanto,
o próprio texto já exclui qualquer possibilidade em
relação aos trabalhadores.
Se no projeto neoliberal não faltam diretrizes
para salvaguardar o capital, o mesmo tratamento
não foi dado às populações que não possuíam as
mínimas condições de terem uma vida digna. Con-
fira na transcrição que segue:
[...] uma ação ínfima e pontual, em favor dos des-
validos, com políticas focalizadas e descontínuas
(incertas), não mais querendo considerar as polí-
ticas sociais como direito social inscrito na maio-
ria das modernas constituições democráticas.
(ANDRADE, 2006, p. 68)
Assim, políticas focalizadas e descontínuas e des-
monte do estado intervencionista são de orientação
neoliberal.
O que prevê o neoliberalismo?
O neoliberalismo prevê a retirada das obrigações
sociais do Estado. Em lugar da intervenção estatal,
Hayek “[...] prevê a redução do Estado a ponto de
retirar dele também a responsabilidade de tentar
atingir a justiça social” (MONTAÑO, 2003, p. 81).
8 “Esse processo, segundo Anderson (1985), foi o de ascensão política da chamada ‘Nova Direita’, para a qual as ideias e as propostas hayekianas ofereceram uma nova agenda de refor-mas (ou contrarreformas?) do Capitalismo” (ANDRADE, 2006, p. 67).
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32
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
O Estado repassou para igrejas, ONGs e outras
entidades da sociedade civil as políticas sociais pú-
blicas que eram de sua atribuição. Para isso, orienta
as entidades para “[...] desenvolver, de forma foca-
lizada, descentralizada, políticas sociais que visas-
sem à justiça social ou à redistribuição de renda”
(MONTAÑO, 2003, p. 81).
Cabe lembrar que no início do monopolismo
(final do século XIX), o Estado chamou para si a
responsabilidade da “[...] atividade assistencial e de
prestação de serviços sociais [...]” (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2006, p. 78). Hoje, a orientação neoli-
beral se dá em direção à retirada do Estado.
O NEOLIBERALISMO E A QUESTÃO SOCIAL
Iamamoto (2007, p. 147) cita como expressões
da questão social “o retrocesso ao emprego, a dis-
tribuição regressiva de renda e a ampliação da po-
breza, acentuando as desigualdades nos extratos
socioeconômicos”.
Como foi dito, o neoliberalismo não foca as ex-
pressões da questão social. Em vez de políticas uni-
versais, as estratégias burguesas são realizadas a par-
tir de: “(1) corte nos gastos sociais; (2) privatização;
(3) centralização dos gastos sociais públicos em
programas seletivos contra a pobreza; (4) descen-
tralização” (ANDRADE, 2006, p. 68).
Dessa forma, o que antes era percebido como
objeto de políticas sociais universais passa a ser
“[...] objeto de ações filantrópicas e de beneme-
rência e de ‘programas focalizados de combate à
pobreza’, que acompanham a mais ampla privati-
zação da política social pública [...]” (IAMAMO-
TO, 2007, p. 155).
Para Andrade (2006, p. 77), as políticas econô-
micas e as políticas sociais não estabelecem entre
si qualquer tipo de vínculos; logo, elas são pensa-
das separadamente. Por exemplo, o desemprego
incontrolável leva a crer que as políticas neolibe-
rais não preveem medidas seja para impedir o seu
avanço, seja para criar postos de trabalho para os
desempregados.
Em consequência, há uma “deterioração dos
serviços sociais públicos”, com a diminuição dos
recursos para realizar o trabalho do assistente so-
cial, enquanto aumentam as necessidades sociais.
Mas isso não é o que está contido no discurso da
globalização,9 que prega a universalização dos bens
econômicos e sociais. Por exemplo, só mantendo-se a
população informada em tempo real sobre os acon-
tecimentos sociais, econômicos e políticos do mun-
do, não significaria que a tecnologia iria propiciar
melhorias às classes subalternas. Tanto isso é verdade
que nem o discurso da globalização, nem o neolibe-
ralismo visam à universalização das políticas sociais.
No caso da política neoliberal, ela criou normas
“competitivas” da economia do “mercado livre”
para “[...] restringir e manter permanentemente
em sua posição de subordinação estrutural os que
se encontram no lado fraco da ‘ordem econômica
ampliada’ – ou seja: a avassaladora maioria da hu-
manidade” (MÉSZÁROS, 2002, p. 194). O neolibe-
ralismo não vislumbra nem de longe superar a su-
bordinação das camadas subalternas, mas manter o
domínio do capital.
O NEOLIBERALISMO NO BRASIL
Na América Latina, a implantação do neolibera-
lismo se deu em momentos diferentes. Para Iama-
moto (2007, p. 147), no Chile o neoliberalismo se
manifestou na década de 1970, já o Brasil implantou
programas de governo de orientação neoliberal nos
anos de 1990.10
É importante dizer que no final da década de
1980, no Brasil, a assistência social, a saúde, o meio
ambiente e outras áreas da sociedade que foram ob-
jeto de lutas sociais transformaram-se em direitos
sociais pela Constituição de 1988.
Sobre isso, Andrade (2006, p. 79) comenta que,
enquanto nos Estados Unidos e na Europa a tendên-
9 A globalização “[....] tendência que emana da natureza do cap-ital desde o seu início, muito idealizada em nossos dias, na re-alidade significa: o desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e subordinação[...]”. Dá a ideia de universalização dos bens econômicos e sociais. (MÉSZÁROS, 2002, p. 111).
10 Para Iamamoto (2007, p. 147), o México implantou o neo-liberalismo nos anos de 1980.
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aula 5 — Considerações sobre o Neoliberalismo
cia era de diminuir os direitos e as garantias sociais,
no Brasil, era promulgada a nossa Constituição.
Embora se reconheça que a mobilização popular
e o empenho de lideranças políticas e sociais brasi-
leiras contribuíram para a consolidação dos direitos
sociais, deve-se reconhecer que elas não consegui-
ram fazer frente à ofensiva neoliberal.
Assim, complementa Iamamoto (2007, p. 150),
o ajuste neoliberal no governo de Fernando Hen-
rique Cardoso reduziu a inflação, mas não garantiu
políticas distributivas com melhoria para as classes
subalternas e, sim, um arrocho para a maioria da
população.
Por outro lado, a Organização das Nações Uni-
das (ONU) “[...] ajudou os países em desenvolvi-
mento a se adequarem às exigências internacionais
[...]”, chamando os governos para participar de uma
Assembleia acerca da administração pública (AN-
DRADE, 2006, p. 81).
Foram criados “[...] Ministérios ou comissões
de alto nível para se encarregarem das ‘Reformas’
(Bresser Pereira apud Batista, 1999).” (ANDRADE,
2006, p. 81). Nessa linha de governo, “[...] o finan-
ciamento da (contra) Reforma do Estado na década
de 1990 passou a ser prioridade do Banco Mundial
(BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID)” (ANDRADE, 2006, p. 81).11
Portanto, seguindo os princípios do neoliberalis-
mo, os programas neoliberais no Brasil não visam a
superar as classes subalternas.
O CONSENSO DE WASHINGTON
O Consenso de Washington é fruto de uma reu-
nião (1989) que discutiu as reformas “[...] neces-
sárias para que a América Latina saísse da década
que alguns chamavam de perdida, da estagnação, da
inflação, da recessão, da dívida externa e retomasse
o caminho do crescimento, do aumento da riqueza,
do desenvolvimento [...]” (FIORI, 1996, p. 2).
11 Segundo Montaño, (2003, p. 219), o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira considera que a abertura democrática no Brasil é conservadora, populista e burocrática.
Na verdade, esses problemas são “[...] supostos
argumentos para justificar uma radical reforma es-
tatal, orientada nos postulados do Consenso de Wa-
shington” (MONTAÑO, 2003, p. 222).
Marilda Villela Iamamoto mostra a importância
dos tratados internacionais12 para os mercados. Ela
afirma que “[...] sem a intervenção das instâncias
políticas dos Estados nacionais, no lastro dos trata-
dos internacionais como o Consenso de Washing-
ton, [...]” torna-se inviável o triunfo dos mercados
(IAMAMOTO, 2007, p. 109).
A autora também faz algumas observações acer-
ca do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Banco Mundial (BIRD). Para Iamamoto (2007, p.
118), o FMI e o BIRD impõem aos países deve-
dores “programas de ajustamento estrutural” que
orientam a aplicação dos recursos do fundo pú-
blico13 no mercado financeiro e não em programas
sociais. Constam dos “programas de ajustamento
estrutural”
[...] a redução da massa salarial pública e da despesa
pública, afetando os programas sociais, a eliminação
de empresas públicas não rentáveis, exacerbando as
desigualdades de rendimentos e o aumento da po-
breza (Husson: 1999) (IAMAMOTO, 2007, p. 118).
Essas diretrizes (cortes de funcionários, de gas-
tos públicos e de tantas outras conquistas) não
estão em consonância com os direitos constitu-
cionais, fruto da luta dos trabalhadores e dos mo-
vimentos sociais, contudo elas são impostas pelo
“grande capital”.
12 “[...] Tratado de Marrakech, que cria a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Acordo do Livre Comércio Americano (ALCA), e o Tratado de Maastricht, que cria a ‘unificação’ euro-peia” (IAMAMOTO, 2007, p.109).
13 “Recursos financeiros oriundos da produção, arrecadados e centralizados pelos mecanismos fiscais, por meio da dívida pública, tornam-se cativos das finanças, que se apropriam do Estado, paralisando-o. Ele passa a ser ‘reduzido’ na satisfação das necessidades das maiorias, visto que o fundo público é ca-nalizado para alimentar o mercado financeiro” (IAMAMOTO, 2007, pp. 117–118).
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Concluindo■■
A crise do capitalismo, na década de 1970, afetou
o Estado de Bem-Estar Social e favoreceu a implan-
tação do projeto neoliberal. O projeto neoliberal de
autoria de Hayek, comandado pelo capital financei-
ro, visa a combater o intervencionismo do Estado
(Estado de Bem-Estar Social).
Esse projeto incentiva a especulação financeira e
combate os sindicatos e os movimentos sociais, por
isso não prevê diretrizes em favor da organização
sindical, pois o seu foco é o indivíduo. Na concep-
ção neoliberal, o Estado de Bem-Estar Social tira a
liberdade das pessoas e a possibilidade de elas com-
petirem.
Para Hayek, há uma ligação entre o neoliberalis-
mo e o mercado, pois a concorrência e o planeja-
mento do Estado não se conciliam. O neoliberalis-
mo prevê a redução do Estado e o repasse de suas
atribuições sociais para igrejas, ONGs e outras enti-
dades da sociedade civil.
O neoliberalismo não foca as expressões da ques-
tão social. O que antes era percebido como objeto
de políticas sociais universais passa a ser realizado
com “programas focalizados de combate à pobreza”,
com filantropia e benemerência.
As políticas econômicas e as políticas sociais não
estabelecem entre si qualquer tipo de vínculo, logo,
são pensadas separadamente.
Embora se reconheça que a mobilização popu-
lar e o empenho de lideranças políticas e sociais
brasileiras contribuíram para a consolidação dos
direitos sociais, deve-se reconhecer que elas não
conseguiram fazer frente à ofensiva neoliberal.
O Consenso de Washington (1989) propôs a re-
forma estatal para a América Latina. O FMI e o
BIRD impõem aos países devedores “programas de
ajustamento estrutural” que orientam a aplicação
dos recursos do fundo público no mercado finan-
ceiro e não em programas sociais. Contudo, essas
diretrizes são impostas pelo “grande capital”.
Atividades■■
Leia o texto da aula 5 e responda às seguinte per-
guntas:
1. Como se deu a substituição do Estado de Bem-
Estar Social pelo neoliberalismo?
2. Por que Hayek fundou a associação internacio-
nal Mont Pèlerin Society?
3. O que é o neoliberalismo?
4. O que prevê o neoliberalismo?
5. Como o neoliberalismo trata a questão social?
6. Como foi implantado o neoliberalismo no
Brasil?
7. O que é o Consenso de Washington?
anotaçÕes *
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aula 6 — O Movimento Ambientalista
INTRODUÇÃO
O presente texto trata do movimento ambienta-
lista que foi se conformando a partir de alguns en-
contros internacionais, como a Conferência de Es-
tocolmo (na qual a questão ambiental foi assumida
oficialmente) e a Conferência de Tbilisi, marco da
Educação Ambiental (EA).
Além de levantar os eventos internacionais, o tex-
to busca discutir a questão ambiental no âmbito das
relações de produção.
A QUESTÃO AMBIENTAL
A destruição dos recursos naturais já era perce-
bida por alguns setores sociais quando foi apresen-
tado o projeto neoliberal. Hoje, a exploração dos
recursos naturais é tão visível, que não dá mais para
ignorá-la. Não é preciso fazer muito esforço para se
dar conta das catástrofes ambientais que ameaçam
a sobrevivência.
Práticas destruidoras modificam quase por com-
pleto a paisagem natural. Por exemplo, as formas
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
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amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
ser
viço
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AULA
6o movimento ambientalista
Conteúdo■■
A questão ambiental•
Conferências internacioanais de meio ambiente e de Educação Ambiental na década de 1970•
Antecedentes da Conferência de Estocolmo•
Concepção integrada de meio ambiente•
Competências e habilidades■■
Compreender o movimento ambientalista na reorganização da sociedade da década de 1970•
Reconhecer as diretrizes traçadas nos encontros internacionais ambientais na conformação •
do ambientalismo
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
BookUniderp63_ServSocial.indb 35 11/16/09 1:45:56 PM
36
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
inadequadas das lavouras de cana-de-açúcar e de
soja que não preservam, sequer, uma árvore. Com
isso, extensas áreas, que antes eram naturais, têm
perdido a sua originalidade.
É preciso esclarecer que não dá para excluir a ex-
ploração social da exploração ambiental, pois, na
destruição dos recursos naturais, os trabalhadores
colocam a sua força. Nas cidades, muitos empreen-
dimentos industriais e imobiliários são implantados
em áreas ocupadas por populações humanas e/ou em
áreas de resquícios naturais. Mészáros (2002) chama
a atenção para não desvincular a questão ambiental
da questão social.
É interessante observar que as leis ambientalis-
tas no Brasil, os projetos de Educação Ambiental
(EA) e as campanhas ambientalistas não conse-
guem evitar a grande porcentagem dos males so-
cioambientais.
De fato, a veiculação na mídia (televisão, rádio,
jornais, jornais eletrônicos) de notícias ou divul-
gação de projetos de EA de campanhas socioam-
bientais é importante para manter a comunidade
informada sobre as práticas sustentáveis, mas ela
não garante a extinção das práticas destruidoras.
Como muitos dos desastres socioambientais
veiculados pela mídia fazem parte do cotidiano de
usuários do Serviço Social, faz sentido expor alguns
encontros internacionais que deflagraram a questão
ambiental.
CONfERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE MEIO
AMBIENTE E DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
NA DÉCADA DE 1970
O movimento ambientalista faz parte dos movi-
mentos libertários do pós-Segunda Guerra Mun-
dial, mas a questão ambiental foi deflagrada na
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, co-
nhecida como Conferência de Estocolmo, comen-
tada a seguir.
Conferência sobre o Meio Ambiente Humano
(1972)
Apesar da ocorrência de manifestações ambien-
talistas na década de 1960, somente na década de
19701 a questão ambiental foi assumida oficial-
mente. Mais especificamente, na Conferência de
Estocolmo, realizada pela Organização das Nações
Unidas (ONU), em Estocolmo, de 5 a 16 de junho
de 1972.
Para Dias (1993, p. 267 e pp. 269–270), em Esto-
colmo foram discutidos princípios que visavam à
melhoria do ambiente humano; por exemplo, com-
patibilizar o desenvolvimento com proteção ambien-
tal, educar em assuntos ambientais jovens e adultos,
enfocando populações menos privilegiadas.
Se em Estocolmo elegeu-se a educação para as-
suntos ambientais como um princípio, significa que
a EA vinha sendo discutida e o movimento ambien-
talista estava em ação. Como bem diz Crespo (1999,
p. 31), as origens do ambientalismo e da EA se con-
fundem.
A participação do Brasil na Conferência
de Estocolmo
A Conferência de Estocolmo reuniu governantes
internacionais para discutir a destruição ambiental,
contudo, nem todos os governos se colocaram na
mesma posição. A delegação brasileira, por exem-
plo, foi criticada por ter sido a favor do crescimento
econômico com indústrias poluidoras.
Isso resultou na criação da Secretaria Especial
de Meio Ambiente (SEMA), em 1973, que recupe-
rou a imagem internacional do governo brasileiro.
Sobre esse fato, Meyer (1991, p. 63) afirma que a
SEMA é consequência direta da Conferência de
Estocolmo e das pressões do Banco Mundial e de
entidades ambientalistas.
Ligada ao Ministério do Interior (MINTER), a
SEMA tinha como uma de suas preocupações a EA.
1 De acordo com Chauí (1999, pp. 1–2), até meados da década de 1970 a sociedade era orientada pelo princípio de Keynes, de intervenção do Estado, e pelo princípio fordista (produção em série, consumo) de organização industrial. O neoliberalismo deslocou os recursos da produção para a especulação financei-ra. As tecnologias, a terceirização, o capital financeiro, o desem-prego, o arremesso imperialista de bombas e de alimentos car-acterizam os países que se mostram contra a dominação dos países hegemônicos.
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37
aula 6 — O Movimento Ambientalista
Hoje, a EA compete ao Ministério do Meio Ambien-
te e ao Ministério da Educação.
Conferência de Belgrado (1975) e Conferência
Intergovernamental sobre Educação Ambiental
(1977)
Três anos depois da Conferência de Estocolmo
ocorreu a Conferência de Belgrado. Segundo Dias
(1993, p. 58, pp. 61–66), a Conferência de Belgrado
foi promovida pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Cultura e a Ciência (UNESCO),
em 1975. A erradicação da pobreza, da fome, do
analfabetismo, da poluição e da exploração humana
foram temas debatidos nesse Encontro. Nessa Con-
ferência, foi elaborada a Carta de Belgrado e as ba-
ses para o Programa Mundial de EA.
O autor ressalta, contudo, que os objetivos, as
finalidades e os princípios da EA foram indicados
na Conferência Intergovernamental sobre Educa-
ção Ambiental, realizada pelo Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela
UNESCO, em Tbilisi, na Geórgia, de 14 a 26 de ou-
tubro de 1977. Conhecida como a Conferência de
Tbilisi, essa Conferência foi reconhecida como o
marco oficial da EA.
ANTECEDENTES DA CONfERÊNCIA
DE ESTOCOLMO
Como foi dito, embora a questão ambiental te-
nha sido assumida oficialmente em Estocolmo, bem
antes dessa Conferência ocorriam manifestações
ambientalistas.2
Para Grün (1996, p. 16), as primeiras sementes do
ambientalismo contemporâneo foram plantadas no
século XX, por ocasião das duas grandes guerras e
do arremesso das bombas de Hiroshima e Nagasaki,
em 6 de agosto de 1945.
2 A criação do primeiro parque nacional do mundo, o Yellow-stone Nacional Park, foi no final do século XIX. Para alguns his-toriadores, o lançamento do livro Man and Nature or Physical Geography as Modified by Human Action, do norte-americano Georges Perkins Marshdo, em 1864, “[...] inspirou a criação do primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone Nacional Park, implantado 12 anos depois, nos Estados Unidos” (BRA-SIL..., Examinando as raízes, 1998, p. 23).
Os questionamentos sobre a destruição da natu-
reza, o desperdício, a guerra do Vietnã, bem como a
criação, em 1961, do World Wildlife Fund (WWF)
e a obra Silent Spring, de Rachel Carson,3 de 1962,
que denunciou os problemas dos pesticidas na agri-
cultura e o desaparecimento de espécies, são expres-
sões do movimento ambientalista.
Dias chama a atenção para o conceito de EA ado-
tado pela Union for the Conservation of Nature
(IUCN), em 1970, que faz a relação entre o homem
e o meio natural. A IUCN a considera.
[...] como um processo de reconhecimento de va-
lores e clarificação de conceitos, voltado para o de-
senvolvimento de habilidades e atitudes necessárias
à compreensão e apreciação das inter-relações en-
tre o homem, sua cultura e seu entorno biofísico.
(DIAS, 2004, p. 98)
Observa-se, então, que antes da Conferência de
Tbilisi, a EA já concebia o meio ambiente nas suas
diversas interações e que as manifestações ambien-
talistas da década de 1960 precederam a Conferên-
cia de Estocolmo.
Conclui-se, então, que o fato de os governos in-
ternacionais terem assumido a questão ambiental
em Estocolmo não significa que não tenham ocor-
rido manifestações ambientalistas nas décadas an-
teriores.
Na América Latina, a partir do final da década de
1970, foram realizados eventos promovidos por or-
ganismos internacionais.
Alguns encontros ambientalistas que ocorreram
na América Latina:
O Seminário de Educação Ambiental para a Amé-
rica Latina4, realizado em San José, na Costa Rica,
seguiu os preceitos dos encontros anteriores (DIAS,
1993, p. 48, p. 92, p. 94).
3 Grün (1996, p. 16) vê a obra de Carson como um “clássico do ambientalismo contemporâneo”.
4 A UNESCO realizou este Seminário, de 29 de outubro a 7 de novembro de 1979.
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38
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Na Venezuela5, especialistas da América Latina
elaboraram a Declaração de Caracas, que mostrou a
debilidade do Estado pela dívida externa e a degra-
dação socioambiental e indicou um novo modelo
de desenvolvimento internacional.
O Seminário Latino-Americano de EA6, de Bue-
nos Aires, dentre outros pontos, enfatizou a necessi-
dade dessa política se empenhar por um modelo de
crescimento econômico, equidade social e conser-
vação dos recursos naturais.
No Brasil, no final da década de 1980 e início da
década de 1990, destacaram-se três fatos: a Cons-
tituição brasileira, em 1988 (um capítulo sobre
meio ambiente), a Rio-927 e o Fórum Brasileiro
de ONGs. Segundo Dias (1993, pp. 109–110), a
Rio-92 foi promovida pela ONU, de 3 a 14 de junho
de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, e reafirmou as
recomendações de Tbilisi. Durante a Rio-92, o Fó-
rum Brasileiro de ONGs, junto com os Movimentos
Sociais, “[...] realizou o encontro paralelo da socie-
dade civil [...]” (REDES, 2003, p. 17). Este Fórum foi
a gênese da Rede Brasileira de EA.
CONCEPÇÃO INTEGRADA DE MEIO AMBIENTE
Pelos motivos apontados, ficou claro que inter-
nacionalmente a concepção integrada de meio am-
biente foi adotada na década de 1970.
Quanto ao termo “desenvolvimento sustentável”,
Dias (1993, pp. 80–83) afirma que a sustentabilida-
de foi uma das recomendações do Congresso Inter-
nacional sobre Educação e Formação Ambientais8,
realizado em Moscou.
Para Grün (1996, p. 18), o conceito de “desenvol-
vimento sustentado” implica em conciliar a con-
5 Nesse Encontro, realizado de 25 a 28 de abril de 1988, com o apoio do PNUMA, discutiu-se a gestão ambiental da América Latina.
6 De 18 a 21 de maio de 1988 foi realizado este Seminário, com o apoio de UNESCO/PNUMA.
7 A Rio-92 é a Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-biente e o Desenvolvimento (CNUMAD).
8 Este Congresso foi realizado pela UNESCO e pelo PNUMA, de 17 a 21 de agosto de 1987.
servação da natureza e o crescimento econômico.
Segundo ele, o conceito de “desenvolvimento sus-
tentado” consta do relatório da Comissão9 “Our
Common Future”10.
A concepção integrada de meio ambiente na sua
dimensão social, econômica, política, ecológica,
cultural e ética foi adotada oficialmente. A título de
exemplo, podem ser citadas algumas iniciativas go-
vernamentais e não governamentais que se apoiaram
nessa concepção. Uma delas é o Tratado de EA para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
(1992). As outras são as Leis que instituem a Política
Nacional de Meio Ambiente (1981) e a Política Na-
cional de EA (1999), bem como o Programa Nacional
de EA (ProNEA). Nessa concepção, tanto governo e
sociedade civil, como diversos teóricos da EA, subsi-
diaram diretrizes oficiais e lutas ambientalistas.
Não há dúvida de que a concepção de não separar
o meio natural do meio social significou um avanço
na compreensão do ambiente. Entretanto, essa con-
cepção ainda não discute os problemas ambientais
nas relações de produção.
Segundo Grün (1996, p. 18), com o retorno dos
exilados políticos, em 1979, a militância reconheceu
o ambientalismo. A militância brasileira entendia
que os movimentos nasceram das classes médias
europeias e anglo-saxônicas, por isso olhava com
desconfiança para os ambientalistas.
Para Lima (2002, p. 116), a sociedade brasilei-
ra reconheceu a EA na década de 1990, a partir
do envolvimento de organismos internacionais,
organizações governamentais e não governamen-
tais, comunidades científicas, entidades empresa-
riais e religiosas. Na comunidade internacional, o
reconhecimento público da EA deu-se na década
de 1980.
9 A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvol-vimento foi criada em 1983, pela ONU, para pesquisar os problemas ambientais, numa perspectiva global. O documento preparou as bases para a Rio-92.
10 O relatório “Our Common Future”, lançado em 1989, foi pro-duzido pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e De-senvolvimento, presidida pela primeira ministra da Noruega, Gro-Brundtland.
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39
aula 6 — O Movimento Ambientalista
Instrumentos de sensibilização socioambiental
Como foi dito anteriormente, muitos dos desas-
tres socioambientais veiculados pela mídia fazem
parte do cotidiano de usuários do Serviço Social.
Em vista disso, o assistente social pode atuar com
instrumentos de sensibilização socioambiental.
Por exemplo, fazendo parte da equipe de meio
ambiente num órgão ambiental ou de uma ONG,
propondo uma ação socioambiental num órgão de
assistência social.
Numa audiência pública11 para apresentar à so-
ciedade e para discutir os impactos socioambien-
tais de um certo empreendimento, o assistente
social poderá articular ações com a comunidade e
mediar as relações entre o poder público, a empre-
sa e as entidades que atuam na comunidade. No
caso da EA, o assistente social poderá coordenar e
desenvolver projetos de EA para crianças e adoles-
centes, mulheres, trabalhadores e outros segmen-
tos da comunidade. O mesmo se dá numa ONG
socioambiental.
É importante, ainda, que o assistente social procu-
re acompanhar a implantação de empreendimentos
que causam impactos sociambientais e participe de
reuniões do conselho municipal de meio ambiente,
de ONGs ambientalistas, de redes ambientalistas e
de EA; enfim, que se faça presente no movimento
ambientalista.
Concluindo■■
As manifestações das entidades ambientalistas e da
EA fazem parte do movimento ambientalista. Como
foi dito, embora incorpore a concepção integrada de
11 “A audiência pública serve para informar, discutir, dirimir dúvidas e ouvir opiniões sobre os anseios da comunidade, em especial a população diretamente afetada, cujas preocupações, pronunciamentos e informações, o órgão ambiental encar-regado do licenciamento levará em consideração no procedi-mento decisório sobre a aprovação ou não do projeto. [...] As audiências públicas serão realizadas sempre no município ou área de interferência em que a obra, atividade, plano, programa ou projeto, estiver previsto(a) para implantação, tendo priori-dade para escolha o município onde os impactos forem mais significativos.” Participação pública. (http://www.cprh. pe.gov.br/frme-index-secao.asp?idsecao=363. Acessado em 5 de set-embro de 2008).
meio ambiente, a dimensão ambiental não discute os
conflitos de classe social. Num estudo sobre a ques-
tão ambiental, István Mészáros (2002), assinala que,
hoje, a ecologia
[...] é obrigada a ser grotescamente desfigurada e
exagerada unilateralmente para que as pessoas –
suficientemente impressionadas com o tom cata-
clísmico dos sermões ecológicos – possam ser, com
sucesso, desviadas dos candentes problemas sociais
e políticos. (MÉSZÁROS, 2002, p. 987)
Tomando por base o significado que Mészáros
(2002) dá aos “sermões ecológicos”, é possível di-
zer que o movimento ambientalista, em geral, não
avança na direção de explicitar os determinantes
das práticas destruidoras do ambiente.
É preciso deixar claro, contudo, que as entidades
ambientalistas conseguem agregar pessoas em tor-
no da causa ambientalista, chamando a atenção da
população para os sérios prejuízos que a exploração
socioambiental capitalista vem causando a todos os
seres vivos.
O movimento tem dado a sua contribuição para
a sociedade na medida em que consegue criar obs-
táculos a deliberações que não levam em conta o
ambiente (recursos naturais e pessoas).
É importante que o assistente social acompa-
nhe os processos de licenciamento ambiental de
empreendimentos que causam impactos socio-
ambientais e que se faça presente no movimento
ambientalista.
Atividades■■
Leia o texto da aula 6 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Como ocorre a destruição ambiental?
2. Qual o nome da Conferência de Estocolmo?
Qual a importância que ela teve para a comu-
nidade?
3. Como foi a participação do Brasil na Confe-
rência de Estocolmo?
4. Em que ano e local ocorreram as conferências
de Belgrado e de Tbilisi e qual é o nome delas?
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40
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Destaque pontos importantes das duas confe-
rências.
5. Indique alguns antecedentes da Conferência de
Estocolmo.
6. Quais foram os encontros ambientalistas da
América Latina citados no texto?
7. Como você entendeu a concepção integrada de
meio ambiente?
8. O que você pensa sobre a participação do assis-
tente social no movimento ambientalista?
anotaçÕes *
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41
aula 7 — O Terceiro Setor
INTRODUÇÃO
O propósito deste texto é mostrar que o terceiro
setor se inscreve na reorganização neoliberal da qual
fazem parte as modificações sociais do trabalho for-
mal. As considerações feitas acerca das ONGs são
essenciais para se compreender a função social do
terceiro setor e a organização da sociedade atual.
As obras pesquisadas são: Terceiro setor e questão
social: crítica ao padrão emergente de intervenção
social (2003), de Carlos Montaño; os capítulos “O
novo associativismo e o terceiro setor” (1998), de
Maria da Glória Gohn, e o “O empresariado, a fi-
lantropia e a questão social” (1998), de Elizabeth de
Melo Rico, in “Terceiro setor e movimentos sociais
hoje” (Revista Serviço Social e Sociedade), a pales-
tra proferida pelo professor José Luís Fiori, UFRJ
(1996), e o livro Serviço Social em Tempo de Capital
Fetiche, de Marilda Villela Iamamoto.
O TERCEIRO SETOR
Os três setores
Nos tempos atuais, o rearranjo do capitalismo di-
vidiu a sociedade em três setores:
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
nd
amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
serv
iço
so
cial
AULA
7o terceiro setor
Conteúdo■■
O terceiro setor•
O trabalho das ONGs•
Competências e habilidades■■
Compreender os fatores que engendraram o surgimento do terceiro setor na sociedade •
capitalista contemporânea
Reconhecer o papel das ONGs na sociedade neoliberal•
Identificar a atuação das ONGs nos anos de 1990•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
O primeiro setor é representado por: “prefeituras
municipais, governos dos Estados e Presidência da
República, além de entidades a esses entes ligadas
(ministérios, secretarias, autarquias, entre outras).
Quer dizer, chamamos de primeiro setor o setor pú-
blico, que obedece ao seu caráter público e exerce
atividades públicas” (http://www.cedac.org. br/OS-
CIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008).
Quem forma o segundo setor “[...] é o mercado
(empresas), composto por entidades privadas que
exercem atividades privadas, ou seja, atuam em be-
nefício próprio e particular” (http://www.cedac.org.
br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008).
O terceiro setor1 “[...] é constituído por organiza-
ções sem fins lucrativos e não governamentais, que
têm como objetivo gerar serviços de caráter públi-
co” (http://www.filantropia.org/OqueeTercei-roSe-
tor.htm. Acessado em 19 de agosto de 2008).
Carlos Montaño (2003, p. 53), num estudo sobre
o terceiro setor2 e a questão social, questiona essa
divisão da sociedade. Para ele, foram “intelectuais
orgânicos do capital” que elaboraram o conceito de
terceiro setor, “[...] e isso sinaliza clara ligação com
os interesses de classe, nas transformações necessá-
rias à alta burguesia”.
Segundo ele, o termo “terceiro setor” “é construí-
do a partir de um recorte do social em esferas”. Essa
divisão passa a ideia de uma certa independência
entre os setores, quando, na verdade, os três (o pri-
meiro setor corresponde ao Estado, o segundo, ao
mercado e o terceiro, à sociedade civil) estão ligados
um ao outro.
No que se refere à hierarquia estabelecida entre
os setores, Montaño (2003, p. 54) observa que, se
a sociedade civil produz o mercado e o Estado, ela
deveria ser o primeiro setor e não o terceiro.
1 Peculiarmente, no IV Encontro do Terceiro Setor, realizado na Argentina, em 1998, definiu-se “[...] como organizações do ‘terceiro setor’, aquelas que são privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária cf. Acotto e Manzur, 2000:4” (MONTAÑO, 2003, p. 55).
2 “Surge como conceito cunhado, nos EUA, em 1978, por John D. Rockefeller III. Ao Brasil chega por intermédio de um funcionário da Fundação Roberto Marinho” (MONTAÑO, 2003, p. 53).
As entidades do terceiro setor3 são necessárias à
vida social e dependem da contribuição dos cida-
dãos, inclusive da ajuda financeira para desenvolve-
rem seu trabalho, pois o “[...] terceiro setor é o setor
privado sem fins lucrativos” (Landin, 1999:70 apud
MONTAÑO, 2003, p. 53, nota de rodapé no 1).
As fundações Rockefeller, Roberto Marinho,
Bradesco, Bill Gates, que desenvolvem a assistên-
cia social nas empresas, “[...] não podem esconder
seu claro interesse econômico por meio da isenção
de impostos, ou da melhora de imagem de seus
produtos (aumentando a venda ou o preço) [...]”
(MONTAÑO, 2003, p. 58).
O terceiro setor e a sociedade civil
Marilda Villela Iamamoto (2007, p. 204) tam-
bém discute o terceiro setor. Segundo a autora, essa
é a “interpretação governamental” que distingue o
terceiro setor (ligado a “organizações da socieda-
de civil de interesse público”)4 do primeiro setor
(o Estado) e do segundo setor (mercado). Nas pa-
lavras da autora, o terceiro setor é
[...] considerado como um setor “não governa-
mental”, “não lucrativo” e voltado ao desenvolvi-
mento social, que daria origem a uma “esfera pú-
blica não estatal”, constituída por “organizações
da sociedade civil de interesse público”. No marco
legal do terceiro setor no Brasil são incluídas enti-
dades de natureza as mais variadas, que estabele-
cem um termo de parceria entre entidades de fins
públicos de origem diversa (estatal e social) e de
natureza distinta (pública ou privada). (IAMA-
MOTO, 2007, p. 204)
3 Para Landin (1999:70 apud Montaño, 2003, p. 53, nota de rodapé no 1), são do terceiro setor igreja, hospitais, museus, or-questras sinfônicas, organizações de assistência social de vários tipos, bibliotecas, universidades, escolas privadas, grupos de teatro.
4 As OSCIPs “[...] são ONGs, criadas por iniciativa privada [...]”. Essas organizações “[...] podem celebrar com o poder público os chamados termos de parceria [...]” (http://www.cedac.org.br/OSCIP.pdf. Acessado em 30 de janeiro de 2008).
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aula 7 — O Terceiro Setor
Nessa conformação, entidades da sociedade ci-
vil5, como “instituições filantrópicas”, voluntaria-
do, organizações não governamentais e empresas,
podem estabelecer termos de parceria com o poder
público.
Iamamoto (2007, p. 204) também evidencia “a
tendência de estabelecer uma identidade entre ter-
ceiro setor e sociedade civil”. A autora revela que a
sociedade civil
[....] passa a ser reduzida a um conjunto de or-
ganizações – as chamadas entidades sem fins lu-
crativos –, sendo dela excluídos os órgãos de re-
presentação política, como sindicatos e partidos,
dentro de um amplo processo de despolitização.
(IAMAMOTO, 2007, p. 204)
Essa identidade entre terceiro setor e sociedade
civil, apontada pela autora, mostra que não há o
mínimo interesse em se levar adiante um projeto
de organização sindical dos trabalhadores. A “[...]
a sociedade civil tende a ser interpretada como um
conjunto de organizações distintas e ‘complemen-
tares’, destituída dos conflitos e tensões de classe,
em que prevalecem os laços de solidariedade” (IA-
MAMOTO, 2007, p. 204).
A autora reforça que “[....] a sociedade civil
tem sido usada como instrumento para canalizar
o projeto político de enfraquecimento do Estado
social e para disfarçar o caráter de classe de muitos
conflitos sociais” (IAMAMOTO, 2007, p. 205).
De fato, a compreensão da sociedade civil como
um conjunto de “entidades sem fins lucrativos” re-
tira a possibilidade de os órgãos de representação
política se expressarem e esconde os conflitos de
classe.
5 “Pesquisas mostram que [...] grande parte dos recursos re-passados do Estado para algumas organizações (por meio das ‘parcerias’) – ou seja, parte da mais-valia recolhida pelo Estado em forma de impostos, e supostamente dirigida a atividades as-sistenciais – não chega a seus destinatários finais, ficando para custear os gastos operacionais dessas organizações” (MONTA-ÑO, 2003, p. 58).
O surgimento do terceiro setor6
Montaño (2003, p. 55) faz observações acerca
do surgimento do terceiro setor. Para ele, o termo
“terceiro setor” foi criado na passagem da década
de 1970 para a década de 1980, nos Estados Unidos,
por alguns intelectuais que pretendiam superar a
dicotomia entre público e privado. Esse conceito se
expandiu nas décadas de 1980 e de 1990.
No Brasil, esse termo foi utilizado no III Encon-
tro Ibero-Americano do Terceiro Setor7, que acon-
teceu em 1996, no Rio de Janeiro, coordenado pelo
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas Priva-
das (GIFE).8 Segundo Rico (1998, p. 31), o empresa-
riado brasileiro começou a olhar para os problemas
sociais a partir dos anos de 1980.9
O IV Encontro ocorreu na Argentina, em 1998,
quando se definiram as organizações do terceiro
setor. O III Encontro foi a continuação do I e II
Encontros Ibero-Americanos de Filantropia, reali-
zados na Espanha e no México, por isso a ligação do
terceiro setor com a filantropia.
O TRABALHO DAS ONGS10
Para Maria da Glória Gohn (1998, p. 13) e Car-
los Montaño (2003, p. 273), nos anos 1970 e 1980
6 “Peter Drucker (1991) constatou que o terceiro setor foi o que mais cresceu, mais movimentou recursos, gerou empregos, e foi o mais lucrativo na economia norte-americana nos últimos vinte anos” (GOHN, 1998, p. 16).
7 Desse Encontro nasceu o livro: Terceiro setor: desenvolvimen-to social sustentado, lançado em 1997.
8 O grupo GIFE, por exemplo, tem-se voltado para “[...] romper com as ações caritativas tradicionais [...]” e investe em projetos sociais sem fins lucrativos (RICO, 1998, p. 33).
9 O conhecimento pela mídia em tempo real das catástro-fes ambientais, da miséria e do desemprego, que aflige um número incontável de pessoas e que gera uma instabilidade social, tem levado o empresariado a deixar de lado as ações pontuais. Por outro lado, o avanço tecnológico tem exigido do empresariado investimentos na qualificação profissional, assim como os mecanismos ambientais começam a ser con-siderados nos negócios.
10 As ONGs “[...] são via de regra, aquelas que não fazem parte do governo e que, ao prestarem serviços coletivos, não passam pelo exercício de poder de Estado” (RICO, 1998, p. 27).
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
os movimentos sociais cresceram, mas, nos anos
1990 houve um aumento das ONGs. A partir daí,
mudou a direção do trabalho das ONGs. A título
de esclarecimento, podem ser citados dois aspectos
do estudo desses autores.
Um deles se refere à parceria das ONGs com
o Estado.11 Segundo Montaño (2003, p. 274), as
ONGs assumiram o papel das organizações sociais
na perspectiva de “pedido”, de “negociação” entre
parceiros, e não de luta ou de reivindicação. Isso
provocou a despolitização e o esvaziamento das
organizações sociais.12
O outro aspecto diz respeito aos dois momentos
de atuação das ONGs detectados por Gohn (1998,
pp. 13–15): de 1970 a 1980, as ONGs eram arti-
culadas politicamente e exerciam a militância e as
pressões sociais, e na década de 1990, elas deixaram
de se articular. Cabe lembrar as pressões exercidas
pelas ONGs ambientalistas.
Para a autora “[...] a partir dos anos 1990, o BM
[Banco Mundial] adota uma postura de diálogo e
privilegiamento de ações e parcerias com ONGs”
(GOHN, 1998, pp. 15–16). Elas passaram a atuar
“[...] na geração de empregos e oportunidades de
trabalho temporário, sem vínculo empregatício
[...] e na requalificação de trabalhadores [...]” de-
mitidos para a redução de custos ou por falta de
habilidades tecnológicas (GOHN, 1998, p. 16).
De posições contestadoras, nos anos 1970 e 1980,
a partir dos anos 1990, as ONGs, apoiadas finan-
ceiramente por entidades ligadas ao governo, estão
assumindo atribuições que, antes, eram desenvol-
11 Depois dos anos 1970, as ONGs articulavam e captavam re-cursos para os movimentos sociais (elas lutavam contra as di-taduras, a opressão, a exploração e por melhorias específicas) (MONTAÑO, 2003, p.270). “Isto é, a população, para além de seus eventuais vínculos partidários e/ou sindicais, formava parte de movimentos sociais, constituídos para dar respostas a necessidades específicas, ou para lutar por/contra situações mais estruturais” (MONTAÑO, 2003, p. 271).
12 “Revitalizar os movimentos sociais articulados – e não a so-ciedade civil – e ressituar a ONG como sua ‘parceira’ – e não do Estado ou da empresa/fundação capitalista – é tarefa essencial” (MONTAÑO, 2003, p. 274).
vidas pelo Estado.13 Por outro lado, a atuação na
geração de emprego abriu um campo de trabalho
para o assistente social e outros profissionais.
Concluindo■■
Para Montaño (2003) foram “intelectuais orgâ-
nicos do capital” que elaboraram o conceito de ter-
ceiro setor, que logo deixa clara uma ligação com
os interesses de classe. A divisão em setores passa a
ideia de uma certa independência entre eles, quan-
do, na verdade, os três (o primeiro setor corres-
ponde ao Estado, o segundo, ao mercado e o tercei-
ro, à sociedade civil) estão ligados um ao outro.
Segundo Iamamoto (2007 p. 204) essa é a “in-
terpretação governamental” que distingue o tercei-
ro setor (ligado às “organizações da sociedade civil
de interesse público”) do Estado (primeiro setor) e
do mercado (segundo setor).
Nessa conformação, entidades da sociedade ci-
vil, como “instituições filantrópicas”, voluntariado,
organizações não governamentais e empresas, po-
dem estabelecer termos de parceria com o poder
público.
Iamamoto (2007, p. 204) chama a atenção para
“a tendência de estabelecer uma identidade entre
terceiro setor e sociedade civil”, dando a entender
que na sociedade civil não há conflitos de classe.
O empresariado tem deixado de realizar ações
pontuais, pois o avanço tecnológico tem exigido
dele investimentos na qualificação profissional e
atenção quanto aos mecanismos ambientais.
Hoje, de posições contestadoras, nas décadas de
1970 a 1980, depois dos anos de 1990, as ONGs
passaram a exercer parcerias com o governo para
desenvolver ações que eram da atribuição do Esta-
do. Por outro lado, a atuação na geração de empre-
go abriu um campo de trabalho para o assistente
social e outros profissionais.
13 Com o Estado, as ONGs são contratadas ou trabalham em parceria e “[...] desempenham, de forma terceirizada, as fun-ções a ele atribuídas [...]” (MONTAÑO (2003, p. 57).
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aula 7 — O Terceiro Setor
Atividades■■
Leia o texto da aula 7 e desenvolva as seguintes
questões:
1. Quais sãos os três setores da sociedade? Expli-
que cada um deles.
2. Explique o terceiro setor na visão de Carlos
Montaño.
3. Faça um comentário sobre a seguinte afirmati-
va: “Chama atenção a tendência de estabelecer
uma identidade entre terceiro setor e sociedade
civil, cuja polissemia é patente” (IAMAMOTO,
2007, p. 204).
4. Como foi criado o terceiro setor?
5. Discorra sobre as ONGs, destacando sua atua-
ção nos anos de 1990.
anotaçÕes *
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
INTRODUÇÃO
O texto desta aula procura mostrar a importância
de o assistente social conhecer a sociedade contem-
porânea. Dentre outros aspectos, a formação acadê-
mica do assistente social deve atentar-se para as mu-
danças que ocorreram na organização do trabalho,
nas últimas décadas do século XX. Como tem sido
evidenciado, o Serviço Social vem acompanhando o
movimento do capital, daí a preocupação da acade-
mia em propiciar conhecimentos sobre a sociedade
contemporânea.
O texto tem por base a obra O Serviço Social na
contemporaneidade: trabalho e formação profissional,
de Marilda Villela Iamamoto (2006).
O SERVIÇO SOCIAL NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA
Como o Serviço Social faz parte do conjunto
de profissões que surgiram no capitalismo mono-
polista1, as mudanças que ocorrem na sociedade
1 Na sociedade monopolista, “[...] se gestam as condições
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AULA
8a imPortância de o assistente social
conHecer a sociedade contemPorânea
Conteúdo■■
O Serviço Social na sociedade contemporânea•
Importância de o assistente social conhecer a sociedade contemporânea•
Desafios da formação acadêmica do assistente social•
Alguns aspectos do trabalho do assistente social•
Competências e habilidades■■
Compreender o processo de formação do assistente social•
Reconhecer as repercussões da reorganização do trabalho na classe trabalhadora•
Reconhecer os novos mercados de trabalho do assistente social•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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aula 8 — A Importância de o Assistente Social Conhecer a Sociedade Contemporânea
contemporânea interferem no trabalho desse pro-
fissional.
Isso é tão verdade que as mudanças efetuadas
pelo capital alteram as expressões da questão social
e o seu enfrentamento. Cabe lembrar as perdas que
os trabalhadores vêm sofrendo com a terceirização.
A indústria
[...] cria em torno de si uma rede de pequenas e
médias empresas fornecedoras de peças, insumos
e serviços. Transformam-se grandes empresas em
simples ‘montadoras’, dando origem ao fenômeno
da terceirização (IAMAMOTO, 2006, p. 177).
A terceirização adotada pelas entidades públicas
e particulares concorre para “[...] a crescente perda
dos direitos sociais, o aumento do trabalho tem-
porário, os altos índices de desemprego estrutural,
observando-se o crescimento das chamadas “taxas
naturais de desemprego”’ (IAMAMOTO, 2006,
p. 177).
Basta prestar atenção à forma como vem sendo
realizado o serviço de limpeza em grande parte das
empresas e das instituições públicas. Muitos traba-
lhadores que ali prestam serviço foram demitidos.
Isso mostra que o capital exige uma produção “[...]
com maior eficiência e menor custo” (IAMAMO-
TO, 2006, p. 177).
Quando o trabalhador não consegue disputar
uma vaga no trabalho formal, o próprio sistema
cria e recria as “relações não capitalistas de pro-
dução”. Por exemplo, “[...] revigora-se o trabalho
familiar e artesanal, estimulando as economias
informais e subterrâneas com elevadas taxas de
extração de trabalho excedente” (IAMAMOTO,
2006, p. 176).
Diversos trabalhadores brasileiros vêm aderin-
do ao trabalho informal, desenvolvendo suas ati-
histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do tra-balho, constitua-se em um espaço em que se possam mover práticas profissionais, como as do assistente social” (NETTO, 2005, p. 73). Ou seja, “[...] enquanto profissão, o Serviço Social é indissociável da ordem monopólica – ela cria e funda a profis-sionalidade do Serviço Social” (NETTO, 2005, p. 74).
vidades nos espaços entrecortados das ruas e das
calçadas. Mesmo quando lhes é oferecida uma so-
lução urbanística oficial, nela ainda está presente o
componente da informalidade.
Como o trabalho do assistente social tem
acompanhado as mudanças sociais brasileiras?
Para Iamamoto e Carvalho (2006), o Serviço
Social nasceu do movimento católico e das deman-
das do Estado, na década de 1930. Segundo Netto
(2006), a renovação do Serviço Social tradicional
teve início a partir da perspectiva modernizadora2,
na década de 1960. No final dos anos 1970, mani-
festou-se a perspectiva da reatualização do conser-
vadorismo e a perspectiva da intenção de ruptura,
criando força nos anos 1980.3 Os anos 1990 foram
marcados pelas perdas sociais.
Como afirmam Iamamoto e Carvalho, o Servi-
ço Social insere-se na divisão social do trabalho
do capitalismo.4 Assim, o assistente social é um
dos trabalhadores requisitados pelo capitalismo
monopolista para atuar nas expressões da questão
social, por isso é necessário que ele acompanhe as
mudanças sociais.
IMPORTÂNCIA DE O ASSISTENTE SOCIAL
2 Condicionado pelo regime militar e pelos padrões mo-nopolistas do capital, o Serviço Social teve que inovar as suas práticas tradicionais na perspectiva da modernização conser-vadora.
3 Segundo Netto (2006), a perspectiva da reatualização do con-servadorismo pretendia reatualizar o Serviço Social tradicio-nal, trazendo à tona elementos do conservadorismo católico, tendo como fundamento a fenomenologia. A perspectiva da intenção de ruptura buscava romper com a “herança conser-vadora do Serviço Social”.
4 “O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas classes sociais emergentes – a constituição e a expansão do proletariado e da burguesia industrial – e das modificações verificadas na composição de grupos e frações de classes que compartilham o poder de Estado em conjunturas históricas específicas” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006, p. 77).
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Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
CONHECER A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Por que é necessário o assistente social conhecer
a sociedade? Ao se atentar para os trabalhadores da
década de 1920, já se tem, pelo menos, uma parte
da resposta. A luta desses trabalhadores visava à
melhoria dos salários, das condições de trabalho e
à diminuição das jornadas de trabalho.
Na década de 1930, enquanto o Presidente Ge-
túlio Vargas permitia a existência dos sindicatos
atrelados ao governo, o regime militar de 1964
proibia qualquer tipo de manifestação sindicalis-
ta. Já na década de 1980, a força dos movimentos
sociais contribuía para a consolidação dos direitos
sociais na Constituição de 1988.
Hoje, não há espaço para a luta sindicalista5
diante de “[...] uma ‘nova pobreza’, um excedente
de força de trabalho que não tem preço, porque
não tem mais lugar no processo de produção” (IA-
MAMOTO, 2006, p. 176). Os que conseguem tra-
balho devem aliar o conhecimento especializado
ao domínio das tecnologias.
Como foi visto, os governos tratam a questão
social com repressão e fazem concessões sociais.
Com a “nova pobreza” de agora, como manter viva
a luta dos trabalhadores se há “um excedente de
força de trabalho que não tem preço, porque não
tem mais lugar no processo de produção”?
Dessa forma, as alterações na produção modi-
ficam as relações de trabalho e a questão social, a
relação Estado e sociedade civil e exigem que o as-
sistente social busque compreender a realidade dos
usuários no movimento do capital.
DESAfIOS DA fORMAÇÃO ACADÊMICA
DO ASSISTENTE SOCIAL
Marilda Villela Iamamoto coloca desafios para
a formação acadêmica do assistente social e para
a sua prática profissional. Em relação à formação
5 A esse respeito, Iamamoto (2006, p. 179) registra a situação
das empresas localizadas em países que não passaram pelo
processo de industrialização e os trabalhadores dessas empre-
sas sem experiência sindical.
acadêmica, o curso de Serviço Social deve possibi-
litar “[...] aos assistentes sociais compreender cri-
ticamente as tendências do atual estágio da expan-
são capitalista e suas repercussões na alteração das
funções tradicionalmente atribuídas à profissão
[...]” (IAMAMOTO, 2006, p. 180).
Para a autora, o esforço para apreender o atu-
al estágio da expansão do capital tem enriquecido
o debate do Serviço Social.6 Também considera a
história, a teoria e a metodologia do Serviço Social
como “[...] um dos eixos necessários à formação
profissional [...]”, temas que emergiram na década
de 1980. Entretanto, necessitam de novos aprofun-
damentos7 (IAMAMOTO, 2006, p. 190).
Quanto à prática profissional, ela chama a aten-
ção para a falta de entrosamento entre os centros
de formação e os campos de estágio e a “[...] dis-
tância constatada entre o tratamento teórico-sis-
temático das matrizes teórico-metodológicas e a
quotidianidade da prática profissional”90 (IAMA-
MOTO, 2006, p. 191).
Muitos problemas que chegam ao Serviço So-
cial exigem soluções urgentes. Se a formação aca-
dêmica possibilitar o acesso a textos de autores que
discutem o Serviço Social nas teorias positivistas,
fenomenológicas e marxistas, com certeza o assis-
tente social terá melhor clareza na realização de
práticas cotidianas, por exemplo, “[...] entrevistas,
reuniões, plantão, encaminhamento etc.” (IAMA-
MOTO, 2006, p. 62).
6 Yasbeck (1988, p. 41), por exemplo, explicita que a discussão
de Araxá (1967) primou por adaptar o Serviço Social às de-
mandas autoritárias e burocráticas do Estado. Nessa linha
teórica, Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho, José
Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros e tantos outros produz-
iram um acúmulo de contribuições teóricas que desvendam o
Serviço Social na sociedade brasileira.
7 Com esse intuito têm sido desenvolvidas “[...] experiências
de estruturação de disciplinas, que se esforçam por integrar,
organicamente, fundamentos históricos, teóricos e metod-
ológicos do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2006, p. 191).
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aula 8 — A Importância de o Assistente Social Conhecer a Sociedade Contemporânea
ALGUNS ASPECTOS DO TRABALHO
DO ASSISTENTE SOCIAL
No livro Serviço Social em tempo de capital fe-
tiche, dentre outros aspectos, Marilda Villela Ia-
mamoto discute o fundo público e o trabalho do
assistente social na empresa8, no Estado e nos con-
selhos.
Quanto ao fundo público, a autora faz uma crí-
tica acerca da destinação dos seus recursos. Confi-
ra na transcrição abaixo:
Recursos financeiros oriundos da produção, arre-
cadados e centralizados pelos mecanismos fiscais,
por meio da dívida pública, tornam-se cativos
das finanças, que se apropriam do Estado, para-
lisando-o. Este passa a ser “reduzido” na satisfa-
ção das necessidades das grandes maiorias, visto
que o fundo público é canalizado para alimentar
o mercado financeiro. (IAMAMOTO, 2007, pp.
117–118)
Parte da riqueza produzida socialmente que vai
para o fundo público (via impostos) para ser re-
distribuída para a sociedade por meio das políticas
sociais está tomando outros rumos. Isso compro-
mete programas sociais de atuação do Serviço So-
cial (saúde, assistência social, habitação e outros) e
interfere “na reprodução da força de trabalho”.
Mesmo nas empresas e nas organizações da so-
ciedade civil, o trabalho do assistente social depen-
de dos recursos institucionais,9 daí a importância
desses recursos.
No que se refere ao trabalho do assistente social
no Estado e na empresa, a autora faz uma distin-
ção. O “[...] trabalho realizado diretamente na es-
8 Na empresa, o Serviço Social “[...] produz treinamentos, re-aliza programas de aposentadoria, viabiliza benefícios assisten-ciais e previdenciários, presta serviços de saúde, faz prevenção de acidentes de trabalho etc.” (IAMAMOTO, 2006, pp. 66–67).
9 No Estado, nas empresas e/ou nas organizações da sociedade civil, o trabalho do assistente social depende de “[...] recur-sos previstos nos programas e projetos da instituição que o requisita e o contrata, por meio dos quais é exercido o trabalho especializado” (IAMAMOTO, 2006, p. 63).
fera do Estado, na prestação de serviços públicos,
nada tem a ver com o trabalho produtivo, visto que
não estabelece uma relação direta com o capital
[...]” (IAMAMOTO, 2007, p. 86).10
Nos conselhos, o assistente social é chamado a
participar nos da criança e do adolescente, da saú-
de, do idoso, dentre outros. Segue abaixo um texto
sobre os conselhos:
[...] Os Conselhos, perfilando uma nova institucio-
nalidade nas ações públicas, são instâncias em que
se refratam interesses contraditórios e, portanto,
espaços de lutas e disputas políticas. Por um lado,
eles dispõem de potencial para fazer avançar o pro-
cesso de democratização das políticas sociais públi-
cas. Permitem atribuir maior visibilidade às ações
e saturar as políticas públicas das necessidades de
diferentes segmentos organizados da sociedade ci-
vil, em especial os movimentos das classes traba-
lhadoras. Por outro lado, são espaços que podem
ser capturados por aqueles que apostam na reitera-
ção do conservantismo político, fazendo vicejar as
tradicionais práticas clientelistas, o cultivo do favor
e da apropriação privada da coisa pública, segun-
do interesses particularistas, que tradicionalmente
impregnaram a cultura política brasileira e, em es-
pecial, as instâncias de poder na esfera municipal.
Esvazia-se, assim, o potencial de representação que
dispõem os Conselhos, reduzidos a mecanismos
formais de uma democracia procedimental. (Cou-
tinho, 2006; Behring e Boschetti, 2006 apud IAMA-
MOTO, 2007, pp. 198–199)
Segundo ela, tanto os conselhos podem ser um
instrumento do “processo de democratização das
políticas sociais públicas” como podem ser legiti-
madores de ações conservadoras. Por isso, o assis-
tente social precisa estar atento aos interesses con-
traditórios dos conselhos.
10 Na prestação de serviços sociais, “[...] não existe criação capi-talista de valor e mais-valia, visto que o Estado não cria riquezas ao atuar no campo das políticas sociais públicas” (IAMAMO-TO, 2006, p. 70).
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50
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Concluindo■■
Como foi visto, os governos tratam a questão
social com repressão e fazem concessões sociais.
Com a “nova pobreza” de agora, como manter viva
a luta dos trabalhadores se há “um excedente de
força de trabalho que não tem preço, porque não
tem mais lugar no processo de produção”?
Dessa forma, as alterações na produção modi-
ficam as relações de trabalho e a questão social, a
relação Estado e sociedade civil e exigem que o as-
sistente social busque compreender a realidade dos
usuários no movimento do capital.
Para isso, o curso de Serviço Social deve possibi-
litar que os acadêmicos compreendam criticamen-
te não só a sociedade capitalista, mas as tendências
do seu atual estágio da expansão.
Essa formação será importante também para a
prática profissional nas empresas, no Estado e nos
conselhos.
No Estado, o assistente social trabalha na pres-
tação de serviços públicos e não no trabalho pro-
dutivo, como nas empresas. Nos conselhos, o assis-
tente social é chamado a participar nos da criança
e do adolescente, da saúde, do idoso, dentre outros.
Tanto os conselhos podem ser um instrumento do
“processo de democratização das políticas sociais
públicas” como podem ser legitimadores de ações
conservadoras. Por isso, o assistente social precisa
estar atento aos interesses contraditórios dos con-
selhos.
Quanto ao fundo público, a autora faz uma críti-
ca acerca da destinação dos seus recursos. Parte da
riqueza produzida socialmente que vai para o fun-
do público (via impostos) para ser redistribuída
para a sociedade por meio das políticas sociais está
tomando outros rumos. Isso compromete progra-
mas sociais de atuação do Serviço Social (saúde,
assistência social, habitação e outros) e interfere
“na reprodução da força de trabalho”. Mesmo nas
empresas e nas organizações da sociedade civil, o
trabalho do assistente social depende dos recursos
institucionais.
Se as situações cotidianas fossem reveladas, po-
deriam, no mínimo, ajudar a população a pensar
sobre as condições do local onde vive e apontar
caminhos de enfrentamento dos problemas ali co-
locados.
Atividades■■
Leia o texto da aula 8 e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Como as mudanças da sociedade monopolista
repercutem no Serviço Social?
2. Fale sobre a relação entre as mudanças na so-
ciedade brasileira e o trabalho do assistente social.
3. Por que é necessário que o assistente social co-
nheça as mudanças sociais em curso?
4. Quais os desafios da formação acadêmica na
visão de Marilda Iamamoto?
5. Fale sobre o trabalho do assistente social na
empresa, nas instituições públicas e nos conselhos
de políticas públicas.
anotaçÕes *
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51
aula 9 — A Assistência Social e o Serviço Social
INTRODUÇÃO
O texto que finaliza a unidade didática “Funda-
mentos Teóricos e Metodológicos do Serviço So-
cial” discute alguns aspectos do caminho trilhado
pela assistência social da Idade Antiga até a Idade
Contemporânea.
A análise da assistência social nos tempos atu-
ais traz em si elementos que explicitam a questão
social e a formação do Serviço Social europeu e
norte-americano. Todos esses elementos estão
imbricados.
A obra em referência é Serviço Social: identidade
e alienação, de Maria Lúcia Martinelli (2006).
OS PRIMÓRDIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Conforme foi mencionado na aula 1, da Unida-
de Didática “Fundamentos Históricos e Teóricos do
Serviço Social”, a prática da assistência social vem
sendo desenvolvida desde a Idade Antiga. Maria Lú-
cia Martinelli, em um estudo sobre a racionalização
da assistência social, levantou as características des-
sa atividade nos diversos períodos históricos.
