dominus est - É o senhor

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Portal direito da entrada da Basílica de São Pedro no Vaticano

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Athanasius Schneider. Reflexões de um bispo da Ásia Central acerca da riqueza da sagrada Eucaristia.

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  • 1Portal direito da entrada da Baslica de So Pedrono Vaticano

  • 2

  • 3DOMINUS EST( O SENHOR)

  • 4Na Capa:A Beata Teresa de Calcut, recebe a Sagrada Comunho(25 de Maro de 1993, Catedral de Tirana, Albnia)

    Um Pro-manuscrito, verso portuguesa, privativa eextra-comercial, que no poder figurar em qualquer livra-ria e apenas para uso privativo e exclusivo de Anunciaia Boa Nova e seus leitores-benfeitores.

    Ttulo original: DOMINUS EST Riflessioni di un vescovo dellAsia

    Centrale sulla Sacra ComunioneEdio da Libreria Editrice Vaticana

  • 5Reflexes de um bispo da sia Centralsobre a Sagrada Comunho

    DOMINUS EST( O SENHOR)

    Athanasius Schneider

    Anunciai a Boa Nova2008

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  • 7PREFCIONo Livro do Apocalipse, So Joo conta como, tendo

    visto e ouvido aquilo que lhe foi revelado, se prostrava emadorao aos ps do anjo de Deus (Ap 22,8). Prostrar-se oupr-se de joelhos diante da majestade da presena deDeus, em humilde adorao, era um hbito de revernciaque Israel tinha sempre na presena do Senhor. Diz oprimeiro livro dos Reis: Logo que Salomo acabou defazer ao Senhor esta orao e esta splica, levantou-sede diante do altar do Senhor, onde estava ajoelhadocom as mos levantadas para o cu. De p, abenooutoda a assembleia de Israel (1 Re 8, 54-55). A posio dasplica do Rei clara: Ele estava de joelhos diante doaltar.

    A mesma tradio visvel tambm no Novo Testa-mento, onde vemos Pedro pr-se de joelhos diante deJesus (Kc 5,8); Jairo, para pedir-Lhe que curasse a suafilha (Lc 8,41), o Samaritano, que veio agradecer-Lhe eMaria, irm de Lzaro, para pedir o favor da vida para seuirmo (Jo 11, 32). A mesma atitude de prostrao, perantea admirao da presena e revelao divina, se nota deuma forma geral no Livro do Apocalipse (Ap 5, 8-14 e 19,4).

  • 8Intimamente ligada a esta tradio, estava a convicode que o Templo Santo de Jerusalm era a morada deDeus, e por isso no templo era necessrio colocar-se ematitudes corporais expressivas de um profundo sentido dehumildade e reverncia, na presena do Senhor.

    Tambm na Igreja, a convico profunda de que nasespcies Eucarsticas o Senhor est verdadeira e realmentepresente e a crescente prtica de conservar a santacomunho nos sacrrios, contribuiu para a prtica deajoelhar-se, em atitude de humilde adorao do Senhor,na Eucaristia.

    De facto, a respeito da presena real de Cristo nasespcies Eucarsticas, o Conclio de Trento proclamou:in almo sanctae Eucharistiae sacramento post panis etvivi consecrationem Dominum nostrum Jesum Chris-tum verum Deum atque hominem vere, realiter acsubstantialiter sub specie illarum rerum sensibiliumcontineri (DS 1651).

    Alm disso, So Toms de Aquino tinha j definido aEucaristia latens Deitas (So Toms, Hinos). E a f napresena real de Cristo nas espcies eucarsticas pertenciaj desde ento essncia da f da Igreja Catlica e eraparte intrnseca da identidade catlica. Era claro que seno podia edificar a Igreja se tal f fosse minimamenteatacada.

    Por isso, a Eucaristia, Po transubstanciado no Corpode Cristo e vinho no Sangue de Cristo, Deus no meio dens, devia ser acolhido com admirao, mxima revernciae num comportamento de humilde adorao. O PapaBento XVI, recordando as palavras de Santo Agostinho

  • 9nemo autem illam carnem manducat, nisi priusadoraverit; peccemus non adorando (Enarrationes inPsalmos, 89, 9; CCL XXXIX, 1385) sublinha que recebera Eucaristia significa pr-se em atitude de adorao paracom Aquele que recebemos (...) s na adorao podeamadurecer um acolhimento profundo e verdadeiro(Sacramentum Caritatis, 66).

    Seguindo esta tradio, claro que assumir gestos docorpo e do esprito que facilitam o silncio, o recolhimento,a humilde aceitao da nossa pobreza diante da infinitagrandeza e santidade dAquele que vem ao nosso encontronas espcies eucarsticas tornava-se coerente eindispensvel.

    O melhor modo de exprimir o nosso sentimento dereverncia para com o Senhor Eucarstico era o de seguiro exemplo de Pedro que, como conta o Evangelho, seprostrou de joelhos diante do Senhor e disse: Senhor,afasta-Te de mim, porque sou um homem pecador(Lc 5,8).

    Ora, nota-se como nalgumas igrejas, tal prtica noexiste, e os responsveis, no s impem aos fiis querecebam a Santssima Eucaristia de p, mas eliminarammesmo todos os genuflexrios, forando assim os seusfiis a estar sentados ou de p, mesmo durante a elevaodas espcies Eucarsticas apresentadas para a adorao. estranho que tais comportamentos tenham sido tomadosnas dioceses, pelos prprios responsveis da liturgia, ounas igrejas, pelos procos, sem a mais pequena consultados fiis, embora hoje, mais do que nunca, se fale emmuitos ambientes, de democracia na Igreja.

  • 10

    Ao mesmo tempo, falando da comunho na mo, importareconhecer que foi uma prtica introduzida abusivamentee pressa em alguns ambientes da Igreja, imediatamentedepois do Conclio, mudando assim a secular prticaprecedente e tornando-se agora a prtica regular paratoda a Igreja. E justificava-se tal mudana, dizendo quereflectia melhor o Evangelho ou a antiga prtica daIgreja.

    verdade que se se recebe na lngua, se podertambm receber na mo, uma vez que este orgo do corpo igual em diginidade. Alguns, para justificar uma talprtica, referem-se s palavras de Jesus: Tomai e comei(Mc 14,22; Mt 26,26). Quaisquer que sejam as razes comque defendem esta prtica, no podemos deixar de ignoraraquilo que sucede a nvel mundial, onde tal prtica sejarealizada. Este gesto contribui para um gradual e crescenteenfraquecimento da atitude de reverncia para com assagradas espcies Eucarsticas. A prtica precedente,pelo contrrio, salvaguarda melhor este sentimento dereverncia. Entretanto, acabaram por entrar: umaalarmante falta de recolhimento e um esprito degeneralizada falta de ateno. Vem-se agora comun-gantes, que tantas vezes voltam para os seus lugares comose nada de extraordinrio tivesse acontecido. E de umaforma bem particularmente distradas so as crianas eadolescentes. Em muitos casos, no se nota esse sentidode seriedade e silncio interior, que devem assinalar apresena de Deus na alma.

    H, depois, abusos de quem leva para fora as sagradasespcies, para t-las como recordao, de quem as vende

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    ou, pior ainda, de quem as leva para fora para as profanarem ritos satnicos. Tais situaes foram devidamentepostas em relevo. Mesmo nas grandes concelebraes, atmesmo em Roma, vrias vezes foram encontradas espciessagradas lanadas por terra.

    Esta situao no nos leva apenas a reflectir na graveperda de f, mas tambm nos ultrajes e ofensas feitas aoSenhor, que se digna vir ao nosso encontro, querendotornar-nos semelhantes a Ele, a fim de que estampe em nsa santidade de Deus.

    O Papa fala da necessidade, no s de compreender overdadeiro e profundo significado da Eucaristia, mastambm de celebr-lo com dignidade e reverncia. Dizque necessrio estar conscientes da importncia dosgestos e da compostura, como o ajoelhar-se durante osmomentos salientes da Orao Eucarstica (Sacramen-tum Caritatis, 65). Alm disso, falando da recepo daSagrada Comunho, convida a todos a: fazer o possvelpara que o gesto, na sua simplicidade, corresponda aoseu valor de encontro pessoal com o Senhor Jesus Cristono Sacramento (Sacramentum Caritatis, 50).

    Nesta ptica, de apreciar o Livrinho escrito por S. E.Mons. Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Karaganda,no Kazakhstan, com o ttulo muito significativo Dominusest ( o Senhor). Ele mesmo quer dar um contributo paraa discusso actual sobre a Eucaristia, presena real esubstancial de Cristo nas espcies consagradas do Po edo Vinho. significativo que Mons. Schneider inicie a suaApresentao com uma nota pessoal, recordando a pro-funda f eucarstica de sua me e de outras duas senhoras,

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    f conservada no meio de tantos sofrimentos e sacrifciosque a pequena comunidade dos catlicos desse Pas sofreu,nos anos da perseguio sovitica. Partindo desta suaexperincia, que suscitou nele uma grande f, admiraoe devoo ao Senhor, presente na Eucaristia, ele apresenta--nos um ensaio histrico-teolgico que esclarece como aprtica de receber a Sagrada Comunho na boca e dejoelhos foi acolhida e praticada na Igreja por um longoperodo de tempo.

    Agora, eu creio que ter chegado o momento de avaliarbem a referida prtica e de rever e, se necessrio,abandonar a actual que, de facto, no foi indicada, nem naprpria Sacrosanctum Concilium, nem pelos PadresConciliares, mas foi aceite, depois de uma introduoabusiva em alguns Pases. Agora, mais do que nunca, necessrio ajudar os fiis a renovar uma viva f napresena real de Cristo nas espcies Eucarsticas, com ofim de reforar a prpria vida da Igreja e de a defender, nomeio das perigosas distorses da f que uma tal situaocontinua a causar.

    As razes para uma tal iniciativa devem ser, no tantoas acadmicas mas as pastorais - tanto espirituais comolitrgicas - numa palavra, aquilo que melhor edifica a f.Mons. Schneider, neste sentido, mostra uma louvvelcoragem, porque soube colher o verdadeiro significadodas palavras de So Paulo: Que tudo isto se faa demodo a edificar (1 Cor 14,26).

