Fisiologia do crescimento e desenvolvimento do tecido muscular e sua relação com a
qualidade da carne em bovinos
Growth physiology and development of the muscular fabric and its relationship with the
quality of the meat in bovine
Moacir Rodrigues FilhoI, Márcio Gilberto Zangeronimo2 Leandro Sâmia Lopes3 Márcio
Machado Ladeira4, Ivo Andrade5
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
RESUMO: O crescimento e o desenvolvimento do tecido muscular são mecanismos
fisiológicos complexos que ocorrem desde a concepção, sendo o crescimento caracterizado
pelo aumento de peso, comprimento, altura e circunferência em função da idade, enquanto, o
desenvolvimento implica em mudanças na conformação corporal e das funções do organismo.
Esse processo é regulado pela miogênese que resulta da ativação de vários mecanismos
bioquímicos e fisiológicos que se desenvolve em etapas (sinalização, ativação, determinação e
diferenciação celular) e respondem pelo crescimento, manutenção e reparos das fibras
musculares, que de forma direta impacta a qualidade da carne bovina. Manipular o
crescimento e o desenvolvimento do tecido muscular e por conseqüência do animal como um
todo, constitui uma importante ferramenta para a produção econômica e de qualidade da carne
bovina, uma vez que estas variáveis são influenciadas por fatores genéticos, ambientais e
interação entre estes. A biologia molecular, a histoquímica e a interação destas com o
ambiente, certamente propiciarão avanços mais rápidos e seguros do conhecimento da
fisiologia do crescimento e desenvolvimento animal. O presente trabalho tem como objetivo
revisar informações recentes e dos fundamentos sobre a fisiologia do crescimento do tecido
1 Estudante de Doutorado – Departamento de Zootecnia - UFLA2 Professor Adjunto – Departamento de Ciências Veterinárias – UFLA3 Estudante de Pós Doutorado – Departamento de Zootecnia – UFLA4 Professor Adjunto – Departamento de Zootecnia – UFLA5 Professor Aposentado – Departamento de Zootecnia – UFLA
muscular esquelético de bovinos, contribuindo desse modo para um melhor entendimento dos
mecanismos fisiológicos que cercam o crescimento animal.
Palavra Chave: Miogênese, fibra muscular, qualidade, bovino
ABSTRACT: The growth and the development of the muscular fabric are complex
physiologic mechanisms that happen from the conception, being the growth characterized by
the weight increase, length, height and circumference in function of the age, while, the
development implies in changes in the corporal conformation and of the functions of the
organism. That process is regulated by the miogênese that results of the activation of several
biochemical and physiologic mechanisms that is developed in stages (signaling, activation,
determination and cellular differentiation) and they answer for the growth, maintenance and
repairs of the muscular fibers, that in way direct impacts the quality of the bovine meat. To
manipulate the growth and the development of the muscular fabric and for consequence of the
animal as a whole, it constitutes an important tool for the economic production and of quality
of the bovine meat, once these varied they are influenced by genetic, environmental factors
and interaction among these. The molecular biology, the histochemistry and the interaction of
these with the atmosphere, certainly they will propitiate faster and safe progresses of the
knowledge of the physiology of the growth and animal development. The present work has as
objective to revise recent information and of the foundations on the physiology of the growth
of the skeletal muscular fabric of bovine, contributing in that way to a better understanding of
the physiologic mechanisms that surround the animal growth.
Key word: Miogênese, muscular fiber, Quality, bovine
INTRODUÇÃO
O crescimento e o desenvolvimento são fenômenos básicos para a produção de carne e
estão estreitamente relacionados. Nos sistemas de produção de pecuária de corte, o
conhecimento dos fatores que determinam o crescimento e o desenvolvimento dos tecidos e
do animal como um todo, é fundamental para a adequação de programas de melhoramento, de
manejo nutricional, ambiência e definição da idade de abate para dimensionar a quantidade e
a qualidade da carne a ser produzida.
