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Revist'Entrevista

Entrevista com Vanessa Vidal, dia 10 de novembro de 2016.

Amanda - Vanessa, na sua autobiografiaA Verdadeira Beleza você definiu um períododa sua vida como caos. Como você definiriaa sua vida atualmente?

Vanessa - Minha vida hoje é completa-mente diferente do que eu descrevo no livro.Eu percebo que minha vida teve uma evolu-ção muito rápida, e eu agradeço a diferentespessoas que me ajudaram. Primeiramente aDeus, agradeço também à minha família, aosmeus amigos que me ajudaram desde a in-fância (e) aos intérpretes. Não tenho comocitar nomes, mas (essas foram as pessoas)que tiveram essa relação comigo, me ajudan-do. Também agradeço a minha autoconfian-ça. claro. E eu percebo que, na verdade, hojesou feliz. Muito feliz! Porque antigamente eutinha vergonha, eu não aceitava a minha iden-tidade, não aceitava o meu eu, não aceitavaser surda, mas agora eu tenho orgulho disso.Tenho orgulho de ser surda! Aceito a minhaidentidade, aceito a minha língua! E dá paraviver, sim. em todos os lugares, não é por-que sou surda que vou viver isolada, não. Euposso conquistar o mundo, se eu quiser. Jáviajei sozinha para outros países, para outrosestados, diferentemente de alguns ouvintes.

Maurício - Quando a sua família desco-briu que você era surda?

Vanessa - A minha família não tinha mui-to conhecimento sobre o diferente, não tinhamuita informação ... Então, minha mãe (Del-mira Eudóxia da Silva Lima) não percebeulogo de imediato, não. Entre dois e três me-ses, mais ou menos, ela descobriu (na auto-biografia, Vanessa explica que as primeirassuspeitas de surdez foram levantadas porsua família quando ela tinha oito meses. JáEudóxia, ao ser entrevistada pela equipe deprodução, afirmou que isso aconteceu quan-do a filha tinha seis meses de idade). Quemdescobriu primeiro foi a minha avó (Ana Fro-ta), que tinha mais contato comigo. Quandohavia barulho em casa, que as crianças real-mente choravam, ela notou que comigo eradiferente. A minha mãe também observouisso. Então, com o passar do tempo, acha-ram aquilo estranho. Minha avó me chama-va: "Vanessa, Vanessa!" E eu não tinha ne-nhuma reação. Foi daí que ela resolveu melevar a um médico, em São Paulo. Chegandolá, foram feitos exames e descobriram a mi-nha surdez. A minha mãe ficou muito angus-

tiada, bastante perplexa em relação à situa-ção, pensando: "Como é que vai ser a minhafilha, futuramente? Como é que eu vou lidarcom essa filha, que é surda? Eu vou ter mui-to trabalho para cuidar dela ... " Ela começoua ter muitos pensamentos negativos em re-lação a minha surdez, e essa foi a primeirareação que ela teve. Ela ficou muito triste, foia psicólogos, mas alguns realmente não aju-davam na autoestima dela.

E eu fui crescendo, fui para a escola, paraa associação (Associação dos Surdos do Ce-ará - ASCE), (fui tendo) contato com os sur-dos ... E, com o passar do tempo, a minhamãe começou a perceber que era importanteaprender comigo, pois eu tinha muito a en-sinar. Ela começou a reagir, começou a meestimular, minha família também, e come-çaram a ter orgulho de mim. Enquanto, nopassado, à primeira instância, foi um tantocomplicada a situação. Mas isso era causadopelo pensamento negativo que se tinha porfalta de informação.

Karine - Seus pais se separaram quandovocê era muito pequena. Você acha que issoinfluenciou no seu desenvolvimento, de al-guma forma?

Vanessa - É uma resposta um poucocomplicada, porque o motivo da separa-ção dos meus pais não foi a minha surdez.Muitas pessoas me diziam: "Ei, eles se se-pararam porque você é surda". Mas não foiesse o motivo. Por isso, é uma resposta umpouco difícil. Não sei bem o que aconteceu,o motivo para que tenham se separado. Eufiquei realmente muito triste. No começo, foidifícil para eu me acostumar a essa distân-cia entre meu pai (Espedito Vidal de Sousa)e minha mãe, mas depois eu me acostumei.O importante é que eu mantive o contatocom a minha família até hoje. Sempre ten-tei fazer com que meu pai aprendesse a mi-nha língua, para que a gente se comunicassemais facilmente. Ele quis aprender, mas nãoconseguia e se sentia desestimulado. Ficavatentando falar comigo como ouvinte, e, atéhoje, não aprendeu a minha língua. Eu sem-pre digo: "Olha pai, eu sou surda, é outralíngua, é importante que o senhor respeite,é importante que o senhor aprenda. Eu nãofalo, como eu vou desenvolver uma relaçãocom o senhor?" Sempre o aconselhava, e elesó balançava a cabeça em sinal positivo. Mas

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Vanessa Vidal nas-ceu, como fala ela rnes-ma, "em meio à euforiade carnaval", no dia 03 defevereiro de 1984, filha deDelmira Eudóxia da SilvaLima e Espedito Vidal deSousa.

Quando Vanessa erabebê, Espedito fez, emhomenagem à filha, umacróstico intitulado "Con-selho de Pai": Vais'! Atin-girás teus objetivos.! Nadate impedirás.! Encontrarásobstáculos,/ Sabiamen-te saberás/ Superá-Ios.!Amas, tenhas fé e sejafeliz.

Vanessa foi sugeridapor Karine - que se tornouuma das integrantes dadupla de produção -, apóso namorado, Levhy, queestuda Letras com habilita-ção em Português e Espa-nhol, falar que Vanessa se-ria professora na disciplinade Libras.

Amanda, a outra inte-grante da dupla de produ-ção, por pouco não con-segue participar da revista(produto do Laboratóriode Impresso). Ela havia sematriculado no Laborató-rio de Multimídia, mas, de-pois de iniciadas as aulas,conseguiu trocar de disci-plina com outra aluna.

"(...) dá para viver, sim,em todos os lugares,- ,nao e porque sousurda que vou viver

isolada, não. Eu possoconquistar o mundo,

se eu quiser."

ele sempre perdia o foco.Rafael - Vanessa, como foi a relação afe-

tiva com o seu pai? Qual a imagem que vocêtem dele, hoje em dia?

Vanessa - Nós tínhamos um relaciona-mento muito positivo, intimidade de pai e fi-lha. Embora ele tenha se separado da minhamãe, não perdi a afinidade com ele, não. Nóscontinuamos, sim, com o nosso contato, com

nossas atividades de pai e filha. Ele semprevem me visitar. Eu também o visito. Lógicoque (com) a minha família paterna não tenhocontato muito íntimo, mas sei que isso é urrprocesso natural.

Alana - As meninas passaram pra genteo material sobre você, e (nele) a gente leque a sua mãe sempre cuidava de você. In-clusive, pagava tratamentos caros. Eu querosaber se ela era a única pessoa que estavamais próxima, cuidando de você.

Vanessa - Sim. A minha mãe é umagrande pessoa que esteve presente na m'-nha vida, até abnegou um pouco do set,emprego, onde trabalhava como secretária(em entrevista cedida à equipe de produçãoEudóxia afirmou ter deixado o emprego noBanco Bandeirantes quando Vanessa aindaera uma criança, pois queria acompanhá-Ia na escola). As vezes, eu até dizia: "Mãeeu não quero ser tão dependente de você.não". Eu sempre quis a minha independên-cia, mas, em alguns momentos, eu pedia apresença dela.