    + MALCOLM RANJITHSecretrio da Congregao do Culto Divino

    e da Disciplina dos Sacramentos

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    I

    Christus vincit, Christus regnat,Christus imperat

    SENHORAS EUCARSTICASE A SAGRADA COMUNHO

    NA CLANDESTINIDADE SOVITICAO regime comunista sovitico, que durou cerca de 70

    anos (1917-1991) tinha a pretenso de estabelecer umaespcie de paraso na terra. Mas este reino no podia terconsistncia, uma vez que era fundado na mentira, naviolao da dignidade do homem, na negao e mesmo nodio a Deus e sua Igreja. Era um reino em que Deus e osvalores espirituais no podiam e no deviam ter espaoalgum. Todo o sinal que poderia recordar aos homensDeus, Cristo e a Igreja, era tirado da vida pblica e da vistados homens. Existia, porm, uma realidade que, na maioriados casos, recordava aos homens Deus: o sacerdote. Poresta razo, o sacerdote no devia ser visvel, e to poucodevia existir.

    Para os perseguidores de Cristo e da Sua Igreja, osacerdote era a pessoa mais perigosa. E talvez eles conhe-

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    cessem mesmo, implicitamente, a razo pela qual osacerdote era considerado a pessoa mais perigosa. Averdadeira razo era esta: s o sacerdote podia dar Deusaos homens, dar Cristo da maneira mais concreta e directapossvel, isto , atravs da Eucaristia e da SagradaComunho. Por isso, era proibida a celebrao da SantaMissa. Mas nenhum poder humano estava em condiesde vencer o poder Divino, que agia no mistrio da Igreja e,sobretudo, nos Sacramentos.

    Durante esses anos bem nebulosos, a Igreja, no imensoimprio sovitico, via-se forada a viver na clandestinidade.Mas a coisa mais importante era esta: a Igreja era viva, oumelhor, vivssima, se bem que lhe faltassem edifciossagrados, se bem que houvesse uma enorme escassez desacerdotes. A Igreja era vivssima, porque lhe no faltavade todo a Eucaristia - muito embora bem raramente acessvelaos fiis - porque no lhe faltavam almas com f bem firmeno mistrio eucarstico, porque no lhe faltavam mulheres,muitas vezes mes e avs, com uma alma sacerdotalque guardavam e mesmo administravam a Eucaristia comamor extraordinrio, com delicadeza e com a mximareverncia possvel, no esprito dos cristos dos primeirossculos, que se exprimia no adgio: cum amore actimore (com amor e temor).

    Entre os numerosos exemplos de mulhereseucarsticas do tempo da clandestinidade sovitica,ser aqui apresentado o exemplo de trs mulheres doconhecimento pessoal do autor: Maria Schneider (me doautor), Pulcheria Koch (irm do av do autor), MariaStang (paroquiana da diocese de Karaganda).

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    Maria Schneider, minha me, contava-me: depois dasegunda guerra mundial, o regime estalinista deportavamuitos alemes do Mar Negro e do rio Volga para osmontes Urais, para se servir deles em trabalhos forados.Todos eram internados em pauprrimas barracas, numghetto da cidade. Muitas vezes, iam ter com eles, nomximo segredo, alguns sacerdotes catlicos, para lhesadministrar os sacramentos. E faziam-no, pondo em graveperigo a sua prpria vida. Entre esses sacerdotes, quevinham mais frequentemente, estava o Padre Alexij Saritski(sacerdote ucraniano greco-catlico e biritualista, mortocomo mrtir no dia 30.10.1963, prximo de Karaganda ebeatificado pelo Papa Joo Paulo II no ano 2001). Os fiischamavam-no afectuosamente o vagabundo de Deus.No ms de Janeiro de 1958, na cidade de Krasnokamsk,perto de Perm, nos montes Urais, inesperadamente, chegouem segredo Padre Alexij, proveniente do lugar do seuexlio, da cidade de Karaganda, no Kazakhstan.

    Padre Alexij empenhava-se em que o maior nmeropossvel de fiis fosse preparado para receber a SagradaComunho. Por isso, ele mesmo se dispunha a ouvir aconfisso dos fiis literalmente dia e noite, sem dormir esem comer. Os fiis continuamente lhe diziam: Padredeve comer e dormir! Mas ele respondia: No posso,porque a polcia pode prender-me de um momento parao outro e, depois, tantas pessoas ficariam sem se confessare, por isso, sem comungar. Logo que todos se haviamconfessado, Padre Alexij comeou a celebrar a SantaMissa. Inesperadamente, uma voz se ouviu: A polciaest prxima!. Maria Schneider assistia Santa Missa e

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    disse ao sacerdote: Padre, eu posso escond-lo, fujamos!A mulher conduziu o sacerdote para uma casa fora doghetto alemo e escondeu-o num quarto, levando-lhetambm alguma coisa de comer e disse: Padre, agora, osenhor pode finalmente comer e repousar um pouco e,quando chegar a noite, fugiremos para a cidade maisprxima. Padre Alexij estava triste, porque todos estavamconfessados, mas no tinham podido receber a SagradaComunho, porque a Santa Missa que apenas tinhacomeado tinha sido interrompida por causa daaproximao da polcia. Maria Schneider disse: Padre,todos os fiis faro com muita f e devoo a Comunhoespiritual e esperamos que o Senhor possa regressar, paradar-nos a Sagrada Comunho.

    Chegada a noite, comeou-se a preparar a fuga. MariaSchneider deixou os seus dois filhos pequenos (um meninode dois anos e uma menina de seis meses) a sua me echamou Pulcheria Kock (a tia de seu marido). As duasmulheres chamaram o Padre Alexij e fugiram, uns 12quilmetros atravs do bosque, com neve e ao frio nadamenos que a 30 graus abaixo de zero. Chegaram a umapequena estao, compraram o bilhete para o Padre Alexije sentaram-se na sala de espera, porque tinham de esperarainda uma hora pela chegada do combio. Inesperadamen-te abriu-se a porta e entrou um polcia que se dirigiudirectamente ao Padre Alexij. Diante do Padre perguntou--lhe: o senhor onde vai? O Padre no ficou em condiesde responder pelo seu espanto. Ele no temia pela sua vida,mas pela vida e pelo destino da jovem me Maria Schneider.Pelo contrrio, a jovem mulher respondeu ao polcia:

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    Este nosso amigo e ns acompanhmo-lo. Eis o seubilhete e entregou o bilhete ao polcia. Este, guardando obilhete, disse ao sacerdote: Por favor, no entre no lti-mo vago, porque esse ser desligado do resto do combiona prxima estao. Boa viagem!. E imediatamente, opolcia sau da sala. Padre Alexij olhou para MariaSchneider e disse-lhe: Deus mandou-nos um anjo!Jamais esquecerei aquilo que ele fez por mim. Se Deusmo permitir, regressarei, para dar-vos a SagradaComunho e em todas as minhas Missas rezarei por sie por seus filhos.

    Passado um ano, Padre Alexij, pde regressar aKrasnokansk. Desta vez, pde celebrar a Santa Missa e dara Sagrada Comunho aos fiis. Maria Schneider pediu--lhe um favor: Padre, podereia deixar-me uma hstiaconsagrada, porque minha me est gravemente doente eela desejaria muito receber a Comunho, antes de morrer?Padre Alexij deixou uma hstia consagrada, sob a condiode que se administrasse a Sagrada Comunho com omximo respeito possvel. Maria Scneider prometeu agirdesse modo. Antes de se transferir, com a sua famlia, paraKirghistan, Maria administrou a sua me, doente, a SagradaComunho. Para o fazer, ela ps luvas brancas novas e,com uma pinazinha, deu a Comunho a sua me. Depois,queimou a bolsa em que estava depositada a hstiaconsagrada.

    As famlias de Maria Schneider e de Pulcheria Kochtransferiram-se depois para Kirghistan. Em 1962, PadreAlexij, visitou secretamente Kirghistan e encontrou Maria

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    e Pulcheria, na cidade de Tokmak. Clebrou a Santa Missana casa de Maria Schneider e, seguidamente, ainda umaoutra vez, na casa de Pulcheria Koch. Como gesto degratido a Pulcheria, esta mulher anci que o tinha ajudadoa fugir no escuro e no frio do inverno dos montes Urais,Padre Alexij, deixou-lhe uma hstia consagrada, dando--lhe, porm, uma instruo bem precisa: Deixo-lhe umahstia consagrada. Faa a devoo dos primeiros novemeses em honra do Sagrado Corao de Jesus. Todas asprimeiras sextas-feiras do ms, a senhora faa a exposi-o do Santssimo na sua casa, convidando para adorao pessoas de absoluta confiana, e tudo dever serfeito com a mxima segurana e no maior segredo.Depois do nono ms, a senhora poder consunir a hstia,mas faa-o com a maior reverncia possvel! E assim sefez. Durante nove meses, houve em Tormak uma adoraoeucarstica clandestina. Tambm Maria Schneider estavaentre as adoradoras.

    Estando de joelhos diante da pequenina hstia, todas assenhoras adoradoras, estas senhoras verdadeiramenteeucarticas desejavam ardentemente receber a SagradaComunho. Mas, infelizmente, havia apenas uma pequenahstia e, ao mesmo tempo, numerosas pessoas desejosasde comungar. Por isso, Padre Alexij tinha decidido que, nofim dos nove meses, a recebesse apenas Pulcheria e todasas outras mulheres fizessem a Comunho espiritual. Noentanto, estas Comunhes espirituais eram muito preciosas,porque tornavam estas mulheres eucarsticas capazesde transmitir aos seus filhos, por assim dizer, com o leitematerno, uma profunda f e um grande amor Eucaristia.