O crescimento e o desenvolvimento animal ocorrem desde a concepção, sendo o
crescimento caracterizado pelo aumento de peso, comprimento, altura e circunferência em
função da idade, enquanto, o desenvolvimento implica em mudanças na conformação corporal
e das funções do organismo. Assim, o resultado da ação de ambos descreve a fase de mudança
entre a concepção e a maturidade, sendo que a taxa e a qualidade deste processo ocorrem
normalmente se assegurada às condições adequadas de nutrição no período compreendido.
O crescimento dos tecidos muscular, adiposo e ósseo que representam a maior parte da
carcaça, apresenta características alométrica, hiperplásica que vai da concepção ao
nascimento e hipertrófica, após o nascimento.
O entendimento do crescimento e desenvolvimento do tecido muscular é um dos
principais objetivos na produção animal, principalmente quando se visa à produção de carne.
O tecido muscular constitui, em média, 40% da massa corporal e de 53 a 64% da carcaça.
O organismo animal possui mais que 600 músculos que variam enormemente em
tamanho, forma e função. Estes por sua vez são constituídos por diferentes tipos de fibras que
apresentam características físico-químicas distintas e freqüência de ocorrência de cada tipo
dependente da genética, nutrição, sexo, idade, região anatômica, dentre outros fatores do
ambiente. A associação do conjunto dessas características definirá, por conseqüência, os
atributos de qualidade da carne.
3
Diante do exposto, objetivou-se com esta revisão, abordar os mecanismos
responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento do tecido muscular, do pré-natal até a fase
final de desenvolvimento do animal, bem como seus reflexos na produção e qualidade da
carne.
PRINCÍPIOS DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO MÚSCULO
ESQUELÉTICO
Miogênese
A miogênese pode ser dividida em duas etapas, a determinação e a diferenciação. A
determinação é o processo no qual as células pluripotentes estão se multiplicando e são
mobilizadas para o processo miogênico, se transformando em mioblastos.
Durante a miogênese no embrião, os mioblastos proliferam, migram, diferenciam e
fundem-se para formar miotubos e posteriormente fibras musculares. No entanto, alguns
mioblastos (células satélites) permanecem relativamente indiferenciados, servindo à função de
reposição celular nas situações de perda celular e hipertrofia muscular nos indivíduos adultos.
No segundo terço de gestação, outros mioblastos utilizam as miofibrilas primárias
como suporte para alinharem-se e formas as fibras secundárias. As fibras secundárias passam
por hipertrofia e se ligam a outros miotubos através de uma forte ligação permitindo a
comunicação célula a célula. O período de mioblasto fetal quando as fibras musculares
secundárias são formadas, determina o número final de fibras no adulto.
Durante o período embrionário e fetal, o crescimento do músculo é caracterizado
pelo aumento no número de fibras musculares e seu agrupamento, que é conhecido como
hiperplasia, e na grande maioria das espécies animais não ocorre aumento no número de
células musculares após o nascimento.
A quantidade de fibras musculares ao nascimento é, portanto, fator determinante do
potencial de crescimento do animal, uma vez que o incremento da massa muscular no período
pós-natal ocorre exclusivamente a partir do aumento do tamanho das células previamente
formadas.
É importante destacar que os mioblastos, apesar de serem relativamente
indiferenciados e preservarem sua capacidade proliferativa, são células comprometidas da
linhagem miogênica.
Fatores de Regulação Miogênica (MRF’s)
A regulação do processo de formação dos músculos esqueléticos envolve a ativação,
proliferação e diferenciação de várias linhagens de células miogênicas e depende da expressão
e atividade de fatores transcricionais, conhecidos como fatores de regulação miogênica
(SANTOS, 2008).
Estes fatores são proteínas que funcionam primariamente como ativadoras da
transcrição, se ligando ao DNA através de sítios específicos presentes na região promotora de
vários genes músculo – específicos, levando à expressão dos mesmos onde controlam os
eventos da miogênese (LASSAR et al., 1991). Trata-se de um conjunto de moléculas
regulatórias das células musculares, que quando forçada sua expressão em várias células não
miogênicas, observou-se a conversão das células à linhagem miogênica, iniciando o programa
de miogênese (OLSON, 1990).