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
nd
amen
tos
His
tóri
cos
e te
óri
cos
do
ser
viço
soci
al
AULA
9a assistência social e o serviço social
Conteúdo■■
Os primórdios da assistência social•
A assistência social especializada•
As primeiras escolas de Serviço Social•
Outros elementos que ajudam a compreender a assistência•
Competências e habilidades■■
Reconhecer a prática da assistência social nos períodos históricos da humanidade•
Compreender a necessidade da assistência social na sociedade monopolista•
Distinguir as características do Serviço Social europeu das características do Serviço Social •
latinoamericano
Apreender a importância do Serviço Social na organização da sociedade neoliberal•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
BookUniderp63_ServSocial.indb 51 11/16/09 1:45:58 PM
52
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
Da Antiguidade à Revolução francesa
Segundo Martinelli (2006, p. 96), na Antiguidade,
em torno do ano de 3.000 a.C., a assistência social
era praticada pelas “Confrarias do Deserto” junto às
caravanas.1 A autora destaca a preocupação de Aris-
tóteles, Platão, Sêneca e Cícero (filósofos do mundo
antigo) em racionalizar a assistência e não restringi-
la à manifestação “episódica”.2
Mais tarde, o trabalho das confrarias destinava-
se também às populações urbanas, que sofriam de
doença, abandono e de outros males sociais. Nessa
época, a prática da assistência
[...] concretizava-se na esmola esporádica, na visita
domiciliar, na concessão de gêneros alimentícios,
roupas, calçados, enfim, em bens materiais indis-
pensáveis para minorar o sofrimento das pessoas
necessitadas. (MARTINELLI, 2006, p. 96)
Os judeus também utilizavam a visita domiciliar
para prestar assistência às viúvas, aos órfãos e aos
idosos. Os cristãos agregaram à assistência a di-
mensão espiritual, tanto é que São Bernardo, Santo
Agostinho, Santo Ambrósio, São Domingos e São
Paulo são figuras da Igreja Católica preocupadas
com essa prática. Santo Tomás de Aquino (1224-
1274) organizou a doutrina cristã “[...] situando a
caridade como um dos pilares da fé, imperativo de
justiça social aos mais humildes” (MARTINELLI,
2006, p. 97).
No século XVII, São Vicente de Paulo, na Fran-
ça, trouxe de volta o modelo das confrarias para
a assistência, e Frederico Ozanam criou as Confe-
rências de São Vicente de Paulo, em Paris (1833).
A assistência social permaneceu caritativa até a
Revolução Francesa, no século XVIII, quando “[...]
deslocaram de novo a base da assistência, posicio-
nando-a como um direito do cidadão e atribuído
1 “No velho Egito, na Grécia, na Itália, na Índia, enfim, nos mais diferentes pontos do mundo antigo, a assistência era tarefa reservada às Confrarias do Deserto, cujo surgimento remonta a 3.000 a.C., com o objetivo de facilitar a marcha das caravanas no deserto” (MARTINELLI, 2006, p. 96).
2 Esses filósofos já se preocupavam com a assistência social de forma sistematizada e não apenas de forma esporádica.
a todos o dever de prestá-la” (MARTINELLI, 2006,
p. 99). Sobre isso, Faleiros (2006, p. 182) afirma
que, na Revolução Francesa, o “Comitê de Mendi-
cância” propôs a assistência social como direito e
dever do Estado.
Para Martinelli (2006, p. 97),3 da Idade Média
até o século XIX, embora a assistência social pres-
tada pela burguesia e pelas entidades religiosas es-
tivesse ligada à caridade, nem sempre ela era feita
somente com fins caritativos, pois visava também
a controlar a subserviência dos pobres.4
A ASSISTÊNCIA SOCIAL ESPECIALIZADA
Tanto o movimento operário como a burguesia
contribuíram para a prestação da assistência social
de forma especializada.
O movimento operário
No final do século XIX,5 o trabalhador já convi-
via com o desemprego e com a exploração no tra-
balho, tendo que cumprir longas jornadas em um
ambiente insalubre e em condições deploráveis,
incluindo-se aí o trabalho da criança e do adoles-
cente e o da mulher. Diante disso, os trabalhadores
organizaram o movimento combativo.
A força política dos trabalhadores organizados e
o seu posicionamento de classe encaminharam-se
para a racionalização da assistência social, é o que
indica Martinelli (2006, p. 99).
A sociedade de organização da caridade
Em resposta às ameaças causadas pela pobreza
e pelas lutas sociais, a burguesia inglesa aliou-se ao
3 A assistência esteve ligada à caridade para com os pobres, entretanto, “[...] muitas práticas de exploração, de repressão e de dominação política e ideológica foram realizadas sob a denominação de caridade” (MARTINELLI, 2006, p. 97).
4 Olhando para os dias atuais, percebe-se que muitas pessoas possuem as mesmas necessidades: gêneros alimentícios, roupas, calçados, entre outros elementos que são essenciais para a so-brevivência.
5 “Concorda-se geralmente que o capital monopolista teve iní-cio nas últimas duas ou três décadas do século XIX” (BRAVER-MANN, 1987, p. 215).
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53
aula 9 — A Assistência Social e o Serviço Social
Estado e à Igreja para criar a Sociedade de Orga-
nização da Caridade. A entidade entendia que era
preciso impedir “as práticas de classe dos trabalha-
dores” e suas “manifestações coletivas” para manter
o controle da questão social e alcançar o “funciona-
mento social adequado”, é o que indica Martinelli
(2006, p. 99).
Ainda conforme Martinelli (2006, p. 103), a So-
ciedade assumiu a assistência social como “reforma
de caráter”, já que a burguesia tratava as reivindica-
ções e a subsistência dos trabalhadores como “pro-
blemas de caráter”.6
Charles Loch iniciou seu trabalho na organiza-
ção da assistência social e na Sociedade de Organi-
zação da Caridade, em 1875. Ele propôs um lugar
de atendimento às famílias pobres e às famílias dos
trabalhadores,7 claro, sem desconsiderar a visita do-
miciliar.8
Para a autora,“[...] só coibindo as práticas da clas-
se dos trabalhadores, impedindo suas manifestações
coletivas e mantendo um controle sobre a ‘questão
social’ é que se poderia assegurar o funcionamento
social adequado” (MARTINELLI, 2006, p. 99). Con-
clui Martinelli (2006, pp. 100 e 104) que a tarefa de
“racionalizar a assistência e reorganizá-la em bases
6 Octavia Hill, na Inglaterra, e Josephine Shaw Lowell, em Nova York, defendiam o uso do inquérito domiciliar “[...] tanto para regularizar a concessão de auxílios quanto para promover a re-integração do indivíduo, conforme proposta de Nightingale” (MARTINELLI, 2006, p. 105).
7 O pastor Samuel Barnett e sua esposa Henriette Rouland cri-aram o Centro Social de Ação Social para atender às famílias dos operários e os pobres, em geral, em Londres (1884), um dos desdobramentos dessa proposta. Estava aí a base do organismo que a Sociedade da Organização da Caridade iria assumir e di-vulgar como o mais adequado para a realização da prática da assistência: o settlement inglês, precursor das agências e centros sociais” (MARTINELLI, 2006, p. 104).
8 O trabalho de visitar as famílias operárias era importante porque permitia conhecer “[...] in loco as condições de moradia e de saúde da classe trabalhadora e de socializar o ‘modo capi-talista de pensar’” (MARTINELLI, 2006, p. 104). Na Inglaterra, Florence Nightingale (1851) elegeu a visita domiciliar como instrumento para desenvolver ações educativas e Octavia Hill (1865) realizou um trabalho de educação familiar e social, é o que indica Martinelli (2006, p. 103).
científicas”, realizada por essa entidade, era uma es-
tratégia para garantir a hegemonia burguesa.9
No final do século XIX e início do século XX, a So-
ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
de maior porte no âmbito da assistência social”.
Dessa forma, a Inglaterra foi pioneira em orga-
nizar a assistência social e a Sociedade de Organiza-
ção da Caridade inglesa (a primeira da Europa) teve
um papel relevante. Nos Estados Unidos, Josephine
Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
AS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL
Como foi dito, para fazer frente às lutas operárias,
a burguesia da Inglaterra (território onde ocorreu a
Revolução Industrial e as primeiras manifestações
do movimento operário), aliada ao Estado e à Igre-
ja, criou a Sociedade de Organização da Caridade.
Pode-se afirmar que as Sociedades de Organi-
zação da Caridade tiveram um significado especial
para o Serviço Social, tanto é que: “Em seus esforços
de racionalizar a assistência, ela criara a primeira
proposta de prática para o Serviço Social no terço
final do século XIX” (MARTINELLI, 2006, p. 99).
A necessidade de qualificar “agentes profissio-
nais” para realizar a assistência social levou à criação
das primeiras escolas de Serviço Social na Europa e
nos Estados Unidos.
As escolas europeias
De acordo com Martinelli (2006, p. 104), a So-
ciedade de Organização da Caridade da Inglaterra
realizou em Londres, em 1893, o primeiro “Curso
de Formação de Visitadores Sociais Voluntários”.
Somente em 1899 foi criada “[...] a primeira escola
europeia em Amsterdã, Holanda. Nesse mesmo ano,
Alice Salomon iniciou em Berlim os cursos para agen-
tes sociais, que acabaram por dar origem à primeira
escola alemã em 1908” (MARTINELLI, 2006, p. 107).
9 Isso é tão verdade, que a “[...] assistência posicionava-se como um, entre outros, mecanismo acionado pelo Estado burguês para garantir a expansão do capital” (MARTINELLI, 2006, p. 100).
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54
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
“Em 1908, fundou-se na Inglaterra a primeira es-
cola de Serviço Social, não ainda com esta denomi-
nação, porém já incorporada à Universidade de Bir-
mingham” (MARTINELLI, 2006, p. 107). Segundo
ela, em Paris, foram criadas duas escolas de Serviço
Social, uma, em 1911, de orientação católica, e ou-
tra, de orientação protestante, em 1913.
A partir da primeira escola católica de Paris, em
1911, a França funcionou “[...] como um verdadeiro
polo irradiador da vertente católica da prática pro-
fissional” (MARTINELLI, 2006, p. 119).10
Também foram criados “pequenos núcleos asso-
ciativos de assistentes sociais católicos”, que “[...] se
dedicavam à reflexão sobre a ‘questão social’, sobre
a doutrina social da Igreja e sobre suas implicações
para a prática profissional” (MARTINELLI, 2006, p.
119). Apesar da preocupação voltada para a forma-
ção especializada, junto com
[...] o discurso da prática científica apoiada em
conhecimentos sociológicos, em pesquisas empí-
ricas, em abordagens globais dos problemas so-
ciais, conforme proclamado pelas lideranças da
Sociedade de Organização da Caridade, convivia
uma prática assistencial, que tinha suas origens no
século XVII, com São Vicente de Paulo. (MARTI-
NELLI, 2006, p. 117)
Mesmo depois que foram criados os “pequenos
núcleos associativos” de assistentes sociais católicos,
a partir da escola de Paris, a prática assistencial con-
tinuou sem inovações.
Um parêntese: dos “pequenos núcleos associati-
vos” à UICSS.
Para Martinelli (2006, p. 120), do exercício dos
“pequenos núcleos associativos” emergiu a União
Católica Internacional de Serviço Social (UICSS).11
10 Cabe lembrar que essa foi a vertente que esteve na base das primeiras escolas de Serviço Social latino-americanas.
11 Vale lembrar que a UICSS foi criada na I Conferência Internacional de Serviço Social (1925), em Milão, na Itália. A UICSS influenciou o Serviço Social europeu e latino-americano, assumindo, inclusive, a liderança de formação profissional a partir de 1930.
“Contando com um amplo apoio da Igreja e da bur-
guesia, esse organismo se transformou em um nú-
cleo de sensibilização e mobilização de leigos para a
ação social” (MARTINELLI, 2006, p. 120).
A autora mostra a abrangência da UICSS: “Trata-
va-se já de um organismo de maior porte e que exer-
ceu grande influência não só sobre o Serviço Social
europeu como também sobre o latino-americano”
(MARTINELLI, 2006, p. 120).
Conclui-se, então, que o movimento católico in-
ternacional influenciou as instituições católicas bra-
sileiras da década de 1920 e de 1930, que estudavam
a doutrina social da Igreja e a realidade social, bem
como as primeiras escolas de Serviço Social latino-
americanas, entre as quais as brasileiras.
As primeiras escolas norte-americanas
Mary Richmond12, membro da Sociedade de Or-
ganização da Caridade de Baltimore, contribuiu com
a especialização da assistência norte-americana. Na
Conferência de Caridade e Correção, de Toronto,
em 1897, Mary Richmond13 declarou-se a favor do
ensino especializado, assim indica Martinelli (2006,
p. 106). Confira na transcrição abaixo:
Visualizando o inquérito como um instrumento
de fundamental importância para a realização do
diagnóstico social e, posteriormente, do tratamen-
to, acreditava Richmond que só por meio do ensino
especializado poder-se-ia obter a necessária qualifi-
cação para realizá-lo. (MARTINELLI, 2006, p. 106)
Efetivamente, Richmond lutava pelo ensino es-
pecializado. Segundo Martinelli (2006, p. 106), na
Conferência de Toronto, Mary Richmond propôs
uma escola para o ensino de Filantropia Aplicada.
Em 1898, foi realizado um “curso de aprendizagem
da ação social”, que resultou na criação da primei-
12 Segundo Lima (1976, p. 53), Mary Richmond e Pe. Bowe foram os criadores da técnica do Serviço Social de Caso.
13 Mary Richmond fez estudos sobre as bases científicas e a prática da assistência.
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aula 9 — A Assistência Social e o Serviço Social
ra escola de Filantropia Aplicada, em Nova York, no
ano de 1899.
Mary Richmond14 foi influenciada pelas ideias
de Florence Nightingale (1851), da Inglaterra, e in-
fluenciou os cursos regulares de formação de agen-
tes sociais voluntários, ministrados pela Sociedade
de Organização da Caridade.
Ela estabeleceu “[...] como objetivo de seus pri-
meiros cursos o preparo de visitadoras domiciliares
(home visitors), o que absorvia e ampliava a ideia
das “visitadoras de saúde” (health visitors), criadas
por Nightingale” (MARTINELLI, 2006, p. 109).
Ao considerar os problemas sociais como pro-
blemas de caráter, Mary Richmond “[...] concebia
a tarefa assistencial como eminentemente reinte-
gradora e reformadora do caráter” (MARTINELLI,
2006, p. 106).
A partir daí pôde-se verificar a importância que
teve Mary Richmond no processo de profissionali-
zação dos trabalhadores da assistência social.
Para Martinelli (2006, p. 115), a escola de Filan-
tropia Aplicada foi incorporada pela Universidade
de Colúmbia, em Nova York, passando a denomi-
nar-se escola de Trabalho Social, em 1919.
Segundo ela, em 1920, foi criada em Nova York a
Associação Nacional de Trabalhadores Sociais, que
encampou a Sociedade de Organização da Carida-
de, a partir da década de 1940.
Ainda conforme a autora, o aumento do núme-
ro de escolas levou a Sociedade de Organização da
Caridade a realizar a I Conferência Nacional de Tra-
balhadores Sociais, em Nova York, no ano de 1916.
Nesta Conferência, Mary Richmond15 sugeriu a de-
nominação Trabalho Social para o Serviço Social e
trabalhadores sociais para os assistentes sociais.
É interessante observar a comparação que Marti-
nelli (2006, p. 119) faz entre o Serviço Social norte-
14 “Na América do Norte, o Serviço Social, especialmente o de Casos, deve a Mary Richmond seu conteúdo lógico e coerência interna” (LIMA, 1976, p. 53).
15 “Em 1917, Mary Richmond intenta ‘racionalizar’ esta assisten-cia dándole una visión ‘terapéutica’, considerando a la ‘cuestión social’ como una enfermedad, que necessitaba de diagnóstico y tratamiento, a partir del individuo” (FALEIROS, 1973, p. 18).
americano e o Serviço Social europeu. Depois de
1920, nos Estados Unidos, fortaleceu-se a Associa-
ção Nacional dos Trabalhadores Sociais, predomi-
nando a denominação de trabalhador social. Na
Europa foi diferente, o pensamento católico exercia
a sua hegemonia e permaneceu a denominação de
assistente social.16
OUTROS ELEMENTOS QUE AJUDAM
A COMPREENDER A ASSISTÊNCIA
A prática da assistência na sociedade medieval
era desenvolvida pelos príncipes e pela Igreja, e na
sociedade moderna, Juan Luis Vives, no século XVI,
implantou um sistema para corrigir os pobres dos
seus vícios.
No século XVIII e XIX, segundo Faleiros (2006, p.
182), foram instituídos na Inglaterra os “workhou-
ses” que davam trabalho aos pobres nos albergues,
uma vez que a assistência era vista como causadora
da preguiça.
Para Faleiros (2006, p. 187), em decorrência dos
desastres que a Primeira e a Segunda Guerras Mun-
diais (no século XX) causaram à humanidade, fo-
ram instituídas políticas sociais.
O reordenamento social dos anos 1990 passou
a exigir que o trabalhador acompanhe as inova-
ções tecnológicas e, em algumas situações, tenha
de comprar um computador e seus acessórios. Na
medida em que o avanço tecnológico tem concor-
rido para aumentar o desemprego, o domínio do
trabalho informatizado vai-se convertendo em um
critério de seleção.
Olhando a questão por outro prisma, são tenta-
doras as mercadorias sofisticadas expostas nas vitri-
nes do comércio e/ou nos engenhosos sites da inter-
net. Às vezes, o trabalhador, possuidor do cartão de
crédito eletrônico, é levado a comprar somente pelo
fascínio que exercem os produtos tecnológicos. En-
16 Maria Carmelita Yasbek faz uma distinção entre as escolas de Serviço Social europeias e as norte-americanas: “[...] dis-tinguem-se as escolas norte-americanas das europeias, que se caracterizam mais pelo ensino de matérias aplicadas à assistên-cia social que pelo ensino específico de cursos de Serviço Social [...]” (YASBEK, 1980, p. 50).
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56
Unidade Didática – Fundamentos Históricos e Teóricos do Serviço Social
quanto o trabalhador entra na onda do consumis-
mo, há uma grande massa de miseráveis vulnerável
às fragilidades da vida.
Além de tantos outros estigmas da pobreza, Fa-
leiros (2006, p. 184) chama a atenção para a classifi-
cação das pessoas em adaptadas e não adaptadas.
Os adaptados são os que têm trabalho e rece-
bem um salário mínimo ou reduzido que atende
às necessidades de habitação, saúde, alimentação e,
ainda, conseguem guardar um pouco na poupan-
ça “[...] além de respeitar às normas estabelecidas”
(FALEIROS, 2006, p. 184).
Os desadaptados são os que não cumprem as
normas sociais e vão para a criminalidade, droga,
antidepressivos “[...] ou por sua falta individual de
buscar trabalho (supondo-se que a oferta de traba-
lho exista para todos)” (FALEIROS, 2006, p. 184).
Aos desempregados abriu-se a via da informali-
dade no trabalho e ao empresário, a via da terceiri-
zação, contudo, no discurso neoliberal, o indivíduo
é o responsável pelo seu sucesso ou pelo seu insu-
cesso. Aqui cabe uma questão: em uma sociedade
na qual o desempregado não tem lugar, como lutar
para ampliar o mercado de trabalho?
Concluindo■■
Na Antiguidade, a assistência social era desenvol-
vida pelas “Confrarias do Deserto”, posteriormen-
te, elas se estenderam para as populações urbanas.
Nesse período, Platão, Sêneca e Cícero já apontavam
para a racionalização da assistência.
Os judeus dirigiam a assistência às viúvas, aos
órfãos e aos idosos, e os cristãos agregaram nessa
atividade a dimensão espiritual. No século XVII,
São Vicente de Paulo, na França, trouxe de volta o
modelo das confrarias para a assistência, e Frederi-
co Ozanam criou as Conferências de São Vicente de
Paulo, em Paris (1833). Na Revolução Francesa, no
século XVIII, o “Comitê de Mendicância” propôs a
assistência social como direito e dever do Estado.
Tanto o movimento operário como a burguesia
contribuíram para a assistência social especializa-
da. Em resposta à força política dos trabalhadores
organizados e ao seu posicionamento de classe (sé-
culo XIX), a burguesia inglesa aliou-se ao Estado e
à Igreja para criar a Sociedade de Organização da
Caridade.
A Sociedade entendia a necessidade de impe-
dir “as práticas de classe dos trabalhadores” e suas
“manifestações coletivas” para manter o controle da
questão social e alcançar o “funcionamento social
adequado”.
No final do século XIX e início do século XX, a So-
ciedade de Organização da Caridade era “a entidade
de maior porte no âmbito da assistência social”. A In-
glaterra foi pioneira em organizar a assistência social
e a Sociedade de Organização da Caridade inglesa, a
primeira da Europa. Nos Estados Unidos, Josephine
Shaw Lowell criou a primeira Sociedade de Organi-
zação da Caridade, em Nova York, em 1907.
As manifestações operárias e o interesse em es-
tabelecer um controle social dos trabalhadores le-
varam à criação das primeiras escolas de Serviço
Social na Europa e nos Estados Unidos, para espe-
cializar os trabalhadores da assistência social.
A primeira escola europeia de Serviço Social foi
criada em Amsterdã, Holanda, em 1899. Na Alema-
nha e na Inglaterra, em 1908. Na França, foram cria-
das duas escolas, uma, em 1911, de orientação cató-
lica, e outra, de orientação protestante, em 1913.
Depois da escola católica parisiense, surgiram os
“pequenos núcleos associativos de assistentes so-
ciais católicos”, que deram origem à União Católi-
ca Internacional de Serviço Social (UICSS), que se
transformou em um núcleo de sensibilização e mo-
bilização de leigos para a ação social. O pensamento
católico foi hegemônico no Serviço Social europeu
e no Serviço Social da América Latina.
Mary Richmond propôs uma escola para o en-
sino de Filantropia Aplicada, na Conferência de
Toronto, em 1897. A partir de suas ideias, em 1898,
foi realizado um “curso de aprendizagem da ação
social” que resultou na criação da primeira escola
de Filantropia Aplicada, em Nova York, no ano de
1899.
Ela influenciou os cursos regulares de formação
de agentes sociais voluntários, ministrados pela
Sociedade de Organização da Caridade, tendo por
BookUniderp63_ServSocial.indb 56 11/16/09 1:45:58 PM
57
aula 9 — A Assistência Social e o Serviço Social
objetivo preparar as visitadoras domiciliares. Para
Mary Richmond, a assistência social era reintegra-
dora e reformadora do caráter.
Depois de 1940, a Associação Nacional de
Trabalhadores Sociais, criada em Nova York, em
1920, encampou a Sociedade de Organização da
Caridade.
Nos Estados Unidos, a partir de 1920, fortale-
ceu-se a Associação Nacional dos Trabalhadores
Sociais, predominando a denominação de traba-
lhador social. Na Europa, o pensamento católico
foi hegemônico e permaneceu a denominação de
assistente social.
Atividades■■
Leia o texto da aula 9 e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Fale sobre a prática da assistência social da
Antiguidade até a Revolução Francesa.
2. Como se iniciou o movimento operário?
3. Como foi criada a Sociedade de Organização
da Caridade?
4. Fale sobre a criação das primeiras escolas eu-
ropeias de Serviço Social.
5. Discorra sobre os “pequenos núcleos associa-
tivos”.
6. Como foram criadas as primeiras escolas nor-
te-americanas de Serviço Social?
Referências■■
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aula 9 — A Assistência Social e o Serviço Social
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anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 60 11/16/09 1:45:59 PM
Fundamentos ■■
Históricos, teóricos e metodológicos do
serviço social
módulo
Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha
Professora Ma. Laura Márcia Rosa dos Santos
unidade didática – Fundamentos Históricos
e teóricos do serviço social
BookUniderp63_ServSocial.indb 61 11/16/09 1:45:59 PM
apresentação ■
Olá, acadêmico(a)!
Ao abordarmos os fundamentos históricos e metodológicos do Serviço Social II, nós acompanharemos o
século XX e seus grandes acontecimentos e a partir desses, analisaremos e desenvolveremos alguns métodos
aplicáveis ao nosso trabalho social.
De 1900 a 1950 houve na Europa a Primeira e Segunda Guerra Mundial e ainda, a Revolução Russa e a
Revolução Espanhola. Foram os maiores conflitos vivenciados pela humanidade moderna.
Acompanhar e entender esses fatos ocorridos em menos de 50 anos num mesmo continente, nos levará a
entender o absurdo das ações humanas e o sofrimento consequente. De 1959 aos dias atuais o crescimento
econômico é constante, mas a grande maioria, aquela quem mais contribui para esse desenvolvimento per-
maneceu esquecida e desamparada. O crescimento da economia a qualquer preço ou ao custo do sofrimento
humano apresenta a seguinte questão: Onde está a dignidade humana?
A América Latina passou pela ditadura de militares, inclusive o Brasil (1964 a 1978) e hoje excepcional-
mente Cuba ainda vive sob esse regime com Fidel Castro (1926) que permanece no poder desde 1959.
A partir dos anos 1950 uma grande desigualdade social se faz notar, assim como o surgimento de grandes
latifundiários. O sofrimento humano causado pela injustiça social da América Latina entre os anos 1960 e
1970, não está longe de uma solução. Atualmente vivemos na democracia, mas ainda há regiões de extrema
pobreza.
Assim sendo acadêmicos (as), vocês que já estudaram várias disciplinas como a filosofia, a sociologia, a an-
tropologia e psicologia social, terão agora condições de analisar os problemas sociais e aptos a desenvolverem
projetos de curto e longo prazo, voltados ao resgate da dignidade humana e melhoraria da qualidade de vida
das pessoas.
Boa sorte e vamos ao trabalho!
Professor Esp. Jorge Oliveira Rocha
Professora Ma. Laura Márcia Rosa dos Santos
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63
un
idad
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rico
s e
met
od
oló
gic
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do
ser
viço
so
cial
AULA
1as origens teóricas das ciências sociais
Conteúdo■■
Revolução Francesa: O Iluminismo•
A República Francesa•
Auguste Comte: A Sociologia e o Positivismo•
A fenomenologia•
Karl Marx: O Marxismo•
Competências e habilidades■■
Compreender os problemas sociais à época da Revolução Francesa•
Identificar as condições da população à época do surgimento da Sociologia e do Positivismo •de August Comte
Compreender a situação socio-política e econômica que levaram ao surgimento do Marxis-•mo e sua influência no Serviço Social
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO: A CONSTRUÇÃO
DO CONHECIMENTO
As condições de emergência do Serviço Social, de
modo geral, conduziram a uma profissão de caráter
interventivo sem grande recurso a referenciais teó-
ricos no seu início, mas que, ao longo do tempo, se
apropriou de uma rica referência teórica vinda das
ciências sociais. Mas isso não constituía um pilar
para a construção do conhecimento, uma vez que
Kameyama (1998, p. 35) assinala que “a formação
dos assistentes sociais como profissionais, dado o
seu caráter interventivo, privilegiou fundamental-
mente o aspecto técnico-operativo, em detrimento
da produção do conhecimento”.
Nesse contexto, a profissão se insere na divisão
sócio-técnica do trabalho, desenvolve um processo
de trabalho que implica na delimitação de um ob-
jeto específico: as múltiplas expressões da Questão
Social. Pois, a ela é exigida a capacidade de resposta
imediata a questões urgentes, não sendo assim re-
conhecida a necessidade, nem a legitimidade, dela
participar do estudo das condições e contradições
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64
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
sociais e políticas no seio das quais se desenvolvia a
sua prática, conduzindo ao seu quase afastamento
dos domínios da produção teórica. Assim sendo,
o assistente social intervinha sobre o social sem
que esse processo o conduzisse à elaboração de um
discurso analítico e crítico ou a uma prática que
levasse em conta as antinomias estruturais em que
operava.
Nessa perspectiva de apresentar o rumo que
as ações do Serviço Social seguiram do ponto de
vista teórico e metodológico, demonstraremos os
acontecimentos históricos que deram origem às
teorias das ciências sociais que, posteriormente,
tornaram-se a base teórica do Serviço Social.
REVOLUÇÃO fRANCESA: O ILUMINISMO
Com o crescimento econômico da Inglaterra, a
França, que demorou mais a assumir a industria-
lização, entrou em crise com a concorrência dos
produtos ingleses. Uma estiagem vem agravar a
situação, diminuindo a produção interna francesa
de alimentos, chegando à fome, à miséria. O povo
sofre com o pagamento dos pesados impostos e
com os abusos do absolutismo do rei Luis XVI –
(1754–1793).
Os burgueses detêm o poder econômico, mas
perdem as disputas políticas para a nobreza e o cle-
ro que se aliaram. A burguesia almeja o poder po-
lítico, a liberdade econômica e a ascensão social e,
estimulada pelos ideais do iluminismo, revolta-se
contra a dominação da minoria (nobreza e clero).
A ideologia liberal francesa é considerada res-
ponsável pela queda deste sistema colonial, abso-
lutista e de controle do Estado sobre as atividades
produtivas, o que vem a criar um ambiente propício
ao surgimento de ideias iluministas, que reforçam a
proposta liberal e falam em igualdade de direitos.
Filósofos como Voltaire, Rousseau, Diderot
anunciam um mundo novo com base na vontade
da maioria, na igualdade perante a lei e na liberda-
de individual, o que desencadeia um processo de
modificações políticas que culminam com a Revo-
lução Francesa.
O ILUMINISMO
O Iluminismo é uma doutrina de natureza místi-
co-religiosa, que se tornou um movimento cultural-
filosófico no decorrer do século XVIII, chamado de
“Século das Luzes”. Pode ser considerado um esfor-
ço consciente de valorização da razão e abandono
de preconceitos tradicionais, especialmente no que
diz respeito à liberdade de pensar. É a passagem do
pensamento humano da tutela da fé religiosa para
a razão natural, dando origem a uma nova postura
filosófica e uma nova postura científica.
Immanuel Kant une esses dois caminhos (da fé
e da razão) dizendo que o conhecimento é um ato
único com duas dimensões: uma empírica, outra
teórica.
O Iluminismo teve representantes das mais va-
riadas correntes, humanistas, naturalistas e criti-
cistas, entre eles Voltaire, Diderot e Kant.
A REPÚBLICA fRANCESA
O poder absoluto do rei sufocava a nação. Não
havia liberdade religiosa e nem de imprensa, e era
adotada a tortura. O princípio da desigualdade
imperava. O alto clero era constituído exclusiva-
mente de nobres. A nobreza gozava de numerosos
privilégios. Suas propriedades conservavam, ain-
da, os direitos feudais (contribuição em gênero ou
trabalho, pagamento pelo uso de moinhos, fornos
e outros). A população se envolvia em revoltas em
Paris e no interior, desencadeadas pelo aumento
do preço do pão, que culminaram com a queda da
Bastilha, prisão símbolo do Absolutismo, em 14 de
julho de 1789. Grande parte da nobreza emigra e,
em 4 de agosto do mesmo ano, a Constituinte su-
prime o sistema feudal.
Ainda sob o impacto dos acontecimentos de ju-
lho, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou,
em 26 de agosto de 1789, a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, segunda a qual todos os
homens possuem direitos naturais, inalienáveis e
sagrados à liberdade, à propriedade, à segurança e à
resistência à opressão, o que pode ser considerada a
grande conquista da Revolução Francesa.
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65
aula 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais
Em setembro de 1791 fica pronta a Constituição
que institui a monarquia parlamentar, a igualdade
civil. Confisca os bens da Igreja e proíbe greves e
associações operárias. Luiz XVI tenta reverter a si-
tuação, mas é preso e, em 20 de setembro de 1792,
Marat, Robespierre e Danton assumem o governo.
O ideal de liberdade, igualdade e fraternidade
proclamado pela Revolução Francesa abre caminho
para o capitalismo industrial francês, garantido na
Constituição de 1795, que consolida as aspirações
da burguesia centrada em “garantir a propriedade
do rico, a existência do pobre, o usufruto do ho-
mem industrioso e a segurança de todos”.
As ideias iluministas trazem para a sociedade da
época uma nova visão de mundo, libertando o pen-
samento humano da tutela da fé religiosa e dando
espaço para a razão.
AUGUSTE COMTE: A SOCIOLOGIA
E O POSITIVISMO
Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montellier,
França. Era de família católica e monarquista. Viveu
a infância na França napoleônica. Estudou no
colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola
Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de
quem sofreu forte influência. Devotou seus estudos
à filosofia positivista, considerada por ele uma
religião, da qual era pregador.
Segundo sua filosofia política, existia três esta-
dos: um teológico, outro metafísico, e um posi-
tivo. Este último representava o coroamento do
progresso da humanidade. Distinguia as ciências
de abstratas e concretas, sendo a mais complexa e
profunda a Sociologia, ciência que batizou em sua
obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes,
publicada entre 1830 e 1842.
Publicou também: Discurso sobre o conjunto do
positivismo, Sistema de política positiva, Catecismo
positivista e Síntese subjetiva.
Identificou na sociedade dois movimentos vi-
tais: chamou de dinâmico o que representava a
passagem para formas mais complexas de existên-
cia, como a industrialização; e de estático o res-
ponsável pela preservação dos elementos perma-
nentes de toda ORGANIZAÇÃO SOCIAL.
As instituições que mantêm a coesão e garantem
o funcionamento da sociedade – por exemplo: fa-
mília, religião, propriedade, linguagem, direito etc.
– seriam responsáveis pelo movimento estático da
sociedade. Comte relacionava os dois movimentos
vitais de modo a privilegiar o estático sobre o dinâ-
mico, a conservação sobre a mudança. Isso signifi-
cava que, para ele, o progresso deveria aperfeiçoar
os elementos da ordem e não destruí-los.
Assim se justificava a intervenção na sociedade
sempre que fosse necessário assegurar a ordem ou
promover o progresso. A existência da sociedade
burguesa industrial era defendida tanto em face dos
movimentos reivindicativos que aconteciam em seu
próprio interior quanto em face da resistência das
sociedades agrárias e pré-mercantis em aceitar o
modelo industrial e urbano.
O Positivismo de Comte foi a primeira corrente
teórica sistematizada de pensamento sociológico; a
primeira a definir precisamente o objeto, a estabe-
lecer conceitos e uma metodologia de investigação.
Além disso, o positivismo, ao definir a especifici-
dade do estudo científico da sociedade, conseguiu
distinguir-se de outras ciências estabelecendo um
espaço próprio à ciência da sociedade.
O positivismo derivou do “cientificismo”, isto é,
da crença no poder exclusivo e absoluto da razão
humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a
forma de leis naturais. Essas leis seriam a base da re-
gulamentação da vida do homem, da natureza como
um todo e do próprio universo. Seu conhecimento
pretendia substituir as explicações teológicas, filo-
sóficas e de senso comum por meio das quais – até
então – o homem explicava a realidade.
Época histórica:
Rápida evolução do conhecimento das ciências •naturais – física, química, biologia.
O visível sucesso de suas descobertas no incre-•mento da produção material e controle das for-
ças da natureza atraíram os primeiros cientistas sociais para o seu método de investigação.
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66
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
Essa filosofia social positivista se inspirava no
método de investigação das ciências da natureza,
assim como procurava identificar na vida social as
mesmas relações e princípios com os quais os cien-
tistas explicavam a vida natural.
A sociedade era concebida como um organismo
constituído de partes integradas e coesas que fun-
cionavam harmonicamente, segundo um modelo
físico ou mecânico. Por isso o positivismo foi cha-
mado de ORGANICISMO.
O primeiro princípio teórico é:A tentativa de constituir seu objeto, pautar seus •métodos e elaborar seus conceitos à luz das ciências naturais, procurando dessa maneira chegar à mesma objetividade e ao mesmo êxi-to nas formas de controle sobre os fenômenos estudados.
O positivismo não apenas afirma a unidade do
método científico e o primado desse método como
instrumento cognoscitivo, mas também exalta a
ciência como o único meio em condições de resol-
ver, ao longo do tempo, todos os problemas huma-
nos e sociais que, até então, haviam atormentado a
humanidade.
Consequentemente, a era do positivismo é época
perpassada por otimismo geral, que brota da certeza
de progresso irrefreável, por vezes concebido como
fruto da engenhosidade e do trabalho humano e,
por vezes, ao contrário, visto como necessário e au-
tomático rumo às condições de bem-estar genera-
lizado em uma sociedade pacífica e penetrada pela
solidariedade humana.
A fENOMENOLOGIA
De acordo com Silva (2004), a fenomenolo-
gia teve sua origem na Filosofia de Husserl e entre
seus seguidores pode-se citar Heidegger, Jaspers,
Sartre e Merleau-Ponty. Husserl estava interessado
em estudar a intencionalidade e como ela integra a
consciência e o objeto. Para ele a intencionalidade é o
ato de dar um significado, um sentido, encontrar uma
referência de ligação, o elo entre o ser e a realidade,
isto ocorre na consciência do indivíduo. O fenômeno
integra a consciência e a realidade, e a fenomenologia
é o estudo que quer saber como o indivíduo perce-
be o fenômeno. Se o fenômeno integra a consciência
do indivíduo e a realidade (mundo exterior), a feno-
menologia está interessada em saber também como
o indivíduo se percebe. Em função da somatória de
percepções que o indivíduo tem da realidade ele for-
mará o que os fenomenologistas chamam de campo
perceptual. Husserl estava interessado em entender as
coisas através do mundo sensível e não suprassensí-
vel, em entender as coisas a partir das vivências dos
indivíduos e como esses estabeleciam os significados
para suas vivências. A realidade está dada. O ser hu-
mano, com os componentes essenciais de seu sistema
nervoso como a memória, o raciocínio hipotético
dedutivo, a imaginação, a criatividade, suas emoções,
suas intuições e os limites do seu conhecimento acu-
mulado, procura exatamente a compreensão da rea-
lidade. A ignorância o torna inseguro quando a reali-
dade lhe provoca um novo desafio para aprender. Ele,
muita vezes, enxerga esse desafio como ameaça. Essa
forma de encarar aprendizagem é substancialmente
fenomenológica, subjetiva. O que é subjetividade?
Inicialmente penso em propor o que é essa subjetivi-
dade dentro da ótica do nosso discurso e sua relação
com certa denominação de objetividade.
O ser humano é o ser vivo mais complexo do
planeta. Seu comportamento é multideterminado.
Essa afirmação de que o ser humano é multideter-
minado apresenta já em si uma parte dessa com-
plexidade. Quando se fala de determinação quer se
encontrar exatamente objetividade. A ciência que
se construiu nesses últimos séculos queria e quer
exatamente ser a mais objetiva possível, e para isso
desenvolve uma metodologia capaz não somente
de explicar os fenômenos, mas de controlá-los. E
para controlá-los seria preciso conhecer seus pro-
cessos, funcionamentos, ou em alguns casos, as
leis que regem sua ordenação. O comportamento
humano, com toda sua variabilidade, síntese das
motivações internas e externas (de cunho social) é
alvo de uma ciência que procura construir leis que
possam explicar muito bem seu funcionamento
(SILVA, 2004).
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67
aula 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais
Mas, na formulação desse projeto científico, ao
elaborar algumas leis, restringe-se ou parcializa-se
essa mesma explicação. Todas as correntes de pen-
samento científico continham esse fim, e o apogeu
dessa forma de pensar o comportamento humano
ocorreu no final do século XIX e começo do século
XX, nas teorias positivistas de Pavlov, Wundt, Skin-
ner, Watson, Binet e Thorndike. Esses pesquisadores
aproveitaram o modelo das ciências naturais para
poder construir um conhecimento que tivesse um
status a altura dessas ciências. Para isso construíram
laboratórios e procuraram encontrar o que é men-
surável e constante no comportamento humano. O
conceito de objetividade nas ciências formais requer
sempre o uso de uma lógica, e essa lógica quer esta-
belecer uma ordem. Ou seja, todo pensamento in-
tuitivo deve ser descartado (SILVA, 2004).
O que se precisa na ciência é de construções hi-
potéticas cada vez mais próximas da realidade dos
fenômenos. Outros autores influenciados também
pelo positivismo, pensando aqui o positivismo como
uma preocupação em construir, empiricamente e
quantitativamente uma ciência do comportamento
humano, não se preocuparão com mensuração, ou
um laboratório no sentido clássico do termo, mas
foram buscar uma compreensão dos mecanismos
mentais e sua relação com o meio. William James,
psicólogo americano, afirmava que eram necessá-
rios diferentes modelos para investigar diferentes
tipos de comportamentos e seus resultados. James
estava interessado na consciência e seu funciona-
mento (SILVA, 2004).
Silva (2004) informa que, para ele, o pensamento
é fruto das percepções humanas e de como se elabo-
ra, através do próprio conhecimento, essas mesmas
percepções. Segundo James, o pensamento humano
é multideterminado e flui em diferentes posições, o
que permanece com um fluxo de constância mais
permanente seria a dinâmica da personalidade hu-
mana. Para James, vida subjetiva seria exatamente
a fluidez da consciência e toda sua singularidade.
Outro fator primordial para James seria o papel das
escolhas no desenvolvimento mental. A mente está
em constante processo de seleção entre as percep-
ções que mantém. Essas escolhas individuais são
as caracterizações das subjetividades, as sínteses da
consciência em relação às ações humanas. A ciên-
cia que tem como objetivo encontrar as determi-
nações esbarraria exatamente nessa subjetividade.
As resistências ou as predisposições para mudanças
na forma de pensar e agir estariam envolvidas num
conjunto de fatores que estão extremamente envol-
vidos e não é apenas identificando uma única causa
que estaríamos identificando ou “controlando” um
comportamento. Para James, o ser humano se com-
porta a partir de hábitos que se arraigam à dinâmi-
ca de funcionamento da mente, criando rotinas no
fluxo da consciência e produzindo a necessidade de
identidade de todo ser humano (SILVA, 2004).
Um aspecto essencial para a construção da sub-
jetividade em James seria o conceito de vontade.
Como o ser humano desenvolve sua vontade e
como estabelece suas metas marcarão sua persona-
lidade. Quando as pessoas sabem lidar com as suas
vontades, elas têm mais chances de encontrar um
equilíbrio mental (SILVA, 2004).
A fenomenologia está também em uma das mais
importantes correntes de pensamento, o Humanis-
mo. O Humanismo é essencialmente fenomenológi-
co. Os humanistas não compreendem o ser humano
a partir de uma visão mecanicista. Compreendem o
ser humano como um ser que evolui, procurando
construir valores, realização pessoal e bem-estar no
mundo. Rogers, Maslow e Combs são os represen-
tantes maiores dessa corrente de pensamento (SIL-
VA, 2004).
KARL MARX: O MARXISMO
Karl Marx fundou o materialismo histórico, a
corrente mais revolucionária do pensamento social
nas consequências teóricas e na prática social que
propõe. É também um dos pensamentos mais di-
fíceis de compreender, explicar ou sintetizar, pois
Marx produziu muito, suas ideias se desdobraram
em várias correntes e foram incorporadas por inú-
meros teóricos.
Nasceu em Trier, em 15 de maio de 1818, pai ad-
vogado e mãe dona de casa, de origem judaica. Po-
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
rém, entre 1816 e 1817, devido às leis antissemitas
em vigor na Renânia, seu pai teve de escolher entre
a religião e a profissão de advogado, e escolheu a
profissão. Fez seus estudos secundários em Trier e
depois foi para Bonn estudar leis e, devido à vida
que levava, seu pai o transferiu para a Universida-
de de Berlim. Doutorou-se em Filosofia com a tese
Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito
e a de Epicuro.
Depois de laureado, Marx pensou em obter a
livre-docência em Bonn, onde ensinava seu amigo
Bruno Bauer. Mas Bauer, “o Robespierre da teo-
logia”, foi logo afastado da universidade. E, assim,
como Bauer não podia apoiá-lo, encerrou-se a car-
reira acadêmica de Marx. Assim, Marx passou ao
jornalismo, tornando-se redator da Gazeta Rena-
na, órgão dos burgueses radicais da Renânia, onde
escreviam homens como Herwegh, Ruge, Bruno
Bauer e seu irmão Edgar, bem como Moses Hess.
Em pouco tempo, Marx tornou-se redator-chefe
do jornal. Entretanto, em 21 de janeiro de 1843, o
jornal foi oficialmente interditado. Nesse período,
Marx estudou Feuerbach, e ficou entusiasmado. No
verão de 1843, escreveu a Crítica do direito público
de Hegel, cuja introdução foi publicada em Paris,
em 1844, nos Anais franco-alemães, fundados por
Ruge, que convidou Marx para ser codiretor.
Em Paris, Marx entrou em contato com Prou-
dhon e Blanc, encontrou Heine e Bakunin e, sobre-
tudo, conheceu Friedrich Engels, que seria seu ami-
go e colaborador por toda a vida.
De 1844 são seus Manuscritos econômico-filosófi-
cos (publicados em 1932). Nesse meio tempo, cola-
borou com o Vorwarts (“Avante”), jornal dos arte-
sãos comunistas, difundido na Alemanha. E preci-
samente por essa colaboração pagaria o preço de ser
expulso da França (11 de janeiro de 1845).
Entrementes, amadurecia seu afastamento da es-
querda hegeliana. Em 1845 escreveu A sagrada famí-
lia, trabalho em colaboração com Engels e dirigido
contra Bruno Bauer e os hegelianos de esquerda.
Ainda contra eles, Marx e Engels escreveram em
Bruxelas (onde Marx se havia refugiado depois de
sua expulsão da França) A ideologia alemã. As teses
sobre Feuerbach remontam a 1845 (mas Engels só as
tornou públicas em 1888), ao passo que A miséria da
filosofia, resposta à filosofia da miséria de Proudhon,
é de 1847, escrito no qual Marx ataca o ‘socialismo
utópico’ em nome do ‘socialismo científico’. Marx
permaneceu na Bélgica até 1848. E foi em janeiro de
1848 que ele ditou, juntamente com Engels, o famo-
so Manifesto do Partido Comunista, a pedido da ‘Liga
dos comunistas’ (REALE; ANTISERI, 2003).
Desencadeado o movimento de 1848, Marx vol-
tou por breve período à Colônia, onde fundou a
Nova Gazeta Renana, que, porém, foi obrigada qua-
se que imediatamente a suspender suas publicações
(REALE; ANTISERI, 2003).
De Colônia voltou para Paris, mas, tendo-lhe
sido proibida a permanência na capital francesa,
Marx partiu para a Inglaterra, lá chegando em 24 de
agosto de 1849. Na Inglaterra, Marx se estabeleceu
em Londres, onde, entre dificuldades de toda sorte,
conseguiu, com a ajuda financeira do seu amigo En-
gels, levar a bom termo todas aquelas pesquisas de
Economia, História, Sociologia e política que cons-
tituem a base de O Capital, cujo primeiro volume
saiu em 1867, ao passo que os outros dois foram
publicados postumamente por Engels, respectiva-
mente em 1885 e em 1894. Em 1859, saíra sua outra
obra fundamental, a Crítica da economia política.
Empenhado na atividade de organização do movi-
mento operário, Marx conseguiu fundar, em 1864,
em Londres, a Associação Internacional dos Traba-
lhadores (a Primeira Internacional), que, depois de
vários contrastes e peripécias, dissolveu-se em 1872
(ainda que, oficialmente, sua dissolução só tenha
sido decretada em 1876). A última década da vida
de Marx também foi período de intenso trabalho
(REALE; ANTISERI, 2003).
Em 1875 publicou a Crítica ao programa de Go-
tha, tomando como alvo as doutrinas de Lassalle.
Mas, mais do que qualquer outra coisa, trabalhou
em O Capital. Karl Marx morreu em 14 de março de
1883, sendo sepultado três dias depois no cemitério
londrino de Highgate (REALE; ANTISERI, 2003).
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69
aula 1 — As Origens Teóricas das Ciências Sociais
“O valor da força de trabalho é o valor dos meios de
subsistência necessários para a conservação do pos-
suidor da força de trabalho”. O uso da força de tra-
balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é
propriedade não do trabalhador, mas do capitalista.
Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis
horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita-
lista despende para o salário, o produto das outras
seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se
apropria. Este valor que passa para as mãos do capi-
talista é a mais-valia (REALE; ANTISERI, 2003).
Para Marx, a estrutura econômica determinou a
estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas,
morais, políticas, jurídicas, entre outras. Em outras
palavras, para Marx, a economia determina tudo o
que ocorre na sociedade. Para Marx, existe um pro-
blema gravíssimo na troca de valor entre o trabalho
realizado (mão de obra) e o que é pago para quem de-
tém a mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão
de obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
obra em si mesma (REALE; ANTISERI, 2003).
Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
do produto que produz, assim o lucro fica na in-
dústria (com o industrial). O operário recebe uma
troca pela sua mão de obra, o necessário mínimo
para a sobrevivência de si e de sua família. A mão
de obra ou a força de trabalho irá produzir a ‘mais
valia’. O lucro real que existe entre a mão de obra,
Marx chama de ‘mais valia’, o industrial investe na
sua indústria, assim a indústria cresce cada vez mais
porque acumula a riqueza deixada pelo operário.
Essa riqueza acumulada, Marx chamou de ‘mais va-
lia’. Para Marx, a única solução pra sair desse círculo
onde só o industrial agrega lucros é a revolução das
massas, onde os operários, unidos, irão lutar pelos
seus direitos (REALE; ANTISERI, 2003).
imPortante !As informações ora apresentadas referentes
ao Positivismo, à Fenomenologia e ao Marxis-
mo são apenas tópicos introdutórios que serão
aprofundados no decorrer da explanação da
disciplina.
Para Marx, o homem não é alienado; ele vive hu-
manamente, quando pode humanizar a natureza,
junto com os outros, conforme uma ideia própria.
O que distingue o pior arquiteto em relação à me-
lhor abelha, – conforme descrito em O Capital – é
o fato de que o arquiteto construiu o casulo em sua
cabeça antes de construí-lo de cera. O capitalismo,
que se funda sobre a propriedade privada, faz do
operário uma mercadoria nas mãos do proprietá-
rio. A alienação do trabalho consiste antes de tudo
no fato de que o trabalho é externo ao operário, ou
seja, não pertence a seu ser e, portanto, em seu tra-
balho ele não se afirma, mas se nega, sente-se não
satisfeito mas infeliz, não desenvolve livre energia
física e espiritual, mas desgasta seu corpo e destrói
seu espírito (REALE; ANTISERI, 2003).
O materialismo histórico é a teoria segundo a
qual a estrutura econômica determina a superestru-
tura das ideias. De acordo com Marx, “O moinho
movido a água vos dará a sociedade com o senhor
feudal, e o moinho a vapor a sociedade com o capi-
talista industrial”. Ou ainda: “Não é a consciência
dos homens que determina seu ser, mas é, ao con-
trário, seu ser social que determina sua consciência”.
Isto escreveu Marx no prefácio de a Crítica da eco-
nomia política. E, por último, “as ideias dominantes
de uma época, afirmam Marx e Engels, sempre fo-
ram apenas as ideias da classe dominante (REALE;
ANTISERI, 2003).
No materialismo dialético, Marx inverte a dialéti-
ca hegeliana, pondo-a em pé. Hegel aplicava o movi-
mento dialético ao ‘processo do pensamento’; Marx
o remete ao mundo da história real e concreta, a das
necessidades econômicas e sociais, dos homens.
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida-
de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem
da sociedade capitalista para a comunista (REALE;
ANTISERI, 2003).
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um
dos conceitos fundamentais da economia marxista
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi-
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.),
também o capital variável, isto é, a força de trabalho.
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
Atividades■■
Em grupo de no máximo cinco pessoas, trocar
ideias sobre estes pontos. O importante é poder
entender cada realidade a partir de hoje.
Iluministas, quem foram, qual o papel dessas ideias?
Por que houve a Revolução Francesa? Quem fo-
ram os protagonistas dessa Revolução?
O que é fenomenologia? Qual a contribuição
dessa corrente de pensamento para o Serviço So-
cial?
O que é marxismo? Será que as ideias de Marx
podem ensinar-nos alguma coisa? As ideias de
Marx ainda sobrevivem?
anotaçÕes *
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71
aula 2 — Alguns Elementos Teóricos
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
nd
amen
tos
teó
rico
s e
met
od
oló
gic
os
do
ser
viço
so
cial
AULA
2alguns elementos teóricos
Conteúdo■■
Encíclica • Rerum Novarum: Papa Leão XIII
Neotomismo•
Émile Durkheim: Coerção social•
O método sociológico de Durkheim•
Competências e habilidades■■
Compreender a influência e a importância da Encíclica • Rerum Novarum na formulação de políticas protetivas aos trabalhadores
Compreender que as funções do tomismo na formação de magistrados, homens políticos, •diretores de obras sociais
Conhecer a filosofia de Durkheim e sua influência na sociologia•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
ENCíCLICA RERUM NOVARUM: PAPA LEÃO XIII
Em 1891, quando a Rerum Novarum foi escrita,
o mundo presenciava a Revolução Industrial, que
se espalhava pela Europa, América e Ásia: Bélgica,
França, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Japão,
Rússia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de
produção se desenvolve, as ferrovias se expandem;
surgem novas formas de energia, como a hidrelétri-
ca e a derivada do petróleo. O transporte também
se revoluciona, com a invenção da locomotiva e do
barco a vapor.
A Revolução Industrial concentrou os trabalha-
dores nas fábricas. O aspecto mais importante, que
trouxe radical transformação no caráter do traba-
lho, foi esta separação: de um lado, capital e meios
de produção (instalações, máquinas, matéria-pri-
ma); de outro, o trabalho. Os operários passaram a
ser assalariados dos capitalistas (donos do capital).
Uma das primeiras manifestações da Revolução
foi o desenvolvimento urbano. Londres chegou ao
milhão de habitantes em 1800. O progresso des-
locou-se para o Norte; centros como Manchester
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72
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
abrigavam massas de trabalhadores, em condições
miseráveis. Os artesãos, acostumados a controlar o
ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se
à disciplina da fábrica. Passaram a sofrer a concor-
rência de mulheres e crianças. Na indústria têxtil do
algodão, as mulheres formavam mais da metade da
massa trabalhadora. Crianças começavam a traba-
lhar aos 6 anos de idade. Não havia garantia contra
acidente nem indenização ou pagamento de dias
parados neste caso.
A mecanização desqualificava o trabalho, o que
tendia a reduzir o salário. Havia frequentes paradas
da produção, provocando desemprego. Nas novas
condições, caíam os rendimentos, contribuindo
para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao
alcoolismo. Outros se rebelavam contra as máqui-
nas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e
em Lancashire (1779). Proprietários e governo or-
ganizaram uma defesa militar para proteger as em-
presas.
A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra
na segunda metade do século XVIII e encerrou a
transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de
acumulação primitiva de capitais e de preponde-
rância do capital mercantil sobre a produção. Com-
pletou ainda o movimento da revolução burguesa
iniciada na Inglaterra no século XVII.
Após a Revolução Industrial, os trabalhadores
não eram mais os “donos” do processo. Eles passa-
ram a trabalhar para um patrão como operários ou
empregados. A matéria-prima e o produto final não
lhes pertenciam mais. Esses trabalhadores passaram
a controlar máquinas que pertenciam ao empre-
sário, dono dos mecanismos de produção e para o
qual se destinava o lucro. Pelo fato do trabalho ser
realizado com máquinas, tornou-se conhecido por
maquinofatura.
A Revolução Industrial trouxe grandes transfor-
mações e muitas conquistas no desenvolvimento
da produção, mas também proporcionou aos tra-
balhadores uma espécie de escravismo, no qual o
trabalhador era ferido em sua dignidade, por causa
das condições sub-humanas a que eram submeti-
dos. Diante dessas circunstâncias, a Igreja sentiu-
se desafiada a lutar contra a opressão capitalista,
em defesa dos trabalhadores. Assim, surge a Rerum
Novarum, em 15 de maio de 1891, escrita pelo
Papa Leão XIII, criticando enfaticamente a falta de
ética e justiça social na vida industrial e socioeco-
nômica, visto que também discorre sobre melhor
distribuição de riquezas.
A partir da Rerum Novarum, a Igreja passou a
se preocupar com as condições de trabalho, cujas
orientações expressas reforçam o empenho de ani-
mação cristã da vida social, que se manifestou no
nascimento e na consolidação de numerosas ini-
ciativas de alto caráter civil, com o surgimento de
centros de estudos sociais, associações, sociedades
operárias, sindicatos, cooperativas, entre outros,
que, por sua vez, impulsionaram a legislação tra-
balhista à proteção dos operários, principalmente,
das mulheres e crianças, na instrução e melhora dos
salários e da higiene.
A Rerum Novarum enumera os erros que provo-
cam o mal social, exclui o socialismo como remé-
dio e expõe a opinião da doutrina católica sobre o
trabalho, sobre o direito de propriedade, sobre o
direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e
sobre as obrigações dos ricos, entre outras coisas,
tornando-se a carta magna da atividade cristã no
campo social. Seu tema central é a instauração de
uma ordem social mais justa. Não é sem motivo
que os princípios firmados pela Rerum Novarum
foram retomados e aprofundados pelas encíclicas
sociais sucessivas, como a Quadragesimo Anno e
outras.
NEOTOMISMO
A situação de extrema miséria e exploração, de-
corrente da industrialização precipitada no desen-
volvimento do capitalismo, leva a Igreja Católica
a se posicionar em defesa dos excluídos, tendo em
vista sua missão de encaminhar o homem à con-
quista da felicidade eterna e cumprir sua tarefa de
dar glória à Deus.
Segundo a Encíclica Rerum Novarum de Leão
XIII, a Igreja aponta como causa da situação trágica
e decadente do povo o liberalismo e o socialismo. O
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73
aula 2 — Alguns Elementos Teóricos
liberalismo pelo individualismo que prega e o so-
cialismo pela exortação à luta de classes.
O erro do capital na questão presente é crer que as
duas classes são inimigas natas uma da outra, como
se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres
para se combaterem mutuamente num duelo obs-
tinado (Rerum Novarum, no11, p. 16 e 17).
Com base na filosofia tomista a Igreja propõe-se
a enfrentar a situação.
Tomismo é a filosofia expressa por Santo Tomás
de Aquino no século XIII, também chamada de
Filosofia Cristã ou Filosofia Perene. Com base em
Aristóteles, que defendia a ideia de que são duas as
situações de existência – “existir em ato ou em po-
tência”, isto é, a criança é criança em ato e adulto em
potência ou, a árvore existe em potência na semente
e em ato na planta – Santo Tomás considera que “a
criação divina é exatamente a responsável pela exis-
tência das coisas, que existiam apenas potencial-
mente, enquanto pensamento divino”. Considera,
ainda, que “o homem é naturalmente um animal
social”. Ligada à definição de homem como ser so-
cial está, também, a de sociedade. Para Santo Tomás
a sociedade deve visar o bem comum e “toda forma
de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar
a Deus; toda forma de governo, desde que garanta
os direitos da pessoa e o bem da comunidade, é boa
[...]”. O Estado deve respeitar a Igreja, não deve exis-
tir conflito entre fé e razão.
Depois de marcar por muito tempo a história
filosófica do homem, o tomismo perdeu sua força
e só no final do século XIX e início do século XX
retornou na chamada Corrente Progressista. Fazem
parte desta corrente: Mercier, Sertillanges e Jacques
Maritain.
Mercier recebe do Papa Leão XIII a responsabili-
dade pela cadeira de Filosofia Tomista na Universi-
dade de Louvain e, por meio dessa universidade, o
tomismo começa a irradiar sua força. O tomismo
tinha a função de ir além do círculo eclesiástico e
formar não só padres, mas também magistrados,
homens políticos, diretores de obras sociais. Esses
progressos foram chamados de neotomismo.
Foi também o Cardeal Mercier que levou a filo-
sofia de Santo Tomás para o campo social, por meio
do Código de Malinas elaborado pela União Cató-
lica Internacional de Estudos Sociais, fundada em
1920, pelo Cardeal Mercier em Malinas – Bélgica.
O Código de Malinas contribuiu para a restauração
do neotomismo, que marcou sua presença na ação
social desenvolvida pelos cristãos. O principal ob-
jetivo da União Católica Internacional de Estudos
Sociais era “o estudo dos problemas sociais à luz da
moral católica”.
O Código considera:
a) o homem é criado à imagem e semelhança de
Deus;
b) o homem é um ser social, não se basta sozinho;
c) o filósofo cristão deve ater-se, fortemente, à dig-
nidade da pessoa humana e à necessidade da so-
ciedade para seu desenvolvimento integral;
d) a economia e a moral estão ligadas.
Assim, a Igreja, como guarda da moral, deve exer-
cer uma fiscalização legítima sobre a vida econômi-
ca. Daí, os primeiros assistentes sociais, marcados
pela filosofia de Santo Tomás, manterem a posição
de não questionar a ordem vigente e a preocupação
em controlar a vida econômica das pessoas por eles
atendidas.
EMILE DURKHEIM: COERÇÃO SOCIAL
Evidentemente que o que une as ciências huma-
nas é exatamente seu objeto de estudo comum, que
é o ser humano em suas diversas dimensões. A An-
tropologia, a Psicologia, a História, a Linguística, a
Economia e a Sociologia formam campos específi-
cos de análise das questões referentes ao homem.
De um modo geral, o humano como objeto de
investigação científica tem cinco séculos de história.
Nasceu com o Humanismo, no século XV, e perpas-
sou pelo Positivismo, no século XIX, e o Historicis-
mo, do final do século XIX e início do século XX.
A Sociologia, entretanto, permaneceu embrioná-
ria durante um longo período, talvez pela percepção
tradicional dos pensadores de que a sociedade era
basicamente um produto da ação humana, fruto,
pois, da arte e da reflexão das pessoas. Havia um
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
certo consenso em relação a este pressuposto ra-
cionalista em que o coletivo seria uma construção
deliberada de um grupo segundo Rousseau, ou obra
de um só, segundo Hobbes. A percepção de Aristó-
teles de que a sociedade deveria ser vista e estudada
como um fato natural, e, portanto, deveria ser regi-
da pelas mesmas leis da natureza, apenas foi encon-
trar eco significativo com Montesquieu em meados
do século XVIII.
Contudo, apenas no século XIX e principalmente
a partir do trabalho de Augusto Comte é que são
fundadas propriamente as bases da Sociologia. Se-
gundo Comte, as leis sociais são fundamentalmente
leis naturais. A partir desta pressuposição advoga
que a sociedade é uma espécie de organismo vivo
e os fenômenos sociais, sendo em sua essência fatos
naturais, devem poder ser analisados à luz das leis
e métodos naturais. Assim como existe a física da
natureza, deve haver uma física social que explique
o comportamento do agregado dos indivíduos, que
é a sociedade, e esta física social seria exatamente
a Sociologia. Comte propõe o estudo científico da
sociedade a partir dos procedimentos, métodos
e técnicas empregados pelas ciências da natureza
(biologia, química, física). Entretanto, trabalha em
uma perspectiva evolucionista da humanidade, pois
entende que o progresso da humanidade/sociedade
no tempo constitui a principal matéria da Sociolo-
gia. Parte da premissa de uma constante evolução
geral do gênero humano e o objetivo da Sociologia
seria de determinar a ordem de tal evolução. Utiliza
os conceitos de humanidade e sociedade simultane-
amente e com significados semelhantes. A perspec-
tiva positivista de Comte originou, por um lado, a
psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto
não é o psiquismo enquanto consciência, mas en-
quanto comportamento e que, portanto, pode ser
tratado com o método experimental das ciências
naturais, e, por outro lado, a sociologia positiva, a
qual tem em Émile Durkheim seu principal expoen-
te e que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais
como eles se apresentam na prática, o que também
possibilita a utilização dos métodos das ciências na-
turais para análise dos fenômenos sociais.
