do cognitivismo ao sociocoognitivismo

26
7 DO COGNITlVISMO AO SOCIOCOGNITlVISMO Ingedore Vi/laça Koch Maria Luiza ,Cunha-Lima 251 Ao nos depararmos com um capítulo sobre sociocognitivismo, somos le- Idos a imaginar que se trata de um programa de pesquisa lingüística bem defi- uklo e maduro, como, por exemplo, o gerativismo. Partindo daí, seria natural I 11 .rar que o capítulo fosse capaz de delimitar com certa precisão as diversas luunas de abordagem das questões que esse programa pretende explicar. Essa 0, no entanto, é enganosa. O que temos para relatar é mais um conjunto de jllIllt'UpaçÕes e uma agenda investigativa em ascensão na Lingüística atual do 11'11 os resultados de um programa fechado de pesquisa. Tentaremos, na verda- di. 1m'ar o percurso de alguns estudos cognitivos no interior da Lingüística que 011 1III'uram a necessidade de a cognição ser abordada também em uma pers- 111 I I VII s cial, bem como apontar alguns dos fenômenos que têm ocupado o 1111111 dos tudos nessa perspectiva. ,j}/ r 'Ia 1 entre linguagem e vida social ou, melhor dizendo, e.ntre lingua- 1,rI1 r 111 I mundo ntr c nh irn nt linguagem, não é de forma alguma uma" 11 1111 I II nova, muito 111 'IIOH ti 11ta 'lU 'stt o d fi .ob rta li xclusivarnente tratada ; 1lLJfI/1 I" II I'i lidas 'Ol'lIilivlIS. Dl'sdl' II Âlltip!lidud', 'SSIIPI"O.upa .ao t '111 sid en- I. ti III lillll'1llrill.HII 11'111 11'11'1111/0 I. IlHliHvnriudnx IIh(lI'(III~' 'IlS l' r 'SpOSlHS,'

Upload: barbara-cristina

Post on 28-Oct-2015

125 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

7

DO COGNITlVISMO AO SOCIOCOGNITlVISMO

Ingedore Vi/laça KochMaria Luiza ,Cunha-Lima

251

Ao nos depararmos com um capítulo sobre sociocognitivismo, somos le-Idos a imaginar que se trata de um programa de pesquisa lingüística bem defi-

uklo e maduro, como, por exemplo, o gerativismo. Partindo daí, seria naturalI 11 .rar que o capítulo fosse capaz de delimitar com certa precisão as diversasluunas de abordagem das questões que esse programa pretende explicar. Essa

0, no entanto, é enganosa. O que temos para relatar é mais um conjunto dejllIllt'UpaçÕes e uma agenda investigativa em ascensão na Lingüística atual do11'11 os resultados de um programa fechado de pesquisa. Tentaremos, na verda-di. 1m'ar o percurso de alguns estudos cognitivos no interior da Lingüística que011 1III'uram a necessidade de a cognição ser abordada também em uma pers-111I I VII s cial, bem como apontar alguns dos fenômenos que têm ocupado o

1111111 dos tudos nessa perspectiva. ,j}/

r 'Ia 1 entre linguagem e vida social ou, melhor dizendo, e.ntre lingua- 1,rI1 r111 I mundo ntr c nh irn nt linguagem, não é de forma alguma uma" 11

1111 I II nova, muito 111 'IIOHti 11ta 'lU 'stt o d fi .ob rta li xclusivarnente tratada ; 1lLJfI/1I" II I'i lidas 'Ol'lIilivlIS. Dl'sdl' IIÂlltip!lidud', 'SSIIPI"O.upa .ao t '111 sid en-I. ti III lillll'1llrill.HII 11'111 11'11'1111/0 I. IlHliHvnriudnx IIh(lI'(III~''IlS l' r 'SpOSlHS,'

Page 2: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM. SENTES

111' ocupado autores das mais variadas origens teóricas e campos de atuação:IlI<Ís fos, antropólogos, sociólogos, psicólogos, neurocientistas em geral, cien-lisllls da informação ou da computação e lingüistas, obviamente.

A abordagem das ciências cognitivas surgiu, principalmente, a partir di!

til' 'lida de 1950, como uma reação ao então dominante behaviorismo, que sepropunha a estudar o ser humano exclusivamente partindo de suas reações li

dl I .nninados estímulos, ou seja, partindo do comportamento externamenteohs rvável e mensurável, sem nenhum recurso a explicações que contivessemreler ncias a "estados mentais", "intenções", "vontades" ou qualquer outro ele111'1110 interno ou subjetivo. A mente e seus estados eram vistos como uma"vuixa pr ta", algo inacessível para o método científico.

As ciências cognitivas, partindo de inovações na investigação da naturezado ruciocfnio lógico-matemático, introduzidas principalmente por lógicos (comovvr 'IIIOS), mostraram que investigar os processos inteligentes e a inteligên in('111 icral é uma empreitada científica possível. Os processos mentais e a m ntc101'11111reabilitados como objetos de investigação, e seu estudo tornou-se o obje1I vn fundamental dessa nova ciência. Isso se confirma facilmente quando eXII1IIiIIilJl}OSos títulos de alguns dos principais livros que pretendem introduzirI( 1101' 'S 1110 especializados às ciências cognitivas: A nova ciência da mel/li'(( lnrdn 'r, 1984) ou Como a mente funciona (Pinker, 1997).

Hnlr as perguntas principais a que essa nova ciência pretendeu respond 'I

di'. dt, o inlcio estão: Como o conhecimento está representado e estruturado 11 t11IrllIl"l '01110a memória se organiza? Como a mente se estrutura, ela é di vi Ihlu\'111pU1'1 'S independentes que se coordenam ou existe conexão entre todas I(llllll's'l Qual a origem dos nossos conhecimentos, são eles inatos ou derivam ti t

I" (ll'l i 'li :ia? orn essas perguntas, os cientistas cognitivos trazem o con 'illldI' II.ll'1I1'para interior do campo científico I e desenvolvem métodos própl'Ílplll I ('SllIdá-lo.

tinIr 'tanto, a elegerem como objetos de estudo a mente e o conhecirm-n11l. os l'il'lIlislas cognitivos diferenciam-s~ de abordagens anteriores não 1:111/1,pnl \ \1111'P 'I' 'untas, ma muito mais por seus métodos, principalmente p 10 11,I'lu l'IIlIlP"(lIdol' como ferramenta fundam ntal.

Outrn novi íad das ciências (J initivus qu " pura las, o terrn 'Of{II/('II//

11 1\'I'ohl'Ír UIlI .arnp cI inv Nli 'ti ': O IIIIIINIIlIlplo do '111. uqu Ic pr f r '11(' ti

1'11111'1'1','111'di, IIll\lIll\ 1\(1111111111IH /II~' 111/11_' "1'"/11 II~, /iI~~iI /I 1111<111Nl\l' ll\.lll·'1111111!I,\ 1"'"111

11111" "'lIld" l'ill 111'1'1111,N,

INIIlODUÇÃOÀ LINGüíSTICA 253

111.nte enfocado pelos estudos tradicionais sobre o conhecimento. Ampliar esserumpo significa incluir entre os fatos a serem investigados não apenas capaci-ti ides cognitivas nobres, como a linguagem, o raciocínio matemático, mas tam-lI! m fenômenos bem mais simples" em sua aparência como, por exemplo, nos-

IfIcapacidades de nos movermos em uma sala sem esbarrar nos móveis; de,ti Idas diferentes condições de iluminação, enxergarmos as cores de forma con-lstcnte; ou, ainda, nossa capacidade de, ao balançarmos uma caixa de leite,thcrmos, aproximadamente, quanto de leite resta lá dentro.

O advento das ciências cognitivas teve, entre outras conseqüências, o es-1111lecimento de uma agenda de pesquisa que influenciou as ciências humanas1 111várias áreas e de diversas formas'. Em outras palavras, fornecer modelosI111nitivamente plausíveis, ou cognitivamente motivados, de diversas capaci-li «ícs humanas passou a ser uma preocupação para muitos pesquisadores.

No entanto, por muito tempo, um diálogo entre essa nova ciência e asncias sociais de uma maneira geral não foi frutífero ou mesmo possível.

1I,lIlbora algumas das capacidades cognitivas que mais interessavam aos cien-/1 tns cognitivos clássicos tivessem uma dimensão social óbvia, como é eviden-II IHl questão da linguagem; e, por outro lado, embora a linguagem' tivesse,1IIIIIb m de maneira evidente, uma dimensão cognitiva, os aspectos sociais e1111'nitivos da linguagem foram, muitas vezes, colocados em lados opostos, numati puta bastante acirrada.

Adotar uma perspectiva cognitivi~~E!~~~Ill~ada.s..2!~uações, c

II'"if"icou ignorar qualquer aspecto social da linguagem e da cognição de uma1IIIIIIa geral. Em relação à pergunta: Qual a-relaçãoentre-cognição e vida so-,1,11'1, O cognitivista clássico responderia que, sem dúvida, existe uma relação,11111.luLeessa relação pode ser ignorada no estado atual da pesquisa porque ela11I) interfere na explicação de fenômenos no nível em que a investigação atualI ('li .ontra. Ou seja, apesar de ser inegável que a vida social existe, um

III nitivista clássico acredita que pode continuar fazendo o seu trabalho sem, C11111'1<1 erar este fato como relevante para a construção da teoria.

Por outro lado, encontramos pesquisadores que dão toda a primazia a as- I

111j'ltlS sociais da língua, desconsiderando a hipótese de que fatores "internos", /Ii lill'll,j 'os u individuais, desempenham algum papel na explicação de como a1/111110rUI iona, Para muitos pesquisadores, a língua é um fenômeno apenas I

I '

.\- \. • I IJ (Ü'fi. J • (r f\,\.~ eLc'(lv'l C \,J' I •S11"i)\

" I(NNtN jlI'OI I'II'IIN III o 1 111nudu d NIIIIj1I\\N, \'OI\1() 10111si I demonstrado pelos seguidos fracassos'''I "I\IIIIIVII,~ d, rl'~,(lI' 1'lIh N dCN mpcnhnrou: II NIIN 111I(\rll,~,

Page 3: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM ' SENti

I,ot'ial que "se apossa" do indivíduo, que fala "através" dele. Aspectos COIIIIl

111('111 ria e processamento mental não são considerados pertinentes para o estudo da linguagem.

Pode-se dizer que é difícil encontrar nos estudos desenvolvidos por p 'S

qlli"a I res oriundos de tradições 'mais fortemente sociais considerações sobre Ipluuxibilidade cognitiva dos modelos por eles propostos. A preocupação COIII

,:-,p,·t s cognitivos não tem estado na agenda da maioria dos pesquisadoreii11(('1' essados em aspectos sociais da língua, como pragmaticistas, sociolingüisuuI' ctnolingüistas. Pode-se dizer que a Lingüística tem assumido, quando se trut I

rlu r .lação entre linguagem e sociedade, uma perspectiva que se pode charnrnrh dose rporificadar isto é, uma perspectiva queconsidera a mente como rachI 11m .ntc separada do corpo. - - - - -

O problema da relação entre linguagem e conhecimento fez parte da a eudll de muitos pesquisadores das áreas citadas: a hipótese Sapir-Whorf do relul]vlsmo lingüístico ou os trabalhos de Malinovski (1934) sobre o "pensam 11111

primitiv " são exemplos que facilmente aparecem quando se pensa nisso. NII

cntnnto, não se pode dizer que as abordagens destes autores (ou das linhas dI'pesquisa que seus trabalhos originaram) tenham preocupações com a cogni '111,

pois s;-0, de uma maneira geral, muito influenciados pelo behaviorismo ((111

III 'S .onternporâneo," e tratam do problema segundo outras perspectivas nll

lodol ) ricas. A chamada hipótese Sapir-Whorf, por exemplo, de que a ment do111111111' ti uma língua é moldada por esta língua, é mais um ponto de partkln1I ',\li i 'o ' fil sófico do que uma hipótese empiricamente comprovãvel."

Assim, poderíamos dizer que os cognitivistas clássicos se preocupam /'1111

druucnlalmcnte com aspectos internos, mentais, individuais, inatos e univcrsutdo 1'1'0 .cssamento lingüístico e que um outro grupo (que não se pode reunir sol!uru rlni 'c', n me, mas que reúne sociolingüistas, etnolingüistas, analistas do di1'111 so, pra maticistas, entre outros) está fundamentalmente preocupad '0111

"IWl'los ixt mo , sociais e históricos da linguagem.No ntanto, de forma crescente, desde o final da década de 1980, o di do

I'tl '1111" as perspectivas acima mencionadas tem aumentado, criando cspu 'li

11111110 1'1'1I1 fcr s para o desenvolvimento de pesquisas que compreendam OH I

\, ON I,'''IUIS \)111in I S SIO 'lIIbodiedlll/,\'I'I/lIi(iIIlI,tI, 1'11111"" 1111111v til! tuuluç ·s I m sido flI'OI''' 111I. IIIIH" 111'lIdo/dl'SI'O' polÍl'i 'udo, 'n ·nrnlldo/d(· "'" ""111"", , li' '" 1'111I,o/d, ""11"'" lI"do), No '111111'10, '1.·,1111,"'" dll 1'"dll"II'N ""S pnr " 1111111111"lI' ~1I1 1111"'"

1""",,11 (1')'1/: ~II), pOI' 'XII"lplo. 111111"li 1"111 11111'1111"" li, hnv '" NIII d, MIII uovskl".'"Ni\ 11' I" 1111,V,"' 1,,11' (11)1)(0)

INIH DUÇÃO À LINGüíSTICA 255

11 menos cognitivos em. geral, e a linguagem em particular, como fenômenosI "pazes de oferecer modelos da interação e da construção de sentidos cogniti-

unente plausíveis ou cognitivamente motivados e, ao mesmo tempo, comoli nômenos que acontecem na vida social.

Os proponentes desse diálogo são, em primeiro lugar, pesquisadores oriun-dllH da ciência cognitiva clássica, que se achavam insatisfeitos com a concepçãodi' mente adotada e com o leque de fenômenos que os estudos cognitivos clássi-I ,)S poderiam explicar a partir dos métodos e pressupostos tradicionais. EntreI s 'S pesquisadores, encontram-se dissidentes do gerativismo clássico, como( k-orge Lakoff ou Ronald Langacker, que propõem que a linguagem seja vista ,"I 111110 uma forma de ação no mundo, integrada com as outras capacidades co&,nuivas. - - --- -

Outros proponentes desse diálogo são pesquisadores com formação pre-dliminante nas ciências sociais, que passaram a se preocupar com a dimensão ~""I'nitiva de sé~odelos, procurando apresentar formas alternativas para o /<:1'1 \I' ssamento lin üístico ue incorporassem as diversas evidências de que esse "'21'1\)' ssamento é altamente situado e sensível ao contexto sócio-históric;'-bem JIIUllO à situação imediata em q~e os evento~ 5erbais aconteceIl!.