A expressão dos fatores de transcrição: MyoD, Myf-5, miogenina e MRF4
pertencentes as famílias das proteínas transcricionais hélice-alfa-hélice (bHLH), em conjunto
com outros fatores estimuladores, ativa o programa de diferenciação através da indução da
transcrição de genes músculo – específicos, tanto regulatórios quanto estruturais. A
associação física de várias proteínas facilita ou é requerida para a função das bHLH. Algumas
são ativadoras da transcrição, enquanto outras não interagem diretamente com os alvos
específicos de DNA (PURI & SARTORELLI, 2000).
5
Os genes MyoD, miogenina, Myf-5 e a MRF4, coletivamente chamados de fatores
reguladores da miogênese (MRF’s) até então conhecidos, são expressos em padrões temporais
distintos e demonstram a existência de uma hierarquia na forma de expressão no decorrer da
miogênese (SABOURIN & RUDNICKI, 2000).
Durante o desenvolvimento embrionário, o comprometimento das células somíticas do
mesoderma com a linhagem miogênica depende inicialmente de sinais positivos (Wnts, Sonic
hedgehog (Shh), Noggin) ou negativos (BMP4) oriundos de tecidos circundantes, tais como a
notocorda e o tubo neural (CHARGE & RUDNICKI, 2004). Estes sinais irão ativar os genes
capazes de transformar células não musculares em células com um fenótipo muscular.
Na diferenciação do músculo esquelético, o comprometimento das células somíticas
do mesoderma com a linhagem miogênica é marcado pela expressão dos MRF’s Myf-5 e
MyoD. As células da linhagem miogênica em proliferação, positivas para Myf-5 e/ou MyoD,
são então denominadas de mioblastos (MEGENEY & RUDNICKI, 1995).
Os fatores de transcrição MyoD e o Myf-5, que são fatores primários que controlam a
diferenciação ou especificação das células miogênicas, ou seja, na transcrição das células
miogênicas progenitoras em mioblasto. Cada MRF pode induzir uma completa miogênese em
células não musculares, tais como fibroblastos, resultando na formação de uma célula
muscular.
Embora a MyoD e o Myf-5 definam a identidade dos mioblastos, as células
precursoras somíticas devem ser “pré-comprometidas” com a linhagem miogênica antes da
expressão dos MRF’s. No embrião, esse “pré-comprometimento” é realizado pelo fator
transcricional Pax3, que mantém as células precursoras, como uma população não
diferenciada e em proliferação, contribuindo assim para a expansão das células da linhagem
miogênica (AMTHOR et al., 1999).
Os mioblastos que saem do ciclo celular, positivos para Myf-5 e MyoD, tornam-se
miócitos diferenciados e iniciam a expressão dos MRF’s miogenina e MRF4, os quais
regulam a diferenciação dessas células em fibras musculares (MEGENEY & RUDNICKI,
1995).
Finalmente, no processo de miogênese, os miócitos mononucleados se fundem para
formar os miotubos. Essa diferenciação terminal envolve a interrupção do ciclo celular,
expressão de proteínas estruturais específicas de músculo esquelético e fusão dos mioblastos,
levando à formação de miotubos (SONG et al., 1998) e, no animal adulto, o músculo
esquelético torna-se um tecido estável, caracterizado por fibras musculares multinucleadas
(SCHMALBRUCH & LEWIS, 2000).
ANDRES & WALSH (1996) consideraram que a miogênese envolve pelo menos
quatro eventos separados: entrada dos mioblastos na rota de diferenciação, saída irreversível
do ciclo celular (a partir daí não há mais proliferação do mioblasto), diferenciação fenotípica e
fusão celular. Enquanto que a proliferação ocorre com mioblastos uninucleados, a
diferenciação implica no aparecimento de miotubos polinucleados. A partir desse ponto, os
miotubos pós-mitóticos coexistem com mioblastos proliferativos, possibilitando o constante
crescimento dos músculos durante o desenvolvimento embrionário (Figura 1).
