-
4A embalagem
4.1 Conceitos e usos
A embalagem é um recipiente que tem a função de conter, proteger,
conservar, movimentar e apresentar produtos, e que apresenta características
tecnológicas e estéticas específicas. Suas características tecnológicas dizem
respeito às propriedades físicas, como a forma de produção e os diversos materiais
envolvidos na fabricação (plásticos, vidros, metais e papeis, dentre outros), que
demandam uma cadeia de investimentos em matéria-prima, equipamentos,
tecnologias de impressão, envase, acondicionamento e logística. As características
estéticas estão ligadas diretamente às embalagens que irão apresentar os produtos
no ponto de venda, transformando-a em vitrine do negócio, e se referem à forma e
aos elementos visuais que a compõem, ambos responsáveis por sua comunicação
visual.
Mestriner (2001:11) considera a embalagem “um componente fundamental
dos produtos de consumo, sendo considerado parte integrante e indissociável de
seu conteúdo”, e destaca que, além de cumprir com as funções de armazenagem,
proteção, transporte e exposição, uma embalagem deve ainda chamar a atenção e
transmitir informações básicas, para que seja possível compreender o que está
sendo oferecido, ressaltar os atributos complementares, e agregar valor ao
produto. Haug (1997:75) complementa, ressaltando que a embalagem não pode
ser pensada “apenas como proteção contra os perigos do transporte, mas como o
verdadeiro rosto a ser visto pelo comprador potencial, antes do corpo da
mercadoria, e que a envolve”.
Muitos produtos têm a embalagem como símbolo, como por exemplo o
perfume e o extintor de fogo, na maior parte da categoria de produtos o conjunto
de embalagens se estrutura através de uma linguagem visual própria, são
características específicas tanto no que diz respeito ao formato e aos materiais,
como também em relação aos padrões cromáticos. A padronização visual surgiu
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
44
como uma necessidade, no início da história da embalagem, e funciona como
estratégia até os dias de hoje.
As primeiras embalagens eram identificadas exclusivamente por sua forma, umavez que não existiam recursos técnicos para a inclusão de imagens ou códigosvisuais mais elaborados. A forma de ânfora ou do jarro indicava se o conteúdo eravinho ou azeite. (Mestriner 2001:14)
A primeira matéria prima usada em larga escala na produção de embalagens
foi o vidro, sua possibilidade de se transformar em utensílios de diversos formatos
foi descoberta por artesão sírios, por volta do primeiro século depois de Cristo1.
No Brasil, até 1945, poucos produtos eram comercializados pré-acondicionados,
pois quase todos os produtos de primeira necessidade eram vendidos a granel,
pesados no balcão e embrulhados em papel tipo manilha ou embalados em sacos
de papel. Na indústria de alimentos já eram vendidos embalados: o café torrado e
moído, o açúcar refinado, o extrato de tomate, o leite em garrafa, o óleo de
semente de algodão e o vinagre, e, além dos alimentos, produtos como o cigarro, a
cerveja, a cera para assoalho, a creolina, os inseticidas líquidos e os produtos de
perfumaria. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que o processo de
industrialização impulsionou a demanda por embalagens.
Além dos aspectos físicos, os aspectos visuais fazem da embalagem um
meio de comunicação visual, âmbito da atividade do design gráfico, definido por
Villas Boas (2003:11,26) como área do conhecimento e prática profissional “cujo
objeto é a elaboração de projetos para reprodução por meio gráfico de peças
expressamente comunicacionais”, além disso, ressaltado como peça de design
gráfico que tem uma função subjetiva junto ao usuário “que a contextualiza
historicamente como fruto de uma prática e objeto de uma disciplina específica e a
distingue do design informacional e das práticas estritamente estéticas”. Esse
caráter simbólico é condicionado à sociedade industrial, pois um produto, para ser
considerado resultado da atividade do design gráfico, precisa ter um valor de
troca, mesmo que seja de troca simbólica.
1Disponível em http://www.abre.org.br/index_cch.htm, acesso em 07 out. 2004.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
45
4.2 Componentes visuais
As informações contidas na embalagem são elaboradas visualmente por
meio de uma combinação de elementos, que deve possibilitar a conversão de uma
idéia em mensagem, gerando assim a comunicação. É através da interface, isto é,
da parte do objeto que entra em contato com o olhar do observador, que a
interação acontece. Alguns fatores podem facilitar ou dificultar essa comunicação,
como a adequação da tipografia à situação de leitura, o contraste entre figura e
fundo, e as cores utilizadas. Portanto, para que um objeto chegue a ser percebido
pelo usuário, precisa antes apresentar eficiência na transmissão das informações
entre o meio de comunicação visual e o indivíduo, atendendo a requisitos
ergonômicos essenciais para que a informação esteja acessível.