Para os pesquisadores das duas origens, como bem formulou Clark (1996), i

/I linguagem é um tipo de ação conjunta. Assim, compreender a linguagem é r ', 111 'I der como os falantes se coordenam para fazer alguma coisa juntos, utili-I 111 I simultaneamente recursos internos, individuais, cognitivos e recursos

11 -iai . Uma boa explicação sobre a natureza da linguagem tenderá a superar c~, 'as c1icotomias e explicar as ações verbais como resultantes tanto de uma vida C11 li .ológica individual quanto de ações públicas e históricas:

Em alguns lugares, o uso da língua tem sido estudado como se fosse um processo \ -*inteiramente individual, como se residisse inteiramente dentro das ciências cog-nitivas - psicologia cognitiva, lingüística, ciência da computação, filosofia. Emoutros lugares, ela tem sido estudada como se fosse um processo inteiramentes cial, como se residisse inteiramente dentro das ciências sociais - psicologiaso ial, sociologia, sociolingüística, antropologia. Eu sugiro que ela pertence àsduas áreas. Nós não podemos ter esperança de entender a língua a não ser toman-do-a c mo um conjunto de ações conjuntas construídas a partir de ações indivi-duais ( lark, 1996: 4).6

(!,)\ 1'l!tllI~' o til' I, '('111/ íli' 111111111111'li 11 plltl',l) N " IICOlllm(ills '111 Portu 11 sé d rcsponsabilida-01, "" IIIIIII'II,~,

Page 4: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

256 257

Se, à primeira vista, parece não existir nada em comum entr ' 11apresentadas, um olhar mais atento mostra que a oposição só é pu Ique há um acordo tácito a respeito de algumas dicotomias. Em 0111111vras, cientistas cognitivos e lingüistas que assumem posições teórh I

mente motivadas acreditam que existe uma diferença clara e fundum li'Ire aspectos internos e externos, inatos e aprendidos, biológico, Imentais e corporais. Como se disse, porém, essas dicotomias têm nl•• Im xeque tanto no interior das ciências cognitivas, quanto no int 'riol I

n as áreas da Lingüística.

Atualmente, no interior do heterogêneo campo das ciências I 1I11.onsidera-se que não é possível estudar a mente de forma absolutauunnrada do organismo em que se situa e, tampouco, é possível separri 11 til Ionde os processos acontecem. Assim, vários fenômenos cognitivos 11111"ser apropriadamente descritos sob uma perspectiva interna, jáque cx] I I11los deles que acontecem socialmente (Hutchins, 1995): são "compuín IIresultam, como veremos abaixo, da atividade interativa propriam '1111dll

Por outro lado, no interior de vários domínios da Lingüística, I1111Iti. de se compreender aspectos cognitivos de processos de int r:l~' 1I 1IIIl~l"lgem, tais como o papel desempenhado pelo conhecimento Plllllllllltlprodução e na compreensão de textos (falados ou escritos), por x '1111'111Ihilitou a criação de modelos explanatórios do fenômeno textual qllt 1'1j)( '111a arbitragem de categorias importantes advindas de outros (' 11111".onhecimento: a de processamento, a de memória, a de represcntnç \I I••nh cimentos prévios e a de atenção.

Ao retornarmos para o nosso interesse inicial, a saber, a agcrulu 11íivu proposta pelo sociocognitivismo, podemos dizer que a prin .ipul 11" Is 'r ~l1frentada não é a de como traçar as relações entre os aspectos (,oplllll

.os aspectos sociais que concorrem para a constituição do fenôm no 11111111.omo se estes fossem aspectos que meramente se adicionam ou N' ('0111"I 1

unálisc da linguagem humana, como se procurar compreendê-los Sl'p 11111111• Ioss desejável e mesmo possível. A questão não é perguntar '011111I 111

'I o P ele influenciar os processos cognitivos, como se as duas fONf/\ 111I I I

los .stanques. A pergunta é, ao contrário (entendendo-se a inter.i ': () 1'11111111'ss 'I) .ial ela cognição): Como a ni ão e constitui na int ru '\ o'

TOl11'1nel sta questão '01110IIOSSOponto ele partida, o 'tllnillllo '1111111'!'l'IHOSpara a nossa dis 'uss o 111'11IIl'l'I'SSariamente um pou '0 1111 1111110I1110S0,j I qu . I .nrar nH)H I' pll' 1111pOI </11('consid nH110Hn c 'SI' 1111111Io,' rl'lI IIH'nOSco nitivo» 1'11111111111111111111'1111Hillllldm; , por que 1\ (I IIi111

I de que a sociedade e a eu tura são elementos que meramente se jun-, up erpõem ios processos c0!:Lnitivos, sem os constituírem.I ' caminho, teremos que percorrer brevemente a história da concepção

, 111111" possibilitou a investigação desse objeto sem fazer referência aosI1 sociais. Em seguida, .tentaremos mostrar como essa concepção foi

111111111111no projeto cognitivista clássico e como a linguagem pôde ser in-I 1111111 ssa concepção e a esse projeto. Num terceiro momento, tentare-I" 1I111r 'r as trilhas que levaram a considerar a mente humana e, conse-I 1111'111(',a linguagem, como um fenômeno necessariamente social. Para, "111I'IIlOStanto de alguns momentos em que a ciência cognitiva clássica

11,111I 'os sem saída, quanto de novos caminhos apontados por perspecti-rlillIlI'lllnistas.11111ponlO muito importante para nós, lingüistas, é o de que determinados

1l11i1ti I .iência da linguagem têm desempenhado um papel central tanto naIj 11111do modelo clássico de mente, quanto na imposição da necessidade

I 111ri .sse modelo. As relações entre Lingüística e ciências cognitivasIdll I . Ir cmamente estreitas. Os resultados obtidos no que diz respeito à

1II cupucidade de linguagem têm sido vistos como modelares para ou-I 1 li I .iência cognitiva.

"111111I1!'olado, o compromisso, às vezes não explicitado, com pressupos-I II ,llIs ciências cognitivas clássicas foi fonte de restrição e de direcio-

111•• ""11 os tipos de teoria e explicações que boa parte da Lingüística seI IllllSll'uir.

I I h ~'i/lr mos, assim, para nossa jornada, um certo ponto de vista: o deI.! I ruirmos como as ciências cognitivas trataram a linguagem, podemos

11(;'11111I s) rorrnars) como se tem compreendido até hoje o problema da" luuunnu. Além disso, ao discutirmos a necessidade de se compreenderI 1I l'() In itivo relacionados à linguagem como processos que, ao rnes-

1111'''1'llllSlilll m e são constituídos pelas e nas práticas sociais e culturais,ri" 111IUI, S y I produzir uma concepção de mente que possibilite umaII I "IIIPI(' 'ns: o sobre a própria linguagem.

1111 "11111I011

I 11I" IIIIIdudon:s d:l ,i 11'ill IIIO(/tlI'II",IIl1l:1dlis mais importantes ques-I I 111"I (' () ('011" 'illll'IIto dll 1'1'111111"(/,,t' pON vI'II' quuis OS 111io para111111I111'IIIIIH'villIl'IIlol'ollrirív -I, MI'IH' I'"IIVIIIII (' IISIIIIH('S dos s ntid s

Page 5: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

258 MUSSALlM • BENTES

(por exemplo, as ilusões de ótica), demonstrando que nem tudo que se percebe, verdadeiro, que nem sempre se pode confiar no que os "olhos vêem", nas.vidências sensoriais.

Mas, mesmo considerando que os sentidos podem ser enganadores, comoprescindir de evidências experimentais para realizar uma investigação confiá-v I da natureza? Parecia importante desenvolver um método que disciplinasse() uso dos sentidos, evitando, assim, as armadilhas da percepção e permitindoqu a razão tivesse acesso direto às coisas tais quais elas são.

Como resolver essa contradição? Como dar uma explicação razoável so-brc a possibilidade que a ciência buscava de conhecer o mundo e como corrobo-rar as evidências de que a razão seria efetivamente o meio para este conheci-111ento? Melhor dizendo, como explicar de que modo as coisas do mundo vãoparar dentro da nossa cabeça (inclusive transformando-se em palavras com asquais se pode falar sobre o mundo)?

Um dos pressupostos dessa linha de raciocínio é a existência de uma fron-I 'ira nítida entre os processos internos, individuais e mentais, de um lado, e ascoisas do mundo, os fenômenos externos, acessados pela percepção, do outro.'rodas as respostas procuravam explicar como as coisas que estavam "fora"VOI1Sguiram "entrar" na mente, e se essas coisas que estavam fora entram 1111mente na sua forma verdadeira, real.

abe aqui uma parada para observar que a mente e o corpo, nessa p rsP' .Iiva, são considerados duas naturezas absolutamente distintas. De um lado,

'1111 .orn proposto por Descartes, temos a res extensa (coisa extensa, mat ,i Il' I 'I1Sa), a natureza material das coisas mundanas, que ocupam lugar no eSI 11'li(dn S r m chamadas de extensas), incluindo nosso corpo e tudo que os nossoH'111idbs I odem captar. Em oposição, temos ares cogitans (coisa pensantr11'1111ria pensante), substância imaterial, que incluiria a consciência humuuu I

1I0SNllm nte racional. Na res cogitans, estariam presentes algumas idéias 1111I 11'1,.omo as idéias de formas geométricas ideais (um triângulo perfeito, a l" 11" I P .rfcita e a sim por diante) e a idéia abstrata de número.

f('s xt nsa e res cogitans seriam duas substâncias completam ntc ti 1In'l\! '1'1.ntr si, na sua própria essência, de forma que é impossível reduzir 1111111

uulru, ou ralar de uma com o vocabulário utilizado para falar da outru, 1\ I

dil'l'r '11'li 'ss neial põe claram nr 11111problema: xplicar como a suhsl 1111Iti' 1I'1l0natureza pode e muni '<lNlt' (111II~ r xnhr I NubNtâneia I urna OUlf1l1l1111'(':t,a, ou N'.ia, '01110 rn nlc , 'O(jl() POdl'lIl I 111'1'1'111'iolltldOf>. A 111ente l'HI I, 1111)'11111111\)1'11111mistcriosu, lil' 1111111111111'",11111ti 11','" ti 'I' '111SUl! pr6pl'i I, ""

íância. A mente é um instrumento seguro ao qual são trazidos testemunhos,nãoI< o confiáveis, da experiência e. da percepção.

Encontra-se pressuposto nesta concepção que a nossa mente está, de certaforma, "aprisionada" dentro do corpo: nossa mente não é deste mundo, estápresa a ele por contingências da matéria. O homem seria, então, acima de tudo,1Im animal racional e o que temos de mais precioso é a razão, chave para des-v mdar o mundo, a despeito das imperfeições dos sentidos e da interferência devlcmentos mais "baixos" de nossa natureza, que seriam "interferências da ma-I~ria", como emoções e instintos.

E, como as idéia inatas (nas quais podemos ter mais confiança), que sãopropriamente da mente e fazem parte da sua natureza, têm muito de matemáti-('O, o pensamento do tipo matemático ou lógico foi muito naturalmente posto noI'l'ntro das capacidades racionais humanas, ainda mais devido ao crescente su-I' 'sso dos métodos que utilizavam a Matemática como ferramenta fundamentalIIa natureza, embora essa supervalorização das capacidades matemáticas tenhaI'omeçado muito antes.

Deixemos isso de lado por um momento, embora devamos retomar a esseponto. Por enquanto, o que nos interessa ressaltar é que a mente foi pensada, a11utir dessa época, como um lugar especial, separado do corpo, e que está den-11I) dele. Temos, então, uma fronteira bem nítida: os processos internos, men-IIIIH,7individuais e particulares, aos quais, como seres racionais, temos acesso(I r 'to, pela introspecção, e os processos externos, extra-individuais, sociais,111'racionais, que têm uma natureza diferente e independente dos primeiros.

Esse é o primeiro traço da concepção de mente que sustentou as ciências1tll'niLivas clássicas: a radical separação entre mente e corpo, entre processosIIkfnos e externos.

Uma outra questão relevante que merece destaque na análise da concepçãoI 1II.siana diz respeito mais diretamente à forma pela qual os fenômenos exter-II(I, podem ser representados na mente, como eles podem entrar na mente e sernumipulados, uma vez lá dentro." \J2.~Y'JG->'Y'-º-,-yJ:n J!Xf(~~" rY, n \;V\Q~J:-..Q

Y árias respostas foram apresentadas a essa questão, corno, por exemplo, a111!Ili , I' mos uma imagem mental que representa as coisas do mundo na nossa

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA

I. 1\ nntur za ciosprocessosmentaisnão teria necessariamentea ver coma naturezaciocérebro,jáqlli 11(I 1'(111'0< parte cI n SH C rpo f'rHico.Para uma concepçãodualistacomoessa,> o cérebroé, no1111-111111,11111IlIguronde11menteN 1I11I'1grl,011NO li " ao COI'fo. De fato.Descartespropôs.que a ligação111111111\111\corpo H' duvn hll'IIV~NdI' 1111111plllll 10'ulizlldllno c r bro: ti glândula pineal,

H 1'111'11(1111111111IINI'111,11111111111111111111111111'1111!III1"jll'l'H111111;"0lilí.lnllll,V'" umminx (198R).

259

Page 6: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

, o MUSSALlM. BENTES

( .abeça, uma espécie de molde ou miniatura com a qual identificamos os entes domundo. Essa proposta é muito implausível, infelizmente, já que, além de váriasoutras objeções, não se encontraram essas imagens no cérebro de ninguém.

Uma outra resposta apresentada na época foi proposta por Descartes (e11111riormente por Locke), inspirado nas revoluções que o método matemáticoli' investigação trouxe para a ciência da época: a idéia de que as coisas doinundo são representadas internamente por símbolos. Símbolos não se parecemxirn as coisas representadas e têm a vantagem de permitir combinações com-

pl ixas e operações sobre eles.Segundo essa teoria, os símbolos co-variam com o ambiente, em função

li' determinados estímulos. Essa é a segunda característica chave para a con-c ipção de mente dominante posteriormente: a idéia de que a representação menta 1, um símbol e as atividades mentais são oj2erações sob~~ símbolos. Tal--~---- - " ....'011.cpção garante uma forma para a mente tratar o mundo em seus propnosI -rmos", utilizando uma linguagem de natureza mental.

sse passo permitiu à ciência cognitiva estudar os processos internos da111.ruc, ignorando em g~dida-0s eios pelos quaisos estímulos cio,scntid s são traduzidos em símbolos. Partindo do ponto em que a tradução 1\

1It' o istfmulo e osímbolo já foi feita, as ciências cognitivas clássicas pret 1\

dium trabalhar sobre as operações realizadas com estes símbolos, explicar 11,I ' iras pias quais os símbolos são combinados, apagados, transformados.

os símbolos representam, de fato, a realidade tal como ela é, isto ru () (t' utarn nte um problema para esse paradigma; para ele, os símbolos d V '111;ll\ HIl10representar a realidade, já que os organismos são, em geral, ca az HdII 'U rir apropriadamente aos estímulos, garantindo a sua sobrevivência e o SI!, 'sso nas suas tentativas de atingir variados fins, como reproduzir, caçar 1111hl rir d um predador.