Formação de células satélites
Durante a miogênese as fibras musculares se desenvolvem em duas populações
distintas. As fibras que se formam nos primeiros estágios da fusão dos mioblastos são
denominadas de fibras primárias e formam uma base para o desenvolvimento de um grande
número de células secundárias, formadas durante a segunda onda de diferenciação dos
mioblastos fetais.
Uma terceira população de mioblastos não forma fibras musculares, mas ficam
localizadas próximas as miofibras, e são chamadas de células satélites. As células satélites são
7
responsáveis pela regeneração e crescimento pós-natal do músculo esquelético (CHARGE &
RUDNICKI, 2004).
As células satélites estão localizadas entre a membrana e a lâmina basal da fibra
muscular. É uma célula mononucleada e mitoticamente ativa durante a fase de hipertrofia (se
prolifera mesmo após a fase de crescimento muscular pós-natal). Durante o crescimento
muscular ocorre um aumento considerável no número de núcleos das fibras musculares
porque as células satélites são incorporadas pelas fibras musculares servindo como fonte extra
de núcleo, aumentando a quantidade de DNA (ácido desoxirribonucléico) para a produção de
proteína (BRIDI et al., 2003) (Figura 2).
O número de miofibrilas em uma simples fibra muscular pode aumentar de 10 a 15
vezes durante o tempo de vida do animal, mas o período no qual os animais venham a atingir
o máximo diâmetro das fibras depende de uma série de fatores incluindo idade a maturidade,
espécie, raça, sexo, nutrição e atividade física. No caso de bovinos, geralmente machos
inteiros apresentam maiores diâmetros das fibras quando comparados com fêmeas e machos
castrados, enquanto que aqueles animais mais velhos e bem alimentados apresentam maiores
diâmetros de fibra do que aqueles animais mais jovens e mal alimentados.
A quantidade de células satélites pode ser determinante para estipular o tamanho que
cada músculo pode crescer. O número de células satélites no músculo varia com a idade, o
tipo de músculo, a nutrição e a demanda de esforço. Em geral, os músculos oxidativos
possuem uma maior densidade de células satélites que os músculos glicolíticos.
Animais selecionados para altas taxas de crescimento tendem a apresentar fibras
musculares com maiores diâmetros que os demais e maior frequência de fibras glicolíticas,
pois estas fibras apresentam maior diâmetro que fibras musculares oxidativas. Este fato
assume uma importância prática, pois as mudanças nas freqüências das fibras musculares
podem afetar a qualidade final da carne produzida.
Formação das miofibrilas
As células musculares maduras são compostas de proteínas contráteis arranjadas em
unidades contráteis funcionais chamadas miofibrilas. As proteínas miofibrilares somam a
maior parte de proteínas na célula muscular, compreendendo entre 55 e 65% do total das
proteínas na miofibrila (Figura 3).
Existe uma grande quantidade de miofibrilas em cada célula muscular, arranjadas lado
a lado e conectadas uma a outra com proteínas chamadas filamentos intermediários. Os
filamentos intermediários fornecem um suporte físico para as miofibrilas, sendo o principal
filamento encontrado no músculo a proteína desmina.
Miofibrila são longos fios de proteínas compostas por múltiplas repetições de
sarcômeros, que são conectados de ponta a ponta na miofibrila.
O sarcômero é a unidade primária de contração muscular. Cada unidade é formada
pela parte da miofibrila que fica entre duas linhas Z. Próximo a linha Z, o sarcômero é
formado por apenas actina, essa região é chamada de banda I. A porção central do sarcômero
que é formada por miosina é chamada de banda A. Uma zona clara no centro da banda A é
denominada zona H, e dividindo esta zona está à linha M (Figura 4).
Existem mais de 20 diferentes proteínas que compõem a miofibrila. Seis destas
proteínas constituem 90% do total (miosina, actina, titina, tropomiosina, troponina e
nebulina). Estas proteínas são classificadas de acordo com suas funções contráteis,
reguladoras e citoesqueléticas.
O sarcômero é composto por dois tipos de filamentos: Fino e grosso. Estes filamentos
são denominados de miofilamentos, sendo que eles se diferenciam em sua composição,
dimensão, posição no sarcômero e nas suas propriedades químicas.