A Ergonomia trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades,
limites e outras características do desempenho humano, que se relacionam com o
projeto de interfaces entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como
prática, a Ergonomia compreende a aplicação de tecnologia da interface homem-
sistema a projetos ou modificações de sistemas para aumentar a segurança,
conforto e eficiência desse sistema e da qualidade de vida (Moraes,
Mont´Alvão:1998).
Os componentes gráficos de uma embalagem podem ser estruturados com
elementos verbais e não-verbais. Quando o usuário lê e compreende a mensagem
que o elemento verbal se propõe a transmitir, é possível afirmar que sua função foi
cumprida, e para tanto alguns critérios foram seguidos. Inicialmente o elemento
verbal deve atender a requisitos de usabilidade, “determinados por três critérios
ergonômicos: legibilidade, leiturabilidade (readability) e pregnância” (Niemeyer,
2003:70), a legibilidade trata das letras que constituem o texto e suas
características, como tamanho, desenho e espaçamento, além do contraste entre
letra e fundo. A leiturabilidade se relaciona diretamente com a legibilidade, e está
ligada ao tamanho da frase ou texto, à quantidade de texto e à forma como este é
distribuído na composição. A pregnância refere-se à capacidade de destaque do
texto verbal em relação ao entorno, tal destaque pode se dar por meio de variações
de tamanho, inclinação ou cor contrastante.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
46
4.3 Advertências
Uma advertência é definida por Mont’Alvão (2000:10-17) como a
“informação sobre uma possível conseqüência negativa – uma mensagem de que
algo indesejável pode ocorrer a alguém ou a algo como resultado ou falha de uma
determinada ação”. Trata-se então de um alerta a respeito de uma situação de
risco, definida como “um conjunto de circunstâncias que têm o potencial de
causar ou contribuir em uma injúria ou morte” (Sanders & McCornick apud
Mont’Alvão 1993:13).
O usuário, ao se deparar com uma advertência, precisa, inicialmente,
interpretá-la e assimilar que se trata do alerta de uma conseqüência negativa de
uma ação. Mont´Alvão (2000) apresenta um modelo para aferir a eficácia de uma
advertência, com base na psicologia cognitiva, que estabelece o processo mental
em seqüência de estágios e, em cima desses estágios, define que a advertência
deve: capturar a atenção (ser notada), apresentar informações de forma clara a fim
de que seja compreendida, considerar a persuasão como um componente (através
de mensagens de acordo com as atitudes e crenças do público alvo) e motivar o
usuário a seguir (obedecer) a mensagem.
Wogalter et. al. (2000) consideram como funcional uma advertência
elaborada a partir dos seguintes elementos: sinal textual para atrair a atenção
(como “cuidado” ou “perigo”); identificação e descrição específica e completa do
perigo; explicação das conseqüências da exposição ao perigo, pois advertências
mais explícitas estão associadas a um maior grau de percepção do risco; e
diretrizes para evitá-lo. Atman at. al. (1994) ressaltam que o conteúdo de uma
comunicação de risco deve ser específico o suficiente para gerar a tomada de
decisão, isto é, não devem ser nem tão gerais a ponto de não levar a decisões
concretas e nem tão detalhadas a ponto de ofuscar a mensagem com informações
muito técnicas.
Wogalter et. al. (2000) defendem ainda a utilização de pictogramas nas
advertências, pois estes aumentam a percepção do alerta e facilitam a
compreensão da mensagem, consideram também que as pessoas estão mais
propícias a reparar as advertências quando utilizam um produto pela primeira vez
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
47
do que quando já o conhecem ou se acostumaram com ele, por isso indicam a
renovação permanente das advertências como estratégia a ser utilizada.