Ela sempre procurou informação sobreessa questão da surdez e sempre esteve meensinando, não somente no acompanha-mento escolar, mas sobre a vida mesmo.Ela pacientemente, desde a infância, semprese mostrou muito dedicada, sempre foi umapoio muito forte, inclusive na minha carreirade modelo. É algo muito positivo na minhavida até hoje, mesmo depois de casada. Cla-ro que diminuiu um pouco esse contato coma minha mãe, obviamente. Hoje ela mora so-zinha, porque não estou mais com ela, entãoela teve a estratégia de adquirir um cachorro,para suprir um pouco a necessidade de com-panhia. (Risos)

Maurício - Nós sabemos que a sua famí-lia, na época, assim como a maior parte dasfamílias com pessoas surdas, queria oralizarvocê, achava que era a melhor maneira. Vocêpode falar um pouco sobre como era o pro-cesso de oralização e como você se sentiatentando aprender a viver como ouvinte?

Vanessa - Isso é bem verdade. Há umtempo atrás, a oralização era uma metodolo-gia muito forte. Ela era ensinada, pregada deforma que todos tinham de oralizar. Isso eraobrigatório. E o que é a oralização em si? Émais que uma normatização, é uma regra deimposição. As pessoas surdas tinham de se-guir essa linha, essa forma de comunicação,uma cultura que não era a nossa.

E esse período foi muito complicado. Len-do a história, ela é um pouco triste, porqueos surdos até morriam, eles eram realmen-te proibidos (de sinalizar). Os pais (de) filhossurdos tinham de seguir essa metodologiaobrigatória, então a gente era obrigado a fa-

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lar, e não é fácil para quem é surdo aprendera falar. O que a gente fazia? Como é naturalda nossa língua, nós nos comunicávamos(usando sinais). A gente se comunicava semque eles soubessem, já que era proibido. Eragrande o nosso sofrimento como surdo, nas-cer surdo e ter de se transformar em ouvinte,ter de adquirir uma cultura ouvinte. Não erafácil mesmo, isso nos angustiava, tínhamosde seguir algo que não nos era natural. Nessaépoca, a Libras (Língua Brasileira de Sinais)não estava totalmente formada, não tinhauma estrutura reconhecida. Também houveum período na história em que era defendidaa comunicação total, um método que mistu-ra a oralidade e os gestos. Era tudo simul-tâneo, a gente tinha de falar e gesticular aomesmo tempo. Nós também não nos adap-tamos a esse método, não foi aceito pelossurdos. Logo após, veio outra metodologiaque nós amamos, que é a língua de sinais.Nós nascemos para essa metodologia. Nóscomeçamos a defender a nossa língua e, em2002, surgiu a lei que reconhece a língua desinais aqui no Brasil, a Libras. E, junto com anossa luta, vieram também os intérpretes, asescolas bilíngues e outras conquistas.

Na infância, (eu) era obrigada a oralizar,usando aparelho. Sabe quando você tem umcâncer e precisa fazer quimioterapia? Então,(a surdez) era mais ou menos um quadrodesse. Era tudo muito angustiante, como se(a surdez) fosse uma doença grave. E a ora-lização era um processo caro, não era fácil.Meu sonho, quando criança, era estar livre,brincando, correndo, (mas) eu tinha de de-dicar todo o tempo da minha infância aostratamentos. Lá no Felippo Smaldoni (insti-tuto especializado no ensino para criançassurdas) também passei por esse processo.Na época em que eu estudava lá, além dasdisciplinas, também tinha a oralização, e issoera constante, era diário. Era obrigatório fa-lar. As professoras oralizavam e diziam paraa gente responder da mesma forma, como sefosse um papagaio, e a gente copiava o quea professora falava. Era muito mecânico. Porexemplo, (elas) acendiam uma vela e diziam:"Sopre essa chama aqui". Outra (técnica) eraum colocar um objeto na boca, para que trei-nássemos movimentos da língua para emitiros sons. Também havia uma técnica em queprendiam algo no (nosso) nariz, e em outra,você tinha de abrir e fechar os braços paraemitir os sons. Eram técnicas repetidas, des-gastantes. Era muito complicado. Enquantoisso, meu cognitivo estava sendo limitado,porque estava presa a esses métodos. Atéque um dia conhecemos a Libras, e aí, sim,nós nos sentimos totalmente libertos, senti-mos que as informações chegavam até nós.

Nós, surdos, falamos a língua de sinais comoprimeira língua e português como segundalíngua. Nós não temos de falar mais o portu-guês, e sim, aprender a forma escrita, comosegunda língua.

Amanda - Pesquisando um pouquinhomais sobre Libras e educação, eu li sobrealgo que você já citou, essa questão de pri-meira língua. Quando a gente aprende a ler,aprende a ler na língua materna, que é a pri-meira língua. E, no seu caso, quando você foialfabetizada, estava sendo oralizada e aindanão tinha conhecimento da Libras. Eu querosaber como isso afetou o seu processo dealfabetização.

Vanessa - Essa situação (me) prejudicoumuito (pois) a oralização era muito difícil.Por exemplo, vaca e faca, são palavras se-melhantes nos fonemas. Eu perdia essas coi-sas, porque havia falta de comunicação. Eramuito trabalhoso descobrir qual palavra es-tavam falando. Havia palavras iguais, seme-lhantes, havia sinônimos. Eu me esforçavapara poder entender, por isso eu saí muitoprejudicada nesse processo.

O professor falava que eu não sabia denada, ele se virava e ficava falando, comoeu ia entender? Eu chamava a atenção dele,mas isso acontecia várias vezes. Geralmenteeu pedia para os meus amigos me ajudaremna sala de aula, porque o professor não con-seguia me ensinar e eu tinha de pedir ajudapara interpretar, escrever, para entender ...Não era papel do professor nem do aluno,eles não eram intérpretes.

Karine - No livro, você fala que a adapta-ção ao aparelho auditivo na infância foi mui-to complicada. Por que foi tão complicada?O que você sentia quando usava?

Vanessa - Na infância eu usei o apare-lho e não (me) sentia bem. (Aquilo) não mebeneficiava em nada, (causava) um barulhointermitente. A minha mãe me dizia: "Não,você tem de ficar (com ele), tenta se adaptar,tenta se acostumar". E eu dizia: "Não, mãe,eu não consigo", "Dá, minha filha, tenta quevocê consegue". E (eu usei; por obediênciaa minha mãe. Mas eu chegava a desligar oaparelho. E eu dizia: "Mãe, está tudo ok, estátudo legal aqui", e o aparelho desligado. Euera um pouco teimosa quando criança. Emum certo momento, quando cheguei na fo-noaudióloga para fazer aqueles processos deavaliação, para saber como estava a questãode adaptação ao aparelho, foi (apontado) oseguinte: eu só ouvia barulho no aparelho,mas adaptação mesmo não tinha, era comose fosse um barulho de alguém batendoem alguma coisa, não contribuía em nada.Por exemplo: batida de porta, um chamadomuito forte, aí sim o aparelho me ajudava.

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o convite a Vanessafoi feito por Amanda eKarine na própria UFC, nacoordenação do curso deLetras Libras, com a ajudade um intérprete da Se-cretaria de Acessibilidadeda UFC.