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    O Beato Alexij Saritski, sacerdote e mrtir, um Santoeucarstico do tempo da clandestinidade sovitica

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    A entrega daquela pequena hstia consagrada aPulcheria Koch, na cidade de Tokmak, em Kirghistan, foia ltima aco pastoral do Beato Alexij Saritski.Imediatamente depois do seu regresso a Karaganda, da suaviagem missionria a Kirghistan, no ms de Abril do anode 1962, Padre Alexij foi preso pela polcia secreta e postono campo de concentrao de Dolinks, perto de Karaganda.Depois de muitos maus tratos e humilhaes, Padre Alexijobteve a palma do martrio ex aerumnis carceris, nodia 30 de Outubro de 1963. Neste dia, celebra-se a suamemria litrgica, em todas as igrejas catlicas de Kaza-khstan e da Rssia; a Igreja greco-catlica ucranianacelebra-o, juntamente com outros mrtires ucranianos, nodia 27 de Junho. Foi um santo eucarstico que conseguiueducar mulheres eucarsticas. Estas mulheres eucarsticaseram como flores crescidas na escurido e no deserto daclandestinidade, tornando assim a Igreja verdadeira-mente viva.

    O terceiro exemplo de mulher eucarstica o deMaria Stang, uma alem do Volga, deportada para oKazakhstan. Esta me e av santa teve uma vida plena deincrveis sofrimentos, de contnuas renncias e sacrifcios.Mas foi uma pessoa com muita f, esperana e alegriaespiritual. J desde jovem, queria dedicar a sua vida aDeus. Por causa da perseguio comunista e da deportao,o caminho da sua vida foi doloroso. Maria Stang escrevenas suas memrias: Tiraram-nos os sacerdotes. Na aldeiavizinha, havia ainda a igreja, mas infelizmente j no tinhasacerdote, j no tinha o Santssimo. Mas sem o sacerdote,

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    sem o Santssimo, a igreja era to fria. Eu via-me foradaa chorar amargamente. A partir desse momento, Mariacomeou a rezar todos os dias e a oferecer sacrifcios aDeus, com esta orao: Senhor, dai-nos de novo umsacerdote, dai-nos a Sagrada Comunho! Tudo sofro demuito boa vontade por Vosso Amor, Santssimo Coraode Jesus! No interminvel lugar de deportao do Ka-zakhstan oriental, Maria Stang reunia secretamente emsua casa, todos os domingos, outras mulheres para aorao. Durante essas assembleias dominicais, as mulheresmuitas vezes choraram e rezaram assim: Maria, nossaSantssima e carssima Me, vede como estamos pobres.Dai-nos de novo sacerdotes, doutores e pastores!.

    A partir do ano de 1965, Maria Stang conseguiu viajaruma vez por ano, a Kirghistan, onde vivia um sacerdotecatlico no exlio (a uma distncia de mais de milquilmetros. Nas imensas aldeias do Kazakhstan oriental,os catlicos alemes no viam um sacerdote j h mais devinte anos. Maria escreve: Quando cheguei a Frunse(hoje Bishkek) em Kirghistan, encontrei um sacerdote.Entrando na sua casa, vi o sacrcio. No podia imaginarque, na minha vida, pudesse ver ainda uma vez mais osacrrio e o Senhor Eucarstico. Ajoelhei-me e comecei achorar. Depois, aproximei-me do sacrrio e beijei-o.Antes de partir para a sua viagem, para o Kasakhstan, osacerdote entregou a Maria Stang uma pxide com algumashstias consagradas.

    Na primeira vez que se reuniram os fiis na presena doSantssimo, Maria disse-lhes: Temos uma alegria e umafelicidade que ningum pode imaginar: temos connosco o

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    Senhor Eucarstico e podemos receb-Lo. As pessoaspresentes responderam: No podemos receber aComunho, porque j h tantos anos que nos noconfessamos. Depois, os fiis reuniram-se em conselho etomaram a seguinte deciso: Os tempos so dificlimos ej que nos foi trazido o Santssimo de a mais de milquimetros, Deus ser-nos- propcio. Metermo-nos-emosespiritualmente no confessionrio diante do sacerdote.faremos um acto de contrio perfeita e cada um de ns seimpor a si mesmo uma penitncia. E assim fizeramtodos; e, depois,receberam a Sagrada Comunho, ajoe-lhados e num vale de lgrimas. Eram lgrimas, ao mesmotempo, de contrio e de alegria.

    Durante 30 anos, Maria Stang reunia todos os domingosos fiis para a orao, ensinava s crianas e aos adultos ocatecismo, preparava os esposos para o sacramento domatrimnio, realizava os ritos das exquias e, sobretudo,administrava a Sagrada Comunho. Sempre distribuia aComunho com um corao ardente e com um temor deextraordinria reverncia. Era uma mulher com uma almaverdadeiramente sacerdotal, uma mulher eucarstica!

  • 23

    II

    Cum amore ac timore(Com amor e temor)

    Algumas observaes histrico-litrgicassobre a Sagrada Comunho

    1

    O grande Papa Joo Paulo II, na sua ltima encclica,Ecclesia de Eucharistia, deixou Igreja uma advertnciaardente que soa como um verdadeiro testamento: Devemosocupar-nos a toda a pressa em no atenuar algumadimenso ou exigncia da Eucaristia. Assim nosdemonstramos verdadeiramente conscientes da grandezadeste dom... No h perigo de exagerar no cuidado a tercom este mistrio! (n. 61).

    A conscincia da grandeza do mistrio eucarsticomostra-se particularmente evidente na maneira como distribuido e recebido o Corpo do Senhor. Isto revela-seevidente no rito da Comunho, na medida em que elaconstitui a consumao do sacrifcio eucarstico. Para ofiel ela o ponto culminante do encontro e da unio pessoal

  • 24

    com Cristo, real e substancialmente presente sob o humildevu das espcies eucarsticas. Este momento da liturgiaeucarstica tem verdadeiramente uma importnciaeminente que comporta uma especial exigncia pastoral,mesmo no aspecto ritual do gesto.

    2

    Consciente da grandeza e importncia do momento daSagrada Comunho, a Igreja, na sua bimilenria tradio,tem procurado encontrar uma expresso ritual que pudessetestemunhar, do modo mais perfeito possvel, a sua f, oseu amor e o seu respeito. Isto mesmo se tem unificadoquando, na esteira de um desenvolvimento orgnico, pelomenos a partir do sculo VI, a Igreja comeou a adoptar amodalidade de distribuir as sagradas espcies eucarsticasdirectamente na boca. Assim o testemunham: a biografiado Papa Gregrio Magno (pontfice nos anos 590-604) (1)e uma indicao do mesmo Papa (2). O snodo de Crdovado ano 839 condenou a seita dos chamados casiani, porcausa da sua recusa de receber a sagrada Comunhodirectamente na boca (3). Depois, o snodo de Rouen, noano 878, confirmava a norma vigente da distribuio do

    (1) Cf. Vita s. Gregorii, PL 75, 103.(2) Na sua obra Dialoghi III (PL 77, 224) o Papa Gregrio Magno

    conta como o Papa Agapito (535-536) tinha distribuido a Sa-grada Comunho na boca.(3) Cf. JUNGMANN J.A., Missarum sollemnia. Eine Genetische

    Erklarung der romischen Messe, Wien 1948, II, p. 463, n. 52.

  • 25

    Corpo do Senhor na lngua, ameaando os ministrossagrados de suspenso do seu cargo, se tivessem distribuidoaos leigos a Sagrada Comunho na mo (4).

    No Ocidente, o gesto de prostrar-se e ajoelhar-se, antesde receber o Corpo do Senhor, observa-se nos ambientesmonsticos, j a partir do sculo VI (por exemplo, nosmosteiros de So Columbano) (5). Mais tarde, nos sculosX e XI, este gesto divulgou-se ainda mais (6).

    No fim da era patrstica, a prtica de receber a SagradaComunho directamente na boca passa a ser por isso umaprtica j difundida e quase universal. Este desenvolvi-mento orgnico pode considerar-se como um fruto daespiritualidade e da devoo eucarstica do tempo dosPadres da Igreja. De facto, h vrias exortaes dosPadres da Igreja sobre a mxima venerao e cuidado paracom o Corpo eucarstico do Senhor, particularmente apropsito dos fragmentos do po consagrado. Quando secomeou a notar que j no existiam as condies em quese podiam garantir as exigncias do respeito e do carcteraltamente sagrado do po eucarstico, a Igreja, quer noOcidente quer no Oriente, num admirvel consenso equase instintivamente apercebeu-se da urgncia de distri-buir a Sagrada Comunho aos leigos apenas na boca.

    O conhecido liturgista J.A.Jungmann explicava que,por causa da distribuio da Comunho directamente naboca, se eliminaram vrias preocupaes: que os fiis

    (4) Cf. CF. MANSI X, 1199-1200.(5) Cf. Regula coenobialis, 9.(6) Cf. JUNGMANN, ibid., pp. 456-457; p. 458, n. 25.

  • 26

    devem ter as mos lavadas, a preocupao ainda maisgrave para que nenhum fragmento do po consagrado seperca, a necessidade de purificar as palmas das mos,depois da recepo do sacramento. O pano de Comunhoe, mais tarde, a bandeja da Comunho sero uma bem claraexpresso de um cada vez maior cuidado a respeito dosacramento eucarstico (7).

    Para este desenvolvimento contribuiu igualmente umcrescente aprofundamento da f na presena real, que seexprimiu no Ocidente, por exemplo, na prtica da adoraodo Santssimo sacramento solenemente exposto.

    3

    O Corpo e o Sangue eucarsticos so o dom, porexeclncia que Cristo deixou Igreja, Sua esposa. O PapaJoo Paulo II fala, na encclica Ecclesia de Eucharistia, daadmirao adorante frente ao dom incomensurvel daEucaristia (n. 48), que se deve manifestar mesmo nosgestos externos:Na onda deste elevado sentido do mistriose compreende como a f da Igreja no mistrio eucarsticose tenha expresso na histria, no apenas atravs dainstncia de uma interior atitude de devoo, mas tambmatravs de uma srie de expresses externas (ibid. n. 49).

    Por isso, o comportamento mais conforme com estedom o comportamento da receptividade, a atitude dehumildade do centurio, a atitude de deixar-se alimentar,

    (7) Cf. loc cit., pp. 463-464.

  • 27

    justamente a atitude da criancinha. Isto vem expresso,mesmo nas seguintes e bem famosas palavras de umhino eucarstico: O po dos anjos torna-se po doshomens... coisa admirvel: o servo pobre e humildecome o Senhor! (8).