. S undo essa perspectiva, essa boa qualidade ela representação p de I I

(' pli .ada p r um mecanismo inato, que nos predispõe a apreender o mundo (I

IIl'S -uvolv r a linguagem, inclusive) de forma correta. Essa predisposição S '1111o I 'slIlIu<.lo d milênios de evolução, que teriam garantido a sobrevivên .iu 1I

uu-nre dos or anisrnos capazes de representar eficazmente seu meio. ndo I

im, li 'lu 'slã da qualidade da repres nta ã nã problema (pelo m nON1111\dil '111111.ru ,) do ci ntista cognitivo, nu m '<li lu '111qu sta qualidade s '" '1\11I1 1 pr HSlIlostu p Ia pr pria .onc '(')\1 (\ di' 111('111ÇOIl1 a qual trabalha,

IisslI ( oul ru vania "111 ti, 'OIIl'(,Ill'1 1II'PIl' ('11111,'o .omo símholo \' 1111111\I

pIlH'i'SNIIIII'1110111'nlal '01110111111111'11111ti ti 11111111111.'pod '-H' pnssnr pOI 11111do 11I1I1i1l'1I11dll pcr 'P '[ o I' d 111,1" 111111I1111I 11111"1,('sllIdlllldo S' li 1lH'1l11"

INTRODUÇÃOÀ LINGüíSTICA 261

forma independente do corpo que ela ocupa, já que o relacionamento dela com Ieste corpo é só o de recepção de dados e envio de estímulos.

A idéia de mente como representação e da representação como símbolotem conseqüências talvez mais importantes para a ciência cognitiva posteriordo que qualquer outra idéia. Na realidade, essa idéia constituiria a compreensãofundamental a respeito da cognição, de modo que se pode ter um limite para asformas de explicação que estejam de acordo com tal pressuposto básico.

A representação simbólica também foi reforçada como modelo base porvários desenvolvimentos da Lógica formal e da matemática, na virada doN culo XIX para o XX. Foi nesse momento que se amadureceu a compreensãod que significaria para a representação mental ser um símbolo. Tais desenvol-vimentos vieram contribuir para o surgimento dos últimos elementos importan- s>

I 'S que deram uma maior consistência para o modelo de mente que a ciência I \).rognitiva logo depois iria postular. )

-/}Um símbolo, como caracterizado pela Lógica e pela Matemática, é um (

I I nnento estável (que sofre as operações sem nunca perder a identidade) e dis-1'1''10 (ou seja, bem distinto dos demais símbolos). Numa metáfora bastantel'OI11Um,os símbolos são os tijolos com os quais é possível construir proposi- ;J.,'I S, e as regras de construção (a sintaxe) seriam o cimento dessas proposições.

Entre os desenvo vimentes-da formalização da Lógica," está a idéia, pro-1\llsta pelo matemático e lógico alemão Gotlob Frege e aperfeiçoada depois porII -rtrand Russell, de que todo pensamento do tipo matemático e lógico poderiaI 1 r rmalizado, isto é, descrito em forma de símbolos, com regras lógicas que

1"'1mitiriam sua manipulação sem a necessidade da interpretação e da intuição.vantagem dessa formalização seria construir uma linguagem artificial livre

li 1 urnbigüidades e problemas da linguagem natural, permitindo ao matemáti-I 1I • ti lógico um grau de certeza absoluto em relação aos seus cálculos, de111111Ia que estes não dependessem em nenhum nível da intuição de quem osI 11('lIlasse. --

N a tentativa, tanJg Frege quanto Russell investigaram a natureza da1111110' m natural, sobretudo as suas propriedades semânticas. Embora o inte-11 I' mais importante dos autores não fosse explicar a linguagem natural e sim11111unir o rigor das linguagens artificiais com as quais lidavam, eles deram uma'1lllllÍhui 'ão d importância e influência ine timáveis para os estudos da lin-'1111'111,Para o b m para mal, a herança logicista deixou uasmarcas em

'I ,',111,\,,' li' Illph li, VI'I li I jll'"I"" /11111//1111/1/11\ 1'/11 III/N/lII//I'II, ,11'~I,\ VIlI\III1',

Page 7: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

, , MUSSALlM. BENTE

rpraticamente todas as maneiras de fazer Semântica (e Lingüística de uma maII 'ira geral) no século XX.

Um dos legados fundamentais foi a concepção de que o processamento ela1 11rua é explicáve em ermos de representação em símbolos e e ue-sua manipulação é apropriada, embora esse legado, muitas vezes, não ten a sidcrrelacioIHII a Frege e Russell. Esse legado é um pressuposto asiC"<Jénnrttas vezes nãol' plicitado) que definiu os termos em que a disputa se deu, delimitando o território do debate. Circunscrito nestes limites, o debate gira em torno da orig 111d 'ss 'S írnbolos (se inatos ou não, por exemplo) e do lugar onde são articulado,(s' dentro da mente ou se externamente na vida social). Apenas muito recenteme nte, e de maneira ainda tímida, esses pressupostos foram questionados, tantoIIIIS .iências cognitivas quanto na Lingüística.

utro momento fundamental para a constituição da idéia de mente adotudn p '10 cognitivismo foi a demonstração, pelo matemático inglês Alan Turim ,d ' qu ' qualquer função que pudesse ser descrita por meio de uma formaliza '1111

(vujos pas os seriam completamente especificados de forma explícita por m 'indl' lima metalinguagem formal) poderia ser executada mecanicamente por lIllItipo-d máquina chamada máquina universal, não importando quão complexa I'

1011'a r s e a função. Isto quer dizer que qualquer cálculo matemático ou 16 il'lllnrmalizável poderia ser executado de forma mecânica por uma máquina.

Turing demonstrou também que uma máquina imaginária, que op ra I

vum um c digo binário (do tipo onloff, sim/não, ou 0/1), poderia ser um ex '111-plo Ia tal máquina universal. Essa máquina universal binária foi chamada, 111111to uuturalmente, de Máquina de Turing.

/\ Máquina de Turing teve duas conseqüências muito importantes. A IlIl111-ira r~)i ferecer um modelo para mecanizar qualquer cálculo ou procedinu-uli) 1 li' -maternático. Não é difícil imaginar que começaram a existir vrtJi Ircututivus cI construir Máquinas de Turing reais, em funcionamento. QualquerIWSNOll.orn um pouco de familiaridade com a informática é capaz de im diut I

111\'111'd 'se brir ao que atualmente corresponde a máquina binária de Turinp10 -ompurador, do qual o nosso PC doméstico é apenas um exemplar b 1111'11

1111' 'ido.

/\1 m I dar impulso à ciên ia da .omputuçt o possibilitar a cria 'lO dI!l'OIl'lllllu(lor,OS xp rim ntos cI Turllll' 11I11Ih\III II'VIiI'IIIT)à utra cons "10 1\('1I.tilldll IIIUis int 'r 'ssant : a id ia dI' '111\'('I I pll Iv('1 \'0111111"-n I r a m rue IHIIIII11I '0111011111tipo I \ I áquinn dI' '1'111"1 NII I Id,III1', '1'11Iilll' j<II111:lis'st 'v ' inu-I '" Ido 1'111'I iru IlIlI inxtrum '11111I 11111111'11111111jll 11I' 1,\,('111deI-!.uvolv 'r ql1 11

INIIIODUÇÃOÀ LINGüíSTICA 263

1/" r tipo de tecnologia. O que o levou a inventar sua máquina foi uma tentativadi' compreender a nossa mente.

A pergunta mais importante para ser respondida no começo do século XX,li\) que diz respeito aos campos da Lógica e da Matemática, era: Será que aMatemática seria completamente formalizável, de forma a criar um sistemaI rpaz de perceber e evitar todas as contradições e gerar todas as verdades mate-IlIóticas possíveis? Ou ainda: Haveria um resíduo não-formalizável, sempre aber-111ao espaço da intuição e da interpretação nos sistemas matemáticos? Nos ter-11101'1de uma descrição mais técnica, o problema dizia respeito ao fato de saberI', dado um sistema formal de axiomas, sempre existirá alguma proposição em

I ti sistema sobre a qual não se possa chegar a uma decisão quanto a ela sercrdadeira ou falsa,

Essa questão diz respeito à natureza do raciocínio matemático e à naturezado raciocínio humano em geral. Em outras palavras, o que ela tematiza é a1")Hsibilidade de se construir uma máquina capaz de igualar o raciocínio mate-IIIl tico ao humano. Turing (e antes dele o lógico alemão Kurt Gõdel, com seuu-orcma da incompletude'") mostrou que é possível construir uma máquina para\I'solver qualquer problema cujos passos estejam bem definidos, mas que não épossível construir uma máquina capaz de resolver todo e qualquer problema.

Para além da resolução do problema matemático, a máquina de Turingdl'monstrou que era possível realizar, mecanicamente, cálculos complexos pormeio de um dispositivo artificial. A máquina não resolvia o problema de comoI!. sfmbolos adquirem sentido (nem jamais foi essa sua função). Ela provou,unplesmente, que calcular é um ato mecânico, que pode ser realizado por qual-

11" 'r sistema, sem levar em consideração sua forma material, e sem a preocupa-110I,;om os conteúdos dos símbolos.

O entusiasmo da época levou a acreditar que "pensar é calcular" e que, IIIIH'lanto, pensar é uma atividade. mecânica apreensível pelo homem por meioI1 L gica, da Matemática e da Física. Inaugura-se, então, a compreensão de

Ijlll' fenômenos mentais como o cálculo, a inferência, a tomada de decisão, PO-!dl'l'iul11 ser estudados como sistemas lógicos e mecânicos.

Assim, segundo Dupuy (1995), para os primeiros cognitivistas, estavaIh'illonstrado que, a partir de uma descrição em símbolos ou palavras de todosI) 'I '111 ntos envolvidos num fenômeno mental, seria possível a reprodução

10,NfI\l.uhc '1111'111,111111,IIIINdl'llillll'Sdl'NIII,'qu 'si 'S murcmáricas, devido à sua profundadificul-illldl 1\1'11\'11,IIIIISl'l'11I1I111I111111li1111111111'11N IIdllllNII I' N'W1l1ll11( 0(1) 'li IlnfsllIdtr (2000),

Page 8: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM ' BENTES

Id sse fenômeno. Para eles, então, a empreitada a que deviam se aplicar era a.xplicação do funcionamento mecânico da mente, que abriria ao método cientí-ri 'o a investigação dessa fronteira até então intocada.

Não se pode deixar de notar que explicar o pensamento era, para muitoscsurdiosos, explicar o raciocínio do tipo lógico-matemático. Esse tipo de pensa-111 snto, como já se disse, ocupava a posição mais nobre e central da racionalida-ti •• sendo considerado, ainda segundo esses estudiosos, o tipo mais sofisticado, s r explicado.

Tal tendência levava a tentar reduzir todo tipo de processamento mental aum tipo lógico-matemático, a descrever todo pensamento racional segundo essemodelo. Se o pensamento considerado o mais racional e nobre poderia ser expli-cudo em termos de manipulação simbólica, os outros tipos de pensamento tam-hl m deveriam ser, se nos propuséssemos a fazer sua descrição lógica correta.

Encontramos, aqui, um paralelo com a tentativa de espelhar toda a inves-1i 'ação científica no uso de métodos e descrições lógico-matemáticas, tambémvulorizadas como as formas mais nobres e racionais de fazer ciência. Isto querdi/'. 'r que, se até então não havia sido possível um tratamento verdadeiramentecicntffico da mente, essa possibilidade estava sendo aberta pela nova maneira11I .onceber não só o próprio objeto (a mente) como a maneira de tratá-lo, ma-" 'ira c ta oriunda das ciências cognitivas clássicas.

sm resumo, a tendência no interior das perspectivas cognitivistas clássi-l'W, era descrever todo o trabalho mental a partir de representações simbólicasdo r 'ai, c construir hipóteses seguindo regras dedutivas, a fim de chegar a con-i'lus( '8 sobre tais hipóteses.

ssse é o projeto geral do cognitivismo clássico, que um de seus críticos.1 uni 'I Dennet (1993), ao tecer comentários sobre a inteligência artificial (goorl(J/~I[ashioned Artificial Intelligence), resumiu da seguinte maneira:

A b a e velha inteligência artificial é baseada na idéia cartesiana de que tod I.ornprc nsão consiste em formar e usar as representações simbólicas apropriuIas. Para Descartes, essas representações são descrições complexas construídas I

punir d idéias ou elementos primitivos. Kant adicionou a importante idéia d,'que lodos os conceitos são regras para relacionar esses elementos e Frege 1110.~lrou qu essas regras podem ser formalizadas ti man ira a serem passfv is d'muuipuluçã s rn a interferência de intuiç] 0011 illl 'rpr tação,

'I' '11l0S Ira 'ad , ntão, o arninbu 11"1' /'11 I li 'I('wf'ido p Ia nas ntc 'itllI I 1I'0I'"ilivH, Hla IliIS'ou por voltn dlllll /11111dll (11111) '01110 11mB1'nlllli I

Ih' I' 1'11li 111, 1'111 todus as 'Oll,I'qO 11111 I 1'" IIIIlldlldl'S dt'ssll hipl t 'S',

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 265

2. o NASCIMENTO DA CIÊNCIA COGNITIVA CLÁSSICA

Na primeira metade do século XX, a idéia de investigar a mente como umsi tema de manipulação simbólica foi finalmente amadurecida, já que a idéia deinvestigar o conteúdo mental a partir de um determinado modelo de mente, asaber, o modelo computacional, parecia bastante promissora (além, é claro, dorato de o uso da ferramenta computacional constituir realmente uma novidade)./\ integração entre várias ciências, cujos interesses convergiam para a questãoda mente, ajudou a criar a atmosfera propícia para o amadurecimento e o avan-ço desse projeto.