Finalmente, merece destaque a contribuição de
Albert Schaeffle, um cientista alemão que empresta
muitas ideias a Durkheim. Segundo Schaeffle, a so-
ciedade não pode ser analisada como uma simples
coleção de indivíduos, ela possui dinâmica própria,
tem, portanto, vida própria, consciência e interesses
não necessariamente idênticos ou próximos à média
dos interesses dos seus constituintes. Preocupou-se
em estudar os fatos sociais como eles ocorrem na
realidade e trabalhou na perspectiva de análise (de-
composição dos fenômenos em suas partes consti-
tuintes) e síntese (reconstrução em que se seleciona
o significativo do acessório) dos fatos sociais.
Feito este apanhado geral, e extremamente resu-
mido, acerca da história da Sociologia, pode-se com-
preender melhor a contribuição do francês Émile
Durkheim (1858 – 1917) propriamente à Sociologia.
Como foi referido anteriormente, Durkheim parte
da ideia fundamental de Comte de que a sociedade
deve ser vista como um organismo vivo. Também
concordava com o pressuposto de que as sociedades
apenas se mantêm coesas quando de alguma forma
compartilham sentimentos e crenças comuns. En-
tretanto, critica Comte na sua perspectiva evolucio-
nista, pois entende que os povos que sucedem os an-
teriores não necessariamente são superiores, apenas
são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus
conhecimentos, sua forma organizacional. Entende
que a sequência das sociedades adapta-se melhor
à analogia de uma árvore cujos ramos se orientam
em sentidos opostos do que uma linha geométri-
ca evolucionista. Alguns pontos fundamentais para
compreender o pensamento de Durkheim, cuja
base assenta-se em alguns pressupostos ou noções
fundamentais a serem detalhadas adiante:Os fatos sociais devem ser tratados como coi-•sas.
A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia •e fuga de ideias pré-concebidas.
O conjunto de crenças e sentimentos coletivos •são a base da coesão da sociedade.
Destaca o estudo da moral dos indivíduos.•
A própria sociedade cria mecanismos de coer-•ção internos que fazem com que os indivíduos
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aula 2 — Alguns Elementos Teóricos
aceitem de uma forma ou de outra as regras es-tabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e não nos indivíduos – os estados psíquicos, na verdade, são conse-quências e não causas dos fenômenos sociais).
Durkheim viveu entre 1858 e 1917, período que
compreendeu o ápice e a primeira grande crise in-
terna do capitalismo monopolista europeu. Com-
preendia o quadro perturbador colocado pela
emergência da questão social, mas discordava essen-
cialmente do conteúdo de soluções que começava a
ser proposto pelo pensamento socialista. Em suas
convicções ele defendia que os problemas sociais
vividos pela sociedade europeia eram de natureza
moral e não de fundo econômico e que estes decor-
riam devido à fragilidade decorrente de uma longa
época de transição.
No interior da sociedade europeia – no âmbito
das relações entre a burguesia e a classe trabalhado-
ra, o desenrolar do processo social levava à radicali-
zação dos conflitos que redundariam na saída socia-
lista russa e no advento posterior do Welfare State.
Durkheim entendia que a sociedade predomina-
ria sobre o indivíduo, uma vez que ela é que imporia
a ele o conjunto de normas de conduta social.
Seu esforço foi voltado para a emancipação da
Sociologia em relação às filosofias sociais, tentando
constituí-la como disciplina científica rigorosa, do-
tada de método investigativo sistematizado, preocu-
pando-se em definir com clareza o objeto e as apli-
cações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas
e modelos teóricos das ciências naturais.
Durkheim diferenciou-se do pensamento so-
ciológico de Comte e Sint-Simon, uma vez que seu
aparato conceitual foi além da reflexão filosófica,
constituindo um corpo elaborado e metódico de
pressupostos teóricos sobre a problemática das re-
lações sociais.
Os estudos sociológicos de Durkheim ganharam
relevância para as ciências da sociedade, tornando-
se parâmetros para vários ramos de pesquisa socio-
lógica até nossos dias.
Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumen-
to científico da busca de soluções para os desvios
da vida social, tendo, portanto, uma finalidade du-
pla: além de explicar os códigos de funcionamen-
to da sociedade, teria como missão intervir nesse
funcionamento da sociedade por meio de aplica-
ção de antídotos que pudessem inibir os males da
vida social.
Em sua compreensão, a sociedade, como qual-
quer outro organismo vivo, passaria por ciclos vitais
com manifestação de estados normais e patológicos,
ou seja, saudáveis e mórbidos.
O estado saudável seria o de convivência harmô-
nica da sociedade consigo mesma e com as demais
sociedades, harmonia que se faria pelo consenso
social.
O estado mórbido, doentio, seria caracterizado
por fatos que colocassem em risco essa harmonia,
os acordos de convivência e, portanto, a adaptação e
a evolução histórica natural da sociedade.
Os códigos de funcionamento da sociedade para
Durkheim seriam os fatos sociais que foram ele-
vados por ele à categoria de objeto de estudo. Sua
busca pela compreensão destes direcionada para o
favorecimento da normalidade do curso da vida so-
cial, transformando-se, dessa maneira, em um tipo
de técnica de controle social voltada para a manu-
tenção da ordem estabelecida pelo sistema social
vigente.
A definição de fato social em Durkheim é: toda
maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer
sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral
na extensão de uma sociedade dada, apresentando
uma existência própria, independente das manifes-
tações individuais que possa ter.
Na sociologia durkheimiana, o todo (sociedade),
apesar de ser composto por suas inúmeras partes
(indivíduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o
fato social teria a faculdade de constranger, de vir
de fora e de ter validade para todos os membros da
sociedade.
Durkheim defendeu uma postura de absoluto ri-
gor e não envolvimento frente ao objeto de estudo
da Sociologia. Para ele, o comportamento do cien-
tista social deveria ser de distanciamento e sua po-
sição, de neutralidade frente aos fatos sociais. Ape-
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
nas essa atitude é que garantiria objetividade de sua
análise e, portanto, suas bases científicas. Esses fatos
deveriam ser encarados como coisas, objetos exte-
riores ao pesquisador. Cabia-lhes apenas a observa-
ção, a medição e a comparação dos fenômenos so-
ciais, não importando o que o próprio pesquisador
ou os indivíduos cogitassem ou afirmassem sobre
sua natureza.
O interesse científico durkheimiano era inteira-
mente voltado para a compreensão do funcionamen-
to das chamadas formas padronizadas de conduta e
pensamento, definidas por ele como consciência co-
letiva, que configurariam a moral adotada pela socie-
dade. Nesse sentido ele pode ser visto como o primei-
ro dos sociólogos funcionalistas.
Para Durkheim, o seu método sociológico tinha
três características básicas que o distinguiam de seus
antecessores na Sociologia, como Comte e Spencer:
1. ele é um método independente de toda a fi-
losofia. Ou seja, ele não tem que ter uma vin-
culação com qualquer visão filosófica ou ideo-
lógica do mundo. Ele não precisa afirmar nem
a liberdade nem o determinismo; a Sociologia,
assim, não será nem individualista, nem comu-
nista, nem socialista, no sentido que se dá vul-
garmente a estas palavras (idem, p. 174).
2. É um método objetivo. Segundo Durkheim,
ele é um método inteiramente dominado pela
ideia de que os fatos sociais são coisas e como
tais devem ser tratados (idem, p. 148).
3. É exclusivamente sociológico. Ou seja, não de-
riva da forma da filosofia tratar a sociedade, nem
da psicologia, e nem das ciências naturais, uma
vez que afirma que a sociedade tem uma nature-
za própria, que não é derivada nem da natureza
humana, nem das consciências individuais, nem
das constituições orgânicas dos indivíduos.
O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM
Ideias centrais do método sociológico
de Durkheim
Pode-se dizer que o método sociológico de
Durkheim apresenta algumas ideias centrais, que
percorrem toda a extensão de sua visão sociológica.
São elas:
1) contraposição ao conhecimento filosófico da
sociedade: a Filosofia possui um método dedu-
tivo de conhecimento, que parte da tentativa de
explicar a sociedade a partir do conhecimento
da natureza humana. Ou seja, para os filósofos, o
conhecimento da sociedade pode ser feito a par-
tir de dentro, do conhecimento da natureza do
indivíduo. Como a sociedade é formada pelos
indivíduos, a Filosofia tem a prática de explicar a
sociedade (e os fatos sociais) como uma expres-
são comum destes indivíduos. De outro lado, se
existe uma natureza individual que se expressa
coletivamente na organização social, então pode-
se dizer que a história da humanidade tem um
sentido, que deve ser a contínua busca de expres-
são desta natureza humana. Para Adam Smith,
por exemplo, dado que o homem é, por nature-
za, egoísta, motivado por fatores econômicos e
propenso às trocas, a sociedade de livre mercado
seria a plena realização desta natureza. Para He-
gel, a história da humanidade tendia a crescen-
temente afirmar o espírito humano da individu-
ação e da liberdade. Para Marx, a história da so-
ciedade era a história da dominação e da luta de
classes, e a tendência seria a afirmação histórica,
por meio de sucessivas revoluções, da liberdade
humana e da igualdade, por meio do socialismo.
Para Durkheim, estas concepções eram insu-
portáveis, pois eram deduções e não tinham va-
lidade científica, eram crenças fundamentadas
em concepções a respeito da natureza humana.
Durkheim acreditava que o conhecimento dos
fatos sociológicos deve vir de fora, da observação
empírica dos fatos.
2) os fenômenos sociais são exteriores aos in-
divíduos: a sociedade não seria simplesmente
a realização da natureza humana, mas, ao con-
trário, aquilo que é considerado natureza hu-
mana é, na verdade, produto da própria socie-
dade. Os fenômenos sociais são considerados
por Durkheim como exteriores aos indivíduos,
e devem ser conhecidos não por meio psicoló-
gico, pela busca das razões internas aos indiví-
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aula 2 — Alguns Elementos Teóricos
duos, mas sim externamente a ele na própria
sociedade e na interação dos fatos sociais. Fa-
zendo uma analogia com a biologia, a vida, para
Durkheim, seria uma síntese, um todo maior
do que a soma das partes, da mesma forma que
a sociedade é uma síntese de indivíduos que
produz fenômenos diferentes dos que ocorrem
nas consciências individuais (isto justificaria a
diferença entre a Sociologia e a Psicologia).
3) os fatos sociais são uma realidade objetiva:
ou seja, para Durkheim, os fatos sociais pos-
suem uma realidade objetiva e, portanto, são
passíveis de observação externa. Devem, desta
forma, ser tratados como “coisas”.
4) o grupo (e a consciência do grupo) exer-
ce pressão (coerção) sobre o indivíduo:
Durkheim inverte a visão filosófica de que a
sociedade é a realização de consciências indivi-
duais. Para ele, as consciências individuais são
formadas pela sociedade por meio da coerção.
A formação do ser social, feita em boa parte
pela educação, é a assimilação pelo indivíduo
de uma série de normas, princípios morais,
religiosos, éticos, de comportamento etc., que
balizam a conduta do indivíduo na sociedade.
Portanto, o homem, mais do que formador da
sociedade, é um produto dela.
Nas palavras do próprio Durkheim
É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma co-
erção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer
que é geral na extensão de uma sociedade dada e,
ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
independente de suas manifestações individuais.
(Durkheim, 1999, p. 13)
Ou ainda
O fato social é tudo o que se produz na e pela
sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o
grupo de alguma forma (Idem, p. 28).
Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e
antes dos indivíduos (fora das consciências indivi-
duais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex.
as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem
antes dos indivíduos e condicionam coercitivamen-
te o seu comportamento).
Durkheim argumenta, contrariando boa parte do
pensamento filosófico, que “somos vítimas da ilusão
que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que
se impõe a nós de fora” (Idem, p. 5). E, responden-
do àqueles que não creem nesta coerção social que
sofrem os indivíduos porquê não se pode senti-la,
argumenta que “o ar não deixa de ser pesado em-
bora não sintamos seu peso”. Para Durkheim, o fato
social é um resultado da vida comum, e ele propõe
isolá-los para estudá-los. Desta forma, a Sociologia
deveria preocupar-se essencialmente com o estudo
dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.
Para Durkheim, a ciência deveria explicar, não
prescrever remédios. Este, para ele, era o problema
da Filosofia, ela tentava entender a natureza huma-
na, pois aí, tudo o que estivesse de acordo com esta
natureza era considerado bom, e tudo o que não esti-
vesse era considerado ruim. Para Durkheim, a obser-
vação dos fatos sociais deveria seguir algumas regras,
como:
a) Os fatos sociais devem ser tratados como COI-
SAS. Para Durkheim, “é coisa tudo aquilo que
é dado, e que se impõe à observação”. Nem a
existência da natureza humana, nem o sentido
de progresso no tempo, como admitia Comte,
por exemplo, fazia sentido, segundo Durkheim,
dentro do método sociológico. Eles são uma
concepção do espírito. Durkheim, neste sen-
tido, é essencialmente objetivista, empirista e
indutivista, ao contrário de Comte, o funda-
dor da Sociologia, que era considerado por ele
como subjetivista e filosófico.
b) Uma segunda concepção importante no méto-
do sociológico de Durkheim é de que, para ele,
o sociólogo, ao estudar os fatos sociais, deveria
despir-se de todo o sentimento e toda a pré-
noção em relação ao objeto.
c) Terceiro, o pesquisador deveria definir precisa-
mente as coisas de que se trata o estudo, a fim
de que se saiba, e de que ele saiba bem o que
está em questão e o que ele deve explicar.
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
d) E, quarto, a sensação, base do método indutivo
e empirista, pode ser subjetiva. Por isto, dever-
se-ia afastar todo o dado sensível que corra o
risco de ser demasiado pessoal ao observador.
Sobre a distinção entre “normal” e “patológico”
Uma questão de fundamental importância no
pensamento de Durkheim, e que dá o tom do seu
positivismo e funcionalismo, é a concepção de que
existem estados normais e estados patológicos entre
os fatos sociais. Ou seja, existem fatos sociais que
são normais e fatos que são patológicos, ou mórbi-
dos, como também ele denomina estes últimos. Para
ele, fatos normais são aqueles que são o que devem
ser, enquanto os patológicos deveriam ser de outro
modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderí-
amos encontrar estados de saúde e doença social.
Assim, “a saúde seria boa e desejável, ao passo que a
doença é ruim e deveria ser evitada” (Idem, p. 51).
Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter
encontrado uma forma objetiva de dar um propó-
sito prático, ou normativo, à Sociologia, sem deixar
de ser uma ciência explicativa e objetiva. Segundo
ele, até então havia duas formas de pensamento:
a) a ciência puramente explicativa, sem fins práti-
cos e não normativa, que tendia a tornar-se inútil; e
b) o método ideológico, que era dedutivo, baseado na
ideia do próprio autor, no conhecimento filosófico,
normativo, mas não científico (ele cita a Filosofia e a
Economia por exemplo, e também alguns sociólogos,
como Spenser). Nenhuma destas concepções era sa-
tisfatória; a primeira era inútil, pois não poderia lan-
çar luz sobre a ação humana, ao passo que a segunda
não era objetiva e, portanto, era não científica.
Desta forma, Durkheim acreditava que
Se encontrarmos um critério objetivo, inerente aos
fatos mesmos, que nos permita distinguir cientifi-
camente a saúde da doença nas diversas ordens de
fenômenos sociais, a ciência será capaz de esclare-
cer a prática, sem deixar de ser fiel ao seu próprio
método (p. 51).
O grande problema, agora, para Durkheim, era
definir saúde e doença em Sociologia. E, neste pon-
to, ele lança mão de todo um repertório de compa-
rações com a medicina e com os organismos vivos.
Assim, ele define saúde como a perfeita adaptação
do sujeito ao seu meio, e doença como tudo o que
perturba esta adaptação.
Mas, com base em que critério poderia se dizer
que um método de se adaptar é mais perfeito do
que outro? Segundo ele, não poderia ser pelo que
compromete a sobrevivência ou pelo que debilita o
organismo (comparando com a medicina, a velhi-
ce, a menstruação e o parto implicam em riscos e
debilitam o organismo, mas não são doenças). Da
mesma forma, não poderia ser pela funcionalidade
(comparando novamente, certas disposições anatô-
micas, como o apêndice, por exemplo, não são fun-
cionais, mas nem por isto são doenças). Cabe ob-
servar, porém, que, embora descartando a funcio-
nalidade como critério objetivo para se dizer se um
fato é normal ou patológico, ele dá bastante ênfase,
em todo o seu trabalho, à funcionalidade dos fatos
sociais normais. Em um parágrafo ele até mesmo se
contradiz afirmando que “é doença social quando
perturba o desempenho normal das funções”.
Mas, descartando, a princípio, estas duas pos-
sibilidades, Durkheim permite uma abertura ao
subjetivismo. Segundo ele, para o sociólogo é mais
complicado do que para a medicina, definir estados
doentes e saudáveis. Assim,
Na falta desta prova de fato, nada mais é possível
senão raciocínios dedutivos cujas conclusões só po-
dem ter o valor de conjecturas subjetivas. Demons-
trar-se-á não que tal acontecimento enfraquece efe-
tivamente o tecido social, mas que ele deve ter este
efeito (Idem, p. 56).
Fundamental, portanto, para Durkheim, era de-
finir o que é normal. O que é um Estado Normal?
O normal, salienta ele, é um estado relativo. Assim
como na biologia a ideia de normal é relativa à espé-
cie, a tipos dentro da espécie e à idade do ser, tam-
bém na Sociologia devemos considerar que a ideia
de normal é relativa ao tipo de sociedade, a variações
dentro da sociedade (selvagem ou mais civilizada) e
ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Desta
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aula 2 — Alguns Elementos Teóricos
forma, somente podemos comparar fatos sociais em
sociedades distintas respeitando esta relatividade.
Deve-se, assim, identificar os tipos normais por
meio da observação. A medicina estuda as funções
do organismo médio, e com a Sociologia deveria
ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepção de
Durkheim, normal também tem uma concepção de
generalidade. Ou seja, se um fato social é encontra-
do em todas as sociedades de todos os tempos, então
ele é normal. Ou então, se é encontrado em todas
as sociedades daquele mesmo tipo social (socieda-
des semelhantes). Ele dá o exemplo do crime para
ilustrar esta assertiva. Segundo ele, o crime existe em
todas as sociedades, de todas as espécies, e não tende
a diminuir. Não poderia ser normal a ausência de
crime, pois um fato que não é observado em nenhu-
ma situação não poderia ser considerado normal. A
ausência de crime seria impossível em uma socieda-
de, portanto, não poderia ser considerada normal.
Obviamente que existem graduações de crime; ou
seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tor-
nar patológico, ou seja, comprometer o tecido so-
cial. O crime seria também útil. Segundo o próprio
Durkheim, o crime “é necessário; ele está ligado às
condições fundamentais de toda a vida social e, por
isto mesmo, é útil; pois as condições de que ele é
solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução
normal da moral e do direito” (idem, p. 71). Assim,
se o crime é considerado normal, então ele é inevi-
tável ainda que lastimável.
A ideia de normal e patológico, segundo Durkheim,
também tinha um outro fim prático: prevenir-nos
de buscar utopias que se afastam na medida em que
avançamos, e concentrar-nos nas coisas normais para
cada sociedade em seu tempo.
Sobre a construção de tipos sociais
Uma outra questão importante no método de
Durkheim parte da necessidade de agrupar socie-
dades em tipos sociais, segundo a sua semelhança.
Para o método sociológico, não interessava nem a
perspectiva dos historiadores, que viam na história
uma diversidade de sociedades muito grande, nem
a filosófica, que agrupava toda a evolução histórica
na ideia de humanidade, pela qual perpassava a re-
alização da natureza humana. Segundo Durkheim,
escapamos a esta alternativa tão logo se reconheça
que, entre a multidão confusa das sociedades histó-
ricas (a infinidade de sociedades diferentes descrita
pelos historiadores) e o conceito único, mas ideal,
de humanidade (dos filósofos), existem intermediá-
rios que são as espécies sociais.
A constituição destes tipos sociais, de suma im-
portância para a Sociologia, uma vez que Durkheim
afirmava que a concepção de normal e patológico
é relativa a cada tipo social, deveria seguir um mé-
todo: (a) estudar cada sociedade individualmente;
(b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c)
compará-las achando semelhanças e diferenças; (d)
classificar os povos em grupos, segundo estas seme-
lhanças e diferenças.
Este seria, para Durkheim, um método somente
admissível para uma ciência da observação. O estu-
do e a representação destes tipos sociais foi descrita
por ele como uma área específica da Sociologia, de-
nominada Morfologia Social, numa clara alusão aos
estudos semelhantes na biologia.
Sobre a explicação dos fatos sociais
Durkheim afirmava que seus antecessores na
Sociologia (Comte e Spencer) explicavam os fatos
sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o
progresso existe para melhorar a condição humana,
ou para Spencer, para tornar o homem mais feliz. A
família, para Spencer, se transformara pela neces-
sidade de conciliar cada vez mais perfeitamente o
interesse dos pais, dos filhos e da sociedade. Assim,
os sociólogos tendiam a normalmente deduzirem o
fato dos fins, ou seja, a explicação suprema da vida
coletiva consistiria em mostrar como ela decorre da
natureza humana em geral. Para Durkheim, porém,
este método era errado. Segundo ele
Mostrar como um fato é útil não explica como
ele surgiu nem como ele é o que é (Idem, p. 92).
Para explicar um fenômeno social é preciso pesqui-
sar separadamente a causa eficiente que ele produz
e a função que ele cumpre (Idem, p. 97). Apesar dis-
so, para explicar um fato de ordem vital não basta
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
explicar a causa da qual ele depende, é preciso tam-
bém ao menos na maior parte dos casos, encontrar
a parte que lhe cabe no estabelecimento desta har-
monia geral (Idem, p. 99).
Para Durkheim, ao invés de buscar a causa dos
fatos sociais nos fins ou na função que ele de-
sempenha, “a causa determinante de um fato
social deve ser buscada entre os fatos sociais
antecedentes, e não entre os estados de cons-
ciências individuais”. Por outro lado, “a função
de um fato social deve sempre ser buscada na
relação que ele mantém com algum fim social”
(Idem, p. 112).
Sobre a relação de causalidadeDado que do fato social primeiro deve se buscar
as causas para depois explicar-lhe as consequên-
cias (ou seja, não se pode deduzir a causa da sua
consequência), deve-se ter, então, rigor científico
na explicação causal. Assim, para Durkheim
Só existe um meio de demonstrar que um fenô-
meno é causa de outro: comparar os casos em que
eles estão simultaneamente presentes ou ausentes
e examinar se as variações que apresentam nessas
diferentes combinações de circunstâncias testemu-
nham que um depende do outro (p. 127).
Ora, este é um método que advoga a observação e
o estudo estatístico do fato e dos fatores que hipoteti-
camente podem lhe ser causadores, para que se possa
estabelecer correlação entre eles. Para Durkheim, em
razão da natureza dos fatos, os métodos científicos
que decorriam desta concepção dividiam-se em dois
grupos: a) experimentação, quando os fatos podem
ser artificialmente produzidos pelo observador; e b)
experimentação indireta ou comparação quando
os fatos se produzem espontaneamente e não podem
ser produzidos pelo observador.
Como se pode observar, o método para se estabe-
lecer a causalidade em Sociologia, para Durkheim,
seria a Experimentação Indireta ou Comparação.
Comte também utilizava o método da compara-
ção, mas a este ele adicionou o método histórico,
pois ele tinha que buscar a finalidade e a evolução
dos fenômenos, ou seja, o sentido de progresso.
Isto, para Durkheim, não tinha sentido em So-
ciologia.
Segundo a sua concepção de causalidade, a um
efeito corresponderia sempre uma mesma causa.
Assim, se um fato tem mais de uma causa, então
ele não é um fato único. Durkheim dá o exemplo
do suicídio: se o suicídio depende de mais de uma
causa, é porque, na verdade, existem várias espé-
cies de suicídio (ele identificou três tipos, que de-
corriam de causas distintas, o suicídio egoísta, o
altruísta e o anômico).
Atividades■■
Em grupos de no máximo cinco pessoas, discutir
estas ideias e ver o que elas têm a ver conosco hoje.
1. O que é Rerum Novarum? Analisa o quê? O que
é Neotomimo? Hoje em dia, o Neotomimo tem al-
guma influência na sociedade?
2. Quais são as ideias centrais de Durkeheim?
Como esse autor via e analisava a sociedade? Quais
são as influências para nosso trabalho como Assis-
tentes Sociais?
anotaçÕes *
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aula 3 — Positivismo
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rico
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os
do
ser
viço
so
cial
AULA
3Positivismo
Conteúdo■■
Positivismo, o que é?•
Principais correntes•
A influência no Serviço Social•
Competências e habilidades■■
Capacidade de criar e desenvolver idéias pessoais, a partir da filosofia positivista, para orga-•nizar princípios nas diversas realidades do Serviço Social
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
POSITIVISMO, O QUE É?O Positivismo é o movimento de pensamento
que dominou parte da cultura europeia em suas
expressões não só filosóficas, mas também políti-
cas, pedagógicas e literárias, desde 1840 até o iní-
cio da Primeira Guerra Mundial. Os traços socio-
culturais interpretados pelo Positivismo são: uma
substancial estabilidade política, o processo de in-
dustrialização e o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia.
Para o Positivismo, o único conhecimento vá-
lido é o científico; o único método válido para
adquiri-lo é o das ciências naturais, que consiste
no encontro de leis causais e em seu controle sobre
os fatos, que também deve ser aplicado ao estudo
das sociedades, ou seja, da Sociologia, como único
meio capaz de resolver, no curso do tempo, todos
os problemas humanos e sociais anteriormente so-
fridos pela humanidade e aí está a sua ligação com
o Serviço Social.
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82
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
PONTOS CENTRAIS DA fILOSOfIA POSITIVISTA
O Positivismo apresenta traços comuns que nos
permitem sua identificação como movimento de
pensamento:
1) Diversamente do Idealismo, o Positivismo
reivindica o primado da ciência: nós conhe-
cemos somente aquilo que as ciências nos
dão a conhecer, pois o único método de co-
nhecimento é o das ciências naturais.
2) O método das ciências naturais (identificação
das leis causais e seu domínio sobre os fatos)
não vale somente para o estudo da natureza,
mas também para o estudo da sociedade.
3) Por isso, entendida como ciência dos “fatos
naturais” que são as relações humanas e so-
ciais, a Sociologia é fruto qualificado do pro-
grama filosófico positivista.
4) O Positivismo não apenas afirma a unidade
do método científico e o primado desse mé-
todo como instrumento cognoscitivo, mas
também exalta a ciência como o único meio
em condições de resolver, ao longo do tempo,
todos os problemas humanos e sociais que até
então haviam atormentado a humanidade.
5) Consequentemente, a era do Positivismo é
época perpassada por otimismo geral, que
brota da certeza de progresso irrefreável (por
vezes concebido como fruto da engenhosida-
de e do trabalho humanos e, por outras, ao
contrário, visto como necessário e automáti-
co), rumo a condições de bem-estar generali-
zado em uma sociedade pacífica e perpetrada
pela solidariedade humana.
6) O fato de que a ciência seja proposta pelos
positivistas como o único fundamento sólido
da vida dos indivíduos e da vida associada, de
ela ser considerada como a garantia absolu-
ta do destino progressista da humanidade e
de o Positivismo se pronunciar pela “divin-
dade” do fato, induziu alguns estudiosos a
interpretarem-no como parte integrante da
mentalidade romântica. Apenas, no caso do
Positivismo, seria exatamente a ciência a ser
infinitizada.
7) Essa interpretação, porém, não impediu que
outros intérpretes (por exemplo, Geymonat)
vissem no Positivismo temas fundamentais
tomados da tradição iluminista, como a ten-
dência de considerar os fatos empíricos como
a única base do verdadeiro conhecimento, a fé
na racionalidade científica como solução dos
problemas da humanidade, ou ainda a con-
cepção leiga da cultura, entendida como cons-
trução puramente humana, sem dependências
em relação a pressupostos e teorias teológicas.
8) Sempre em linha geral, o Positivismo (neste
caso, John Stuart Mill é exceção) caracteriza-
se pela confiança acrítica e, amiúde, leviana e
superficial, na estabilidade e no crescimento
sem obstáculos da ciência. Essa confiança acrí-
tica na ciência chegou a se tornar fenômeno
de costume.
9) A “positividade” da ciência leva a mentalidade
positivista a combater as concepções idealistas
e espiritualistas da realidade, concepções que
os positivistas rotulavam como metafísicas,
embora mais tarde tenham caído em metafísi-
cas igualmente dogmáticas.
10) A confiança na ciência e na racionalidade
humana, em suma, os traços iluministas do
Positivismo, induziram alguns marxistas a
considerarem insuficiente e até reducionista
a usual interpretação marxista, que só vê no
Positivismo a ideologia da burguesia da se-
gunda metade do século XIX.
Principais representantes
Os representantes mais significativos do Positi-
vismo são: Auguste Comte (1798-1857) na Fran-
ça; John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spen-
cer (1820-1903) na Inglaterra; Roberto Ardigò
(18281920) na Itália; Jacob Moleschott (1822-1893)
e Ernst Haeckel (1834-1919) na Alemanha.
* AUGUSTE COMTE
Auguste Comte (1798-1857) é autor do Curso de
filosofia positiva (1830-1842, em seis volumes), no
qual ele formula sua famosa lei dos três estágios, se-
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83
aula 3 — Positivismo
gundo a qual a humanidade, assim como a psique
dos indivíduos particulares, passa por três estágios:
(a) estágio teológico; (b) estágio metafísico; (c) es-
tágio positivo. No estágio teológico os fenômenos são
interpretados como produtos da ação direta e contí-
nua de agentes sobrenaturais, mais ou menos nume-
rosos; no estágio metafísico os fenômenos são expli-
cados com referência a essências, ideias, forças abs-
tratas como a “simpatia”, a “alma vegetativa” etc.; no
estágio positivo, o homem procura descobrir, “com o
uso bem combinado do raciocínio e da observação”,
as leis efetivas “de sucessão e de semelhança” que pre-
sidem ao acontecimento dos fenômenos.
O objetivo da ciência, para Comte, é a pesquisa
das leis, e isso por causa do fato de que “apenas o
conhecimento das leis dos fenômenos [...] pode evi-
dentemente levar-nos na vida ativa a modificá-los
para nossa vantagem” (REALE; ANTISERI, 2003, p.
290). Ciência, de onde previsão; previsão, de onde
ação. Na esteira de Bacon e de Descartes, Comte
afirma que será a ciência previsão que fornecerá ao
homem o domínio sobre a natureza. Por conseguin-
te, é indispensável conhecer a sociedade. Eis, então,
que Comte propõe a ciência da sociedade, a So-
ciologia, como física social, que tem como tarefa a
descoberta das leis que guiam os fenômenos sociais,
assim como a física estabelece as leis dos fenômenos
físicos e faz isso por meio de observações e com-
parações. A física social ou Sociologia divide-se em
estática social e dinâmica social.
A estática social estuda as condições comuns que
permitem a existência das diversas sociedades no
tempo: a sociabilidade fundamental do homem, a
família, a divisão do trabalho e a cooperação nos es-
forços etc. A lei fundamental da estática social é a
da ligação entre os diversos aspectos da vida social
(político, econômico, cultural etc.).
A dinâmica social compreende o estudo das leis
de desenvolvimento da sociedade. A lei fundamen-
tal da dinâmica social é a dos três estágios. Eis um
exemplo: o feudalismo é o estágio teológico; a revo-
lução (que começa com a Reforma protestante e ter-
mina com a Revolução Francesa) é o estágio metafí-
sico; e a sociedade industrial é o estágio positivo.
Entre as ciências, a Sociologia é a mais comple-
xa, uma vez que – na hierarquia estabelecida por
Comte e que quer ter uma ordem lógica, histórica e
pedagógica – pressupõe a biologia, a qual pressupõe
a química, que, por sua vez, pressupõe a física.
Nesta perspectiva, a Filosofia deve determinar
exatamente o espírito de cada ciência, descobrir
suas relações, reassumir, se possível, todos os seus
princípios próprios em número mínimo de princí-
pios comuns, conforme o método positivo.
* JOHN STUART MILL
O pensamento de Mill constitui uma etapa fun-
damental na história da lógica e na história da de-
fesa da liberdade dos indivíduos. Mill construiu
um conjunto de teorias lógicas e ético-políticas que
marcaram a segunda metade do século XIX na In-
glaterra e que se constituem, até hoje, pontos de re-
ferência e etapas obrigatórias, tanto para o estudo
da lógica da ciência, como para a reflexão dos cam-
pos ético e político.
A lógica, afirma Mill, é a ciência da prova, do
modo correto de inferir proposições de outras pro-
posições. A tese fundamental de Mill é a de que toda
inferência é de particular para particular. Todos os
conhecimentos e verdades são de natureza empírica
e se fundam na indução. Para distinguir as circuns-
tâncias essenciais das não essenciais, Mill propõe o
que ele chama de os quatro métodos da indução: o
método direto da concordância, o método da dife-
rença, o método dos resíduos e o método das varia-
ções concomitantes.
método direto da concordância: Se duas ou
mais instâncias de um fenômeno sob investigação
têm somente uma circunstância em comum, a cir-
cunstância a qual todas as instâncias concordam é a
causa (ou efeito) do dado fenômeno. Para ser uma
condição necessária, uma propriedade deve estar
sempre presente quando o efeito estiver presente.
Obviamente, qualquer propriedade não presente
quando o efeito estiver presente, não pode ser uma
condição necessária ao efeito.
Simbolicamente, o método direto da concordân-
cia pode ser representado como:
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
A B C D ocorrem junto com w x y z
A E F G ocorrem junto com w t u v
————————————————
Consequentemente A é a causa de w.
método da diferença: Se um fenômeno ocorre
em uma instância e não em uma outra, e as duas
instâncias têm todas as circunstâncias em comum
exceto uma, e a circunstância em que as duas ins-
tâncias diferem está presente na primeira e não
na segunda, a tal circunstância é o efeito, a causa,
ou, necessariamente, parte da causa do fenômeno.
Se um conjunto de circunstâncias leva a um dado
fenômeno, e outro conjunto de circunstâncias não
leva, e os dois conjuntos diferem em apenas um fa-
tor, que é presente no primeiro conjunto, mas não
no segundo, então o fenômeno pode ser atribuído
a esse fator.
Simbolicamente, o método da diferença pode ser
representado como:
A B C D ocorrem junto com w x y z
B C D ocorrem junto com x y z
——————————————————
Consequentemente A é a causa, ou o efeito,
ou uma parte da causa de w.
método dos resíduos: Reduzindo-se de um fe-
nômeno as partes previamente conhecidas como
sendo efeitos de certos antecedentes, os resíduos do
fenômeno são os efeitos dos antecedentes remanes-
centes. Se um conjunto de fatores são conhecidos
como as causas de um conjunto de fenômenos, e
todos os fatores, exceto um, estão associados a todos
os fenômenos, exceto um, então o fenômeno rema-
nescente pode ser atribuído ao fator remanescente.
Simbolicamente, o método dos resíduos pode ser
representado como:
A B C ocorrem junto com x y z
B é conhecido como a causa de y
C é conhecido como a causa de z
———————————————
Consequentemente A é a causa de x.
método das variações concomitantes: Quan-
do um fenômeno varia de uma maneira específica
sempre que outro fenômeno varia, de sua maneira
específica, as variações são causa ou efeito uma da
outra. Se um conjunto de circunstâncias leva a um
fenômeno e alguma propriedade do fenômeno varia
juntamente com algum fator existente nas circuns-
tâncias, então o fenômeno pode ser atribuído a esse
fator. Por exemplo, suponha que várias amostras de
água, contendo sal e chumbo, foram verificadas que
são tóxicas. Se o nível de toxicidade variar em con-
junto com o nível de chumbo, a toxicidade poderá
ser atribuída à presença do chumbo.
Simbolicamente, o método das variações conco-
mitantes pode ser representado como (comare-
presentando um aumento):
A B C ocorrem junto com x y z
A a B C resulta em x ay z
——————————————————
Consequentemente A e x são conectadas.
No livro VI do Sistema de lógica, Mill trata da ló-
gica das ciências morais, em que reafirma a liber-
dade do querer humano. A defesa dessa liberdade
é tratada no ensaio Sobre a liberdade, escrito com
a colaboração de sua mulher. Para Mill, é direito
do indivíduo viver como quiser; a liberdade civil
implica liberdade de pensamento, de religião e de
expressão; a liberdade de gostos e liberdade de pro-
jetar nossa vida segundo nosso caráter; e a liberda-
de de associação. Trata-se de uma obra de elevada
sensibilidade moral, na qual ele defende a liberdade
da mulher, cujas ideias encontraram ressonância na
Inglaterra, no seio do movimento feminista pelo su-
frágio universal.
* HERBERT SPENCER
Em 1852, ou seja, sete anos antes que Darwin pu-
blicasse o seu Sobre a origem das espécies, por meio
da seleção natural, Herbert Spencer (1820-1903)
propusera uma concepção evolucionista própria em
A hipótese do desenvolvimento. De 1855 são os Prin-
cípios de psicologia, nos quais se dá amplo espaço à
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85
aula 3 — Positivismo
teoria evolutiva. Os primeiros princípios foram pu-
blicados em 1862: nessa obra, a teoria última evo-
lutiva se apresenta como grandiosa metafísica do
universo. Já no primeiro capítulo da obra, Spencer
enfrenta o problema e o universo da relação entre
religião e ciência. Pois bem, uma e outra – afirma
Spencer – nos fazem compreender que a realidade
última é incognoscível e que o universo é um mis-
tério: enquanto a tarefa das religiões consiste em
manter vivo o sentido do mistério, a tarefa da ci-
ência é a de impulsionar sempre mais para a frente
o conhecimento do relativo, sem jamais presumir
capturar o absoluto.
Entre religião e ciência, a Filosofia, para Spencer,
é “o conhecimento do mais alto grau de generalida-
de”, o que significa que a Filosofia “compreende e
consolida as mais amplas generalizações da ciência.
A Filosofia é, portanto, a ciência dos primeiros prin-
cípios. Por conseguinte – lembra Spencer – ela deve
partir dos princípios mais elevados a que a ciência
chegou e que, a seu ver, são: (a) a indestrutibilidade
da matéria; (b) a continuidade do movimento; (c) a
persistência da força.
Tais princípios se referem a todas as ciências e en-
contram sua unificação no princípio mais geral, que
seria o da redistribuição contínua da matéria e do
movimento. A lei de tal incessante e geral mudança
é a lei da evolução, cujas características essenciais
são as de ser: (a) uma passagem de uma forma me-
nos coerente para uma mais coerente; (b) uma pas-
sagem do homogêneo para o heterogêneo; (c) uma
passagem do indefinido para o definido.
A evolução em biologia, na visão de Spencer, é
uma resposta por parte dos organismos ao desafio
do ambiente por meio da diferenciação dos órgãos
(e isto é Laplace) e uma seleção natural desses or-
ganismos mudados que favorece a sobrevivência do
mais adaptado (e aqui Spencer está de acordo com
Darwin).
Spencer concebe uma sociologia orientada para
a defesa do indivíduo, sustentando que a sociedade
existe para os indivíduos e não vice-versa e que o
desenvolvimento da sociedade é determinado pela
realização dos indivíduos. A ética de Spencer é uma
ética naturalista-biológica. Princípios éticos, nor-
mas e obrigações morais são instrumentos de me-
lhor adaptação do homem às condições de vida.
*ROBERTO ARDIGÒ
Na Itália, o Positivismo, com sua particular aten-
ção ao desenvolvimento e aos métodos das ciências
e com sua aversão às metafísicas da transcendên-
cia, deu seus melhores frutos na reflexão sobre a
criminologia com Cesare Lombroso (1836-1909),
na pedagogia com Aristides Gabelli (1830-1891)
e André Angiulli (1837-1890), em historiografia e
metodologia da historiografia com Pasqual Villari
(18201918), em medicina e metodologia da clínica
com Salvatore Tommasi (1813-1888) e, sobretudo,
com Augusto Murri (1841-1932).
A figura mais representativa do Positivismo ita-
liano é Roberto Ardigò (1828-1920). Sacerdote, dei-
xou o sacerdócio depois de uma crise profunda; em
1881 foi nomeado professor na Universidade de Pá-
dua, onde ensinou até 1908. Permanece famoso seu
Discurso sobre Pietro Pomponazzi, de 1869. Outras
obras de Ardigò são: A moral dos positivistas (1879);
A razão (1894); A doutrina spenceriana do incog-
noscível (1899). A perspectiva positivista de Ardigò
afunda suas raízes no naturalismo italiano do sécu-
lo XVI: (com Pomponazzi, ele reforça a autonomia
da razão; e com Bruno a divindade do universo); li-
ga-se diretamente às concepções positivistas e, com
isso, põe o fato como pedra angular da própria filo-
sofia. O fato tem uma realidade própria em si, uma
realidade inalterável, que somos forçados a afirmar
tal e qual é dada e a encontramos, com a absoluta
impossibilidade de cortar ou acrescentar nada a ela;
portanto, o Fato é divino.
Toda a realidade é natureza; e o único conheci-
mento válido é o científico. Mas, se toda a realidade
é natureza, certamente é cognoscível – cognoscível
pela ciência, embora os esforços da ciência jamais
alcancem a meta final. E, se assim estão as coisas,
Spencer errou, e não precisará falar de incognos-
cível, mas de desconhecido: é desconhecido tudo
aquilo que ainda não é conhecido pela ciência, mas
que, em princípio, poderá ser por ela conhecido. E,
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Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
ainda diversamente de Spencer, que via a evolução
como passagem do homogêneo para o heterogêneo,
Ardigò concebe a evolução como passagem do in-
distinto para o distinto; assim, por exemplo, do in-
distinto, que é a sensação, brotam as distinções en-
tre espírito e matéria, eu e não eu, sujeito e objeto.
Toda a realidade é natureza; o homem é nature-
za; o pensamento é fruto da evolução da natureza,
assim como a ética; os ideais e as normas éticas são,
conforme Ardigò, respostas dos homens associados
a acontecimentos e ações consideradas danosas para
a sociedade e que, depois, se fixam como normas
morais – implicando sanções – na consciência dos
indivíduos. O político Ardigò foi um liberal, anti-
maçom, crítico do marxismo, em sua componente
de materialismo histórico, e com uma propensão
para o socialismo.
O POSITIVISMO NA ALEMANHA
Na Alemanha, o Positivismo toma a direção de
um rígido materialismo, cujas teses de fundo foram
a batalha contra o dualismo de matéria e espírito e
a luta contra as metafísicas da transcendência. Os
representantes de maior vulto do Positivismo ma-
terialista alemão são: Karl Vogt, Jacob Moleschott,
Ludwig Büchner e Ernst Haeckel.
Karl Vogt (1817-1895), zoólogo, decididamente
contrário à ideia criacionista e ao relato bíblico so-
bre a história da Terra e a origem da vida, reforçou
– contra Rudolf Wagner – sua aversão à ideia de
imortalidade da alma.
Jacob Moleschott (1822-1893), professor pri-
meiro em Heidelberg e depois em Zurique, após a
unificação da Itália, passou a ensinar fisiologia em
Turim e depois em Roma. Paladino de uma cultura
leiga e anticlerical, Moleschott sustentou que “Não
há pensamento sem queimar as pestanas” e que a
vida é um processo que, por meio da dissolução,
regenera-se continuamente. Por isso, provocando
escândalo, Moleschott chegou a afirmar que nos
cemitérios, onde o terreno é mais fértil, dever-se-
ia semear trigo.
Ludwig Büchner (1824-1899) em um livro de
grande sucesso, Força e matéria (1855), afirmou
que o materialismo era a hipótese doravante a
conclusão inevitável de um estudo imparcial da
materialista natureza baseado no empirismo e na
Filosofia. Para ele, a única possível ação do cérebro
era análoga à de uma máquina a vapor.
Ernst Haeckel (1834-1919), sustentador da te-
oria darwiniana, propôs a “lei biogenética funda-
mental”, na qual se estabelece que, para o homem,
a ontogênese, ou seja, o desenvolvimento do indi-
víduo é uma breve e rápida repetição (uma recapi-
tulação) da filogênese ou evolução da estirpe a que
ele pertence, isto é, dos precursores que formam a
cadeia dos progenitores do próprio indivíduo, re-
petição determinada pelas leis da hereditariedade
e da adaptação. Seu monismo materialista – que,
a seu ver, estabeleceria a lei em grau de resolver os
enigmas do mundo – Haeckel o confiou ao livro
Os enigmas do mundo, publicado em 1899, e do
qual foram vendidos 400 mil exemplares.
Concluindo■■
A principal influência do Positivismo nas Ciên-
cias Sociais foi a utilização de termos que permiti-
ram a compreensão da realidade, o que provocou a
apropriação da linguagem de variáveis para espe-
cificar atributos e qualidades do objeto de investi-
gação. O Positivismo possibilitou o surgimento da
Sociologia, cujo objeto é a humanidade, em que se
reúnem o positivismo religioso, a história do co-
nhecimento e a política positiva.
O objeto próprio da Sociologia é a humanidade
e é necessário compreender que a humanidade não
se reduz a uma espécie biológica: há na humani-
dade uma dimensão suplementar – a história – o
que faz a originalidade da civilização (da “cultura”,
diriam os sociólogos do século XIX).
O Positivismo e seus métodos permitem estudar
as condições da evolução da sociedade: do estado
teológico ao estado positivo na ordem intelectual,
do estado militar ao industrial na ordem prática –
do estado de egoísmo ao de altruísmo na ordem
afetiva.
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aula 4 — Karl Marx e suas Influências
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AULA
4Karl marx e suas inFluências
Conteúdo■■
A dialética•
O capital•
Karl Heinrich Marx•
Marxismo•
Competências e habilidades■■
Levar o(a) acadêmico(a) a conhecer e a entender Marx, o marxismo, o capitalismo e o seu •desenvolvimento, bem como a realidade sócio-politica da atualidade
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A DIALÉTICA
A dialética hegeliana se remete à dialética clássi-
ca descoberta pelos gregos, mas lhe confere movi-
mento e dinamicidade, e o coração da dialética se
torna, assim, o movimento circular ou em espiral,
com ritmo triádico, dividido em três momentos: a
tese, momento abstrato ou intelectivo; a antítese,
momento dialético em sentido estrito ou negativa-
mente racional; e a síntese, momento especulativo
ou positivamente racional.
No primeiro momento, a tese, refere-se à ativida-
de do intelecto que, para Hegel,
[...], em geral, consiste em conferir ao seu conte-
údo a forma da universalidade: mais precisamente,
o universal posto pelo intelecto é universal abstrato,
que, como tal, é mantido solidamente contraposto
ao particular, mas que, desse modo, ao mesmo tem-
po, também é determinado por seu turno como par-
ticular. À medida que opera em relação a seus obje-
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88
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
tos separando e abstraindo, o intelecto é o contrário
da intuição imediata e da sensação, que, como tal,
relaciona-se inteiramente com o concreto e nele per-
manece parada. (REALE e ANTISERI, 2003, p. 107)
Assim, a Filosofia não pode prescindir do inte-
lecto e de sua obra, devendo, ao contrário, começar
exatamente pelo trabalho do intelecto. O pensa-
mento filosófico, portanto, deve ir além dos limites
do intelecto.
No segundo momento da dialética, a antítese, o ir
além dos limites do intelecto é peculiaridade da ‘ra-
zão’, que tem um momento ‘negativo’ e um ‘positivo’.
O momento negativo, que Hegel chama de ‘dialéti-
co’ em sentido estrito, consiste em remover a rigidez
do intelecto e de seus produtos, o que importa o
esclarecimento de uma série de contradições e opo-
sições de vários tipos, sufocadas no enrijecimento
do intelecto. Desse modo, toda determinação do in-
telecto transforma-se na determinação contrária (e
vice-versa).
Por isso, escreve Hegel:
A dialética é esse ultrapassar imanente no qual a
unilateralidade e a limitação das determinações do
intelecto se expressam por aquilo que são, isto é,
como sua negação. Todo finito é superação de si
mesmo. A dialética, portanto, é a alma motriz do
procedimento científico, sendo o único princípio
pelo qual o conteúdo da ciência adquire um nexo
imanente ou uma necessidade; assim, em geral, é
nele que se encontra a verdadeira elevação, não ex-
trínseca, para além do finito (isto é, para além de
cada simples determinação do finito). (REALE e
ANTISERI, 2003, p. 107)
O terceiro momento, a síntese, é a síntese dos
opostos, que contém em si como superadas aque-
las oposições nas quais se detém o intelecto. Esse é
o momento básico, movimento circular que nunca
tem fim.
A dialética de Hegel é entendida como a síntese
dos contrários e ela é assumida por Marx, só que in-
vertida. Para Hegel, o processo do pensamento, que
ele transforma até em sujeito independente, com
o nome de ideia, para Marx nada mais é do que o
elemento material transferido e traduzido no cére-
bro dos homens. Marx inverte a dialética hegeliana,
colocando-a de pé, ele a transporta das ideias para a
história, da mente para os fatos, da consciência in-
feliz para a realidade social em contradição. Em sua
opinião, todo momento histórico gera contradições
em seu seio e essas contradições constituem a mola
do desenvolvimento histórico.
Explicando melhor, Marx afirma que o modo
pelo qual a produção material de uma sociedade é
realizada constitui o fator determinante da organi-
zação política e das representações intelectuais de
sua época. Se realidade não é estática, mas dialética,
e está em transformação pelas suas contradições in-
ternas, assim, a base material ou econômica cons-
titui a “infraestrutura” da sociedade, que exerce in-
fluência direta na “superestrutura”, ou seja, nas ins-
tituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e nas
ideológicas (as artes, a religião, a moral) da época.
A luta de classes existente nessa sociedade é a con-
tradição presente no processo histórico dialético,
ou seja, se a base material ou econômica constitui a
infraestrutura e essa infraestrutura influencia a su-
perestrutura, é porque existe a luta de classes. A su-
perestrutura se adapta ao modo de vida econômico
da sociedade, portanto, se isso acontece, é por causa
da luta de classes? Essa é a contradição ou a antítese
do materialismo dialético de Marx.
Dessa forma, o movimento da História possui
uma base material, econômica e obedece a um mo-
vimento dialético. E conforme muda essa relação,
mudam-se as leis, a cultura, a literatura, a educação,
as artes.
A dialética é a lei de desenvolvimento da realida-
de histórica e exprime a inevitabilidade da passagem
da sociedade capitalista para a comunista (REALE e
ANTISERI, 2003).
O CAPITAL
O capital para Marx é o conjunto composto de
capital constante: meios produtivos e matérias-pri-
mas e o capital variável: que é a força de trabalho.
Marx inicia a análise do capital com a mercadoria,
que tem duplo valor: valor de uso e valor de tro-
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89
aula 4 — Karl Marx e suas Influências
ca. O valor de uso, por exemplo, 20 quilos de café,
baseia-se na qualidade da mercadoria que, precisa-
mente em função de sua qualidade, satisfaz mais a
uma necessidade que a outra. O valor de troca é algo
idêntico existente em mercadorias diferentes, cujo
valor é dado pela quantidade de trabalho social-
mente necessário para produzi-las. O valor de troca
de uma mercadoria, portanto, é dado pelo trabalho
social necessário para produzi-la. Mas o trabalho (a
força de trabalho) também é mercadoria que o pro-
prietário da força de trabalho (o proletário) vende
no mercado, em troca do salário, ao proprietário
do capital, ao capitalista, que paga justamente, por
meio do salário, a mercadoria (força de trabalho)
que adquire; ele a paga segundo o valor que a mer-
cadoria tem, valor que é dado pela quantidade de
trabalho necessário para produzi-la, ou seja, pelo
valor das coisas necessárias para manter em vida o
trabalhador e sua família.
A Teoria da Mais-valia, criada por Marx, é um
dos conceitos fundamentais da economia marxista
e um eixo de toda a construção teórica de Marx. O
capitalista adquire sobre o mercado, além do capi-
tal constante (maquinários, matérias-primas etc.),
também o capital variável, isto é, a força de trabalho.
“O valor da força de trabalho é o valor dos meios de
subsistência necessários para a conservação do pos-
suidor da força de trabalho.” O uso da força de tra-
balho é o próprio trabalho. O produto do trabalho é
propriedade não do trabalhador, mas do capitalista.
Ora, se o proletário trabalha doze horas e em seis
horas produz o tanto para cobrir o quanto o capita-
lista despende para o salário, o produto das outras
seis horas de trabalho é valor do qual o capitalista se
apropria. Esse valor que passa para as mãos do capi-
talista é a mais-valia (REALE e ANTISERI, 2003).
Para Marx, a estrutura econômica determinou a
estrutura, o conjunto e outras estruturas: religiosas,
morais, políticas, jurídicas etc. Em outras palavras,
para Marx, a economia determina tudo o que ocor-
re na sociedade. Para Marx, existe um problema gra-
víssimo na troca de valor entre o trabalho realizado
(mão de obra) e o que é pago para quem detém a
mão de obra. Em muitos casos, paga-se a mão de
obra pelo tempo (hora-serviço) e não pela mão de
obra em si mesma (REALE e ANTISERI, 2003).
Com isso, a mão de obra torna-se barata diante
do produto que produz, assim o lucro fica na in-
dústria (com o industrial). O operário recebe em
troca pela sua mão de obra o necessário mínimo
para a sobrevivência de si e de sua família. A mão de
obra ou a força de trabalho excedente irá produzir
a ‘mais-valia’. O lucro real que existe na “sobra” da
mão de obra, o industrial investirá na sua indústria;
assim, sua indústria crescerá cada vez mais porque
acumulará a riqueza deixada pelo operário. Essa ri-
queza acumulada, Marx a chamou de ‘mais-valia’.
Para Marx, a única solução para sair desse círculo
no qual só o industrial agrega lucros é a revolução
das massas, em que os operários, unidos, irão lutar
pelos seus direitos (REALE e ANTISERI, 2003).
CARTA ENCíCLICA QUADRAGESIMO ANNO
Escrita no 40o aniversário da Encíclica Rerum
Novarum, a carta encíclica Quadragesimo Anno res-
salta os grandes benefícios que dela advieram para
a Igreja Católica e para toda a humanidade; defen-
dendo a doutrina social e econômica, satisfazendo
algumas dúvidas, desenvolvendo mais e precisando
de alguns pontos; finalmente, chamando a juízo o
regime econômico moderno e instaurando proces-
so ao socialismo, apontando a raiz do mal-estar da
sociedade contemporânea e mostrando-lhe ao mes-
mo tempo a única via de uma restauração salutar,
que é a reforma cristã dos costumes.
A Encíclica Rerum Novarum observava que as
corporações deveriam organizar-se e governar-se
de modo que forneçam a cada um de seus membros
os meios mais fáceis para conseguirem seguramente
o fim proposto, isto é, a maior parte possível, para
cada um, de bens do corpo, do espírito e da fortu-
na; porém, é claro que, sobretudo, se deveria ter em
vista, como mais importante, a perfeição moral e
religiosa e que, por ela, se deveria orientar todo o
regulamento dessas sociedades.
A Encíclica Quadragesimo Anno enfatiza que de
nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho
sem o capital, declarando que o capital não pode
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90
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
reivindicar para si todos os direitos, deixando ao
operário somente o suficiente para sobreviver. Con-
dena, portanto, o enriquecimento dos capitalistas
realizado sobre a miséria e o sofrimento dos operá-
rios e, ainda, que os socialistas se apropriem de tudo
o que é produtivo para passar a ser propriedade do
Estado. Defende a justa distribuição de bens e ri-
quezas para que haja um equilíbrio de qualidade de
vida entre os homens.
É necessário que as riquezas, em contínuo incre-
mento com o progresso da economia social, se-
jam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes
particulares, de tal maneira, que se salve sempre a
utilidade comum, de que falava Leão XIII, ou, por
outras palavras, que em nada se prejudique o bem
geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça so-
cial proíbe que uma classe seja pela outra excluída
da participação dos lucros. Violam-na, por con-
seguinte, tanto os ricos que, felizes por se verem
livres de cuidados em meio da sua fortuna, têm
por muito natural embolsarem eles tudo e os ope-
rários nada, como a classe proletária que, irritada
por tantas injustiças e demasiadamente propen-
sa a exagerar os próprios direitos, reclama para si
tudo, porque fruto do trabalho das suas mãos, e
combate e pretende suprimir toda a propriedade
e rendas ou proventos, qualquer que seja a sua na-
tureza e função social, uma vez que se obtenham e
pela simples razão de serem obtidos sem trabalho.
A este propósito cita-se, às vezes, o Apóstolo, lá
onde diz: “Quem não quer trabalhar, não coma.”
Citação descabida e falsa. O Apóstolo repreende
os ociosos, que, podendo e devendo trabalhar, não
o fazem, e admoesta-nos a que aproveitemos di-
ligentemente o tempo e as forças do corpo e do
espírito, nem queiramos ser de peso aos outros,
quando podemos bastar-nos a nós mesmos. Ago-
ra, que o trabalho seja o único título para receber
o sustento ou perceber rendimentos, isso não o
ensina, nem podia ensinar o Apóstolo.
A Encíclica Quadragesimo Anno (1931), elabora-
da pelo Papa Pio XI, dá um passo decisivo na re-
condução da propriedade privada para o âmbito do
bem comum. É a segunda grande encíclica social,
que procura resgatar o legado de Leão XIII no novo
contexto histórico que se afigurava ameaçador. De-
cepcionado com as democracias liberais, Pio XI es-
tava convicto de que o destino da humanidade seria
decidido pelo confronto dos grandes blocos totalitá-
rios emergentes: o nazismo e o fascismo, de um lado
e o comunismo marxista, de outro. Teve a audácia
não só de condenar esses sistemas (v. Encíclicas: Non
abbiamo bisogno, 1931; Mit brennender Sorge, 1937,
Divini Redemptoris, 1937), mas também de propor
um sistema alternativo, o corporativismo cristão,
fundado na preocupação de preservar a dignidade
inalienável da pessoa humana esmagada pelos regi-
mes totalitários, e a primazia do bem comum sobre
os interesses tanto corporativos como classistas. A
tragédia da Segunda Guerra Mundial não permitiu
que a proposta de Pio XI tivesse a merecida resso-
nância.
CARTA APOSTÓLICA OCTOGESIMA ADVENIENS
A Carta Apostólica do Papa Paulo VI ao senhor
Cardeal Maurício Roy, presidente do conselho dos
leigos e da pontifícia comissão “justiça e paz”, por
ocasião do 80o aniversário da Encíclica Rerum No-
varum ao Cardeal Secretário de Estado, em 1971,
a Octogesima Adveniens, comemora o octagésimo
aniversário da Rerum Novarum, na qual deixa cla-
ro que a Igreja renuncia a qualquer pretensão de
propor um sistema alternativo. É missão dos leigos
comprometidos com a política construírem os mo-
delos adequados às diversidades nacionais.
Nesse documento, o Papa enfatiza a diversidade
das situações e a necessidade de uma ação solidária
no combate aos problemas emergentes, como a ur-
banização crescente e a necessidade dos cristãos, que
se instalam em moradias paupérrimas, que o Sumo
Pontífice chama de “degradantes, desumanizantes
e perniciosas”, lembrando que “Construir a cidade,
lugar de existência dos homens, e das suas comuni-
dades ampliadas, criar novos modos de vizinhança
e de relações, descortinar uma aplicação original da
justiça social, assumir, enfim, o encargo deste futuro
coletivo que se preanuncia difícil é uma tarefa em
que os cristãos devem participar.” Comenta ainda,
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91
aula 4 — Karl Marx e suas Influências
sobre o lugar da mulher, sobre os jovens, sobre o
trabalhador, a discriminação, a imigração, a criação
de postos de trabalho, os meios de comunicação so-
cial, o meio ambiente, entre outros assuntos de igual
importância e relevância social.
Fundamentalmente, preocupa-se com a socie-
dade e seus problemas, seus dilemas, no sentido de
buscar uma igualdade solidária e a justiça social.
CARTA ENCíCLICA CENTESIMUS ANNUS
A Centesimus Annus (1991) é a última das encícli-
cas sociais. Ela faz uma análise socioeconômica dos
recentes acontecimentos e propõe uma leitura das
novas realidades. Nesta encíclica, são expostas as ori-
gens da destinação universal dos bens e da proprie-
dade individual. Constata-se que o ponto central que
permeia toda a Doutrina Social é sempre o mesmo:
como conciliar destinação universal de bens e pro-
priedade privada. Esta conciliação se dá por meio da
ideia de hipoteca social, na qual é considerada legíti-
ma a propriedade privada apenas se for destinada à
função social. A função social de uma propriedade
é entendida como sendo a instrumentalização desta
para o bem de todo o gênero humano, pela criação
de trabalho útil e partilha da riqueza. Essa discussão
acerca da busca da conciliação entre a destinação uni-
versal dos bens e a propriedade privada é importante
e relevante porque a cultura capitalista desencadeou
– dentro de um sistema capaz de produzir uma gran-
de quantidade de bens – a mentalidade do acumular.
Não estimulou a circulação de bens e a comunhão,
mas o consumismo individualista.
Sites ■■
http://www.vatican.va/holy_father/index_
po.htm www.mundodosfilosofos.com.br/marx.
htm www.vermelho.org.br/img/obras/biblio-
marx.asp
filmes■■
Olga•
Dr. Jivago •
anotaçÕes *
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92
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
AULA
5Fenomenologia
Conteúdo■■
Edmund Husserl•
Martin Heidegger•
Maurice Merleau-Ponty•
Competências e habilidades■■
Capacidade de criar e desenvolver ideias pessoais, a partir da “filosofia pós-moderna”•
Organizar princípios filosóficos a partir desta nova realidade filosófica e social•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
un
idad
e d
idát
ica
– Fu
nd
amen
tos
teó
rico
s e
met
od
oló
gic
os
do
ser
viço
so
cial
A Fenomenologia é uma corrente filosófica que
concebe ao pensamento a certeza de reter só o es-
sencial do fenômeno em questão, e o método fe-
nomenológico é aquele que oferece uma técnica de
busca da essência dos fenômenos. Apesar da Feno-
menologia ter sido caracterizada como uma filoso-
fia essencialista, a sua finalidade era a de ser uma
solução objetiva para todo o subjetivismo intelec-
tual em voga na época de sua idealização. O seu
precursor, Edmund Husserl, objetivava criar uma
corrente filosófica que desse uma base sólida para
a Filosofia e para as ciências, sendo uma solução
definitiva para o caos intelectual do final do século
XIX e do início do XX.