9
Os filamentos grossos constituem-se basicamente da proteína miosina, sendo
denominados filamentos de miosina. Estes filamentos nos músculos possuem um diâmetro de
14-16nm e comprimento de 1,5μm.
Os filamentos finos apresentam como principal proteína a actina, sendo denominados
de filamentos de actina, porém em sua constituição existem outras proteínas importantes
como tropomiosina e troponina. Este filamento possui diâmetro aproximado de 6-8nm e
comprimento de 1,0 μm. Constituem a banda I do sarcômero estendendo-se até a banda A,
entre os filamentos de miosina.
A tropomiosina e a troponina, são proteínas relacionadas a contração muscular, sendo
denominas proteínas reguladoras, atuando na regulação da actina-miosina devido a
sensibilidade e capacidade de atuarem como receptoras de cálcio.
Entre as proteínas citoesqueléticas, pode-se destacar a titina que atua
longitudinalmente em cada metade do sarcômero, da linha M ao disco Z; e a nebulina, que
está localizada paralela ao filamento fino, estendendo-se em todo o comprimento do
sarcômero, da banda A até o disco Z (LAWRENCE & FOWLER 2002).
Características das fibras musculares esqueléticas
Vários sistemas de classificação das fibras musculares já foram desenvolvidos, sendo
que as fibras podem ser diferenciadas através de características bioquímicas, histoquímica,
morfológicas, ou fisiológicas (LAWRENCE & FOWLER, 2002).
Na atualidade é sabido que o tecido muscular é composto basicamente por três tipos
de fibras musculares: oxidativas de contração lenta (SO – Slow oxidative, Tipo I, vermelhas e
aeróbicas), intermediárias de contração rápida (FOG – Fast oxidative and glicolytic, Tipo II
A, oxidativas glicolíticas) e as glicolíticas de contração rápida (FG – fast glicolytic, Tipo II B,
brancas, anaeróbicas) (REHFELDT, et al., 2004).
A composição e tamanho final do músculo, assim como, suas características
fisiológicas e metabólicas são altamente dependentes da proporção e tipos de fibras que o
constitui, uma vez que suas propriedades refletem a soma dessas características das fibras
(SANTOS, 2008).
Os músculos que contêm muitas fibras do tipo I são chamados de músculos vermelhos,
por serem mais escuros do que os outros músculos. Os músculos vermelhos, que respondem
lentamente e têm grande latência, são adaptados para contrações duradoras, lentas,
mantenedoras da postura. Os longos músculos do dorso são músculos vermelhos. Os
músculos brancos, que contêm maior número de fibras tipo II, têm abalos rápidos e são
especializados para movimentos finos e dependentes de habilidade.
As fibras vermelhas tendem a ser menores, contêm mais mitocôndrias, concentrações
maiores de mioglobina e lipídios e uma irrigação sangüínea mais abundante porque grande
parte de sua energia provém do metabolismo aeróbico. Estas fibras estão adaptadas para a
contração lenta por um longo período de tempo
Os músculos brancos possuem maiores quantidades de glicogênios e enzimas
relacionadas com a glicólise anaeróbica. Estas fibras estão adaptadas para a contração rápida
por curto período de tempo. A concentração de mioglobina é muito pequena nas células
glicolíticas. Como a mioglobina armazena oxigênio para o metabolismo aeróbico, ele não é
necessário nas fibras glicolíticas. Porém, o conteúdo de fosforilases nestas fibras é muito
superior ao encontrado nas fibras oxidativas, visto que essas são necessárias para a
degradação anaeróbica do glicogênio (WARRISS, 2000; BRIDI et al., 2003).
A atividade ATPásica da miosina das fibras glicolíticas em geral é duas a três vezes
superiora daquela da miosina das células oxidativas de contração lenta. Quanto maior a
atividade ATPásica maior será a velocidade de contrátil. Também, as membranas reticulares
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sarcoplasmáticas das células glicolíticas acumulam e liberam os íons de cálcio com maior
rapidez do que as mesmas membranas das células oxidativas (BRIDI et al., 2003).