Vanessa se mostroumuito lisonjeada com oconvite, mas tinha algu-mas dúvidas sobre comoseria a entrevista. Namesma noite foi criadoum grupo no Whatsapp,para que todas as dúvi-das pudessem ser esc la-recidas.

Durante a produção,foi feita uma entrevista -que ocorreu no mesmodia da entrevista com JaneMalaquias - com EudóxiaLima, mãe de Vanessa.Foi um momento muitoagradável, onde a duplade produção brincou mui-to com Romeu, um pood-le toy de dois anos.

o contato com a Li-bras não alterou somentea vida de Vanessa. Eudó-xia afirma que o compor-tamento da filha mudoumuito após conhecer alíngua de sinais, e o re-lacionamento entre elasmelhorou bastante. "AVanessa passou a viver apartir desse momento".

,IIE O que é a oralização em si? E mais que umanormatização, é uma regra de imposição. As

pessoas surdas tinham de seguir (... ) umacultura que não era a nossa."

Mas, na questão da fala mesmo, ele não meauxiliou em absolutamente nada. Então, de-terminei o seguinte: eu não preciso desseaparelho, eu posso me adaptar de uma ou-tra forma, posso até viver de uma forma quenão (precise) depender dele, (que não preci-se) ouvir para viver, para realizar minha vida,meus sonhos.

Por exemplo, para dirigir, eu não depen-do do aparelho nem mesmo para essas ativi-dades. Lógico que eu não vou identificar se ocarro tá buzinando, mas a gente tem outrosmecanismos, como a visão, que é aguçada,e a gente meio que consegue suprir essa ne-cessidade. A gente usa os retrovisores docarro, as expressões corporais no caso dopedestre, (para saber) se (ele) vai atravessara rua ou não. Hoje, eu tenho muitos anos deexperiência no volante, e nunca aconteceunenhum acidente, nunca houve um proble-ma, mesmo sem o uso do aparelho.

Ingrid - Você frequentou colégios regula-res. Como era a convivência com os alunosouvintes?

Vanessa - Era um pouco difícil. A minhasorte é que eu falo bem, mas isso não signi-ficava que ia me conformar só porque falavabem. Eu ficava angustiada por algumas coi-sas que aconteciam no colégio regular. Para

mim, não era importante que eu conseguissefalar, eu queria que os alunos que estavamao meu redor também me respeitassem,(respeitassem) a minha identidade, a minhacultura surda. Os alunos de escolas regula-res não entendiam o que era o sujeito surdo,o que era o ser surdo. Eu sempre lutei ten-tando explicar a eles como era a minha vida.Eles chegavam, às vezes, e falavam normal,e eu sempre avisava: "Poxa, eu sou surda,vocês precisam me respeitar e aprender aminha língua". Eu sempre dizia a eles: "Olha,eu não escuto. O fato de eu estar conversan-do com vocês é porque eu faço a leitura la-bial, não quer dizer que eu esteja ouvindo.E vocês falam muito rápido, falem devagarpara que eu possa entender vocês". Era as-sim em todas as escolas regulares que eu mematriculava. As pessoas chamavam: "Olha, éa surda-muda", que já é um termo que não écerto, mas todo mundo usava. Todos diziam:"Olha, essa é a surda-muda que fala" (risos),mas, na verdade, eu só estava entendendopor causa da leitura labial que eu fazia. Então,era muito difícil a comunicação. Eles não en-tendiam o que era ser surdo.

Eu percebia que, quando eu estava dentroda escola, (os alunos) só falavam de namora-do, só falavam de amor, e eu: "Meu Deus,

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que povo para falar besteira!" Eles chegavampara mim e perguntavam as mesmas coisas:"Você não consegue falar?" "Como é o sinalde bonito? Como é o sinal de namorado?Como é o sinal de gatinho?" Eles só se inte-ressavam em perguntar esses sinais. Então,a comunicação que eu tinha com esses alu-nos era isso. Quando eu começava (a entrarem) outros assuntos, eles já diziam: "Poxa, édifícil. Tá difícil a comunicação".

Alana - No colégio Santa Isabel, você foidescrita por uma professora como uma alu-na complicada, que era difícil dar aula por-que você era desatenta, tornava a aula mui-to complicada. E eu quero saber como eraa relação dos professores com você, se elestentavam incluí-Ia na aula, na conversa, noconteúdo.

Vanessa - É, realmente no livro até faloum pouco sobre essa história. Minha irmã(Valdana Lima Vidal Brito) estudava lá, eu mo-rava perto da escola e minha mãe resolveu:"Ah, vou matricular a Vanessa nessa escola".Bem, não foi uma resolução muito boa, por-que a professora não soube lidar comigo nasala de aula. Ela não conhecia a cultura, nãotinha experiência com alunos surdos, nãotinha conhecimento ... Ela tentou fazer algopara intermediar aquela situação. (Ela dizia:)"Vanessa, fique aqui em sala de aula". E, àsvezes, eu saía e ela não entendia, ela queria(me) obrigar (a ficar lá)... Às vezes, a profes-sora saía de sala de aula porque realmentenão sabia como lidar comigo. Eficava aquelasituação chata porque não tinha comunica-ção de forma alguma, ela não entendia, eunão entendia. Eu não evoluía na escola, aprofessora também não procurou aprenderminha língua, foi um tempo perdido.

Aliás, diziam para mim: "Eu não aguen-to você, não tá dando (para) trabalhar comvocê", mas, na verdade a questão não eraeu, e sim as duas culturas que não se junta-vam, e (isso causou) esse impasse na minhavida escolar. Eu me sentia mal, logicamen-te. Com dois meses, mais ou menos, minhamãe, muito triste, começou a procurar ou-tra escola, no caso, uma escola de surdos,e me matriculou no Felippo Smaldone (naautobiografia, Vanessa fala que estudou noSanta Isabel até o fim do semestre. Eudóxiatambém afirmou que a filha passou seis me-ses nesse colégio). Estudei lá até a terceira(série) do ensino fundamental, porque lá, naépoca, não tinha a quarta, a quinta série dofundamental. Hoje tem, mas na época nãotinha. Então, eu fiquei triste quando estavasaindo do Felippo Smaldoni, já imaginandoqual (seria) a minha próxima escola. Eu atéresolvi fazer novamente a terceira série. Estu-dei no (Colégio) Doroteias, fiquei lá por mais

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Na ocasião, Eudó-xia presenteou Karine eAmanda com exemplaresdo livro A Verdadeira Be-leza, uma autobiografiade Vanessa, publicada em2011, os quais foram degrande ajuda para comporo material de produção.

Além disso, após aentrevista, Eudóxia mos-trou à dupla de produçãoalguns dos vestidos queVanessa usou durante acarreira de modelo. O belovestido amarelo usado noconcurso Miss Brasil 2008estava entre eles - inclu-sive, está disponível paraser alugado.

Eudóxia, juntamentecom os outros integrantesda APADA (Associaçãodos Pais e Amigos dosDeficientes Auditivos),foi uma das responsáveispela construção da sededo Instituto Felippo Smal-done aqui no Ceará. O ins-tituto é de origem italianae já tinha uma sede emBrasília.

Vanessa parece estaracostumada ao pioneiris-mo. Foi a primeira surdaa ser eleita Miss Ceará,primeira a participar doMiss Brasil - em 54 anosde concurso =, e tambémprimeira a ser entrevista-da pela Revista Entrevista.