    A palavra de Cristo, que nos convida a acolher o Reinode Deus como uma criana (Lc 18,17), pode encontrar a suailustrao, de um modo bem sugestivo e belo, mesmo nogesto de receber o po eucarstico directamente na boca ede joelhos. Este rito manifesta, de um modo oportuno efeliz, o comportamento interior da criana que se deixaalimentar, unido ao gesto de humildade do centurio e aogesto da admirao adorante.

    O Papa Joo Paulo II punha em evidncia a necessidadede expresses externas de respeito para com o poeucarstico:Se a lgica do banquete inspira fami-liaridade, a Igreja no tem nunca cedido tentao debanalizar esta familiaridade com o seu Esposo,esquecendo-se de que Ele tambm o Senhor. ... Obanquete eucarstico na realidade banquete sagrado,em que a simplicidade dos sinais esconde o abismo dasantidade de Deus. O po que partido nos nossosaltares... po dos anjos, do qual se no pode aproximarseno com a humildade do centurio do Evangelho (9).

    O comportamento da criana o mais verdadeiro eprofundo comportamento de um cristo diante do seu

    (8) Panis angelicus fit panis hominum. O res mirabilis manducatDominum pauper servus et humilis: hino Sacris sollemniis

    da Hora das leituras da solenidade do Corpo e Sangue do Senhor.(9) Encclica Ecclesia de Eucharistia, n. 48.

  • 28

    Salvador, que a alimenta com o Seu Corpo e o Seu Sangue,segundo as seguintes e bem comoventes expresses deClemente de Alexandria: OLogos tudo para a crian-a: pai, me, pedagogo, nutridor. Comei, diz Ele, aMinha carne e bebei o Meu sangue!... incrvelmistrio! (10).

    possvel supor que Cristo, durante a ltima Ceia,tenha dado o po a cada Apstolo directamente na boca, eno apenas a Judas Iscariotes (Jo 13, 26-27). De facto, existiauma tradicional prtica, no ambiente do Mdio Oriente, notempo de Jesus, e que dura ainda nos nossos dias: o chefeda casa alimenta os seus hspedes com a sua prpria mo,metendo um pedao simblico de alimento na boca doshspedes.

    Uma outra considerao bblica fornecida pelo relatoda vocao de Ezequiel. Ezequiel recebeu a palavra deDeus simbolicamente, directamente na boca: Abre a bo-ca e come o que Eu te vou dar. Olhei e vi que uma mose estendia para mim, a qual segurava um manuscritoenrolado... Abri a boca e fez-mo engolir. Comi-o, pois,e na minha boca era doce como o mel (Ez 2, 8-9; 3, 2-3).

    Na Sagrada Comunho, recebemos a Palavra, feitacarne, feita alimento para ns pequenos, para nscriancinhas. Por conseguinte, quando nos aproximamosda Sagrada Comunho, poderemos recordar-nos dessegesto do profeta Ezequiel, ou tambm da palavra do Salmo81,11, que se encontra na liturgia das Horas da solenidade

    (10) CLEMENS ALEXANDRINUS, Paedagogus I, 42,3.

  • 29

    do Corpo e Sangue de Cristo: Abre a tua boca e Eu aencherei (dilata os tuum et implebo illud).

    Cristo alimenta-nos verdadeiramente com o Seu Corpoe Sangue, na Sagrada Comunho e isto comparado, naidade patrstica, com o aleitamento materno, como odemonstram estas sugestivas palavras de So JooCrisstomo: Com este mistrio eucarstico, Cristo une--Se a todo o fiel e aqueles que gerou alimenta-os por Simesmo e no os confia a um outro. Acaso no vedes comquanto entusiasmo os recm-nascidos aproximam osseus lbios do peito da me? Pois bem, aproxima-nostambm ns com um tal ardor desta sagrada mesa e dopeito desta bebida espiritual; ou antes, com um ardorainda maior do que o dos que so amamentados! (11).

    O gesto de uma pessoa adulta, que est de joelhos e abrea sua boca, para se deixar alimentar como uma criancinha,corresponde de um modo muito feliz e impressionante sadvertncias dos Padres da Igreja, sobre o comportamentoa ter durante a Sagrada Comunho, isto : cum amore actimore (com amor e temor) (12).

    O gesto mais tpico da adorao o bblico de ajoelhar--se, como o receberam e praticaram os primeiros cristos.Para Tertuliano, que viveu entre o II e o III sculo, a maisalta forma de orao o acto de adorao a Deus, que sedeve manifestar tambm no gesto da genuflexo.

    (11) In Ioan. hom. 82,5.(12) Cf. S. CYPRIANUS, Ad Quirinum, III, 94; S. BASILIUS M.,

    Regulae brevius tract., 172 (PG 31, 1196); S. JOANNESCHRYS., Hom. Nativ., 7 (PG 49, 360).

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    Rezam todos os anjos, reza toda a criatura, rezam osanimais e as feras e dobram os joelhos (13).

    Santo Agostinho advertia que ns pecamos, se noadoramos o Corpo eucarstico do Senhor, quando Orecebemos: Ningum coma essa carne, se antes a noadorou. Pecamos, se a no adoramos (14).

    Numa antiga Ordo communionis da trao litrgica daIgreja copta, foi estabelecido: Todos se prostram porterra, pequenos e grandes, e assim comece a distribuioda Comunho (15).

    Segundo as Catequeses Mistaggicas, atribuidas a SoCirilo de Jerusalm, o fiel deve receber a Comunho, comum gesto de adorao e venerao: No estendas asmos, mas num gesto de adorao e venerao, aproxi-ma-te do clice do Sangue de Cristo (16).

    So Joo Crisstomo exorta aqueles, que se aproximamdo Corpo eucarstico do Senhor a imitar os Magos doOriente, no esprito e no gesto da adorao: Aproximemo--nos, pois, dEle com fervor e ardente caridade. Estecorpo, embora se encontrasse numa mangedoira,adoraram-no os prprios Magos. Ora, esses homens,

    (13) De oratione, 29.(14) S. AUGUSTINUS, Enarr. in Ps. 98, 9(PL 37, 1264): Nemo

    illam carnem manducat, nisi prius adoraverit... peccemusnon adorando.(15) Collectiones Canonum Copticae: H. DENZINGER, Ritus

    Orientalium, Wurzburg 1863, vol. I, p. 405: Omnesprosternent se adorantes usque ad terram, parvi et magniincipientque distribuere Comunionem.(16) Catech. Myst., 5, 22.

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    O Papa Joo Paulo II, ajoelhado, adora a hstia consagrada,antes de comungar (2 de Fevereiro de 2004, Baslica Vaticana)

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    sem conhecimento da religio e sendo brbaros, adora-ram o Senhor com grande temor e tremor. Pois bem, nsque somos cidados dos cus, procuremos pelo menosimitar estes brbaros! Tu, com diferena dos Magos, novs simplesmente este corpo, mas conheceste toda a suafora e todo o seu poder salvfico. Incitemo-nos, pois, ans mesmos, tremamos e mostremos uma piedade maiorque a dos Magos (17).

    J no sculo VI, nas igrejas gregas e siro-orientais, seprescrevia uma trplice prostrao, antes de se aproximarda Sagrada Comunho (18).

    Sobre a estrita ligao entre a adorao e a SagradaComunho, assim falava sugestivamente o Cardeal J.Ratzinger: Alimentar-se (da Eucaristia)... um eventoespiritual, que investe toda a realidade humana.Alimentar-se dela significa ador-la. Por isto, aadorao... nem sequer se pe ao lado da Comunho: aComunho atinge a sua profundidade, s quando sustentada e absorvida pela adorao (19). Por con-seguinte, perante a humildade de Cristo e o Seu Amor,comunicado a cada um de ns nas espcies eucarsticas,no se pode seno ajoelhar-se. O Cardeal Ratzingerobservava ainda: O dobrar os joelhos na presena doDeus vivo irrenuncivel (20). No Livro do Apocalipse,o livro da liturgia celeste, o gesto da prostrao dos 24

    (17) In 1 Cor. hom. 24, 5.(18) Cf. JUNGMANN, op. cit., p. 458, n. 25(19) Introduzione allo spirito della liturgia, Cinisello Balsamo 2001,

    p. 86.(20) Introduzione, o.c., p. 187.

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    ancios diante do Cordeiro, pode ser o modelo e o crit-rio (21) de como a Igreja, na terra, deve tratar o Cordeiro deDeus, quando os fiis se aproximam dEle e O tocam sobas espcies eucarsticas.

    As normas litrgicas da Igreja no exigem um gesto deadorao para aqueles que comungam de joelhos, pois ofacto de se ajoelhar exprime por si mesmo a adorao. Pelocontrrio, aqueles que comungam de p devem, antes,fazer um gesto de reverncia, isto , de adorao (22).

    Maria, a Me do Senhor, o modelo de comportamentointerior e exterior, no receber o Corpo do Senhor. Nomomento da Incarnao do Filho de Deus, Ela mostrava amxima receptividade e humildade: eis a escrava. Ogesto exterior mais conforme com este comportamento o de estar de joelhos (como se v no raramente naiconografia da Anunciao). O modelo da adoraoamorosa da Virgem Maria deve inspirar toda a nossaComunho eucarstica, disse o Papa Joo Paulo II (23).O momento de receber o Corpo eucarstico do Senhor certamente a ocasio mais apta para o fiel, nesta vidaterrena, para exteriorizar o seu comportamento interior,abismando-se na adorao e num amor sem limi-tes (24).

    Num sentido semelhante, falava tambm o Beato PapaJoo XXIII: O beato Eymard deixou escrito que, metendo-

    (21) Cf. J. RATZINGER, Introduzione, o.c., p. 182.(22) Cf. Istruzione Eucharisticum mysterium, n. 34; Istruzione

    Inaestimabile donum, n. 11.(23) Encclica Ecclesia de Eucharistia, n. 55.(24) Encclica Ecclesia de Eucharistia, n. 62.

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    -nos nos passos de Jesus, jamais se deixar Maria, e estebelo ttulo de Nossa Senhora do Sacramento pe-nos atodos de joelhos, como criancinhas submissas que seguemo exemplo da sua boa me, perante o grande mistrio deamor de Seu bendito Filho Jesus (25).