Leonard e Karnes (1999) destacam que as informações contidas em um
aviso podem ser suplementadas tanto por experiências anteriores do indivíduo
quanto pelas circunstâncias ambientais em que o aviso é apresentado. Para os
autores uma variedade de comportamentos pode ser alterada com base em outros
comportamentos, pois observar alguém desobedecer a uma advertência pode levar
o indivíduo a presumir que o perigo não oferece grandes conseqüências. Atman at.
al. (1994) afirmam que as crenças das pessoas afetam a maneira como elas
interpretam e usam qualquer informação, e Slovic (1987) confirma que a
percepção e a aceitação do risco estão ligadas a fatores sociais e culturais, pois a
resposta ao perigo é mediada pela influência social de amigos, família, colegas de
trabalho e até mesmo autoridades, e são a partir dessas referências que as pessoas
agem, dando pouca importância a alguns riscos e enfatizando outros. Slovic
(1987) destaca ainda que o significado de “risco” é diferente para pessoas
diferentes, e que a aceitabilidade do risco de uma atividade é proporcional aos
benefícios que ela oferece.
Leonard e Karnes (1999) concordam que alguns avisos são ignorados por
suas conseqüências não terem sido consideradas sérias o bastante. Em alguns
casos as conseqüências apontadas nas advertências podem ser subestimadas por
fatores que levam os usuários a atenuar a percepção de risco, um desses fatores é a
observação de indivíduos que têm a percepção do risco reduzida sensivelmente
por terem desobedecido a advertência e não terem sido punidos, outro fator está
ligado às situações de perigo em que os usuários se envolvem espontaneamente,
isto é, são situações “voluntárias”, e justamente por isso são consideradas
“controláveis”.
4.4 A embalagem de cigarro
A resolução n.º 104, que trata dos produtos derivados do tabaco, define
embalagem como “maços, carteiras ou box, pacotes, latas, caixas e qualquer outro
dispositivo para acondicionamento dos produtos que vise o mercado consumidor
final1”.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
48
As principais embalagens para o produto se dividem entre box e maço, e
independente do modelo, acondicionam 20 cigarros. Para efeito de estudo as áreas
externas das embalagens de cigarro foram nomeadas como face maior, laterais e
faces superior e inferior, esta definição se aplica tanto às embalagens box quanto
aos maços, e todas seguem o mesmo padrão de distribuição dos elementos.
Figura 4. Faces superior e inferior, laterais e faces maiores da embalagem de cigarro.
As faces, superior e inferior, são destinadas ao logotipo do produto. Uma
das laterais traz o selo fiscal, o nome do fabricante, a quantidade de cigarros por
embalagem, a descrição do produto, os ingredientes básicos, os níveis de alcatrão,
nicotina e monóxido de carbono, e o código de barras. A outra lateral apresentou
um padrão gráfico para cada uma das fases da campanha, na primeira trazia a
quantidade de cigarros, em caixa alta o alerta “Produto para maiores de 18 anos”,
e os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, com a seguinte
informação: "Não existem níveis seguros para consumo destas substâncias”,
impressos em caixa alta na cor branca sobre um retângulo preto, que ocupava 2/3
do comprimento e toda a extensão da largura da lateral. Na segunda fase da
campanha passou a trazer o seguinte alerta em caixa alta: “Venda proibida a
menores de 18 anos – lei 8069/1990 e lei 10.702/2003” e proibiu o uso das frases
“somente para adultos” e “produtos para maiores de 18 anos”, além disso a frase
impressa no box preto foi alterada para "Este produto contem mais de 4.700
substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não
existem níveis seguros para consumo destas substâncias". O uso da cor preta ficou
explícito, pois na primeira fase da campanha foram utilizadas outras cores, escuras
porém diferentes do preto, tanto nos retângulos laterais como na face maior da
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
49
embalagem, portanto a lei passou a determinar o uso da impressão em 100% preto
para o caso da policromia tradicional, a utilização do cinza escuro conforme
Escala PantoneTM 419 CV, ou ainda outra composição que possa reproduzir a cor
preta, com o objetivo de manter as características visuais da advertência.
Uma das faces maiores da embalagem é dedicada ao fabricante, que a utiliza
para a identificação da marca do produto ou como meio de divulgação e
construção (ou reforço) da imagem da marca. A outra face é dedicada à campanha
do Ministério da Saúde, que ocupa sua área total. Considerando o alerta como um
todo, a área destinada ao texto ocupa 1/3 do total, enquanto os 2/3 restantes são
ocupados pela imagem. Além disso, um selo padrão que traz o telefone do serviço
“Disque Pare de Fumar” é veiculado em todos os alertas sempre sobre as fotos,
conforme figura 5:
Figura 5. Destaque dos elementos do alerta.