"Sabe quando você tem um câncer e precisafazer quimioterapia? Então, (a surdez) era maisou menos um quadro desse. Era (...) como se (a

surdez) fosse uma doença grave."

ou menos uns dois (anos). Foi a segunda es-cola particular em que eu estudei. Logo apóso Doroteias, fui estudar no Geo (Colégio GeoMaster, atualmente chamado de Masterl, na(avenida) Bezerra de Menezes.

Comecei a desfilar nessa escola e foi ma-ravilhoso! Fui nomeada Garota Master, todomundo vibrava, todo mundo torcia por mim.Aquilo trouxe um outro olhar para a minhavida, (eu pensava:) "Eu não to acreditandoque isso tá acontecendo!" Foi onde come-çou tudo. Meu caminho de modelo iniciounesse evento. Depois, comecei a trabalharprofissionalmente.

Amanda - Você relatou no livro que a suamãe queria muito protegê-Ia, e, quando vocêcomeçou a se interessar pela carreira de mo-delo, ela ficou um pouco apreensiva. Eu que-ro saber o que fez você insistir em seguir acarreira de modelo.

Vanessa - Foi um processo natural, elesme chamaram, eu fiquei com dúvida se a mi-nha mãe iria gostar ou não. A minha estraté-gia foi dizer: "Não, para de pensar de manei-ra negativa, não é assim, pensa positivo. Elesvão me ver como modelo". Mas, quando ela(me) viu pela primeira vez, sentiu um orgulhomuito grande. Ela ficou apreensiva, mas, de-pois que ela (me) viu, gostou.

Alana - Do que é que você acha que elatinha medo?

Vanessa - Não, não era bem medo. Naverdade, havia uma mistura de sentimentos,de (achar que) talvez eu não era capaz (porser surda). Era uma sensação de inseguran-ça, na verdade. Então, eu tomei coragem, e,embora minha mãe estivesse apreensiva, eudizia: "Mãe, dá sim. Eu quero, eu sei que épossível. Eu sinto que vai dar certo, indepen-dentemente da minha condição". Eu tomeicoragem e iniciativa e fui participar dos des-files, dos ensaios. E foi aí que houve a vitória.Vencemos! Eu falava: "Mãe, não precisa termedo, não precisa ficar insegura, não, vamosmostrar que dá certo". E aquele sentimentode insegurança, de dependência, de limita-ção, tudo foi desfeito.

Karine - Vanessa, quais foram as princi-pais adversidades que você enfrentou quan-do começou essa carreira?

Vanessa - Na verdade, eu tive muitas bar-

reiras porque eu fui a primeira representantedo povo surdo, fui a primeira modelo surda.Os profissionais que maquiavam, que faziamparte da produção, me olhavam meio estra-nho eficavam pensando: "Será que dá certo?"Por eu ser surda. E eu só copiava as outrasmodelos, para que eu pudesse ter aquela ex-periência mais rápido. Tudo que elas faziameu não fazia igual, claro, mas eu ia copiandoaqueles movimentos, o que era pra fazer. Naparte das instruções, das informações, eu di-zia: "Olha, eu sou surda", e eles me olhavammeio estranho e faziam mímicas, gestos quenão eram a língua de sinais. Eles achavamestranho, eu sentia que eles não aceitavamde primeira. Quando eles descobriam queeu era surda, eles estranhavam, queriam mereprovar por isso, mas avaliavam bem quaiseram os critérios que eu tinha para ser mo-delo. A minha mãe [estava] sempre junto co-migo, claro, ela ficava atenta a tudo para merepassar depois.

Eu comecei só como modelo fotográfi-ca, e eu sentia uma atração muito forte poraquele trabalho, porque eu sentia que tudodava certo, eu combinava para ser mode-lo fotográfica. Eu via as fotos depois, ia mecorrigindo e fui crescendo profissionalmen-te. Eu fui gostando daquilo, de mostrar umpouco da minha parte sensual como modelo,fazer propagandas de roupas, de tudo. Aí, aspessoas iam me chamando para fazer algunstrabalhos. Alguns não chamavam, ou quandochamavam (e descobriam) que eu era surda,realmente tinham preconceito e cancelavamo trabalho. Isso eu entendo porque o pre-conceito ainda existe na nossa sociedade.Eu ficava chateada, claro! Mas, se eu ficassecom raiva sempre desse preconceito, dessebul/ying, eu ia perder tempo da minha vida.Então, o que eu decidi foi ter coragem. Hoje,a inclusão está muito forte. Tem modelos ca-deirantes, modelos com a perna amputada,modelos negros ... Eu vi um desfile no sho-pping e me impressionei, porque antes eraimpossível (ver) isso, e eu fiquei muito feliz,né? Porque hoje a sociedade está abrindo amente e incluindo diversas deficiências, in-clusive na minha área. O preconceito vemdiminuindo.

Sarah - Vanessa, como você acabou de

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falar, a sua carreira de modelo ajudou a ala-vancar essa questão da comunidade surda.Eu quero saber se você acha que teria conse-guido isso sem ter vencido o Miss Ceará e terficado em segundo lugar no Miss Brasil.

Vanessa - Eu acho que essa conscientiza-ção teria sido um pouco adiada, ia demorarum pouco. Porque, com a minha represen-tação da comunidade surda lá nesse meio,foi rápido, mas algumas coisas ainda eramdifíceis a sociedade entender, porque não éde uma hora para a outra. Mas eu acreditoque foi rápido com a minha presença lá. Coma minha representação nesse meio, foi umaoportunidade muito grande de haver essainfluência, e, com isso, foram se mostrandovários caminhos, várias possibilidades parao público surdo.

Rose - A gente sabe que tem toda umapreparação pra você ser miss Brasil, missCeará. Eu quero saber como foi a sua prepa-ração e como foi também a convivência comas outras concorrentes, se você percebeuque elas, de certa forma, sentiram que vocêpoderia ser favorecida por ser surda.

Vanessa - Modelo ou rniss, você está per-guntando em que momento?

Rose - No Miss Brasil.Vanessa - Quando eu fui lá pra São Paulo,

para a competição do Miss Brasil, eu percebique algumas (candidatas) tinham preconcei-to comigo. Na verdade, eu também via umpouco de inveja, eu acho. Mas por que elassentiam isso? Como era essa inveja? Porexemplo, fazia-se um vestido pra mim, muitolongo, e elas pisavam (na barra dele), não seise por maldade. Quando estávamos na fila,

entrando no desfile, elas ficavam pisando emmim e eu ficava pensando: "Meu Deus, porque elas estão fazendo isso?" Então, eu acha-va que isso era inveja, ou era preconceito co-migo, porque no começo da minha carreiraeu sofri muito preconceito, e eu não sabiacomo lidar com isso. Não sabia. Falavam malde mim também, falavam que eu não tinhavoz porque precisava de um intérprete ... Eufalei: "Mas pera aí, a minha voz não é o in-térprete, minha voz não é ele não", a genteficava discutindo essas coisas. "Olha, prestaatenção em mim, eu tô falando em Libras, oque significa isso pra você? Isso é visual, né?Essa é a minha fala".