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
Husserl, fundador da Fenomenologia, nasceu em
Prossnitz (Morávia) e estudou matemática em Ber-
lim, diplomando-se em 1883. Em Viena, foi aluno
de Franz Bentrano.1 Em 1887, tornou-se livre-do-
1 Franz Brentano (1838-1917), ex-sacerdote católico e filósofo alemão, geralmente considerado o fundador do intencional-ismo. Em 1874 Brentano foi designado Professor na Universi-dade de Vienna, onde permaneceu até 1895, tendo como alu-nos, além de Husserl, Freud. Muito escreveu sobre Aristóteles, porém sua maior obra foi A psicologia do ponto de vista empírico (1874), na qual afirma o caráter intencional da consciência. Se-gundo esse autor, os fenômenos psíquicos são classificados em três classes fundamentais: a representação, em que o objeto está sempre presente; o juízo, em que o objeto é sempre afirmado ou negado; e o sentimento, em que ele é amado ou odiado.
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93
aula 5 — Fenomenologia
cente em Halles. Em 1891 publica Filosofia da mate-
mática e, em 1901, é nomeado professor de Filosofia
em Göttingen, quando publica Pesquisas Lógicas.
Em 1911, publica A filosofia como ciência rigorosa
e Ideias para uma fenomenologia pura. Em 1913,
publica Uma filosofia fenomenológica e, em 1916,
passa a lecionar em Friburgo, onde ficou até 1928,
quando os nazistas o impediram de continuar en-
sinando, devido à sua condição de judeu. Em 1929,
publica Lógica formal e lógica transcendental e, em
1931, publica Meditações cartesianas, cujo conte-
údo são suas conferências em Paris. Ao falecer em
1938, deixa cerca de 45 mil páginas estenografadas,
que foram salvas da guerra pelo padre belga Her-
mann van Breda e que constituem, na atualidade,
o Arquivo Husserl, dos quais foram tirados vários
livros, dentre os mais conhecidos e importantes,
A crise das ciências europeias e a fenomenologia
transcendental, no qual Husserl fala, não sobre a
crise das ciências, mas sobre a crise do que elas têm
significado. O objeto da crítica de Husserl são: o na-
turalismo e o objetivismo; a verdade científica como
a única válida e que a realidade verdadeira é aquela
descrita pelas ciências.
A Fenomenologia é a ciência dos fenômenos, cujo
objetivo é descrever os modos típicos pelos quais
os fenômenos se apresentam à consciência, sendo,
portanto, a ciência da experiência, cujo objeto são
as essências dos dados de fato e cuja característica
fundamental é a intencionalidade. A Fenomenolo-
gia envolve, também, além dos fatos perceptivos,
aqueles que Husserl identificava como ontologias
regionais, assim constituídas pela natureza, pela so-
ciedade, pela moral e pela religião, contrapostas à
ontologia formal, identificada com a lógica.
O termo “Fenomenologia” significa um conceito
de método e expressa o retorno às próprias coisas,
ou seja, buscam-se fenômenos tão evidentes que
não possam ser negados. A intenção da Fenome-
nologia, portanto, é a descrição dos fenômenos que
se anunciam e se apresentam à consciência e, a par-
tir disso, a descrição dos modos típicos de como
as coisas e os fatos se apresentam à consciência.
O que interessa não é a análise desta ou daquela
norma moral, mas sim, compreender por que esta
ou aquela norma são normas morais e não normas
jurídicas ou regras de comportamento. Da mesma
forma, não interessa em examinar os ritos e os hi-
nos desta ou daquela religião, mas sim por com-
preender o que é a religiosidade, o que transforma
ritos e hinos tão diferentes em ritos e hinos religio-
sos, assim como o que caracteriza essencialmente
o pudor, a santidade, o amor, a justiça etc. A Feno-
menologia é a ciência das essências e não dos dados
de fato, e seu objetivo é descrever os modos típicos
pelos quais os fenômenos se apresentem à consci-
ência e essas modalidades típicas (pelas quais este
som é um som e não uma cor) são precisamente as
essências. A Fenomenologia, portanto, é a ciência
da experiência, não dos dados de fato. Os objetos
da Fenomenologia são as essências dos dados de
fato e nisso consiste a redução eidética, ou seja, a
intuição das essências, quando se prescinde dos as-
pectos empíricos e das preocupações que nos ligam
a ele. Isto é o que Husserl chama de ontologias re-
gionais, cujas regiões são a natureza, a sociedade,
a moral e a religião. O que importa é descrever o
que efetivamente se dá à consciência, o que nela se
manifesta e nos limites em que se manifesta. E o
que se manifesta e aparece é o fenômeno, em que
por fenômeno não se deve entender a aparência
contraposta à coisa em si: eu não ouço a aparência
de uma música, eu escuto a música; eu não sinto
a aparência de um perfume, eu sinto o perfume;
consequentemente, o “princípio de todos os prin-
cípios” enunciado por Husserl é: “Toda intuição
que apresenta originariamente alguma coisa é, por
direito, fonte de conhecimento; tudo aquilo que se
apresenta a nós, originariamente na intuição, deve
ser assumido assim como se apresenta, mas tam-
bém, nos limites em que se apresenta.” O método
fenomenológico utilizado é a epoché, que quer di-
zer “a suspensão do consentimento”, a colocação
entre parênteses das convicções filosóficas ou cien-
tíficas, ou também, das crenças e do senso comum,
ou seja, suspender o juízo em primeiro lugar sobre
tudo aquilo que nos dizem as doutrinas filosóficas
com seus debates metafísicos e as ciências.
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94
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
O movimento fenomenológico nasceu com Hus-
serl, mas é composto de uma vasta e articulada cor-
rente de pensamento, da qual se destacam as con-
cepções ontológicas e éticas de Nicolai Hartman, o
pensamento de Heidegger, as análises de Sartre, de
Merleau-Ponty e de G. Marcel, as ideias do materia-
lista dialético Tran Duc Tão, além dos trabalhos dos
discípulos e seguidores de Husserl, como E. Conrad-
Martius, E. Finck, E. Stein e outros. A influência da
Fenomenologia sobre a Psicologia, a Antropologia,
a Psiquiatria, a filosofia moral e a filosofia da reli-
gião foi e ainda continua sendo notável e, por isso, é
considerada um acontecimento decisivo da filosofia
contemporânea.
MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)
Nasceu em Messkirch, em 26 de setembro de
1889, região de Baden (sul da Alemanha). Obteve
formação filosófica na Universidade de Freiburgim-
Breisgau, onde estudou com Husserl (método feno-
menológico) e Ricket (filosofia da Grécia Antiga).2
Em 1914, tornou-se Doutor em Filosofia com a
tese A doutrina do juízo no psicologismo. Para ha-
bilitar-se ao ensino universitário, publicou A dou-
trina das categorias e do significado em Duns Es-
coto, tornando-se sucessor de Husserl na disciplina
de Filosofia em Friburgo (Alemanha). Publica, em
1927, seu principal trabalho: O ser e o tempo, no
qual analisa existencialmente o ser, ou seja, analisa
o sentido do ser, ótica que abandona em 1930, pas-
sando a se preocupar com o próprio ser, o ser-no-
mundo; o ser-com-os-outros; o ser-para-a-morte.
A análise da existência proposta por Heidegger
revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser,
ele não é revelado e, sim, o nada da existência, pois o
ser não pode ser revelado por ele mesmo. A lingua-
gem dos homens, enquanto patrimônio de palavras,
regras lógicas, gramaticais e sintáticas, pode falar
dos entes, mas não do ser, porque o homem deve ser
o pastor do ser e não o senhor do ente, e sua digni-
dade consiste em ser chamado pelo próprio ser para
2 Retirado de http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/heidegge.htm. Acesso em setembro, 2007.
ser o guarda de sua verdade. O homem não deve ser
desvelado por ele mesmo, mas sim, pela linguagem
autêntica da poesia: “a linguagem é a casa do ser”
(REALI e ANTISERI, 2006, p. 202).
Para Heidegger, na linguagem do poeta, não é o
homem que fala e, sim, a própria linguagem e, nela,
o ser, e, para ouvi-lo, o homem necessita do silêncio.
O homem deve tornar-se livre para a verdade, con-
cebida como desvelamento do ser. Como a verdade,
a liberdade também é dom do ser ao homem, uma
iniciativa do ser.
MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Autor de importantes obras, como A estrutura do
comportamento (1942) e Fenomenologia da percep-
ção (1945), Merleau-Ponty, existencialista, foi mui-
to influenciado pela Fenomenologia, a psicologia
científica e a biologia. Concebe a existência como
ser-no-mundo, como “certa maneira de enfrentar o
mundo”. E o homem que enfrenta o mundo não é
um ser composto de alma e corpo: alma e corpo in-
dicam níveis de comportamento e não substâncias
separadas. “O espírito não utiliza o corpo, mas se
faz por meio dele.” Daí a centralidade do pensamen-
to do autor, da percepção: a percepção e a inserção
do corpo no mundo. Merleau-Ponty critica tanto
a ideia de liberdade absoluta, defendida por Sar-
tre, quanto a teoria marxista do primado causal do
fato econômico sobre a vida e as ações do homem.
O homem é livre, repete Merleau-Ponty; só que a
liberdade do homem é condicionada pelo mundo
em que se vive e pelo passado no que se viveu. Nossa
liberdade, portanto, não destrói a situação, mas nela
se insere.
Concluindo■■
A Fenomenologia envolve, também, além dos
fatos perceptivos, aqueles que Husserl identificava
como ontologias regionais, assim constituídas pela
natureza, pela sociedade, pela moral e pela religião,
contrapostas à ontologia formal, identificada com
a lógica.
A análise da existência proposta por Heidegger
revela que, ao se perguntar sobre o sentido do ser,
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95
aula 5 — Fenomenologia
Atividades■■
Em grupos, de no máximo cinco pessoas, desen-
volva, em forma de redação, os argumentos de cada
um desses filósofos: Nietzsche, Husserl, Heidegger,
Arendt.
dicas !http://www.fae.unicamp.br/vonzuben/fenom.html
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modu-
les/smartsection/item.php?itemid=138
http://www.mundodosfilosofos.com.br/merle-au-
ponty-a-filosofia-e-a-condicao-humana.htm
ele não é revelado e, sim, o nada da existência, pois
o ser não pode ser revelado por ele mesmo. A lin-
guagem dos homens, enquanto patrimônio de pa-
lavras, regras lógicas, gramaticais e sintáticas, pode
falar dos entes, mas não do ser, porque o homem
deve ser o pastor do ser e não o senhor do ente, e
sua dignidade consiste em ser chamado pelo pró-
prio ser para ser o guarda de sua verdade. Para
Heidegger, na linguagem do poeta, não é o homem
que fala e, sim, a própria linguagem e, nela, o ser,
e, para ouvi-lo, o homem necessita do silêncio. O
homem deve tornar-se livre para a verdade, conce-
bida como desvelamento do ser. Como a verdade,
a liberdade também é dom do ser ao homem, uma
iniciativa do ser.
anotaçÕes *
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96
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Socialu
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do
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AULA
6Fundamentos metodológicos
Conteúdo■■
Metodologia do Serviço Social•
O primeiro código de ética do assistente social•
Compreensão histórica do Serviço Social•
Linhas de pensamento que fundamentam o agir profissional•
Competências e habilidades■■
Compreender o surgimento das instituições e reconhecer suas finalidades•
Compreender a influência das linhas de pensamento na ação profissional•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL
A questão da metodologia do Serviço Social se-
gundo Faleiros (2007, p. 105) foi muito enfatizada
na década de 1970 como um modo de retomar o
debate teórico e prático da profissão. Porém, “esta
ênfase levou a certos exageros. Teoricamente, pas-
sou-se a considerar a discussão metodológica como
a única forma de encaminhamento da sistematiza-
ção da atividade profissional”. Agora, se é verdade
que temos de enfatizar a importância das questões
metodológicas, por outro lado é também necessário
considerar que elas são determinadas historicamen-
te. Ou seja, a questão metodológica não pode ser fe-
chada num único esquema, por ser historicamente
determinada, mas também ela é condicionada pelo
próprio objeto, que a situa num contexto teórico
construído.
Uma vez que, do ponto de vista da prática, con-
fundiu-se a questão metodológica com a elaboração
de uma série de etapas que pudessem levar a uma
maior eficácia no trabalho institucional, o proces-
so de planificação tornou-se o mecanismo de sis-
tematização das práticas e foi erigido em esquema
universal da atividade profissional, ou melhor, da
sistematização das operações profissionais.
O processo metodológico que se situa ao nível da
prática, e que consiste no estudo de certas situações
problema e na busca de uma compensação, quan-
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97
aula 6 — FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
to a recursos, para a situação, pode ser considerado
como metodologia da regulação, pois a regulação
combina a relação problema-recurso de acordo
com certas normas institucionais preestabelecidas,
tomando os problemas como desregulagens que
podem ser reparadas pelos mecanismos institucio-
nais. (FALEIROS, 2007)
COMPREENSÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO
SOCIAL
Até o período chamado de Reconceituação do
Serviço Social (1965/1970), a profissão teve, essen-
cialmente, uma ação pragmática, técnica e pretensa-
mente neutra. A partir de 1970, entretanto, passou
a buscar maior solidez científica, um compromisso
de classe e a conferir ao assistente social um perfil
de pesquisador.
A especificidade do Serviço Social advém de sua
institucionalização como atividade determinada na
divisão social e técnica do trabalho. Assim, o Serviço
Social se afirma como uma forma de intervenção na
realidade social dentro de uma dimensão de traba-
lho intelectual e técnico.
A partir de 1982 começam a ser contempladas
diferentes posições e concepções da formação e da
prática do assistente social dando-lhe maior flexibi-
lidade e pluralismo teórico.
Teoria/método/história encontram-se estreita-
mente articuladas como dimensões de uma única
questão, a concepção teórico-metodológica histori-
camente situada que orienta o exercício profissional
e as suas formulações teóricas. Daí a necessidade
de desenvolver uma análise teórica que dê conta da
profissão e da sociedade onde ela emerge.
O Serviço Social tradicional ou pré-reconcei-
tuado caracterizava-se por uma ação fragmentada
(Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo,
Serviço Social de Comunidade), o que propiciava a
visão isolada do problema social, ou seja, desligado
do todo. Uma exacerbada preocupação tecnicista e
uma ilusória neutralidade profissional. Questionado
em suas bases por um movimento que envolveu as
Ciências Humanas e Sociais da época, evidencian-
do que seus postulados e a teoria que os embasava
refletiam propostas da sociedade norte-americana
marcadas por uma visão positivista da ciência.
A reconceituação evidenciou a presença de di-
ferentes enfoques teórico-ideológicos, permitindo
um melhor direcionamento da ação. Privilegiou a
visão de totalidade, a participação político-ideoló-
gica e colocou o objetivo da ação além do nível de
intervenção.
Hoje, o Serviço Social enfrenta o crescimento
ininterrupto da exclusão social, econômica, política
e cultural das classes subalternas e é a essa demanda
que tem que dar respostas.
As transformações verificadas no capitalismo
internacional trouxeram mudanças no padrão de
produção brasileiro, que passou a buscar maior
flexibilidade nos processos de trabalho, desregula-
mentação de direitos trabalhistas, a terceirização de
atividades, estimulados pela competitividade.
No Estado há um exugamento dos gastos gover-
namentais e um esvaziamento dos serviços públi-
cos, pela retração de suas responsabilidades, espe-
cialmente no campo social.
Assim, precisa o Serviço Social, acima de tudo,
entender a gênese da questão social. Saber transitar
da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da
profissão na realidade, através do uso de estratégias,
táticas e técnicas profissionais e, ainda: assumir a
defesa intransigente dos direitos humanos; afirmar
o compromisso com o usuário das políticas sociais;
estimular a participação; impulsionar formas de-
mocráticas de gestão política; socializar informa-
ções; alargar os canais que dão o poder decisório à
sociedade civil e ser um educador político.
Para tanto terá que ser um profissional informa-
do, culto, crítico e competente. Antes de se entrar
nos conceitos mais diretamente ligados à disciplina,
clareia-se a compreensão de ideologia e teoria, uma
vez que elas (ideologia e teoria) constituem o eixo
fundante dos demais. Assim, ideologia é um sistema
de ideias que constitui uma doutrina política ou so-
cial adotada por um partido ou grupo humano.
Uma classe social defende uma ideologia porque
assim exigem seus interesses. Vários fatores podem
determinar o nascimento de uma ideologia e, à me-
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98
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
dida que esses fatores se alteram ou desaparecem a
ideologia se modifica ou se apaga.
São fatores determinantes do surgimento do capi-
talismo – a ideia de êxito, a valorização do trabalho, a
perda do idealismo cavaleiresco medieval, o abando-
no do conceito heroico de honra, o apego ao lucro.
teoria – é o princípio fundamental de uma arte ou
ciência. A teoria é constituída a partir da observação
dos fatos. É papel da teoria: oferecer um sistema de
conceitos; resumir o conhecimento (generalizações
e interrelações); indicar lacunas no conhecimento e,
principalmente, orientar a investigação.
metodologia – “Arte de dirigir o espírito na in-
vestigação da verdade” (filosófico). Metodologia é
uma unidade composta de método, técnicas e ins-
trumento embasados em uma teoria que revela uma
determinada visão de mundo conforme o referen-
cial ideológico do metodologista.
método – É a maneira como se usa instrumentos
e técnicas para desvendar o conhecimento.
instrumento – Meio através do qual as técnicas
são aplicadas.
técnicas – São meios para a obtenção de deter-
minados fins. Os métodos profissionais são postos
em prática graças à existência de um conjunto de
técnicas que viabilizam a sua aplicação. Existe uma
infinidade de técnicas que nada mais são que a capa-
cidade do assistente social de aplicar conhecimentos
e compreensão a uma dada situação. São técnicas:
clarificação, apoio, interpretação, informação, de-
senvolvimento da compreensão interior (“insight”),
uso de atividades, projetos etc.
LINHAS DE PENSAMENTO QUE fUNDAMENTAM
O AGIR PROfISSIONAL
funcionalismo
Teoria antropológica e etnológica sustentada por
Malinowiski e Radcliff-Brown, que diz: todo sistema
social tem uma unidade funcional, na qual todas as
partes se acham interligadas em um grau suficiente
de harmonia.
Dentro da mesma visão está o estruturalismo
que consiste em perceber as coisas como estruturas
estáticas. São correntes fundadas no positivismo. A
sociedade é vista como um organismo social com-
posto de estruturas e sistemas.
Com base nesta teoria o profissional encara o
problema social de forma única e pessoal, enfatiza
a individualização, a neutralidade ideológica, tem
o objetivo de ajustar, integrar e acomodar o ho-
mem à sociedade vigente.
Dialética
Surgiu como um ramo de estudo da lógica for-
mal. Para Hegel, a dialética consiste em reconhecer
os contraditórios e descobrir o princípio de sua
ultrapassagem numa categoria superior. Tese–An-
títese–Síntese caracterizam o movimento dialético
do espírito.
Para Marx, a dialética se apresenta como uma
teoria geral do mundo. A realidade primeira é a
matéria. Não é a consciência do homem que deter-
mina o seu ser, mas o ser social que determina sua
consciência. Daí a importância da visão histórica
da sociedade, compreendida de forma dinâmica e
contraditória, em permanente transformação cau-
sada pelo jogo de forças das classes sociais.
O profissional passa a defender um posiciona-
mento político comprometido com a classe popu-
lar, com função libertadora (do homem oprimido)
e transformadora da sociedade tendo, para tanto,
por objetivos a conscientização, a politização, a or-
ganização, a gestão e a mobilização popular.
fenomenologia
Parte da concepção advinda da dialética da com-
plementariedade e das tensões de Heráclito.
Schutz levou a fenomenologia para as ciências
sociais. Segundo Schutz, o objeto das ciências so-
ciais é a conduta que tem significado subjetivo.
É um método compreensivo e não explicativo,
é indutivo e não dedutivo. Para o Serviço Social,
a atitude fenomenológica se caracteriza pelo diá-
logo, conscientização, participação, compreensão
intersubjetiva, captação intencional das vivências
por meio da presença corporal. Exige conhecimen-
to mútuo (assistente social/usuário) o que implica
saber ouvir, sentir com, perceber.
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99
aula 6 — FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
PROPOSTA DE AÇÃO DIALÉTICA
Nesta proposta o assistente social desenvol-
ve a sua prática com base em pontos fundamen-
tais como a práxis, a autonomia e a consciência
de classe.
Embora a prática profissional do assistente so-
cial seja entendida como um conjunto de ativida-
des peculiares à profissão existe aspectos que estão
relacionados com as dimensões estruturais e con-
junturais da realidade. Dessa forma, a prática pro-
fissional torna-se subsidiária da prática política,
quer na perspectiva de manter o status quo, quer
na perspectiva de transformação da realidade.
A ação profissional ocorre em três momentos
distintos e simultâneos:
1o momento – Conhecimento da clientela. Contato
com a clientela seja ela indivíduos, grupos ou po-
pulações. Serve para o conhecimento das especi-
ficidades e características concretas da mesma.
2o momento – Nucleação ou grupalização. Os tra-
balhadores têm interesses coletivos a defender e
só podem defendê-los, eficazmente, na medida
em que se associam, pois ogrupo tem melho-
res condições de pressão. Desenvolvimento da
consciência social.
3o momento – Articulações com movimentos so-
ciais e partidos políticos. Novos processos de
ação coletiva e manejo de novos instrumentos
para levar as populações a criarem estruturas
autonomamente geridas e que estabeleçam,
progressivamente, suas próprias formas de re-
presentatividade.
PROPOSTA DE AÇÃO fENOMENOLÓGICA
No Serviço Social o processo fenomenológico
busca abordar os problemas sociais do indivíduo,
do grupo, das instituições a partir do encontro do
sentido originário da fenomenologia que funda-
menta maneiras específicas de vivenciar o mundo,
permitindo compreender (não explicar) comporta-
mentos e atuações sociais.
Para Husserl, “a essência é encontrada a partir das
vivências intencionais fundamentais”. Para se alcan-
çar a essência parte-se da percepção concreta e vivi-
da da coisa, assim como de sua representação pela
imaginação. Esse processo exige um conhecimento
mútuo entre assistente social e cliente ao nível de
compreensão que supõe a descrição do vivido, a
descoberta do sentido do vivido, a caracterização da
estrutura do vivido.
Apresenta-se uma proposta metodológica, ba-
seada na fenomenologia, cujo marco referencial é
constituído pelos conceitos de diálogo, Pessoa e
transformação.
diálogo – assistente social e cliente desenvolvem
uma interação baseada na percepção e na forma de
consciência que dará origem a um projeto a partir
da SEP (Situação Existencial Problematizada). O di-
álogo deve constituir-se em um processo gerador de
transformação social.
Pessoa – pessoa é o homem total, sujeito, logo
racional e livre.
O desenrolar metodológico requer a elaboração
de um “insight” psicanalítico que oportunize um
trabalho em maior profundidade (ser-na-sua-natu-
reza) e uma fundamentação teórico-metodológica
que possibilite trabalhar em nível de compreensão
(ser-como-pessoa).
O procedimento metodológico dá-se em cinco
movimentos exercidos no diálogo.
1o momento – Colocação de uma SEP como fe-
nômeno social.
2o momento – Análise crítica dessa SEP.
3o momento – Síntese crítica da SEP gerada pelo
conhecimento constituído na análise.
4o momento – Construção do projeto de trans-
formação.
5o momento – Retorno reflexivo (questionar os
resultados comparando o que foi alcançado
com o que se pretendia alcançar).
Para a autora, a experiência deve conduzir a uma
tomada de consciência crítica de necessidades no-
vas, de exigências de novas opções.
O agir profissional sempre acontece embasado
por um método científico, e que norteia a práxis,
influenciando, diretamente a ação profissional.
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100
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Socialu
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AULA
7do reFerencial teórico à mediação em
serviço social
Conteúdo■■
O referencial teórico da prática•
O diagnóstico em Serviço Social•
A prática do assistente social•
Mediação em Serviço Social•
Mediação na prática profissional do assistente social•
Competências e habilidades■■
Capacidade de entender o significado do exercício profissional, com base na instrumentali-•dade utilizada no trabalho do assistente social.
Capacidade de compreender que o profissional de Serviço Social tem como base de sua •atuação o papel de mediador das relações sociais.
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
O REfERENCIAL TEÓRICO DA PRÁTICA
O Serviço Social, ao trabalhar o “social” depara-
se com questões que precisam ser solucionadas e
com uma realidade a ser transformada, ao nível es-
trutural.
A ação do Serviço Social está ancorada no social,
que não é neutro, mas permeado de poder, conflito
e divergências. Da trama das relações sociais surgem
os problemas ou as questões sociais para as quais se
volta à ação do profissional, cujo papel é o de educa-
dor e organizador político, uma vez comprometido
com os interesses populares.
O cotidiano do assistente social (ação profissio-
nal) constitui em um espaço privilegiado para a re-
lação teoria-prática.
A ação profissional do Serviço Social, situada no
interior da divisão social do trabalho, surge como
necessária para cumprir determinadas funções. A
intervenção profissional, no entanto, varia, de acor-
do com as mudanças que se operam na realidade.
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101
aula 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social
O caráter técnico da prática profissional subordi-
na-se à sua dimensão política. Diante do poder es-
tabelecido e dispondo de uma base teórica metodo-
lógica frágil e insuficiente o Serviço Social torna-se
mais vulnerável à manipulação política.
O MARCO REfERENCIAL
Constitui-se em um corpo de conhecimento teó-
rico, referente a um determinado “objeto de estudo”.
Antecedendo a prática de estudo de uma realidade
que se deseja conhecer. Implica dois níveis que estão
intimamente relacionados às referências teórico-
práticas.
1 – Referências que possibilitam uma análise glo-
balizadora da realidade, abrangendo elementos bá-
sicos determinantes da estrutura social.
O econômico – as relações e forças de produção.
O sócio-político – classes sociais e suas relações
na estrutura do poder.
O ideológico – normas, aspirações, entre outros.
2 – Referências que possibilitam compreender e
analisar a realidade de trabalho específico, relacio-
nado com os elementos determinantes do contexto
mais amplo.
Prática = práxis = ação atuação.
O Serviço Social necessita de duas referências
científicas para orientar a sua ação.
1 – Referencial teórico – com base nas ciências
sociais.
2 – Referencial prático – com base na sua própria
prática.
O diagnóstico em Serviço SocialA primeira preocupação com relação à temática
no Serviço Social surge através de Mary Richmond,
em 1917, quando ela definiu o diagnóstico social
como sendo a tentativa para se formar um juízo tão
exato quanto possível da situação e da personalidade
de um ser humano que tenha qualquer necessidade
social, situação e personalidade estas em relação aos
outros seres humanos dos quais ele depende ou que
dependam dele e em relação também às instituições
sociais da sua comunidade (RICHMOND, apud
BARDAVID, 1991, p.1).
Há diferentes tipologias definidas para o Serviço
Social segundo diversos autores norte-americanos e
latino-americanos.
Para falar dessa revisão da literatura apresentare-
mos os mais importantes teóricos que formularam
conceitos relacionados ao tema:
Ernest Greenwood – discorre sobre as tipolo-
gias diagnósticas, mas evidencia que é crucial sua
implantação. Pois, no processo diagnóstico, o pro-
fissional emprega os princípios do diagnóstico
para descobrir os fatos numa situação-problema
específica.
Florence Hollis – o processo diagnóstico para que de
fato ocorra ou se efetive deve compreender três passos:
o balanceamento ou avaliação, o diagnóstico dinâmico
e etiológico e a categorização (classificação).
O ponto inicial se dá no primeiro contato do
assistente social como cliente e consiste em verifi-
car “qual o problema”, segundo a análise dos fatos
coligidos na investigação. No segundo, depois de
verificada a dificuldade do cliente, por meio do ba-
lanceamento, o assistente social passa a considerar a
importância do meio e as características da perso-
nalidade e sua influência mútua, na medida em que
contribuem para o problema por ele apresentado.
A terceira se norteia por colocar um problema total
numa classificação conhecida e não dar um só traço
ou característica.
Helen Harris Perlman – ressalta que o Serviço So-
cial dedica-se a estudar e resolver problemas que o
indivíduo encontra no campo de sua segurança so-
cial e ajustamento funcional. Assim sendo, um pro-
blema é objeto da intervenção do assistente social na
medida em que o indivíduo apresenta incapacidade
de desenvolver seu papel normalmente, ou manter a
situação de bem-estar e ajustamento social.
Gordon Hamilton – o diagnóstico significa com-
preender o problema e a pessoa que o apresenta; é
uma opinião profissional em relação à natureza real
do problema apresentado pelo cliente; preocupa-se
com a interação causal, e sua técnica é resultado de
conhecimento de psicologia e ciências sociais.
Mary E. Richmond – é pela análise profunda e
minuciosa das relações sociais de cada caso que se
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102
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
determinará o caminho a seguir para a descoberta
das causas da incapacidade do cliente e, consequen-
temente, as linhas diretrizes para o tratamento.
José Lucena Dantas – formula o “Modelo de
Processo de Pauperismo”, por meio de princípios e
conceitos da teoria sociológica da família e do sub-
desenvolvimento e da observação de fatos sociais
presentes no contexto urbano de Brasília. Construiu
uma tipologia específica da problemática do menor
“conceituando e classificando as situações básicas
com vistas a permitir e elaborar o diagnóstico e a
definir uma estratégia de ação, e, assim, estruturar
uma política eficaz de prevenção e controle da mar-
ginalização do menor” (DANTAS, apud BARDA-
VID, 1991, p.41).
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIALQuanto à prática do assistente social, pode-se di-
zer que ela é composta de dois objetivos, sendo um
remoto – que valoriza a melhoria das condições de
vida do ser humano, com vista à Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos; e o outro operacio-
nal – que quer identificar e tratar os problemas ou
distorções residuais que impedem grupos, famílias,
comunidades, indivíduos e populações de terem a
mobilidade social compatível com a dignidade hu-
mana e estimular a contínua elevação do padrão
social.
Para Aguiar (1985), a metodologia de ação do
Serviço Social em seu primeiro período pode ser
definida pelo postulado e princípios do documento
de Araxá, conforme os pontos a seguir.
Dentre os postulados, conclui-se que pelo menos
três se acham, explicita ou implicitamente, adotados
como pressupostos fundamentadores da atuação do
Serviço Social: a) postulado da dignidade da pes-
soa humana, que entende como uma concepção do
ser humano numa posição de eminência ontológica
na ordem universal e no qual todas as coisas devem
ser referidas; b) postulado da sociabilidade essen-
cial da pessoa humana, que é o reconhecimento da
dimensão social intrínseca à natureza, e, em decor-
rência do que se afirma o direito de a pessoa huma-
na encontrar, na sociedade, as condições para a sua
autorrealização; c) postulado da perfectibilidade
humana – compreende-se como o reconhecimento
de que o homem é, na ordem ontológica, um ser
que se autorrealiza no plano da historicidade huma-
na, em decorrência de que se admite a capacidade
e potencialidades naturais dos indivíduos, grupos,
comunidades e populações para progredirem e se
autopromoverem” (AGUIAR, 1985, p. 115).
Seminário de Araxá (1967)
O eixo que atravessa o Seminário de Araxá é o
transformismo, a conservação do Serviço Social
tradicional sobre novas bases. Isto se manifesta de
diversas formas ao longo do seminário. Uma delas é
a clássica diferenciação entre os níveis de interven-
ção, pois, num primeiro momento, para executar
sua prática ele precisa conhecer a realidade que o
cerca de modo macro e micro, ou seja, “é pressu-
posto fundamental para que o Serviço Social nela
possa inserir-se adequadamente, neste esforço atual
de reformulação teórico-prática” (§105 documento
de Araxá).
Seminário de Teresópolis (1970)
Este outro seminário foi organizado também
pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâm-
bio de Serviços Sociais — CBCISS, com o propósito
de analisar a questão da metodologia profissional
do Serviço Social.
O seminário abordou que as questões de meto-
dologia em Serviço Social são apontadas como res-
ponsáveis pelo praticalismo desconexo das técnicas
do Serviço Social. Posto que, por vias transversais,
chegou ao Serviço Social as questões que hoje en-
volvem as ciências sociais e que as colocam em xe-
que em face das questões de nossos dias.
Diante deste contexto pode-se entender a apro-
ximação que se estabelece entre o profissional as-
sistente social e os agentes sociais. Uma vez que a
prática acaba direcionando a atuação pautada pelo
contato direto com o interlocutor e a compreensão
do contexto social no qual ele está inserido. Dessa
forma, fica evidenciado o papel da mediação no
Serviço Social.
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103
aula 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social
MEDIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIALA mediação revela-se como uma das concepções
valorizadas recentemente no domínio do Serviço
Social. Ela implica em um conjunto de modalidades
de ação que lhe dão visibilidade e que se forem con-
sideradas de forma singular, independentes e des-
contextualizadas constituem constantes na diver-
sidade de práticas profissionais no domínio social.
A mediação social processa-se por meio de ações
como a prestação de informação — formação de
competências, o encaminhamento social, a gestão
e administração de recursos e o acompanhamento
psicossocial.
Subjacente às modalidades de ação, que consti-
tuem as unidades visíveis da mediação social pro-
tagonizada pelos assistentes sociais, desenvolvem-se
processos de trabalho com componentes técnicas
associadas ao “saber fazer administrativo-rela-
cional” (MONDOLFO, 1997, 32), mas que não se
restringem a essa dimensão. Eles revelam compe-
tências sócio-profissionais capitalizadas na prática
cotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas que
constituem uma fonte de legitimidade da mediação
social realizada. Mais ainda, eles vinculam as práti-
cas profissionais de mediação e sinalizam a diferen-
ça com outro tipo de práticas, como o voluntariado.
Os processos de trabalho também não se confun-
dem com etapas metodológicas da mediação. Estas
correspondem a momentos distintos e sequenciais
no desenvolvimento da ação, enquanto os proces-
sos de trabalho se confinam aos saberes e às compe-
tências operacionalizadas no decurso da mediação,
sejam elas de caráter teórico, técnico ou relacional
(Autès, 1999). Como refere o autor, por referência à
contribuição de Guy le Boterf (1994), a competên-
cia corresponde à capacidade prática de mobilizar
recursos em função do usuário e da interpretação
que o profissional faz da situação.
O uso de estratégias revela-se importante tan-
to na conquista do espaço profissional como na
procura de alternativas à situação-problema, elas
potencializam a mediação. Em termos profissio-
nais, para além dos constrangimentos contextuais
ao desenvolvimento da ação, há de se considerar a
posição ativa do profissional na construção do seu
cotidiano. Isto quer dizer que a prática não se im-
põe ao técnico, como se de um ritual pragmático se
tratasse, mas que lhe compete participar, criar ou
inovar constantemente face à variedade de solicita-
ções. Se for verdade que é necessário que cada pro-
fissional perceba os seus limites, também é verdade
que o exercício da mediação implica uma avaliação
permanente da sua posição e o desenvolvimento de
uma ação estratégica com avanços e recuos, num
processo de conquista permanente. Ora a trajetó-
ria de afirmação dos assistentes sociais tem passa-
do pelo reconhecimento do valor da estratégia em
brechas e momentos oportunos. A relação de poder
que se exerce no contexto institucional é diferente
em cada situação e cada momento, pelo que a estra-
tégia assume relevo inclusive na conquista de espa-
ço profissional.
Por vezes é necessário negociar papéis, delimi-
tando fronteiras e complementaridades, (re)estabe-
lecendo espaços de troca. O Serviço Social, embora
seja dependente de instâncias superiores no nível
administrativo, possui uma autonomia técnica que
lhe confere alguma margem de manobra no proces-
so de mediação. Quando existem litígios no plano
das competências profissionais, torna-se imperati-
vo clarificar as funções e os papéis que lhe são re-
servados, definir os momentos de intervenção e de
articulação com outros profissionais, determinar
as responsabilidades de cada ator no processo. Por
vezes verificam-se resistências e representações da
profissão de Serviço Social que dificultam a ação.
Mas quando as dificuldades são estruturais, a pro-
cura de alternativa não depende nem da vontade
nem do empenho individual do técnico ou do su-
jeito. É necessário que isso seja esclarecido, porque
isso permite ponderar os limites e em função dessa
avaliação unir esforços (em termos de equipe ou em
nível institucional) para prosseguir o trabalho, con-
tornando ou enfrentando as barreiras que intervêm
no processo.
Na mediação não existe receita e uma atitude com
resultados positivos num dado momento e essa situ-
ação pode não ser eficaz num outro contexto. Os re-
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104
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
ferenciais teóricos orientam e potencializam as prá-
ticas, não as substituem nem limitam. O profissional
ao tomar conhecimento da situação-problema in-
tervém, integrando os quadros teóricos referenciais,
os objetivos institucionais, a representação que faz
da prática profissional e do potencial humano dos
recursos que utiliza. Deste modo, quando se fala em
estratégias de mediação faz-se apelo ao conjunto de
atitudes que permitem ao profissional fazer a ges-
tão dos poderes que contextualizam a ação e pro-
porcionar a mudança não apenas na situação, mas
também nos sujeitos. Isso faz com que elas sejam
diversificadas e sinalizadoras de concepções de prá-
tica profissional. O problema coloca-se quando o
assistente social se prende a concepções teóricas em
detrimento do discernimento das oportunidades e
do potencial humano na resolução das situações,
ou quando a sua prática cotidiana se processa de
forma rotineira. Surgem então discursos desculpa-
bilizadores da (in)ação, de vitimização, de dúvida
e interrogação face às dificuldades, tais como: “não
existem respostas para os problemas”, “o Serviço So-
cial não dispõe de modelos teóricos alternativos a
outras ciências sociais”, ou “foi para isto que tirei o
curso?”. É óbvio que estes tipos de argumentos sur-
gem algumas vezes após tentativas variadas de so-
lução para o problema diagnosticado, mas também
é verdade que em algumas ocasiões subentende-se
uma ausência de questionamento sobre o percurso
profissional: “o que é que eu fiz para ultrapassar a
situação?”.
Apesar de as estratégias poderem ser interdepen-
dentes e complementares entre si durante o proces-
so de mediação, e abrangerem também o campo do
imprevisto, uma vez que embora racionais surjam
no contexto da emergência do novo, a prática do
Serviço Social evidencia-as como um leque de op-
ções organizadas em torno do contexto (situação) e
da representação que o técnico faz do seu perfil pro-
fissional. Por outro lado, o principal instrumento de
trabalho do assistente social é a palavra, e esta per-
mite deslocar o conceito “estratégia” para o domí-
nio do cliente. No processo de mediação a estratégia
consiste muitas vezes em fazer adquirir por parte do
cliente um pensamento estratégico de antecipação
do curso dos acontecimentos e em relação a essa
previsão reorientar o seu comportamento.
A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROfISSIONAL
DO ASSISTENTE SOCIAL
Ao analisar uma realidade social concreta, é ne-
cessário lançar mão de certos instrumentos que
permitam compreender melhor as vinculações
desta realidade, levando em consideração a dinâ-
mica das relações sociais que as inclui. Tais instru-
mentos podem ser representados por categorias
que vão explicar na sua totalidade aquilo que se
pretende investigar.
Pode-se dizer que a mediação é uma categoria
capaz de dar conta da compreensão da prática pro-
fissional ao assistente social na sociedade, de sua di-
nâmica e condições concretas de existência.
Segundo Oliveira (1988, p. 80-81), a mediação é
uma categoria do movimento, que está presente
no movimento, e este, por sua vez, é uma catego-
ria histórica. A história caminha por movimentos
que se expressam pelas contradições, por forças
que se antagonizam e criam possibilidades de sal-
tos. A mediação é uma categoria histórica que cor-
porifica contradições através de movimentos, de
passagem que se dão no cerne das relações sociais
contraditórias.
Sendo assim, colocamos que enquanto categoria
histórica, a mediação tem seu alcance na dinâmica
da totalidade. Neste sentido, as mediações são di-
nâmicas e superáveis como a própria história, não
existindo de per si senão quando colocadas em rela-
ção a todo um processo histórico de construção da
realidade. É por isso que é uma categoria histórica.
A mediação é entendida com sendo instância e
passagem que se gesta no cerne das relações sociais
capitalistas de produção. Ao empregar esse conceito
de mediação na análise da prática profissional do
assistente social, por meio de uma realidade especí-
fica, quer-se dizer que todas as instâncias e passagens
que o assistente social realiza no cerne das relações
sociais contraditórias que vinculam as diferentes to-
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105
aula 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social
talidades incluem sua prática cotidiana. Posto que,
a prática profissional, enquanto mediação, se dá por
movimentos que se caracterizam pelos processos e
passagens de produção e superação de aspectos da
realidade social concreta.
Cabe ressaltar que o assistente social, sendo um dos
agentes nessa mediação, realiza todo um processo de
passagem que poderá se caracterizar pela superação
de um movimento em detrimento de outro.
Agora a ação profissional é uma mediação que
movimenta a cadeia de vínculo na relação da to-
talidade que a inclui, seja por meio da política so-
cial, da institucional, dos movimentos populares,
entre outros. Para Oliveira (1988), o assistente so-
cial, ao visualizar a existência desses vínculos, de
suas relações e contradições, pode desenvolver sua
ação profissional de modo mais crítico, na medida
em que supera a leitura do aparente imediato e dá
conta das múltiplas direções que o vincula profis-
sionalmente.
Por outro lado, a mediação efetiva a relação
contraditória entre um processo de afloração de
consciência e a manutenção da alienação enquanto
uma forma de reprodução e transformação da ide-
ologia dominante. O profissional, ao desenvolver
as relações “alienantes e fetichizadas, ao aperce-
ber-se de seus movimentos e mecanismos, tende a
romper a alienação da prática”. (OLIVEIRA, 1988,
p. 83) Posto que o agir se configura dentro de um
conjunto de princípios e valores que o profissional
tende a abarcar no seu dia a dia.
Nessa mediação, o assistente social poderá im-
primir um direcionamento à sua prática, que se
caracteriza a partir de sua capacidade em ler criti-
camente as determinações sociais presentes em sua
realidade de ação.
Concluindo■■
Os elementos ora propostos são norteadores
para o agir profissional do assistente social. Sen-
do necessário que cada profissional contribua com
suas experiências no campo teórico-metodológico,
pois temos muito que contribuir com a formula-
ção de conceitos a respeito do Serviço Social e o
estudo dos documentos podem servir de tópicos-
guia para análise e formulação de diagnósticos na
área social.
Sugestão de filme■■
Central do Brasil•
Dicas■■
www.uel.br
www.scielo.com.br
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aula 7 — Do Referencial Teórico à Mediação em Serviço Social
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anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 107 11/16/09 1:46:03 PM
108
Unidade Didática – Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
laboratório de PrÁticas integradoras
108
Caro(a) acadêmico(a),
A unidade didática Seminário Integrado visa
a articulação das unidades existentes no módulo
e a percepção da aplicação prática dos conteúdos
ministrados.
Por meio da interdependência adquirida com as
unidades didáticas deste Seminário, o futuro pro-
fissional será capaz de articular a teoria, adquirida
no ensino superior, com a prática exigida no coti-
diano da profissão. Para tanto, é necessário o enten-
dimento de que os conteúdos, de cada Unidade Di-
dática, permitirão um estudo integrado, formando
um profissional completo e compromissado com o
mercado de trabalho.
Ao desenvolver esta unidade, você deverá aplicar
todos os conhecimentos adquiridos no decorrer do
módulo, elaborando uma atividade. A atividade re-
ferente ao Seminário Integrado está disponibilizada
no Portal da Interativa.
Bom trabalho!
Professores Interativos do Módulo
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social
BookUniderp63_ServSocial.indb 108 11/16/09 1:46:03 PM
Fundamentos ■■
PolÍticos do serviço social
módulo
Professora Ma. Eloísa Castro Berro
Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa
unidade didática – Fundamentos Históricos
e teóricos do serviço social
BookUniderp63_ServSocial.indb 109 11/16/09 1:46:03 PM
apresentação ■
As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às (aos) alunas (os) um proveitoso e estimulante estudo.
Professora Ma. Eloísa Castro Berro
Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa
BookUniderp63_ServSocial.indb 110 11/16/09 1:46:03 PM
111
AULA
1origens da PolÍtica social no contexto
do caPitalismo, do liberalismo e da democracia
Conteúdo■■
Origem da política social•
A política social e o Estado capitalista e liberal•
Democracia•
Competências e habilidades■■
Analisar as abordagens teóricas da Política Social em sua relação com o Serviço Social•
Compreender e descrever as origens da Política Social contextualizando-as historicamente•
Caracterizar o capitalismo, o liberalismo e a democracia em sua relação com as políticas sociais•
Ler e interpretar textos relacionados às políticas sociais e o Serviço Social•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A primeira aula da unidade didática “Política So-
cial – Origem histórica” analisa o fenômeno da Polí-
tica Social, contextualizando-a no interior do capita-
lismo e do liberalismo. E não poderia ser diferente,
já que a mesma foi concebida na sociedade burgue-
sa capitalista, e, portanto, tem relação direta com o
capitalismo, estando vinculada às acumulações do
capital. No desenvolvimento histórico do processo,
o liberalismo entra em crise, possibilitando, dessa
forma, o aparecimento do Welfare State ou Estado de
Bem-Estar, que expandirá enormemente as políticas
sociais no período. E como se comporta a democra-
cia nesse contexto? O Estado de Direito não se realiza
apenas com a garantia jurídico-formal. As contradi-
ções aparecem fortemente entre a simples declaração
dos direitos e liberdades e a sua real efetivação.
Como afirma Faleiros, para entender a política
social e a complexidade desse tema, é preciso consi-
derar sempre o movimento real e concreto das for-
ças sociais e da conjuntura.
un
idad
e d
idát
ica
– in
tro
du
ção
às
Polít
icas
so
ciai
s
BookUniderp63_ServSocial.indb 111 11/16/09 1:46:03 PM
112
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
saiba mais +John maynard Keynes (1883-1946): foi
um dos mais influentes economistas do sé-
culo XX. Suas ideias intervencionistas cho-
caram-se com as doutrinas econômicas vi-
gentes em sua época e estimularam a adoção
de políticas intervencionistas sobre o funcio-
namento da economia. O objetivo de Key-
nes, ao defender a intervenção do Estado na
economia não é, de modo algum, destruir o
sistema capitalista de produção. Muito pelo
contrário, segundo o autor, o capitalismo é o
sistema mais eficiente que a humanidade já.
O objetivo é o aperfeiçoamento do sistema,
de modo que se una o altruísmo social (atra-
vés do Estado) com os instintos do ganho
individual (através da livre iniciativa priva-
da). Segundo o autor, a intervenção estatal na
economia é necessária porque essa união não
ocorre por vias naturais, graças a problemas
do livre mercado (desproporcionalidade en-
tre a poupança e o investimento e o “Espírito
Animal”, dos empresários).
trustes e cartéis: Truste – Esse tipo de
ação se configura com a imposição de certas
posturas das grandes empresas sobre as con-
correntes de menor expressão. As primeiras
obrigam as segundas a adotarem políticas de
preços semelhantes, caso contrário, pode bai-
xar os preços além dos custos, por exemplo, e
forçar uma quebra dos concorrentes. No Bra-
sil, o controle antitruste é feito pela Lei nº.
8.884/94.
cartel – As empresas nem sempre apre-
ciam o jogo da livre concorrência. Elas prefe-
rem, às vezes, cooperar entre si, combinando
preços, restringindo a variedade de produtos
e dividindo os mercados para manter suas
receitas sempre estáveis. Quando isso ocorre,
está formado um cartel.
mais-valia: Valor que o operário cria
além do valor de sua força de trabalho, e que
é apropriado pelo capitalista. A parte do tra-
balho excedente não é paga ao operário, mas
serve para aumentar cada vez mais o capital.
O desenvolvimento do capitalismo supõe a
exploração do trabalho do operário.
Período Fordista: Caracteriza-se pela pro-
dução em massa, a padronização, o alto grau
de especialização de tarefas.
método dialético: é o caminho do diálogo,
onde nele sempre há mais de uma opinião. A
realidade é dinâmica e processual porque o
princípio da dialética é a contradição, segui-
do do princípio da totalidade, ou seja, nada
pode ser compreendido isoladamente, o que
determina a predominância do todo sobre as
partes.
POLíTICA SOCIAL – ORIGEM HISTÓRICA
A palavra Política origina-se de Pólis, sinônimo
de cidade. Política tem relação com poder; com for-
ça e violência; com autoridade, coerção e persuasão,
ao mesmo tempo. É o estabelecimento de um jogo
de forças e poder na escolha e nas metas de ação a
serem cumpridas (ARANHA e MARTINS, 1986).
A Política Social tem a conotação de poder e força
por ser de âmbito oficial, ou seja, consiste em estra-
tégia governamental, composta de planos, projetos,
programas e documentos variados, para mediar os
reflexos negativos da relação capital-trabalho. Foi
conquista das mobilizações e lutas dos trabalhado-
res, desde os primórdios da revolução industrial nos
séculos XVIII e XIX.
Existe um consenso em relação à origem das
Políticas Sociais por volta do final do século XIX,
em que se criaram as primeiras leis e medidas de
proteção social, com destaque para a Alemanha e a
Inglaterra, fruto de intensos debates entre liberais e
reformadores sociais humanistas, segundo Behring
(2000). Entretanto, somente houve a disseminação
dessas medidas de seguridade social após a Segunda
Guerra Mundial, com a implantação do Welfare Sta-
BookUniderp63_ServSocial.indb 112 11/16/09 1:46:03 PM
113
aula 1 — Origens da Política Social no Contexto do Capitalismo, do Liberalismo e da Democracia
te ou Estado de Bem-Estar Social, em alguns países
da Europa.
Política Social, na atualidade, é considerada “pa-
lavra em moda” e se associa aos conceitos de “Esta-
do de Bem-Estar” “ou Welfare State, políticas públi-
cas e cidadania social”. Entretanto, o termo política
social é genérico, provocando uma noção um tanto
vaga. Mas é preciso esclarecer que política social
tem identidade própria. Refere-se a, segundo Perei-
ra (1994):
Programa de ação que visa, mediante esforço or-
ganizado, a atender necessidades sociais e cuja re-
solução ultrapassa a iniciativa privada, individual e
espontânea e requer decisão coletiva, regida e am-
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras
de direitos.
Explicando melhor o significado de política so-
cial, pode-se afirmar que é um tipo de política pú-
blica, ou seja, as duas, política pública e política
social, são programas de ação, mas política social é
específica, dentre outras, como: política econômica,
agrária, ambiental etc. operando no interior da po-
lítica pública, que é mais ampla.
Não se pode entender política pública apenas
como política de Estado, mas associada à coisa pú-
blica, ou seja, de todos, submetida a uma mesma lei
e com respaldo de uma comunidade de interesse.
Dessa forma, embora as políticas públicas sejam
regulamentadas e, na sua maioria, financiadas pelo
Estado, elas podem ser controladas pelos cidadãos,
através de entidades privadas ou ONGs.
Política social, Estado de Bem-Estar e Welfare
State não são sinônimos, como geralmente são tra-
tados. Política social é um conceito mais amplo do
que Welfare State, que tem um significado histórico,
pois ocorreu no século XX, após a Segunda Guerra
Mundial e tem caráter institucional, em que o Esta-
do capitalista, inspirado na filosofia do economista
inglês John Maynard Keynes (1883-1946), regula e
provém com benefícios e serviços sociais. Enquanto
a política social originou-se muito antes do século
XX, desenvolveu-se em diferentes tipos de relação
entre Estado e sociedade civil.
As políticas sociais do Welfare State são identi-
ficadas com o conceito de cidadania, enquanto as
políticas sociais da Lei dos Pobres, patrocinadas
inicialmente por regimes monárquicos, temiam
principalmente a desordem social, devido ao au-
mento da pobreza. Assim, o objetivo desta últi-
ma consistia na repressão à “vagabundagem” e, se
necessário, as pessoas desta forma definidas eram
abrigadas em casas de correção e de trabalho força-
do. Mais tarde, mesmo reconhecendo a existência
de pobres incapazes para o trabalho, os governos
persistiram a tratá-los sem qualquer diferenciação
em relação aos desempregados e àqueles que não
desejavam trabalhar ou “indolentes”. Ou seja, a Lei
dos Pobres não via a política social como um de-
ver do Estado e estas pessoas eram discriminadas e
vistas como inúteis.
Observa-se que os princípios e critérios que fun-
damentaram as políticas sociais, seis séculos antes
do Welfare State, apesar de estarem ainda em voga,
não se identificam com a concepção de bem-estar
social do século XX. Fraser apud Pereira (1994),
afirma que:
O Welfare State é um sistema de organização social
que procura restringir as livres forças do mercado
em três principais direções: a) garantindo direitos e
segurança social a grupos específicos da sociedade,
como crianças, idosos e trabalhadores; b) distri-
buindo, de forma universal, serviços sociais como
saúde e educação; e c) transferindo recursos mo-
netários para garantir a renda dos mais pobres em
certas contingências, como a maternidade, ou em
situações de interrupção de ganhos devido a fatores
como doença e desemprego.
Estas três áreas de proteção nem sempre foram
consideradas de responsabilidade exclusiva do Es-
tado, o que somente ocorreu a partir dos anos 1940
devido aos seguintes eventos: a Segunda Guerra
Mundial; a prosperidade econômica do pós-guerra; o
surgimento do fascismo; a ameaça do comunismo; o
fortalecimento da classe trabalhadora, dentre outros.
Behring (2000) analisa, por sua vez, que o Welfare
State possui uma incompatibilidade estrutural entre
BookUniderp63_ServSocial.indb 113 11/16/09 1:46:03 PM
114
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
acumulação e equidade, pois não ofereceu igualda-
de de condições, mesmo o Estado se apropriando
do valor socialmente criado e realizando regulação
econômica e social, não eliminou as condições de
produção e reprodução da desigualdade. Fica a per-
gunta: o que move o capital? A busca do lucro, a ex-
tração da mais-valia.
A POLíTICA SOCIAL E O ESTADO CAPITALISTA
E LIBERAL
Com a ascensão da burguesia na política, cria-se
o Estado como sistema diverso da sociedade civil.
Como se sabe, na Idade Média o poder político per-
tencia ao senhor feudal, proprietário das terras, e
seu poder era vitalício, passava de pai para filho e
vinha junto com as terras. Com a revolução burgue-
sa, separa-se o privado do público.
Assim, ocorre a institucionalização do poder, não
mais visto sob a ótica de quem o detém, o senhor
feudal ou o monarca, mas daquele que o representa
de direito, e sua legitimidade repousa no mandato
popular e não no uso da violência ou do privilégio.
A Política Social é um fenômeno a partir da
constituição da sociedade burguesa, que é o modo
capitalista de produzir e reproduzir-se, portanto,
tem relação direta com capitalismo e está vincu-
lada às acumulações do capital. Apresenta nefasta
submissão à lógica da economia capitalista, reme-
tendo suas causas exclusivamente à regulação dos
conflitos.
No início do capitalismo e da Revolução Indus-
trial, o primeiro caracterizava-se como concorren-
cial, no qual na produção desordenada prevalecem
as leis de mercado, sem interferência do Estado.
Entretanto, com os problemas surgidos da livre
concorrência, o que fazer? Eliminar o mercantilis-
mo? E a liberação da iniciativa capitalista? Suscitou
a necessidade de intervenção do Estado. Como se
deu essa intervenção? Através de medidas legais
para intervir na organização de economia. Que é
chamada de fase monopolista, na qual a produção
é planejada e organizada, e ocorre a supremacia dos
trustes e dos cartéis.
O Estado, mediador civilizador, tem grande par-
cela de valor socialmente criado e controle do pro-
cesso produtivo e reprodutivo. Contraditoriamente,
tem a direção de classe, hegemonia do capital, pres-
são da supercapitalização e precisa aumentar a taxa
de lucros.
E o Estado é o gestor das relações entre o conjun-
to da produção e o conjunto da reprodução da força
de trabalho e essa variação ocorre de acordo com
a conjuntura que se dá na correlação de forças nos
momentos históricos determinados.
O Estado e empresas privadas, através de convê-
nios e contratos, executam Políticas Sociais que são
políticas públicas e executam medidas de política
social. Em que consistem essas medidas? Implanta-
ção de assistência social, de previdência social, de
prestação de serviços, de proteção jurídica, de cons-
trução de equipamentos sociais e de subsídios.
Mas não se pode esquecer que política social é
resultado de pressão do movimento operário em
torno da insegurança (desemprego, invalidez, do-
ença, velhice). O movimento impõe o princípio dos
seguros sociais.
Os seguros sociais inicialmente eram caixas de vo-
luntários, que se tornaram obrigatórias, para cobrir
perdas visando à segurança social do trabalhador,
cuja cobertura dá-se contra toda perda de salário.
A Política Social, através do Estado, desempenha
papel fundamental de reduzir a crise do capitalismo,
realizando intervenções e estimulando a demanda
por bens e serviços e investindo em equipamentos e
tecnologias mais avançadas, com serviços caros.
A Política Social caracteriza-se como mecanismo
de reprodução da força de trabalho, constituindo-se
em um processo complexo que se relaciona com a
produção, com o consumo e o capital financeiro.
A Política Social ocupou espaço maior no perío-
do fordista, do pleno emprego e do exército indus-
trial de reserva e restringiu-se na atualidade com o
desemprego estrutural. A revolução tecnológica na
produção provocou diminuição de lucros, além da
concorrência, especulação, estagnação do emprego
e produtividade.
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aula 1 — Origens da Política Social no Contexto do Capitalismo, do Liberalismo e da Democracia
A Política Social enfoca a manutenção do trabalho
com a inclusão de benefícios permanentes, quando
se perde a capacidade de trabalho ou dos excluídos
do trabalho, crianças e idosos (BEHRING, 2000).
E A DEMOCRACIA NESSE CONTEXTO?
A palavra é originada do grego demos, que sig-
nifica “povo”, e kratia, de krátis, que é sinônimo de
governo, poder, autoridade. Entretanto, segundo
Aranha&Arruda (1986), o conceito é abstrato, nun-
ca realizou-se de fato.
A Revolução Francesa trouxe o conceito de de-
mocracia à baila, cujo lema “igualdade, liberdade,
fraternidade” foi proclamado, mas os interesses eram
burgueses e não populares. Apesar das exigências de-
mocráticas não serem apenas da nova classe dos bur-
gueses, mas também dos operários, que aumentara
sensivelmente devido à Revolução Industrial e ao au-
mento da concentração urbana. Regime democrático
é um método de governo que consiste em um con-
junto de regras de procedimentos para a formação de
decisões coletivas, no qual está prevista e facilitada a
ampla participação dos interessados, que estabelecem
quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e
com quais procedimentos. Estabelece quais indivídu-
os estão autorizados a tomar decisões pelo grupo.
O Estado democrático se coloca do ponto de vis-
ta do direito, mas como aponta Vieira (p. 12-1992):
Tal Estado de Direito não se realiza apenas com a
garantia jurídico-formal desses direitos e liberda-
des, expressa em documento solene. Quanto a eles,
o Estado de Direito determina sua proteção for-
malizada e institucionalizada na ordem jurídica e,
principalmente, reclama a presença de mecanismos
socioeconômicos dirigidos e planificados com a fi-
nalidade de atingir a concretização desses direitos.
Muitas razões de Estado têm conduzido a contradi-
ções entre a simples declaração dos direitos e liber-
dades e a sua real efetivação.
O que sustenta o Estado de Direito é a sociedade
democrática. Porém, nem toda sociedade é socieda-
de democrática. Sociedade democrática, de acordo
com Vieira (p. 13-1992):
É aquela na qual ocorre real participação de todos
os indivíduos nos mecanismos de controle das de-
cisões, havendo, portanto, real participação deles
nos rendimentos da produção. Ou seja, deverá ha-
ver, de forma equitativa, distribuição de renda e as
decisões serem tomadas no coletivo, no que se refe-
re às diversas formas de produção.
Assim, a criação de uma sociedade industrial de
consumidores e a criação de um Estado de Bem Es-
tar Social, onde não é permitida a todos a decisão
e o usufruto de bens e serviços, consiste apenas em
transformar essas pessoas em consumidores felizes,
mas não cidadãos plenos.
Concluindo■■
Para finalizar esta primeira aula, deve-se remeter
às palavras de Faleiros (2000), o qual diz que a políti-
ca social não pode ser vista de forma rígida, como se
a realidade se apresentasse dentro de um modelo te-
órico ideal. É preciso considerar sempre o movimen-
to real e concreto das forças sociais e da conjuntura.
Para o estudo da Política Social, faz-se necessário
levar em conta, em primeiro lugar, o movimento do
capital e também os movimentos sociais. Estes se
desenvolvem a partir das lutas em prol dos cuidados
com a saúde e da sua reprodução de curto e longo
prazo. Deve-se levar em conta, também, as conjun-
turas econômicas e a política, em que o Estado po-
derá apresentar alternativas de ação.
A questão da Política Social envolve mediações
intrincadas, são multifatoriais: socioeconômicas,
políticas, culturais e atores, forças sociais e classes
sociais que disputam hegemonia nas esferas estatal,
pública e privada (FALEIROS, 1986).
Para realizar uma análise desses multifatores, o
método dialético é o mais apropriado pelas ferra-
mentas que possui, com leitura abrangente e to-
talizadora, focalizando a dinâmica da sociedade
burguesa, e da desigualdade social inerente a essas
relações de produção e reprodução. Oferece ainda,
o estudo das transformações ocorridas no século
XX para analisar a Política Social até a contempo-
raneidade.
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116
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Apesar do consenso que existe entre estu-
diosos da Política Social, cujas origens estão
profundamente vinculadas à Revolução In-
dustrial e ao sistema capitalista, na verdade,
as origens da Política Social remontam a seis
séculos antes; por quê?
2. Por que o Welfare State possui uma incompati-
bilidade estrutural entre acumulação e equida-
de, na visão de Behring (1996)?