O espaço do alerta textual é delimitado por um retângulo e corresponde a
1/3 da área total, nele o texto é prescindido da chamada “O Ministério da Saúde
adverte” e impresso em caixa alta na cor branca. Os alertas são padronizados e
disponibilizados para as indústrias pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária). O tamanho do tipo varia de acordo com o tamanho de cada frase, para
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
50
que seja ajustado no espaço pré-definido. O tipo utilizado é o Univers, que
segundo Niemeyer (2003:49), se encaixa na classificação da Association
Typographique Internationale, conhecida como Classificação Tipográfica
Vox/ATypI, como um tipo linear (tipos sem serifa) neogrotesco (menor contraste
entre as hastes do que os tipos grotescos), e que apresenta um “desenho
cuidadoso, com forte preocupação com a legibilidade tanto para corpos grandes
quanto para pequenos”.
Figura 6. Relação dos dezenove alertas textuais.
Ainda segundo os conceitos de Niemeyer (2003:70-74), o excelente
contraste entre letra e fundo, e a fácil identificação dos caracteres, tanto
individualmente como no texto, conferem legibilidade aos alertas. A
leiturabilidade é garantida pelo adequado espacejamento entre os caracteres e das
margens e espaçamento entre as linhas. Quanto à pregnância, uma prioridade em
mensagens de advertência, os alertas textuais também são considerados eficientes,
pois se destacam do entorno, ainda que este seja composto por uma imagem que
ocupa um espaço físico maior que o do texto. É possível afirmar então que o texto
verbal das advertências cumpre os requisitos visuais necessários, a fim de que
possa ser efetivado o processo de comunicação.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
51
Na primeira fase da campanha, apesar de a lei ter definido a cor preta para
os retângulos nos quais seriam impressos os alertas textuais, alguns fabricantes
utilizaram cores similares às de seus logotipos. Mont’Alvão (2000:25), sobre o
uso das cores em advertências, destaca que “em geral, cores como amarelo e
laranja indicam um risco menor do que o preto”.
A cor é um quali-signo extremamente importante na construção da
identidade visual das marcas, portanto é fundamental na sua leitura e
identificação, dessa forma a utilização da cor do símbolo dos produtos no fundo
dos alertas do Ministério da Saúde incorporou tais alertas ao projeto gráfico da
embalagem (ver figura 7), o que poderia sugerir que a campanha era uma
iniciativa da própria marca. A determinação legal da cor preta, reforçada pela
definição de seus padrões gráficos na segunda fase da campanha, estabeleceu
definitivamente o corte entre os alertas do governo e a identidade visual dos
produtos.
Figura 7. Modelo de embalagens da marca Malboro que utilizaram a cor idêntica à do logotiponos retângulos destinados aos alertas.
O restante da área dessa face da embalagem, 2/3 do total, é destinado à
imagem, e sobre as imagens é divulgado o logotipo e o telefone do serviço
“Disque Pare de Fumar”, disponibilizados pela Anvisa em dois padrões para
aplicação em fundos de cores claras ou escuras (figura 8). O selo é composto pelo
texto “Disque Pare de Fumar”, o telefone “0800 703 7033” e o símbolo do
serviço. O símbolo é construído através do desenho do cigarro, quali-signo
icônico que representa o produto; o desenho do fone, que é ao mesmo tempo ícone
de telefone e índice de ligação telefônica, transmite a mensagem “ligue”, é ainda
índice do alerta simbólico “não fume”, pois ocupa a função do traço que corta
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
52
círculo vermelho, representando “proibido”. O símbolo com a representação do
alerta “não fume” é coerente com o objetivo final da campanha, e o serviço
oferecido pelo Governo, mesmo que em detalhe, representa um passo a mais na
campanha que, ao invés de dizer somente “o cigarro é prejudicial à saúde”, passa
a dizer também “nós podemos te ajudar a parar de fumar”.
Figura 8. Selos do serviço “Disque Pare de Fumar”.