Trabalhos em várias outras ciências, além da Lógica e da Matemática,pareceram corroborar essa concepção e entraram em profunda relação com elapara o desenvolvimento da cibernética (termo pelo qual ficaram conhecidos osestudos da cognição em sua primeira fase, décadas de 40 e 50 do século XX).N ssa época, várias disciplinas, como a Psicologia, as Neurociências, a Ciênciada Informação e, como veremos, a Lingüística, contribuíram com o projetorognitivista e passaram a ser também influenciadas por este projeto.

Pensava-se que os neurônios poderiam ser caracterizados como dispositi-vos do tipo on/ojf, e o cérebro como uma máquina, como um processador dotipo binário. A especulação sobre o funcionamento dos neurônios depois veio au-velar-se equivocada, mas reforçou a idéia de que um cérebro artificial poderiaI er construído. O cérebro artificial então construído é o familiar computador.

Uma das vantagens dessã" ~strat~ão, segundo seu~II -ntes, é a de que a máquina a ser construída para realizar essas operaçõespo leria ter várias naturezas. Era fato corriqueiro que o mesmo programa pode-Ilu ser rodado em várias máquinas diferentes, independentemente do materialdl' que fossem feitas. Assim, estava garantida a construção de mentes artificiaisque, desde que guardassem uma semelhança funcional com as atividades que1I'IIlavam simular, eram consideradas como aptas à realização da mesma tarefali>'nas num meio diferente.

Nessa primeira fase das ciências cognitivas, vários modelos computacio-1Itis disputavam a primazia como o modelo ideal para descrição da mente. UmaI'tJsHibilidade eram modelos que, mais inspirados no que então se sabia sobre o11111.ionamento cerebral, utilizavam uma rede de pequenos elementos (neurô-1Ios urti [iciais) em relação. Es es modelos são a primeira tentativa de desenvol-l'" () , n xionisrn .

m outr rnod '10 li 'I' -uvolvid ) foi d c rnputador serial que hoje utili-'111110N,in .lusiv« rOlllO l'IIIIIJllllldOl' do 111"si i 'o. 13ss 111 d I faz uma descrição

Page 9: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM ' BENTES

illais diretamente lógica, partindo de um conjunto de regras que são executadas('111 S rie sobre uma memória de trabalho. A partir da metade da década de 1950,11 m delo serial passou a ser dominante, até o desaparecimento quase total domodelo conexionista entre as décadas de 1960 e 1980. Isso se deu, por um lado,11 'Ia incapacidade do modelo conexionista de realizar (com a tecnologia entãodisponível) raciocínios muito simples como o OU exclusivo, com os quais omod '10 serial já lidava muito bem; e, por outro, devido a ferozes disputas porv -rbas entre pesquisadores de diferentes linhas, disputas vencidas pelos gruposqu ' de envolviam o computador serial.

eguiu-se daí a consolidação do modelo de mente e de investigação queconsistia na tentativa de reprodução dos comportamentos inteligentes de forma, crn .lhante à realizada pelo processador serial. Entre as diversas ciências qupnrticiparam do processo de criação da ciência cognitiva, várias adotaram ess1110<1 '10. Uma delas foi a Lingüística que, com o modelo gerativo transforma-rional!' proposto no final da década de 1950, parecia oferecer uma descriçãol'O initivista clássica bastante promissora de um dos aspectos mais importantesdu '() 'nição: as línguas humanas. O modelo foi considerado muito importantepor to 10 o cognitivismo e é apontado como um dos responsáveis pela transfor-11111 ':te) da antiga cibernética na ciência cognitiva propriamente dita, fornecen-do, in .lusive, um paradigma para investigadores de outras áreas da cognição(Dupuy, 1996; Gardner, 1985).

'orn o fim da era cibernética, começou a era da chamada Inteligência1I iri .ial. Foi neste período que a fé nas possibilidades de recriar o comporta-

IIJl'lIlO inteligente usando processadores seriais paralelos atingiu o seu ápice.S " po teriormente, foi freqüente ouvir que, para o cqgnitivismo, o cérc

1110 era um computador, e que o melhor modelo da mente seria a famosa "metá-101'11 do .omputador", a verdade é que o computador foi quem nasceu como111 '~Mol'acI cérebro humano, da nossa mente, mais especificamente. O compuI ulor roi ~ ito à imagem e semelhança da mente humana.

Uma Ias idéias fundamentais que sustentou essa analogia foi a de que, 'I ia possível reproduzir o comportamento inteligente humano a partir da espevi ri 'li 't o reprodução de cada uma de suas etapas em máquinas. Ou seja, s riupuss vcl íazcr orn que máquinas exibissem Inteligência Artificial. O presslIpu, 10 I , si 'o desse projeto científico é o de que reproduzir um comportam níu(011 1110d 'Id-Io, para utilizarmos um t rrno .spc .ífic ela área) é entendê-lo.

i I lilllll\' 11111111I!l1' N '11111\.:1() 1'1I1dll 11111111111~IJ 1111111111111'11"'11111111111111dn ti 'lIdll ti, 11IHO, VI'I I'

1111'1111111(I 1'/111111'1'/1""/11'/1111 1/1'1'111/1'11, 111'11 1,,1111111

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA

Para se conseguir que uma máquina desempenhe uma determinada tarefa( .omo compreender um texto, fazer uma tradução, analisar sintaticamente umaCrase,para dar exemplos próximos a nós), é preciso especificar a tarefa, estabe-Iecer quais os conhecimentos necessários para sua realização e como estes co-nhecimentos encontram-se codificados, representados no sistema; além disso, épreciso também especificar os passos e as seqüências envolvidos. Se o sistemal' aliza a tarefa eficientemente, então é provável que ele a esteja realizando delorma semelhante às pessoas."

Para que seu modelamento seja considerado bom, é importante que ele rea-lize a tarefa de forma parecida com a do ser humano, nem pior, nem melhor. Ous ja, é importante que o sistema leve uma quantidade de tempo próxima à do serhumano para desempenhar a tarefa e que ele apresente os mesmos tipos de falhas, erros que as pessoas cometem em situações semelhantes. Se você conseguir, por.xemplo, que seu sistema analise a sintaxe das sentenças de uma língua da mes-ma maneira que os falantes nativos, na mesma velocidade, cometendo os mesmos'!TOS e se confundindo nos mesmos pontos, você tem um sistema que é um bommodelo para o processamento cognitivo real da sintaxe daquela língua.

Construir modelos simuláveis por um sistema computacional passou a ser,-ntão, tarefa importante para cientistas cognitivos e para vários pesquisadorespróximos ao projeto. O passo seguinte foi tentar fazer com que máquinas exe-.utassem de verdade as tarefas. Contudo, na maioria dos momentos, e paramuitas ciências, inclusive a Lingüística, a implementação em computadoresI''ais não foi o objetivo fundamental a ser perseguido - inclusive porque ate nologia computacional disponível não permitia sequer imaginar a implemen-(lição real de processos que lingüisticamente são considerados simples.

Entretanto, apesar de o objetivo fundamental da Lingüística não ter sido aimplementação de processos lingüísticos em computadores, não se pode perderde vista a relação que vários modelos lingüísticos têm com esse modelo de111ente e cognição, desenhado pelo cognitivismo clássico. O tipo de tarefa a que'HS S modelos lingüísticos se propõem é a de especificar como o conhecimentoIin üístico está simbolizado na nossa mente, quais os símbolos envolvidos e

12. rn dos exemplos mais ilustrativos da concepção de que "simular é entender" é o chamado teste

d' 'I'uring. O teste, que ainda hoje é aplicado, consiste em fazer com que pessoas conversem usando um

1110111101',sem saber se SII () 'OIlV 'r~lIl1do com uma pessoa (como num bate-papo comum) ou com umpiO 1'llIlUl d iomputador, S' IlIldo 'I'III'IIIK' se uma pessoa conversar com uma máquina e não for capaz ded IIIIKllil' S' 'SI 'OI1VIIISUlldll 1'111111111111pl N on IlU um omputador, isto é, se a máquina passar por uma

jll' NIlU pU1"l111mulmln d" 1111til 111111111'l"ldl' Sl' "11,'f que 11máquin I p 'IISII. I3sse leste é aplica 10 anual-

1111'111" t' V dON 11'" 11111111111111_~I 1IIIItI tllllllIlI 11VI\III' 10: 111 "(li', I1Il 111111110,niu li 111obt V sue 'sso.

267

Page 10: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM • SENTES

I

qUllis as regras existentes. Os símbolos, para os estudiosos empenhados nessaI li' 'fa, são representações da realidade, já sugeridas por Descartes, e são orde-11Idos por regras de manipulação do tipo lógico, como proposto desde o iníciopdos cognitivistas.

Além disso, certos modelos' são comprometidos com outras restrições com-pllla .ionais, por exemplo, com aquelas que afirmam que a cognição se dá emmódul s especializados em tarefas. No que diz respeito à linguagem, por exem-plo, haveria módulos especializados em semântica, sintaxe, fonologia, fonéti-1'11,.orn sub-módulos para etapas diferentes em cada rnódulo. Os módulos sãovrstos omo compartimentos capazes de realizar apenas um tipo de tarefa, li-rlundo com apenas um tipo de representação, de forma automática e cega para o11111.ionamento de outros módulos. Uma outra restrição, além da modularidad ,I 11que diz que as tarefas são realizadas de forma serial, ou seja, seguindo umalll!! -m strita, onde cada módulo terminaria sua tarefa antes do outro iniciar li

dl,lt-, Obviamente, os módulos teriam que obedecer a uma certa hierarquia no"li íun i namento.

pr jeto cognitivista clássico começou muito confiante em suas possibilidlldc;~de explicar toda a cognição humana. Essa confiança foi compartilhadapor div .rsas universidades e órgãos de fomento à pesquisa, em muitos país s,ubrctudo nos Estados Unidos, que investiram uma enormes quantias de di

ulu-iro ern projetos na área (inclusive nos projetos lingüísticos). A promessalnrcn liou também, como se sabe, a imaginação de uma geração de escritore d\'111\'10 'i ntífica e de produtores de cinema, passando a fazer parte do imagirui110popular. No fim da década de 1960 e início dos anos de 1970, a confiança noploj '10 'ra tão grande que era comum ouvir-se dizer que, até o fim do século(011P '10 menos em muito pouco tempo), não haveria comportamento inteli 'liIi 1/111-'11'10 pudes e ser reproduzido e compreendido.

. Â única ameaça visível ao projeto, desde o início, era a possibilidad ddpllllS usp t da cognição não poderem ser formalizáveis, já que, apar nl,'

. 1IH'lIll"qualquer objeto formalizável poderia ser explicado pelo paradigrna.1IIIIIIiva d rn strar que existem processos não-formalizáveis assou a S I' l'lII () () 111.io mais freqüente deataque à perspectiva cognitivista e é tamb 111 11111do Illolivos pios quais existe tanta re istência, em alguns meios, de a '\.'illlI1III ilhos I, carát r formal, contribuindo para um ' rto sinal negativo qu " 1111" I 1111'n( " H I alavra f rrnalizaçã r "O' 'I)) 1I11'1I11Sum i nte das i '11' I1111111IIII1Sc, 'sI" 'ifi arn nte, da in di .Ii '11.'\

I I ,,,11.\ I 1111j1'.'HI 11. VI" 11 \'IIPIIIIIII '''"111111\/11,1\ ,111 /[11 /11\11' ,I, 111NIi Vlllitlllll,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 269

3. o FIM DO CAMINHO, MUDANÇA DE ROTA

Como vimos, entretanto, o final do século chegou e nenhum dos proble-mas fundamentais da cognição (como a percepção visual, o controle motor e,.laro, a linguagem) recebeu tratamento satisfatório do cognitivismo clássico;tarnpouco os robôs e máquinas inteligentes previstos na literatura e no cinema.stão disponíveis no mercado,

Para alguns, essa falta significa apenas que as coisas vão ser mais lentas e, mplicadas do que o entusiasmo das primeiras gerações de cognitivistas poderiaimaginar. Isso não quer dizer que o cognitivismo não seja um caminho que mere-'a continuar sendo trilhado. Para outros, porém, o problema não é a velocidadeli s avanços, mas a inadequação geral do modelo, inclusive de alguns dos pressu-postos básicos que apontamos acima: a radical separação entre mente e corpo, \.ntre processo interno, individual e processo externo, social, e a cognição comosistema de representação simbólica (no sentido descrito nas sessões anteriores).

Costuma-se dizer que foi o fracasso do projeto da Inteligência Artificialque levou ao questionamento do modelo geral de cognição. Mas isso não éI igorosamente verdade. A Inteligência Artificial, vista como engenharia, como.onstrução de tecnologias capazes de imitar o comportamento considerado in-I 'I igente, continua sendo desenvolvida e tem obtido resultados bastante interes-santes. Cada vez mais, a automação parece capaz de substituir as pessoas narealização de diversas tarefas. O que fracassou especificamente foi a idéia deque reproduzir o comportamento inteligente é compreender como ele acontece11) ser humano.

Tomemos o exemplo de supercomputadores capazes de vencer os maismportantes mestres em partidas de xadrez. Está claro que o computador é ca-

puz de jogar xadrez, embora a forma pela qual ele faz isso não explique emIluda, ou quase nada, como o enxadrista faz para estabelecer suas estratégias eplanejar suas jogadas. É comum ouvir dizer que o supercomputador joga xadrez••.orn força bruta", utilizando sua capacidade de memória para calcular todas as111rnativas matematicamente possíveis decorrentes de cada jogada, para deci-dir seu movimentos. Parece claro que não é assim que o ser humano joga.Iínlão, ter uma obra de engenharia da computação capaz de executar uma tarefaditu inteligente não é a explicação para como essa tarefa é desempenhada pelo

'I' human . Nã serv n ssariarnente para ser um modelo da mente humana.qu a lntcli , 'n .in Ârlif'i iul t m d ixado de er é o modelo da inteligên-

('11 natural. Pod '1110'. '11110, di~'r IlI' o [u nã d u rt foi a metáfora, pro-pwHII por N(·w(·1I •• ' 1111111 ( I (U l, 1/\11'pr '011ií',1lVU que Sifll ma nitiv

Page 11: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM • BENTES

l:tlllwno seria um sistema físico de manipulação simbólica (physical symbol,1\'.1'('11/ device). A falha aconteceu tanto devido a imperfeições internas do mo-d~10, incapaz, aparentemente, por princípio, de exibir certos comportamentos,"ti ti11to por demandas de outras frentes de investigação, interessadas também no11

'o ' essamento cognitivo humano, mas que estiveram fora do cognitivismo clás-

/.1 '0. amo já dissemos acima, um modelo é considerado bom não apenas se forl' Ip:t~ ti realizar uma tarefa, mas se for capaz de realizá-Ia de forma compará-vcl () maneira humana de o fazer.