Lá tinha uma intérprete, Gildete, que es-tava acompanhando a gente no evento, elaacompanhou em tudo, ajudou em tudo. Tevealgumas candidatas que estavam falandomal da intérprete, porque elas pensaram quea intérprete estava me influenciando. Eu fica-va: "Não, não, ela só está responsável em re-passar o que eu estou falando, ela não podetirar nada do meu discurso, não pode alterarnada. Ela está só me acompanhando, está sófazendo esse serviço para mim". Ficavam fa-lando mal de mim, eu ficava com raiva disso.Algumas concorrentes se achavam melho-res do que eu. Quando chegou perto da hora(do desfile), eu estava angustiada, porque eupercebi que havia esse preconceito, e issoestava me influenciando. Elas falavam que aintérprete estava falando mal de mim, entãode que lado eu ia ficar? Parece que estavamquerendo tirar do meu direito de ter isso.

(Na época,) eu fazia parte de uma (agên-cia) que era responsável por todas as mo-

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Durante o período deprodução, Karíne assistiua algumas aulas de Va-nessa, o que a fez apren-der, além do alfabeto,alguns cumprimentos,verbos e números emLibras.

Amanda tambémsabe alguns sinais, pois amãe, Auxilene Venancio,que é professora e fluenteem Libras, ensina a línguapara a filha desde queAmanda era criança.

"Antes eu tinhavergonha de mostrare de aceitar que eu

era surda. Hoje eu souuma representante declasse. E o contrário,(...) e isso me deixa

muito feliz."

Durante a produ-ção, a convite de Vanes-sa, Amanda participouda Festa das Mãos, queabrangeu uma série depalestras para comemo-rar o Dia Nacional do Sur-do. O evento ocorreu naAssociação Cearense deSurdos e teve Vanessacomo mediadora.

Vanessa é casada comRodrigo Nogueira Macha-do, também professor deLibras na UFC. A sogra deVanessa também foi, coin-cidentemente, eleita missCeará, no ano de 1971, e,dentre os seis filhos queteve, quatro são surdos,incluindo Rodrigo.

delos do Brasil, então, (quando necessário,)uma empresa, ia até essa agência para esco-lher uma modelo, (e) sempre me escolhiam.(Mas,) eu descobri que, na verdade, lá dentrofaziam de tudo para que não me escolhes-sem, entendeu? Colocavam defeitos, paraque eu ficasse em segundo lugar, e outrapessoa, ouvinte, ficasse em primeiro.

Amanda - Tanto no Miss Ceará como noMiss Brasil, você foi acompanhada por umintérprete. Mas no Miss Beleza Internacional,você foi acompanhada por uma sinalizanteque, além de não ser intérprete e sinalizarde forma descontextualizada, falava poucoespanhol e também não tinha uma posturaética. Como isso afetou sua participação noconcurso?

Vanessa - Foi muito prejudicial à minhaparticipação, inclusive eu até comento umpouco no livro, não falo tudo ... Eu já estavaimaginando como ia ser o futuro se eu con-quistasse aquele prêmio. Seria um momento

ímpar, ir para outro país. Mas, infelizmenteteve essa questão negativa com a intérpre-te, embora eu estivesse confiante, (porqueela foi uma pessoa que eu confiei, contratei ..Eu tinha, sim, uma (intérprete) favorita, cla-ro, mas eu confiei naquela pessoa que foi, ehouve toda uma discussão. (Falaram:) "Não,essa não é profissional, não. Ela sabe pou-co Libras, não tem muita experiência". Foiuma complicação mesmo, porque ela nãoera profissional, e foi difícil pra mim essemomento, porque eu fui prejudicada. Era umdireito meu e foi um impasse na minha vida,desmoronou tudo na minha cabeça naquelemomento. Houve toda uma chateação, fo-ram momentos desagradáveis que eu nãogosto nem de lembrar, (e) fico triste quandorelembro. É angustiante.

Karine - Agora, a gente vai falar um pou-co mais sobre identidade surda. Na infância,você falou que era muito difícil tanto o pro-cesso de educação quanto a certa vergonhaque você chegava a ter. Quando foi que vocêcomeçou a se aceitar como surda?

Vanessa - No começo realmente eu tinhamuita vergonha, eu não aceitava mostrar mi-nha identidade surda, porque faltava minhafamília me incentivar, (faltava) minha famíliame aconselhar que eu precisava me aceitarcomo eu era. Eu tentava copiar a sociedadeouvinte, e, como não conseguia, isso gera-va em mim meio que uma revolta e eu nãoaceitava. Quando eu percebia o preconceito,aí que vinha a resistência mesmo em nãoaceitar, porque aquilo virava um trauma paramim. Cada vez que eu recebia aquele pre-conceito, eu piorava mais. Isso era na minhainfância e na minha adolescência.

Quando eu entrei no Felippo Smaldone,que eu vestia uma farda com um símboloque indicava ser surdo, eu tinha vergonhadaquele símbolo, o tampava com o braço,com o cabelo, escondia quando estava no

1/ As pessoaschamavam: 'Olha, é asurda-muda', que já éum termo que não é

certo, mas todo mundousava. Só que todosdiziam: 'Olha, essaé a surda-muda que

fa Ia I 'li (risos)

REVISTA ENTREVISTA I 96

"Eu percebia que, quando eu estava dentro daescola, (os alunos) só falavam de namorado, sófalavam de amor, e eu: 'Meu Deus, que povo

para falar besteira I'"

ônibus, aonde eu andava, para que as pes-soas não me reconhecessem como surda. Aminha mãe sempre me mostrava: "Olha mi-nha filha, como é linda, ela é surda". Quandoela falava isso, eu dizia: "Mãe, para de falarque eu sou surda, eu não gosto". A minhamãe: "Té bom, ok, desculpa". Mas eu sem-pre dizia a ela: "Eu não gosto, não precisavocê falar que eu sou surda". E as pessoassempre chegavam até mim, falavam, e eu fa-zia essa cara de paisagem de quem estavaentendendo tudo (risos), mas na verdade euestava fazendo uma leitura labial. As pessoasficavam: "Você é surda? Você é surda?" E eumostrava, hunrum (movimento confirman-do), mas, na verdade, por dentro, eu não es-tava gostando daquela pergunta, porque eunão me aceitava muito bem.

Foi um processo muito grande na minhavida, eu fui conhecendo outras pessoas, fuiviajando, fui tendo contato com o mundo in-teiro, e, quando eu fui abrindo a minha men-te para outras coisas, eu pensei: "Poxa, eupreciso me valorizar como pessoa surda".

Antes eu tinha vergonha de mostrar e deaceitar que eu era surda. Hoje eu sou umarepresentante de classe. É o contrário, total-mente contrário, e isso me deixa muito feliz.Eu percebo que antes, com certeza, eu nãoera feliz. Eu não posso dizer que minha infân-cia, minha adolescência, foram de felicidade.Hoje eu sou!

Karine - Mas teve algum momento espe-cífico que você passou a se identificar comosurda?

Vanessa - Vou tentar lembrar agora ...Acho que foi o momento de miss Não, no(concurso de) miss não, foi antes A primei-ra vez que eu aceitei minha identidade foi naassociação (de surdos), quando eu vi aque-las sinalizações e os surdos conversando.

Thais - A gente viu no material que asnossas colegas organizaram que o seu pri-meiro contato com a ASCE foi através de umamigo, e você não se sentiu muito bem noprimeiro momento. Por que isso aconteceu?

Vanessa -Isso aconteceu porque antes euera oralizada e, quando eu vi aquelas mãos

V ESS ID 97

A primeira intérpre-te a ser cogitada paraauxiliar a entrevista foiDiná Sousa, que já haviaacompanhado Vanessaem entrevistas anteriorespara programas televi-sivos. No entanto, Dináestá cursando doutoradoem Florianópolis, e, comisso, não poderia ajudar.