3. Analise a ampliação do espaço da Política So-
cial no período fordista, do pleno emprego e do
exército industrial de reserva, que restringiu-se
na atualidade com o desemprego estrutural.
4. As contradições do Estado democrático aparecem
fortemente entre a simples declaração dos direitos
e liberdades e a sua real efetivação. Por quê?
anotaçÕes *
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aula 2 — A Questão do Estado e a Política Social
PARA INíCIO DE CONVERSA
A reflexão sobre Política Social requer um conhe-
cimento prévio sobre Estado, visto que a constitui-
ção e o desenvolvimento da Política Social ocorrem
no interior do Estado. Os modos de produção: es-
cravista, feudal, capitalista, socialista, são determi-
nados por mudanças na estrutura da sociedade e
nas relações sociais e refletem na forma de Estado
que determinada sociedade histórica irá produzir,
sendo fruto daquele modo de produção vigente.
Assim, vamos tentar compreender o significado do
conceito de Estado e sua importância no interior da
Política Social.
AULA
2a Questão do estado e a PolÍtica social
Conteúdo■■
Breve revisão sobre o histórico do Estado: na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Mo-•
derna e na Idade Contemporânea
Abordagens teóricas sobre o Estado•
Conceituação de Estado•
Competências e habilidades■■
Analisar o conceito de Estado, sua constituição e desenvolvimento.•
Resgatar o histórico do Estado desde a Antiguidade e período feudal até o Estado Moderno •
e a atualidade em relação à sociedade civil.
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes atividades:■■
Identifique os principais pensamentos da Antiguidade (Grécia e Roma) que influenciaram •
nos ideais de Estado, como os conhecemos hoje.
Dê uma definição de Estado, como você acadêmico(a), compreendeu.•
Por que na atualidade está mais difícil identificar os limites do Estado?•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
un
idad
e d
idát
ica
– in
tro
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ção
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Polít
icas
so
ciai
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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
NA ANTIGUIDADE
As primeiras formas do Estado surgiram quando
se tornou possível centralizar o poder em uma forma
duradoura. A agricultura e a escrita estão associadas a
este processo. O processo agrícola permitiu a produ-
ção e o armazenamento de um excedente. Este, por
sua vez, permitiu e incentivou o surgimento de uma
classe de pessoas que controlava e protegia os arma-
zéns agrícolas e, portanto, não tinham que gastar
parte do seu tempo na própria subsistência. A escrita
possibilitou a centralização de informações vitais.
O Estado teve uma variedade de formas, nenhu-
ma delas parece muito com o modelo atual. Houve
monarquias cujo poder foi baseado na função reli-
giosa do rei e do seu controle de um exército cen-
tralizado, como por exemplo o governo dos Faraós.
Houve também impérios, como o Império Romano,
que dependiam menos da função religiosa e eram
mais centralizados sobre militares e organizações da
nobreza.
A ideia de dominação presente no conceito de
Estado vem desde os gregos, para os quais Estado e
lei eram recursos políticos que sempre andavam de
mãos dadas.
As ideias de Platão e Aristóteles estavam ligadas
a uma concepção de direito natural restrito, pois as
necessidades da polis é que eram reconhecidas. Na
filosofia aristotélica o ponto de partida de suas re-
flexões era a desigualdade da natureza humana, que
influenciou o campo do direito na Grécia.
Esta visão de direito sofreu alterações. Na Roma
antiga, o sistema jurídico e político expressava a re-
alidade complexa e multinacional do Império Ro-
mano. Na Grécia, a escravidão estava relacionada à
desigualdade natural dos homens e era justificável
por isso; e em Roma, a igualdade de todos os ho-
mens era a condição fundamental.
O Estado romano passou a ser pensado como co-
munidade, res publica, ou coisas do povo, e associa-
do à justiça, fosse ele monárquico, aristocrático ou
democrático.
Roma desenvolveu, logo após o fim da monar-
quia, uma república, que era regida por um Sena-
do e dominada pela aristocracia romana. O sistema
político romano contribuiu para o desenvolvimen-
to das leis e para a distinção entre a esfera privada
e a pública.
O PENSAMENTO POLíTICO MEDIEVAL
Já na Idade Média, segundo Bravo; Pereira (p.28,
2007):
A ideia medieval de que o soberano exercia o po-
der em nome de Deus teve suas raízes na Antigui-
dade, mas foi acrescida de um elemento novo: o de
que o rei deveria ser aceito por seus súditos para que
a sua soberania fosse legítima. Dessa exigência de
legitimação como um instrumento de controle nas-
ceu a doutrina do pacto entre o soberano e os súdi-
tos, mediante o qual se estabeleciam as condições
do exercício do poder e das obrigações mútuas.
Apresentavam-se dois poderes: um material,
também chamado temporal, porque pertence ao
tempo, e outro espiritual, referente aos valores eter-
nos da religião, e mesmo separado, muitas vezes o
papa interferia nos assuntos de Estado. No final do
século XIV, o Grande Cisma acentua a divergência
e a tentativa do Estado de firmar sua soberania. Os
servos libertos se instalam nos arredores das cida-
des, os burgos, estabelecendo entre entre si relações
diferentes daquelas entre vassalos e suseranos. Nas
cidades e à antiga relação hierárquica, contrapõem
relações entre iguais. Os habitantes dos burgos
compram cartas pelas quais tornam-se livres. O
aparecimento das cidades também contribui para
o início do processo de laicização da sociedade, e
a Igreja reage criando a Inquisição, com tribunais
que julgam os desvios da fé (ARANHA; MARTINS.
p.231-232,1986).
O sistema feudal foi implantado de forma instá-
vel, dos suseranos aos reis. Um monarca, formal-
mente, o chefe de uma hierarquia de soberanos, mas
que, na verdade, não era um poder absoluto que po-
deria legislar à vontade. As relações entre senhores
e monarcas eram mediadas por diversos graus de
dependência mútua, que foi assegurada pela ausên-
cia de um sistema centralizado tributado. Esta rea-
lidade assegurou que cada governante necessitasse
obter o “consentimento” de cada um no reino.
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aula 2 — A Questão do Estado e a Política Social
A formalização das lutas sobre a taxação entre
o monarca e outros elementos da sociedade, espe-
cialmente a nobreza e as cidades, deram origem aos
parlamentos, em que grupos sociais fundamentais
negociam com o rei sobre questões jurídicas e eco-
nômicas.
A partir do século XV, este processo deu origem
ao Estado Absolutista.
E ainda, de acordo com as autoras Bravo; Pereira
(p.29, 2007):
As concepções e práticas político-jurídicas medie-
vais foram fundamentais para o desenvolvimento da
teoria do Estado e dos direitos modernos. Foi na era
moderna que a noção de Estado de Direito ou de Es-
tado limitado pela lei ganhou relevância. A partir daí
ganha força a defesa do princípio do controle públi-
co, com base em normas estratégias políticas.
O ESTADO MODERNO
Evolução histórica
Até chegarmos ao Estado moderno havia quatro
formas de Estado:
1. Sociedade nômade: nômades e caçadores que
viviam em grupo e tinham uma organização
muito primitiva.
2. Estado-cidade ou cidade-estado: surge com a
Grécia Antiga, onde há uma divisão do traba-
lho e uma sociedade bem sofisticada.
3. Império burocrático: modelo utilizado na Chi-
na, por exemplo, em que um grande território
é controlado pela burocracia.
4. Estado feudal: a atividade essencial é a agricul-
tura para subsistência, mas também há alguns
excessos de produção que potencializaram a
dinâmica de mercado.
Em relação à história da soberania do Estado,
pode-se citar como exemplo a falta de soberania no
feudalismo.
A palavra Estado foi empregada, pela primeira
vez, por Maquiavel, que a define como a sociedade
política organizada, o que implica a existência de
uma autoridade própria e de regras definidas para
a convivência de seus membros. O pensamento po-
lítico de Maquiavel rompe com o tradicionalismo e
seculariza o Estado, ou seja, torna-o laico. Assume a
independência estatal em relação à religião.
O Estado Moderno serve de base à Ciência Política.
Esta é uma consequência da própria modernização
da sociedade que começa no século XVI e culmina
com a Revolução Industrial. Este processo tem um
elemento central, a tecnologia. Esta modernização
possibilita igualmente uma maior mobilidade social.
A sociedade moderna é caracterizada pela tecnolo-
gia, pelo aumento da produtividade, pela mobilidade
da população e pelo aparecimento de novos grupos
sociais. É a época da ascensão da burguesia. Outra
novidade do Estado Moderno é a nova forma de legi-
timação de poder. Antes quem legitimava o poder era
um Deus Absoluto, agora quem vai se tornar o novo
elemento legitimador é o Povo. Assim, surgem novas
instituições, como os Parlamentos, onde o povo se
faz representar.
Este Estado Moderno não nasceu de uma só vez,
mas foi o resultado de um longo processo de mais
de três séculos. A fase mais antiga é a Monarquia. A
Monarquia acompanha o desenvolvimento do Esta-
do Moderno e vai, pelo processo de burocratização,
lançar a primeira forma de Estado Moderno. Por
isso se diz que D. João II foi o primeiro monarca
moderno em Portugal.
A segunda fase do Estado Moderno é o Estado
Liberal, consequência direta das Revoluções Libe-
rais na França e na Inglaterra. Este Estado é repre-
sentativo e oligárquico, mas promoveu, entre outras
coisas, o aparecimento do ideal dos Direitos do Ho-
mem e pela separação de poderes. No século XIX
o Estado Liberal tornou-se imperial e vai dominar
globalmente o mundo graças ao processo chamado
Imperialismo.
A terceira fase do Estado Moderno assenta na cri-
se do Estado Liberal, que surge nos finais do século
XIX, já que este não tem capacidade para respon-
der às exigências sociais. Surgem assim as ideologias
extremistas de direita, o Fascismo e de esquerda, o
Comunismo.
A quarta fase fica marcada pelo aparecimento
do Estado Democrático Liberal, consequência da
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120
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
grande crise econômica e social de 1929. A respos-
ta à crise passou pelo alargamento da democracia,
a toda a sociedade, adaptando para a administra-
ção do Estado, medidas de cunho social, derivadas
do pensamento de John Maynard Keynes.
Na Europa, no mundo ocidental, temos o Esta-
do-providência, resultado da segunda metade da
Segunda Guerra Mundial, mas filho direto da crise
de 1929.
Os principais fatores que levam à criação de Es-
tados hoje são os interesses econômicos, as iden-
tidades.
Abordagens teóricas sobre o Estado
Do ponto de vista da liberdade, a ingerência do
Estado pode ser indesejável, mas do ponto de vista
da aquisição de condições básicas para o exercício
dessa liberdade, ela é necessária.
O Estado, ao mesmo tempo que limita a desimpe-
dida ação individual, pode garantir direitos sociais,
visto que a sociedade lhe confere poderes exclusivos
para o exercício dessa garantia.
Mesmo nos regimes liberais mais radicais, avesso
à intervenção estatal, o Estado sempre interveio po-
liticamente para atender demandas e necessidades,
seja da esfera do trabalho, seja da esfera do capital.
Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) igual-
mente demonstraram desconfiança em relação ao
Estado e de sua capacidade de proporcionar bem-
estar social, só que guiados por outros pressupos-
tos. De acordo com a teoria marxiana do Estado,
este seria um elemento de superestrutura e, como
tal, um fenômeno transitório que somente existi-
ria enquanto houvesse dominação de uma casse
sobre a outra. Deixaria de existir numa sociedade
comunista futura.
Antonio Gramsci, pensador italiano marxista,
porém, possui nova abordagem, repensando a
teoria marxiana de Estado. Esse pensador consi-
dera um arco mais amplo de intervenção estatal,
dando importância ao seu caráter contraditório
e à sua dimensão política ativa. Gramsci cria o
conceito de Estado ampliado e da autonomia re-
lativa deste.
No século XVII, o Estado adquiriu persona pró-
pria, separada da persona do governante e de influ-
ências religiosas, com as seguintes características:
extensão da burocracia de recolher informações de
todos os tipos; cobrar tributos e exercer a regulação
institucional, combinando essa estrutura técnico-
administrativa com recursos garantidos por impos-
tos, permitiu a criação e manutenção das forças ar-
madas, como aparelho repressivo do Estado.
Com Hobbes (1588-1679) e seu Leviatã, no sécu-
lo XVII, o Estado passou a ser encarado como uma
entidade artificial e não natural e assim separada da
pessoa do governante e da função do governo. Isso
marcou o início do reconhecimento liberal da sepa-
ração entre as esferas públicas e privadas que antes
eram misturadas entre pessoas física e jurídica do
governante.
Conceituação de Estado
Segundo Pereira (p.142, 2008), quatro elementos
constituem o Estado:
Um conjunto de instituições e prerrogativas, dentre
os quais o poder coercitivo, que só o Estado possui
por delegação da própria sociedade; o território, ou
seja, o espaço geograficamente delimitado onde o
poder estatal é exercido. Muitos denominam esse
território de sociedade, ressaltando a inescapável
relação com o Estado; uma máquina burocrática
capaz de administrar as instituições e as políticas
governamentais; arrecadar e gerir recursos; zelar
pela ordem pública interne e externa; imprimir e
assegurar o desenvolvimento econômico; realizar
estudos, pesquisas e construir dados estatísticos;
um conjunto de condutas e comportamentos gerais
e previsíveis regulados pela máquina burocrática
do Estado dentro de seu território, o que favorece a
cultura de nação de um povo.
Concluindo■■
Devido ao importante papel que muitos gru-
pos sociais têm no desenvolvimento de políticas
públicas e as ligações entre burocracias estatais e
outras instituições, tornou-se cada vez mais difícil
identificar os limites do Estado. Privatização, na-
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121
aula 2 — A Questão do Estado e a Política Social
cionalização e a criação de novas regulamentações
de órgãos também alteram as fronteiras do Estado
em relação à sociedade. Alguns cientistas políticos
preferem falar de política e redes descentralizadas
de governo nas sociedades modernas, em vez de
burocracias de Estado e do controle estatal sobre
políticas.
No final do século XX, a globalização do mun-
do, a mobilidade de pessoas e de capital e o au-
mento de muitas instituições internacionais, fo-
ram combinados para circunscrever a liberdade de
ação dos Estados. Estas restrições sobre o Estado e
da liberdade de ação são acompanhadas em alguns
domínios, como na Europa Ocidental, com proje-
tos de integração interestatal, como a União Euro-
peia. No entanto, o Estado continua a ser a base da
unidade política do mundo, como tem sido desde
o século XVI. O Estado é considerado o maior con-
ceito central no estudo da política, e sua definição
é objeto de intenso debate acadêmico.
anotaçÕes *
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122
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
A política social, associada aos conceitos de “Es-
tado de Bem-Estar” (Welfare State nos países de lín-
gua inglesa), políticas públicas e cidadania social,
tornou-se uma tendência intelectual e política. Pe-
reira (1994, p. 1) considera que “apesar do termo
política social estar relacionado a todos os outros
conteúdos políticos, ele tem identidade própria. Re-
fere-se a programa de ação que visa, mediante esfor-
ço organizado, atender às necessidades sociais cuja
resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual
e espontânea, e requer decisão coletiva regida e am-
parada por leis impessoais e objetivas, garantidoras
de direitos”.
O Welfare State surgiu nos países europeus de-
vido à expansão do capitalismo após a Revolução
Industrial e o Movimento de um Estado Nacional
visando à democracia, sendo uma resposta à de-
manda por serviços de segurança socioeconômica.
Draibe (1988) coloca que seu início se dá com a su-
peração dos absolutismos e a emergência das demo-
cracias de massa.
O Welfare State é uma transformação do próprio
Estado a partir das suas estruturas, funções e legiti-
midade. Ele é uma resposta à demanda por serviços
de segurança socioeconômica. Desse modo, os ser-
viços sociais surgem para dar respostas às dificulda-
AULA
3PolÍtica social, estado do bem-estar
social: concePção e crise
Conteúdo■■
Conceituação de • Welfare State
Objetivos e modelos•
Crise e perspectivas•
Competências e habilidades■■
Levar o acadêmico a compreender o processo histórico do Welfare State, suas dimensões e •
perspectivas futuras
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
un
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aula 3 — Política Social, Estado do Bem-Estar Social: Concepção e Crise
des individuais, visando a garantir a sobrevivência
das sociedades na luta contra a pobreza.
Para Gough (1986), a origem do Estado de Bem-
Estar foi um fenômeno do pós-guerra, como parte
de um acordo entre o capital e o trabalho e de uma
estrutura de estado mais intervencionista. A par-
tir desse período, houve aumento da intervenção
estatal na economia e acentuada importância do
papel do Estado na multiplicação de políticas de
bem-estar.
No Brasil, surge nas décadas de 1930 e 1970.
Draibe (1988) levanta alguns princípios pelos quais
o Welfare State, no Brasil, foi construído, sendo ca-
racterizado pela centralização política e financeira
no governo federal e nas ações sociais, fragmentação
institucional, exclusão da população na participa-
ção política, o autofinanciamento social, a privati-
zação e o clientelismo, que ainda persiste em muitos
segmentos sociais.
A forma capitalista que emergiu no Brasil a par-
tir da década de 1930 se antecipou aos movimentos
sociais que representaram ameaças de rupturas. De
forma repressiva, o Estado brasileiro dissipou os
conflitos com o objetivo de manter uma certa har-
monia em favor do processo de expansão e reprodu-
ção capitalista e a integração dos espaços regionais.
O QUE É WELfARE STATE?
Gomes (2006, p. 203) afirma que a definição de
Welfare State pode ser compreendida como “um
conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance
universal promovidos pelo Estado com a finalidade
de garantir uma certa ‘harmonia’ entre o avanço das
forças de mercado e uma relativa estabilidade social,
suprindo a sociedade de benefícios sociais que signi-
ficam segurança aos indivíduos, para manterem um
mínimo de base material e níveis de padrão de vida,
que possam enfrentar os efeitos de uma estrutura de
produção capitalista desenvolvida e excludente”.
Portanto, Welfare State é a intenção instituciona-
lizada de promover bem-estar de todos os membros
de uma determinada sociedade, sendo que não há
um modelo único, já que seu funcionamento varia
de um contexto nacional para outro.
Stein (2000) coloca que é preciso ultrapassar a
definição simplista de que o Welfare State envolve
a responsabilidade estatal na garantia do bem-estar
do cidadão, já que não se tem clareza se as políticas
garantidoras desse bem-estar são emancipatórias
ou não; se contradizem ou ajudam o mercado; e a
que tipo de necessidades atendem – básicas ou mí-
nimas?
Dessa forma, ele não pode ser compreendido
apenas em termos de direitos e garantias. Deve-se
levar em consideração a forma das atividades esta-
tais com o papel do mercado e da família.
O conceito de Welfare State tem os seguintes ob-
jetivos:
extensão dos direitos sociais;•
oferta universal de serviços sociais;•
preocupação com o pleno emprego;•
institucionalização da assistência social como •
rede de defesa contra a pobreza absoluta e
meio de garantir a manutenção dos padrões
mínimos de atenção às necessidades básicas do
cidadão.
Fraser (1984) coloca o Welfare State como um
sistema de organização social que restringiu as for-
ças do mercado em três direções: (a) garantia de
direitos e segurança social a grupos específicos da
sociedade como crianças, idosos, trabalhadores; (b)
distribuição, de forma universal, de serviços sociais
como saúde e educação; e (c) transferência de re-
cursos monetários para garantia de renda aos mais
pobres em certas contingências, como a maternida-
de, ou em situações de interrupção de ganhos devi-
do a fatores como doença e desemprego.
No entanto, a intervenção do Estado nessa
direção só aconteceu a partir dos seguintes aconteci-
mentos: a Segunda Guerra Mundial; a prosperidade
econômica do pós-guerra; a ameaça do comunismo
e o fortalecimento da classe trabalhadora.
Citamos aqui os modelos de Welfare State apre-
sentados por Esping-Andersen (1991, p. 110):
Welfare State• “liberal”: predominância da assis-
tência social aos comprovadamente pobres e
prevalência da lógica de mercado.
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124
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
saiba mais +
Welfare State• conservador: predominância da
subordinação. O Estado é subsidiário de ou-
tras instituições, em especial, da Igreja (com-
prometimento com a preservação da família
tradicional).
Welfare State• “social-democrata”: o Estado é o
principal promotor da igualdade; prevalência
de programas universalistas; presença de uma
solidariedade universal – “todos se beneficiam;
todos são dependentes; e supostamente todos
se sentirão obrigados a pagar”.
Entre os anos de 1940 até 1970, o Estado Social
serviu como a mais importante fórmula de paz para
as democracias capitalistas desenvolvidas, que con-
siste na obrigação explícita do mecanismo estatal de
proporcionar assistência e apoio aos cidadãos.
O Welfare State apresentou seus primeiros sinto-
mas de crise ainda na década de 1970, o que perdura
até os dias de hoje. Essa é, sobretudo, uma crise de
caráter financeiro-fiscal: com a diminuição das re-
ceitas públicas devido à crise econômica, ocorre a
diminuição dos financiamentos para os programas
sociais. Portanto, a crise fiscal do Estado se expressa
nos gastos sociais que aumentam cada vez mais, e o
seu financiamento torna-se algo moroso.
Há que se considerar o período de crise na eco-
nomia capitalista mundial que, entre 1973 e 1975,
apresentou um retrocesso representado pelo declí-
nio da produção industrial, aumento do desem-
prego e déficit comercial. A crise no setor estatal se
deu pela enorme diferença entre receita e despesa,
levando ao endividamento do setor público.
A “crise” e seus desdobramentos fizeram que as
forças políticas se manifestassem, exigindo mudan-
ças no sistema do Welfare State que, neste contexto,
já não possuía as precondições (Estado-Nação so-
berano, pleno emprego, relações de trabalho bem
definidas e salários amparados legalmente). A glo-
balização da economia caracterizou-se por novos
mercados, atores e regras.
Stein (2000, p. 141) coloca que essas mudanças
podem ser “caracterizadas através de duas interpreta-
ções: uma que considera o sistema esgotado, incapaz
de responder aos desafios de hoje”. Outra que o vê em
transformação, e não propriamente em crise, isto é,
em reestruturação, tendo em vista novos desafios es-
truturais e ideológicos, provocados pelas mudanças
ocorridas nos âmbitos da economia e da sociedade.
Assim, para vários estudiosos da política social a
real perspectiva do Welfare State não aponta para
seu desaparecimento, mas para sua reestruturação.
Segundo Abrahamson (1992), os diferentes mode-
los europeus (os mais prestigiados do mundo) estão
convergindo, cada vez mais, para um padrão de pro-
teção social que fortalece a dualização da prática do
bem-estar em duas frentes: uma, onde o mercado
de trabalho cuida dos trabalhadores empregados e
outra onde o Estado e as instituições provadas fi-
lantrópicas cuidam dos marginalizados ou excluí-
dos das oportunidades de emprego e dos benefícios
decorrentes da inserção no mercado de trabalho.
Pereira (1992) coloca que termo público,
associado à política, não é uma referência ex-
clusiva ao Estado, mas sim à coisa pública, ou
seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei
e o apoio de uma comunidade de interesse.
Portanto, embora as políticas públicas sejam
reguladas e providas pelo Estdo, ela podem e
devem ser controladas pelos cidadãos. Políti-
ca pública expressa, assim, a conversão de de-
cisões privadas em decisões e ações públicas,
que afetam a todos.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Você considera importante o surgimento do
Welfare State? Por quê?
2. O que você entendeu por Welfare State? Há um
modelo ideal?
3. Analise as mudanças no contexto do Welfare
State e os impactos causados. Você acredita que
foram (serão) benéficos?
BookUniderp63_ServSocial.indb 124 11/16/09 1:46:04 PM
125
aula 4 — O Neoliberalismo na Contemporaneidade
Globalização: é um dos processos de aprofun-
damento da integração econômica, social, cultural,
política, com o barateamento dos meios de trans-
porte e comunicação dos países do mundo no final
do século XX e início do século XXI. É um fenô-
meno observado na necessidade de formar uma
Aldeia Global que permita maiores ganhos para os
merca dos internos já saturados.
Barbárie: está relacionada à agressividade pri-
mitiva humana, os impulsos de destruição que têm
por propósito destruir as conquistas da civilização,
tais como a ética, o direito, a democracia pluralista,
as ciências, a ideia de progresso etc.
Privatização: ou desestatização é o processo de
venda de uma empresa ou instituição do setor públi-
co – que integra o patrimônio do Estado – para o se-
tor privado, geralmente por meio de leilões públicos.
descentralização: redistribuição de poder e,
portanto, de prerrogativas, recursos e responsabili-
dades do governo para a sociedade civil, da União
AULA
4o neoliberalismo na contemPoraneidade
Conteúdo■■
O neoliberalismo no Brasil e seus efeitos sobre as políticas sociais•
As políticas da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde) no contexto do•
Neoliberalismo
Competências e habilidades■■
Compreender os caminhos do Neoliberalismo no Brasil e seus efeitos sobre as políticas •
sociais
Analisar as políticas da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde) no con-•
texto do Neoliberalismo
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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ssaiba mais +
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126
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
para os estados e municípios, e do Executivo para o
Legislativo e o Judiciário.
A criação do Neoliberalismo foi basicamente uma
reação teórica e política ao Estado intervencionista
e de bem-estar (Welfare State). O argumento básico
do neoliberalismo era que o novo igualitarismo (...)
deste período, promovido pelo Estado de bem-estar,
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da
concorrência, da qual dependia a prosperidade de
todos (ANDERSON, 1995).
O Brasil, com o avanço do neoliberalismo e
da globalização dos mercados, foi profundamen-
te atingido por transformações. Na atualidade, o
país vive um momento de redefinição, porque os
rearranjos políticos internacionais aprofundaram
ainda mais as diferenças, por um lado a concen-
tração da riqueza e por outro o empobrecimento
da população, afetando principalmente o mundo
do trabalho, altos índices de desemprego e novos
modelos de organização e estruturação, causando
a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de
trabalho (ABREO, 1998).
Na visão de Alain Touraine (1997) (In: Abreo
1998), no entanto, o mesmo assinala uma luz no final
do túnel, afirmando que a eficácia positiva das indis-
pensáveis reformas liberais está esgotada. Seus efeitos
negativos, sobretudo os sociais e os políticos, são cada
vez mais evidentes devido às posições anunciadas
pelos diferentes chefes, tanto do FMI (Fundo Mone-
tário Internacional) como do BID (Banco Interame-
ricano de Desenvolvimento). As últimas notícias do
Encontro das Américas, realizado no mês de abril de
1998, no Chile, reafirmam a necessidade dos gover-
nos de implantar a educação para todos, e melhorar
a situação social dos países do Mercosul para poder
integrar a ALCA (Associação de Livre Comércio das
Américas), prevista para o ano 2005, posturas incom-
patíveis com a redução do Estado, pois ele deverá ser
o principal gestor de recursos para a implantação de
políticas para a educação e para a área social. Talvez, o
fato mais importante é que se estão gerando algumas
contradições no cenário nacional e internacional.
Em síntese, as mudanças nos processos produti-
vos geraram um impacto que atingiu todos os paí-
ses. O Brasil está sendo profundamente afetado pelas
transformações do mundo do trabalho. Sobretudo,
é necessário mobilizar todos os segmentos para de-
fender os direitos sociais já contidos na Constitui-
ção de 1988 para enfrentar as consequências deste
processo; principalmente “a escassez” de trabalho,
que está refletida nos altos índices de desemprego,
e também pelas novas modalidades de organização
e estruturação, originando a flexibilidade e a preca-
riedade dos vínculos laborais.
Entretanto, Boschetti (2003) afirma que os anos
1990 até a atualidade tem sido de contrarreforma
do Estado e de redirecionamento das conquistas so-
ciais contidas na Constituição de 1988.
É necessário analisar as mudanças que ocorreram
no limite entre o marco legal e as condições reais no
contexto do neoliberalismo e da barbárie. A era Fer-
nando Henrique Cardoso (FHC) foi marcada pelas
reformas direcionadas para o mercado e os proble-
mas do Estado brasileiro eram atribuídos às causas
centrais da crise econômica e social que se iniciou
nos anos 1980. A reforma do Estado ocorreu prin-
cipalmente em relação às privatizações e na área da
previdência social. Uma parte do patrimônio públi-
co brasileiro, com as privatizações, foi entregue ao
capital estrangeiro.
O programa de publicização se deu através da
criação de agências reguladoras, das organizações
sociais e da regulamentação do terceiro setor para a
execução de políticas públicas. Entretanto, a reforma
de FHC não surtiu o efeito desejado, não aumen-
tando a capacidade de implementação de políticas
públicas. Houve a desresponsabilização pela política
social e o abandono do padrão constitucional de se-
guridade social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Entretanto, não se pode afirmar que exista uma
ausência de política social no Brasil. O que houve
foi uma adaptação ao novo contexto, resultando
disso o trinômio do neoliberalismo para as políti-
cas sociais: privatização, focalização, seletividade e
descentralização (DRAIBE, 1993 apud BEHRING;
BOSCHETTI, 2006).
Sob o argumento da crise fiscal do Estado existe
uma tendência de restrição e redução de direitos,
BookUniderp63_ServSocial.indb 126 11/16/09 1:46:05 PM
127
aula 4 — O Neoliberalismo na Contemporaneidade
transformando as políticas sociais em ações pontu-
ais e compensatórias.
A Seguridade Social deveria provocar mudanças
profundas na saúde, previdência e assistência so-
cial, no sentido de articulá-las e formar uma rede
de proteção ampliada, coerente e consistente. No
entanto, isso não ocorreu. De acordo com Behring;
Boschetti (2006):
A Seguridade Social brasileira, ao incorporar uma
tendência de separação entre a lógica do seguro e
a lógica da assistência, acabou materializando po-
líticas com características próprias que mais se ex-
cluem do que se complementam, fazendo com que,
na prática, o conceito de seguridade fique no meio
do caminho entre o seguro e a assistência.
Os direitos mantidos pela seguridade social di-
recionam-se pela seletividade e privatização. As re-
formas da Previdência de 1998 e 2003 introduziram
critérios que focalizaram ainda mais os direitos dos
contribuintes, restringindo direitos, reduzindo o va-
lor de benefícios, limitando alguns benefícios como
salário-família e o auxílio-reclusão, provocando a
ampliação da permanência no mercado de trabalho
e não incorporando os trabalhadores pobres, aban-
donando-os nas relações de trabalho informais.
O Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo mi-
nado pela péssima qualidade dos serviços, pela fal-
ta de recursos, pela ampliação dos esquemas pri-
vados que sugam os recursos públicos e pela insta-
bilidade no financiamento (COHN, 1995; PIOLA,
2001; NUNES, 2001 apud BEHRING; BOSCHET-
TI, 2006).
A Assistência Social é a política mais penalizada,
devido principalmente à redução e residualidade na
abrangência, visto que os serviços e programas al-
cançam apenas uma pequena parcela da população
que deveria ter acesso; manutenção e reforço do ca-
ráter filantrópico na rede de serviços que está forte-
mente composta por entidades privadas. O Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), instituído em
2004, pretende alterar esse quadro.
A contrarreforma existente no Brasil desde os
anos de 1990 pressiona criando políticas paralelas
àquelas sujeitas ao controle social e democrático e
ao desfinanciamento imposto pela política econô-
mica e cooptação dos representantes da sociedade
civil nos Conselhos de Políticas Públicas, na distri-
buição dos poucos recursos.
Para finalizar, é importante destacar que, segun-
do Anderson (1995), o neoliberalismo fracassou no
plano econômico mas, infelizmente, atingiu muitos
de seus objetivos sociais, muito embora não todos
os propostos (a desestatização completa, por exem-
plo). Ele representa para a atualidade uma doutrina
com um alcance ideológico muito forte e amplo, de
forma que todos, mesmo que o neguem, tem que se
submeter às suas regras.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
Comente a visão de Alain Touraine sobre uma •
luz no final do túnel, em relação ao Neolibera-
lismo.
O que significa a contrarreforma do Estado e o •
redirecionamento das conquistas sociais conti-
das na Constituição de 1988?
anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 127 11/16/09 1:46:05 PM
128
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
saiba mais +
corporativismo: doutrina econômico-social
que preconiza a criação de instituições profissio-
nais, organizadas em corporações, dotadas de po-
deres econômicos, sociais e mesmo políticos, mas
sob fiscalização do Estado. Defesa, por parte de uma
categoria de trabalhadores ou funcionários, apenas
de seus próprios interesses profissionais.
Populismo: é uma forma de governar em que
o governante utiliza de vários recursos para obter
apoio popular. O populista utiliza uma linguagem
simples e popular, usa e abusa da propaganda pes-
soal, afirma não ser igual aos outros políticos, toma
medidas autoritárias, não respeita os partidos polí-
ticos e instituições democráticas, diz que é capaz de
resolver todos os problemas e possui um compor-
AULA
5PolÍticas sociais dos anos 1930
aos anos 1990
Conteúdo■■
O contexto das políticas sociais brasileiras no período 1930-1990•
Competências e habilidades■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Material para autoestudo■■
Verificar texto disponibilizado no Portal, na Galeria da Unidade Didática
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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tamento bem carismático. É muito comum encon-
trarmos governos populistas em países com grandes
diferenças sociais e presença de pobreza e miséria.
ideologia: é o conjunto de ideias, conceitos e
comportamentos que prevalecem sobre uma socie-
dade. Seu objetivo é encobrir as divisões existentes
na sociedade e na política, mostrando uma forma
maquiada de não divisão. Podemos exemplificar a
ideologia com a afirmação de que o adultério é cri-
me, que o homossexual é pervertido e que o futebol
é coisa do homem.
nacionalismo: constitui-se como uma forma
de consciência de grupo, de pertencimento ou de
ligação a uma nação; como ideologias baseadas na
valorização da Nação-Estado como forma ideal de
BookUniderp63_ServSocial.indb 128 11/16/09 1:46:05 PM
129
aula 5 — Políticas Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990
organização política; como “ideologia que justifi-
ca a Nação-Estado” (Gerth e Mills, Dicionário de
Ciên cias Sociais, MEC); bem como, ainda, o pro-
cesso histórico pelo qual as nações modernas têm-
se estabelecido como unidades políticas indepen-
dentes.
desenvolvimentismo: doutrina que defende
uma política governamental de promoção do de-
senvolvimento econômico, em especial da indus-
trialização. O período do Presidente Juscelino Ku-
bitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo.
moralismo: tendência a priorizar de modo exa-
gerado a consideração dos aspectos morais na apre-
ciação dos atos humanos.
Fascismo: sistema político nacionalista, impe-
rialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por
Benito Mussolini (1883-1945), na Itália, e que tinha
por emblema o feixe (fascio) de varas dos antigos
lictores romanos.
1930 A 1960
Os direitos sociais são fruto de reivindicação
dos movimentos dos trabalhadores, mas também
representam a busca de legitimidade das classes
dominantes, como mostra a expansão das políticas
sociais do Brasil nos períodos ditatoriais: 1937-
1945 e 1964-1984. Existe uma distância entre os
direitos previstos em lei e sua concreta implemen-
tação que permanece até a atualidade (BHERING;
BOSCHETTI 2006).
A entrada no século XX foi marcada pela cria-
ção dos primeiros sindicatos, influenciada pelos
imigrantes europeus no país. Em 1911 foi reduzida
a jornada de trabalho para 12 horas diárias.
Mas o divisor de águas, na política social brasi-
leira, foi o ano de 1923, pois se aprovou a Lei Eloy
Chaves, que prevê a criação de caixas de aposenta-
doria e pensão (CAPES) para algumas categorias
de trabalhadores. A crise econômica de 1929-1932
e a revolução de 1930 trouxeram maior diversifica-
ção da economia brasileira. Em 1927 foi aprovado
o código de menores, que só veio a ser substituído
em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Evaldo Vieira (1997, p. 68) (In: Oliveira, 2003),
observa que a política social no Brasil percorre três
períodos: o primeiro, que denomina “controle da
política” e vai da Era Vargas ao início dos anos 1960;
o segundo, que denomina de “política do controle”
e abrange 1964-1988. O terceiro período é o que se
inicia com a aprovação da Constituição em 1988,
no qual os avanços conquistados no campo da defi-
nição legal de direitos sociais ainda estão por serem
efetivados ou pior, muitos já foram extirpados do
texto constitucional ou se encontram permanente-
mente ameaçados, configurando o que Vieira deno-
mina de “política social sem direitos sociais”.
Getúlio Vargas, nos anos 1930, direcionou a po-
lítica, transformando as relações estado/sociedade
para o mercado interno e o desenvolvimento da in-
dustrialização, mas mantendo a exportação de pro-
dutos agrícolas.
Getúlio Vargas, com sua política trabalhista, con-
trolava as greves e os movimentos operários e ao
mesmo tempo criava um sistema de seguro social.
Os seguros sociais eram reorganizados através de
institutos de previdência social para aquelas catego-
rias já organizadas: marítimos, bancários e indus-
triários. Os demais trabalhadores, naquela época,
principalmente os trabalhadores rurais, ficaram de
fora do sistema.
Como afirma Faleiros (2000):
O modelo getulista de proteção social se definia
em comparação com o que se passava no mundo,
como fragmentado em categorias, limitado e desi-
gual na implementação dos benefícios, em troca de
um controle social das classes trabalhadoras.
Vargas governou sob ditadura (Estado Novo) após
o golpe de 1937 até 1945, quando foi derrubado
militarmente.
Nesse período, em 1942, foi criada a Legião Brasi-
leira de Assistência (LBA), em cuja entidade predo-
minava o assistencialismo, unindo ações de obras de
caridade, com ações das primeiras-damas.
Segundo pesquisa de Draibe (1990) e de Faleiros
(2000), dentre outros (In: Behring; Boschetti, 2006),
BookUniderp63_ServSocial.indb 129 11/16/09 1:46:05 PM
130
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
as principais medidas do período de 1930 a 1943,
foram: regulação dos acidentes de trabalho, aposen-
tadorias e pensões, auxílios-doença, maternidade,
família e seguro desemprego. Em 1930, foi criado
o Ministério do Trabalho e em 1932 a carteira de
trabalho. O período de 1937 a 1945, da ditadura de
Vargas, e após, foi marcado por uma forte disputa
de projetos e pela intensificação da luta de classes
e também com uma base material em crescimento,
com o desenvolvimentismo nacionalista em substi-
tuição à política de importações. O governo Kubits-
check se propunha a fazer o país crescer 50 anos em
5. Esse processo possibilitou maior organização po-
lítica e consciência de classe dos trabalhadores, dos
camponeses e das camadas médias urbanas.
Nesse período, a expansão da política social foi len-
ta, com um formato corporativista e fragmentado.
Somente em 1960 esse modelo gradativamente
foi extinto, com a aprovação da Lei Orgânica da
Previdência Social, que definia a unificação dos be-
nefícios dos vários institutos, organizados em mais
de 300 leis e decretos referentes às previdências so-
ciais.
O contexto político, populista, fazia apelo a uma
ideologia de adesão das massas, nos moldes de Var-
gas, nacionalista; de Kubitscheck, desenvolvimentis-
ta; de Quadros, moralista; ou de Goulart, reformis-
ta. Somente em 1983 a lei da previdência rural foi
aprovada, mas não colocada em prática.
Somente após a Segunda Guerra Mundial, a par-
tir de 1945, é que o Brasil entrou na fase madura
do capitalismo. Até 1975 houve uma forte expansão,
com taxas de lucros altas e ganhos de produtividade
para as empresas e políticas sociais para os trabalha-
dores. No fim dos anos 1960 esse período dá sinais
de término.
Observa-se que o ciclo de expansão do capitalis-
mo e das políticas sociais inicia-se após 1945, devi-
do às consequências advindas da Segunda Guerra
Mundial e do fascismo, a terceira revolução tecnoló-
gica, principalmente com a microeletrônica, e ainda
a derrota histórica do movimento operário mun-
dial, com a queda do muro de Berlim e do fim do
socialismo nos países da Cortina de Ferro.
As políticas sociais viveram forte expansão após
a Segunda Guerra Mundial, com a intervenção do
estado na regulação das relações sociais e econô-
micas.
1970 A 1990
O apogeu do capitalismo “regulado” começa a se
extinguir no final dos anos 1960 e inicia-se a recon-
figuração do Estado capitalista nos anos 1980 e 1990
e seus impactos para a política social, articulados a
uma reação burguesa à crise do capital, que come-
çou nos anos 1970.
O discurso neoliberal na década de 1970 argu-
mentava que o Estado de Bem-Estar Social era ex-
cessivamente paternalista, entre outros argumentos.
Com a crise fiscal, consequência da ampliação das
demandas sobre o orçamento público e da diminui-
ção dos recursos, a guerra em torno do destino dos
recursos públicos é cada vez maior.
As taxas de crescimento, as funções mediadoras
do Estado cada vez mais amplas, a absorção das no-
vas gerações no mercado de trabalho, restritas pelas
tecnologias poupadoras de mão de obra, não são
as mesmas, contrariando as expectativas de pleno
emprego. As dívidas públicas e privadas crescem.
A explosão da juventude, em 1968, no mundo e a
primeira grande recessão, devido à alta do petróleo
em 1973, foram os sinais de que o sonho de pleno
emprego e da cidadania relacionada à política so-
cial havia terminado no capitalismo central e estava
definitivamente comprometido na periferia do ca-
pital, onde nunca se realizou de fato (BHERING;
BOSCHETTI 2006).
Dos anos 1960 aos anos 1980, o país se desen-
volveu economicamente expandindo sua produção,
modernizando sua economia com entrada do capi-
tal estrangeiro no país.
Os institutos de previdência social foram unifica-
dos e centralizados no governo federal. Foi amplia-
da a previdência aos trabalhadores rurais em 1971,
aos empregados domésticos em 1972, aos jogadores
de futebol em 1973 e aos ambulantes em 1978.
Em 1974, a renda mensal vitalícia no valor de um
salário mínimo, beneficiou os idosos pobres com
BookUniderp63_ServSocial.indb 130 11/16/09 1:46:05 PM
131
aula 5 — Políticas Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990
mais de 70 anos. Nesse mesmo ano foi criado o Mi-
nistério da Previdência e Assistência Social.
A política habitacional, de acesso à casa própria
para as classes médias, foi criada pelo Banco Na-
cional de Habitação (BNH). O modelo implantado
pela ditadura militar: assistencial, industrial, tec-
nocrático e militar, não estava voltado para a ci-
dadania, mas o acesso da população, por extratos
populacionais, favorecendo grupos privados.
No final da ditadura militar, a conjuntura eco-
nômica estava em crise: inflação, dívida pública
acentuada, fazendo a população sair às ruas em
manifestações organizadas (FALEIROS, 2000).
A Constituição Federal de 1988, fruto do rom-
pimento do regime militar e surgimento da de-
mocracia no país, caracterizava-se como: liberal,
democrática e universalista, expressando as con-
tradições do momento, convivendo aí as políticas
estatais com as políticas de mercado, nas áreas da
saúde, da previdência e da assistência social.
Os anos 1990 foram marcados pelas reformas
neoliberais, com maior favorecimento do mercado
e de redução do papel do Estado.
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi
aprovada somente em 1993, tornando, concreta-
mente, a assistência social uma política pública,
dever do Estado e um direito do cidadão. A lei pre-
videnciária cortou a renda mensal vitalícia para os
idosos. A LBA, o INPS e o INAMPS foram extintos
e em seu lugar foi criado o Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS).
Com a promulgação da Constituição de 1988,
ampliou-se consideravelmente os direitos sociais
e políticos, estabelecendo novas bases nas relações
trabalhistas, novas relações entre Estado e socieda-
de, instituindo a descentralização das atribuições
e responsabilidades de intervenção na área social
nas três esferas de governo. Todavia, no momen-
to em que, no Brasil, delineava-se uma espécie de
Estado Social em que as demandas da classe tra-
balhadora eram contempladas e a sociedade bra-
sileira caminhava para um avanço democrático,
no mundo operava-se o desmonte da política de
bem-estar social.
Até a Constituição de 1988 a política social bra-
sileira se caracterizou por oferecer cobertura aos
que se encontravam no mercado de trabalho. Fora
do mercado de trabalho só havia a caridade priva-
da ou alguma esmola pública precária na forma de
auxílios. Uma outra característica da política social
brasileira é, segundo W. G. Santos (1987, p. 89) (In:
Oliveira, 2003), “o fato de que os períodos em que
se podem observar efetivos progressos na legisla-
ção social coincidem com a existência de governos
autoritários.” Destaca neste sentido a era Vargas e
o pós-1966.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
Caracterize os direitos sociais no Brasil no perío-
do entre 1930 e 1945.
Analise as políticas sociais no período pós-1945
até 1960.
Comente o significado da reconfiguração do es-
tado capitalista nos anos 1980 e 1990.
Realize reflexão sobre a elaboração da nova
Constituição Brasileira, quando delineava-se uma
espécie de Estado Social, com as demandas da clas-
se trabalhadora sendo contempladas e a sociedade
brasileira caminhando para um avanço democráti-
co, e no mundo operava-se o desmonte da política
de bem-estar social.
anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 131 11/16/09 1:46:05 PM
132
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
Os movimentos sociais surgem em um processo
de lutas econômicas, culturais e políticas e o seu
desenvolvimento abarca interesses não somente
populares, mas também de luta pelo poder e, atra-
vés de suas demandas reivindicatórias, pode ocor-
rer o fortalecimento da sociedade civil.
O texto enfoca um pouco a história do país, de-
monstrando que o processo participativo popular
aconteceu dentro de uma tradição autoritária e
excludente, a partir da colônia portuguesa, da es-
cravidão, do Império, de modo que seu povo foi
mantido sempre estrangeiro em sua própria ter-
ra, à margem da política. Na ausência de espaços
legítimos de negociação de conflitos, o cotidiano,
o local de moradia, a periferia, o gênero, a raça
tornam-se espaços e questões públicas, lugares de
ação política, constituindo sujeitos com identida-
des e formas de organização diferentes daquelas do
sindicato e do partido. Com a redemocratização
do país e a nova Constituição Federal é incorpo-
rada a questão da participação e do controle social
como diretriz vinculada à política social. Os anos
1990 são caracterizados como um marco na histó-
ria dos movimentos sociais. Modifica-se a agenda
política dos governos, na qual só há lugar para a
participação e para os processos de descentraliza-
AULA
6PolÍticas sociais e movimentos sociais
Conteúdo■■
História dos movimentos sociais, desde a colonização portuguesa até a atualidade•
Os Anos 1990 e a Emergência dos Chamados Novos Movimentos Sociais•
Competências e habilidades■■
Desenvolvimento histórico dos movimentos sociais, desde a colonização portuguesa até a •
atualidade
Caracterização dos movimentos sociais especialmente nos anos 1970, 1980 e 1990•
Descrição de alguns elementos restritivos de ampliação dos movimentos sociais no País•
Material para autoestudo■■
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aula 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais
saiba mais +
ção construídos no interior da sociedade política,
por iniciativa dos dirigentes, segundo critérios es-
tabelecidos pelo poder público.
O destino dos movimentos sociais no Brasil é
incerto, pois os últimos governos reconhecem
apenas a democracia parlamentar, desqualifican-
do sindicatos e movimentos sociais como “repre-
sentantes do atraso” e esvaziando canais partici-
pativos como conselhos e conferências nacionais,
estimulando a destituição de direitos trabalhistas,
previdenciários e sociais, fazendo deles políticas
compensatórias e filantrópicas, além de reduzir os
gastos sociais. Para fortalecer e ampliar as possi-
bilidades da participação social é preciso: investir
fortemente na qualificação dos movimentos so-
ciais e de outros atores da sociedade civil para uma
ação propositiva e capaz de participar eficazmente
de negociações; qualificar agentes governamentais,
contribuindo para fortalecer neles uma cultura de-
mocrática e participativa e implementar políticas
inovadoras quanto à melhoria das condições de
vida de toda a população e à democratização dos
processos de gestão. Potencializar as ações da so-
ciedade, suas práticas democráticas e ampliadoras
da cidadania.
Movimento Anarquista: Teoria política
fundada na convicção de que todas as for-
mas de governo interferem injustamente na
liberdade individual, e que preconiza a subs-
tituição do Estado pela cooperação de grupos
associados.
Movimento Socialista: Doutrina que prega
a primazia dos interesses da sociedade sobre
os dos indivíduos, e defende a substituição da
livre-iniciativa pela ação coordenada da cole-
tividade na produção de bens e na repartição
da renda.
Reformas de Base: Era o nome dado às po-
líticas de transformação na estrutura econô-
mica e social propugnadas pelo governo
João Goulart: reforma agrária, fiscal, educa-
cional, bancária e eleitoral. Para o governo,
elas eram necessárias ao desenvolvimento de
um ìcapitalismo nacionalî e ìprogressistaî.
Senso Comum: Pode-se dizer que senso
comum são os conhecimentos adquiridos ao
longo da vida que independem de um treina-
mento científico.
POLíTICAS SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS
Os movimentos sociais precisam ser situados his-
toricamente, para não se perder sua importância e
dimensão. É dentro dos marcos de uma sociedade
competitiva e conflituosa, num processo de lutas
econômicas, culturais e políticas é que surgem es-
ses movimentos. O seu desenvolvimento abarca in-
teresses não somente populares, mas componentes
básicos da luta pelo poder e desenvolvem, através de
suas demandas reivindicatórias, o fortalecimento da
sociedade civil.
Na perspectiva de Gohn (1989):
Movimentos sociais são ações coletivas de caráter
sociopolítico, construída por atores sociais perten-
centes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
politizam suas demandas e criam um campo po-
lítico de força social na sociedade civil. Suas ações
estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
temas e problemas em situações de: conflitos, lití-
gios e disputas. As ações desenvolvem um processo
social e político-cultural que cria uma identidade
coletiva ao movimento, a partir de interesses em
comum.
UM POUCO DA HISTÓRIA
Historicamente, a participação popular no Brasil
teve reduzido espaço de influência socioeconômica
e política. Como afirma Carvalho (1987):
Nosso país constituiu-se dentro de uma tradição
autoritária e excludente, a partir da colônia portu-
guesa, da escravidão, do Império, de modo que seu
povo foi mantido sempre estrangeiro em sua pró-
pria terra, à margem da política, considerada pelos
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134
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
ditos populares como ‘coisa de branco’: ‘[...] vocês
são brancos, que se entendam’, é um frequente co-
mentário popular. Um dos autores que estudou a
formação dessa cultura autoritária e excludente co-
menta, de modo crítico, a opinião generalizada de
que o povo assistiu ‘bestializado’ a proclamação da
República. Esta atitude apática ou ‘bestializada’, não
corresponde, porém, à realidade, mas a um discur-
so que desqualifica a cultura, as formas de agir, de
pensar e de participar do povo brasileiro, que incor-
poram as contribuições negra e indígena. Mesmo
reprimida como ‘caso de polícia’, ocupando apenas
as páginas policiais, a participação popular sempre
existiu, desde que existem grupos sociais excluídos
que se manifestam e demandam ações ou políticas
governamentais.
Deste ponto de vista pode-se analisar a participa-
ção conquistada nas diversas fases e tipos de movi-
mentos sociais que percorrem a história do Brasil,
desde as primeiras resistências indígenas e negras
como a Confederação dos Tamoios e os Quilombos,
passando pelos chamados movimentos camponeses,
como Canudos, pelas lutas abolicionistas, pela Inde-
pendência, pelas revoltas urbanas contra a carestia,
as mobilizações de inquilinos, e tantas outras.
O movimento operário, de inspiração anarquista
e socialista, juntamente com o movimento campo-
nês e os movimentos urbanos, vem caracterizar o
que neste século chamamos “movimentos sociais”.
Estes movimentos sofrem, principalmente nos anos
1930 a 1960, fortes pressões cooptadoras por parte
de partidos políticos, de parlamentares e governos
que buscam instrumentalizá-los e submetê-los a
seus interesses e diretrizes.
1960 A 1980
O período do regime militar com o golpe dos ge-
nerais representou uma resposta ao levante popular
das massas trabalhadoras insatisfeitas com os ru-
mos dos governos populistas. Os anos 1950 e 1960
são marcados por intensa mobilização social, que se
expressa no movimento sindical, nas Ligas Campo-
nesas e numa ampla reivindicação por “Reformas de
Base”, de cunho democrático, popular e nacionalis-
ta. A implantação da ditadura se faz à custa de uma
pesada repressão, com o fechamento de sindicatos, a
cassação, tortura e banimento de lideranças sociais
e políticas, a censura da imprensa, o fechamento do
Congresso e dos partidos, o engessamento das elei-
ções e da política, a destruição dos espaços públicos
e da cidadania. Essa destruição da cidadania e da
democracia não se dá, no entanto, sem a resistência
e o enfrentamento de movimentos sociais, especial-
mente do movimento estudantil e dos grupos que
optam pela luta armada, pelas guerrilhas urbanas e
camponesas, inspirados pelas Revoluções Cubanas
e Chinesas.
As condições de exploração, pauperização e re-
pressão, não só no Brasil mas também na América
Latina, fez com que os movimentos sociais constru-
íssem novas formas de demonstrar a contradição
fundamental da classe trabalhadora. Esses movi-
mentos tinham como ponto de partida, na maio-
ria das vezes, os problemas coletivos do consumo
(CARVALHO, 1998).
Os anos 1970 foram, no Brasil, tempos de pro-
fundas mudanças econômicas e políticas, que
provocaram a emergência vigorosa de novas de-
mandas sociais. O Estado burocrático-autoritário,
que se estabeleceu com a ditadura militar, fechou,
no entanto, até mesmo os precários canais de ex-
pressão e de negociação de interesses e conflitos
mantidos pelo populismo. Neste contexto de au-
sência de canais de interlocução, emergem novos
movimentos sociais como captadores destas novas
e candentes demandas sociais. Sua ação abre no-
vos espaços ou “lugares” para a ação política. Na
ausência de espaços legítimos de negociação de
conflitos, o cotidiano, o local de moradia, a perife-
ria, o gênero, a raça tornam-se espaços e questões
públicas, lugares de ação política, constituindo
sujeitos com identidades e formas de organização
diferentes daquelas do sindicato e do partido.
Eder Sader (1988), destaca:
O papel especial desempenhado, na constituição
desses novos sujeitos, por algumas matrizes dis-
cursivas comprometidas com projetos de ruptura,
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135
aula 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais
provenientes do sindicalismo, da Igreja e da es-
querda marxista. Estas matrizes renovam-se, nos
anos 1970, em decorrência de “crises” geradas por
grandes derrotas como a derrota da luta armada
ou pela perda da capacidade de apelo da Igreja ao
seu público tradicional. Fragilizadas, elas relativi-
zam suas verdades, fragmenta-se sua racionalida-
de totalizadora e abrem-se ao reconhecimento de
outros sujeitos e outros significados. Ao invés de
fechar-se em conceitos abstratos e impostos sobre
“o fazer histórico-social do proletariado”, deixam-
se “educar por ele”, abrem-se aos silêncios e ao fa-
zer até então interpretado de modo totalizante por
vanguardas políticas, eclesiais ou intelectuais. As
Comunidades Eclesiais de Base-CEBs, os Clubes de
Mães, as Pastorais Populares das Igrejas, os Movi-
mentos Populares por Creches, por Saúde e Contra
a Carestia, que se alastram por todo o país, o novo
sindicalismo que emerge do cotidiano dos grupos
de oposição sindical, a partir da Oposição Sindical
Metalúrgica de São Paulo e do Sindicato dos Me-
talúrgicos de São Bernardo, são fortes exemplos
de espaços de recusa das hierarquias que encap-
sularam amplos setores populares na condição de
cidadãos de segunda classe, não cidadãos, “párias”
políticos e sociais.
A partir dos anos 1980 assiste-se no Brasil à emer-
gência de inúmeras formas novas de organização e
participação popular, através das quais busca-se al-
terar a relação entre o Estado autoritário vigente no
país após 1964 e a sociedade civil.
Necessidades não satisfeitas geram demandas, que
articuladas a determinados interesses de classe fazem
emergir contradições e geram reivindicações.
A problemática da origem dos movimentos po-
pulares deve ser pensada também a partir das con-
dições geradoras de mobilização popular. As neces-
sidades não satisfeitas, geradoras de reivindicações,
são um dos pontos centrais da questão.
As reivindicações populares podem gerar o em-
brião de uma vontade coletiva popular baseada no
senso comum. Este, ainda que impregnado de va-
lores da ideologia dominante, contém uma cultura
das massas, elaborada a partir de suas condições de
oprimidas e subalternas. Estas, quando aglutinadas
na sua heterogeneidade, são elementos fundamen-
tais para a hegemonia das classes subordinadas e
para a constituição de uma identidade popular.
A categoria teórica básica enfatizada era a da auto-
nomia, que se tratava mais de uma estratégia políti-
ca, pois reivindicava um distanciamento em relação
ao Estado autoritário. Os fundamentos sobre a ques-
tão da autonomia eram difusos. Matrizes do socia-
lismo libertário do século passado, assim como do
anarquismo, estavam embutidas numa leitura que,
no geral, fazia uma análise marxista da realidade. As
análises contribuíram para subsidiar um projeto de
mudança social em que os movimentos sociais po-
pulares urbanos tinham um papel de destaque.
Essa nova cultura participativa, construída pelos
movimentos sociais, coloca novos temas na agenda
pública, conquista novos direitos e o reconhecimen-
to de novos sujeitos de direito, mas mantém, ainda,
uma posição exterior e antagônica ao Estado, pois
as experiências de diálogo e as tentativas de negocia-
ção realizadas até então levavam, sistematicamente,
à cooptação ou à repressão.
Se os anos 1970 podem ser caracterizados pela
disseminação de uma multiplicidade de organiza-
ções populares “de base”, nos anos 1980 tem-se a
sua articulação em federações municipais, estaduais
e nacionais, entidades representativas desses movi-
mentos, cujas expressões mais fortes são a constru-
ção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido que,
no dizer de Luís Inácio “Lula” da Silva, um de seus
fundadores, nasce da percepção de que os trabalha-
dores precisam também fazer política partidária,
para garantir “na lei” as conquistas obtidas nas lutas
reivindicativas. Um partido que se pensa como ex-
pressão, na política “maior”, de toda a mobilização
social desse período, do espaço público construído
pelas lutas dos trabalhadores.
O processo constituinte com um amplo mo-
vimento popular elaborou emendas populares à
Constituição e coletou subscrições em todo o país,
marcando este momento como uma nova fase dos
movimentos sociais. Período em que as experiências
da “fase” anterior, predominantemente reivindicati-
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136
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
va, de ação direta ou “de rua”, são sistematizadas e
traduzidas em propostas políticas mais elaboradas
e levadas aos canais institucionais conquistados,
como a própria iniciativa popular de lei que permi-
tiu as emendas constituintes.
OS ANOS 1990 E A EMERGÊNCIA
DOS CHAMADOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS
A emergência dos chamados novos movimentos
sociais, que se caracterizou pela conquista do direito
a ter direitos, do direito a participar da redefinição
dos direitos e da gestão da sociedade, culminou com
o reconhecimento, na Constituição de 1988, em seu
artigo 1o, de que “Todo poder emana do povo, que o
exerce indiretamente, através de seus representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constitui-
ção.” Esta “Constituição cidadã” prevê a participa-
ção direta dos cidadãos através dos chamados ins-
titutos de democracia direta ou semidireta, como o
plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de lei,
as tribunas populares, os conselhos e outros canais
institucionais de participação popular. As mudan-
ças na conjuntura política no início dos anos 1980
alteraram esse cenário.
Uma nova concepção demandava não apenas
bens e serviços necessários para a sobrevivência
cotidiana, característica básica das ações dos movi-
mentos populares, que inscreviam suas demandas
mais no campo dos direitos sociais tradicionais: di-
reito à vida, tendo acesso à comida, ao abrigo e ou-
tras. O novo nos movimentos ecológico, das mulhe-
res, negros, indígenas etc., se referia a outra ordem
de demanda, relativa aos direitos sociais modernos,
que apelam para a igualdade e a liberdade nas rela-
ções de raça, gênero e sexo.
Destacam-se os fatores que contribuíram para as
alterações nas políticas públicas e na composição dos
agentes e atores que participam da implementação,
gestão e avaliação das mesmas políticas; o consenso,
a generalização e o posterior desgaste das chama-
das práticas participativas em diferentes setores da
vida social; o crescimento do associativismo insti-
tucional, que se desenvolveu muito nos anos 1980,
absorvendo grande parcela dos desempregados do
setor produtivo privado; o surgimento de grandes
centrais sindicais; o surgimento de entidades aglu-
tinadoras dos movimentos sociais populares, espe-
cialmente no setor da moradia; e fundamentalmen-
te, o nascimento e o crescimento, ou a expansão da
forma que viria a ser quase que uma substituta dos
movimentos sociais nos anos 1990: as ONGs.
Os anos 1990 foram considerados os anos da cri-
se e da mudança. Crises internas de militância, de
participação, de credibilidade nas políticas públicas,
de confiabilidade e legitimidade junto à própria po-
pulação e crises externas, decorrentes da redefini-
ção dos termos do conflito social entre os diferentes
atores sociais e entre a sociedade civil e a sociedade
política, tanto em termos nacionais como em ter-
mos dos referenciais internacionais: queda do muro
de Berlim, fim da União Soviética, crise das utopias,
ideologias etc. (GOHN, 1997).
Modifica-se a agenda política dos governos, na
qual só há lugar para a participação e para os pro-
cessos de descentralização construídos no interior
da sociedade política, por iniciativa dos dirigentes,
segundo critérios estabelecidos pelo poder público.
As políticas são formuladas para segmentos
sociais, dentro de um recorte que privilegia os
atores sociais que serão os parceiros, e não mais
os segmentos segundo recorte das classes sociais.
Também as arenas de negociações passam a ser da-
das pelo poder público. Criam-se processos e ca-
nais de participação e mais uma vez deve se repetir:
estes canais são conquistas do movimento social
combativo, progressista e articulador de interesses
dos excluídos da sociedade civil; mas junto com os
novos canais estruturam-se também movimentos
sociais que defendem demandas particularistas e
estão voltados para atuarem como coparticipes das
ações estatais.
Nos anos 1990, o que era ocasional se institucio-
naliza e os atores sociais privilegiados, convocados
a serem parceiros das novas ações, são os tradicio-
nais aliados do poder. O movimento social mais
combativo, que se encontra fragilizado e fragmen-
tado por sua crise de identidade, disputas internas
etc. não tem nenhuma garantia de participação nas
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137
aula 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais
novas políticas; fora das políticas públicas não há
recursos financeiros porque os recursos interna-
cionais escassearam (GOHN, 1999).