Sistemas simbólicos clássicos não são capazes de exib'ir aprendizado. Nor-ruulm ente, os modelos inspirados nesse sistema devem ter especificados, de1111111.ira bem explícita, a grande maioria de regras e os símbolos com os quaisv 10 trabalhar. Isto é, tais modelos dependem de uma grande quantidade de in-lounnção dada ao sistema desde o início de seu funcionamento. Isso equivale atli~l'1' qu muita informação tem que ser inata. Entretanto, não parece biologica-111'111' plausível que a informação possa vir geneticamente explicitada no nível" du Iorrna como os sistemas simbólicos clássicos demandam (Elman et aI.,II)I)(»). /\1 m disso, parece evidente que os sistemas cognitivos naturais (não soli. humanos) exibem uma grande flexibilidade que os capacita a se adaptarem u-oudiçõ S que estão longe do ideal e os toma realmente capazes de aprender,

l' I!'II'1 'rrstica que entra em flagrante conflito com os sistemas do tipo cognitivista,11 que tal flexibilidade não é exibida por um sistema físico simbólico.

lJ 111 outro aspecto dessa flexibilidade dos sistemas cognitivos naturais qu .I 1111:1'111flagrante conflito com os sistemas do tipo cognitivista, é sua capacidati: ,k adaptação a condições que estão longe do ideal, flexibilidade essa não" IhidH por um sistema físico de manipulação simbólica.

O sist ma simbólico clássico foi atacado também em outras frentes. /\1'IH'III,O.iêu 'ias, por exemplo, parecem não dar razão à idéia de processameruoIII\HIIIIIII'( '0111 módulos fechados e estanques), assim como também não corrolu num o I r ces arnento serial, com o fluxo de informações correndo ap na,

·,11111111dir .ção,/\p 'sal' da ai gação de que esses problemas decorreriam de impossibilidu

ti' II cni 'rIS' n10 de problemas com os princípios explicativos da teoria COIlIpllllViol1al da rn nt , tanto dentro das ciência cognitivas quanto a partir d,'11111118 P .rspc '1ivas, alguns de seus pressupostos biÍsi 'os sist ma começar.uu I1'1 po.los '111til! stão, sisternaticam nl ': ti N'plll'lI 'I o 1'1I<li'01 ntr m nt 'COI

Pll. I S '1'"1'1\·(tO rudi ..rl ntr f nÔI11'1108 illll'II11111111'111tis. 'xt '1'11s/culturais I'

I Il'pl 'S 'Ill!l(,:no siml )Ii a. ~xantillllll'lIl1) 11 I 111111I1/1111S111''Uni 'nlON prinr]p.1I ""SS",' 1111'si iOl1l1l1lL'l1lllS,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 271

4. o PONTO EM QUE ESTAMOS

Desta maneira, podemos dizer que a concepção de mente do cognitivismoclássico é abalada em três pontos fundamentais:

1. a computação não necessariamente é simbólica;

2. mente e corpo não são duas entidades estanques; a concepção da mentedesligada do corpo começa a cair como um todo, quando várias áreasdas ciências (neurobiologia, antropologia, lingüística) começam a in-vestigar com mais vigor esta relação e vêem que muito da nossa razãotem por base mesma a nossa percepção e a capacidade de atuação físi-ca no mundo;

3. as atividades cognitivas não estão separadas das interações com o meio,nem, obviamente, da vida social, questão pela qual mais nos interessa-remos.

Passaremos agora a abordar cada um destes três pontos de forma mais'specífica.

4.1. A computação não é necessariamente simbólica

Um dos aspectos do modelo de mente proposto pela teoria cognitiva clás-si 'a que foi revisto por novos desenvolvimentos (esses mais uma vez oriundosdos movimentos internos à ciência cognitiva) é a idéia de mente como manipu-lnção simbólica.

Uma alternativa à manipulação simbólica é um dado importante para aconsrrução de um modelo cognitivo que possa incorporar e oferecer uma expli-!' I .ão para os fenômenos abordados acima. A alternativa que tem se mostradoIIll1is promissora para a explicação do sistema cognitivo é a proposta da aborda-p '111dinâmica da cognição. Segundo os proponentes dessa abordagem (Port eVun Gelder, 1995), o sistema cognitivo pode ser vantajosamente descrito não1'(UllOLima computação simbólica sobre representações, mas como um sistemalI\' forças que se organizam no tempo. Para fazer essa descrição, é possívelIIIi Ii~ar ferramentas matemáticas das teorias de sistemas dinâmicos (a sistêmi-I' I) , fazer u o d simulaçõe: ornputacionais conexionistas. A grande vanta-Po('111. a inc rp ra 'Uo 10 I .mpo orno conceito fundamental do' modelo e o11111101'1I0da I . 'ssidnd\' (k 1110101111rcpr S ntaçã sirnb lica como unidade bási-I I do sisl 'I11H.

Page 12: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

MUSSALlM • SENTES272----

'\Além disso, a abordagem dinâmica permite compreender o sistema cogni-

tivo não como algo que acontece dentro das mentes, mas, ao contrário, permiteampliar as fronteiras do sistema para incluir tanto aspectos corporais como as-

~ '\ I pectos interacionais ent~e os seus componentes básicos, sem que se postule a, necessidade de sistemas diferentes e adjacentes.

Várias áreas da cognição têm tido bastante vantagem em adotar uma visãodinâmica dos fenômenos que pretendem explicar. Os estudos da linguagem, porexemplo, têm apresentado resultados importantes em várias áreas: na sintaxe(Elman, 1990), na fonologia (Plautt e Kello, 1999) e na semântica (Cooper,

1999).A representação simbólica clássica parece inadequada, pela sua excessiva

estabilidade e sua a-historicidade. para explicar, por exemplo, como as palavraspodem ter sentidos tão flexíveis e, por outro lado, freqüentemente tão precisosquando em uso.

A abordagem dinâmica parece muito plausível como modelo para expli-car a estruturação do conhecimento lexical, incorporando a interação e a nego-ciação como fenômenos básicos da construção do sentido lexical (Cunha-Lima,2001; Françozo et al., no prelo).

Entre as ferramentas utilizadas para investigar a hipótese dinâmica da cogni-ção estão a simulação de aspectos cognitivos em redes neurais (conexionismo)e experimentos em vida artificial (artificiallife ou a-life).

O conexionismo, como já se disse, foi a alternativa mais forte entre as quedisputavam com o processador serial a primazia como modelo dos processoscognitivos humanos. Nas últimas duas décadas, importantes desenvolvimentos

.tecnológicos tomaram possível uma retomada do conexionismo para as ciên-cias cognitivas.

No conexionismo, a fonte de inspiração é o sistema nervoso humano (ap -nas uma inspiração, não um modelo real, dado o pouco que sabemos sobre ()cérebro). Fundamentalmente, o conexionismo carateriza-se pelo uso de um con-junto (de tamanho variável) de nódulos ou nós muito simples e de capacidad 'limitada, interligados entre si, formando o que se chama de rede neural (asformas pelas quais os nódulos estão ligados variam muito de acordo com o tipode rede que se está construindo).

Essas redes são capaze de xibir uprcndizudo se ai-: nlirn ntarrn s '0111

dados, me mo qu nã tenhamos I r 'v in 11Il'1I!1 ln 1IIIIdo Ift'dl' sohr qu tipo dl'informa tio 11'0 urar. upr 'ndi~,lIdo 1\'01111'11 1'"111"1 I Iif 1 '( l'i-: '1111" os 11\1,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 273

vão mudando à medida que a rede toma contato com os dados, alterando suacon~iguração interna. A rede é capaz de extrair as informações, desde que elasesteJa~ presentes nos dados de forma relevante. Na engenharia, para usar red sne~rms, procura-se "organizar" os dados de maneira a tomá-Ios explícitos 'evidentes para a rede.Num experimento de ciência cognitiva, a principal tar 1'11

é a.de apresentá-los da forma mais neutra e "bruta" possível, para ver que tiposde mformações a rede é capaz de retirar deles, ou seja, para observar o que ela I

capaz de aprender..Ao especificar a forma como os dados serão apresentados à rede e qual 11

arqU1~etura~a r~de (ou seja, quantos nós ela possuirácorno eles estão dispostos, qua~s as ligações entre eles), é necessário sermos completamente explícitos li

respeito de como acreditamos que um dado processo aconteça. Se a red '111

[uestão tiver sucesso em seu aprendizado, a forma pela qual o seu modelo roi.onstruído é coerente internamente. Essas ferramentas computacionais consti

tuern uma n?vidade interessante, porque permitem desenvolver modelo prc 'jNOS do funcionamento de determinado sistema cognitivo e testar minuciosomente as hipóteses.

?s cienti~tas cognitivos que usam simulações e modelamentos computa'i nais nessa linha de pesquisa não estão, em geral, interessados em afirmn:(!ue ~ma simulação bem sucedida é prova de que o sistema cognitivo humnuofunciona de forma igual à do modelo simulado. O que se pretende d monxutu

com essas simulações é que os modelos são coerentes e logicamente plaus V,'1.

Para comentar o que dissemos acima, tomemos, por exemplo, as arimllx es recorrentes em favor da capacidade inata de linguagem. Um dos prin 'iplli.

Ir~umentos lev~ntados pelos defensores do inatismo é que o dado a que crinnçnI,'na acesso sena pobre demais para que dele a criança pudesse extrair as inlur""~ ões sobre o funcionamento da linguagem. Um exemplo clássico do tipo dl'tlll rrnação que não seria possível (matematicamente) extrair do dado é o sab robre como funcionam sentenças encaixadas, a saber, sentenças com vária, su-

hord inadas, do tipo: "o homem que você disse que tinha falado com a mulher'1'" 'omprou? chapéu que eu trouxe de Paris telefonou". Uma sentença comIH~a, gramatical e geralmente não temos problema em estabelecer quem é o111.1»to de telefonou. A argumentação clássica é a de que a criança não p dcriaIIpl' nd r como fazer o cálculo do sujeito numa frase como essa partind ap nasti I sua xperiência, porque (matematicamente), para acumular exp riência sufi-I cnrc a ponto de calcular orr Iam nt uma sentença d sse tipo, a .riun 'U ( 'ria1111\' s ')' subm tida a 1I1ll11 (jlllllllidlld' muit rnai r d inf rrna '( '14 do que s -riuluununurn 'nl poss Yl'1.

Page 13: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

274 MUSSALlM • SENTES

II

iII'

A afirmação de que "o dado é pobre demais" cai por terra, quando sconsegue mostrar que um determinado sistema computacional abstrato (no caso,uma rede neural recorrente) consegue, sem que se dê a ela pistas ou estruturasprévias, extrair de uma série de sentenças uma forma abstrata de analisá-Ia,alcançando um desempenho satisfatório com sentenças encaixadas. Um experi-mento como o descrito foi realizado por Elman (1991) com sucesso e abriuportas para o uso de simulações com redes neurais semelhantes à dele para ()estudo de várias áreas da linguagem. O experimento realizado por Elman (e pOIvários outros) mostrou que o dado não é tão pobre como se diz; ele contémmuito mais informação do que se poderia supor inicialmente.

Assim, o que nós, seres humanos, fazemos quando estamos adquirindo 11

sintaxe da linguagem é uma questão empírica aberta: não se pode afirmar qu (I

experimento mostra como o ser humano faz para analisar sentenças ou adquiri!sintaxe. O que o experimento realmente mostra é que é plausível que uma criança adquira essa capacidade sintática sem ter uma estrutura inata que lhe dê SHII

capacidade, já que é possível extrair essa informação do dado. Em outras paiovras, não é logicamente, nem matematicamente impossível adquirir uma sintuxe complexa a partir da experiência. Desse modo, o argumento de que "o dadoé pobre" ficou sensivelmente enfraquecido na defesa do inatismo.

Outra possibilidade que o conexionismo abre é a investigação a partir di'modelos que não precisam de representação simbólica clássica. Em alguns IIpos de redes neurais (mas de maneira alguma em todos), a forma como as r'lIestão organizadas não permite dizer que a informação esteja representada dieretamente (isto é, de forma clara e distinta) em algum lugar específico do I Itema. As representações, nesse caso, resultam do estado do sistema como 11111todo e dependem simultaneamente uma das outras, estando distribuídas nl,'l' Iconexões que formam as redes. Esse tipo de conexionismo é chamado d distt!buido; por sua vez, aqueles tipos de rede nos quais é possível identif '01 IIrepresentações são denominados estruturados ou de representação to alistu

É importante poder estudar possibilidades de sistemas cognitivos s '11111presentação simbólica por dois motivos: primeiro, porque oferecem uma 01111nativa séria, com méritos próprios, à representação simbólica e, Só por iM, \I, I'de-vem ser postos em competição com ela; segundo, porque possibilitam 11111eretamente modelar um sistema cognitivo de forma dinâmica, captando 111111'Inização temporal desses sistemas co nitivos .onstruind um m cI I d;l ('n 111ção que parece ajustar-se naturalm 'nl ' lI' cun ' 'P '( es I ni '110 '011\11it'1I1meno ocial, situado histór: 'Li ' 1'0 ,i 111111'1111'I' 1'1111'(''01rcnt ' proc '1'1'0 dI' 11111dan a sta iliza 'âo,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA"

4.2. Mente e corpo não são duas entidades estanques

Muitos autores defendem que a mente é um fenômeno essen .iulru 1111corporificado (embodied) e que os aspectos motores e perceptuais b 111 l'011l1l11formas de raciocínio abstrato são todos de natureza semelhante e prolunduuu 11te inter-relacionados, Para autores como Varella, Thompson e Rosch (11)1)1) I1nossa cognição é o resultado das nossas ações e das nossas capacidad 'S 1'1'1111

rio-motoras. Estes autores enfatizam a enação - ou seja, emergência 'd' I11volvirnento dos conceitos nas atividades nas quais os organismos s l'Il~':q1111- como a forma pela qual tais organismos fazem sentido do mundo tllll' I1rodeia.