Durante o período deprodução, os servidoresda UFC entraram em gre-ve, tornando impossívelsolicitar o serviço de intér-prete na Coordenadoriade Acessibilidade da UFC,o que deixou a equipe deprodução apreensiva.

As intérpretes MariaCoelho e Adriana Costaforam indicações de Va-nessa, que já as conhecia.Marcos Borges foi indica-do por Vilany Abreu, umaamiga de Karine que estu-da Letras Libras na UFC.

Anália, que foi suge-rida por Marcelo (respon-sável pelas fotografiasda entrevista com Ricar-do Jorge), foi escolhidacomo fotógrafa porqueAmanda pretendia dar es-paço a alunos que aindanão haviam participado daRevista Entrevista, o casode Anália.

se mexendo, eu fiquei pensando: "Por queeles estão fazendo isso? Eles são loucos?" Émuito rápido esses movimentos que eles fa-zem, falavam: "ai" e parecia que iam me darum tapa, ficavam sinalizando na minha frentedireto ... Pensei que era falta de educação de-les fazer esse tipo de coisa comigo. Eu falei:"Desculpa, eu vou embora pra minha casa,porque eu não estou me sentindo bem". De-pois, passando o tempo, eu fui entendendoque isso é a cultura, porque eu não tinha cul-tura surda, eu não tinha informação.

Sarah - E, para aprender a Libras em si,demorou a aprender ou foi um processo rá-pido?

Vanessa - Eu percebi que meu aprendiza-do na Libras foi rápido, porque a minha per-cepção visual parecia querer aquilo, ela tavapreparada para aquilo. Eu fui aprendendomais rápido, com o contato (com os surdos)que eu tive também, porque eu amava ir paraa associação à tarde, e ficar lá até a madru-gada curtindo com o pessoal, conversando etudo ... Minha mãe ficava preocupada porqueeu não tinha voltado para casa, mas eu esta-va lá, aprendendo Libras, conversando commeus amigos. Parecia que tudo que eu nãotinha conversado desde o começo da mi-nha vida, eu conversava com eles. Então, euaprendi bem rápido mesmo por causa desseinteresse que eu tive.

Rase - Você disse que já viajou para o ex-terior. Eu quero saber qual foi o primeiro paísque você conheceu e como é que funcionaa comunicação no exterior, já que a Librasé brasileira. Você sabe a língua de sinais deoutro país?

Vanessa - a primeiro país que eu fui foia Espanha. Fui pra Madrid, fui sozinha. Eu fi-quei muito encantada, de boca aberta, nãoestava acreditando naquilo. Lá estava acon-tecendo um evento da Federação Mundial deSurdos, que é a sigla inglês WFD (World Fe-deration of the Oeaf). Era um encontro mun-dial para todos os surdos, sobre educação,esportes, e acessibilidade. Encontrei surdosda Arábia Saudita, mulheres que iam comaquelas roupas cobertas, e eu os via falandoem língua de sinais e tudo. Cumprimentei-os,não entendi nada o que eles falavam, porqueera muito diferente a língua de sinais (deles).Havia japoneses também lá, e eu achei mui-to legal esse contato com diferentes nacio-nalidades e diferentes línguas de sinais, queeram muito diferentes (das línguas de sinais)daqui. É verdade, tem uma diferença muitogrande, porque não é tudo igual. Cada paístem sua língua: inglês, espanhol, por exem-plo. Na língua de sinais é a mesma coisa.Aqui, no caso, é a Libras, lá na Europa é aLSE (Língua de Sinais Espanhola, falada na

liA minha mãe sempreme mostrava: 'Olhaminha filha, como élinda, ela é surda'.

Quando ela falava isso,eu dizia: 'Mãe, para defalar que eu sou surda,

eu não gosto'."

Espanha. Existem outras línguas de sinaisno continente europeu), (existe também a)ASL (American Sign Language), que é dosEstados Unidos, que é Língua Americana deSinais. Tem várias espalhadas por todo mun-do. Eu fiquei muito feliz vivendo isso, porqueantes eu nunca tinha visto vários surdos nomesmo lugar, falando daquele jeito. Nesseencontro, me senti muito feliz, muito com-pleta, muito satisfeita!

Alana - Em 2003, você foi aprovada novestibular da Unifor (Universidade de Fortale-za), para o curso de Ciências Contábeis. Maso reitor julgou que você não precisaria de umintérprete porque outra aluna surda já tinhase formado antes. Eu quero saber como foi,para você, ter de lutar pelo intérprete paraconseguir cursar Ciências Contábeis.

Vanessa - Foi muito marcante pra mim.Quando a Raphaella (Raphael/a Maranhão)estudava na Unifor, não precisava de intér-prete, pois era uma surda bem oralizada,conseguia ler e escrever (até o fechamentodesta edição, não foram encontradas outrasinformações sobre Raphael/a e o período emque foi estudante na Unifor). Então, por meioda leitura labial, da oralização, ela conseguia.Ela tinha a metodologia dela, mas eu não ti-nha isso, eu queria um intérprete lá dentro.Eu queria (ter) esse direito que Uá) era meu.Então, eu fui lutando, falei com o reitor e con-segui fazer com que ele aceitasse. Ele só pe-diu documentos que comprovassem que euprecisava de um intérprete. Eu levei tudo, eleleu e aceitou. Foi aprovado que trouxessemum intérprete para mim. Eu gostei muito deter as aulas acessíveis. a número de surdos(na Unifor) cresceu após a entrada desse in-térprete.

Rafael - Ouais os problemas que vocêteve na Unifor, fora esse? Em algum momen-to você pensou em desistir de se formar?

Vanessa - Em questão de acessibilidade,não, porque já tinha intérprete. Mas eu sen-

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ti que Ciências Contábeis era muito difícil,tinha disciplinas muito árduas, era necessá-rio muita leitura, eu precisava me esforçarmuito. Meu cunhado (Alexandre Lacerda deBrito) falou que eu dava certo pra esse cur-so, opinião dele. Então, eu fui fazer CiênciasContábeis, mas, com o desenrolar do curso,não gostei muito, tive de fazer muitos sacri-fícios, tive de me transferir da Unifor pra FIC(Faculdade Integrada do Ceará. Atualmentefunciona em parceria com o Centro Univer-sitário Estácio), e consegui lá meu diploma,(mas) foi difícil.

Amanda - Você disse no livro que, juntocom outros colegas surdos, vocês reivindi-caram a criação de um curso universitário deLibras na UFC. Eu quero saber como foi esseprocesso.

Vanessa - Bom, vou explicar. Lá na UFSC(Universidade Federal de Santa Catarina) foicriado o primeiro curso de Letras Libras (doBrasin. Junto com essa aprovação (foramcriados) nove Pólos desse curso espalhadospelo país. Um deles foi aqui, em Fortaleza, naUFC, mas os surdos não haviam demonstra-do interesse até então. Então, eu chamei al-guns amigos: "Vamos nos inscrever, vamosfazer essa prova", e vários passaram. Eu fui aprimeira a entrar, no caso. Era (um curso de)educação à distância, pela UFSC. Foi entre2006 até 2010 o curso, um período de qua-tro anos. Em 2013 houve a criação do cursode Letras Libras presencial aqui da UFC. Em2013, eu fiz o concurso (para ser professo-ra) do IFCE, e passei. Logo após, eu fiz outroconcurso para a UFC, e passei também. Issoaconteceu em 2014, e estou aqui até hoje.