    O modo de distribuir a Comunho - s vezes, noapreciado devidamente na sua importnia - reveste narealidade uma importncia significante e tem consequnciasna f e na devoo dos fiis, na medida em que reflectevisivelmente a f, o amor e a delicadeza com que a Igrejatrata o Seu Divino Esposo e Senhor, nas humildes espciesdo po e do vinho.

    A conscincia de que, nas humildes espcies eucarsticasest realmente presente toda a majestade de Cristo, Rei doscus, diante do qual se prostram em adorao todos osanjos, era vivssima nos tempos dos Padres da Igreja. Entremuitas vozes, basta citar a seguinte comovente advertnciade So Joo Crisstomo:J aqui este mistrio te faz aterra, cu. Abre, pois, as portas do cu e olha; ou antes,no do cu, mas do Cu dos cus, e ento poders ver averdade de tudo quanto te foi dito. De facto, como numpalcio real, a parte mais sumptuosa de todas no dadanem pelos muros nem pelos tecto de ouro, mas pelo corpodo rei que se senta no trono; o mesmo vale para o corpodo Rei que est nos Cus. Pois bem, este corpo agora --te possvel v-lo aqui, na terra. Eu mostro-te, de facto,no anjos, nem arcanjos, no cus e cus dos cus, maso seu prprio Senhor (26).

    (25) La Maddona e Papa Giovanni, Catania 1969, p. 60.(26) In 1 Cor. hom. 24, 5.

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    Os Padres da Igreja mostraram uma viva preocupao,a fim de que no se perdesse sequer um mnimo fragmentodo po eucarstico, como exortava So Cirilo de Jerusalmde uma forma to sugestiva:S vigilante, a fim de queno percas nada do Corpo do Senhor. Se tu deixasses cairalgo, deverias consider-lo como se tivesses cortado umdos membros do teu prprio corpo. Diz-me, peo-te, sealgum te desse grozinhos de ouro, no os segurariasporventura com a mxima cautela e diligncia, com ainteno de no perder nada? Acaso no deveriascuidar, com a mxima cautela e vigilncia ainda maior,a fim de que nada e to pouco um fragmentozinho doCorpo do Senhor pudesse cair por terra, porque , delonge, bem mais precioso do que o ouro ou pedraspreciosas? (27).

    J Tertuliano dava testemunho da angstia e da dor daIgreja (no sculo II e III) para que se no perdesse nenhumfragmento: Sofremos uma verdadeira angstia paraque nada do clice ou do po caia por terra (28).

    O extremo cuidado e venerao pelos fragmentos dopo eucarstico era um fenmeno caracterstico nascomunidades crists do sculo III conhecidas por Orgenes:Vs, que por norma assistis aos divinos mistrios,recebendo o Corpo do Senhor, sabei como deveis guard-

    (27) S. CYRILLUS HIER., Catech. Myst., 5, 21 (PG 33, 1125).(28) TERTULLIANUS, De corona, 3: Calicis aut panis aliquid

    decuti in terram anxie patimur 7.

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    -Lo com todo o cuidado e venerao, a fim de que nemsequer cada um dos fragmentos caia por terra e no seperca algo do dom consagrado (29).

    O facto de que um fragmento eucarstico casse porterra considerava-o So Jernimo preocupante e um perigoespiritual: Quando vamos receber o Corpo de Cristo, -quem fiel que o entenda - se casse um fragmento porterra, sintamo-nos em perigo (30).

    Na tradio litrgica da Igreja copta, encontra-se aseguinte advertncia: No h diferena alguma entre aspartes maiores ou menores da Eucaristia, mesmo asmnimas que se no podem reconhecer com a agudeza davista; todas elas merecem a mesma venerao e possuema mesma dignidade que o po inteiro (31).

    Nalgumas liturgias orientais, o po consagrado designado com o nome de prola (margarida). E assim,nas Collectiones Canonum Copticae se diz: Queira Deusque nenhuma das prolas ou fragmentos consagrados sefixe nos dedos ou caia por terra! (32).

    (29) In Ex. hom. 13,3.(30) In Ps. 147,14.(31) Nulla differentia est inter maiores aut minores Eucharistiae

    partes, etiam minutissimas, adeo ut oculorum acieanimadverti non possint, quae eandem venerationem merentureandemque proprsus dignitatem habent ac totum ipsum:DENZINGER, o.c., vol. I, p. 96 (osservazioni scritte da Ferge Al-lah Elchmini nellanno 1239).(32) Deus prohibeat, ne quid ex margaritis seu ex particulis

    consecratis adhaereat,aut in terram decidat: DENZINGER,o.c., vol. I, p. 95.

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    Na tradio da Igreja siraca, o po eucarstico eracomparado com o fogo do Esprito Santo. Havia uma vivaconscincia de f na presena de Cristo, at mesmo nosmnimos fragmentos do po eucarstico, como atestaSanto Efrem: Jesus encheu o po de Si mesmo e deEsprito e chamou-o o Seu Corpo vivo. Isto que agora vosdei, dizia Jesus, no o considereis po, e to pouco piseisos seus fragmentos. O mnimo fragmento deste po podesantificar milhes de homens e basta para dar a vida atodos quantos o comam (33).

    A extrema vigilncia e cuidado da Igreja dos primeirossculos, a fim de que se no perdesse nenhum fragmentodo po eucarstico era um fenmeno universalmentedifundido: Roma (S. Hiplito em Traditio apostolica,32), frica do Norte (Tertuliano em De corona, 3,4),Gallia (S. Caesarius Arelatensis, em sermo 78,2), Egipto(Origenes, In Exodum hom. 13,3), Antioquia e Cons-tantinopla (S. Joo Crisstomo, em Ecloga quod nonindige accedendum sit ad divina mysteria), Palestina (S.Jernimo, em Ps. 147,14), Sria (Santo Efrem, In hebd.sanctum, s. 4,4).

    Num tempo em que se administrava a Comunhoapenas na boca e se usava mesmo a bandeja da Comunho,o Papa Pio XI ordenou que se publicasse a seguintepremente exortao: Na administrao do sacramentoeucarstico, deve mostrar-se um particular zelo, a fim deque no se percam os fragmentos das hstias consagradas,j que em cada um deles est presente o Corpo inteiro de

    (33) Sermones in hebdomada sancta, 4, 4.

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    Cristo. Por isso, tome-se o cuidado, para que os fragmen-tos se no separem facilmente da hstia e no caiampor terra, onde - horrvel diz-lo! - se podero misturarcom a porcaria e ser calcados pelos ps (34).

    Num momento de to grande importncia na vida daIgreja, como a recepo sacramental do Corpo do Senhor,deve prestar-se um correspondente cuidado, vigilncia eateno. O Papa Joo Paulo II, falando sobre a recepo daSagrada Comunho, constatou deplorveis faltas derespeito nos confrontos com as espcies eucarsticas,faltas cuja gravidade recai tambm sobre os pastores daIgreja que tenham sido menos vigilantes com o porte dosfiis para com a Eucaristia (35). Por isto, devem ter-seem conta as circunstncias particulares e histricas que serelacionam com os comungantes, a fim de que nadaacontea que possa provocar um dano ao respeito para comeste sacramento, como avisava So Toms de Aquino (36).Todo o sacramento possui o dplice e inseparvel aspecto:o culto da dorao Divina e a salvao do homem (37). Aforma do rito deve, por isso, garantir, do modo maisseguro possvel, o respeito e o carcter sagrado daEucaristia.

    Precisamente este aspecto da unidade entre a disposiointerior e a sua manifestao no gesto exterior explicava

    (34) Instruo da Sagrada Congregao da disciplina dossacramentos de 26 de Maro de 1929: AAS 21 (1929) 635.

    (35) Carta apostlica Dominicae cenae de 24.02.1980, n. 11:Enchiridion Vaticanum, n. 213.

    (36) Cf. Summa theol., III, q. 80, a. 12c.(37) Cf. Summa theol., III, q. 60, a. 5c, ad 3.

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    com palavras to impressionantes e cheias do fervor da fo Beato Columba Marmion, na seguinte orao dirigida aJesus eucarstico: Senhor Jesus, por nosso amor, paranos atrairdes a Vs, para Vos tornardes nosso alimento,Vs escondeis-nos a Vossa najestade. Quanto mais Vsescondeis a Vossa divindade, tanto mais ns desejamosadorar-Vos, tanto mais desejamos pr-nos de joelhosaos Vossos ps com reverncia e amor (38).

    O Beato Columba Marmion explica a causa da vene-rao exterior das espcies eucarsticas a partir da oraoda Igreja: Senhor, dai-nos a graa de venerar os sagradosmistrios do Vosso Corpo e do Vosso Sangue. Porquvenerar? Porque Cristo Deus, porque a realidade dasespcies sagradas uma realidade sagrada e divina. Aqueleque Se esconde na Eucaristia Aquele que , com o Pai eo Esprito Santo, o Ser Infinito, o Omnipotente: CristoJesus, realmente presente, prostro-me aos Vossos ps.Que Vos seja dada a adorao, no sacramento, que Vsquisestes deixar-nos na viglia da Vossa Paixo, comotestemunho do excesso do Vosso amor! (39).

    5

    Na Igreja antiga, os homens, antes de receber o poconsagrado, deviam lavar as palmas das mos (40). Por

    (38) Le Christ dans ses mystres, Paris 1938, chap. XVIII, n. 4.(39) Cf. ibid.(40) Cf. S. ATHANASIUS, ep. heort. 5. Outras indicaes cf.

    JUNGMANN, op. cit., p. 461, n. 43

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    outro lado, o fiel inclinava-se profundamente, recebendo oCorpo do Senhor com a boca, directamente da palma damo direita e no da mo esquerda (41). A palma da moservia por assim dizer como patena ou corporal(especialmente para as mulheres). Assim se l num sermode So Cesrio de Arles (470-542): Todos os homens quedesejem comungar, devem lavar as suas prprias mos.E todas as mulheres devem trazer um pano de linho,sobre o qual recebem o Corpo de Cristo (42).

    Habitualmente, a palma da mo foi purificada, ou seja,lavada, depois da recepo do po eucarstoco, como atagora tem sido norma na Comunho do clero, no ritobizantino.