Nos anos 1990 houve significativas alterações no
cenário da participação social, com a transforma-
ção das lutas sociais organizadas em movimentos
populares, e o surgimento de novas lutas sociais,
de caráter cívico, como A Ética na Política, Movi-
mento de Meninos de Rua.
A diminuição dos movimentos sociais organi-
zados foi proporcional ao crescimento de redes de
organizações não governamentais, voltadas para o
trabalho em parcerias com as populações pobres
ou fora do mercado formal do trabalho. Uma nova
estrutura de relações sociais está sendo construída
nos anos 1990, a partir das redes de economia in-
formal ou comunitária que foram criadas. Trata-se
de soluções criadas pelas ações coletivas populares,
baseadas em planos coletivos de baixo custo e com
utilização do trabalho comunitário, no cenário
brasileiro, tanto urbano como rural. As várias Or-
ganizações Não Governamentais – ONGs, princi-
palmente as que atuam com as camadas populares,
têm o apoio de alas progressistas da Igreja Católica,
que reviu suas posições quanto à organização da
população para participar de movimentos e mobi-
lizações conscientizadoras, voltando-se agora para
a organização popular para ações coletivas coope-
radas ou em parceria com agências: públicas ou
privadas. Estas novas orientações introduzem uma
questão nova na temática da participação popular.
Trata-se das ações coletivas em busca de soluções
para problemas localizados, baseadas no trabalho
comunitário e nas técnicas alternativas. Trata-se de
modos de atuação coletiva, nos quais a cultura e as
tradições são utilizadas como amálgamas de pro-
cessos novos, que criam novas possibilidades em
termos de relações sociais e de formas de produção
(HABERMAS, 1997).
Nesse período, os movimentos sociais mais com-
bativos e conflituosos estavam no campo e não mais
na cidade. O Movimento dos Sem-Terra retomou as
lutas que geraram, nos anos 1960, movimentos do
tipo “Ligas Camponesas”, colocando a questão da re-
forma agrária novamente na ordem do dia.
A partir da Constituinte, e ao longo da década
de 1990, torna-se cada vez mais clara para os movi-
mentos sociais a reivindicação de participar da re-
definição dos direitos e da gestão da sociedade. Não
reivindicam apenas obter ou garantir direitos já de-
finidos, mas ampliá-los e participar da definição e
da gestão desses direitos.
Tidos como paroquiais, fragmentados, efêmeros,
os movimentos sociais teriam dificuldade em efe-
tivamente articular suas reivindicações nas arenas
políticas formais que se constituem num regime de-
mocrático, seriam inábeis para transcender o local e
engajar-se na política real requerida pelo retorno da
democracia representativa.
Os movimentos sociais têm sido capazes de se
transformar, modificando a democracia brasileira.
Na visão de Carvalho (1998):
O aprofundamento da democracia que temos vis-
to no Brasil não pode ser explicado somente como
obra de engenharia institucional, mas afirma o
importante significado da expansão da mobiliza-
ção como fator de transformação das instituições
a partir dos espaços de organização da sociedade.
Sem a forte presença dos movimentos sociais não
se pode explicar uma crescente mudança cultural
que se opõe aos velhos padrões da política, cliente-
listas, elitistas e corruptos, uma sociedade que, em
diversas de suas atitudes recentes, embora de uma
forma descontínua, enfatiza a representatividade,
exige maior transparência e respeitabilidade.
Entre as formas de participação, mais centradas
na sociedade que no Estado, é preciso ainda saber
“ver” novas formas de manifestação cidadã, muito
mais informais, como as redes de “militância virtu-
al”, as consultas e pesquisas realizadas por telefone,
questionários ou Internet, os movimentos de con-
sumidores e usuários. A participação meramente
formal propiciada pelas tecnologias da comuni-
cação pode integrar-se a uma participação mais
substantiva, desde que articulada a outras formas
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Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
de participação, e os Orçamentos Participativos já
começam a incorporá-las.
Destacam-se, neste sentido, também os movi-
mentos feministas, negros, de gays, lésbicas e traves-
tis, dos povos indígenas, dos portadores de deficiên-
cia, ecologistas, como movimentos explicitamente
voltados a mudanças culturais na sociedade, que
constroem uma cultura de tolerância e de respeito
ao diferente, um pensamento multicultural, que
dá visibilidade a padrões culturais minoritários e,
por isso mesmo, muito importantes ao contínuo
reconstruir da cultura que predomina numa socie-
dade. Estas são formas de participação que incor-
poram à opinião pública novos critérios de justiça,
de relevância e de pertinência, trazem novos temas
à agenda pública e poder de relacionar-se com as
políticas públicas.
Muitos autores do meio acadêmico, político, e en-
tre as próprias lideranças dos movimentos sociais,
avaliam o momento atual de outra forma. Acreditam
em um forte refluxo dos movimentos sociais, perce-
bendo sua participação na política institucional como
ameaça de cooptação e institucionalização burocráti-
ca. Esta participação acarretaria, nesta visão, a perda
da vitalidade rebelde e revolucionária dos movimen-
tos sociais e o afastamento de suas lideranças das de-
mandas e da dinâmica social. Os canais institucionais
de participação popular são vistos, nesta perspectiva,
como iniciativa predominantemente estatal, na bus-
ca de recuperar uma legitimidade que o Estado e a
política têm perdido. Nessa linha existe assimetria
de poder e de conhecimento técnico e político dos
representantes populares frente aos representantes
do governo e dos setores profissionalmente ou po-
liticamente mais capacitados, para apontar a pouca
eficácia, o baixo potencial inovador e transformador
destes canais. Indica-se, nesta perspectiva, a busca de
recuperar a capacidade de mobilização e o vigor das
lutas populares e sindicais dos anos 1970 e 1980. Nes-
te sentido, o Movimento Sem Terra (MST) é apon-
tado como o único movimento social que consegue
escapar do “refluxo” e mostrar-se como alternativa
capaz de impor às elites no poder uma agenda de
questões de interesse popular.
No ponto de vista de Carvalho (1998), “[...] não
se pode subestimar o peso dessas assimetrias e da
fragilidade das novas práticas de gestão participati-
va. A participação popular, principalmente a parti-
cipação nos espaços de gestão participativa de polí-
ticas, equipamentos e recursos públicos, é um pro-
cesso em construção de um marco legal e de uma
cultura democrática e participativa, pela construção
de habilidades e metodologias que possam fazê-los
instrumentos eficientes e eficazes de melhoria da
qualidade de vida e de democratização dos proces-
sos de tomada de decisões políticas.”
Estes são processos marcados pela precarieda-
de e pela fragilidade, tanto de parte da sociedade
civil como da parte dos órgãos públicos e gover-
nos que deles participam. Muitas das ações e dos
canais participativos estão longe dessa eficiência
e eficácia. Prestam-se muitas vezes à legitimação
de governos e práticas cuja democracia se limita
a um verniz “de fachada”, confundem movimentos
sociais, que não conseguem adaptar-se aos novos
desafios e, em diversos casos, morrem, enfraque-
cem, desarticulam-se.
O salto de qualidade colocado para os movimentos
sociais pelas experiências de participação em espaços
institucionais é um desafio muito exigente, e não são
todos os movimentos que conseguem reconfigurar-
se para corresponder às novas demandas.
Quando se fala em refluxo dos movimentos so-
ciais, de sua menor visibilidade nas ruas e na mídia,
ao lado de um certo “recolhimento” desses atores,
que passam a ocupar espaços de gestão participati-
va e a estudar, capacitando-se para seu novo papel
propositivo e negociador, não se pode negar uma
grande queda no ânimo, no entusiasmo, na cultu-
ra participativa que caracterizou as duas décadas
anteriores. E é inegável o impacto causado pelo
fracasso das experiências socialistas do leste euro-
peu e das revoluções africanas e nicaraguenses. O
questionamento dos modelos revolucionários, es-
pecialmente após a queda do Muro de Berlim, aba-
lou fortemente a confiança daqueles que viam nos
movimentos sociais um caminho para a transfor-
mação da sociedade. Novos paradigmas de trans-
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aula 6 — Políticas Sociais e Movimentos Sociais
formação social, os papéis do Estado, da sociedade
e da cultura nesta transformação, o papel dos mo-
vimentos sociais, novas formas de organização e
de luta, novas formas de manifestação cidadã, tudo
isso são reconstruções a fazer.
Concluindo■■
No estudo em questão destaca-se especialmente o
embate com o neoliberalismo. Na esfera federal, os
governos dos anos 1990 afirmam apenas reconhecer
a democracia parlamentar quando desqualifica sin-
dicatos e movimentos sociais como “representantes
do atraso” e suas manifestações como prejudiciais
à democracia, desconstruindo e esvaziando canais
participativos, como conselhos e conferências na-
cionais, estimulando a destituição de direitos tra-
balhistas, previdenciários e sociais, fazendo deles
políticas compensatórias e filantrópicas, além de
reduzir os gastos sociais.
As previsões sobre o futuro da participação são
incertas. O que se deve fazer, concretamente, é: in-
vestir fortemente na qualificação dos movimentos
sociais e de outros atores da sociedade civil para
uma ação propositiva e capaz de participar eficaz-
mente de negociações; qualificar agentes governa-
mentais, contribuindo para fortalecer neles uma
cultura democrática e participativa e implementar
políticas inovadoras quanto à melhoria das condi-
ções de vida de toda a população e à democratiza-
ção dos processos de gestão. Potencializar as ações
da sociedade, suas práticas democráticas e amplia-
doras da cidadania. Estas são as previsões que se
pode fazer, esperando com elas fortalecer a ampliar
as possibilidades da participação social.
Atividade■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
Analisar os movimentos sociais brasileiros à •
luz das mudanças ocorridas historicamente,
desde a ditadura militar de 1964 até os anos
1980.
Caracterizar os movimentos sociais nos anos •
1990. Por que esse período é considerado um
marco na história dos movimentos sociais bra-
sileiros?
Desenvolva uma reflexão sobre a importância •
dos movimentos sociais para o fortalecimento
da sociedade civil.
Por que na atualidade existe certa dificuldade •
de realizar uma previsão sobre os destinos dos
movimentos sociais?
anotaçÕes *
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140
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
Se as políticas sociais no Brasil, em seu conjunto,
enfrentam questões importantes que afetam dire-
tamente o sentido geral de sua implementação, as
áreas setoriais têm que fazer frente a temas específi-
cos que, em cada caso, configuram perspectivas não
menos desafiadoras.
Nas políticas da Seguridade Social destacam-se
duas ordens de questões. Uma diz respeito à insegu-
rança jurídica que desde a promulgação da Consti-
tuição de 1988 acomete esse sistema. Originalmen-
te concebido para dispor de um Ministério único,
aglutinador das políticas de previdência social, assis-
tência e saúde, de um conselho de participação defi-
nidor das prioridades alocativas e de um orçamento
próprio, autônomo da área fiscal, tal sistema nunca
chegou a se estabelecer plenamente. Apenas tomou
forma o Orçamento da Seguridade Social, a última
daquelas instituições inicialmente previstas e, ainda
assim, mais como parte contábil do orçamento pú-
blico do que como mecanismo específico de finan-
ciamento a compor uma estratégia mais ampla de
efetivação das políticas de seguridade social.
São preocupantes as propostas de reforma que
buscam destruir o esquema de financiamento da Se-
guridade Social, seja desvinculando as contribuições
sociais desse orçamento, seja desvinculando o salá-
rio mínimo como piso dos benefícios sociais, sem
apresentar nenhuma alternativa fiscal à garantia dos
direitos consagrados pela Constituição de 1988.
Esse debate do financiamento é geral às políticas
da seguridade social. No que diz respeito à Previdên-
cia Social, a questão do financiamento é particular-
mente importante, pois, como se sabe, essa política
pelo Estado brasileiro a todos os seus cidadãos que
AULA
7PersPectivas contemPorâneas
da PolÍtica social
Conteúdo■■
Desafios e perspectivas das políticas sociais no Brasil•
Competências e habilidades■■
Compreensão e reflexão das perspectivas e desafios das políticas sociais no Brasil•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudoun
idad
e d
idát
ica
– in
tro
du
ção
às
Polít
icas
so
ciai
s
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141
aula 7 — Perspectivas Contemporâneas da Política Social
estejam ou venham a estar em situação de extrema
pobreza, permitindo ainda que o Bolsa Família pas-
sasse a integrar de forma permanente a política de
seguridade social.
É o núcleo central do sistema brasileiro de pro-
teção social, tanto em termos de cobertura como
de recursos financeiros envolvidos. Não obstante
os avanços obtidos desde a implementação dos
dispositivos constitucionais de 1988, ainda reina
uma grande desproteção previdenciária no país,
que atinge algo em torno de 45% da população
economicamente ativa, fortemente localizada em
atividades não agrícolas, residentes sobretudo no
meio urbano.
Além disso, há um sério problema de aderência
entre o modelo básico de proteção vinculado a con-
tribuições sobre a folha de salários e a trajetória de
desassalariamento formal da mão de obra ativa, fato
que se nota pela queda da relação entre contribuin-
tes ativos sobre beneficiários totais, que passou de
1,86 para 1,78 entre 1995 e 2005.
É importante, no âmbito dos desafios nessa área,
novas políticas de inclusão previdenciária, sobretu-
do para segmentos de trabalhadores historicamente
alijados dos processos de inclusão social pelo traba-
lho regulado. Isto porque dificilmente terão condi-
ções de cumprir longos períodos de contribuição ao
sistema, mas que necessitam, tais quais os demais
trabalhadores, de proteção não só na velhice como
também na fase laboral, contra eventos como de-
semprego, acidentes de trabalho, doenças, invalidez,
maternidade, reclusão etc.
O desafio da inclusão previdenciária aponta que
o problema de financiamento nessa área vai além
da manutenção das vinculações atuais; envolve, na
verdade, uma discussão sobre o aporte de recursos
adicionais, preferencialmente de fontes fiscais pro-
gressivas, se o objetivo da proteção social for de fato
algo presente no horizonte das próximas decisões
políticas. Por isso, ainda que parte do problema de
financiamento possa ser enfrentado com a amplia-
ção programada dos limites de idade para aposenta-
doria e com um processo contínuo de melhoramen-
tos em gestão, novos requerimentos em termos de
recursos serão necessários para enfrentar os desafios
da inclusão previdenciária.
Situação semelhante acontece em relação à Assis-
tência Social, pelo fato de que o público-alvo desse
grupo de políticas não é mais identificado apenas
como aquele caracterizado pela insuficiência de ren-
da. Incluem-se também aqueles que, em situação de
vulnerabilidade social (pela idade, deficiências ou
outras condições) ou em situação de violação de
direitos (por violência, abandono, trabalho infantil,
entre outros), necessitam da oferta de determinados
serviços públicos. Ainda assim, é o contexto da po-
breza que faz com que, no Brasil, as políticas de as-
sistência social e segurança alimentar tenham uma
grande amplitude, devendo atender parte expressiva
da população, ao mesmo tempo em que impõem a
necessidade de implementação de amplo programa
de transferência de renda, com implicações impor-
tantes no que diz respeito à consolidação de direitos
e ao financiamento público.
A vinculação dos benefícios assistenciais ao sa-
lário mínimo, adotada pela Constituição de 1988,
é um fator determinante no impacto positivo ob-
servado por esse programa e, assim, entende-se que
deve ser mantida. Contudo, essa cobertura ainda
não se encontra universalizada, havendo parte ex-
pressiva da população que, apesar de sujeita a riscos
ou em condições de vulnerabilidade social, não é
contribuinte da Previdência Social e tampouco está
dentro da faixa de renda que permitiria acesso ao
BPC. Essa população tende a pressionar, no futu-
ro, a demanda por benefícios sociais, ou a engros-
sar o número de famílias em situação de pobreza
nos casos de inatividade provocada por doença,
velhice, desemprego ou invalidez. Nesse sentido, é
necessário avançar na universalização da cobertura
de toda a população inativa por meio de programas
de garantia de renda, articulando uma política de
inclusão previdenciária com estratégias de cunho
assistencial.
Estudos realizados tendo por base a PNAD 2004
permitem observar o efeito positivo dos programas
de transferência de renda, unificados pelo Bolsa
Família, no combate à indigência e à pobreza e na
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142
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
queda da desigualdade de renda. A consolidação desse
programa como política pública e direito do cidadão
depende, contudo, de seu reconhecimento como
direito social vinculado à condição de insuficiência de
renda. Esse seria um passo importante para efetivar a
garantia de proteção social a ser dada.
Do ponto de vista do financiamento, a progres-
siva ampliação da proteção social ofertada pelas
políticas de Assistência Social, Segurança Alimentar
e Transferência de Renda tem colocado na agenda
pública a questão de como proteger (e até mesmo
ampliar) o montante atualmente gasto nas políti-
cas sociais. Dos resultados desse embate dependem
tanto a capacidade de ampliar a proteção social à
população brasileira como a manutenção de sua efi-
cácia no enfrentamento e prevenção das situações
de extrema pobreza e vulnerabilidade.
Em relação à Saúde, houve avanços significativos,
ainda que novos e velhos problemas permaneçam
à espera de solução. A questão do financiamento
das políticas públicas de saúde no Brasil – que com-
preendem não só a Atenção à Saúde, mas também
ações de Vigilância, Promoção e Prevenção – é um
desses problemas. O patamar de gastos públicos em
Saúde ainda é claramente insuficiente para cumprir
a missão que a Constituição de 1988 se propôs: es-
tabelecer um sistema de saúde público, universal,
integral e gratuito.
Outra ordem de questões surge das mudanças em
curso no quadro de saúde da população brasileira.
Apesar de o declínio da mortalidade infantil ser um
processo contínuo em todo o país nas últimas déca-
das, não só a taxa de mortalidade infantil se mantém
em níveis inaceitáveis – acima de 26 óbitos por mil
nascimentos – como os diferenciais entre as grandes
regiões e entre os diversos grupos sociais continuam
bastante elevados.
Na Educação, apesar da ampliação do acesso a
quase todos os níveis e modalidades de ensino e do
acesso ao ensino fundamental praticamente univer-
salizado, apenas 57% dos alunos matriculados con-
seguem concluí-lo. Observa-se que a escolaridade
média do brasileiro permanece abaixo da escolari-
dade obrigatória no país, que é de oito anos. Desta-
ca-se, ainda, a persistência de fortes desigualdades
educacionais entre regiões do país, entre o campo
e a cidade, bem como entre brancos e negros, em
que pesem os avanços observados. Entretanto, a
baixa qualidade da educação básica continua sendo
um dos mais graves problemas da educação escolar
no Brasil, mas a ela se somam o analfabetismo, que
atinge ainda parcela expressiva da população bra-
sileira, e o acesso restrito aos níveis de ensino não
obrigatórios: infantil, médio e, sobretudo, superior.
Esses resultados comprovam que o reconheci-
mento da natureza estratégica da educação, seja
para o desenvolvimento econômico-social, seja
para a consolidação da cidadania, ainda que pareça
ter-se constituído em consenso nos vários segmen-
tos sociais da Nação, não tem sido suficiente para
a superação dos problemas educacionais brasilei-
ros. Nesse sentido, o primeiro grande desafio é o de
transformar esse “consenso” em um pacto nacional
pela educação, cuja efetividade dependerá da co-
participação das diversas esferas de governo e da
sociedade civil, mediante a fixação de metas claras e
exequíveis, com respeito à erradicação do analfabe-
tismo, ampliação do acesso aos níveis de ensino não
obrigatórios e à melhoria da qualidade em todos os
níveis e modalidades de ensino.
A garantia de acesso e permanência da população
brasileira na educação básica de boa qualidade, ou
seja, nos seus três níveis (educação infantil, ensinos
fundamental e médio), inclusive daqueles que não
tiveram esse acesso na idade própria – o que implica
a inclusão da educação de jovens e adultos – torna
necessária a implementação de um novo mecanis-
mo de financiamento que seja capaz de suprir os
recursos necessários.
O mercado de trabalho nacional passou por al-
gumas modificações profundas ao longo do período
1995-2005, quase todas influenciadas pelo cenário
macroeconômico. A combinação entre crescimen-
to da taxa de desemprego, manutenção de um bai-
xo grau de formalização e redução da renda média
resultou em uma massa salarial reduzida. Isso não
apenas contribui para a diminuição da cobertura da
proteção social, na medida em que menos pessoas
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aula 7 — Perspectivas Contemporâneas da Política Social
fazem jus aos critérios de acesso aos benefícios con-
tributivos, como também implica a redução da sua
base de financiamento.
No caso do seguro-desemprego, há um desafio
imenso com o objetivo de tornar esse tipo de pro-
grama mais eficaz, num contexto de grande despro-
teção da população economicamente ativa e de ti-
pos muito diversos de desemprego, que afetam mais
uns grupos que outros, e que são de tendência mais
duradoura que a própria vigência do benefício. No
caso da qualificação profissional, em razão da sua
importância estratégica para um melhor desempe-
nho coletivo da força de trabalho, o desafio reside
basicamente em ampliar a escala de operação por
meio da coordenação de esforços do MTE e suas
contrapartes estaduais, municipais e não governa-
mentais, da rede de educação profissional regular
e das entidades de aprendizagem (Sistema S), evi-
tando a atuação paralela que tem sido a regra até o
momento. Para além da necessidade de aperfeiço-
ar a integração dessas políticas, há que estendê-las
para segmentos desde sempre excluídos, a exemplo
de iniciativas como os programas de geração do pri-
meiro emprego para jovens e a recente constituição
de um programa-piloto de qualificação para traba-
lhadoras domésticas. No âmbito mais geral, porém,
a fronteira possível de expansão do sistema está cen-
trada na estruturação de políticas ativas de criação
de trabalho e renda, atuando pelo lado da demanda
por mão de obra, o que certamente implicará gran-
de tensão sobre os recursos existentes.
Embora o arcabouço normativo-institucional re-
lacionado aos direitos humanos, justiça e cidadania,
seja bastante amplo e consideravelmente avançado
quando comparado aos demais países da América
Latina, vários são os fatores que tendem a dificultar
a concretização dos direitos ali garantidos. Destaca-
se três ordens de questões. A primeira diz respei-
to às insuficiências quanto à exigibilidade e à jus-
ticiabilidade dos direitos dos cidadãos brasileiros.
Nesse sentido, falta conhecimento generalizado da
população sobre os direitos legalmente assegurados
(além daqueles temas que ainda não foram debati-
dos e consagrados em direitos exigíveis); ademais,
as reduzidas chances de acesso à Justiça por grande
parte dos brasileiros representam um obstáculo efe-
tivo à reivindicação das medidas que dão concretu-
de a esses direitos perante o órgão encarregado de
fazer cumprir a lei.
Um segundo problema que diz respeito à con-
cretização dos direitos econômicos, sociais e cul-
turais diante de sua dependência em relação à
implementação de políticas públicas em diversas
áreas. À parte a discussão sobre os problemas que
afetam cada uma das diferentes áreas sociais, as
dificuldades institucionais enfrentadas pelo ór-
gão encarregado da política de direitos humanos
em nível federal são outro elemento complicador.
Embora já tenha sofrido várias alterações em seu
status institucional, o órgão enfrenta dificuldades
para influenciar o conjunto das políticas públicas
e, com isso, garantir a incorporação transversal
dos direitos humanos como princípio orientador
da ação do Estado.
Tem-se como terceiro problema o fato de que a
efetivação de muitos dos princípios positivados nas
normas legais e incorporados nas políticas públicas
ainda esbarram em obstáculos de ordem cultural,
particularmente no que se refere aos direitos de gru-
pos sociais específicos. Nesse caso, uma estratégia de
educação em direitos humanos é essencial.
A evolução e o panorama atual colocados para
a política social mostram que um dos fatos mais
importantes a ser destacado é que o conjunto de
restrições macroeconômicas impostas à sociedade
brasileira por conta da estratégia de estabilização
monetária adotada em 1994 e das escolhas realiza-
das desde então pela gestão da política macroeco-
nômica, impôs sérios constrangimentos à expansão
do crescimento econômico, da renda e do emprego,
além de ter representado um entrave permanente
a uma expansão mais robusta das políticas sociais.
Para seguir com a construção de um sistema de pro-
teção social que seja capaz de combater o perverso
quadro de desigualdades e pobreza do país e garan-
tir de fato, a todos os brasileiros, uma vida digna,
ainda existe uma série de desafios a serem enfren-
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144
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
tados em diversas áreas, tais quais os que aqui já fo-
ram enumerados.
Em termos gerais, para o enfrentamento dos
desafios sociais brasileiros reconhece-se que a uni-
versalização das políticas sociais é a estratégia mais
indicada, uma vez que, num contexto de desigual-
dades extremas, a universalização possui a virtude
de combinar os maiores impactos redistributivos
do gasto com os menores efeitos estigmatizadores
que advêm de práticas focalizadas de ação social.
Além disso, é a universalização a estratégia condi-
zente com os chamados direitos amplos e irrestritos
de cidadania social, uma ideia que está muito além
do discurso reducionista e conservador sobre a po-
breza. Também é necessário incluir na tarefa trans-
formadora a dimensão do financiamento do gasto
público em geral, e dos gastos sociais em particular,
com vistas a um tratamento completo do esforço
redistributivo da sociedade brasileira. Principal-
mente ao se levar em conta a particular estrutura
de desigualdades sociais e econômicas do país, não
basta que os gastos sociais sejam redistributivos; é
preciso também que a forma de financiamento dos
gastos possua alta dose de progressividade tributá-
ria, sobretudo incidindo sobre o estoque de riqueza
e os fluxos de renda real e financeira. Isso implicaria
a pactuação de uma reforma tributária que não só
permitisse ampliar o crescimento econômico, mas
também garantisse maior sustentabilidade e pro-
gressividade ao financiamento do Estado.
Por fim, o enfrentamento dos problemas sociais
brasileiros não pode prescindir do Estado como
ator central na coordenação e na execução da polí-
tica. Para exercer essas funções e, ao mesmo tempo,
assegurar a sustentabilidade das ações, é necessário
redesenhar a relação que se estabelece entre Estado,
em suas três esferas, e a sociedade civil, na perspec-
tiva de consolidação da própria democracia brasi-
leira. Esse redesenho é tão mais relevante quando
se considera que, apesar de terem sido ampliados o
escopo e a cobertura das políticas sociais ao longo
da última década, os benefícios daí advindos ain-
da foram insuficientes para garantir a cidadania e a
dignidade dos cidadãos brasileiros, bem como para
assegurar a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária, conforme determina a Constituição de
1988 logo em seus primeiros artigos.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
Analisando o conjunto dos desafios e perspec-•
tivas apresentados, quais você considera mais
relevantes para o futuro das políticas sociais no
Brasil. Comente.
Como o profissional de serviço social pode •
contribuir para o enfrentamento dos desafios
apresentados?
Texto extraído de BRASIL – INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas
sociais. Acompanhamento e análise (1995- 2005),
2007.
anotaçÕes *
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aula 8 — Gestão das Políticas Sociais
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Polít
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sAULA
8gestão das PolÍticas sociais
Conteúdo■■
Gestão de ações públicas•
Gestão democrática e participativa•
Políticas sociais e o terceiro setor•
Competências e habilidades■■
Compreensão e reflexão sobre a gestão das políticas sociais•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
A gestão das políticas sociais significa a adminis-
tração e direção da coisa pública. O exercício de ad-
ministrar e dirigir deve buscar garantir o acesso do
cidadão comum a benefícios e serviços de natureza
pública.
Para começar, podemos considerar que políticas
sociais só existem em sociedades que reconhecem
as desigualdades geradas pelo seu modelo de desen-
volvimento e só são implantadas por governos com-
prometidos (ou pressionados pela população) com
a diminuição e/ou superação dessas desigualdades.
Sposati (1999) afirma que as políticas sociais re-
velam o empenho de uma sociedade em afirmar um
patamar de civilidade. Demonstra se esta sociedade
vem assegurando para todos os seus cidadãos um
dado padrão de dignidade humana.
Analisar a gestão das políticas sociais implica
referir-se à gestão de ações públicas como resposta
às necessidades sociais que têm origem na socieda-
de e são incorporadas e processadas pelo Estado em
suas diferentes esferas de poder (federal, estadual e
municipal).
Na formulação e gestão das políticas sociais deve
ser considerada a primazia do Estado, que deve ter a
responsabilidade pela condução das políticas públi-
cas. Esta primazia, contudo, não pode ser entendida
como responsabilidade exclusiva do Estado, mas im-
plica a participação ativa da sociedade civil nos pro-
cessos de formulação e controle social da execução.
No Brasil, o debate sobre as políticas sociais na
perspectiva de sua democratização tem origem nos
anos 1980, quando emergem as lutas contra a dita-
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146
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
dura militar e os esforços de construção democrática
do Estado e da sociedade. Diante da crise da ditadu-
ra e do agravamento da questão social nessa década
(aumento da pobreza e da miséria), intensificou-se
o debate a respeito das políticas públicas sociais.
Destaca-se que, embora os anos 1980 sejam um
período de aprofundamento das desigualdades so-
ciais são, simultânea e contraditoriamente, palco de
avanços democráticos na história política brasileira.
Esse movimento colocou em discussão a forma
de realização das políticas sociais no país, mas tam-
bém a necessidade de democratização dos proces-
sos decisórios que definem prioridades e modos de
gestão de políticas e programas sociais, favorecendo
a redefinição das relações entre democratização e
representação dos interesses populares nas decisões
políticas, bem como na gestão das políticas sociais.
Essa conjuntura fortaleceu também a ideia de
ampliação dos espaços de representação social na
organização e gestão das políticas sociais, permitin-
do a participação de novos sujeitos sociais, princi-
palmente os tradicionalmente excluídos do acesso
às decisões do poder político. Este foi um passo im-
portante na perspectiva da criação de espaços de-
mocráticos que contribuíram para fazer avançar a
esfera pública no campo das políticas sociais.
GERÊNCIA DE POLíTICAS SOCIAIS
A gerência no Serviço Social é um processo de
extrema complexidade. As políticas e programas
sociais procuram cumprir objetivos múltiplos,
normalmente de médio e longo prazo, atuando em
ambientes com diferentes tipos de variáveis, como:
econômicas, políticas, culturais, demográficas etc.
Participam também desses programas numerosas
instituições organizacionais (Ministérios, Estados,
Municípios, ONGs, sociedade civil). São políticas
e programas que costumam ser influenciadas por
grupos de interesse.
Portanto, executar uma gerência social de quali-
dade é decisivo para que políticas e programas so-
ciais inovadores possam converter-se em realidade.
As políticas sociais, os programas, os projetos são
respostas às necessidades e demandas dos cidadãos,
por isso, demandas e necessidades devem tornar-se
prioridade nas agendas de governo, tornando-se
interesse do Estado e não mais apenas dos grupos
organizados da sociedade.
A implementação ou execução de programas so-
ciais é assumida por unidades administrativas que
mobilizam recursos humanos, financeiros e mate-
riais, além de uma diversidade de sujeitos, consti-
tuindo-se a fase mais abrangente e talvez mais com-
plexa do processo das políticas públicas. As decisões
e os decisores são o foco central da implementação,
por expressarem conflitos e disputas por alternati-
vas, ocorrendo momentos de afastamento ou apro-
ximação em direção às metas, meios e estratégias
estabelecidas (NPP/UNICAMP, 1993).
Concluindo, a gestão social tem um compromis-
so com a sociedade e com os cidadãos, de assegurar,
por meio das políticas e dos programas públicos, o
acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas da socie-
dade. O desafio a ser enfrentado é estabelecer um
modelo de desenvolvimento social centrado na de-
mocracia e defesa dos direitos humanos.
GESTÃO DAS POLíTICAS SOCIAIS E O TERCEIRO
SETOR
A complexidade dos problemas sociais torna ne-
cessária a integração dos diversos atores sociais na
gestão das políticas sociais. A intersetorialidade,
enquanto integração de saberes e experiências das
políticas setoriais, constitui um fator de inovação na
gestão da política e possibilita também a articulação
das diversas organizações que atuam no âmbito das
políticas sociais, constituindo as redes sociais. Neste
contexto, a gestão da política social se expressa na
parceria entre Estado, sociedade civil e instituições
do terceiro setor.
Na execução dessas políticas, são fundamentais
as premissas e as estratégias que embasam seu de-
senho. Reconhecer a cidadania é fundamental e im-
plica em adotar programas e estratégias voltadas ao
fortalecimento emancipatório e autonomização dos
grupos e populações-alvo das ações públicas.
Precisamos de um Estado “rede” com transpa-
rência nas decisões, na ação pública, na negociação
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147
aula 8 — Gestão das Políticas Sociais
saiba mais +
e na participação e que se apresenta com ética pro-
fissional e institucional.
Há que se destacar que para se ter eficiência e eficá-
cia na gestão das políticas sociais, tanto nas organiza-
ções públicas governamentais como nas organizações
não governamentais, é preciso atender às demandas e
aos interesses coletivos colocados pela sociedade.
Essas organizações devem intervir na realidade
social no sentido de promover os direitos sociais,
estabelecendo acordos de cooperação e recipro-
cidade e constituindo meios de encontrar saídas
para intervir na realidade social complexa.
O termo “público” significa a esfera de fatos, •
relações e recursos que pertencem ou se re-
ferem aos habitantes de uma localidade, no
sentido de que lhes interessam e servem à
efetivação da organização do seu princípio
de governo. Dessa forma, “coisa pública” é
todo fato, recurso e relação que tem sua ori-
gem na “fonte pública” e se direciona para
configurar a governação de um município,
estado ou país.
Gestão: Ato de gerir; gerência; administração; •
Controle Social. Implica o acesso às decisões •
da sociedade política, que devem viabilizar
a participação da sociedade civil organiza-
da na formulação e na revisão das regras
que conduzem as negociações e arbitragens
sobre os interesses em jogo, além da fiscali-
zação daquelas decisões, segundo critérios
pactuados.
Draibe (1997, p. 12) afirma que as “políti-•
cas sociais são decisivas para a consolidação
democrática e para o futuro da economia,
dado o seu potencial de redução de riscos
políticos e sociais” e elas “só têm eficácia
quando atuam de modo integrado sobre as
condições de vida dos segmentos sociais”.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Quais os compromissos de uma gestão demo-
crática e participativa na execução das políticas so-
ciais?
2. Discuta com os seus (as) colegas de sala a inter-
venção das ONGs na implementação das políticas
sociais. Você pode citar alguma experiência na sua
cidade?
3. Como deve ser na prática, a gerência de políti-
cas sociais?
anotaçÕes *
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148
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
AULA
9o Financiamento da PolÍtica
de assistência social
Conteúdo■■
Financiamento inscrito na LOAS, PNAS/NOB/SUAS•
Relatório Anual de Gestão•
Critérios de Partilha e Transferência de Recursos•
Competências e habilidades■■
Analisar a questão do financiamento da política de assistência social, seus limites e possibi-•
lidades.
Contextualizar o aspecto do financiamento em nível municipal na sua relação com o SUAS.•
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes atividades:■■
1. Em seu município, como está a gestão financeira da política de assistência social?
2. Como está o seu município a implementação do SUAS? Está contribuindo para que a gestão
dos recursos próprios do seu município se efetive no Fundo?
3. Para entender melhor a organização político-administrativa do Estado, leia no Título III da
Constituição Federal os artigos de 18 a 31. Comente.
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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Em relação ao orçamento fiscal temos:
união – Impostos sobre renda, produtos indus-
trializados, importação, exportação, operações fi-
nanceiras e propriedade territorial rural.
estados – ICMS, IPVA, outros e parcelas dos im-
postos federais – FPE.
municípios – IPTU, ISS e outros, parcelas dos
impostos federais – FPM e parcelas dos impostos
estaduais: 25% do ICMS e 50% IPVA.
saiba mais +
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aula 9 — O Financiamento da Política de Assistência Social
imPortante ! a quem compete a fiscalização de recursos?
Órgãos de controle interno.
Tribunal de Contas da União (TCU); Tribu-
nais de Contas dos Estados (TCE).
Tribunais de Contas dos Municípios e de-
mais órgãos do Legislativo.
Conselhos de Assistência Social.
o que os conselhos devem acompanhar?
Alocação de recursos.
Disputas orçamentárias.
Diretrizes para elaboração do PPA, LDO e
LOA.
Luta política para a inclusão das delibera-
ções das conferências no PPA, na LDO e na
LOA.
Ampliação de recursos.
O aporte de recursos para execução.
INTRODUÇÃO
No Brasil existe uma estrutura tributária muito
complexa, com diversos tributos e diferentes legis-
lações. Na (in)justiça tributária, os 10% mais ricos
concentram 75% da riqueza do país. Para agravar
o quadro da desigualdade, os pobres pagam mais
impostos que os ricos. O país precisa de um siste-
ma tributário mais justo, sendo que quem ganha
mais deve pagar mais e quem ganha menos, pagar
menos.
A POLíTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
O financiamento da política de assistência social
é detalhado no processo de planejamento público
chamado Orçamento Público, o qual se desdobra
em instrumentos plurianuais e anuais, que são:
a) PPA – Plano Plurianual (4 anos);
b) LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
(anual);
c) LOA – Lei Orçamentária Anual.
A LOAS — Lei Orgânica de Assistência So-
cial/1993, como direito social, define princípios,
objetivos para a gestão político-administrativa, con-
trole social e financiamento da assistência social.
A PNAS — Política Nacional de Assistência So-
cial, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistên-
cia Social em 2004, propõe a implantação de uma
nova gestão para a assistência social, através de três
eixos: gestão, financiamento e controle social.
A PNAS e a NOB — Norma Operacional Bási-
ca da Assistência Social definiram os dois grandes
princípios para o financiamento da Política de As-
sistência Social: cofinanciamento pelas três instân-
cias de governo e progressividade na lógica de defi-
nição das fontes orçamentárias.
Nesse sentido, o grande desafio tem sido romper
com as práticas assistencialistas e a insuficência de
recursos nessa área, o que acaba comprometendo a
eficiência, eficácia e efetividade dos programas.
O SUAS
Na IV Conferência Nacional de Assistência So-
cial/2003, a gestão da assistência social como políti-
ca pública se voltou para a implantação do SUAS –
Sistema Único de Assistência Social. A Conferência
estabeleceu que o sistema teria como base matricial
a territorialização e a hierarquização das atenções
em níveis de proteção básica e especial, tendo como
referências a família e o território.
Segundo Lanzetti (2009), a implantação do
SUAS — Sistema Único de Assistência Social, sis-
tema público não contributivo, descentralizado e
participativo, que tem por função a gestão do con-
teúdo específico da Assistência Social no campo da
proteção social, representa um avanço na constru-
ção dessa política. No entanto, é um grande desa-
fio, principalmente no que tange à delimitação de
competências entre as instâncias de governo e ao
cofinanciamento.
A autora coloca ainda que “o financiamento as-
sume grande relevância nesse processo e o SUAS
introduz uma forma inovadora, interrompendo os
modelos de programas impostos de cima para bai-
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150
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
xo, que não levavam em consideração as especifici-
dades locais e necessidades reais da população”.
Destaca-se o Órgão Gestor Federal quando de-
fine o financiamento com base no território, con-
siderando o porte do município e a complexidade
dos serviços, pensados de maneira hierarquizada e
complementar, bem como os pisos de atenção de
acordo com os níveis de complexidade.
O fINANCIAMENTO NA NOB/SUAS
A NOB/SUAS subdivide a temática do finan-
ciamento em seis itens: gestão financeira; sistema
como referência; condições gerais para a transfe-
rência de recursos federais; mecanismos de trans-
ferência; critérios de partilha e transferência de
recursos; e o cofinanciamento no SUAS. A seguir,
detalharemos cada um desses itens.
Gestão financeira
Os Fundos de Assistência Social são instâncias
de financiamento nas três esferas de governo, ca-
bendo ao órgão responsável pela coordenação da
política, em seu âmbito de ação, a gestão dos re-
cursos, e, ao respectivo conselho, a orientação, o
controle e a fiscalização. A questão é que na prática
nem sempre ocorre dessa maneira, apesar do que
determina o art. 30 da LOAS e das condições esta-
belecidas para habilitação à gestão no SUAS.
Fundos de assistência social
A gestão financeira da Assistência Social se efe-
tiva por meio desses fundos, utilizando critérios
de partilha de todos os recursos neles alocados, os
quais são aprovados pelos respectivos Conselhos
de Assistência Social.
Cabe ao órgão responsável pela coordenação da
Política Pública de Assistência Social, na respecti-
va esfera de governo, a gestão e a responsabilidade
pelo fundo naquele âmbito, e, ao conselho respec-
tivo, a orientação, o controle e a fiscalização desse
Gerenciamento.
Os fundos são uma forma de gestão transpa-
rente e racionalizadora de recursos, que contribui
para o fortalecimento e visibilidade da Assistência
Social.
Descentralização político-administrativa
no financiamento da Assistência Social
Na República Federativa do Brasil, todos os
entes têm autonomia administrativa e fiscal. Essa
autonomia pressupõe repartição de competências.
Dessa forma, cabem à União as matérias e questões
de interesse geral, nacional. Aos Estados, as maté-
rias e assuntos de interesse regional, e aos municí-
pios, os assuntos de interesse local. O financiamen-
to da Assistência Social pressupõe:
a) Sistema como referência.
b) Condições gerais para as transferências de re-
cursos.
c) Mecanismos de transferência que possibilitem
a regularidade dos repasses de forma automá-
tica, no caso dos serviços e benefícios, e o con-
vênio com programas e projetos com duração
determinada.
d) Critérios de partilha e transferência de recursos.
e) Condições de gestão dos municípios.
O Sistema como referência
O que significa o SUAS como referência para o
financiamento da Assistência Social?
O Sistema como referência no financiamento
da Assistência Social pressupõe que as ações a se-
rem financiadas devem ter como foco prioritário a
atenção às famílias e aos indivíduos, e o território
como base de organização. A partilha dos fundos
deve ser pautada em diagnósticos e indicadores
socioterritoriais que deem conta de contemplar as
demandas e prioridades e as diversidades apresen-
tadas pelas diferentes realidades.
A transferência de recursos federais é importan-
te para que se fortaleça a ideia de corresponsabili-
dade entre as esferas de governo.
Para avaliação da gestão dos Fundos de Assis-
tência Social deve-se verificar se as ações finan-
ciadas estão articuladas com as funções e eixos
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aula 9 — O Financiamento da Política de Assistência Social
estruturantes do SUAS, contribuindo para a con-
solidação desse Sistema, conforme ilustra a figura
apresentada.
Para que serve o relatório anual de gestão?
O Relatório Anual de Gestão serve de base para as
providências a serem desencadeadas pelas três esfe-
ras de governo quanto à operacionalização da Assis-
tência Social em cada âmbito, em relação à gestão,
controle e financiamento.
O conselho de cada esfera de governo, após análi-
se da prestação de contas, encaminhará aos Gestores
do Fundo Nacional, do Distrito Federal, dos Esta-
dos e do Município.
Quem fiscaliza os recursos?
A fiscalização dos recursos financeiros relativos ao
SUAS é de competência dos gestores federal, estadual
e municipal, do Tribunal de Contas da União (TCU),
Tribunais de Contas dos Estados (TCE), órgãos do
Legislativo e Conselhos de Assistência Social.
Condições gerais para transferência de recursos
federais
Para que municípios e estados sejam inseridos
no financiamento federal, deverão ser atendidas al-
gumas condicionalidades, como: a) constituir Uni-
dade Orçamentária para cada Fundo de Assistência
Social nas respectivas esferas de governo, com to-
dos os recursos destinados à Política de Assistência
Social; b) comprovar a execução orçamentária e
financeira dos recursos próprios do tesouro e re-
cebidos em cofinanciamento destinados à Assistên-
cia Social, aprovada pelos respectivos conselhos; c)
comprovar o acompanhamento e controle da ges-
tão pelos respectivos conselhos, demonstrados por
meio da aprovação do Relatório Anual de Gestão,
nos municípios, e relatório de execução do plano de
Assistência Social, nos Estados; d) alimentar as ba-
ses de dados do SUAS-Web.
Mecanismos de transferência
A transferência de recursos federais é regular e
automática “fundo-a-fundo”, objetivando apoiar
técnica e financeiramente os municípios e estados
nas despesas com os serviços socioassistencias de
proteção social básica especial.
Os repasses regulares e automáticos são do FNAS
para os FEAS e FMAS, devendo ser incluídos nos
respectivos orçamentos dos Fundos.
Os repasses estão sujeitos à aprovação dos Con-
selhos de Assistência Social das contas do exercí-
VIGILÂNCIA SOCIA
L • PROTEÇÃO SOCIAL • DEFESA SOCI
AL
E IN
STIT
UCIONAL •
SUAS
Controle Social
Novas Basespara a Relaçãoentre Estado eSociedade Civil
O desa�o daParticipação
popular/cidadãousuário
DescentralizaçãoPolítico-
administrativa eTerritorialização
A Política deRecursosHumanos
A Informação e oMonitoramento e
a Avaliação
Co�nanciamento
MatricialidadeSociofamiliar
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152
Unidade Didática – Introdução às Políticas Sociais
cio anterior. A prestação de contas dos recursos
repassados se efetuará mediante apresentação, ao
respectivo conselho de cada esfera, do relatório de
gestão.
Para que serve o Relatório Anual de Gestão?
O Relatório Anual de Gestão servirá de base
para as providências a serem tomadas quanto à
operacionalização da Assistência Social em relação
à gestão, controle e financiamento.
O conselho de cada esfera de governo, após aná-
lise da prestação de contas, emite o parecer conclu-
sivo acerca da regularidade da aplicação, dos refe-
ridos recursos e valida, na internet, o Relatório de
Gestão.
A fiscalização dos recursos financeiros do SUAS
é de competência dos gestores federal, estadual e
municipal, do Tribunal de Contas da União (TCU),
Tribunais de Contas dos Estados (TCE), Tribunais
de Contas dos Municípios (quando houver), órgãos
do Legislativo e Conselhos de Assistência Social.
Critérios de partilha e transferência de recursos
Os critérios de partilha e transferência de re-
cursos são pactuados na Comissão Intergestores
Tripartite (CIT), Comissões Intergestores Bipattite
(CIB) e deliberados pelos respectivos Conselhos de
Assistência Social.
Critérios de partilha
A combinação de critérios considera o porte po-
pulacional dos municípios, a proporção de popula-
ção vulnerável e o cruzamento de indicadores socio-
territoriais e de cobertura. Os critérios são estabele-
cidos por nível de proteção: proteção social básica e
proteção especial de média e alta complexidade.
O cofinanciamento no SUAS
O cofinanciamento com base na gestão da polí-
tica de Assistência Social, com corresponsabilidade
e levando em consideração o porte dos municípios
e a complexidade dos serviços. O grande desafio
é o cofinanciamento da Assistência Social com o
orçamento público nas três esferas de governo.
Concluindo ■
No SUAS, a unidade gestora do financiamento
são os Fundos de Assistência Social nas três esferas
de governo e o financiamento tem como base as
informações socioterritoriais. O cofinanciamento
pelo Governo Federal leva em consideração as de-
mandas e prioridades específicas, a capacidade de
gestão, de atendimento e de arrecadação de cada
município e de complexidade dos serviços.
Os critérios de partilha são pactuados nas co-
missões intergestores e deliberados nos conselhos
de Assistência Social.
Os municípios têm autonomia para organizar
sua rede de proteção social e são fiscalizados, prin-
cipalmente, pelos respectivos conselhos de Assis-
tência Social.
Tavares (2005) coloca que isso tudo tem o pro-
pósito de que o “novo modelo de gestão instituído
pelo SUAS, se configure no estabelecimento de um
modelo democrático, descentralizado, que tem a
missão de enfrentar as situações de vulnerabilida-
de e risco a que as famílias e os cidadãos brasileiros
estão sujeitos, ampliando a rede de assistência so-
cial em nosso país, na perspectiva de consolidação
da assistência social como Política de Estado”.
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anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 154 11/16/09 1:46:08 PM
Fundamentos ■■
PolÍticos do serviço social
módulo
Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa
Professora Ma. Eloísa Castro Berro
unidade didática – Fundamentos Históricos
e teóricos do serviço social
BookUniderp63_ServSocial.indb 155 11/16/09 1:46:08 PM
apresentação ■
As políticas sociais são um referencial importante e um campo de atuação privilegiado do Serviço Social e
serão analisadas neste curso nas dimensões teórica, histórica e política. O objetivo é capacitar futuros profis-
sionais para a compreensão da realidade histórica das políticas sociais no Brasil.
A partir dessa contextualização, fica fácil perceber que a política capitalista não é uma atividade neutra, de
atenção à pobreza ou à desigualdade social, formulada consensualmente no âmbito do Estado para ser apli-
cada à sociedade. Ao contrário, ela é um processo tenso, com muitas complexidades, contradições e conflitos
de interesse.
As profundas alterações nas relações históricas entre o Estado e a sociedade civil, quanto as formas de
organização e gestão da força de trabalho vêm atingindo o conjunto das especializações do trabalho, entre as
quais o Serviço Social, inaugurando novos marcos da divisão social e técnica do trabalho, que interpelam o
assistente social em suas respostas profissionais.
Assim, este módulo propõe-se a debater temas da maior importância para a orientação crítica do trabalho
do assistente social, considerando a amplitude das suas funções e atribuições no cotidiano profissional.
Na expectativa de que este módulo inspire atitudes e práticas profissionais questionadoras no âmbito das
políticas sociais, desejamos às(aos) alunas(os) um proveitoso e estimulante estudo.
Professora Ma. Carmen Ferreira Barbosa
Professora Ma. Eloísa Castro Berro
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157
un
idad
e d
idát
ica
– Po
lític
as s
oci
ais
no
bra
sil
AULA
1concePção, PrincÍPios e diretrizes das
PolÍticas de seguridade social no brasil
Conteúdo■■
Definição de seguridade•
Interface entre direitos sociais e seguridade•
Seguridade social no Brasil•
Competências e habilidades■■
Compreensão do conceito de seguridade e a contextualização dessa política no Brasil•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com o professor interativo
2 h-a – presenciais com o professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
INTRODUÇÃO
Desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988, o Brasil instituiu seu sistema de seguri-
dade social, caracterizado como sistema de “pro-
teção social que a sociedade proporciona a seus
membros, mediante uma série de medidas públi-
cas contra as privações econômicas e sociais que
provocariam a redução dos seus rendimentos em
consequência de enfermidade, maternidade, aci-
dente de trabalho, enfermidade profissional, em-
prego, invalidez, velhice e morte, bem como de as-
sistência médica e de apoio à família com filhos”.
Conforme a definição genérica da seguridade
social, o sistema brasileiro, estruturado a partir de
1988 e mantido até o presente, adotou este concei-
to e ainda alguns princípios-chave que orientam
toda a política de Seguridade Social, na Previdên-
cia, na Assistência Social e na Saúde:
a) universalidade da cobertura e atendimento;
b) uniformidade e equivalência dos benefícios
rurais e urbanos;
c) seletividade e distributividade na prestação de
serviços;
d) irredutibilidade no valor dos benefícios;
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158
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
e) diversidade da base de financiamento estrutu-
rada em Orçamento da Seguridade Social (au-
tônomo);
f) equidade na forma de participação no custeio; e
g) caráter democrático dos subsistemas da seguri-
dade social (Previdência, Saúde e Assistência).
Essa política social prevê a proteção social aos
indivíduos e respectivos grupos familiares, aco-
metidos por riscos sociais. Estes são socorridos
diferenciadamente por um sistema de Previdência
Social de caráter contributivo; por um sistema de
Assistência Social, gratuito e dirigido a populações
pobres, sem capacidade contributiva; por um Sis-
tema Único de Saúde, de caráter gratuito; e, final-
mente, por um subsistema de seguro-desemprego,
inserido na rede de competências do Ministério
do Trabalho e Emprego.
A regulamentação setorial do sistema de se-
guridade social – Leis Orgânicas da Previdência
(1991); Lei Orgânica da Saúde (1990) e Lei Orgâ-
nica de Assistência Social (1993); Seguro-desem-
prego(1990) – estruturou o sistema de seguridade
social brasileiro.
DIREITOS SOCIAIS E SEGURIDADE SOCIAL
Os direitos humanos e as liberdades fundamen-
tais são direitos naturais de todos os seres humanos,
sua proteção e promoção são de responsabilidades
primordiais dos governos segundo a Declaração
e Programa de Ação de Viena adotada consensu-
almente pela Conferência Mundial dos Direitos
Humanos, realizada em 1993. Sarlet (1998, p. 31),
define direitos fundamentais como “direitos do ser
humano, reconhecidos e positivados na esfera do
direito constitucional de determinado Estado.
Segundo Horvath (2006), dentre os direitos
fundamentais encontra-se o direito à seguridade
social. Esse direito é definido como conjunto in-
tegrado de ações de iniciativa do poder público
com a participação da sociedade, atuando na área
de saúde, assistência social e previdência social.
Quando esses serviços não são concedidos pelo
Estado, o indivíduo pode requerê-los, exercitando
o direito de ação.
O Estado brasileiro é um Estado Social Demo-
crático de Direito, que assegura direitos e garantias
fundamentais. Em seu artigo 6o, a Constituição Fe-
deral cita os direitos sociais, que são: a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade, à in-
fância e a assistência aos desamparados.
Segundo a OIT (2002), a seguridade social é mui-
to importante para o bem-estar dos trabalhadores,
das suas famílias e de toda a coletividade. Trata-se
de um direito fundamental do ser humano e um
instrumento essencial de coesão social, que pro-
move, ao mesmo tempo, a paz e a inserção social.
Como componente indispensável da política social,
desempenha um papel essencial na prevenção e na
luta contra a pobreza e exclusão social. Ao favorecer
a solidariedade social e a repartição equitativa dos
encargos, a segurança social contribui para a digni-
ficação da pessoa humana, para a equidade e justiça
social. É igualmente importante para a integração,
para a participação dos cidadãos e para o desenvol-
vimento da democracia.
Os direitos sociais, na Constituição Federal do
Brasil, consistem em cláusulas relativas aos direitos
fundamentais, não podendo ser abolidos.
SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL
A Constituição Federal, no título VIII da Ordem
Social, define a Seguridade Social como sistema no
art. 194.
A seguridade social compreende um conjunto inte-
grado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos re-
lativos à saúde, à previdência e à assistência social.
A seguridade social atua em três subsistemas
distintos, os quais constituem objeto de discussão
a seguir, a partir de extratos dos respectivos docu-
mentos regulatórios.
ASSISTÊNCIA SOCIAL – ARTS. 203 E 204
DA CONSTITUIÇÃO E LEI NO 8742/93(LOAS)
É direito do cidadão e dever do Estado a po-
lítica de seguridade social não contributiva que
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159
aula 1 — Concepção, Princípios e Diretrizes das Políticas de Seguridade Social no Brasil
provê os mínimos sociais. Realizada através de um
conjunto integrado de ações de iniciativa pública
e da sociedade, para garantir o atendimento às ne-
cessidades básicas.
As atividades de assistência social são prestadas
a quem delas necessitar, independentemente de
contribuição, tendo como objetivos:
I – proteção à família, à maternidade, à infân-
cia, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de
trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua in-
tegração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário-mínimo de benefí-
cio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a Lei (a Lei no 8.742/93
regulamentou este dispositivo constitucional).
Define ainda os seguintes princípios:
I – supremacia do atendimento às necessidades so-
ciais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II – universalização dos direitos sociais, a fim de
tornar o destinatário da ação assistencial alcançá-
vel pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua au-
tonomia e ao seu direito a benefícios e serviços
de qualidade, bem como à convivência familiar e
comunitária, vedando-se qualquer comprovação
vexatória de necessidade;
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimen-
to, sem discriminação de qualquer natureza, garan-
tindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços,
programas e projetos assistenciais, bem como dos
recursos oferecidos pelo Poder Público e dos cri-
térios para sua concessão.
SAÚDE (ARTS. 196 A 200 DA CONSTITUIÇÃO
E LEI NO 8.080/90 SUS)
A saúde é direito de todos e dever do Estado
garantido mediante políticas sociais e econômi-
cas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
O Sistema Único de Saúde tem por princípios
e diretrizes:
I – acesso universal e igualitário;
II – provimento das ações e serviços através de
rede regionalizada e hierarquizada, integrados em
sistema único;
III – descentralização, com direção única em
cada esfera de governo;
IV – atendimento integral, com prioridade para
as atividades preventivas, sem prejuízo dos servi-
ços assistenciais;
V – participação da comunidade na gestão, fis-
calização e acompanhamento das ações e serviços
de saúde;
VI – participação da iniciativa privada na as-
sistência à saúde, obedecidos os preceitos consti-
tucionais;
É prevista a possibilidade da participação da
iniciativa privada no sistema de saúde, através de
medicina de grupo, seguro saúde ou cooperativas
médicas. O sistema privado é controlado e fiscali-
zado pelo Poder Público.
PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTS. 201 E 202
DA CONSTITUIÇÃO E LEIS NO 8.212/91 E
8.213/91).
O princípio da universalidade dá a oportunida-
de de todos os indivíduos filiarem-se ao sistema de
previdência social, desde que haja contribuição,
ou seja, participação no custeio. A participação no
custeio é uma das notas diferenciadoras das ações
de previdência das de assistência social (que são
prestadas independentemente de contribuição).
As normas diretrizes dos planos de previdência
social são:
I – cobertura dos seguintes riscos: doença, inva-
lidez, morte, incluídas as resultantes de acidente do
trabalho, velhice e reclusão;
II – ajuda à manutenção dos dependentes dos se-
gurados de baixa renda;
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160
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
III – proteção à maternidade, especialmente à
gestante;
IV – proteção ao trabalhador em situação de de-
semprego involuntário;
V – pensão por morte de segurado, homem ou
mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.
Para Horvath (2006), o modelo de seguridade social
adotado pela Constituição Federal de 1988 é:
a) misto (adota técnicas não contributivas [saú-
de e assistência social] e contributivas [previ-
dência social que utiliza a fórmula tripartite
de custeio, ou seja, é financiada pelo Estado,
empregadores e trabalhadores]);
b) universalista (possibilita que todos os inte-
grantes da sociedade tenham acesso às pres-
tações desde que atendam aos requisitos le-
gais);
c) não acabado (conquanto busca a universali-
dade de cobertura e o atendimento determina
um núcleo mínimo de proteção [art. 201 da
CF], que deve ser expandido à medida que o
Estado suporte);
d) de gestão administrativa descentralizada e com
a participação democrática da sociedade;
Passados 21 anos da promulgação da Constitui-
ção de 1988, esta é ainda considerada como um im-
portante avanço e instrumento de luta no âmbito da
política social brasileira, na perspectiva de estrutu-
ração das políticas sociais de Estado.
Para tanto, a Constituição combinou medidas
que buscam garantir uma série de direitos sociais,
ampliando o acesso da população a determinados
bens e serviços públicos e garantindo a regularidade
do valor dos benefícios.
Assim, por intermédio da garantia dos direitos
sociais, busca-se construir uma sociedade mais livre
e justa, com a redução das desigualdades sociais e
regionais.
No caso da Previdência Social, o § 5• o do arti-
go 201 estabelece que: “Nenhum benefício que
substitua o salário de contribuição ou o ren-
dimento do trabalho do segurado terá valor
mensal inferior ao salário-mínimo”. No caso da
Assistência Social, o inciso V, do artigo 203, es-
tabelece “a garantia de um salário-mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de defici-
ência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou tê-la
provida por sua família”.
A legislação complementar à Constituição Fe-•
deral é formada por um conjunto de Leis Or-
gânicas – da Previdência Social, da Assistência
Social, da Função Social da Propriedade Fun-
diária –, além dos compromissos da área da
educação básica. Esse conjunto constitui o nú-
cleo central da política social brasileira, funda-
mentada em direitos de cidadania.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Analise e discuta a importância da Constituição
Federal de 1988 para a Seguridade Social no Brasil.
2. O que você entende como seguridade social? É
realmente um direito social? Por quê?
3. Você concorda com os princípios-chave adota-
dos pela seguridade social no Brasil? Poderiam ser
revistos?
4. Em sua cidade, no seu dia a dia, você percebe o
impacto das políticas de seguridade social?
saiba mais +
anotaçÕes *
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aula 2 — Previdência Social
A POLíTICA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
A Previdência Social é uma política que tem por
objetivo repor a renda dos indivíduos nas situações
em que eles perdem, temporária ou permanente-
mente, sua capacidade de trabalho.
Há, então, um conjunto legal predefinido de ris-
cos sociais cobertos pela Previdência, quais sejam:
doenças, invalidez, maternidade, velhice, morte e
acidentes e doenças ligados ao trabalho. Os bene-
fícios são destinados aos segurados e aos seus de-
pendentes.
No Brasil, desde seu surgimento, a Previdência
Social define um vínculo contributivo aos benefí-
cios previdenciários. Ou seja, de acordo com este
princípio, só quem contribui financeiramente tem
direito à cobertura dos riscos sociais já menciona-
dos. No entanto, a Constituição de 1988 introduziu
o conceito de Seguridade Social que abarca as áreas
de Saúde, Assistência Social e Previdência Social, re-
estruturando o sistema e institucionalizando uma
série de princípios orientadores para essas políticas
de proteção social. Esses princípios, como já vimos,
são: universalidade da cobertura e atendimento,
uniformidade e equivalência dos benefícios rurais
e urbanos.
Com a Constituição, criou-se também o piso pre-
videnciário no valor de um salário-mínimo. O es-
tabelecimento de um benefício mínimo e de regras
diferenciadas de acesso (não relacionadas exclusiva-
mente à contribuição financeira) são as característi-
cas básicas do princípio de universalidade.
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AULA
2Previdência social
Conteúdo■■
Conceituação e contextualização da política previdência social•
História da previdência social no Brasil•
Competências e habilidades■■
Compreensão do conceito da política previdência social e a contextualização e história dessa •
política no Brasil
Material para autoestudo■■
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Duração■■
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2 h-a – presenciais com professor local
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162
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
Há, no âmbito da Previdência Social, diversas ca-
tegorias de segurados: os empregados trabalhadores
com carteira assinada e trabalhadores temporários;
empregados domésticos; trabalhador avulso; con-
tribuinte individual; segurado especial. Assim, exis-
tem regras e alíquotas de contribuição diferenciadas
para cada categoria da Previdência Social na Popu-
lação Economicamente Ativa (PEA).