Uma característica dos músculos brancos é que eles apresentam mais tecido conjuntivo
(colágeno) do que os músculos vermelhos. Por outro lado, músculos vermelhos apresentam
maior quantidade de tecido conjuntivo adiposo (gordura) do que os brancos. O lipídio atua
como combustível metabólico para as fibras vermelhas, pois estas apresentam menor
conteúdo de glicogênio do que as fibras brancas (JUDGE et al., 1989).
Em geral, as fibras vermelhas e brancas desempenham funções distintas no animal
vivo. As fibras vermelhas, devido ao bom suprimento de oxigênio e seu alto conteúdo de
mioglobina, estão preparadas para o metabolismo oxidativo.
Tipos de fibras musculares e a qualidade da carne
A composição e tamanho das fibras que compõem um músculo estão diretamente
relacionados com a qualidade final e as propriedades tecnológicas da carne. A freqüência de
ocorrência de cada tipo de fibras no músculo é influenciada por vários fatores do ambiente,
notadamente a nutrição e manejo dos animais, pela genética, gênero, maturidade e tipo de
músculo (WARRISS, 2000; BRIDI et al., 2003).
A análise de correlação entre o número de células no músculo Semitendinosus
(lagarto) e as variáveis peso vivo ao abate, peso da carcaça, profundidade do músculo
Longissimus dorsi (contra filé) e rendimento de carcaça realizadas por HOSHI et al. (2005),
foram positivas e altas (0,80; 0,86; 0,67 e 0,50, respectivamente), demonstrando que o maior
número de fibras musculares no músculo Semitendinosus pode melhorar a taxa de
crescimento do animal e o rendimento de carcaça.
As fibras brancas, por sua natureza predominantemente glicolíticas, apresentam um
acúmulo rápido de lactato no início do post-mortem e essa condição está associada à rápida
glicólise. Como conseqüência, ocorre troca na estrutura protéica e na composição química do
músculo, que influenciará a capacidade de retenção de água, nos parâmetros sensoriais e na
vida de prateleira da carne (MONTEIRO, 1998).
Outra hipótese em relação à superioridade das fibras brancas em relação às fibras
vermelhas pode ser explicada pelo tamanho do sarcômero, onde as fibras brancas apresentam
o sarcômero e o retículo sarcoplasmático maior em relação às fibras vermelhas, o que pode
resultar em uma carne mais macia devido a maior liberação de cálcio pelo retículo
sarcoplasmático, promovendo uma maior ativação das enzimas calpaínas e pela maior
distância entre as linhas Z do sarcômero, o que resulta em uma carne com melhor qualidade.
Estudos têm demonstrado que músculos com predominância de fibras vermelhas são
suscetíveis ao encurtamento pelo frio. Esta associação está relacionada a fatores como pouca
capacidade de reter o cálcio a baixas temperaturas e pH, maior número de mitocôndrias, e o
retículo sarcoplasmático pouco desenvolvido. Em contrapartida, fibras brancas possuem
reticulo sarcoplasmático mais desenvolvido, podendo reter mais Ca++ iônico, menos
mitocôndria e mais ATP, sendo dessa forma mais resistente ao encurtamento (BRESSAN &
BERAQUET, 2004).
Por outro lado embora as fibras brancas sejam mais resistentes ao encurtamento pelo
frio, que é um dos fatores associados à diminuição da maciez da carne, em bovinos e ovinos,
estudos realizados por CARPENTER et al. (1996), em cordeiros com hipertrofia muscular
pelo “callipyge gene”, apresentaram predominância das fibras brancas e diminuição da
maciez nos músculos Longissimus dorsi e gluteus medius, quando comparado com cordeiros
normais. Em bovinos, VESTERGAARD et al. (1994), observaram que o aumento das fibras
brancas também está associado à diminuição da maciez da carne, em função do decréscimo da
proteólise post-mortem. Segundo os autores esse resultado esta relacionado ao aumento da
proporção das calpastatinas, que inibem as enzimas calpaínas, responsáveis pela maturação da
carne.