    A Igreja antiga vigiava, a fim de que a recepo doCorpo do Senhor na mo fosse acompanhada por umcomportamento, mesmo exterior e de profunda adorao,como se pode constatar da seguinte homilia de Teodoro deMopsuesto: Cada um de ns se aproxima, pagando umaespcie de dvida com a adorao, fazendo assim umaprofisso de f em que est recebendo o Corpo do Rei. Tu,

    (41) Cf. p.e. S. CYPRIANUS, Ep., 58,9; S. CYRILLUS HIEROS.,Cat. Myst. 5, 21; S. IOANNES CHRYS., In 1 Cor. hom. 25, 5:

    THEODORUS MOPS., Catech. hom. 16,27. No rito da Comunhona mo que se pratica na Igreja de Rito Romano a partir mais oumenos do ano de 1968 recebe-se o po eucarstico na mo esquerdaem vez de na mo direita como era norma na antiguidade. Almdisso, no rito odierno da Comunho na mo os mesmos fiis tomamo Corpo do Senhor colocado sobre a sua mo e de seguida colocam--no na boca com os dedos.(42) Sermo 227, 5 (PL 39, 2168).

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    porm, deves ter recebido o Corpo de Cristo nas tuasprprias mos, ador-Lo com amor grande e sincero,fix-Lo com os teus olhos, beij-Lo! (43).

    Nos velhos cnones da Igreja caldeia, mesmo o sacerdotecelebrante era proibido de meter o po eucarstico na suaprpria boca com os dedos. Pelo contrrio, devia tomar oCorpo do Senhor da palma da sua mo e, com esta, lev--lo directamente boca; como motivo, era indicado que setratava, no de um alimento comum, mas de alimentoceleste: Ao sacerdote, ordena-se que receba a partculado po consagrado directamente da palma da sua mo.Que lhe no seja permitido met-la com a mo na boca,mas deve tom-la com a boca, pois se trata de umalimento celeste (44).

    No rito caldeu e siro-malabarense, h uma particula-ridade que exprime o profundo respeito ao tratar o po con-sagrado: antes que o sacerdote na liturgia eucarstica to-que com os seus dedos o Corpo do Senhor, so-lhe insen-sadas as mos. O Cardeal J. Ratzinger tinha feito a seguin-te observao: o facto de que o sacerdote tome, ele prprio,o Corpo do Senhor, no s o distingue do leigo, mas deveincit-lo a tomar conscincia de que se encontra diante domistrio tremendo e de agir na pessoa de Cristo (45).

    (43) Hom. Catech. 16, 27.(44) Canone de Ioannes Bar-Abgari: Sacerdoti praecipit, ut palmis

    manuum particulam sumat, neve corporis particulam manuori inferat, sed ore capiat, quia caelestis est cibus: DENZINGER,o.c., vol. I, p. 81.(45) Cf. Kirche, Okumene, Politik. Neue Versuche zur Ekklesiologie,

    Einsiedeln 1987, 19.

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    O facto de que um homem mortal tomava o Corpo doSenhor directamente nas suas mos, exigia, para So JooCrisstomo, um comportamento de grande maturidadeespiritual: O sacerdote continuamente toca Deus com assuas mos. Que pureza, que piedade se exige dele!Reflecte agora um pouco, como deveriam ser essas mosque tocam coisas to santas! (46).

    Na antiga Igreja siraca, o rito da distribuio daComunho era comparado com a cena da purificao doprofeta Isaas, por parte de um dos serafins. Num dos seussermes, Santo Efrem deixa falar Cristo com estasexpresses: O carvo trazido santificou os lbios deIsaas. Fui Eu que, trazido agora a vs por meio do po,vos santifiquei: As tenazes que o profeta viu e com que foitomado o carvo do altar, eram a figura de Mim prprio,no grande sacramento. Isaas viu-Me a Mim, assim comovs Me vedes a Mim agora, estendendo a Minha modireita e levando s vossas bocas o po vivo. As tenazesso a Minha mo direita. Eu fao as vezes do serafim. Ocarvo o Meu Corpo. Todos vs sois Isaas (47).

    Esta descrio permite concluir que na Igreja siraca,no tempo de Santo Efrem, a Sagrada Comunho era distri-buida directamente na boca. Isto mesmo se pode constatartambm na liturgia dita de S. Tiago, que era ainda maisantiga do que a chamada de So Joo Crisstomo (48). Na

    (46) De sacerdotio, VI, 4.(47) Sermones in hebdomada sancta, 4, 5.(48) Cf. MALDONADO, L., La Plegaria Eucaristica, Madrid 1967,

    422-440.

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    liturgia de So Tiago, antes de distribuir aos fiis a SagradaComunho, o sacerdote recita esta orao: Que o Senhornos abenoe e nos torne dignos de tomar, com mosimaculadas, o carvo aceso, metendo-o na boca dosfiis (49).

    No rito siro-ocidental, o sacerdote, ao distribuir aComunho, recita esta frmula: O propiciatrio evivificante carvo do Corpo e do Sangue de Cristo, nossoDeus, dado ao fiel pelo perdo das ofensas e pelaremisso dos pecados.

    Existe um testemunho semelhante de So Joo Damas-ceno: Recebamos o carvo Divino, para que sejamosinflamados e divinizados pela nossa participao no fogodivino. Isaas viu este carvo. Agora, o carvo no simples madeira, mas madeira unida com o fogo. Domesmo modo, o po da Comunho no simples po,mas po unido com a Divindade (50).

    Com base na experincia feita nos primeiros sculos,ao crescimento orgnico da compreenso teolgica domistrio eucarstico e ao consequente desenvolvimentoritual, o modo de distribuir a Comunho na mo foilimitada, no fim da idade patrstica, a um grupoqualificado, isto , ao clero, como acontece at agora nocaso dos ritos orientais. Aos leigos, comeou-se portantoa distribuir o po eucarstico (mergulhado no vinho

    (49) Segundo a edio paleo-slava: Bozestwennaya LiturgiaSwjatago Apostola Iakowa Brata Boziya i perwago ierarcha

    Ierusalima, Roma-Grottaferrata 1970, p. 91.(50) De fide orthod. 4, 13.

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    consagrado, nos Ritos orientais) directamente na boca. Namo, distribui-se nos Ritos orientais apenas o po noconsagrado, o chamado antidoron (51). E assim semostra, de modo evidente, a prpria diferena entre poeucarstico e po simplesmente abenoado.

    6

    H alguns anos, o Cardeal Joseph Ratzinger fez aseguinte constatao preocupante, a respeito do momentoda Comunho em alguns lugares: Ns j no subimos grandeza do evento da Comunho, mas arrastamos odom do Senhor para baixo do ordinrio da livre disposio,para a quotidianidade (52).

    Estas palavras do ento cardeal Joseph Ratzinger soquase um eco das advertncias dos Padres da Igreja, a res-peito do momento da Comunho, como muito bem se podeperceber, por exemplo, nas seguintes expresses de SoJoo Cristomo, doutor eucarstico: Pensas em quantasantidade necessrio que tu tenhas, pelo momento emque recebeste sinais ainda maiores do que aqueles que os

    (51) Cf. K. CH. FELMY, Customs and Practices Surrounding HolyCommunion in the Eastern Ortodox Churches in CH.

    CASPERS (ed.), Bread of Heaven. Customs and Practices Sur-rounding Holy Communion, Kampen 1995, pp. 41-59: cf. ancheJ.-M. HANSSENS, Le crmonial de la communion eucharistiquedans les rites orientaux: Gregorianum 41 (1961) 30-62.(52) Cf. Das Fest des Glaubens. Versuche zur Theologie des Gottes-

    -dienstes, Einsiedeln 1981, p. 131.

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    Judeus receberam no Santo dos Santos? A habitar em ti,de facto, tu no tens os Querubins, mas o Senhor dos pr-prios Querubins; no tens, nem a arca, nem o man, nema tbua de pedra e to pouco a vara de Aaro, mas o Cor-po e o Sangue do Senhor, o Esprito em lugar da letra,tens um dom inenarrvel. Pois bem, com quantos maioressinais e mais venerveis mistrios foste honrado, de tantomaior santidade s obrigado a prestar contas (53).

    O autntico e restrito vnculo que une a idade antiga(patrstica) com a Igreja actual, nesta matria, o cuidadoreverente do Corpo do Senhor, mesmo nos mais pequenosfragmentos (54).

    A Santa S, numa recente Instruo para as Igrejasorientais catlicas, falando do modo de distribuir aComunho, e particularmente do uso que apenas ossacerdotes toquem o po eucarstico, exprime um critrioque , em si mesmo, vlido para a prtica litrgica de todaa Igreja: Mesmo que isto exclua a valorizao de outroscritrios, embora legtimos, e implique a renncia aalgum comodismo, uma modificao do uso tradicionalarrisca-se a comportar uma intruso no orgnica a res-peito do quadro espiritual que se tem mencionado (55).

    Na medida em que se constata uma cultura que seafastou da f e que j no conhece Aquele diante do qual(53) Hom. in Ps. 133, 2: PG 55, 386.(54) Cf. J.R. LAISE, Comunin en la mano. Documentos e histria,

    San Lus 1997, pp. 68-69.(55) Congregao para as Igrejas Orientais, Instruo Il Padre Ines-

    timabile para a aplicao das prescries litrgicas do Cdigodos Cannes das Igrejas Orientais, 6 de Janeiro de 1996, n. 58.

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    se ajoelhar, o gesto litrgico do ajoelhar-se o gestojusto, ou antes, o interiormente necessrio, comoobservava o Cardeal Joseph Ratzinger (56).

    O grande Papa Joo Paulo II insistia no facto de que,tendo em vista a cultura anti-sacra do tempo moderno, aIgreja de hoje dever sentir um especial dever a respeito dasacralidade da Eucaristia: Importa record-lo sempre, etalvez sobretudo no nosso tempo, no qual observamosuma tendncia para apagar a distino entre sagradoe profano, dada a geral e difundida tendncia (pelomenos em certos lugares) para a dessacralizao de todasas coisas. Perante uma tal realidade, a Igreja tem oparticular dever de assegurar e corroborar o sagradoda Eucaristia. Na nossa sociedade pluralstica, e muitasvezes mesmo deliberadamente secularizada, a viva f dacomunidade crist garante a este sacrum o direito decidadania (57).