Thais - A gente tem esse curso de LetrasLibras, que foi uma grande conquista. Masquais outras conquistas você acha que o sur-do precisa aqui no Ceará?

Vanessa - Eu queria muito que em es-colas de ensino fundamental I, li, e ensinomédio tivessem a disciplina de Libras. Seriamuito interessante, porque só tem no meioacadêmico essa disciplina, então os alunossaem muito prejudicados. A gente sabe quenas mais variadas licenciaturas tem esse cur-so de Libras (de acordo com o decreto nº5.626, desde 2006 a inclusão da disciplina deLibras nas grades curriculares dos cursos delicenciatura e Fonoaudiologia é obrigatória),mas é só uma disciplina e o conhecimentoadquirido lá se perde rápido. Então, se fos-se (ensinada) desde criança, desde o ensinofundamental até o ensino médio, acho quehaveria um conhecimento mais aprofundadoda Libras.

Também falta mais acessibilidade. Naverdade, falta muita acessibilidade. (Faltam)muitos intérpretes em diversos locais, em

cursos, até (em) prova de concurso. (Tam-bém falta) acessibilidade no quesito de adap-tação de sons. Por exemplo, quando há umnarrador falando, num aeroporto, devia terum intérprete na tela para avisar quando ovoo vai partir, devia ter essas coisas, né? Nãoé só o ouvinte que existe, tem surdo tambémno mundo.

Falta também as pessoas abrirem a men-te para terem consciência das diversas de-ficiências que existem. Falta aquisição deconhecimento sobre cultura, sobre bicultura-lismo (convivência com duas culturas distin-tas, como a surda e a ouvinte, por exemplo),sobre as mais diversas línguas que existemaqui no Brasil.

Ingrid - Existem algumas leis sobre oacesso da comunidade surda à cultura. Aquino Ceará, como é o acesso a cinema e teatropelos surdos?

Vanessa - Falta acessibilidade. Nos cine-mas tem a legenda, (que são inseridas quan-do) o filme é transmitido em uma outra lín-gua, mas são (cerca de) duas mil palavras, édifícil o surdo ler tudo aquilo. A gente estáreivindicando que, além da legenda, existamintérpretes em cinemas e teatros, para nosdar informações e ajudar na compra de in-gressos, por exemplo.

Existe a lei, sim, que assegura (o acesso àcultura), mas não é respeitada na sua totali-dade (de acordo com as regras definidas naInstrução Normativa 128/2016, publicada em16/09/2016 da Agência Nacional do Cinema,a Ancine, todas as salas de cinema no Brasildeverão disponibilizar recursos de acessibi-lidade para pessoas com deficiência visuale auditiva em todas as sessões comerciais,dentro de um prazo de dois anos. Em 14 me-ses, pelo menos metade das salas de cadagrupo exibido r deverá oferecer o recurso delegendagem, legendagem descritiva, audio-descrição e Língua Brasileira de Sinais). Porexemplo, você chega ao museu, querendosaber da história, e, em alguns, há uma TVcom sinalizante. Mas, na maioria dos lugares,não tem. No Theatro José de Alencar (porexemplo) não tem acessibilidade. A nossavontade é que todos (os locais) fossem aces-síveis.

Rose - Como é que você percebe o aces-so dos surdos à mídia, aos jornais, por exem-plo? Como um surdo pode acompanhar umtelejornal que não tenha intérprete? Como éa luta por esse acesso?

Vanessa - Por exemplo, na AssembléiaLegislativa (TV Assembleia, transmitida para oCeará através do canal 30, também disponívelem www.al.ce.gov.br. No entanto, vale res-saltar que nem todos programas possuem ja-nela de intérprete.) tem a janela de intérprete.

VANESSA VIDAL I 99

A entrevista ocorreuno estúdio de Telejorna-lismo, no Centro de Hu-manidades 11da UFC. Naocasião, o prédio estavaocupado por alunos con-trários à PEC 55, medidaque estabeleceria o con-gelamento do orçamentopúblico por 20 anos.

A ocupação teve iní-cio três dias antes daentrevista com Vanessa.Em assembleia, a equipede produção informouaos estudantes de jorna-lismo que seria inviávelrealocar a entrevista. Osgraduandos concorda-ram em manter o local ehorário marcados antesda ocupação.

As aulas no curso deJornalismo foram suspen-sas por tempo indetermi-nado, incluindo as do La-boratório de JornalismoImpresso. A última reu-nião da turma antes dessaentrevista ocorreu na salado professor Ronaldo.

o nome 'Vanessa' temorigem holandesa e sig-nifica "aquela que possuiuma lucidez incomum,especialmente no que serefere a julgar o mundo eas pessoas".

"Meu sonho, quandocriança, era estar livre,brincando, correndo,

(mas) eu tinha dededicar todo o tempoda minha infância aos

tratamentos."

Pelo que você falou do jornal, não tem, masdeveria ter. Quando você tira o som, apare-ce a legenda, e essa é a única opção que nóstemos. Mas também deveria ter opção parao surdo, porque o português é a língua dois,então nem todos os surdos sabem portuguêspara ler a legenda e (de forma) tão rápida. Foium ganho muito grande, por exemplo, nes-ses debates das (últimas) eleições, (a presen-ça) da janela de intérprete. (Mas) em algunshouve problema, porque era muito pequenaa janela de intérprete, o surdo tinha de fazerum esforço muito grande para ver. Encostarna televisão para poder ver o que o candidatoestava falando. Mas a nossa luta continua emrelação a isso, quando acontece de a gente tersucesso com a janela de Libras é muito bom,mas essa luta nunca para, e nós vamos conti-

REVISTA ENTREVISTA I 100

nuar até conseguir.Rose - Ainda continuando o mesmo

tema, vocês buscam realizar as próprias pro-duções? Por exemplo, acho que eu já vi umfilme que era feito só por pessoas surdas.Vocês buscam realizar essas produções?Não só assistir mas também produzir?

Vanessa - Em outros países, eu já vi jornalsendo produzido pelos surdos.Achei muito in-teressante, mas aqui no Brasil ainda não tem.A TV cultura apresenta um programa, achoque é a TV cultura, que o foco é em Libras, nãoé tudo em Libras, é mais o foco, não é nem oconteúdo de jornais que é com notícias, masos surdos mostrando conteúdos da língua desinais (o canal TV Brasil apresenta um telejor-nal chamado Visual, que vai ao ar de segundaa sexta às oito horas. Nele, os apresentadorestambém são intérpretes e todo o conteúdo éapresentado de forma bilíngue: em portuguêse em Libras). Seria muito bom se essa ideiafosse colocada em prática, os surdos fazendoo próprio jornal.

Rafael- Ouais projetos você está botandoem prática hoje em dia, para a militância dossurdos?

Vanessa - Eu não estou sozinha nisso.Eu vejo movimentos de acessibilidade, poruma educação bilíngue. É uma luta, mas nósestamos conseguindo. Eu tenho projetostambém na área da saúde. Muitos surdos fa-lam comigo que há uma situação prejudicial.Quando eu estou doente, e vou ao médico,ou vou comprar remédio, por exemplo, háuma falta de comunicação. É necessário umacomunicação mais clara dentro da área dasaúde, uma comunicação segura, nas maisdiversas situações que acontecem dentrodessa área.