Menos de dois meses após o início da campanha nas embalagens de cigarro,
a marca Free, fabricada pela Souza Cruz, passou a fornecer, nas próprias
embalagens, um cartão com informações sobre mudanças nas mesmas, com o
tamanho certo para encobrir a frase e a imagem de advertência quando colocado
entre o invólucro plástico e a caixa. Apesar de o fabricante não ter indicado este
uso para o cartão, foi o que muitos fumantes fizeram. No caso do box do produto
Free Slims, o cartão trazia de um lado a foto de um jovem tirando a camisa
acompanhada da chamada "Free mudou de roupa", e do outro detalhes sobre o
design mais moderno da caixa: "É a sua garantia de que Free mudou de roupa,
mas seu cigarro continua o mesmo". No maço comum do cigarro (figura 9), o
cartão trazia a chamada “puxe aqui” no canto inferior direito, era destacável e
possuía lay out exatamente igual ao da própria embalagem, seu formato permitia o
encaixe perfeito sobre as imagens da campanha antitabagista.
Figura 9. Maço de cigarros da marca Free fechado, com o adesivo destacável, e com o adesivodestacado e encaixado sobre a imagem.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
53
A resolução da Anvisa definiu como proibido "o uso de qualquer tipo de
invólucro ou dispositivo que impeça ou dificulte a visualização das advertências,
das imagens, bem como do logotipo e do número do serviço Disque Pare de
Fumar", porém não ficava claro se a proibição se aplicava ao caso, pois o
fabricante apenas forneceu o cartão, a atitude de usá-lo como um dispositivo para
dificultar a visualização dos alertas partiu dos usuários do produto. Na segunda
fase da campanha o parágrafo que tratava do assunto foi alterado, e a proibição
passou a recair sobre “qualquer tipo de invólucro ou dispositivo que impeça ou
dificulte a visualização da imagem padrão, ou de recursos, tais como cartões ou
adesivos, que possam ser utilizados pelo consumidor para encobrir a imagem, nas
embalagens dos produtos mencionados nesta Resolução”.
4.5 Fume
O conhecido “mundo de Malboro” começou a ser construído na década de
60, apresentando à classe trabalhadora da época um caubói que cavalgava
imponente por um cenário selvagem, representando um produto que quebrava
padrões. A publicidade trabalha com o emocional do consumidor, é sempre
positiva, bem-humorada, otimista, feliz e lúdica, dentre seus aspectos
fundamentais estão o prazer e o sucesso. As campanhas buscam a divulgação de
determinado produto, ou serviço, ressaltando algo além dos aspectos positivos e
dos benefícios trazidos por eles, como prometia o maravilhoso mundo de Malboro
que oferecendo o selvagem, a aventura e o perfeito, associava liberdade ao ato de
fumar.
O vocábulo “publicidade” é usado por muitos como sinônimo de
“propaganda”, porém alguns autores discordam, e explicam suas diferenças:
Publicidade deriva de público (do latim publicus) e designa a qualidade do que épúblico, significa o ato de tornar público um fato, uma idéia. Propaganda é definidacomo a propagação de princípios e teorias. Foi traduzida pelo Papa Clemente VII,em 1957, quando fundou a Congregação da Propaganda, com o fito de propagar afé católica pelo mundo. (Santana, 1998: 75)
Essa diferença de significado é considerada nesse estudo, que trata a
publicidade em relação à divulgação de um produto ou serviço, visando sua
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
54
compra ou uso pelos consumidores, e a propaganda como a divulgação de uma
idéia, seja de caráter político, religioso e ideológico. Portanto, de um lado da
embalagem está a publicidade, e do outro a propaganda.
Por muito tempo a publicidade foi um dos sustentáculos do fumo, porém
com as restrições impostas à divulgação do produto, a indústria tabagista passou a
ter a embalagem do cigarro como uma ferramenta estratégica de marketing e
comunicação. Em 2002, como forma de reação tanto às limitações da publicidade
quanto à ocupação de uma das faces da embalagem pela campanha do Ministério
da Saúde, a Philip Morris lançou uma série especial, e com imagens representando
o velho oeste trazia o mundo de Malboro para as embalagens. Na mesma época a
Souza Cruz lançou uma coleção especial para a marca Calton, que também
traduzia o conceito da marca estampado nas embalagens do produto2.
Figura 10. Modelo de duas séries especiais de embalagens, das marcas Malboro e Calton.
As embalagens “temáticas”, e portanto colecionáveis, se apresentam como
um forte recurso à indústria tabagista. Baudrillard (2002:94) define um objeto de
coleção como aquele que “não é mais especificado por sua função, é qualificado
pelo indivíduo: uma abstração apaixonada”, e defende seu forte apelo de vendas,
pois “um apenas não basta: trata-se sempre de uma sucessão de objetos, num grau
extremo, de uma série total que constitui seu projeto realizado”. Além disso, com
a proibição das outras formas de divulgação, o espaço destinado à venda do
produto nos pontos de venda também passou a ser fortemente explorado.