    7

    A Igreja atesta com o prprio rito a sua f Cristo eadora-O a Ele, que est presente no Mistrio eucarstico e dado como alimento aos fiis (58). O modo de tratar o poeucarstico reveste-se de um valor altamente pedaggico.O rito deve ser um testemunho fiel daquilo que a Igrejaacredita. O rito deve ser o pedagogo ao servio da f (do

    (56) Introduzione, op. cit., p. 190.(57) Carta Apostlica Dominicae cenae, n. 8.(58) Cf. SACRA CONGREGATIO PRO CULTU DIVINO, Istru-

    zione Memoriale Domini: Enchiridion Vaticanum III, n. 1273.

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    dogma). O gesto litrgico, de um modo eminente o gestode receber o Corpo Eucarstico do Senhor, de receber porconseguinte o Santo dos Santos, impe ao corpo e alma atitudes conformes com as exigncias do esprito.

    O servo de Deus Cardeal John Henry Newman ensinava,neste sentido: Acreditar e no mostrar algum sinal dereverncia, um culto com familiaridade, segundo o seuprprio gosto, coisa anmala e um fenmenodesconhecido mesmo pelas falsas religies, no falandode verdadeiras religies. Culto, formas de culto - como oajoelhar-se, tirar os sapatos, fazer silncio e coisassemelhantes - so considerados como necessrios parapoder aproximar-se devidamente de Deus (59).

    So Joo Crisstomo reprovava os sacerdotes e diconosque distribuiam a Sagrada Comunho com respeito humanoe sem o devido cuidado: Mesmo que algum, porignorncia, se aproxime da Comunho, impedi-o, notemais. Teme Deus e no o homem. Se de facto temes ohomem, este mesmo escarnecer de ti; se, pelo contrrio,temes a Deus, sers respeitado, mesmo pelos homens.Estarei disposto a morrer, antes que dar o sangue doSenhor a uma pessoa indigna; derramaria o meu sangue,antes que dar o venerado Sangue do Senhor de um modoinadequado (60).

    So Francisco de Assis advertiu os clrigos, convidando--os a uma particular vigilncia e reverncia no distribuir a

    (59) Reverence in Worship: Parochial and Plain Sermons, SanFrancisco 1997, vol. 8, p. 1571.

    (60) Hom. 82, 6 in Ev. Io: PG 58, 746.

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    Sagrada Comunho: H alguns... que a (Eucaristia)distribuem de um modo desatinado... No nos movem compaixo todas estas profanaes, pensando que oprprio Senhor, to bom, Se abandona nas nossas mose todos os dias O temos, e recebemos com a nossa boca?Teremos porventura esquecido que um dia seremos nsque iremos cair nas Suas mos? (61).

    No se deve to pouco esquecer a sempre actualadvertncia do Catecismo Romano, que traduz no fundo oensinamento do Apstolo Paulo em 1 Cor 11, 27-30: En-tre todos os sagrados Mistrios... no h nenhum quepossa ser comparado com o Santssimo Sacramento daEucaristia: e, por conseguinte, no h ofensa que faatemer um pior castigo de Deus que o dos fiis que tratamno santa nem devotamente um Mistrio que todosantidade, ou antes, que contm em si mesmo o prprioAutor e a Fonte da santidade (62).

    (61) Lettera al clero: Gli scritti di S. Francesco dAssisi. Novaedio crtica e verso italiana, ed. K. ESSER, Padova 1995,

    p. 197.(62) Quemadmodum ex omnibus sacris mysteriis, quae nobis

    tamquam divinae gratiae certissima instrumenta DominusSalvator noster commendavit, nullum est quod cum sanctissimoEucharistiae sacramento comparari queat, ita etiam nulla gravioralicuius sceleris animadversio a Deo metuenda est, quam si resomnis sanctitatis plena, vel potius quae ipsum sanctitatis auctoremet fontem continet, neque sancte religiose a fidelibus tractetur:Catechismus Romanus, Pars II, cap. 4, ed. P. RODRIGUEZ, Cittdel Vaticano 1989, p. 235.

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    A Igreja de rito latino poderia, nos dias de hoje, aprendermuito das Igrejas orientais, no modo como se deve tratarCristo eucarstico, durante a Comunho, para citar apenasum dos muitssimos e belssimos testemunhos: O Santodesce na hstia e no clice, em glria e majestade,acompanhado pelos presbteros e pelos diconos, numagrande procisso. Milhares de anjos e de servidores defogo do Esprito descem diante do Corpo de Nosso Senhor,glorificando-O (63).

    O axioma dos Padres da Igreja sobre o modo de tratarCristo durante a Comunho era este: Cum amore actimore!. Testemunham-no, por exemplo, tambm estascomoventes palavras de S. Joo Crisstomo, doutor eucars-tico: Vamos com a devida modstia ao encontro do Reidos Cus. E, ao receber esta hstia santa e imaculada,beijemo-La com efuso e abracemo-La com o nossoolhar, abrasemos a nossa mente e a nossa alma, para nosno reunirmos para o juizo e a condenao, mas para nostornarmos santos e edificarmos o prximo (64).

    As Igrejas orientais conservavam este comportamentointerior e igualmente exterior, mesmo nos tempos modernose at nos nossos dias. No seu opsculo Meditaes sobrea Divina Liturgia (65), o famoso escritor russo Nikolaj(63) Spiegazione dei Misteri della Chiesa, attribuida a NARSI DI

    NISIBI, citado na Instruo Il Padre inestimabile, 1.c. Narsaidi Nisibi (399-502) foi o telogo por excelncia da Igreja nestoriana.(64) Hom. in Nativ. 7 (PG 49, 361).(65) Cf. NIKOLAJ V. GOGOL, Meditazioni sulla Divina Liturgia,

    Roma 2007.

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    Gogol assim comentava o momento da recepo daSagrada Comunho: Com ardente desejo e inflamadopelo fogo do santo amor de Deus, os comungantesaproximam-se, recitando a confisso da f no SenhorCrucificado. Depois da recitao da orao da confisso,cada um aproxima-se, no j do sacerdote, mas doflamejante serafim. O fiel abre os seus lbios, parareceber, com a santa colherzinha o carvo ardente doCorpo e do Sangue de Cristo (66).

    Um santo moderno da Igreja russo-ortodoxa, o sacerdoteJoo de Kronstadt (+1908), assim descreve o aspectoespritual e gestual do momento da Sagrada Comunho:Que aconteceria se Vs, Senhor Deus meu Jesus Cristo,fizsseis resplandecer a luz do Vossa divindade do VossoSantssimo Sacramento, quando o sacerdote o leva nassuas mos a um doente? Diante desta luz, todos os que oencontrassem ou o vissem, ficariam prostradosespontaneamente por terra, uma vez que os anjos cobrema sua face diante deste sacramento. Enquanto, pelocontrrio, quantos so aqueles que, com indiferena,tratam este celeste sacramento! (67).

    Numa explicao da Divina Liturgia, recentementeeditada pela Igreja russo-ortodxa, encontra-se esta instruodada aos fiis que comungam: Esses leigos que estopreparados para a recepo dos sagrados mistrios,depois da exclamao do dicono, devem aproximar-se

    (66) Cf. op. cit., pp. 139-140.(67) Cf. Swjatoj prawednyi IOANN KRONSHTADSKIL, Moya

    zisnj wo Christje, Moskwa 2006, p. 248, n. 444.

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    do clice com o temor de Deus, porque se aproximam dofogo, devem aproximar-se com a f no sacramento e como amor a Cristo. Cada um deve prostrar-se por terra,adorando Cristo realmente presente nos sagradosmistrios (68).

    A Igreja da antiguidade e os Padres da Igreja mostraramuma grande sensibilidade pelo significado do gesto ritual.Pois o primeiro e contnuo efeito do rito sacral e litrgicoconsiste no desligar e libertar o homem do quotidiano (69).

    9

    O esprito autntico da devoo eucarstica dos Padresda Igreja desenvolveu-se organicamente no fim daantiguidade em toda a Igreja (Oriente e Ocidente) noscorrespondentes gestos do modo de receber a SagradaComunho na boca, com a precedente prostrao por terra,(Oriente ou ajoelhados - Ocidente). Instrutiva neste con-texto uma comparao com o desenvolvimento do rito daComunho nas comunidades protestantes. Nas primeirascomunidades luteranas, recebia-se a Comunho na boca e

    (68) O Conselho editorial da Igreja russa-ortodoxa editou novamentea explicao da Divina Liturgia do douto bispo Bessarion

    Neciayew (1828-1905): Obyasneniye Bozestvennoy Liturgii,Moskwz 2006, p. 389.(69) Segundo a expresso de ROMANO GUARDINI: Die erste,

    immer wieder zu erfahende wirkung des Liturgischen ist: eslost vom Taglichen ab und befreit: Vorschule des Betens,Einsiedeln 1943, p. 260.

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    de joelhos, uma vez que Lutero no negava a presenareal. Pelo contrrio, Zwingli, Calvino e seus sucessores,que negavam a presena real, introduziram, ainda nosculo XVI, a comunho na mo e de p: Estar de p emovendo-se, para receber a Comunho, era hbito(70).

    Um prtica semelhante se observava na comunidadede Calvino em Genebra: Era hbito mover-se e estar dep, para receber a Comunho. A gente estava de pdiante da mesa e recebia as espcies com as suasprprias mos (71).

    Alguns snodos da Igreja calvinista da Holanda, nossculos XVI a XVII, estabeleceram formais proibiesde receber a Comunho de joelhos: Nos primeirostempos, a gente ajoelhava-se durante a orao e recebiaa Comunho ainda ajoelhada, mas alguns snodosproibiram-no, para evitar toda a hiptese de que o popudesse ser venerado (72).