Vários tipos de evidências são levantados para fortalecer a cone pl;;I0 dique os sistemas perceptuais e motores são fundamentais para o desenvolvimen(o de vários tipos de conceitos e de toda vida cognitiva em geral, ou s '.ia, purufortalecer a concepção de que o corpo e a mente formam um todo que s S' polll'separar por razões didáticas. Lakoff e Johnson (1999: 16), por exemplo, 1I1HIIIIam alguns desses fenômenos: a formação do conceito de cores, a f 1'111:1<;:111dn,'hamados conceitos de nível básico (Rosch, 1976), e o uso de projcçi 'S l'11Ipuruis (bodily projections) na formação de conceitos, bem como a forma '111110xmcebemos as relações espaciais e a estruturação dos eventos n t rnpo,

Segundo os autores, a nossa percepção de cores, por exemplo, a fus: o ti 'quatro fatores, dois dependentes do ambiente e dois dependentes do nosso or l<f-

ulsmo: no primeiro grupo estão os comprimentos de onda de luz e a condiçõ s11 ' iluminação do ambiente e, no segundo grupo, estão os cones de recepção dosrstfmulos luminosos da nossa retina (sensibilizáveis apenas por determinadosromprimentos de ondas) e os circuitos nervosos do nosso cérebro.

Dadas as condições diferentes de iluminação, os comprimentos de ondaf('l'\ tidos por determinados objetos variam consideravelmente. Para nossa per-u-pção, no entanto, a variação de cores é bem menor, já que o nosso sist maI'I'/' .cptual trabalha as informações recebidas e é capaz de "compensar" muitasIll"slasvariações. Além disso, comprimentos de onda bem diferentes podem s I'

1IIIIImente percebidos, por exemplo, como vermelho, Não se pode dizer qu li

IIH' 'litá no comprimento de onda refletida pelo objeto, nem que indcpcnd ti,1/" ilqucr estímulo físico, que é apenas uma criação da no a m nt , A cor nãoI II nos O ~ tos nem na cab a d qu rn vê; na realidade. uma r rrna que ()1111 NO 01' anisrn n onur 11 volutivum »u para tratar dar s ntido ao mundo1I h'O que () 'ir .undn. \{l'l'ldll rk- 1111111illl 'r-r Ia '11 Intima c '011111'<Idl' lod()sII Illo/' 'S 'Ilvolvidos,

Page 14: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

276 MUSSALlM • BENTES

Para ilustrar melhor esse ponto, tome-se o exemplo dos diversos sistemasde percepção de cores nas diferentes espécies animais. O sistema visual huma-no é construído a partir de três cores básicas, o de alguns pássaros é construídoa partir de cinco cores, enquanto outros animais, como cães, não percebem co-res. Não se pode dizer que a cor verdadeira de um objeto é aquela que o serhumano percebe quando a vê, nem que a cor verdadeira é a que o inseto, porexemplo, é capaz de perceber. Os objetos não têm uma cor verdadeira, as coresnão estão lá, no objeto, resultam da sua relação com o organismo que as percebe.

Outro tipo de conceito que a ciência cognitiva tem mostrado ser depen-dente das nossas capacidades perceptuais e motoras são as formações de cate-gorias, sobretudo as categorias que se situam nos chamados níveis básicos. Acategoria de nível básico é um conceito proposto pela antropóloga americanaEleanor Rosch (1976). Segundo a autora, nós não categorizamos o mundo utili-zando mecanismos analíticos racionais que apreendem a realidade e distinguemos entes. 14 Para um ente pertencer a uma determinada categoria, ele não neces-sita exibir certas características, preencher determinados requisitos que defi-nem o que é fazer parte de uma categoria qualquer. Fazer parte de uma catego-ria não é uma questão de sim ou não. Existem membros mais centrais em cadacategoria e outros mais marginais, e os elementos que estão no centro tendem aser considerados como os protótipos dessa categoria. Tome-se, por exemplo,canário versus avestruz para a categoria pássaro ou cadeira versus ventiladorpara a categoria móvel.

Além das categorias exibirem efeitos de prototipicidade, elas possuem tam-bém uma hierarquia interna, com alguns membros ocupando uma posição básica,enquanto outros são mais inclusivos e abstratos, e outros, ainda, mais especializa-dos. Por exemplo, cadeira é uma categoria que está no nível básico, móvel é umacategoria mais inclusiva, super-ordenada, enqu~nto cadeira de dentista é maisespecializada, ocupando o lugar mais subordinado na hierarquia.

O nível básico corresponde a um nível ótimo de percepção no qual é pONsível formar uma imagem que represente toda a categoria (é possível, por exempIo, formar uma imagem mental genérica para cadeira, mas não para móv I.que envolve objetos muito diferentes, como uma mesa e uma estante, além ducadeira). Isto é, o nível básico é um nível no qual a forma geral ainda permit ' 1\

14. A vi ão contradirada por ROR li 11 vis o ('NNI1111'11I11111111111I 11'11, 11 lindo 11qU1I1 pOSN(vC Ideterminar se um 111 mhro p 1'1 nc ou 11 Ollllllllll'lIlc flllllllljlllllllll, I 111111'1111111 ·ss IIclll d NSII '111\*"1111,

UH III'IICI I'(SI i 'IIS IIL' "SN 1'111, 'SlIlkl(11111 ,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA

identificação da categoria, isto , para o qual é possível atribuir uma R(',I"III,visual.

Além disso, ,é poss~vel atribuir, para a categoria de nível básico (qu ' , Iencontra em um nível mais alto), um programa motor para lidar com ela (I '1111'

um programa motor que nos permite saber lidar com cadeiras em geral, '011111

fazemos ,P~~ se?tar nelas, por exemplo, mas não um programa motor g 'ntl qlll

nos, Poss~b~hte,hd~ com armários, camas e cadeiras simultaneamente), 1\11111111,

o nível basico e o nível sobre o qual, em geral, temos um maior número de illltll

~ações e tende a ser aprendido mais cedo na infância, a ser lingüisticament ' 111 li

SImples e a ser o mais comumente empregado em contextos neutros.

O que a existência de categorias de níveis básicos evidencia é que a rOlllhl

como percebemos e atuamos com os objetos é fundamental para definir a rOI111 I

por .meIO da qual s?mos c.apazes de ?esenvolver conceitos abstratos para 'I ..••ASSIm, ~stes conceitos senam fruto direto da percepção e da ação rnotora • IlIlt,

um conjunto de conhecimentos abstratos que teriam sido organizados da Illt'Nma forma por uma mente sem corpo.

, Um outro. ex~mplo que daremos em defesa da idéia da mente corporiflrr;d~ e o das projeçoes corporais para conceituar as relações espaciais e L'1I1pO

r~Is. Aforma como concebemos o espaço não é, em absoluto, independ 111 ' dtl

tIpO,de _corpo .qu: temos. Por exemplo, idéias muito simples como em F('IIII',atras, sa~ projeçoes e ~eneralizações da forma como percebemos nosso 'Ol/HI

em relaçao a outros objetos. Os objetos são conceitualizados como tendo /i'I'/II,'e c~sr:::s,da m~sma forma que projetamos conceitos como em pé e d 'il(f(/~1 li 11 I

posiçoes de objetos. Segundo Lakoff e Johnson (1999: 34), "o que I1l 'IHII'IIIII

como frente e costas de um artefato imóvel, como uma TV ou um 'OIlIj1111 111111

ou/um fomo, está relacionado com o lado pelo qual normalment o '/lVlII/I/lI"na interação".

Um exemplo dessas projeções é a forma como conceítuarnos 1I1t' 11111/1111

Tendemos a categorizar fenômenos de movimento tomando como flll, I' I 111111101

pela qual nosso corpo nos permite agir com os objetos. Nesse S /11 ido, (I t '1111mas que temos para ações como empurrar, puxar, segurar etc., Ou Sl'; I, I 1111111 I

~omo construímos conceitos desse tipo não seria a mesma se Liv SSl'/lIO, I" 11111

tipo de organismo, o que nos leva a crer que esses conceitos d p ind '/lI dtl 111'11de corpo que temos.

Exemplos de como projeções do nosso corpo estão.na base da cria ',10 dImuitos con~eitos abstratos demonstram que não é razoável pensar a ment '01110

totalmente mdep~ndente do corpo, como se os tipos de conceitos que d S nvolv mos fossem onundos da realidade, r alidad sta independente e não influ '11

Page 15: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

278 MUSSALlM • BENTI.,

ciada por nossa constituição física. Um dos pressupostos do cognitivismo clássico - o de que há uma separação radical entre mente e corpo, entre processosinternos e externos - passa a ser considerado, portanto, como um ponto departida inadequado para explicar o tipo de mente que possuímos.

4.3. A cognlção ~ um fenômeno situado e social: o sociocognitivismo

A separação entre o externo e o interno presente nas ciências cognitivusclássicas é questionada também em outros de seus aspectos, principalmente 011separação entre fenômenos mentais e sociais.

As ciênciascognitivas clássicas têm tendido a trabalhar com uma difer 11

ça bem nítida e estanque entre os processos cognitivos que acontecem dentro dumente dos indivíduos e os processos que acontecem fora da mente. Para o co I

nitivisrno interessa explicar como os conhecimentos que um indivíduo possuistão estruturados em sua mente e como eles são acionados para resolver pro

blernas postos pelo ambiente. O ambiente seria, portanto, apenas um meio a SI'1

analisado e representado internamente, ou seja, uma fonte de informações por Ia mente individual.

A cultura e a vida social seriam parte deste ambiente e exigiriam a representação de conhecimentos especificamente culturais por parte da mente. 1\11t nder a relação entre cognição e cultura seria, portanto, entender que conh ' 'Irncnto os indivíduos devem ter para agir adequadamente dentro da sua culturacgundo essa visão, a cultura é um conjunto de dados a serem apreendidos, uu:

conjunto de noções e procedimentos a serem armazenados individualmenl '. Iíácil ver que, partindo desse ponto de vista, a cultura é subsidiária e depend '1111d . conjunto de mentes que a compõem, um fenômeno em geral passivo, sobre 11

[ual as mentes agem.Um dos principais problemas de considerar a cognição como algo qUI

a .ontcc "dentro" dos indivíduos e não como um processo social é coníund I

propri dades de sociedades com capacidades cognitivas. Em outras palavras: 1

111 rih lir .aracterfsticas complexas de processos sociais a caractetísticas d Im 'nl s nvolvida nesse processo. Assim, soei dades com tecnologia primit VIIti' '01'1' riam d mentes primitivas, rn 'nl 's 'lIjtl Iorrnu d tratar a realidade fWI 1\

de nl'UI11 rnod inf ri r àquela ncoutuuln 111\,,()(.'i('dlld s tecnologi '<lIIH'liI,

ivun 'lIdllfl.

l!11I1I Vifll o <I" ' in 'orpol'\' I IH'IIII,(' 1('111do prO('l'N,IIllIL'lIlov01'111 \I 11111li

111111 • 1'ldllll'lIiNI 'Olllpr 'nsl () '11111111 1111 1111110 di' 11111 • iNIl'll1 1IIIIIIiI

INTRODUÇÃOÀ LINGüíSTICA 279,

.. iedad - I' Iprocessos cogmtivos que acontecem na SOCIea e e nao exc usivamente nosindivíduos. Essa visão, efetivamente, tem se mostrado necessária para explicaf.tanto fenômenos cognitivos quanto culturais. I

Hutchins (1995), por exemplo, mostra como vários processos são compu-(ndos entre os indivíduos: .trata-se de uma computação que acontece na comuni-dade, que está em parte nas ferramentas utilizadas, em parte nos recursos que oumbiente torna disponíveis para que certas soluções apareçam e, finalmente,em parte na atividade conjunta de variadas mentes e corpos que se coordenampara atingir um determinado fim.

O exemplo examinado pelo autor são as ações conjuntas de um grupo denavegadores da marinha americana na tarefa de conduzir os grandes naviosmilitares, por exemplo, para dentro de um canal. Para realizar a tarefa, a equipeIroca informações constantes sobre posição e velocidade da embarcação. Asuformações fluem de uma parte a outra da equipe de navegação e são computa-

Ilus por diferentes membros da tripulação em diferentes momentos. Os resulta-dos finais, ou seja, as mudanças na aceleração do navio ou no ângulo de aproxi-IIlação do porto não são decisões que acontecem dentro da cabeça de um indiví-.Iuo, mas são computados por toda a tripulação envolvida.

A mesma atividade, como mostra o autor, pode ser realizada através deI'omputações bem diferentes se a cultura envolvida for diferente. Os povos dal'olinésia, por exemplo, grandes navegadores, desempenham as mesmas tarefasI'om rotinas computacionais completamente diversas das dos navegadores oci-.k-ntais.

Neste processo, as mentes individuais não aprendem uma computação abs-1111 1'1, mas estão aprendendo a compreender um processo historicamente situa ~111),Proeessos que são, ao mesmo tempo, compreendidos e transformados pelosmlivfduos ao longo das suas histórias de vida. O que acontece em situações

,'()IlIOessa é simultaneamente arealização da tarefa, o aprendizado individual eI) II .úrnulo de práticas e rotinas que, aos poucos, mudam a forma de realizar a111',ra.

Não fica difícil perceber que essas computações não acontecem, num casoI 111110esse, dentro das cabeças dos indivíduos, mas são o resultado da interaçãoII • várias ações praticadas por indivíduos. As rotinas computacionais que acon-1"(' '111 socialmente são muito comuns e envolvem várias tarefas diárias (por1X('11l110, rotinas computacionais pressupostas que acontecem. quando prepara-11I\), junto rn alguém uma receita culinária, ou ainda aquelas que acontecem11111I11lr sraurant para que o prato possa chegar à mesa dos fregueses), EssasIflll'l'lIS xinstiru .m rotinas d s nvolvidnx culturalmente e 01' anizarn as ativida-

Page 16: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

280 MUSSALlM • BENT[

des mentais internas dos indivíduos, que adotam estratégias para dar conta dastarefas de acordo com as demandas socialmente impostas.