O nível de cobertura previdenciária está estreita-
mente ligado à dinâmica de crescimento econômico
do país e à estrutura do mercado de trabalho. Em
períodos de baixo crescimento, aumentam o desem-
prego e a quantidade de trabalhadores inseridos in-
formalmente no mercado de trabalho. Ou seja, reduz
também a quantidade de contribuintes. Com isto, ao
longo dos anos 1990, observou-se uma redução na
quantidade de contribuintes do sistema previdenciá-
rio brasileiro. Só a partir de 2004, quando houve certo
reaquecimento da economia, é que a quantidade de
trabalhadores segurados voltou a crescer.
A proporção de não segurados na PEA ainda é
muito elevada. Parte deste grupo tem rendimentos
muito baixos e se constituem em público-alvo po-
tencial dos benefícios assistenciais da Lei Orgânica
de Assistência Social. Esses benefícios correspondem
a um salário-mínimo e são pagos aos idosos (acima
de 65 anos) e aos portadores de deficiências que têm
renda familiar per capita inferior a 1/4 de salário-
mínimo, não tendo, então, condições de prover o
próprio sustento. No entanto, o público-alvo da As-
sistência Social não está coberto contra riscos sociais
relacionados com a atividade laboral, as doenças e
a maternidade, por exemplo; riscos estes, como já
mencionados, cobertos pela Previdência Social.
A cobertura contra esses riscos é o principal atra-
tivo da Previdência quando comparada com a As-
sistência Social, justificando as contribuições reali-
zadas na vida ativa, nos casos em que os trabalhado-
res têm condições de contribuir. Ainda com relação
à estrutura do mercado de trabalho, é interessante
observar a evolução da população coberta pela Pre-
vidência Social com um recorte de raça e gênero.
Diversos estudos já mostraram que mulheres e
negros têm uma inserção mais vulnerável no mer-
cado de trabalho, quando comparados com homens
e com os brancos. Essas desigualdades no mercado
de trabalho acabam por se refletir na cobertura pre-
videnciária, pois a proporção de segurados contri-
buintes nos grupos minoritários é inferior à veri-
ficada entre os homens e os brancos (grupos mais
bem inseridos no mercado de trabalho).
A institucionalidade da Previdência Social bra-
sileira está organizada em torno do Ministério da
Previdência Social (MPS). Até 2003, ano em que se
iniciou o Governo Lula, chamava-se Ministério da
Previdência e Assistência Social, abarcando também
a Secretaria de Assistência Social. A partir de 2003,
com a criação do Ministério do Desenvolvimen-
to Social, a área de Assistência foi toda transferida
para o novo ministério e o primeiro passou a tratar
apenas de assuntos relacionados com a Previdência
Social.
Há também os Conselhos de Previdência Social,
criados em 2003, que são unidades descentralizadas,
com caráter consultivo, e seu objetivo é apresentar
propostas para melhorar a gestão e a política previ-
denciária, tendo como diferencial o conhecimento
das necessidades específicas de cada localidade.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL NO BRASIL
Em termos formais, a Previdência Social teve
seu ponto de partida em 1883, na Alemanha, com
a implementação de um seguro social baseado em:
saúde, acidentes de trabalho e invalidez, esta últi-
ma incluindo também envelhecimento. A partir
daí surgiram, em diversos países, sistemas de segu-
ro social, cuja previdência era normalmente orga-
nizada para uma determinada classe ocupacional e
atrelada às contribuições.
O ano de 1942 foi um marco na transformação
do seguro para a seguridade social (Welfare Sta-
te), na Inglaterra. Esta evolução, devido princi-
palmente à universalidade da cobertura, partiu da
constatação de que necessidades ou contingências
individuais não atendidas repercutem não só so-
bre os indivíduos mais próximos, mas sobre toda
a sociedade.
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163
aula 2 — Previdência Social
A seguridade social tornou-se um elemento vital
para o equilíbrio socioeconômico, ou seja, algo de
essencial tanto para a ordem econômica e manuten-
ção da força de trabalho, quanto para o funciona-
mento da sociedade, independente da ideologia de
cada país (WESTENBERGER & PEREIRA, 1997).
No Brasil, a Lei Eloy Chaves, de 1923, é conside-
rada o marco inicial da Previdência Social ao ins-
tituir um fundo especial de aposentadorias e pen-
sões – Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs)
– nas empresas ferroviárias existentes na época. A
proposta previdenciária de Eloy Chaves não se diri-
giu aos trabalhadores em geral, nem se referenciou
a um conceito de cidadania, mas criou medidas de
proteção para um grupo específico, tomando a em-
presa como unidade de cobertura.
O moderno sistema previdenciário brasileiro,
vigente até 1966, teve seus pilares definidos no pe-
ríodo Vargas, 1930-1945, e se construiu a partir do
sistema proposto em 1923. O projeto previdenciá-
rio estava articulado com um conjunto de medidas
sociais e trabalhistas que integravam uma estratégia
maior de política estatal da proposta nacional de-
senvolvimentista de Vargas. A expansão previdenci-
ária se deu, inicialmente, através da ampliação do
número de CAPs; posteriormente, foram criados
os Institutos de Aposentadoria e Pensão, a partir de
1933. Seu perfil organizacional superou os limites
da empresa como unidade estruturante, ao se cons-
tituir como autarquia pública, ainda que preservan-
do a administração colegiada.
No período Juscelino (1956-1961), foi promulgada
a Lei Orgânica da Previdência Social, após um longo
período de debates iniciado ainda no período Getú-
lio, com o objetivo de diminuir a disparidade exis-
tente entre as categorias profissionais e a unificação
da previdência. No período 1960-1964 foram incor-
poradas as reivindicações dos trabalhadores relativas
à ampliação de benefícios, como a abolição da idade
mínima de 55 anos para aposentadoria e a afirmação
dos 35 anos de serviço como critério único.
Em 1966 é criado o Instituto Nacional de Pre-
vidência Social (INPS), com base na unificação e
uniformização dos planos de benefício. Na direção
da universalização ocorre, em 1971, a expansão da
previdência aos trabalhadores rurais; em 1972, a in-
corporação dos empregados domésticos; em 1973, a
incorporação dos autônomos. Concomitantemen-
te, instituiu-se o amparo à velhice e aos inválidos e
criou-se o salário-maternidade. O atendimento aos
trabalhadores rurais foi destinado ao FUNRURAL,
uma autarquia administrativamente desvinculada
do INPS.
Em 1977, institui-se o Sistema Nacional de Pre-
vidência e Assistência Social (SINPAS), composto
pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS),
Instituto Nacional de Assistência Médica da Pre-
vidência Social (INAMPS), Instituto de Adminis-
tração Financeira da Previdência Social (IAPAS),
além da Empresa de Processamento de Dados da
Previdência Social – DATAPREV. Fizeram parte do
Sistema também: a Legião Brasileira de Assistên-
cia (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (FUNABEM) e a Central de Medicamentos
(CEME). O INAMPS passou a prestar assistência
médica aos servidores civis da União, aos trabalha-
dores urbanos e aos trabalhadores rurais.
Em 1987 foi criado o Programa de Desenvolvi-
mento de Sistemas Unificados e Descentralizados
de Saúde dos Estados – SUDS. Este sistema visava
a consolidação e o desenvolvimento qualitativo das
ações integradas de saúde, descentralizando as ativi-
dades do INAMPS.
O grande momento de estruturação da proteção
social brasileira ocorreu no ano de 1988. Promulga-
da a nova Constituição, dá-se origem ao conceito de
seguridade social, com:
ampliação da cobertura da proteção social para •
segmentos até então desprotegidos;
introdução de um piso de valor igual ao salá-•
rio-mínimo;
eliminação das diferenças de tipos e valores dos •
benefícios previdenciários entre trabalhado-
res rurais e urbanos, facultando o ingresso de
qualquer cidadão, mediante contribuição.
Dessa forma, esgotou-se o processo de unifica-
ção iniciado em 1967, sendo o princípio do méri-
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164
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
saiba mais +
to substituído pelo da cidadania. Outras alterações
institucionais compreenderam a criação, em 1990,
do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, au-
tarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho
e Previdência Social (MTPS), mediante a fusão do
INPS e do IAPAS, e o deslocamento do INAMPS
para o Ministério da Saúde, com a criação do Siste-
ma Único de Saúde – SUS.
A Emenda Constitucional no 20, de 1998, trouxe
profundas mudanças para o sistema de Previdência
Social, como:
determinou que o benefício salário-família •
seria devido somente ao trabalhador de baixa
renda;
proibiu qualquer trabalho para os menores de •
16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir
dos 14 anos;
criou diretrizes para os regimes de previdência •
privada, de caráter complementar e organiza-
dos de forma autônoma em relação ao regime
geral de previdência social; e
estabeleceu que a organização da previdência •
social tenha critérios que preservem o equilí-
brio financeiro.
Mudanças importantes relativas à reformulação
dos benefícios ainda estão em curso. No entanto,
uma reforma previdenciária que pretenda fazer in-
clusão social não é um desafio apenas do sistema
previdenciário. Uma parte desse desafio pode ser
respondida pelo crescimento econômico que leve a
uma melhoria dos níveis de ocupação formalizada,
outra, visando a mudanças de regras que tragam ao
sistema uma parte expressiva do chamado emprego
informal.
Dentre os benefícios existentes no sistema pre-•
videnciário brasileiro, destaca-se que: para os
casos de doenças, há o auxílio-doença; para o
caso de invalidez, quando a pessoa adoece e
não recupera a capacidade de trabalho, há a
aposentadoria por invalidez; para a materni-
dade, o auxílio-maternidade; para a velhice, as
aposentadorias por idade; para casos de morte,
pensão por morte para aos dependentes; para
os acidentes e doenças relativas a acidentes de
trabalho, há o auxílio-doença acidentário, apo-
sentadoria por invalidez acidentária e pensões
por morte acidentária. Há ainda a aposentado-
ria por tempo de contribuição.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. A partir da leitura do texto e do seu conheci-
mento, como você avalia a Previdência Social no
Brasil?
2. Quais benefícios previdenciários você julga
mais importantes? Por quê?
3. Analisando a evolução história da previdência
social no Brasil, o que você considera que foi mais
significativo para a implementação dessa política?
anotaçÕes *
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165
aula 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas
INTRODUÇÃOA Assistência Social foi inserida, pela primeira
vez na Constituição Federal, como política pública e
aprovada através da Lei Orgânica da Assistência So-
cial – LOAS, Lei no 8.742, de 07.12.1993. A expressão
da materialidade do conteúdo da Assistência Social
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi-
leiro, no âmbito da Seguridade Social, foi alcançada
recentemente com a aprovação da Política Nacio-
nal de Assistência Social/2004 e o Sistema Único de
Assistência Social – SUAS fundamentou-se nesta. O
SUAS está sendo construído por meio de uma nova
lógica de organização das ações: com a definição de
níveis de complexidade, na área da proteção social
básica e proteção social especial, com a referência
no território, considerando regiões e portes de mu-
nicípios e com centralidade na família.
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AULA
3assistência social e sistema Único
de assistência social/suas
Conteúdo■■
Assistência Social como um direito universal•
Assistência Social à luz da Constituição Federal e da LOAS em seus principais artigos•
Caracterização do SUAS•
Competências e habilidades■■
Compreender a política de Assistência Social inserida na Seguridade Social como um direito •
universal
Analisar a Assistência Social à luz da Constituição Federal e da LOAS em seus principais •
artigos
Caracterizar o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e a Política Nacional de Assistên-•
cia Social/2004
Material para autoestudo■■
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166
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
conferência de assistência social: São instâncias
deliberativas com atribuição de avaliar a Política de
Assistência Social e propor diretrizes para o aperfei-
çoamento do Sistema Único da Assistência Social.
Proteção social básica: Tem como objetivos pre-
venir situações de risco, por meio do desenvolvimen-
to de potencialidades, aquisições e o fortalecimento
de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à
população que vive em situação de vulnerabilidade
social, decorrente da pobreza, privação (ausência de
renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
dentre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivos
relacionais e de pertencimento social.
Proteção social especial: Tem por objetivos pro-
ver atenções socioassistenciais a famílias e indivídu-
os que se encontram em situação de risco pessoal
e social, por ocorrência de abandono, maus tratos
físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substân-
cias psicoativas, cumprimento de medidas socioe-
ducativas, situação de rua, situação de trabalho in-
fantil, entre outras.
critérios de partilha: Constitui-se na transferên-
cia de recursos do Fundo Nacional para os Fundos
de Assistência Social dos Estados, dos Municípios e
do Distrito Federal ocorre a partir de indicadores
que informem sua regionalização mais eqüitativa,
tais como: população, renda per capita, mortalidade
infantil e concentração de renda, além de discipli-
nar os procedimentos de repasse de recursos para as
entidades e organizações de Assistência Social.
ASSISTÊNCIA SOCIAL E SISTEMA ÚNICO DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS
A Constituição Brasileira de 1988 proclama a Se-
guridade Social como um direito universal, e colo-
ca a Assistência Social, juntamente com a Saúde e a
Previdência Social, nessa composição.
Dentre estas três políticas: Previdência, Saúde e
Assistência Social, esta última ficou com a menor
parte de recursos financeiros e de estrutura, e desde
a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS (Lei no 8742, de 07.12.1993) até os dias atuas,
portanto, há 17 anos, vem sendo um movimento de
enfrentamento de sua secundarização para alterar a
qualidade e a quantidade de atenção prestada à po-
pulação em situação de pobreza no País.
A Assistência Social, de acordo com o art. 203 da
Constituição Federal, é prestada aos necessitados
ou, com o art. 6o, aos desamparados.
Como questionam Sposati; Falcão; Fleury (2006):
Quais os padrões com que operam o sistema brasi-
leiro de assistência social? A quem vem reconhecen-
do e incorporando como necessitados ou desampa-
rados?”
O direito é assegurado aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiências que não possuam meios
pessoais ou familiares de prover sua subsistência, e
que receberá, como benefício mensal, o valor de um
salário-mínimo. Dessa forma, o conceito de desam-
parado ou necessitado é atribuído à condição de
fragilidade física associada à econômica.
No sistema capitalista em geral e no Brasil, em
particular, a assistência social é voltada para o aten-
dimento de pessoas portadoras de situações especí-
ficas ou especiais.
De acordo com a LOAS, no Capítulo I – das De-
finições e dos Objetivos:
Art. 1o A assistência social, direito do cidadão e
dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realiza-
da através de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas.
Art. 2o A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância,
à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de
trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas por-
tadoras de deficiência e a promoção de sua integra-
ção à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário-mínimo de be-
nefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de pro-
saiba mais +
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167
aula 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas
ver a própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A política de proteção social significa garantir
a todos que dela necessitam, e sem contribuição
prévia, a provisão dessa proteção, instituída na
Constituição Federal e na LOAS, conforme análise
de Sposati (2007):
A CF88, em seu capítulo VII – Da Ordem Social
e no artigo 227 aplica o princípio da subsidiarieda-
de no trato da criança e do adolescente. Primeiro
cabe à família, depois a sociedade, e por fim, ao
Estado assegurar um conjunto de direitos à criança
e ao adolescente. No caso não deixa de ser um res-
peito ao direito da privacidade entre pais e filhos.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali-
zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
dade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm
o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, ca-
rência e enfermidade. A CF88, do mesmo modo,
usa do princípio da subsidiariedade ao considerar
o dever de “amparar pessoas idosas” cuja atenção
deve ser executada preferencialmente em seus lares
(§ 1º artigo 230). Aqui não parece haver uma razão
para usar a subsidiariedade, o Estatuto do Idoso
clareia esta questão.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm
o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando
sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito
à vida.
§ 1o Os programas de amparo aos idosos serão
executados preferencialmente em seus lares. É in-
teressante constatar que o princípio de subsidia-
riedade aplicado na proteção ao ciclo de vida não
ocorre no caso da pessoa com deficiência onde o
inciso II do artigo 23 torna específica a responsa-
bilidade das três instâncias de poder de Estado no
Brasil para com os deficientes.
Art. 23. É competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
Inciso II – cuidar da saúde e assistência públi-
ca, da proteção e garantia das pessoas portadoras
de deficiência. Vale destaque ainda o inciso X do
mesmo artigo que coloca como âmbito do Esta-
do: “combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social
dos setores desfavorecidos”.
Em continuidade à análise, Sposati (2007) com-
plementa:
Este breve percurso pela lei maior do país mos-
tra que:
a) o modelo brasileiro tem por particularida-
de configurar o campo da seguridade social como
aquele destinado “a assegurar os direitos relativos
à saúde, à previdência e à assistência social”. To-
davia, a CF88 limita-se a apontar como elemento
integrador dessas três áreas/campos de direitos um
conjunto de objetivos. Especifica o modelo de ges-
tão da saúde e suas competências sem demonstrar
quais direitos atende; detalha o conteúdo da pre-
vidência social a partir de direitos previdenciários.
No caso da assistência social limita-se a falar do
campo de trabalho e das diretrizes organizativas,
não especifica nem o sistema como na saúde, nem
os direitos como na previdência. Portanto, a regu-
lação da assistência social vai ocorrer em legislação
pós CF88. Não há também qualquer indicação so-
bre o modo de relação das três áreas sob o âmbito
da seguridade, para além dos objetivos estabeleci-
dos no parágrafo único do artigo 194:
Parágrafo Único. Compete ao Poder Público, nos
termos da lei, organizar a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos:
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais;
III – seletividade e distributividade na prestação
dos benefícios e serviços;
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Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;
V – equidade na forma de participação no cus-
teio;
VI – diversidade da base de financiamento;
VII – caráter democrático e descentralizado da
gestão administrativa, com a participação da comu-
nidade, em especial de trabalhadores,empresários
e aposentados.
É equivocada a visão que restringe os direitos as-
sistenciais ao mínimo para a sobrevivência huma-
na, focalizando-a nos segmentos mais fragilizados
da população, como: crianças, adolescentes, idosos
e pessoas portadoras de deficiência em situação de
pobreza. Essa é uma visão focalizada e seletiva que
discrimina e exclui usuários em potencial aos quais
também o direito deveria ser prestado.
A universalidade como princípio indica que a
política da assistência deve ser um instrumento de
redução das desigualdades sociais, assumindo dois
sentidos:
Garantir o acesso aos direitos previstos na •
LOAS a todos, e não é o que ocorre. Na área de
serviços, por exemplo, as crianças em situação
de pobreza, em sua maioria, continuam fora
dos Centros de Educação Infantil – CEINF;
os idosos que necessitam de asilos nem sem-
pre conseguem vagas e as pessoas portadoras
de deficiências, em situação de pobreza, não
recebem o atendimento em instituições espe-
cializadas.
Articular a assistência social às demais polí-•
ticas sociais e econômicas visando construir
um sistema de proteção social contínuo, sis-
temático, planejado, com recursos garantidos
no orçamento público das três esferas gover-
namentais, com ações complementares entre
si, para evitar paralelismo de ações e de recur-
sos. Não se admite imaginar que uma política
setorial como a assistência social vá dar conta
sozinha de enfrentar a pobreza, isso somente
será possível com sua inserção concreta em
um projeto de desenvolvimento econômico e
social, em nível amplo (BOSCHETTI, 2000).
O fato da política de assistência social estar
inscrito na LOAS, com as diretrizes da descentra-
lização político-administrativa além da participa-
ção da sociedade e controle social, foi um enorme
avanço, considerando que a área da assistência so-
cial não era tratada como política social mas como
doação e benesse, ofertadas pelas classes da elite
política e econômica do País.
Conforme Art. 6o: “As ações na área de assistência
social são organizadas em sistema descentralizado e
participativo, constituído pelas entidades e organi-
zações de assistência social, abrangidas por esta Lei,
que articule meios, esforços e recursos, e por um
conjunto de instâncias deliberativas compostas pe-
los diversos setores envolvidos na área. A descentra-
lização significa que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, observados os princípios e
diretrizes estabelecidos nesta Lei, fixarão suas res-
pectivas Políticas de Assistência Social.”
Entende-se como participação da sociedade
e controle social que a elaboração, normatização
e gestão da política de assistência social cabe ao
poder público, mas a aprovação e fiscalização das
proposições cabe aos conselhos de assistência so-
cial, em cada instância: Conselho Nacional de As-
sistência Social, conselhos estaduais e municipais
de assistência social. Dessa forma, é assegurada a
participação direta da sociedade, por meio de re-
presentantes de usuários, dos trabalhadores da área
e de entidades assistenciais. Os representantes dos
órgãos governamentais são indicados pelo próprio
governo. Além dos conselhos, a LOAS preconiza
a realização das conferências em cada instância, a
cada quatro anos, além da organização de fóruns
dos segmentos para discutir e defender a política
de assistência social.
SUAS
O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é
a principal deliberação da IV Conferência Nacio-
nal de Assistência Social, realizada em dezembro de
2003. É o esforço de viabilização de um projeto de
desenvolvimento nacional, que pleiteia a universali-
BookUniderp63_ServSocial.indb 168 11/16/09 1:46:09 PM
169
aula 3 — Assistência Social e Sistema Único de Assistência Social/Suas
zação dos direitos à Seguridade Social e da proteção
social pública com a composição da política pública
de assistência social, em nível nacional.
Regula em todo o território nacional a hierar-
quia, os vínculos e as responsabilidades do sistema
de serviços, benefícios, programas e projetos de as-
sistência social, de caráter permanente ou eventual,
executados e providos por pessoas jurídicas de di-
reito público sob critério universal e lógica de ação
em rede hierarquizada e em articulação com inicia-
tivas da sociedade civil.
Esse novo modelo de gestão supõe um pacto fe-
derativo, com a definição de competências dos en-
tes das esferas de governo. Está sendo construído
por meio de uma nova lógica de organização das
ações: com a definição de níveis de complexidade,
na área da proteção social básica e proteção social
especial, com a referência no território, conside-
rando regiões e portes de municípios e com cen-
tralidade na família. É, finalmente, uma forma de
operacionalização da Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS), que viabiliza o sistema descentra-
lizado e participativo e a sua regulação, em todo o
território nacional.
Fundamenta-se nos compromissos da Política
Nacional de Assistência Social/2004 que expressa
a materialidade do conteúdo da Assistência Social
como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasi-
leiro no âmbito da Seguridade Social.
Os principais eixos estruturantes da gestão do
SUAS são: precedência da gestão pública da política;
matricialidade sociofamiliar; territorialização; des-
centralização político-administrativa; financiamen-
to partilhado entre os entes federados; participação
popular/cidadão usuário; entre outros.
Dentre seus princípios, destacam-se:
articulação interinstitucional entre competên-•
cias e ações com os demais sistemas de defesa
de direitos humanos, em específico com aque-
les de defesa de direitos de crianças, adolescen-
tes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres,
negros e outras minorias; de proteção às víti-
mas de exploração e violência; e a adolescentes
ameaçados de morte; de promoção do direito
de convivência familiar;
articulação intersetorial de competências e •
ações entre o SUAS e o Sistema Único de Saú-
de – SUS, por intermédio da rede de serviços
complementares para desenvolver ações de
acolhida, cuidados e proteções como parte da
política de proteção às vítimas de danos, dro-
gadição, violência familiar e sexual, deficiên-
cia, fragilidades pessoais e problemas de saúde
mental, abandono em qualquer momento do
ciclo de vida, associados a vulnerabilidades
pessoais, familiares e por ausência temporal
ou permanente de autonomia principalmente
nas situações de drogadição e, em particular, os
drogaditos nas ruas;
articulação intersetorial de competências e •
ações entre o SUAS e o Sistema Educacional
por intermédio de serviços complementares
e ações integradas para o desenvolvimento da
autonomia do sujeito, por meio de garantia e
ampliação de escolaridade e formação para o
trabalho.
A PNAS/2004 aborda a questão da proteção so-
cial em uma perspectiva de articulação com outras
políticas do campo social, que são dirigidas a uma
estrutura de garantias de direitos e de condições
dignas de vida. A proteção social de Assistência
Social se ocupa das vitimizações, fragilidades, con-
tingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão,
a cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de
seu ciclo de vida, por decorrência de imposições so-
ciais, econômicas, políticas e de ofensas à dignida-
de humana. A proteção social de Assistência Social,
em suas ações, produz aquisições materiais, sociais,
socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias
para suprir suas necessidades de reprodução social
de vida individual e familiar; desenvolver suas capa-
cidades e talentos para a convivência social, prota-
gonismo e autonomia.
A Assistência Social dá primazia à atenção às
famílias e seus membros, a partir do seu território
de vivência, com prioridade àqueles com registros
BookUniderp63_ServSocial.indb 169 11/16/09 1:46:09 PM
170
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
de fragilidades, vulnerabilidades e presença de vi-
timizações entre seus membros. A atenção às fa-
mílias tem por perspectiva fazer avançar o caráter
preventivo de proteção social, de modo a fortale-
cer laços e vínculos sociais de pertencimento entre
seus membros e indivíduos, para que suas capaci-
dades e qualidade de vida levem à concretização
de direitos humanos e sociais.
De acordo com a PNAS/2004, são funções da
Assistência Social: a proteção social hierarquizada
entre proteção básica e proteção especial; a vigi-
lância social e a defesa dos direitos socioassisten-
ciais. Além de organizar a Rede socioassistencial e
o modo de gestão compartilhada dos serviços.
Por fim, o financiamento e as condições para
transferência de recursos federais e os critérios de
partilha e o cofinanciamento no SUAS (BRASIL,
2005).
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. O conceito de desamparado ou necessitado é
atribuído à condição de fragilidade física associada
à econômica. Comente.
2. Por que é equivocada a visão que restringe os
direitos assistenciais ao mínimo para a sobrevivên-
cia humana, focalizando-a nos segmentos mais fra-
gilizados da população?
3. Identifique e analise os principais artigos da As-
sistência Social na Constituição Federal e na LOAS.
4. Qual a importância da PNAS/2004 e do SUAS
para a efetivação da política de Assistência Social?
anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 170 11/16/09 1:46:09 PM
171
aula 4 — Saúde
INTRODUÇÃO A aula da unidade didática II trata da Política de
Saúde e realiza análise das relações que se estabelecem
entre Estado e sociedade para compreender o tema
Saúde inserido na Seguridade Social. Apresenta ainda
a caracterização do Sistema Único de Saúde – SUS e
da instituição do Programa Saúde da Família – PSF,
além do contexto socioeconômico em que ocorrem
os desafios colocados para o SUS. Por fim, descreve a
intervenção profissional do assistente social em suas
diversas dimensões, no interior da política de saúde.
seguridade social: de acordo com o Art. 194, da
Constituição Federal: “A seguridade social compre-
ende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência
e à assistência social.”
un
idad
e d
idát
ica
– Po
lític
as s
oci
ais
no
bra
sil
AULA
4saÚde
Conteúdo■■
Sistema Único de Saúde – SUS•
O serviço social na política de saúde•
Competências e habilidades■■
Analisar as relações que se estabelecem entre Estado e Sociedade para compreender o tema •
Saúde, inserido na Seguridade Social
Caracterizar o Sistema Único de Saúde – SUS e a instituição do Programa Saúde da Família •
– PSF
Compreender o contexto sócio-econômico em que ocorrem os desafios colocados para o •
SUS
Descrever a intervenção profissional do assistente social em suas diversas dimensões, no •
interior da política de saúde
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
saiba mais +
BookUniderp63_ServSocial.indb 171 11/16/09 1:46:09 PM
172
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
reforma sanitária: no Brasil, o Movimento da
Reforma Sanitária ocorreu no final da década de
1970 e culminou com a VIII Conferência Nacional
de Saúde, em 1986, propondo que a saúde seja um
direito do cidadão, um dever do Estado e que seja
universal o acesso a todos os bens e serviços que a
promovam e recuperem.
assembleia nacional constituinte: foi insta-
lada em 1o de fevereiro de 1987. Em 5 de outubro
de 1988 foi promulgada, por 559 constituintes (487
deputados federais e 72 senadores), a oitava Cons-
tituição brasileira. A Assembleia foi composta por
representantes dos 23 estados que existiam à época,
e do Distrito Federal.
estado mínimo: com o esgotamento do Estado
nacional desenvolvimentista no plano internacio-
nal, passou a prevalecer a ideologia neoliberal. A
partir daí, países subdesenvolvidos com industria-
lização tardia, como Brasil, sofreram pressão dos
países globalizados para conterem gastos em pro-
gramas sociais. O modelo de macroeconomia vi-
gente no mundo passa a determinar as regras do
jogo. A Constituição de 1988 enaltece o Estado do
Bem-Estar Social e a agenda neoliberal defende o
Estado mínimo. Ao invés dos direitos trabalhistas e
políticas universais, mais flexibilidade do mercado
e políticas focalizadas. Por fim, ao invés dos direitos
sociais, um governo mais assistencialista.
POLíTICA DE SAÚDE
Para tratar do tema Saúde, inserida na Seguri-
dade Social, e da questão do direito de acesso, é ne-
cessário considerar, inicialmente, as relações que se
estabelecem entre Estado e sociedade.
As relações sociais vêm modificando-se no País e
em relação às políticas sociais, especialmente aqui, a
saúde, em termos de acesso aos direitos sociais, an-
tes e após a Constituição de 1988.
Conforme Simionato (1997):
O movimento de reconstrução teórica, formu-
lação e implementação de um projeto de Refor-
ma Sanitária, associou-se às lutas pela transição e
consolidação da democracia no país. O capítulo
da Ordem Social, na Constituição Federal de 1988
consagrou em termos legais os princípios filosóficos
e as opções político-institucionais que resultaram
daquele processo reformador no campo da saúde,
que transcendeu esses limites e irradiou-se para os
demais elementos componentes.
As propostas do Estado para a política de saúde,
no período ditatorial, revelavam a tensão perma-
nente, existente no setor, entre os interesses capita-
listas e o dos movimentos que lutavam pela demo-
cratização da saúde.
Após o regime militar e o surgimento da Nova Re-
pública, em 1985, no País, o movimento social pela
reforma sanitária se intensificou e foi possível uma
discussão maior sobre os rumos que deveria tomar o
sistema de saúde. O marco fundamental da proposta
de reestruturação do Sistema de Saúde foi em 1986,
com a VIII Conferência Nacional de Saúde, que colo-
cou em pauta o papel do Estado como executor das
políticas sociais públicas e discutiu a nova proposta de
estrutura e política de saúde para o país. A realização
desta Conferência contou com ampla participação,
cerca de 5.000 pessoas, entre dirigentes institucionais,
técnicos, estudiosos, políticos e lideranças sindicais e
populares e foi discutida a situação de saúde do país
e aprovado um relatório, cujas recomendações passa-
ram a constituir o projeto da Reforma Sanitária Bra-
sileira, já então plenamente legitimada pelos segmen-
tos sociais identificados com os interesses populares
e que foi levado à Assembleia Nacional Constituinte,
em 1987, para disputar com outras propostas o que
seria inscrito na Constituição sobre a área de Saúde,
nos capítulos 195 a 200, e regulamentados pela Lei
no 8.080 e 8.142.
O relatório final da a VIII Conferência Nacional
de Saúde considerou três aspectos fundamentais:
O primeiro deles consigna um conceito abran-•gente de saúde, que não deve ser vista como um conceito abstrato. Define-se no contexto his-tórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas.
O segundo determina a saúde com direito de •
cidadania e dever do Estado. Para que isso pos-
BookUniderp63_ServSocial.indb 172 11/16/09 1:46:09 PM
173
aula 4 — Saúde
sa ocorrer, define o Estado, enquanto regulador
público, como responsável pela garantia desse
direito de cidadania.
E por último, como elemento de caráter estra-•
tégico, propõe uma profunda reformulação
do Sistema Nacional de Saúde, com a institui-
ção de um Sistema Único de Saúde que tenha
como princípios essenciais a universalidade, a
integralidade das ações, a descentralização com
comando único em cada instância federativa e
a participação popular.
Assim, o Sistema Único de Saúde – SUS, esta-
belecido na Constituição de 1988, é a forma de Or-
ganização dos Serviços e Ações de Saúde. É único
porque deve funcionar igualmente em todo o Brasil.
As responsabilidades são conjuntas: do Governo Fe-
deral, Estadual e Municipal, os quais deverão traba-
lhar para promover, proteger, prevenir e recuperar a
saúde da população.
Os princípios fundamentais do SUS, a saber:
Integralidade, ou seja, as pessoas têm o direito •
de serem atendidas no conjunto de suas ne-
cessidades e os Serviços de Saúde devem estar
organizados de modo a oferecer todas as ações
requeridas por essa atenção integral. Isso não
quer dizer que todas as Unidades de Saúde
devem oferecer todos os tipos de ações, mas
devem encaminhar os usuários a outros esta-
belecimentos para os atendimentos que neces-
sitarem.
Universalidade: toda pessoa tem direito a ser •
atendida nos serviços públicos de saúde, nos
hospitais, serviços conveniados/contratados,
independente de seu nível socioeconômico,
raça, religião, escolaridade etc. Os serviços de
saúde não podem estabelecer condições ou exi-
gir pagamento.
Equidade: a rede de serviços de saúde deve es-•
tar atenta para as desigualdades existentes, com
o objetivo de ajustar as suas ações às necessida-
des de cada parcela da população, oferecendo
mais a quem mais precisa.
Quanto ao aspecto da Organização Direção/Ges-
tão, os recursos financeiros, competências e o poder
de decisão devem ser daqueles que são responsáveis
pela execução das ações, pois quanto mais perto do
problema mais chances se têm de acertar sobre a so-
lução.
Assim, as ações municipais são ações e servi-
ços que atendem à população de um município; as
ações estaduais são ações e serviços que atendem,
servem e alcançam vários municípios; e as ações fe-
derais são ações e serviços que são dirigidos a todo
território nacional.
Regionalização dos serviços dispostos numa •
área geográfica delimitada, com definição da
população a ser atendida, próxima a população
e de fácil acesso.
Resolutividade é a capacidade dos serviços •
para enfrentar e resolver até o final de sua com-
petência, um problema individual ou coletivo
que se apresente.
Hierarquização é a distribuição dos serviços de
saúde dos tratamentos mais simples aos mais com-
plexos:
serviços com atendimento em primeiro ní-
vel: referem-se ao Atendimento Básico, aqueles
que ocorrem nas Unidades Básicas de Saúde. Esse
primeiro nível de atenção é a porta de entrada, no
sistema, para todas as necessidades da pessoa e pro-
move a ligação com os demais níveis de atenção
(STARFIELD, 2002).
serviço com atendimento em segundo nível:
referem-se às especialidades médicas, exames labo-
ratoriais etc.
Serviço com atendimento em terceiro nível: refe-
rem-se às internações, cirurgias, emergências etc.
Participação Popular: a concepção da gestão
pública do SUS é essencialmente democrática. Ne-
nhum gestor é senhor absoluto da decisão. Ele deve
ouvir a população e submeter suas ações ao controle
da sociedade, que pode ser feito através dos Conse-
lhos de Saúde, Plenárias e Conferências de Saúde.
A concepção de saúde é entendida, dessa forma,
como resultado das condições de vida das pessoas.
BookUniderp63_ServSocial.indb 173 11/16/09 1:46:09 PM
174
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
Isto é, a saúde não é concebida apenas com assis-
tência médica, mas principalmente, com o acesso
das pessoas ao emprego, com salário justo, acesso à
educação, a uma boa condição de habitação e sane-
amento do meio ambiente, ao transporte adequado,
a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer; além,
evidentemente, do acesso a um sistema de saúde
digno, de qualidade e que resolva os problemas de
atendimento das pessoas.
Isso significa que a conquista da saúde não pode
ser uma responsabilidade exclusiva da área da saú-
de, mas de todo o governo e da sociedade, por meio
de suas políticas econômicas e sociais.
Entretanto, o período de 1980/1990 caracterizou-
se pelo avanço do projeto neoliberal e, ao mesmo
tempo, se institucionalizaram várias propostas da
Reforma Sanitária Brasileira. Desta forma, os dois
projetos convivem em tensão (BRAVO, 2000).
A conjuntura nacional e internacional tem se
caracterizado pela continuidade de uma tendência,
observada a partir da década de 1980, de redução
dos investimentos do estado, nas políticas sociais,
consolidando a implantação de uma proposta de
“estado mínimo”.
As tendências atuais, dentro do pensamento
ideológico diverso e heterogêneo que marcam o
comportamento do conjunto de forças presentes
na cena política brasileira, apontam, ainda que de
forma difusa, para a emergência na saúde de dois
cenários possíveis. De um lado, o avanço do projeto
neoliberal e, por outro, o projeto de Reforma Sani-
tária, como já referido anteriormente.
Por isso, é preciso reafirmar que as forças demo-
cráticas e os trabalhadores de saúde precisam arti-
cular-se com os movimentos de usuários do SUS,
em particular, e com os movimentos sociais mais
gerais, para a viabilização do projeto construído na
década de 1980, que está sendo desmontado pela
política de ajuste.
O Ministério da Saúde, visando a aprimorar o
sistema, apresentou o Programa Saúde da Família
– PSF como uma nova estratégia da Atenção Bási-
ca, respeitando os princípios do SUS, para imprimir
uma nova dinâmica de ação nas Unidades Básicas
de Saúde – UBSs. A proposta do PSF é o trabalho
voltado à atenção integral à saúde, possibilitando
que ele não seja um programa vertical, centralizado,
mas sim “um instrumento de reorganização e rees-
truturação do sistema público de saúde” (BRASIL,
1997). O PSF tem a possibilidade de inverter essa ló-
gica de racionalidade e pretende considerar os usuá-
rios como sujeitos sociais, de modo que a prática de
saúde não se restrinja à prática médica, de modo a
não tratar apenas de patologias, mas de cidadãos, na
perspectiva da humanização do atendimento. Pro-
cura-se desenvolver a escuta do problema de saúde
do usuário de forma qualificada, responsabilizando-
se frente à resolução do problema, o que vai além do
atendimento. Preconiza também o vínculo necessá-
rio entre o serviço e a população usuária, buscando
o restabelecimento de uma relação de confiança e
apoio com o usuário, que muitas vezes, em servi-
ços de saúde, é quebrada na prestação dos serviços.
(BRASIL, 1994).
Levando-se em conta que no fim do século XX
e início do século XXI os direitos devem ser vistos
na ótica pós-materialista: à privacidade; à intimida-
de; à felicidade; à paz e à justiça (equidade); à não
exclusão e não discriminação de gênero, de raça, de
cultura, origem espacial, de condições físicas, de op-
ção sexual, de classe social; ao patrimônio ambien-
tal, histórico e cultural; ao controle do patrimônio
público ou “coisa pública”.
De acordo com Mendes (2006), urge a necessi-
dade de:
Adaptar o Sistema de Saúde à nova realidade visto a
incoerência entre a situação de saúde caracterizada
pela dupla carga das doenças, com predominância
relativa das condições crônicas, e o sistema de aten-
ção à saúde fragmentado, voltado para as condições
agudas.
O paradigma da condição aguda predominan-
te é um anacronismo. Ele foi elaborado na noção
do século XIX da doença como uma ruptura no
estado normal, produzida por um agente externo
ou trauma; neste modelo, a atenção às condições
agudas é o que importa. O problema é que a epi-
BookUniderp63_ServSocial.indb 174 11/16/09 1:46:09 PM
175
aula 4 — Saúde
demiologia contemporânea mostra que a situação
prevalecente é dominada pelas doenças crônicas,
tanto em termos de custos, quanto dos impactos
na saúde.
Dessa forma, são colocados para o SUS os se-
guintes desafios:
Concretizar a integralidade da atenção na •
prática.
Mudar o modelo de atenção com foco no •
usuário.
Inserir a atenção ao usuário numa lógica de •
rede.
Valorizar o trabalho em equipe.•
Priorizar uma política de investimento com •
maiores e melhor utilizados recursos finan-
ceiros.
Obter apoio multissetorial.•
Implementar instrumentos de gestão da clínica.•
Implementar e institucionalizar mecanismos de •
monitoramento e avaliação.
Melhorar a qualificação dos profissionais de •
saúde (gestão e assistência).
Combater a corrupção e mau uso dos recursos.•
Inserir a universidade – graduação e especializa-•
ção para formar pessoal para o SUS.
Desprecarizar as relações de trabalho.•
Ampliar e qualificar o controle social.•
O SERVIÇO SOCIAL NA POLíTICA DE SAÚDE
O Serviço Social, nessa relação Estado e Socie-
dade e após a Constituição de 1988, com a gran-
de mudança ocorrida no interior da política de
saúde, apresentando novas questões e demandas
para o Serviço Social, o que implicará ampliação
do papel do profissional, que segundo Simionato
(1997):
Novas demandas e consequentemente novas res-postas também se colocam ao Serviço Social, seja no campo da assistência prestada no âmbito am-bulatorial e hospitalar, seja nos espaços coletivos, através de ações que interferem nos determinantes sociais do processo saúde-doença.
Dessa forma, a intervenção profissional do assis-
tente social dar-se-á em diversas dimensões, a saber:
Na dimensão educativa, desenvolvendo a sensi-•
bilização sanitária dos usuários dos serviços de
saúde para os problemas relativos ao meio am-
biente, saneamento e trabalho, especialmente
na prestação de orientações e informações so-
bre direitos sociais na busca da saúde enquanto
direito de cidadania.
Na realização de estudos que demonstrem à •
população seus problemas cotidianos e sua re-
lação com os serviços de saúde cujas demandas
se transformem em direitos universais.
Na atuação junto à equipe de trabalhadores em •
saúde para reforçar a percepção de que o usuá-
rio não deve buscar os serviços apenas nos mo-
mentos especiais de sua vida, mas possibilitar
sua participação como cidadão, na gestão e no
controle social do sistema.
No fortalecimento dos espaços de participação •
dos usuários no sistema, incentivando gestões
participativas e colegiadas, através dos conse-
lhos locais de saúde nas unidades de saúde.
Na busca de articulações sociais, através dos Con-•
selhos, enfatizando a importância das relações
entre os mesmos, em diferentes níveis de gestão e
também em outras formas de gestão popular.
Na proposição de capacitações político-técni-•
cas dos conselheiros, dos trabalhadores, tanto
em nível de controle social como também de
educação permanente em serviço da equipe.
A noção de saúde deve estar vinculada às con-
dições de vida e trabalho das pessoas e não apenas
à ausência de doenças, como também a um direito
social a ser conquistado. A doença e a morte estão
associadas às condições precárias de vida, à pobreza.
A área da saúde é o setor que tem absorvido um
quantitativo significativo de assistentes sociais, devi-
do, de um lado, à relação da articulação da saúde com
a produção e reprodução do capital, cabendo aos as-
sistentes sociais, na divisão sociotécnica do trabalho,
atuar nas instituições da saúde a fim de administrar a
tensão existente entre as demandas dos trabalhadores
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176
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
e os insuficientes recursos para a prestação dos servi-
ços requeridos. E, de outro lado, contraditoriamente,
devido à expansão da participação e do controle so-
cial da população através dos Conselhos de Defesa de
Direitos e de Políticas Públicas.
O serviço social, na área da saúde, atua para além
do sofrimento físico e psíquico, explicitando e en-
frentando as diferentes expressões da questão social
que determinam os níveis de saúde da população,
através de ações que priorizem o controle social,
a prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, a
promoção, a proteção e a recuperação da saúde, fa-
cilitando e contribuindo para a realização integrada
das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Descreva e explique os três aspectos funda-
mentais do relatório final da VIII Conferência Na-
cional de Saúde que influenciaram na concretiza-
ção da política de saúde para o País.
2. Caracterize o Sistema Único de Saúde (SUS) e
por que foi instituído o Programa Saúde da Famí-
lia (PSF), e em que consiste essa estratégia?
3. Comente a intervenção profissional do assis-
tente social nas diversas dimensões de atuação na
política de saúde, de acordo com as novas deman-
das colocadas e que exigem novas respostas.
anotaçÕes *
BookUniderp63_ServSocial.indb 176 11/16/09 1:46:10 PM
177
aula 5 — Educação
EDUCAÇÃO
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes Bási-
cas da Educação Nacional), a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas ma-
nifestações culturais. A educação é dever da família
e do Estado e, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por fina-
lidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-
cação para o trabalho.
A educação é atualmente reconhecida como im-
portante para o desenvolvimento político, social e
econômico da sociedade. A educação escolar cons-
titui preocupação relevante para os decisores das
políticas públicas, sempre confrontados com as
questões complexas sobre investimentos, custos e
benefícios.
Segundo a UNESCO (2007), a educação como
direito humano e bem público permite às pessoas
exercer os outros direitos humanos. Por essa razão,
ninguém pode ficar excluído dela. O direito à edu-
cação se exerce na medida em que as pessoas, além
un
idad
e d
idát
ica
– Po
lític
as s
oci
ais
no
bra
sil
AULA
5educação
Conteúdo■■
Conceito de educação•
Analfabetismo•
Marco legal da Educação no Brasil•
Níveis de ensino•
Competências e habilidades■■
Compreensão da abrangência, contexto e especificidades da educação no Brasil•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
BookUniderp63_ServSocial.indb 177 11/16/09 1:46:10 PM
178
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
de terem acesso à escola, possam desenvolver-se ple-
namente e continuar aprendendo. Isso significa que
a educação terá de ser de qualidade para todos e por
toda a vida.
Um enfoque de direitos humanos em educação
está fundado nos princípios de gratuidade e obri-
gatoriedade e nos direitos à não discriminação e à
plena participação. Maior nível educacional de toda
a população é um elemento decisivo para o desen-
volvimento humano de um país, tanto para elevar
a produtividade como para fortalecer a democracia
e ampliar a possibilidade das pessoas na opção por
maior qualidade de vida.
O aumento da escolaridade média da população
brasileira, assim como a melhoria da qualidade do
ensino ofertado, constituem desafios a ser supera-
dos, em grande medida afetados por desigualdades
de várias ordens.
ANALfABETISMO
No período 1992-2005, a taxa de analfabetismo
da população de 15 anos ou mais apresentou redu-
ção anual média de cerca de 0,5 ponto percentual.
Entretanto, nos últimos anos, o ritmo de queda tem
sido reduzido, o que tende a ampliar o tempo neces-
sário para que o Brasil se equipare, no que concerne
a esse indicador, à maioria dos países latino-ameri-
canos e, em particular, à Argentina (2,8%, em 2001)
e ao Chile (4,3%, em 2002).
O analfabetismo atingia, em 2005, cerca de 14,6
milhões de brasileiros. Esse elevado contingente de
pessoas, no entanto, distribui-se de forma bastante
desigual em termos regionais, em relação à locali-
zação domiciliar (rural/urbana) e segundo as faixas
etárias. Por exemplo, a taxa de analfabetismo na
Região Nordeste superava em mais de três vezes a
observada no Sul. Na área rural, abrangia 25% da
população, o que equivale a uma proporção cinco
vezes maior que a taxa da área urbana metropolita-
na. Quando se consideram as faixas etárias da po-
pulação, verifica-se que a de 40 anos ou mais é a que
apresenta o maior índice de analfabetismo (19%),
muito acima dos 2,9% registrados entre os jovens
de 15 a 24 anos.
Tal diferença indica que a expansão do atendi-
mento escolar nas últimas décadas, a fim de atender
a quase totalidade dos jovens e adolescentes na fai-
xa etária de sete a 14 anos, tem-se mostrado efetiva.
Por sua vez, a existência de um elevado percentual
de analfabetos entre os com 40 anos ou mais resulta
não apenas do acesso restrito dessas gerações à edu-
cação formal, no passado, mas também do fato de
os programas de alfabetização implementados nas
últimas décadas não terem sido, por razões variadas,
capazes de saldar essa dívida educacional.
MARCO LEGAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
O marco legal da política educacional brasileira
é representado pela Constituição Federal de 1988,
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
no 8.069, de 13 de julho de 1990), pela Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996), pela Emenda Consti-
tucional (EC) 14/1996 e por um conjunto de nor-
mas infraconstitucionais e resoluções do Conselho
Nacional de Educação.
A Constituição Federal (CF) de 1988 afirma que
a educação é um direito social, sendo a família e o
Estado responsáveis pelo seu provimento. Visan-
do a garantir o cumprimento desse mandamento
e com isso garantir o pleno gozo do direito ao ci-
dadão, assegurou a gratuidade do ensino público
em estabelecimentos oficiais e as fontes de finan-
ciamento que gerariam os recursos que o Estado
disporia para financiar os seus gastos.
Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDB), promulgada em 1996, vinculou ex-
plicitamente a educação ao “mundo do trabalho”
e à prática social, estabelecendo também fontes de
financiamento para os gastos educacionais. Ao tra-
tar dos níveis e modalidades de educação e ensino,
a LDB introduz o conceito de educação básica, que
inclui a educação infantil, para as crianças de zero
a seis anos de idade, o Ensino Fundamental obri-
gatório e o Ensino Médio, para o qual determina
progressiva obrigatoriedade e gratuidade.
A incorporação da educação infantil na educação
básica, a partir da LDB, se deve ao reconhecimento
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179
aula 5 — Educação
de sua relevância para plena formação dos indiví-
duos, respondendo ao art. 227 da CF, que afirma ser
“dever da família, da sociedade e do Estado assegu-
rar à criança e ao adolescente, com absoluta priori-
dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-
cação, (...) além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violên-
cia, crueldade e opressão”. A Lei no 11.274/2006 es-
tendeu a duração do Ensino Fundamental de oito
para nove, incluindo nele a criança de seis anos de
idade. Os sistemas de ensino terão o prazo de cinco
anos para implementar a lei.
Em relação à repartição de competências e res-
ponsabilidades das esferas de governo, a legislação
estabelece as responsabilidades de cada esfera de go-
verno na prestação de serviços educacionais. Assim,
compete à União o financiamento do ensino supe-
rior e de escolas técnicas federais, além do exercício
das funções supletiva e redistributiva, nos demais
níveis de ensino, por meio de transferências de re-
cursos aos estados, ao DF e aos municípios.
Quanto aos estados, definia a Constituição Fe-
deral de 1988 que eles atuariam prioritariamente
no Ensino Fundamental e médio. A LDB é mais
específica e lhes atribui ofertar o Ensino Médio e,
em colaboração com os municípios, assegurar o
Ensino Fundamental.
Aos municípios, por sua vez, a Carta Magna
delega a responsabilidade pela manutenção, em
regime de colaboração, de programas voltados à
educação pré-escolar e ao Ensino Fundamental. A
LDB ratifica essas responsabilidades, explicitando
toda a educação infantil, e os proíbe de atuar em
outros níveis de ensino sem antes ter atendido ple-
namente às necessidades de sua área de competên-
cia. Em relação ao provimento da educação, ficou
estabelecido, no item IV do art. 206 da CF, que o
ensino público em estabelecimentos oficiais deve
ser gratuito.
A Emenda Constitucional no 14, de 1996, asse-
gura a subvinculação dos recursos estabelecidos
na Constituição para a área educacional, desti-
nando 60% deles ao ensino obrigatório, por meio
da criação do Fundo de Desenvolvimento de Ma-
nutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
mental (Fundef).
Assim como a Constituição Federal, a LDB asse-
gura a possibilidade de o provimento e a produção
da educação serem realizados pela iniciativa priva-
da, atendidas algumas condições normativas e de
qualidade. A abertura do ensino ao setor privado
permite que se constituam instituições particula-
res criadas e mantidas por pessoas físicas ou jurí-
dicas de direito privado.
A LDB instituiu na estrutura educacional o
Conselho Nacional de Educação com funções nor-
mativas e de supervisão e atividade permanente,
criado por lei. Funções similares são exercidas no
âmbito dos sistemas de ensino pelos conselhos es-
taduais e municipais, que também são instituídos
por leis próprias.
Outro marco de grande importância para bali-
zamento das ações e programas educacionais foi a
aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE),
elaborado tomando como eixos norteadores a CF
de 1988, a LDB, a Emenda Constitucional (EC)
14/1996 e demais políticas do setor. O PNE tem
como objetivos: a) elevação global do nível de es-
colaridade da população; b) melhoria da qualida-
de do ensino em todos os níveis; c) redução das
desigualdades sociais e regionais no tocante ao
acesso e à permanência, com sucesso, na educação
pública; e d) democratização da gestão do ensino
público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo
aos princípios da participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola e a participação das comunidades escolar e
local em conselhos escolares ou equivalentes.
Quanto à situação de responsabilidade pelo fi-
nanciamento da educação pública brasileira obser-
va-se que, no que diz respeito à divisão de fontes
de recursos e responsabilidades de gastos, a União
divide a aplicação de seus recursos na manutenção
do sistema federal, na execução de programas pró-
prios e em transferências para os sistemas estadu-
ais e municipais. Na composição de seus recursos
os estados somam os recursos recebidos da União
aos provenientes de suas fontes, os quais são utili-
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180
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
zados na manutenção e expansão de seus sistemas
de ensino. Por sua vez, na composição dos recursos
destinados à manutenção e expansão de suas re-
des de ensino, os municípios recebem recursos da
União e dos estados, os quais são somados aos seus
recursos próprios.
A estrutura de financiamento da educação é mis-
ta e complexa, com a maior parte dos recursos sen-
do proveniente de fontes do aparato fiscal, que é o
caso típico dos recursos da vinculação de impostos.
A vinculação de recursos de impostos para a educa-
ção – reserva de determinado percentual do valor
arrecadado – é uma das medidas políticas mais im-
portantes para garantir a disponibilidade de recur-
sos para o cumprimento do vasto rol de responsa-
bilidades do poder público nesta área. Desde 1983,
garantiu-se por meio de Lei a destinação mínima
de recursos financeiros, pelos poderes públicos, à
educação (13% pela União e 25% pelos estados e
municípios). Com a Constituição Federal de 1988,
ampliaram-se os percentuais dos recursos públicos
federais que deveriam ser aplicados nessa área (18%
pela União e 25% pelos estados e municípios).
Além de ter como estratégia a priorização do
Ensino Fundamental e de reafirmar o papel do
Ministério da Educação e Cultura (MEC) como
coordenador das políticas nacionais, em 1998, por
sugestão do MEC, foi instituído o Fundo de Manu-
tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (Fundef), que tem
como objetivos imediatos garantir um gasto míni-
mo por aluno e um piso salarial para o magistério.
Esse Fundo reafirmou a necessidade de estados,
Distrito Federal (DF) e municípios cumprirem os
dispositivos da Constituição de 1988, relativos à
vinculação de 25% de suas receitas de impostos e
das que lhes forem transferidas, à manutenção e ao
desenvolvimento do ensino, além de obrigar esses
entes federados, a partir de 1998, a alocar 60% da-
queles recursos no Ensino Fundamental. Além dos
recursos de impostos, outra parcela razoável do
financiamento da educação provém das contribui-
ções sociais, tanto das contribuições originalmente
destinadas ao financiamento da seguridade social,
como, e principalmente, da contribuição criada
exclusivamente para a educação, conhecida como
salário-educação. O salário-educação, previsto no
artigo 212 da CF, é uma fonte de recursos desti-
nada explícita e exclusivamente ao Ensino Funda-
mental da rede pública.
O Bolsa Escola, a partir de 2004, passou a inte-
grar, junto com outras ações de transferência de
renda, o programa Bolsa-Família, gerido pelo Mi-
nistério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome. A interface com o MEC diz respeito prin-
cipalmente ao cumprimento da condicionalidade
da frequência à escola. Outra iniciativa da gestão
Lula que implica reestruturação da educação obri-
gatória brasileira é a instituição do Ensino Funda-
mental com nove anos de duração, incluindo nele
a criança de seis anos de idade.
EDUCAÇÃO INfANTIL
Embora, pela Constituição Brasileira, apenas
o Ensino Fundamental tenha caráter obrigatório,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), de 1996, instituiu como formação mínima
a educação básica que, além do Ensino Fundamen-
tal, abrange a educação infantil (crianças com até
seis anos de idade) e o Ensino Médio (adequado à
faixa de 15 a 17 anos). E é justamente nesses níveis
de ensino não obrigatórios que se encontram desi-
gualdades bastante expressivas.
Apesar de ser crescente a proporção das crianças
de zero a seis anos atendida pela educação infantil,
ainda é baixo o nível de cobertura nesse nível do
ensino, especialmente entre as de zero a três anos
de idade. Em 2005, apenas 13,3% desta faixa etá-
ria frequentava creches. No período 1995-2005, o
atendimento de crianças em creche cresceu apenas
5,7%, ou seja, ritmo insuficiente para garantir o
alcance da meta estabelecida no Plano Nacional de
Educação (PNE), de terem matriculadas 50% das
crianças de zero a três anos, em 2011.
ENSINO fUNDAMENTAL
A quase universalização do acesso à escola nos
anos de 1990, à população de 7 a 14 anos, significou
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181
aula 5 — Educação
um dos principais avanços da sociedade brasileira
no campo educacional. Ao progresso alcançado na
oferta de vagas, no entanto, sobrepõem-se novos
desafios. Além de ainda haver uma porcentagem
residual de crianças e jovens fora da escola, entre
os matriculados há aqueles que não aprendem ou
que progridem lentamente, repetem o ano e aca-
bam abandonando os estudos.
Os fatores que contribuem para essas dificulda-
des estão relacionados principalmente à qualidade
do ensino, condições de acesso e permanência e às
desigualdades sociais. Os indicadores de frequên-
cia ao Ensino Fundamental não revelam grandes
disparidades quando comparados sob as óticas re-
gional, rural e urbana, de gênero ou raça. No en-
tanto, a repetência e a evasão escolar ampliam o
tempo médio de permanência no Ensino Funda-
mental e comprometem negativamente os índices
de conclusão desse nível de ensino.
Os resultados do Sistema Nacional de Avalia-
ção da Educação Básica (SAEB), realizado em
2003, mostram que ainda é elevado o número de
alunos do Ensino Fundamental com desempenho
inadequado, principalmente na rede pública de
ensino.
ENSINO MÉDIO
O Ensino Médio tornou-se objeto da política
educacional do governo federal somente ao fim dos
anos 1990, e as maiores taxas de crescimento das
matrículas nesse nível de ensino foram registradas
ao longo da segunda metade dessa década.
Diferentemente do que ocorre em relação à fre-
quência ao Ensino Fundamental, no caso do Ensi-
no Médio evidenciam-se profundas desigualdades
regionais. A frequência ao Ensino Médio guarda
estreita relação com a renda familiar. Apesar de ain-
da serem elevadas as desigualdades de acesso e fre-
quência ao Ensino Médio, no Brasil, houve sensível
redução dessas diferenças nos últimos dez anos.
Cabe observar, no entanto, que o substancial cres-
cimento das matrículas, verificado ao longo da se-
gunda metade dos anos 1990, não foi acompanhado
de melhoria significativa do desempenho dos estu-
dantes, conforme mostram os resultados do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
ENSINO SUPERIOR
O acesso à educação superior, no Brasil, ainda é
bastante restrito, não apenas quando comparado ao
de países desenvolvidos, mas também em relação a
diversos países latino-americanos. Além disso, mos-
tra-se bastante desigual quando se comparam seg-
mentos populacionais segundo níveis de renda, raça/
cor, localização regional e situação domiciliar (rural/
urbana).
Apesar de as taxas de expansão da matrícula nes-
se nível do ensino terem sido expressivas a partir
da segunda metade da década de 1990, esse cresci-
mento não foi suficiente para posicionar o país na
linha de frente das nações latino-americanas.
O modelo de expansão da educação superior,
adotado no período 1995-2002, orientado pela via
privada, possui os limites de ordem econômica im-
postos pela decrescente capacidade de consumo da
classe média brasileira.
No Brasil, atualmente, a oferta de vagas tem
crescido além da demanda efetiva, gerando um
elevado nível de ociosidade das vagas ofertadas
pelo conjunto das instituições privadas. Vários
são os fatores que levam boa parte dos estudan-
tes a interromper os estudos após o nível médio.
A necessidade de ingressar no mundo do trabalho
parece ser um dos principais, o qual se torna mais
forte à medida que aumenta a idade de conclusão
da educação básica.
Conforme atestam os dados do Inep/MEC, cer-
ca de 60% dos concluintes do Ensino Médio, em
2004, o fizeram com idade de 20 anos ou mais. Nes-
se sentido, prosseguir nos estudos, para aqueles que
se encontram nessa faixa etária, constitui desafio
por vezes insuperável, sobretudo quando se torna
necessário conciliar atividades laborais cotidianas
com os estudos em cursos noturnos e pagos. Cabe
lembrar que mais da metade dos concluintes do En-
sino Médio frequentava o ensino noturno e, prova-
velmente, essa opção esteja relacionada à necessida-
de de trabalhar no período diurno. Em vista disso,
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182
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
as expectativas de ingresso na educação superior
para os concluintes do Ensino Médio são bastante
reduzidas.
As condições socioeconômicas da maioria dos
que concluem o Ensino Médio, associadas à re-
duzida oferta de vagas pelos sistemas públicos de
educação superior, constituem fatores limitantes
de suas expectativas de acesso à educação superior.
A disputa dessas cobiçadas vagas públicas e gratui-
tas também mostra-se bastante desigual entre os
estudantes que frequentam o Ensino Médio priva-
do e mesmo o público diurno, e aqueles matricu-
lados no ensino público noturno.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Como está organizada a educação no Brasil
em termos de responsabilidade a aplicação de re-
cursos pelas três esferas de governo?
2. De acordo com os dados apresentados e o seu
conhecimento, o analfabetismo ainda é um sério
problema para o Brasil? Justifique.
3. Qual a importância da educação para o de-
senvolvimento das pessoas?
anotaçÕes *
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183
aula 6 — Trabalho e Renda
POLíTICA DE TRABALHO E RENDA NO BRASIL
Como amplamente reconhecido, a Constituição
Federal de 1988 é um marco na história das políticas
sociais brasileiras. Em seu capítulo dedicado aos di-
reitos sociais, promoveu uma mudança formal sem
precedentes na trajetória de construção da ação do
Estado no campo social. Trata-se de uma alteração
qualitativa muito importante em termos da con-
cepção de proteção que vigorava no país até então,
pois inseriu os princípios da seguridade social e da
universalização em áreas consideradas vitais da re-
produção social.
No âmbito próprio às políticas de mercado de
trabalho, destaca-se a instituição do FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador), a partir do qual se pôde
viabilizar financeiramente a construção de um sis-
tema público de emprego, composto de políticas de
transferência temporária de renda (seguro-desem-
prego e abono salarial), prestação de serviços (in-
termediação de mão de obra e qualificação profis-
sional) e concessão de crédito produtivo. Todavia,
apesar dos avanços institucionais nesse campo da
proteção social, constata-se uma baixa eficácia ge-
un
idad
e d
idát
ica
– Po
lític
as s
oci
ais
no
bra
sil
AULA
6trabalHo e renda
Conteúdo■■
Contextualização das políticas de trabalho e renda no Brasil•
Trabalho e renda no novo milênio•
Competências e habilidades■■
Compreensão do contexto e das perspectivas das políticas de trabalho e renda•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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184
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
ral dessas políticas em termos macroeconômicos.