2 Este trabalho reconhece a questão da sedução, do consumo e do extenso material simbólico queeste lado da embalagem oferece à análise, e ressalta que, justamente por isso, não irá se ocupardele, concentrando o estudo no outro lado da embalagem.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
55
Em 2003 a Souza Cruz, por meio de uma campanha desenvolvida para a
marca Free, divulgou, tanto através dos cartazes de ponto de venda como de
cartões distribuídos nas embalagens, as seguintes sugestões: “Divirta-se em
excesso. Fume com moderação", "Crie em excesso. Fume com moderação" e
"Relaxe em excesso. Fume com moderação", seguido do slogan “Uma questão de
ser Free”. No verso dos cartões distribuídos junto ao produto, o seguinte texto:
"Aproveite em excesso. Fume com moderação. Ninguém tem o direito de fazersuas escolhas por você. É isso que chamam de liberdade, o ideal mais importantena vida de qualquer um. Free sempre acreditou nisso, respeitando os mais diversosestilos, opiniões, atitudes. Cada um na sua. Então seja livre para fazer o quiser:cante, ame, dance, crie, apaixone-se, sonhe, aproveite tudo em excesso. E se vocêdecidiu fumar, por que não com moderação? A decisão é sua. Só não deixe de serquem você é, seja quem for".
Figura 11. Peça de divulgação da campanha da marca Free. Ano: 2003.
A campanha foi retirada de circulação e rendeu um processo
administrativo movido pela Anvisa3, que alegou associação do produto com
propriedades calmantes e estimulantes, e contestou a possibilidade de alguém
fumar “com moderação”, pois, como é divulgado na própria embalagem, não
existem níveis seguros para o consumo das substâncias que compõem o cigarro.
Outra estratégia adotada pelos fabricantes foi a ampliação da linha de
produtos e o investimento em itens de valor agregado, como a Souza Cruz, que
em 2004 lançou Carlton Flavours nas versões mint, crema e capuccino, o
Hollywood nas versões caribbean menthol, australian, american e turkish e o Free
com tamanho diferenciado e divulgação chamando para o novo estilo “diferente”.
Portanto, é assim que funciona a publicidade, lançando mão da identificação do
consumidor com a mensagem, gerando assim a compra e o consumo do produto.
3Disponível em http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2003/160903_3.htm, acesso em 17 out.2004.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
56
De um lado da embalagem está o fabricante de produto com sua mensagem
que corteja e que seduz, usando o apelo emocional, e do outro está o Ministério
da Saúde com sua propaganda antifumo, apelando para o racional. O emocional
diz “fume para ser livre, para ser interessante, para ser aventureiro” e o racional
diz “não fume por que faz mal à saúde”.
4.6 Não fume
Com a resolução de maio de 2001, o Brasil passou a ser o segundo país do
mundo a usar a própria embalagem de cigarro como veículo de contrapropaganda
ao fumo. Em 2000 o Canadá foi o primeiro país possuir uma legislação
determinando a impressão de advertências, acompanhadas de imagens coloridas,
ocupando metade da frente e do verso das embalagens de produtos derivados do
tabaco.
Figura 12. Modelo dos alertas utilizados nas embalagens de cigarro do Canadá a partir do ano20004.
Com o objetivo de medir o resultado da ação das imagens, o governo
canadense encomendou uma pesquisa em 2001, que atestou a eficácia dos alertas
com imagens desencorajar o consumo do fumo.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
57
58% dos fumantes entrevistados disseram que as fotos coloridas com imagens decomo o câncer afeta a boca, os pulmões, o coração e o cérebro fizeram com queeles refletissem mais sobre os efeitos do fumo; 90% dos consumidores“perceberam” as advertências com imagens; 43% dos fumantes estavam maispreocupados com os efeitos do fumo por causa da nova embalagem; 44%afirmaram que a motivação para parar de fumar aumentou com as imagens; 38%entre os que pararam de fumar consideraram as imagens um dos fatoresmotivadores; 21% disseram que, em uma ou mais ocasiões, resistiram ao desejo defumar por causa das imagens; 21% disseram que se sentiram tentados a acender umcigarro, mas não o fez por causa das imagens de alerta5.