Isto quer dizer que muito da cognição acontece fora das mentes e nãodentro delas. Melhor dizendo, isto significa que não é simples determinar oponto em que a cognição está dentro ou fora das mentes: o que existe aí é umainter-relação complexa. Voltar-se exclusivamente para dentro da mente à procura da explicação para os comportamentos inteligentes e das estratégias dconstrução do conhecimento pode levar a muitos equívocos, como a criação do

'.< conceito de mente primitiva.Uma visão que separa o externo do interno de maneira radical trata o:

fenômenos culturais como uma coleção de saberesOu de dados e nãocomo UI1I

processo, que é o que realmente são. Segundo Hutchins (1995: 354), a "cülturué um processo, e as coisas que aparecem em definições em forma ae--Istas (li,\'/like) são apenas o resíduo desse processo". Esses processos são instáveis e stão sempre se constituindo. Para explicar como as pessoas os conhecem e lidamcom eles, não basta descrevê-los como tarefas e rotinas acabadas: é precisocompreender a dinâmica pela qual soluções são coletivamente estabelecidas l

modificadas pelos indivíduos na história de suas interações.É a natureza essencialmente situada da cognição que pode ajudar a expli

car, por exemplo, como os indivíduos podem ter desempenhos profundamenudesiguais em tarefas que seriam abstratamente descritas do mesmo modo, maque se realizam em situações sociais diferentes. Por exemplo, uma criança qtutrabalha vendendo balas na rua consegue, com muita velocidade, realizar cálcu 10

matemáticos relativamente complexos e não consegue realizar os mesmos diculos na escola (ou, mesmo, outros mais simples). Ora, se estivesse em j '11

~penas o raciocínio matemático abstrato, como explicar a flagrante difer n '11

de desempenho?Estudar a cognição de forma situada parece, então, fundamental para '

plicar fenômenos como esse. Um dos riscos que se corre ao desconsiderar I

natureza social dos fenômenos cognitivos é o de descrever as tarefas a partir dI'

um ponto de vista etnocêntrico, que dá status de puro conhecimento abstrato (I'de conhecimento ideal) a rotinas que têm as características e as estratégias dI'elaboração do grupo descrito. Assim, o verdadeiro raciocínio matemático s '1111

explicável em termos do que a pessoa escolarizada na no sa sociedade faz ' I

estratégias de outros tipos seriam ign nelas.Se m smo no raciocíni n ai 111 Iko I' l. I ' 11 11 ' .ssidad d p .n: 111

situadarn nt pr ss nitivo, plll I I' plll 11 I lill~ 1111 '111 ssu 11 ' ssi 111<1

torna-se nindu mais rvid '111' I' illdl IH'II " .\ I 11111'"1. r01l1( j. diss 'llIOS 1111

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA

início deste capítulo, deve ser entendida como um tipo de ação e um tipo deação conjunta.

A concepção de que a língua é um tipo de ação e não apenas como umsistema de regras não é novidade na Lingüística: toda a tradição pragmática(principalmente a Teoria dos Atos de Fala, tal como proposta por John Searle eJohn Austin, e a Análise da Conversação, tal como proposta por Paul Grice),vem tentando abordar o fenômeno lingüístico nessa perspectiva. No entanto,essa abordagem tem falhado em tratar a linguagem como um tipo de ação con-junta e também tem deixado de lado sua dimensão situada.

As propostas de Searle (1969) para estudar a fala como ação, em sua ver-são da Teoria dos Atos de Fala (baseada nos trabalhos de Austin, 1962), tendema igualar o sentido de uma sentença ou texto com o sentido intencionado pelolocutor da sentença (ou o autor do texto), colocando a intenção do autor nocentro de toda a atividade interpretativa. O papel do locutor seria, então, ex-pressar corretamente suas intenções, de forma a tomá-Ias reconhecíveis e opapel do ouvinte/leitor seria o de adequadamente identificar essas intenções. Sea interpretação do falante/ouvinte de alguma maneira divergir da interpretaçãointencionada pelo autor/locutor, esta seria uma interpretação errônea.

A Teoria dos Atos de Fala trata a interação como se ela fosse um conjuntode trocas sistemáticas entre dois indivíduos autônomos, ligados por um códigocomum (a língua falada por ambos). Ao ouvinte/leitor caberia uma função me-ramente passiva: a de receber e decodificar corretamente as mensagens. A ori-gem dessa visão está intimamente ligada ao método de pesquisa privilegiadopelos proponentes da Teoria dos Atos de Fala: 15 o método da introspecção e daanálise de sentenças isoladas, para as quais se construiu ou se supôs um contex- -to imaginário. A despeito dos insights importantes que o método introspectivopode oferecer, ele não é capaz de dar conta, nem mesmo minimamente, da com-plexidade real da produção de sentido, por causa da função atribuída ao ouvin-Le/receptor, cuja reação não faz parte do modelo.

Essa concepção desconsidera o importante papel que o ouvinte/leitor de-sempenha no estabelecimento de interpretações e na sanção de sentido. Ignora()fato de que, para decidir por uma determinada formulação lingüística, o falan-!te prevê e conta com conhecimentos prévios do ouvinte, com suas reações ehabilidades. O falante não constrói o seu "projeto de dizer" sem projetar suaaudiência e sem que cada decisão seja influenciada por essa projeção..

15. A esse respeito, v r fi '1I1'!l- I%(), 1975; Scarle e Vandervckcn, 1985.

281

Page 17: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

Mil' AIIM 'IIINII

Em 'adu 'V 'I!lO lin ti sll~'\I. 1), IItlll 111IItll 1111111111('01110hlls' plllll ti tdeci õ s um c njunto I 'onlll' .im '11111I' I 1'1t UIIIIIIS 'OlllllllS que blllllllllesse ato: é a ba e tback roulld) 'Olllp ti Iti 11til I I' 'Ios 1'11111111s. S' iundo ('111(1992), os conhecimentos têm três ori • 'IlS prln 'ip:tls: (i) H comunidade du qllllos interactantes façam parte, como a cornunidud ' dos brasilcir s, ou dos liugüistas, ou dos fãs de Roberto Carlos; (ii) S .onhe .imentos que supo, II1partilhados, por serem tidos como conhecimentos comuns a uma certa C()111111l1

Idade; (iii) os laços em comum construídos pelos membros da comunidad 'I' Iexperiências compartilhadas,

Falemos um pouco sobre o conhecimento partilhado. Tudo o que os fulnntes se disseram e todos os elementos do contexto podem ser tomados (a despe]to da possibilidade de esquecimento) como conhecimento partilhado. Uma dllfontes desses conhecimentos são as experiências perceptuais concomitant s 111Ievento. Numa .interação face-a-face, por exemplo, inclui-se como conhecirn 'lito partilhado o que pode ser visto e ouvido pelos interactantes, o ambiente frsico, os objetos e pessoas circundantes, ou seja, o contexto físico e perceptuulimediato ao evento. Sendo assim, o conhecimento partilhado, a base COIl1UIII

entre duas pessoas quaisquer, está sempre em movimento dinâmico, incluindocada experiência compartilhada e cada troca lingüística como novo conh cimento partilhado.

O conhecimento partilhado é essencial para que os falantes possam decidir que tipo de informação pode ser explicitada, que tipo de informação devepermanecer implícita, sobre quais fatos se deve chamar a atenção, quais as posturas (de intimidade, respeito, distância, autoridade etc.) adequadas de um falante em relação ao outro, e quais gêneros devem ser utilizados (pressupondoque o outro saberá reconhecer esse gênero e reagir apropriadamente a ele). Todotexto inclui essa dimensão partilhada, assim como uma certa divisão de respon-sabilidade na atividade interpretativa.

Na base desse uso do conhecimento partilhado, desse reconhecimento dooutro como membro de uma mesma comunidade que o Eu, está o reconheci-mento do outro como um ente intencional parecido com o Eu, com quempossível interagir e cujos estados emocionais são paralelos aos meus. Tomasello(1999) sugere que esse reconhecimento do outro como ser intencional é o quepermite que procuremos agir nos estados intencionais desse outro. A formamais simples de fazer isso é atrair a atenção do outro, o olhar do outro, paraalgum alvo do nosso interesse, seja com gestos ou palavras. Anterior ao uso dalinguagem é o aprendizado de manter a atenção em alguma coisa conjuntamen-te com o outro e essa é a base para a aquisição dos símbolos:

INllllll1l1~AIIAIINlliI' 1I1A 111

lhe iul' 1111uh: 11VI 111 Idttll pOill1 III 111'1'und 1'11I1111''IIl'lIds Ihul rhc HUlIlI is1111'1IlPlill . 10 illdllll 111'1111 11111'\'1111-ntion 10 som 'Ihin '. and irnitativcly lcarnsIhal wh 'li Sltl' 11111111'Hlllm' '0111shc can lIS th sarnc mcans, thus creating anintcrsubj 'cliv ' xymhul] . lI'l ror sharing attcntion C) when many infants firstb gin to p int th 'y do not SCCI11to monitor the adult' s reaetion at alI. Some monthslater they look t the adult after they have pointed to observe her reaetion, andsome months after that they look to the adult first, to secure her attention onthernselves, before they engage in the pointing aet - perhaps evideneing a newunderstanding of thé adult's comprehension (Tomasello, 1998: 233).16

Essa característica, apesar de parecer muito simples, só existe entre sereshumanos (Tomasello, 1998, 1999) e, segundo o autor, é o que, ontogenetica-mente, permite a criação e a utilização dos símbolos para a interação, assim.omo é também esta característica que permite perceber que os símbolos sãofundamentais para explicar a aquisição da linguagem e da capacidade de refe-rência pela criança.

Desta forma, na base da atividade lingüística está a interação e o compar-lilhar de conhecimentos e de atenção: os eventos lingüísticos não são a reuniãode vários atos individuais e independentes. São, ao contrário, uma atividade quese faz com os outros, conjuntamente. Conforme dissemos anteriormente, paraClark (1996), a língua é um tipo de ação conjunta.

Ações conjuntas são ações que envolvem a coordenação de mais de umindivíduo para sua realização: como exemplos, Clark (1996) cita dois pianistasexecutando um dueto ao piano, um casal dançando junto, duas pessoas remandoLIma canoa; outros exemplos são crianças brincando de roda, ou de gangorra,músicos de um conjunto tocando juntos. Uma ação conjunta se diferencia deações individuais não apenas pelo número de pessoas envolvidas, mas pela qua-lidade da ação. Na ação conjunta, a presença de vários indivíduos e a coordena-ção entre eles é essencial para que ela se desenvolva.

Isso fica mais visível se compararmos, por exemplo, dois bailarinos en-saiando sozinhos, em momentos diferentes, suas partes numa coreografia e a

16. "a criança observa um adulto apontar para ela e compreende que o adulto está tentando induzi-Ia apartilhar a atenção sobre alguma coisa, e, pela imitação, aprende que quando ela tem o mesmo objetivo, podeusar o mesmo meio, assim criando um ato simbólico intersubjetivo para partilhar a atenção (...) quandomuitas crianças começam, pela primeira vez, a apontar, elas não parecem estar monitorando a reação doadulto. Alguns meses mais tarde, elas olham para o adulto depois de ter apontado para observar sua reação e,alguns meses depois, olham primeiro para o adulto, para assegurar atrair a atenção dele para elas, antes decomeçar a apontar - talvez evidenciando um novo entendimento da compreensão do adulto.

~----------------------------------~~~------~----------------------~~---

Page 18: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

284 MUSSALlM • BENTES INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 285

atividade desempenhada pelos dois quando dançam juntos, coordenando os mo-vimentos um com o do outro. Mais um exemplo é a comparação entre um mú-sico de uma orquestra executando e ensaiando sozinho a sua parte na partiturade uma sinfonia, ensaiando em casa, por exemplo, ou em um mesmo recinto,mas de maneira independente, e quando ele vai tocar junto com os outros paraproduzir a sinfonia de verdade.

Uma ação conjunta é caracterizada pela existência de finalidades comuns,como jogar uma partida de futebol, realizar uma transação comercial, fofocarou até brigar. Essa finalidade pode não estar muito clara, como quando amigosse encontram para "jogar conversa fora", mas não se pode dizer que não existanenhuma finalidade aqui, seja divertir-se, seja cultivar relações. Uma prova deque esses casos têm uma finalidade definida é que "não fica bem" conversarassuntos considerados pesados ou impróprios sob pena de mudar a natureza daação em curso e abortar a finalidade inicial.

Como se vê, os objetivos das ações comunicativas são dinâmicos e varia-velmente flexíveis, a depender do tipo de interação. Algumas interações sãoaltamente ritualísticas e previsíveis, como uma cerimônia de casamento ou d 'posse em cargo público, enquanto outras são abertas e novos objetivos podemser estabelecidos a cada momento, podendo participantes abandonar a intera-ção ou passar a integrá-Ia.

Os participantes são outro ponto fundamental para caracterizar esse tipode ação. Em todos os tipos de ações conjuntas existem pessoas que podem tomar parte do evento, enquanto outras estão excluídas. Por exemplo, mesmonuma conversação espontânea entre dois amigos num ônibus, a caminho dotrabalho, não é permitido, pelo menos em princípio, que outros passageiros tomem parte na conversa.

Além disso, os participantes têm papéis definidos pelas finalidades da ação,Os papéis podem ser simétricos, com um leque de iniciativas e atitudes sernclhantes para todos os participantes, por exemplo, na conversa espontânea ounum jogo de cartas; ou podem ser assimétricos, quando cada participante t 111

uma papel a desempenhar na tarefa, como nas relações entre aluno e professor,advogado e testemunha, vendedor e comprador, repórter e entrevistado.

Em todos esses casos, e mais fortemente em ações menos ritualizadn: .•,existe a negociação por parte dos agentes, que pr cisarn stab leeer conjuntnmente qual é a ação que está em curso. Usam, I arn isso, urna s ri de pistas decontextualização; uma pista d e nt xluuliznç! () POcll'S\'I o pl'( prio r into olld\'se dá a interação (c rtas isas SHOnlllis piO fi ,'I 11111111 rln cll' nula que numnigr ja, r r x 11pio; outras ris11" 111111,'111 " 11 111111 1111, l'olporuiN COIIII!

olhares, posturas, expressões faciais, além, é claro, das verbalizações; com re-lação a estas últimas, declarar o seu objetivo durante o curso de uma interaçãoverbal ("estamos aqui para fazer isso e aquilo") é também uma forma de produ-zir pistas de contextualização para o interlocutor. Se voltarmos para o exemplodos amigos no ônibus, um eventual intruso pode ser rechaçado pela indiferençados interactantes (que fingem não ter ouvido a intervenção do intrometido), poruma expressão facial que indique desagrado com a intromissão ou com umaresposta verbal que demonstre que a intervenção não foi bem-vinda.

Outro exemplo: numa loja, entre vendedor e cliente, aparentemente o quepode acontecer são relações de compra e venda. Mas, dados determinados si-nais, outras ações podem ser realizadas: pode-se entrar numa loja para pedirinformação sobre algo nas redondezas, pode-se transformar uma compra emuma reclamação, em uma briga ou flerte. A ação muda de natureza por meio danegociação entre os participantes, que precisam reconhecer uma nova finalida-de e, de alguma maneira, coordenar-se com ela, para que a ação aconteça. En-fim, elas são construídas e negociadas localmente pelos participantes.

Cada ação conjunta é o resultado que emerge de uma série de outras açõesconjuntas mais simples e que se organizam de forma hierárquica, constituindoetapas da ação principal. Além disso, as finalidades dessas ações podem sermúltiplas, simultaneamente públicas e privadas. Várias ações podem acontecerparalelamente, como quando pessoas ao mesmo tempo dançam e conversam.