A partir da especificidade mais visível do mercado
de trabalho brasileiro, qual seja, de uma oferta es-
truturalmente abundante de mão de obra, inclusive
durante o ciclo de crescimento acelerado das déca-
das de 1930 a 1980, chegamos a um certo padrão de
estruturação do trabalho no país que se caracteriza
pelos seguintes aspectos:
a) Composição setorial da ocupação: partici-
pação do setor terciário (comércio varejista
e ambulante, serviços pessoais e domésticos
etc.) muito grande na composição setorial da
força de trabalho.
b) Grau de formalização das relações de traba-
lho: concentrado nos setores mais dinâmicos
da economia e no setor público.
c) Nível de emprego: subocupação da força de
trabalho, se utilizado o conceito de desempre-
go que inclui o aberto e o desemprego oculto
decorrente do trabalho precário e do desalento,
ainda que, devido a fatores demográficos, te-
nha se reduzido nos últimos dois anos e apre-
sente perspectivas mais favoráveis no futuro.
d) Qualidade da ocupação: duração das jornadas
de trabalho relativamente elevadas se compa-
radas internacionalmente – ainda que haja evi-
dências de jornadas superiores em países emer-
gentes da Ásia e, especialmente, na China.
e) Nível de remuneração: níveis muito baixos, se
medidos no nível do poder de compra real.
f) Estrutura de rendimentos: dispersão muito
grande entre os rendimentos do trabalho, no-
tadamente entre os chamados salários de base –
formados pela pressão de oferta abundante do
trabalho, normalmente pouco qualificada, nos
segmentos pouco estruturados do mercado – e
os salários formados por pressão da demanda
por trabalho mais qualificado, existentes, em
geral, no interior do chamado segmento estru-
turado do mercado de trabalho, composto, por
sua vez, tanto por empresas privadas de médio
e grande porte quanto pelo próprio Estado.
g) Vários tipos de segmentação ou de discrimi-
nação no mercado de trabalho: espacial (ur-
bano versus rural); de gênero (homem versus
mulher); de cor (branco versus não branco);
por idade (jovem versus idoso); por grau de
instrução (qualificado versus não qualificado)
etc. O fenômeno da reorganização do merca-
do de trabalho no Brasil tem, então, suscitado a
necessidade de se buscar maior articulação das
diversas políticas de emprego e, entre elas, as
políticas macroeconômicas. Também deve ser
vislumbrada a necessidade de aprimoramen-
tos das instituições que regulam o mercado de
trabalho de modo a torná-las mais adaptadas à
nova realidade.
Durante todo o século XX até a década de 1980, o
Brasil apresentou taxas superlativas de crescimento
econômico e elevadas taxas de assalariamento, com
presença marcante da mobilidade social ascendente.
Isso levou a um relativo descuido em relação à in-
corporação social que não passasse pela via do tra-
balho, ou melhor, pela via do emprego assalariado
formal.
Posteriormente, entre o período constituinte e o
início dos anos 1990, já estando o modelo brasileiro
de crescimento econômico em transformação e o
Estado em crise, teve início o desenrolar do proces-
so de constituição de políticas públicas de emprego
e renda, consubstanciadas na formação do chama-
do SPETR (Sistema Público de Trabalho, Emprego
e Renda), tal como já ocorrera na experiência dos
países centrais.
É consenso entre os estudiosos da área que a dé-
cada de 1990 representou uma mudança sem pre-
cedentes na trajetória brasileira de estruturação de
políticas públicas voltadas ao mercado de trabalho.
Contudo, a despeito dos avanços constatados, há
que se reconhecer que os programas pertencentes
ao SPETR brasileiro continuam, em sua maioria,
presos à regulação do setor formal da economia,
que atualmente ocupa menos da metade da PEA no
mercado de trabalho.
Em outras palavras, é preciso atentar para o fato
de que o conjunto de políticas nacionais de em-
prego nasceu e se desenvolveu restrito aos progra-
mas governamentais pertencentes exclusivamente
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185
aula 6 — Trabalho e Renda
ao seu SPETR. Por isso mesmo, os instrumentos
clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte,
compensatórios, atuando principalmente sobre
os condicionantes do lado da oferta do mercado
de trabalho (intermediação e capacitação profis-
sional). Obviamente, essas ações são incapazes de
gerar a abertura de novas vagas, mas podem dotar
o trabalhador de melhores ferramentas na disputa
pelas vagas existentes.
Há, evidentemente, pressões para que o SPETR
assuma o desafio de reorientar seu leque de priori-
dades, no sentido de direcionar o sistema de progra-
mas e recursos para políticas voltadas à dinamização
do mercado de trabalho, ou ainda, ajustar seus pro-
gramas direcionando sua ação e seus recursos para
o conjunto de trabalhadores independentemente de
seu grau de formalização.
O que marcou o período entre 1995 e 2005 foi
o crescimento da desocupação e do desemprego.
Houve um aumento de 5 para 8,3 milhões de pesso-
as economicamente ativas sem ocupação. O merca-
do de trabalho brasileiro, dado o contexto de baixo
crescimento e de baixa geração de emprego durante
a maior parte do período, foi incapaz de absorver
esse contingente adicional de trabalhadores, ocasio-
nando a elevação do desemprego.
É apenas no ano de 2004 que esse quadro se rever-
te, pois, diante de uma taxa mais elevada de cresci-
mento, declinou a taxa de desemprego. Importante
dizer que o crescimento deveu-se em grande medi-
da à incorporação das mulheres à força de traba-
lho: segundo estimativa da PNAD, a PEA feminina
saltou de 28 para 40 milhões de pessoas no período
1995-2005, o que representou um crescimento de
43% (contra 25% da PEA masculina no mesmo pe-
ríodo). Se por um lado isso reflete uma mudança
no padrão cultural dominante, em que grande parte
das mulheres em idade ativa tendia a se dedicar ape-
nas ao trabalho reprodutivo (manutenção da casa,
cuidado dos filhos etc.), por outro, é certo que essa
entrada também foi pressionada pela necessidade
de complementar a renda domiciliar.
Há que se considerar que uma grande parte da
população trabalhadora não está nem empregada
em postos de trabalho registrados nem desempre-
gada, mas exerce uma série de atividades remune-
radas informais. A consequência disso é que parte
dos trabalhadores não possuem as garantias legais
de um emprego assalariado.
Frente a um mercado de trabalho marcado pelo
desemprego elevado, alto patamar de informalidade
e por uma renda média baixa e mal distribuída que
as políticas de emprego, trabalho e renda se organi-
zaram a partir de meados da década de 1990. Nesse
sentido, foi organizada uma estratégia nacional de
emprego, trabalho e renda no país.
Pode-se afirmar que está em construção no país
um Sistema Público de Emprego, Trabalho e Ren-
da, isto é, um conjunto de programas de governo
dirigidos ao mercado de trabalho nacional, tendo
em vista os objetivos de: a) combater os efeitos do
desemprego (por meio de transferências monetá-
rias como as previstas no seguro-desemprego); b)
requalificar a mão de obra e reinseri-la no merca-
do (por meio dos programas de qualificação pro-
fissional e de intermediação de mão de obra); e c)
estimular ou induzir a geração de novos postos de
trabalho por meio da concessão de crédito facilita-
do a empresas e/ou trabalhadores que busquem al-
gum tipo de auto-ocupação ou ocupação associada/
cooperativada.
Dessa forma, está sendo constituído um sistema
integrado de emprego, trabalho e renda, que visa
garantir a proteção monetária temporária contra o
desemprego, a requalificação e a reinserção dos tra-
balhadores no mundo do trabalho.
O mercado de trabalho nacional passou por algu-
mas modificações ao longo do período 1995-2005,
quase todas influenciadas pelo cenário macroeco-
nômico mais geral. Entre 1995 e o fim de 1998, o
desemprego aumentou, bem como a informalidade
das relações de trabalho e a desproteção previden-
ciária.
Entre 1999 e meados de 2003, apesar da política
econômica restritiva, a economia brasileira operou
num contexto de comércio internacional favorá-
vel, o que permitiu uma certa melhora no mercado
de trabalho. O desemprego e a informalidade das
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186
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
relações de trabalho parou de subir e a distribuição
dos rendimentos começou a esboçar uma pequena
melhora, sobretudo depois de 2001.
Por fim, no triênio 2004-2006, a despeito de o
arranjo de política macroeconômica manter-se
praticamente inalterado, a pujança do comércio
exterior, combinada com pequenas reduções de
juros internos, provocou uma reação positiva do
mercado de trabalho. A taxa de desemprego e a in-
formalidade das relações de trabalho diminuíram,
enquanto o nível de remunerações elevou-se ligei-
ramente em 2005, o que contribuiu para reduzir as
desigualdades de renda.
TRABALHO E EMPREGO NO NOVO MILÊNIO
O capitalismo contemporâneo vem, nas últi-
mas décadas, realizando profundas mudanças no
mercado de trabalho. Essas se expressam, princi-
palmente, pela globalização das finanças, pela cres-
cente precarização das relações de trabalho, pelas
taxas elevadas de desemprego, pelo deslocamento
geográfico de organismos produtivos e absorvedo-
res de mão de obra e pela eliminação de postos de
trabalho na indústria e nos serviços.
Entende-se por precarização das relações de tra-
balho a substituição das relações formalizadas de
emprego que, no Brasil, expressam-se em registros
na carteira de trabalho por relações informais de
compra e venda de serviços, que vêm se consti-
tuindo, principalmente, pelas formas de contrata-
ção por tempo limitado, de assalariamento sem re-
gistro, de trabalho a domicílio e outras. (SINGER,
1995).
O trabalho temporário, por tempo determinado
e de meio período, está aumentando sua importân-
cia no índice total de crescimento dos empregos.
Tais tipos de trabalho envolvem, tipicamente, salá-
rios mais baixos, alguns benefícios a menos e menor
segurança do que o emprego mais tradicional. Isso,
por sua vez, está levando a uma polarização da força
de trabalho: trabalhadores de tempo integral com-
parativamente produzem mais resultados, enquan-
to trabalhadores com menos segurança produzem
comparativamente menos.
Desde o início dos anos 1990, o grau de infor-
malidade tem aumentado no mercado de trabalho
brasileiro. Em 24 meses de Plano Real, segundo PAS-
TORE (1997, p. 81), a renda cresceu 33% no setor
formal e 38% no setor informal. O salário médio do
setor formal alcançou R$ 530,00 e, no setor informal,
R$ 480,00. Por causa da carga tributária, a renda lí-
quida mensal nos dois setores, acabou sendo, aproxi-
madamente, a mesma. “Mas precisamos considerar
que, no setor formal, o trabalhador recebe FGTS, 13o
salário e abono de férias”, observa ainda o autor.
Segundo estudos do próprio Ministério do Tra-
balho e Emprego (2000), o índice de trabalhadores
com carteira assinada está em declínio. Cresce, ao
mesmo tempo, de forma exponencial, um segmento
de trabalhadores por conta própria e sem carteira
assinada. O fato é explicado como sendo resultado
de diversos fatores:
1. a ampliação do contingente de trabalhadores
autônomos, decorrente das novas formas de
produção, das relações de trabalho e do pro-
cesso de terceirização;
2. o aumento relativo do emprego no setor de
serviços, gerador tradicional de empregos;
3. o funcionamento dos fatores institucionais
associados ao sistema de seguridade social e à
legislação trabalhista como um incentivo para
que empresas e trabalhadores optem por esta-
belecer relações informais de trabalho.
Segundo dados do Cadastro Geral de Emprega-
dos (CAGED), do Ministério do Trabalho e Empre-
go (MTE), no setor formal do mercado de trabalho,
onde estão os trabalhadores protegidos por contra-
tos de trabalho e pelos estatutos públicos, foram eli-
minados cerca de 2,56 milhões de empregos, entre
janeiro de 1990 e dezembro de 2000. A geração de
emprego no setor formal tem tido uma tendência
declinante a partir de 1990, explicada, em grande
parte, pela queda do emprego industrial. Entre 1990
e 2000, o emprego formal declinou 8,4%.
Nesse contexto, até 1998, a taxa de desemprego
no Brasil permaneceu em torno de 5,5%, um nível
considerado baixo para os padrões internacionais.
Mais recentemente, ocorreu uma elevação na taxa
BookUniderp63_ServSocial.indb 186 11/16/09 1:46:11 PM
187
aula 6 — Trabalho e Renda
que, entre janeiro e junho de 1999, passou para
7,8%, em termos médios (MTE, 2000). Em 2000, se-
gundo dados do IBGE, a média do ano ficou em tor-
no de 7,6%. Estudos sobre a questão do mercado de
trabalho evidenciam que, nos últimos anos, ocorreu
um aumento no perfil educacional da mão de obra.
Entre 1994 e o início de 2000, a proporção de ocu-
pados com nível de escolaridade entre 0 e 4 anos de
estudo caiu de 37% para 29% (queda de 8%), en-
quanto a parcela de trabalhadores com mais de nove
anos de estudo se elevou de cerca de 36% para 44%
(aumento de idênticos 8%) (MTE, 2000).
Se, por um lado, a elevação do nível de qualifi-
cação da mão de obra reflete a melhoria do perfil
educacional da população na sua totalidade, por
outro, isso se deve à demanda maior por parte das
empresas de trabalhadores mais escolarizados. En-
tre 1992 e 1998, segundo o Ministério do Trabalho e
Emprego, houve um corte de 2,44 milhões de vagas
no Brasil, das quais 755 mil no período pós-Real.
Entre os meses de março e maio de 1998, ocorreu
um aumento expressivo de 406 mil novos empre-
gos. Esse número não foi suficiente para compensar
as perdas de cerca de 560 mil empregos, ocorridas
entre novembro de 1999 e fevereiro de 2000.
Qualquer trabalhador pode ler as estatísticas e
reportagens publicadas pela imprensa diariamente
e verificar que, nas últimas décadas, em todo o mun-
do, o nível de produtividade está crescendo enquan-
to decrescem os índices de emprego. As notícias do
front industrial revelam, com otimismo, o aumen-
to do índice de produtividade que, no entanto, não
gera empregos nem reverte em benefício da melho-
ria ou elevação do padrão salarial dos trabalhadores.
Ao contrário, os níveis salariais dos trabalhadores
estão decaindo, assim como aumenta a exclusão dos
trabalhadores do mercado formal de trabalho. Des-
sa maneira, o que aparece é que não há evidência, a
curto prazo, de indicativos de mudança na trajetória
de recuperação do mercado de trabalho.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Comente o texto destacado a seguir: “Contudo,
a despeito dos avanços constatados, há que se reco-
nhecer que os programas pertencentes ao Sistema
Público de Emprego Trabalho e Renda brasileiro
continuam, em sua maioria, presos à regulação do
setor formal da economia, que atualmente ocupa
menos da metade da PEA no mercado de trabalho”.
2. Analise e disserte sobre a questão do trabalho
informal frente às políticas de trabalho e renda.
3. Diante do texto apresentado e do seu conheci-
mento descreva algumas sugestões de medidas/pro-
gramas que poderiam ser implementadas através do
SPETR.
anotaçÕes *
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188
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
A palavra cidadania deriva de cidadão que vem
do latim civitas, que quer dizer cidade. Tem o seu
correspondente grego na palavra politikos – aque-
le que habita na cidade. Na Grécia antiga, cidada-
nia era o direito da pessoa participar em decisões
nos destinos da cidade. A palavra cidadania foi
usada na Roma antiga para indicar a situação po-
lítica e os direitos que uma pessoa tinha ou podia
exercer.
A cidadania em algumas cidades medievais do
século XII em diante só foi possível devido ao de-
senvolvimento (ainda incipiente) da atividade in-
dustrial e à relevância que era dada às obrigações
militares, consideradas importantes para a sobrevi-
vência de todos e conformando, de certa forma, a
identidade dos cidadãos.
Em 1789, ocorreu na França um movimento re-
volucionário, que ficou para a história com o nome
de Revolução Francesa e cujo lema era – liberdade,
igualdade e fraternidade. Esse movimento foi muito
importante porque influiu para que grande parte do
mundo adotasse o novo modelo de sociedade, criado
em consequência da Revolução. Foi nesse momento
e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção
de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação
de privilégios mas que, pouco depois, foi utilizada
un
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AULA
7direitos Humanos e cidadania
Conteúdo■■
Conceitos de cidadania e direitos humanos•
Direitos humanos e cidadania no Brasil•
Serviço Social e direitos humanos•
Competências e habilidades■■
Compreensão e reflexão dos conceitos de cidadania e direitos humanos e a importância do •
profissional de serviço social nesse contexto
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
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189
aula 7 — Direitos Humanos e Cidadania
exatamente para garantir a superioridade de novos
privilegiados.
Com o desenvolvimento do liberalismo inicia-se
uma profunda mudança no significado de cidadania,
surgindo a noção de igualdade entre indivíduos.
Posteriormente à Revolução Francesa foram
sendo assumidos o direito dos indivíduos à vida
e à liberdade. No entanto, só a partir da primeira
metade do século XX é que se foram consolidan-
do importantes conquistas femininas, como o di-
reito ao voto.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo in-
teiro chocado com o genocídio e as barbaridades co-
metidas, sentiu a necessidade de algo que impedisse
a repetição destes fatos. Organizados e incentivados
pela ONU, 148 nações reuniram-se e redigiram a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
representa um enorme progresso na defesa dos Di-
reitos Humanos, Direitos dos Povos e das Nações.
A Declaração Universal de 1948 deu um salto his-
tórico, ao considerar como direitos humanos, inde-
pendentemente da origem nacional dos indivíduos,
tanto os antigos direitos civis e políticos, como os di-
reitos econômicos, sociais e culturais, enriquecendo
extraordinariamente o conceito. Desde então, mais
de cem novos tratados e declarações internacionais
vêm, não só detalhando esse conjunto unificado de
direitos, como também acrescentaram a eles o que
vem sendo conhecido como “direitos coletivos e di-
fusos da humanidade”, tais como o direito ao meio
ambiente sadio e equilibrado, direito à paz, direito
ao desenvolvimento social etc.
Segundo Fernandes (2002), os direitos de cidada-
nia e os direitos humanos têm uma zona comum que
diz respeito aos direitos públicos consagrados por
um determinado ordenamento jurídico, concreto e
específico (direito à instrução e educação, o direi-
to à proteção contra situações de velhice, invalidez,
doença, maternidade, desemprego e vários outros,
como alimentação, saúde e a habitação). Já alguns
dos direitos humanos (direito à vida, direito a não
ser submetido à tortura, direito a não ser escraviza-
do etc.) referem-se à pessoa humana como fonte de
todos os valores sociais, numa perspectiva universal.
Os direitos humanos abrangem todos os seres
humanos sem nenhuma distinção. As crianças têm
direitos humanos, os deficientes mentais têm di-
reitos humanos, aqueles que não são amplamente
cidadãos pela constituição, como os presos, os imi-
grantes ilegais, continuam tendo direitos humanos
fundamentais, no entanto, não têm direito de cida-
dão, mas todos têm garantidos os direitos humanos
fundamentais. A cidadania expressa um conjunto
de direitos que dá à pessoa a possibilidade de parti-
cipar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Não surge do nada como um toque de mágica, é
necessário que o cidadão participe, seja ativo, faça
valer os seus direitos.
A cidadania e direitos humanos estão intima-
mente ligados, os seus conteúdos interpenetram-se:
a cidadania não é materializada sem a realização dos
Direitos Humanos, da mesma forma que os Direitos
Humanos não se concretizam sem o exercício da ci-
dadania (Fernandes, 2002).
A história tem inalteradamente demonstrado
que só a luta social permite o avanço dos direitos
humanos e dos direitos de cidadania. O processo de
construção da cidadania é antigo e nunca se com-
pleta. Enquanto seres inacabados que somos, sem-
pre estaremos procurando, descobrindo, criando e
tomando consciência mais ampla dos direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais. Nun-
ca poderemos entregar a tarefa pronta, pois novos
desafios na vida social surgirão, procurando novas
conquistas e, portanto, mais cidadania.
No Brasil, além das imensas desigualdades que
excluem grande parte dos cidadãos do usufruto
dos benefícios do desenvolvimento, ainda acontece
a violação de direitos fundamentais. Nesse sentido,
uma política de direitos humanos e cidadania é mui-
to importante e tem um enorme papel a cumprir.
A conscientização da sociedade para a defesa des-
ses direitos é fundamental. Em especial, dela depen-
de os esforços para a superação do preconceito, da
discriminação e da violência que acometem grupos
específicos da população como: mulheres, afrodes-
cendentes, indígenas, crianças e adolescentes, ido-
sos, pessoas com deficiência e Grupos LGBT. Tam-
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190
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
bém aqueles que, por força das circunstâncias, estão
sujeitos ao arbítrio do Estado (detentos do sistema
penitenciário, internos do sistema socioeducativo,
os trabalhadores submetidos a condições análogas
à escravidão, os pacientes psiquiátricos e até mesmo
os defensores de direitos humanos.
É preciso reconhecer que houve grande avanço
na construção do arcabouço normativo e do apa-
rato político-institucional que garantem os direitos
fundamentais de cidadania no país e que zelam pe-
los grupos sociais mais vulneráveis. Impulsionados
pelos compromissos firmados na Constituição Fe-
deral e pela adesão do país a vários instrumentos
internacionais de proteção aos direitos humanos a
partir do início da década de 1990, muitos foram os
avanços observados entre 1995 e 2005.
Todas essas iniciativas têm significativos apoio e
sustentação no Programa Nacional de Direitos Hu-
manos (PNDH), lançado em 1996 e ampliado em
2002. Sua elaboração seguiu as recomendações da
Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocor-
rida em Viena, em 1993, e resultou de extenso de-
bate e ampla articulação entre a sociedade civil e o
poder público.
O PNDH atende a princípios como da universa-
lidade dos direitos humanos, incorporando, além
das metas relacionadas à garantia do direito à vida,
à segurança, à liberdade de opinião e expressão, à
igualdade, à justiça, à educação para a cidadania e à
inserção do país nos sistemas internacionais de pro-
teção aos direitos humanos, também ações voltadas
para a garantia do direito à educação, à saúde, à pre-
vidência e à assistência social, ao trabalho, à mora-
dia, a um meio ambiente saudável, à alimentação, à
cultura e ao lazer.
É importante considerar que a participação so-
cial tem sido fundamental na constante ampliação
dos temas incluídos na pauta brasileira dos direitos
humanos e da cidadania. Essa participação social
ocorre especialmente por meio da representação
nos conselhos de direitos e da atuação nas confe-
rências nacionais. O contato regular entre represen-
tantes governamentais e da sociedade civil propicia-
do pelos conselhos, além de garantir a participação
social na elaboração, gestão e controle das políticas
públicas, cumpre a importante função de debater os
anseios e demandas da sociedade.
Por sua vez, as conferências nacionais na área
dos direitos humanos constituem grandes espaços
de “revisão da política”. São precedidas de encontros
municipais e estaduais e congregam representantes
dos movimentos sociais organizados de todo o país.
A participação social tem sido importante para o
aperfeiçoamento dessa política, no entanto, muitas
dessas conquistas ainda não se tornaram realida-
de para grande parte da população brasileira. Isto
acontece basicamente por três razões:
Primeiro, porque faltam informação e instru-•
mentos suficientes para permitir que os cida-
dãos exijam o cumprimento desses direitos
nas suas relações cotidianas, como, por exem-
plo, acionando juridicamente o poder público
quando as normas e políticas se mostrarem in-
satisfatórias.
Segundo, porque a concretização desses direi-•
tos depende do seu desdobramento em políti-
cas públicas e da implementação de uma série
de serviços aos cidadãos e isso demanda um
volume considerável de recursos (físicos, hu-
manos e financeiros).
Em terceiro lugar, cabe mencionar que muitos •
dos princípios e normas legais, particularmen-
te no que se refere aos direitos de grupos so-
ciais específicos encontram resistência que vão
desde o preconceito até a pressão de grupos
conservadores alheios à cultura e aos valores
humanistas.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que esses são
os principais desafios colocados para a política de
direitos humanos e cidadania atualmente.
SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
O fato de a atividade dos profissionais de Serviço
Social se centrar nas necessidades humanas reforça
a sua convicção, de que a natureza dessas necessida-
des exige que sejam satisfeitas, não por uma ques-
tão de opção, mas como um imperativo de justiça
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191
aula 7 — Direitos Humanos e Cidadania
imPortante !
social. Assim, o Serviço Social caminha com o ob-
jetivo de considerar os Direitos Humanos como
um dos princípios mais importantes de sua prática
profissional. Trabalhando no âmbito de diferentes
sistemas políticos, os profissionais de Serviço Social
garantem e defendem os direitos individuais ou co-
letivos dos indivíduos, ao mesmo tempo que tentam
satisfazer as suas respectivas necessidades.
O Serviço Social preocupa-se com a proteção das
diferenças individuais e de grupo sendo uma ativi-
dade de mediação interpessoal, que exige consci-
ência dos valores e sólidos conhecimentos de base,
nomeadamente na área dos Direitos Humanos, que
lhes possam servir de orientação nas múltiplas situ-
ações de conflito que surgem na prática.
A visão do respectivo trabalho a partir de uma
perspectiva global de Direitos Humanos auxilia os
profissionais, conferindo-lhes um sentido de unida-
de e solidariedade, sem perder de vista as perspecti-
vas, condições e necessidades locais, que constituem
o quadro de atuação destes profissionais.
Professores e trabalhadores de Serviço Social pre-
cisam estar conscientes de que as suas preocupações
se relacionam intimamente com o respeito pelos
Direitos Humanos. Precisam aceitar a premissa de
que os Direitos Humanos e liberdades fundamen-
tais são indivisíveis, e que a plena realização dos di-
reitos civis e políticos não é possível sem o gozo dos
direitos econômicos, sociais e culturais. E também
acreditar que um progresso duradouro na realiza-
ção dos Direitos Humanos depende de políticas de
desenvolvimento econômico e social eficazes, a ní-
vel nacional e internacional. O conhecimento dire-
to das condições de vida dos setores vulneráveis da
sociedade faz com que professores e trabalhadores
de Serviço Social sejam de grande importância na
formulação de políticas sociais.
Os Direitos Humanos são inseparáveis da teoria,
valores e práticas do Serviço Social. Direitos cor-
respondentes às necessidades humanas têm de ser
garantidos e promovidos, e se tornam a justificativa
e motivação da ação do Serviço Social. A defesa de
tais direitos deverá, assim, fazer parte integrante do
Serviço Social, mesmo quando tal defesa possa ter
consequências graves para os profissionais de Ser-
viço Social.
A política de direitos humanos e cidadania
visa garantir, mas também defender e promo-
ver os direitos humanos no Brasil. Essa polí-
tica deve estabelecer um conjunto articulado
de ações, instituições e instrumentos capazes
de produzir condições favoráveis e amplas
para a promoção dos direitos humanos, na
efetivação do compromisso político com a
justiça e a cidadania.
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Comente a importância da Declaração dos Di-
reitos Humanos no contexto dos Direitos Humanos.
2. Qual a importância da participação popular na
questão dos direitos humanos no Brasil e como ela
ocorre?
3. Como as atividades do profissional de serviço
social se relacionam com os direitos humanos?
anotaçÕes *
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192
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
Humanismo: o período do Humanismo ini-
cia-se no século XV com a ideia renascentista da
dignidade do homem como centro do Universo,
prossegue nos séculos XVI e XVII com o estudo do
homem como agente moral, político e técnico-ar-
tístico, destinado a dominar e controlar a Natureza
e a sociedade, chegando ao século XVIII, quando
surge a ideia de civilização, isto é, do homem como
razão que se aperfeiçoa e progride temporalmente
através das instituições sociais e políticas e do de-
senvolvimento das artes, das técnicas e dos ofícios.
O Humanismo não separa homem e Natureza,
mas considera o homem um ser natural diferen-
te dos demais, manifestando essa diferença como
ser racional e livre agente ético, político, técnico e
artístico.
Famílias monoparentais: Constituídas por
mulheres (e, em muito menor escala, por ho-
mens), responsáveis únicos pela família, com seus
filhos.
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AULA
8FamÍlia, redes e PolÍticas PÚblicas
Conteúdo■■
Conceitos e caracterizações de famílias•
Redes e políticas públicas•
Competências e habilidades■■
Compreender o conceito de família na perspectiva da realidade contemporânea•
Caracterizar as mudanças na estrutura e também nas funções da família•
Analisar o significado da retomada da família e das redes sociais como referência das políti-•
cas públicas no Brasil
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
saiba mais +
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193
aula 8 — Família, Redes e Políticas Públicas
CONCEITOS E CARACTERIZAÇÕES DE fAMíLIAS
Segundo Donati & Di Nicola, (1996 apud SERA-
PIONE, 2005):
A família tem de ser compreendida como: a) in-
tercâmbio simbólico entre gêneros e gerações; b)
mediação entre cultura e natureza; c) mediação en-
tre esfera privada e esfera pública. Nesse sentido, a
família deve ser entendida seja como relação inter-
subjetiva do mundo da vida, seja como instituição.
O Humanismo cristão sempre reconheceu o pa-
pel primordial da família na (pro)criação e na for-
mação de seres humanos prontos a entrar em re-
lações sociais saudáveis e construtivas. É conferido
um papel central à família em tudo o que diz res-
peito às necessidades e às exigências da formação
humana em uma sociedade, cabendo às instâncias
superiores e, em última análise, ao Estado apenas
auxiliar (ou subsidiar) naquilo que a família tem
dificuldade em prover a seus membros. (ACOSTA;
VITALE, 2003).
Nas últimas décadas, houve significativas mu-
danças seja na estrutura e funções da família, seja
na dinâmica interna da vida familiar. Essas mudan-
ças, porém, têm implicações, também, na provisão
de cuidado informal.
Do ponto de vista das funções, a família perde
a sua estrutura multifuncional (unidade de produ-
ção e consumo, detentora de mecanismos de trans-
missão cultural de valores e normas, de integração
social de seus membros, de socialização primária e
secundária das novas gerações, de controle da pro-
priedade) que, tradicionalmente, assumia e que,
agora, é assumida por outras agências, como a esco-
la, a fábrica, o mercado, os meios de comunicação, a
Igreja etc. Na sociedade moderna, a família tende a
se reduzir sempre mais à família nuclear, mantendo
um número limitado de funções, entre as quais: a
estabilização do equilíbrio da personalidade adulta
e a socialização primária dos novos nascidos. Trata-
se, porém, de duas funções, que, embora residuais,
são muito importantes, já que somente a família
pode desempenhar. Por isso, ainda se considera im-
portante o papel da família na sociedade moderna
e contemporânea (DONATI & DI NICOLA, 1996
apud SERAPIONE, 2005).
Conforme consta na Política Nacional de Assis-
tência Social/PNAS e no Sistema Único de Assis-
tência Social – SUAS (2004), as novas configurações
dos espaços públicos, em termos dos direitos sociais
assegurados pelo Estado democrático de um lado e,
por outro, dos constrangimentos provenientes da
crise econômica e do mundo do trabalho, deter-
minaram transformações fundamentais na esfera
privada, dando novas formas de composição e do
papel das famílias. Assim, considerando a realida-
de brasileira atual e a óbvia carência de vários fa-
tores importantes para a realização humana, pode-
se esperar que a situação do núcleo familiar esteja
também marcada por precariedade na consecução
de recursos indispensáveis, falta de condições para
exercício de suas principais funções e para efetiva-
ção dos projetos de vida de seus membros.
Considera-se ainda, que a crise do Estado de
Bem-Estar Social tem contribuído para a redesco-
berta da família, das redes primárias e da comuni-
dade como atores fundamentais na efetivação das
políticas sociais. A família é cada vez mais objeto
de atenção das instituições governamentais e dos
cientistas sociais pela grande quantidade de ativi-
dades de proteção, ajuda e cuidado que ela desen-
volve (SERAPIONI, 2005).
Como reconhecem Acosta; Vitale (2003):
A família tem sido percebida como base estratégi-
ca para a condução de políticas públicas, especial-
mente aquelas voltadas para o combate à pobreza,
entretanto, a família, sobretudo aquela pertencen-
te aos extratos mais pobres da população, não é
uma entidade estática. Ao contrário, são intensas
e nem sempre claramente delineadas as transfor-
mações pelas quais a mesma passa.
Ainda de acordo com a PNAS e SUAS (2004), a
família, independentemente dos formatos ou mo-
delos que assume é mediadora das relações entre
os sujeitos e a coletividade, delimitando, continua-
mente os deslocamentos entre o público e o priva-
do, bem como geradora de modalidades comuni-
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194
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
tárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar
que ela se caracteriza como um espaço contradi-
tório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é
marcada por conflitos e geralmente, também, por
desigualdades, além de que nas sociedades capita-
listas a família é fundamental no âmbito da prote-
ção social.
Em segundo lugar, é preponderante retomar
que as novas feições da família estão intrínsecas e
dialeticamente condicionadas às transformações
societárias contemporâneas, ou seja, às transfor-
mações econômicas e sociais, de hábitos e costu-
mes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo
cenário tem remetido à discussão do que seja a fa-
mília, uma vez que as três dimensões clássicas de
sua definição (sexualidade, procriação e convivên-
cia) já não têm o mesmo grau de imbricamento
que se acreditava antes. Nesta perspectiva, pode-se
dizer que se está diante de uma família quando um
conjunto de pessoas se acha unidas por laços con-
sanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade. Como
resultado das modificações acima mencionadas,
superou-se a referência de tempo e de lugar para a
compreensão do conceito de família.
O reconhecimento da importância da família
no contexto da vida social está explícito no arti-
go 226, da Constituição Federal do Brasil, quando
declara que a “família, base da sociedade, tem es-
pecial proteção do Estado”, endossando, assim, o
artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos,
que traduz a família como sendo o núcleo natural
e fundamental da sociedade, e com direito à pro-
teção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reco-
nhecimento se reafirma nas legislações específicas
da Assistência Social – Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, além da
Política Nacional de Assistência Social/PNAS e no
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, entre
outras.
Embora haja o reconhecimento explícito sobre
a importância da família na vida social e, portan-
to, merecedora da proteção do Estado, tal proteção
tem sido cada vez mais discutida, na medida em
que a realidade tem dado sinais cada vez mais evi-
dentes de processos de penalização e desproteção
das famílias brasileiras.
REDES E POLíTICAS PÚBLICAS
A valorização das redes sociais e da família é
quase contemporânea ao surgimento da crise eco-
nômica e fiscal dos Estados de Bem-Estar. Nesse
contexto, ressurge também a família e a comunida-
de. Essa convergência tem, de fato, levado a reco-
nhece o papel das redes sociais e, no geral, do cha-
mado terceiro setor como importantes atores para
satisfazer as necessidades sociais. Obviamente, essa
posição pode assumir diferentes significados: 1)
pode ser entendida como uma resposta à crise eco-
nômica e fiscal do Estado de Bem-Estar valorizan-
do o trabalho da família e das redes sociais primá-
rias; 2) pode ser entendida como uma resposta às
novas necessidades e demandas relacionadas mais
à qualidade de vida, que à segurança material. Nes-
se sentido, a valorização de cuidado informal e de
redes sociais poderia representar uma maior preo-
cupação do Estado com os aspectos relacionais, de
humanização e de personalização das intervenções
sociais. Se isso acontecesse, estaríamos diante de
um processo de transição que nos levaria em dire-
ção a uma sociedade de serviços, ou seja, estaría-
mos diante de uma enorme mudança socioeconô-
mica e cultural: a passagem de um Estado de Bem-
Estar a uma Sociedade de Bem-Estar (DONATI &
DE NICOLA, 1996, apud SERAPIONE, 2005).
No contexto do Brasil, a retomada da família
e das redes sociais como referência das políticas
públicas é justificada, também, como a estratégia
mais adequada ao lado das intervenções sociais
tradicionais (saúde, educação, habitação, renda
etc.) para desenvolver programas sociais efetivos
para enfrentar a pobreza (SERAPIONE, 2005 apud
DRAIBE, 1998).
De qualquer forma, a valorização da família e das
redes sociais, no contexto da crise do Welfare State,
reflete certa consciência do esgotamento da opção
pelo indivíduo como eixo das políticas e dos pro-
gramas sociais. Hoje em dia, em níveis internacio-
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195
aula 8 — Família, Redes e Políticas Públicas
nal e nacional, há um consenso sobre a importância
de retomar a família como unidade de atenção das
políticas públicas; ainda, desenvolver redes de apoio
e de envolvimento das famílias e comunidades; e
mais, realizar uma melhor integração entre famí-
lias, serviços públicos e iniciativa do setor informal
(SERAPIONE, 2005).
Atualmente, há várias propostas de políticas so-
ciais baseadas na concepção de cuidado comunitá-
rio, que objetivam corresponsabilizar a comunidade
em relação aos problemas sociais e de saúde. Uma
das estratégias é o Programa de Saúde da Família,
que visa oferecer serviços de atenção básica às fa-
mílias e às comunidades. Observa-se, porém, uma
profunda transformação na organização da família,
na sua composição e estrutura e sua função.
Por reconhecer as fortes pressões que os pro-
cessos de exclusão sociocultural geram sobre as
famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e
contradições, faz-se primordial sua centralidade no
âmbito das ações da política de assistência social,
como espaço privilegiado e insubstituível de prote-
ção e socialização primárias, provedora de cuidados
aos seus membros, mas que precisa também ser cui-
dada e protegida.
Nesse contexto, a matricialidade sociofamiliar
passa a ter papel de destaque no âmbito da Políti-
ca Nacional de Assistência Social – PNAS. Para a
proteção social de Assistência Social o princípio de
matricialidade sociofamiliar significa que: a família
é o núcleo social básico de acolhida, convívio, au-
tonomia, sustentabilidade e protagonismo social; a
defesa do direito à convivência familiar, na proteção
de Assistência Social, supera o conceito de família
como unidade econômica, mera referência de cál-
culo de rendimento per capita e a entende como
núcleo afetivo, vinculado por laços consanguíneos,
de aliança ou afinidade, que circunscrevem obriga-
ções recíprocas e mútuas, organizadas em torno de
relações de geração e de gênero; a família deve ser
apoiada e ter acesso a condições para responder ao
seu papel no sustento, na guarda e na educação de
suas crianças e adolescentes, bem como na proteção
de seus idosos e portadores de deficiência; o forta-
lecimento de possibilidades de convívio, educação e
proteção social, na própria família, não restringe as
responsabilidades públicas de proteção social para
com os indivíduos e a sociedade.
Esta ênfase está ancorada na premissa de que a
centralidade da família e a superação da focalização,
no âmbito da política de Assistência Social, repou-
sam no pressuposto de que para a família prevenir,
proteger, promover e incluir seus membros é ne-
cessário, em primeiro lugar, garantir condições de
sustentabilidade para tal. Nesse sentido, a formula-
ção da política de Assistência Social é pautada nas
necessidades das famílias, seus membros e dos in-
divíduos. Essa proposta direciona-se ao reconheci-
mento da realidade que temos hoje através de estu-
dos e análises das mais diferentes áreas e tendências.
Pesquisas sobre população e condições de vida nos
informam que as transformações ocorridas na so-
ciedade contemporânea, relacionadas à ordem eco-
nômica, à organização do trabalho, à revolução na
área da reprodução humana, à mudança de valores
e à liberalização dos hábitos e dos costumes, bem
como ao fortalecimento da lógica individualista em
termos societários, redundaram em mudanças radi-
cais na organização das famílias.
Uma das mudanças que se pode observar é o
enxugamento dos grupos familiares (famílias me-
nores), uma variedade de arranjos familiares (mo-
noparentais, reconstituídas), além dos processos de
empobrecimento acelerado e da desterritorialização
das famílias gerada pelos movimentos migratórios.
Essas transformações, que envolvem aspectos
positivos e negativos, desencadearam um processo
de fragilização dos vínculos familiares e comuni-
tários e tornaram as famílias mais vulneráveis. A
vulnerabilidade da pobreza está relacionada aos
fatores da conjuntura econômica e das qualifica-
ções específicas dos indivíduos, mas também às ti-
pologias ou arranjos familiares e aos ciclos de vida
das famílias. Portanto, as condições de vida de cada
indivíduo dependem menos de sua situação especí-
fica que daquela que caracteriza sua família. No en-
tanto, percebe-se que na sociedade brasileira, devi-
do às desigualdades características de sua estrutura
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196
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
social, o grau de vulnerabilidade vem aumentando
e com isso aumenta também a exigência das famí-
lias para desenvolverem complexas estratégias de
relações entre seus membros para sobreviverem.
Assim, essa perspectiva de análise, reforça a
importância da política de Assistência Social no
conjunto de proteção da Seguridade Social, como
direito de cidadania, articulada à lógica da univer-
salidade. Além disso, a diversidade sociocultural
das famílias, na medida em que estas são organi-
zadas por hierarquias rígidas e por uma solidarie-
dade paternalista que redundam em desigualdades
e opressões. Neste sentido, a política de Assistência
Social desempenha papel fundamental no processo
de emancipação destas, enquanto sujeito coletivo.
Existe proposta mais ampla do estabelecido na le-
gislação, no sentido de reconhecer que a concessão
de benefícios está condicionada à impossibilidade
não só do beneficiário em prover sua manutenção,
mas também de sua família.
Dentro do princípio da universalidade, portan-
to, objetiva-se a manutenção e a extensão de direi-
tos, em sintonia com as demandas e necessidades
particulares expressas pelas famílias. Nessa ótica, a
centralidade da família com vistas à superação da
focalização, tanto relacionada a situações de risco
como a de segmentos, sustenta-se a partir da pers-
pectiva postulada. Ou seja, a centralidade da famí-
lia é garantida à medida que na Assistência Social,
com base em indicadores das necessidades fami-
liares, se desenvolva uma política de cunho uni-
versalista, que em conjunto com as transferências
de renda em patamares aceitáveis se desenvolva,
prioritariamente, em redes socioassistenciais que
suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que
valorizem a convivência familiar e comunitária.
De acordo com a NOB – SUAS, “a rede socio-
assistencial é um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade que ofertam e
operam benefícios, serviços, programas e projetos,
o que supõe a articulação dentre todas estas unida-
des de provisão de proteção social sob a hierarquia
de básica e especial e ainda por níveis de complexi-
dade” (NOB/2005).
Além disso, a Assistência Social, enquanto po-
lítica pública que compõe o tripé da Seguridade
Social, e considerando as características da popu-
lação atendida por ela, deve fundamentalmente
inserir-se na articulação intersetorial com outras
políticas sociais, particularmente, as públicas de
Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Ha-
bitação, entre outras, para que as ações não sejam
fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade
dos serviços para todas as famílias e indivíduos.
A efetivação da política de Assistência Social,
caracterizada pela complexidade e contraditorie-
dade que cerca as relações intrafamiliares e as re-
lações da família com outras esferas da sociedade,
especialmente o Estado, colocam desafios tanto
em relação à sua proposição e formulação quanto
à sua execução.
Os serviços, programas, projetos de atenção às fa-
mílias e indivíduos poderão ser executados em par-
ceria com as entidades não governamentais de assis-
tência social, integrando a rede socioassistencial.
Incidem sobre famílias/pessoas nos diferen-
tes ciclos da vida (crianças, adolescentes), jovens,
(adultos e idosos); pessoas com redução da capa-
cidade pessoal, com deficiência ou em abandono;
crianças e adultos, vítimas de formas de exploração,
de violência e de ameaças; vítimas de preconceito
por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apar-
tação social que lhes impossibilite sua autonomia e
integridade, fragilizando sua existência; especial às
mulheres chefes de família e seus filhos.
Concluindo ■
Chega-se à conclusão de que é preciso investir re-
cursos, sob a forma de pesquisas, reflexões e ações que
possibilitem que as famílias se reconstruam e respon-
dam à sua vocação primordial de serem os “ninhos”
em que se gera e nutre uma sociedade de pessoas li-
vres, educadas e voltadas para o bem comum.
Considerando a profunda transformação na orga-
nização da família, na sua composição e estrutura e
sua função, o desenvolvimento de uma política mais
efetiva nessa área deve promover um processo de edu-
cação continuada dos profissionais, aprofundando
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197
aula 8 — Família, Redes e Políticas Públicas
sua formação quanto à abordagem familiar e comu-
nitária. Os planejadores de políticas sociais dispõem
de várias possibilidades para introduzir novas e criati-
vas iniciativas em nível de comunidade, que oferecem
a oportunidade de valorizar o papel do cuidado in-
formal, em particular o cuidado subministrado pelo
parentesco, e para integrá-lo às atividades realizadas
pelos serviços institucionais (SERAPIONI, 2005).
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Analise o conceito de família na perspectiva da
realidade contemporânea.
2. Caracterize as mudanças na estrutura e tam-
bém nas funções da família.
3. Comente o significado da retomada da família
e das redes sociais como referência das políticas pú-
blicas no Brasil.
4. Para o desenvolvimento de uma política mais
efetiva nessa área, o que deve ser feito, conside-
rando a profunda transformação na organização
da família, na sua composição e estrutura e na sua
função?
anotaçÕes *
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198
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
Barbárie: A barbárie se opõe ao humanismo, ou
seja, é um ato considerado ‘desumano’ porque não
respeita os fundamentais valores conquistados no
campo da ética, do direito, da ciência, da democracia
pluralista e da própria organização social. No século
XX, o termo ‘barbárie’ sofreu uma virada de sentido
com as pesquisas antropológicas que reconheceram
as demais culturas humanas não brancas
também eram dotadas de organização social ra-
cional, tinham valores e preceitos morais próprios;
portanto, eram civilizadas. A globalização econômi-
un
idad
e d
idát
ica
– Po
lític
as s
oci
ais
no
bra
sil
AULA
9dimensÕes do trabalHo do assistente
social nas PolÍticas sociais
Conteúdo■■
Metodologia da intervenção do assistente social no campo das políticas sociais•
Formas de inserção sócio-institucional do assistente social•
Espaços emergentes do Serviço Social•
Competências e habilidades■■
Compreender a metodologia da intervenção do assistente social no campo das políticas •
sociais
Caracterizar as diversas formas de inserção sócio-institucional do assistente social que vai •
desde a ponta da rede de serviços sociais, execução, até o gerenciamento de políticas sociais,
organizações sociais
Compreender e descrever a dimensão econômico-politica e também um conjunto de pro-•
cedimentos técnico-operativo das políticas sociais
Analisar os espaços emergentes do Serviço Social•
Material para autoestudo■■
Verificar no Portal os textos e as atividades disponíveis na galeria da unidade
Duração■■
2 h-a – via satélite com professor interativo
2 h-a – presenciais com professor local
6 h-a – mínimo sugerido para autoestudo
saiba mais +
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199
aula 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais
ca, embora fazendo uso de instrumentos da civiliza-
ção, termina causando efeitos bárbaros de exclusão
social, de competição insana entre nações, grupos e
pessoas, aumento da criminalidade etc.
monitoramento: É uma atividade contínua, ge-
rencial, que visa aferir o controle de entrega de in-
sumos, conforme as metas e o calendário, tendo em
vista a garantia da eficiência do programa.
avaliação de processo: Avaliação centrada no
desenvolvimento do programa, tendo em vista afe-
rir sua eficácia e efetuar correções durante a imple-
mentação.
avaliação de impactos: Avaliação centrada nas
mudanças qualitativas e quantitativas do programa,
tendo como critério a efetividade e como suposição
a existência de relação entre variáveis.
indicadores sociais: parâmetros qualificados e/
ou quantificados, que servem para detalhar em que
medida os objetivos de um projeto foram alcan-
çados, dentro de um prazo delimitado de tempo e
numa localidade especifica.
A aula Dimensões do trabalho do assistente so-
cial nas políticas sociais, trata de demonstrar a di-
versidade de formas de intervenção do assistente
social no campo das políticas sociais, e de analisar
a dimensão econômica e política e também os pro-
cedimentos técnico-operativos das políticas sociais
cuja atuação profissional exige dois campos: o de
formulação e implantação destas mesmas políticas
sociais. Por fim, apresenta um elenco de espaços
emergentes de possibilidades concretas de atuação
do Assistente Social.
Para iniciar essa conversa é necessário o enten-
dimento de que o Serviço Social é hoje totalmente
articulado à ordem social capitalista brasileira.
Coube ao Estado viabilizar salários indiretos por
meio das políticas sociais públicas, operando uma
rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte
da renda monetária da população para o consumo
de massa e consequente dinamização da produção.
Devido a complexidade da questão social, o Esta-
do fragmenta e as recorta em questões sociais a se-
rem atendidas pelas políticas sociais. Quais os vín-
culos entre as políticas sociais e o Serviço Social?
O referencial teórico e metodológico é extraído
das ciências humanas e sociais através de conheci-
mentos nas áreas de: Administração, Ciência Políti-
ca, Sociologia, Psicologia, Economia etc. E a profis-
são tem produzido também, através de pesquisa
e de sua intervenção, conhecimentos sobre o que
constituem as questões sociais e estratégias capazes
de orientar e instrumentalizar a ação profissional.
A partir desse entendimento, Pontes (p. 43,
2000), demonstra alguns aspectos que possibilita-
rão a compreensão metodológica da intervenção do
assistente social no campo das políticas sociais:
O profissional de Serviço Social precisa estar
equipado político-teórico e tecnicamente para en-
frentar a complexidade que sua intervenção exige:
Além de conhecer a realidade em toda a sua com-
plexidade, criar meios para transformá-la em dire-
ção a um projeto sócio-profissional. O que desafia
o profissional a, cotidianamente, enfrentar a rea-
lidade complexa das organizações sociais em que
atuam.
O melhor conhecimento da realidade, reorien-
tando a intervenção profissional, é uma efetiva for-
ma de resistência e de luta contra a barbárie, que
também fortalece a emancipação humana.
O assistente social possui ampla diversidade de
formas de inserção sócio-institucional que vai des-
de a ponta da rede de serviços sociais, execução, até
o gerenciamento de políticas sociais, organizações
sociais (OG, ONG s e Empresariais).
Atualmente exige-se um perfil profissional
qualificado no âmbito da execução e também na
formulação e gestão de políticas sociais, públicas
e empresariais que apresente propostas inovado-
ras, com sólida formação ética, que acesse os di-
reitos sociais dos usuários e dos meios de exercê-lo
e com conhecimentos suficientes para transmi-
tir informações, permanentemente atualizadas
(IAMAMOTO, 2000).
A pesquisa e o conhecimento da realidade são
premissas para a organização e o desenvolvimento
do processo de intervenção do Serviço Social. Assim,
pressupondo a investigação detalhada sobre a reali-
dade social para a construção de diagnóstico e indi-
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200
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
cadores sociais para a caracterização da população
alvo, com a clara definição dos recursos e priorida-
des, dentre outros aspectos.
Para a formulação de Políticas Sociais é necessá-
rio estabelecer negociação e participação popular
buscando acatar as soberanas deliberações da so-
ciedade civil. Assim, os usuários da política social
em questão devem participar de todas as etapas:
Eleição de prioridades; critérios de atendimento;
dinâmica do serviço; gestão e administração dos
programas.
O termo, gestão, envolve detalhadas recomenda-
ções técnicas, pois vem da área da Administração.
Além das noções de eficiência, eficácia e efetivida-
de; as funções gerenciais: planejamento, organiza-
ção, direção e controle; os níveis organizacionais:
estratégico,tático e operacional (PAIVA, 2000).
Segundo Guerra (2000), as políticas sociais além
da dimensão econômico-política constituem-se
também num conjunto de procedimentos técnico –
operativos, em que os profissionais devem atuar em
dois campos: o de sua formulação e de sua implan-
tação, sendo assim, nesse mercado de trabalho, o
assistente social passa a desempenhar determinados
papéis. Dessa forma, a lógica da intencionalidade é
mediada pela lógica da institucionalização, a qual o
profissional está submetido.
As políticas produzem e obedecem a uma dinâmi-
ca que reflete no trabalho do assistente social: Visão
de totalidade das políticas sociais, expressão de arti-
culação econômica, cultural, social, política, psico-
lógica na sua estrutura cognitiva, submetendo-os a
uma intervenção microscópica, nas singularidades.
Exige-se do profissional a adoção de procedimen-
tos instrumentais, de manipulação de variáveis.
Qual o significado sócio-histórico da instrumen-
talidade como condição de possibilidade do Serviço
Social resgatar a natureza e a configuração das polí-
ticas sociais que, como espaço de intervenção profis-
sional, atribuem determinadas formas, conteúdos e
dinâmicas ao exercício profissional.
Instrumentalidade não significa apenas o con-
junto de instrumentos e técnicas com respostas ma-
nipulatórias, fragmentadas, imediatistas, isoladas,
individuais tratadas na aparência. Implicam inter-
venções que emanem de escolhas, que passem pela
razão crítica e vontade dos sujeitos no campo de
valores universais (éticos, morais e políticos), ações
conectadas a projetos profissionais com referenciais
teóricos e princípios ético-políticos.
Entretanto, nos anos 1990, vimos antigos meca-
nismos de proteção social serem colocados em prá-
tica contraditoriamente: Políticas residuais casuais
e seletivas em pobreza extrema para amenizar os
impactos das novas condições sociais (desemprego
estrutural, aumento da pobreza e da exclusão social,
precarização do trabalho etc.) colocando em xeque
os próprios direitos sociais (requer um profissio-
nal não mais executor terminal de políticas sociais,
mas um profissional qualificado na execução, gestão
e formulação de políticas sociais públicas, crítico e
propositivo.
Atualmente com algumas mudanças no cenário
brasileiro cujo contexto social, econômico e político
na busca da democratização da sociedade, descentra-
lização do poder do Estado e da participação social
de novos sujeitos e movimentos sociais em direção à
construção de políticas públicas provocaram a uni-
versalização dos serviços sociais, a descentralização
participativa, redirecionamento das funções sócio-
institucionais, colocando para o Serviço Social não
apenas a execução de políticas sociais, mas uma base
organizacional situada na função gerencial, seja das
próprias políticas, seja de seus serviços ou de pessoas
nas organizações públicas, privadas e não governa-
mentais.
As Políticas Sociais são formas de intervenção na
realidade social, condicionadas por recursos para
darem respostas institucionalizadas à situações pro-
blemáticas, materializadas por programas, projetos
e serviços.
Para formular e implementar políticas sociais é
preciso dominar múltiplos saberes; legislações sociais
vigentes e atualizações permanentes; compreensão
da conjuntura e das relações de poder e conhecimen-
to das estratégias de planejamento e administração;
construção de diagnósticos sociais e de indicadores
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201
aula 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais
para subsidiar as ações e monitoramento, avaliação e
prestação de contas regulares (PAIVA, 2000).
Assim, constituem funções profissionais:
execução e avaliação das políticas e programas •
sociais;
processos de formulação e gestão de pesquisas.•
De acordo com SILVA (2000) são quatro, os mo-
mentos de intervenção:
constituição do problema ou da agenda gover-•
namental;
formulação de alternativas de políticas e diag-•
nóstico;
adoção da política;•
implementação ou exercício de Programas So-•
ciais.
Avaliação é uma etapa fundamental e exigência
para financiamento e para realimentar programas,
apesar de que no Brasil a avaliação é utilizada mais
para controle de gastos.
Ainda, segundo Silva (2000), os modelos de ava-
liação são vários, dentre os quais se destacam:
monitoramento que é o segmento ou acom-•
panhamento continuado, gerencial para
aferir controle da entrega de insumos, con-
forme as metas para garantir eficiência dos
programas;
avaliação política que significa juízo de valor a •
partir de critérios e princípios políticos funda-
mentais;
avaliação do processo que é centrada no desen-•
volvimento do programa para aferir sua eficá-
cia e correções no processo;
avaliação de impactos que é centrada nas mu-•
danças quantitativas e qualitativas.
É necessário considerar que a gestão pública pas-
sa por diversos princípios, quais sejam:
caráter público e de interesses de todos, trans-•
parência nas decisões/informações/recursos;
caráter democrático e de fortalecimento das •
Organizações Populares;
caráter ético e de responsabilidade com crité-•
rios e equidade;
caráter de eficiência com competência e avalia-•
ções periódicas;
compromisso com o desenvolvimento econô-•
mico, político e cultural.
O processo das políticas sociais é identificado por
um conjunto de momentos, assim expressos:
constituição do problema ou da agenda gover-•
namental, dependendo do problema e da força
de mobilização da sociedade, assumir visibili-
dade e transformar-se em questão social que
mereça a atenção por parte do poder público
pode vir a se transformar em política;
formulação de alternativas de política é o diag-•
nóstico sobre o problema e alternativas para
seu enfrentamento;
adoção da política com o apoio do Poder Le-•
gislativo;
implementação e execução de programas so-•
ciais, fase de execução de serviços pra o cum-
primento de objetivos e metas pré-estabeleci-
das com vistas a obter resultados.
ESPAÇOS EMERGENTES NO SERVIÇO SOCIAL
A atualidade aponta para espaços emergentes no
Serviço Social, como:
orçamento participativo;•
conselhos de políticas e de direitos;•
reestruturação produtiva e novas demandas or-•
ganizacionais do serviço social;
desenvolvimento sustentável e meio ambiente;•
filantropia empresarial e entidades da socieda-•
de civil;
cuidados dirigidos à família e segmentos vul-•
neráveis.
O orçamento participativo caracteriza-se pelo es-
tabelecimento de critérios de aplicação de recursos
que implica definição de prioridades. Conselhos de
políticas e de direitos são considerados espaços for-
mais de participação social, institucionalmente re-
conhecidos com competências definidas em estatu-
to legal, com o objetivo de realizar o controle social
das políticas publicas setoriais ou de defesa
BookUniderp63_ServSocial.indb 201 11/16/09 1:46:12 PM
202
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
de direitos de segmentos específicos. Nesse es-
paço, o assistente social compõe os conselhos de
políticas e de defesa de direitos, como gestor, tra-
balhador, prestador de serviço, pesquisador/asses-
sor e também como usuário.
No processo de reestruturação produtiva e das novas
demandas organizacionais do serviço social, existem
várias áreas: implantação de programas de qualidade
total, treinamento e desenvolvimento pessoal, balanço
social como indicador de responsabilidade social.
O desenvolvimento sustentável e meio ambiente
que depois do surgimento das tecnologias limpas e de-
senvolvimento e meio ambiente deixaram de ser con-
sideradas antagônicas podendo ser complementares.
A filantropia empresarial e entidades da socie-
dade civil que demonstra que a responsabilidade
social é fundamental quando a empresa participa
diretamente das ações comunitárias na região em
que está presente e tenta minorar possíveis danos
ambientas decorrentes do tipo de atividade que
exerce. A preservação do meio ambiente deve ser
uma ação obrigatória para todas as empresas.
No espaço de família e segmentos sociais vulne-
ráveis, em que o Assistente Social, segundo Mioto
(2000) não deverá atuar com de forma fragmentada
e isolada. Perceber que o modo de organização das
famílias é diverso e modifica-se continuadamen-
te, para atender as exigências que lhe são impostas
pela sociedade. Esta situação é condicionada pela
organização econômica e social mas também pela
existência de valores culturais e de normas contra-
ditórias (MIOTO, 2000).
O fato do Assistente Social não atuar com famílias,
de forma fragmentada, não exclui, entretanto, cuida-
dos dirigidos a seus membros, enquanto indivíduos,
principalmente quando se trata de crianças, adoles-
centes, mulheres, idosos, porque quanto mais uma
família é vulnerabilizada mais seus membros estarão
expostos a situações d exclusão e desproteção.
O trabalho do Assistente Social nessa área, por-
tanto deverá ser integrado em três níveis: da pro-
posição, articulação e avaliação de políticas sociais;
da organização e articulação de serviços e da inter-
venção em situações familiares.
Para concluir a temática que envolve a prática
profissional do Assistente Social em sua relação
com as políticas sociais enfatiza-se que sua postu-
ra sempre deverá ser de uma prática voltada para
a viabilização dos direitos da população usuária,
na perspectiva da consolidação das conquistas so-
ciais e dos termos legais constitucionais (PAIVA,
2000).
Atividades■■
Leia o texto desta aula e desenvolva as seguintes
atividades:
1. Qual o perfil profissional exigido do Assistente
Social na execução das políticas sociais para enfren-
tar a complexidade deste tipo de intervenção?
2. Por que os usuários das políticas sociais devem
participar de todas as etapas do processo de implan-
tação das políticas sociais? Quais são as etapas?
3. As políticas sociais possuem a dimensão eco-
nômico-política mas também um conjunto de pro-
cedimentos técnico-operativo. Comente.
4. Analise os espaços emergentes do Serviço Social.
Referências■■
Básicas
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Paulo: Editora Agir, 1991.
HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo
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BARBOSA, C. F. et al. Políticas Sociais no Brasil. In:
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BookUniderp63_ServSocial.indb 202 11/16/09 1:46:12 PM
203
aula 9 — Dimensões do Trabalho do Assistente Social nas Políticas Sociais
utilizadas pelo professor
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE Maria Amália Faller
(org.). Família: redes, laços e políticas públicas. São
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BOSCHETTI, Ivanete Salete. Previdência e Assis-
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DE SAÚDE DA COMUNIDADE. Saúde da Famí-
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anotaçÕes *
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205
Unidade Didática – Políticas Sociais no Brasil
laboratório de PrÁticas integradoras
205
Caro(a) acadêmico(a),
A unidade didática Seminário Integrado visa a
articulação das unidades existentes no módulo e a
percepção da aplicação prática dos conteúdos mi-
nistrados.
Por meio da interdependência adquirida com as
unidades didáticas deste Seminário, o futuro pro-
fissional será capaz de articular a teoria, adquirida
no ensino superior, com a prática exigida no coti-
diano da profissão. Para tanto, é necessário o enten-
dimento de que os conteúdos, de cada Unidade Di-
dática, permitirão um estudo integrado, formando
um profissional completo e compromissado com o
mercado de trabalho.
Ao desenvolver esta unidade, você deverá aplicar
todos os conhecimentos adquiridos no decorrer do
módulo, elaborando uma atividade.
A atividade referente ao Seminário Integrado está
disponibilizada no Portal da Interativa.
Bom trabalho!
Professores Interativos do Módulo
Fundamentos Políticos do Serviço Social
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