Segundo o Inca6 a estratégia brasileira é vista com bons olhos por outros
países, como Austrália e Tailândia, que desenvolveram alertas com imagens
semelhantes às brasileiras após solicitaram o uso das fotografias usadas no Brasil
e testá-las por um ano, obtendo resultados que constatam sua eficácia no aumento
da consciência da população sobre os riscos do fumo e na motivação para
abandonar o vício.
Hoje há um movimento mundial na direção da adoção de imagens de
advertência, países como Bangladesh, Índia, Jamaica e China já estudam essa
possibilidade.
Em outubro de 2004 a União Européia apresentou em Bruxelas, 42 imagens
diferentes para uma campanha que prevê a inclusão de fotografias nos maços de
cigarro, em substituição aos 14 alertas exclusivamente textuais veiculados
atualmente nas embalagens, que trazem frases como "Fumar mata" e "Fumar pode
provocar uma morte lenta e dolorosa". Os 25 países membros terão a opção de
adotar as imagens que melhor se adaptarem a seus objetivos, e até agora só a
Irlanda e a Bélgica indicaram que irão exigir dos fabricantes a inclusão das
imagens nas embalagens, o que deverá acontecer no próximo ano. O modelo
segue a proposta do Canadá, que utiliza metade da frente e do verso das
embalagens para a veiculação dos alertas, conforme figuras 13a e 13b.
4Disponível em http://www.hc-sc.gc.ca/english/media/photos/tobacco_labelling/index.htm, acessoem 07 nov. 2003.5CARVALHO, Mario Cesar. Fumante usa artifício para esconder fotos. Folha de São Paulo, SãoPaulo, 21 abr. 2002. Cotidiano, p. C96Disponível em http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2004/121104.htm, acesso em 17 out.2004.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
58
Figura 13a. Modelo dos alertas propostos pela União Européia.
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
59
Figura 13b. Modelo dos alertas propostos pela União Européia.
No Brasil, a campanha que utiliza fotografias nos alertas entrou em vigor a
partir de 01 de fevereiro de 2002, e foi avaliada no mês de abril por uma pesquisa
do instituto Datafolha7 que ouviu 2.216 pessoas com mais de 18 anos em 126
municípios brasileiros. Segundo a pesquisa existem hoje cerca de 28,3 milhões de
fumantes a partir da idade de 18 anos, o equivalente a 26% da população nessa
faixa etária. O percentual de fumantes é maior entre homens (32%) do que entre
mulheres (20%). A maior concentração de consumidores de cigarro (37%) está na
faixa etária que vai de 35 a 44 anos, e em relação à educação e classe social, 29%
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA
-
60
dos que costumam fumar estudaram até o 1º grau, e 27% ganham até cinco
salários mínimos. A pesquisa (realizada no dia 09 de abril de 2002) apresenta
ainda os seguintes resultados quanto às novas embalagens de cigarro:
. 76% dos brasileiros com mais de 18 anos apóiam a obrigatoriedade das imagens;
. 54% dos fumantes mudaram de idéia sobre as conseqüências do fumo para a
saúde;
. 67% dizem ter sentido vontade de abandonar o vício devido às imagens;
. 30% acreditam que a imagem tem pouca eficácia no combate à dependência do
fumo;
. Os mais pobres e os que têm o menor grau de escolaridade sofreram um impacto
maior do que os mais ricos com a introdução da contrapropaganda nos maços,
entre os que tem renda até 5 salários mínimos, 73% dizem ter sentido vontade de
parar de fumar quando viram os novos maços.
Os aspectos racionais predominam na face da embalagem que serve aos
interesses do governo, seu caráter de advertência, tanto visual (retângulo preto,
fonte “séria” impressa em branco, em caixa alta e sem serifa) como o textual “O
Ministério da Saúde adverte” são complementados pelo “Disque Pare de Fumar”,
oferece uma alternativa ao fumante que pretende seguir a indicação do alerta. A
pesquisa do instituto Datafolha apresenta a opinião dos usuários, mas não
apresenta o resultado da briga entre racional e emocional nas embalagens de
cigarro, que se dá em relação ao consumo do produto. O avanço do propaganda
passa pelo significado que o usuário atribui ao alerta, e somente após a validação
do mesmo é possível avançar para uma possível ação.
7CARVALHO, Mario Cesar. Fumante usa artifício para esconder fotos. Folha de São Paulo, SãoPaulo, 21 abr. 2002. Cotidiano, p. C9
DBDPUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310227/CA