13
Comparando a porcentagem de fibras brancas e vermelhas do Longissimus dorsi de
carcaças bovinas em diferentes graus de maturidade, MONTEIRO (1998), verificou que o
aumento na gordura intramuscular foi associado ao decréscimo na porcentagem de fibras
brancas e aumento na porcentagem de fibras vermelhas.
Em outro estudo avaliando o efeito da dieta nas características das fibras musculares
de bovinos, LEÃO (2008), relata que os animais alimentados com baixa energia, tiveram
maior porcentagem de fibras vermelhas que os alimentados com alta energia.
MACEDO (2000) trabalhou com cordeiros de diferentes grupos genéticos terminados
a pasto ou em confinamento e verificaram que fibras do tipo FOG (intermediária de contração
rápida) foram predominantes no músculo Semitendinosus, independentemente do grupo
genético e/ou sistema de terminação. Estes achados demonstram que a composição e o tipo de
fibra variam em função do músculo e de fatores ambientais, destacando-se a dieta.
VESTERGAARD et al. (2000) estudaram os efeitos dos sistemas de produção
(extensivo e intensivo) e do tipo de músculo (Semitendinosus, Longissimus dorsi e
Supraspinatus) sobre as características das fibras musculares e a qualidade da carne de
bovinos abatidos aos 360 e 460 kg. Os autores verificaram que em animais criados no sistema
extensivo, a freqüência da fibra tipo I (SO) foi maior nos músculos Longissimus dorsi e
Supraspinatus, independentemente do peso ao abate; a freqüência da tipo IIA (FOG), maior
no músculo Semitendinosus, e quando comparada aos 360 kg, no músculo Longissimus dorsi;
sendo a freqüência da fibra tipo IIB, menor nos três músculos estudados. Quanto ao efeito dos
músculos, foi observado que o músculo Semitendinosus teve a menor freqüência da fibra tipo
I (19,50%) e o Supraspinatus, a maior freqüência (58,70%), com valor intermediário
(27,60%) para o Longissimus dorsi.
Para FERRÃO (2006), a relação entre os tipos de fibra musculares e a qualidade de
carne nos dias atuais, não é bem definida, até porque músculos exclusivamente de fibras
vermelhas ou brancas são poucos e a maioria é formada por uma mistura dos dois tipos de
fibras. Ainda de acordo com o mesmo autor, recentes estudos têm tentado relacionar as
características das fibras musculares com o crescimento, carcaça e qualidade de carne, e
sugerem que o tipo e o aumento do diâmetro das fibras estão relacionados, principalmente,
com a maciez da carne.
Na atualidade acredita-se que animais com maior número de fibras musculares de
moderado tamanho produzem carne de melhor qualidade (REHFELDT et al., 2000). As
características das fibras musculares e os atributos de qualidade da carne estão relacionados
com a queda do pH post mortem (devido ao tipo de metabolismo das fibras), capacidade de
retenção de água, maciez e propriedades sensoriais (predominância de fibras brancas ou
vermelhas), estrutura protéica e composição química do músculo MONTEIRO, 1998;
FERRÃO, 2006). Isso demonstra que os aspectos que definirão a qualidade final da carne é
multifatorial e que o tipo de fibra ou qualquer outro parâmetro analisado isoladamente pouco
contribui para definição conclusiva da qualidade.
CONCLUSÃO
As pesquisas têm gerado um significativo volume de conhecimento que tem
proporcionado avanços importantes em sistemas e processos nos vários segmentos da cadeia
da carne. À medida que aumenta o conhecimento na área da biologia molecular, histoquímica
e interação destas com o ambiente, torna-se possível compreender melhor a fisiologia do
crescimento e desenvolvimento animal, bem como, a determinação genética das
características de importância econômica.
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Figura 1: Eventos básicos da miogênese e seus fatores de controle.
Figura 2: Diferenciação da fibra muscular para a formação de células satélites.
19
Figura 3: Distribuição da miofibrila dentro do músculo esquelético.
Figura 4: Miofibrila mostrando o sarcômero e suas diversas bandas.