    Na conscincia dos cristos do 2 milnio (quercatlicos quer protestantes) o gesto de receber a comunhode p ou de joelhos no era, pois, um aspecto insignificante.Nalgumas edies diocesanas do Rituale Romanum post--tridentino era conservado ainda o antigo uso de dar aos

    (70) Cf. LUTH, J.R., Communion in the Churches of the DutchReformation to the Present Day in: CH. CASPERS (ed.), Bread

    of Heaven. Customs and Practices Surrounding Holy Communion,Kampen 1995, p. 101.(71) Ibid.(72) LUTH, op. cit., p. 108.

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    A distribuio da Sagrada Comunho durante a Santa Missa, por ocasio do encerramento do Conclio Vaticano II

    (8 de Dezembro de 1965 sacrato da Baslica Vaticana)

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    fiis, imediatamente depois da Comunho do Corpo deCristo, o vinho no consagrado, com o fim da abluo daboca. Nestes casos, prescrevia-se que o fiel no recebesseo vinho de joelhos, mas sim de p (73).

    Por outro lado, deve ter-se em conta o valor altamenteeducativo de um gesto sacral e augusto. Um gesto dequotidianidade no tem um efeito educativo, que ajudariaum crescimento do sentido do sagrado. Deve ter-se emconta que propiramente o homem moderno bem poucocapaz de um acto litrgico e sagrado, como justa eprofeticamente obsrevou Romano Guardini num artigoescrito j no ano de 1965: O homem de hoje no capazde acto litrgico. Para esta aco, no basta a instruo, necessria a educao, ou antes, a iniciao que, nofundo, no mais que o exerccio deste acto (74).

    Se cada celebrao litrgica aco sagrada porexcelncia (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7), devem s--lo tambm, e sobretudo, o rito e o gesto de receber aSagrada Comunho, o Santssimo por excelncia. O PapaBento XVI, na exortao apostlica post-sinodalSacramentam caritatis sublinha o aspecto da sacralidadea respeito da Sagrada Comunho: Receber a Eucaristia

    (73) Cf. HEINZ, A., Liturgical Rules and Popular ReligiousCustoms Surrounding Holy Communion between the Council

    of Trent and the Catholic Restoration in the 19th Cetury: in CH.CASPERS (ed.), Bread of Heaven, op. cit., pp. 137-138.(74) O artigo apareceu na revista Humanitas 20 (1965), citado em:

    TAGLIAFERRI, R., La magia del rito. Saggi sulla questionerituale e liturgia, Padova 2006, p. 406.

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    significa pr-se em atitude de adorao para com Aqueleque recebemos (n. 66).

    A atitude de adorao para com Aquele que estrealmente presente no humilde pedacinho de poconsagrado, no apenas com o Seu Corpo e o Seu Sangue,mas tambm com a majestade da Sua Divindade, exprime--se, de modo mais natural e evidente, com o gesto bblicoda adorao de joelhos ou em prostrao. So Francisco deAssis quando, de longe, via um companrio, ajoelhava-see adorava Jesus, presente na Sagrada Eucaristia.

    No corresponderia, pois, bem mais, verdade dantima realidade do po consagrado, se tambm o fiel dehoje, ao receb-lo, se prostrasse por terra abrindo a boca,como o profeta, que recebia a palavra de Deus (Ez 2) e sedeixava alimentar como uma criancinha (uma vez que aComunho um aleitamento espiritual)? Um tal com-portamento mostraram-no as geraes dos catlicos emtodas as igrejas, durante quase todo o segundo milnio. Umtal gesto seria tambm um impressionante sinal da profissode f na presena real de Deus no meio dos fiis. Seaparecesse algum no crente e observasse um tal acto deadorao e de simplicidade espiritual, talvez tambm elese prostrasse por terra e adorasse Deus, proclamandoque verdadeiramente Deus est no meio de vs (1 Cor14, 24-25). Assim deveriam ser os encontros dos fiis comCristo eucarstico, no augusto e sagrado momento daComunho.

    O conhecido convertido ingls Frederick William Faber(1814-1863) sentiu-se impelido para a converso, quandofoi testemunha de um comovente gesto de adorao e da f

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    na presena real de Cristo na Eucaristia, na BaslicaLateranense, no ano de 1843. Para um catlico, essa erauma cena ordinria e habitual, mas para Faber, no entanto,foi uma cena inesquecvel para toda a sua vida. Ele mesmoassim o conta: Todos ns nos ajoelhvamos com o Papa.Nunca vi uma cena mais comovedora. Os Cardeais ePrelados ajoelhados, os soldados de joelhos, a multidocolorida ajoelhada, no meio do esplendor da magnficaigreja, estava o ancio Papa vestido de branco,humildemente prostrado de joelhos, diante do sublime esacrossanto Corpo de nosso Senhor; e, entretanto, haviaum profundssimo silncio. Que santo espectculo eraeste! (75).

    (75) Cf. HOLBOCK, F., Das Allerheiligste und die Heiligen, Steina.R. 1986.

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    CONCLUSO

    Sobre o fundo da bimilenria histria da piedade eda tradio litrgica da Igreja universal, no Oriente e noOcidente, sobretudo a respeito da evoluo orgnica dopatrimnio patrstico, pode fazer-se a seguinte sntese:

    1 - A evoluo orgnica da piedade eucarstica, comofruto da piedade dos Padres da Igreja tem conduzidotodas as Igrejas, quer no Oriente quer no Ocidente, aindano primeiro milnio, a administrar a Sagrada Comunhoaos fiis directamente na boca. No Ocidente, no incio dosegundo milnio, acrescentou-se o gesto profundamentebblico de ajoelhar-se. Nas vrias tradies litrgicasorientais, rodeia-se o momento da recepo do Corpo doSenhor com augustas cerimnias e, muitas vezes, exige-sedos fiis uma prvia prostrao por terra.

    2 - A Igreja prescreve o uso da bandeja da Comunho,para evitar que algum fragmento da hstia consagrada caiapor terra (cf. Missale Romanum, Institutio generalis, n.

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    118; Redemptionis Sacramentum, n. 93) e que o bispolave as mos depois da distribuio da Comunho (cf.Caeremoniale episcoporum, n. 166). No caso da distri-buio da Comunho na mo, acontece porm, noraramente, uma separao dos fragmentos da hstia, osquais caem por terra ou ficam agarrados s palmas e aosdedos da mo.

    3 - O momento da Sagrada Comunho, enquanto ela o encontro do fiel com a Pessoa Divina do Redentor, exige,por sua natureza, tambm exteriormente, gestos ouatitudes tipicamente sagrados como a prostrao dejoelhos (na manh de domingo da Ressurreio, as mulhe-res adoraram o Senhor ressuscitado, prostrando-se porterra diante dEle (Mt 28,9) e tambm os Apstolos ofizeram (Lc 24,52) e talvez o apstolo So Tom, dizendo:Meu Senhor e Meu Deus! (Jo 20,28) ).

    4 - O deixar-se alimentar como uma criancinha,recebendo a Comunho directamente na boca, exprimeritualmente, do melhor modo, o carcter da receptividadee do ser criancinha diante de Cristo Que nos alimenta e Quenos aleita ou amamenta espiritualmente. O adulto, pelocontrrio, leva ele mesmo o alimento com os seus dedos boca.

    5 - A Igreja prescreve que, durante a celebrao daSanta Missa, no momento da consagrao, todo o fieldeva ajoelhar-se. No seria liturgicamente mais adequadose, no momento da Sagrada Comunho, quando o fiel se

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    aproxima, mesmo corporalmente, o mais prximo poss-vel do Senhor, o Rei dos reis, ele mesmo O saudasse erecebesse ajoelhado?

    6 - O gesto de receber o Corpo do Senhor na boca e dejoelhos poderia ser um testemunho visvel da f da Igrejano mistrio eucarstico e tambm um factor renovador eeducativo para a cultura moderna, para a qual o ajoelhar--se e a infncia espiritual so fenmenos completamenteestranhos.

    7 - O desejo de prestar augusta pessoa de Cristo,mesmo no momento da Sagrada Comunho, de um modovisvel, o afecto e a honra, deveria adequar-se ao espritoe ao exemplo da bimilenria tradio da Igreja: Cumamore ac timore (o adgio dos Padres do primeiromilnio) e quantum potes, tantum aude (quanto possastanto O louva, o adgio do segundo milnio).

    Por fim, dmos espao a uma comovente orao deMaria Stang, me e av alem do Volga, que foi deportadapelo regime estalinista no Kasakbstan. Esta mulher, comalma sacerdotal, guardava a Sagrada Comunho elevava-a para o meio da perseguio comunista aos fiisespalhados nas estepes infindveis do Kazakhstan, rezandocom estas palavras:

    L, onde habita o meu querido Jesus, onde Ele reinano Sacrrio, l, quero eu estar ajoelhada continuamente.L, quero rezar perpetuamente. Jesus, eu amo-Vosprofundamente. Amor escondido, adoro-Vos. Amor

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    abandonado, adoro-Vos. Amor desprezado, adoro-Vos.Amor espezinhado, adoro-Vos. Amor infinito, Amor mortopor ns na Cruz, adoro-Vos. Meu querido Senhor eSalvador, fazei que eu seja inteiramente amor,inteiramente expiao pelo Santssimo Sacramento, noCorao de Vossa clementssima Me Maria. Amen.

    Queira Deus que os Pastores da Igreja possam renovara Casa de Deus que a Igreja, pondo Jesus Eucarstico nocentro, dando-Lhe o primeiro lugar, procedendo de modoa que Ele receba gestos de honra e de adorao, no prpriomomento da Sagrada Comunho. A Igreja deve sercorrigida a partir da Eucaristia (Ecclesia ab Eucharis-tia emendanda est!) Na hstia consagrada no h qualquercoisa, mas Algum. Ele est l!, assim sintetizou SoJoo Maria Vianey, o santo Cura dArs, o Mistrio Euca-rstico. Pois nele se trata de nada mais e de ningum maiorque o prprio Senhor: Dominus est!

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    INDICE

    Prefcio ...................................................................... 7

    IChristus vincit,

    Christus regnat, Christus imperat

    Senhoras eucarsticas e a Sagrada Comunhona clandestinidade sovitica .................................... 13

    IICum amore ac timore

    Algumas observaes histrico-litrgicassobre a Sagrada Comunho ..................................... 23

    Concluso ................................................................ 57