Estou fazendo um projeto de extensãona UFC, um glossário de sinais sobre saúde,para que (esses termos) fiquem bem maisclaros. Também darei palestras para explicarpara as pessoas qual a importância de apren-der esses sinais, para que elas olhem o glos-sário no site e possam se comunicar melhor,para evitar algumas situações que podemser prejudiciais.

Amanda - Vanessa, o serviço de intérpre-te ainda tem um custo muito alto. Eu querosaber o que você acha que ainda poderia serfeito para tornar esse serviço mais acessível.

Vanessa - Intérpretes mais acessíveisna questão financeira? (Amanda concorda)Na verdade, hoje, precisa-se valorizar essaprofissão. A gente é a favor disso, porque éum profissional. A prefeitura não paga o queele merece. Por exemplo, aqui na UFC, nóstemos intérpretes, de classificação D, que énível de ensino médio. Eles são formados,alguns têm mestrado, mas ainda estão nonível de classificação D. Então, não tem essavalorização e eles saem prejudicados. Elesdeveriam estar incluídos no nível de clas-sificação E, mas o MEC não acha que a Li-bras seja considerada um idioma (de acordocom a Portaria 475, de 26 de agosto de 1987,Tradutor e Intérprete está classificado comoprofissão com exigência de nível superior(nível E), enquanto Tradutor e Intérprete deLíngua de Sinais está incluído no grupo comexigência de nível médio (nível O) ).

Amanda - Só para reformular minha per-gunta: para a população que não tem umacondição financeira tão boa, como ela pode-ria ter mais acesso?

Vanessa - O governo que tem obrigaçãode pagar (pelo serviço). Por exemplo, umafamília que não tem dinheiro para comprarremédio, logicamente não tem dinheiro parapagar intérprete. Então, entraria o governo,colocando intérpretes nos hospitais, em vá-rios lugares, para essas famílias que não têmcondições. Em parte, isso acontece. Tem,por exemplo, a Central de Intérprete de Li-bras (inaugurada em Fortaleza em 2014, re-sultado de uma parceria entre os governosfederal, estadual e municipal, e com sedena Rua Pedro I, no centro da Capitan. Maso que acontece: (Esses intérpretes) não po-dem ir a consultas particulares, não estãosempre disponíveis no horário que a famíliaquer ... Eles têm as suas regras e os seus li-mites dentro dessa central. Mas os surdospodem ter acesso, ir a essa central, marcaro que quer, e o intérprete vai junto. Precisamarcar o compromisso dois dias antes. Sónão pode (solicitar intérpretes) para coisasparticulares. Nós queremos e lutamos paraque futuramente isso melhore.

Alana - Eu quero saber o que as pessoaspensam que você não pode fazer mas você faz.

Vanessa - Você sabia que eu já fui candi-data a deputada estadual? (Vanessa foi can-

11(. .. ) se fosse (ensinada) desde criança, desdeo ensino fundamental até o ensino médio,acho que haveria um conhecimento mais

aprofundado da Libras."

VA ESSA VIDAL 1101

No dia da entrevista,Vanessa estava com ocaracterístico cordãozi-nho dourado no qual estáescrito o nome dela. Va-nessa parece gostar bas-tante do nome que lhefoi destinado, e, no livro,fala várias vezes sobre ossignificados que a palavrarepresenta.

Maria Coelho foi aprimeira, entre os trêsintérpretes presentes,que aceitou participar.No entanto, havia avisa-do a Karine, desde o iní-cio, que poderia chegaratrasada no dia, já queàs quintas-feiras não temhorário certo para sair dotrabalho.

Felizmente, no dia daentrevista, Maria pôde saircedo do trabalho e che-gou à UFC antes mesmode alguns entrevistadorese da entrevistada. Quemchegou minutos atrasadofoi Marcos Borges, queteve um imprevisto algu-mas horas antes.

Ao final do encontro,em vez das palmas so-noras que caracterizam oencerramento das demaisentrevistas, todos os parti-cipantes fizeram o sinal deaplausos em Libras. Foi ummomento emocionante.

didata em 2010, pelo Partido Verde, e alcan-çou 6.264 votos em todo o Estado, mas nãoconseguiu se eleger) Então, eu não tive mui-to apoio não, foi difícil, foi limitado, mas eufui corajosa, lutei, fui em frente, mesmo semapoio. As pessoas (diziam): "Nossa, comoque a Vanessa tem coragem em aceitar umaresponsabilidade dessa?" Eu sentia que aspessoas (achavam): "Ah, ela é surda, ela nãovai ser capaz de tamanha responsabilidade".Assim como na vida de rniss, que as pesso-as se encantaram, quando eu fui candidataeu tentei causar essa surpresa nas pessoastambém.

Alana - A gente viu no seu livro que temmuitos trechos de música, e a gente ficoucurioso pra saber qual a sua relação com amúsica, como é que você escuta a música.

Vanessa - Bom, meu relacionamento coma música não é assim um processo tão natu-ral como o que vocês estão acostumados,mas depende do momento, da situação, daadaptação em Libras ... Quando eu vejo umamusica em Libras, eu fico encantada. Vocês,ouvintes, escutam a música. No meu caso,eu tenho de visualizar a música. Se eu leio aletra da música, tento adaptar para os sinais ...Lógico que uma língua é independente daoutra, não que a música vá ficar igual, masa.gente tenta adaptar para os sinais para queo surdo sinta, e, quando ela é visualizada, agente tem a sensação, tem o sentimento damelodia. A maioria das músicas não faz sen-tido pra mim, mas, quando ela é adaptada,quando elas são traduzidas para a língua desinais, (é diferente).

Karine - Pra encerrar a entrevista, pelopróprio livro deu pra notar que você percebea inclusão de uma forma bem ampla, bemalém da causa da surdez. Então, a gente quersaber o que, pra você, significa a palavraacessibilidade.

Vanessa - Acessibilidade é algo muito im-portante. É ter igualdade, é ter satisfação navida através dessa acessibilidade. As pesso-as acham que precisar de acessibilidade é terdependência, e é totalmente o contrário, é serindependente, é ver que tudo na sociedade éacessível a você, que você pode se mover so-zinho, que você pode se comunicar sozinho,porque tudo é adaptado à sua deficiência.

Hoje, eu sou diretora regional da FENEIS(Federação Nacional de Educação e Inte-gração dos Surdos), entrei em maio (desteano). Dentro da FENEIS são discutidas váriaspolíticas de acessibilidade a todas as defici-ências. Lá, junta-se a educação e a política,principalmente do surdo. (Pensamos em)como vai ser a aquisição da língua do surdo,como ele vai aprender, como é a política dosurdo. A gente percebe que faltam políticas

públicas nessa área, e nós, através de váriasleis, vamos discutindo, pesquisando, paraque haja essa adaptação.

Através da FENEIS, também são promovi-dos cursos de Libras para que essa comuni-cação seja acessível às pessoas. Outra coisatambém é a família. A família também tem di-reito de fazer os cursos na FENEIS quando háparentes surdos. Também há cursos de con-versação para quem já sabe libras. Então, eusou responsável por essa parte da FENEIS,porque eu me preocupo com acessibilida-de. Lá, a intenção é quebrar essas barreiras,através da política, que é falha, e nós lutamospara que isso seja resolvido, para ajudar to-dos os surdos.

"Foi um ganho muitogrande, por exemplo,nesses debates das(últimas) eleições, (a

presença) da janela deintérprete. (Mas) (. .. )era muito pequena

(...), o surdo tinha quefazer um esforço muito

grande para ver."

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