As ações verbais são ações conjuntas, ou seja, usar a linguagem é sempre secngajar em alguma ação na qual a linguagem é o meio e o lugar onde a açãoacontece necessariamente em coordenação com os outros. Essas ações, contudo,não são realizações autônomas de sujeitos livres e iguais. São ações que se desen-rolam em contextos sociais, com finalidades sociais e com papéis distribuídossocialmente. Os rituais, os gêneros e as formas verbais disponíveis não são em nadaneutros quanto a este contexto social e histórico. No dizer de Koch (2002: 23):

A simples incorporação dos interlocutores (...) não era suficiente, já que eles semovem no interior de um tabuleiro social, que tem suas convenções, suas normasde conduta, impõe condições, lhes estabelece deveres e limita a liberdade. Alémdisso, toda e qualquer manifestação de linguagem ocorre no interior de determi-nada cultura, cujas tradições, cujos usos e costumes, cujas rotina, d v 111 ser obe-decidas e perpetuadas.

Ver a linguagem com ação conjunta não é, entã , std'i .j '!lI .: (o pr .isoI assar a abordá-Ia c mo umn :I 'ão social. Relações so iais .omplc IIS (ruluunl• hixtcri .arn nt SitUlIdll,) uuuuiznm Ou cI saur rizarn os I'ullllllt',' I Pllldll/il\'11I

Page 19: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

286 MUSSALlM • SENTES

certos sentidos. Relações sociais distribuem desigualmente o poder para esta-belecer qual a interpretação do dito entre as instâncias ou pessoas que partici-pam de uma dada interação. Isso acontece freqüentemente em contextos de in-teração em sala de aula ou em contextos de interação médico-paciente, em queo professor ou o médico reinterpretam a fala do seu interlocutor e o autorizamou não a usar determinada expressão para fazer referência a determinado fenô-meno ou objeto e, muitas vezes, mesmo contra protestos do interlocutor, esta-belecem as interpretações finais para os textos produzidos.

Embora seja mais fácil perceber a influência do interlocutor no estabeleci-mento dos sentidos em situações nas quais o controle de quem fala o quê equando é assimétrico (como na relação professor-aluno, patrão-empregado,médico-paciente, juiz-réu-testemunhas), em todas as interações essa influênciaé igualmente importante.Veja-se, por exemplo, o caso relativamente comumem que uma proposição que foi intencionada como sendo "séria" pelo locutor(urna reclamação ou ameaça, por exemplo) é tomada como evidentemente irô-nica ou sem efeito pelo ouvinte/receptor: dependendo da interação local, o lo-cutor pode assumir que ele não estava realmente falando sério e sancionar O

sentido que o ouvinte produziu. Outro exemplo é o que acontece com declara-ções de políticos que adquirem uma interpretação pública como, por exemplo,na imprensa: a despeito de não ser essa interpretação aprovada pelo emissor("não foi isso o que eu quis dizer"; "não era essa a minha intenção"), ela perma-nece como a interpretação final. Para dar um último exemplo, tome-se o de umafala que foi proferida sem "intenção" de ofender, mas que foi compreendidacorno ofensiva pelo 'interlocutor: a referida fala poderia ser consensualmenteconsiderada ofensiva por uma determinada comunidade independentemente dasintenções originais do seu autor.

É importante frisar que, se a intenção do falante não pode ser equacionadacom o sentido produzido, isso não quer dizer que ela não exista ou não tenhaimportância nenhuma no estabelecimento de uma interpretação para uma sen-tença ou texto. Quer dizer que a intenção é apenas uma parte I? da construção dosentido, podendo, em determinadas situações e entre certos participantes, nemser a parte mais relevante.

17. Não é necessário argumentar a respeito da dificuldad d id ruif'i 111"O que realmente o autor"quis dizer", qual foi sua real intenção ao produzir um d I rmtnndo I 'XIO ou proferir um deterrninndnenunciado. Apesar dessa dificuldade, turnbérn 11[0 110NN VI I dlrl" 1111\\ I) 1'111,"11' 1110 tenha intençãonenhuma ou que esta é sempre irrclcvant ' 1111"11Il I1NIIIIH'II" 1111111110111 '111\' p" IIIV'S, importnrucmunt r m 111 nl ti nc Nsidnd' ti, S mprc \'111111~lllIdlllll '111111'1111I 11111'11111VII 1111, 'lIl1l1 CIIl suposlç t.:S 11

rcsp '110 d~sSII 1111'111ft 11,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 287

A participação ativa do ouvinte no estabelecimento do sentido fica evi-dente quando se utiliza um método diferente do tradicional método filosóficopara analisar a construção de sentido: o método da observação e descrição dos'ventos nos/por meio dos quais os sentidos são construídos. Ao observar o queus pessoas fazem com as palavras é possível perceber que a interpretação detextos (ou sentenças) não é uma atividade que acontece dentro da mente dofalante, mas uma atividade conjunta que emerge na interação e pressupõe eimplica negociação em todas as suas fases.

Análises desse tipo, assumindo uma grande variedade de formas, métodos, categorias analíticas, foram propostas por uma série de etnolingüistas e'tnógrafos da comunicação, principalmente a partir da década de 1970. Entre.stes, estão autores preocupados com os fenômenos da performance verbal e daurte verbal, como a narração ou a encenação (Bauman, 1977), a participaçãoque diferentes pessoas podem ter numa cena enunciativa (Gumperz e Hymes,1972; Hymes, 1974,) e os diretamente interessados na análise da interação e da.onversação (Goodwin, 1981; Sacks, 1992a, 1992b; Schegloff, 1972), anali-sando, entre outros fatos, como os falantes se coordenam para dirigir a atençãopara um foco determinado, como estabelecem rotinas para conduzir a conversa-'ão e como conseguem, com relativa facilidade, decidir com quem está a pala-vra, por exemplo, para citar apenas algumas" das linhas mais representativas.

O trabalho de todos esses autores inspira-se em idéias anteriormente de-fendidas, entre outros, por antropólogos como Malinovski (1923), pela própriaTeoria dos Atos de Fala, principalmente na formulação de Austin (1962) e eml'ilósofos da linguagem como Wittgenstein (1958). Todos esses autores pro-põem que, para entender a linguagem, não basta compreender como certas sen-I .nças (declarativas) podem ter valor de verdade, isto é, não basta poder provarque uma sentença declarativa exprime ou não um fato do mundo da forma cornoetc realmente é. Isso é apenas parte das coisas que a língua é capaz de fazer, e M'lima pequena parte do que somos capazes de fazer com a língua. Entender o r'\

'i inificado de uma sentença (ou entender o funcionamento da linguagem em rI' .ral) exigiria observar essa língua em funcionamento, observar como os falan- :J ~I 'S constroem sentido com ela, como se engajam em atividades usando a língua ~! ~

Ç\. ~'01110 uma forma de mediação. Além disso, seria necessário considerar o con- S\)1~1Il'xto mais imediato de uso da língua e as relações desses usos lingüísticos com \~ (~fIN condições mais gerais de produção, tais como a visão de mundo e as práticas

rulturais e sociais dos falantes. 'IIK, f)1I "'"i1 I (11111/) 1111 1111111111)11revisão introdutória dos trabalhos desses autores.

Page 20: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

288

Mesmo propondo análises muito heterogêneas, os autores inspirados 111

tas idéias têm em comum o interesse por situações reais de interação, seja I

cerimoniais ou rituais, seja estudando narrativas orais ou a conversação espnutânea. As suas pesquisas trouxeram à luz uma grande quantidade de dados 11"ratificam a idéia de que a língua só pode ser apropriadamente compreendulquando vista em funcionamento e na interação.

Estes estudos mostraram também que abordagens da língua como um Itema isolado do seu uso fazem com que fatos importantes do seu funcionanu-nto passem despercebidos. Alguns desses fatos são as várias formas de se rUI I

referência ao contexto e à situação (a indexicalidade), como também as f01'l1111pelas quais os falantes assinalam a maneira pela qual pretendem que suas pul.vras sejam avaliadas e como eles marcam o tipo de relacionamento que mGlIII111com o que está sendo dito e com o interlocutor.

O limite entre o sistema gramatical e seu uso não são nítidos nem SIIIIIques. As diferentes línguas codificam diferentemente alguns aspectos da r' .11dade e oferecem recursos variados para que o falante possa tratar e apres 'tltllI

esses aspectos, e também diferentes meios para que ouvintes possam avalim ti

que está sendo dito e decidir que interpretação construir.Ao se compreender a interação verbal dessa maneira, o contexto pasi • 11

ser visto de forma diferente do que tradicionalmente se fez. Normalment " ti

contexto é visto como um conjunto de variáveis ou coordenadas nas quais o IlIhlingüístico está inserido, tais como lugar e momento da enunciação, participuntes e seus papéis etc., variáveis estáticas, que apenas se superpõem aos eV'111I1verbais, que são paralelos a eles.

Analisar eventos reais de fala e analisar a interação verbal demonstru quos limites entre contexto e evento de fala não são nítidos e intransponívcis, 1Icontexto passa a integrar (como dizem Duranti e Goodwin, 1992: 03) duas 'li

tidades que se justapõem: úm evento focal e um campo de ação no qU1I111

evento se desenrola. Esses eventos englobam diversas dimensões, como 11 Ituação de enunciação (o lugar onde ela se dá, os participantes, os meios IIIi111 •dos); recursos extralingüísticos tais como gestos, olhares, posturas; os própi luatos de fala ou textos já produzidos (seja no próprio momento da intera 't o, 1111textos anteriores que, de alguma maneira, são importantes para aquela inl r:l~' 11)

que vão adquirir proeminência no próprio d s nr lar d s atos de fala (OLl s{:II, 11própria língua pode ser tomada como ont 'xl0 ; os .onh cim ntos d 11 IlI1Idllcompartilhados entre os parti ipaní 'S '11 1·;iIIIlIÇI() que ultrnpussa o v ruo ICH"

A relação o rruu do iI11pOl'I lIl'i I d(' (' 111111111.11tk's/ws dim 'IIS~ 'N ti

dad s n 's próprios v 'IIION,ou 11'111. 11111111111111'11111till(' I 1'11ndru 11(\11(11I "111111111

IIIIIIIIUÇÃO À LINGüíSTICA 289

lilll'ração pode ser quase irrelevante em outra. Temos aqui uma relação de figu-I I lundo, segundo propõem ainda, entre outros, Duranti e Goodwin (1992: 9).II I vento focal é colocado no centro das atenções (a figura), ao passo que asIIIIII'IIS dimensões permanecem disponíveis e oferecem um fundo contra o qualI1I V .nto focal toma sentido. Algumas das dimensões que estão em foco podem1"ld 'r a importância, enquanto outras, que estão no fundo, podem ser evocadasI pllssar a ser o centro das atenções. A decisão a respeito de quais dimensões

1 o em foco e quais são aquelas que servem como pano de fundo não é dada11111.ritérios a priori, fora da interação, é um assunto ativamente negociado.

1 vidades lingüísticas são fundamentais para estabelecer o contexto em que111111determinada atividade deve ser enquadrada e interpretada.

Nesse sentido é que Gumperz (1992) propõe a noção de pistas contextuaisI1outextualization cues), que são as pistas fornecidas, por exemplo, pelo uso dedi 1('l'Ininadas formas lingüísticas, de determinado registro, de certas escolhas" leais, assim como a escolha de determinado gênero textual como fonte im-1IIIIIuntepara estabelecer qual o enquadre relevante para um dado evento focal.• I~undo essa concepção, o contexto passa a ser algo parcialmente criado pelos11Iuprios atos de fala, na medida em que estes ajudam, de maneira decisiva, aI tuhclecer um quadro para a interpretação.

Essa característica é a que Salomão (1999: 69) vai chamar de dinamismo111111'xtual, resultante da semiologização do contexto:

A abordagem que praticamos repudia a distinção entre linguageme contexto comopolaridades estanques. Mais útil será distinguir entre instruções verbais para cons-lruir configurações cognitivas e outras instruções semiológicas, variavelmenteIocadas, e que tanto podem corresponder a suposições integráveis ao senso co-mum ou informações específicas no chão da interação. Em todo caso, em uma e

\ ) rn outra situação, tratamos de instruções, pistas e sinais, que podem ou nãoocupar o centro da atenção comunicativa (Salomão, 1999: 69).

uando compreendemos a noção de contexto dessa maneira, constatamos'1111',tl cada momento da interação, o locutor projeta e prevê as interpretações1111N vcis dos ouvintes/leitores, contando com elas e coordenando (mais visi-. -1111snte na interação face a face) cada um dos seus atos de fala com as reações

1I1 It'lIS interlocutores.bss':ls reações não se constituem apenas nas respostas verbais que os ou-

Illl'Hd. o ao locutor depois que este proferiu sua fala, mas i~cluem também as1111IIII'IISffsi as, expresse 14 I'lIciais, estos, olhares que expressam atenção, com-1"1('11101o, dúvida, d 'snpl'ov I 'I tl 11t'. Imqu'lI1l'Ofala, o 10 utor rnonitoru todas

Page 21: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

290 MUSSALlM • SENTES

essas manifestações e freqüentemente é conduzido a mudanças e a reparos emsua fala, para atender a essas reações e coordenar-se com elas. Por outro lado, oouvinte não está passivo: ele ativamente assinala qual a sua relação com aquiloque está sendo dito, qual sua interpretação, e monitora as ações do falante deforma a reagir, por exemplo, tomando a palavra no momento em que o falantesinaliza o fim do seu turno de fala.

Apesar da importância da contribuição teórica dessas linhas de pesquisa eda enorme quantidade de dados e evidências trazidos por elas, não se pode dizerque essas perspectivas tenham tido alguma preocupação com aspectos cogniti-vos. Para estas abordagens, a interação é uma forma de organização social, umacoisa que acontece publicamente; aspectos mentais são não apenas secundárioscomo ativamente evitados."

Por outro lado, as evidências apontadas tornam claro que uma explicaçãoapropriada do processo cognitivo não pode deixar de incluir o fato óbvio de quea atividade lingüística, assim como as atividades cognitivas em geral, aconte-cem em contextos reais de uso. Em outras palavras, um modelo cognitivo ade-quado às descobertas dessas e de outras linhas de pesquisa sobre ação lingüísti-ca e sobre eventos verbais reais deve garantir espaço para a importância dainteração, da negociação e da sensibilidade e flexibilidade em relação ao con-texto que os processos cognitivos (no nosso caso, o processamento de lingua-gem) demandam.

Inspirados nesses trabalhos, muitos autores interessados em investigar oprocessamento cognitivo vêm procurando integrar perspectivas contextuais aotratamento da cognição humana. Nesse quadro, os estudos do texto ocupam umlugar central.

Um dos aspectos da linguagem que as perspectivas cognitivistas propuse-ram-se explicar foi o processamento textual, que compreende atividades de com-preensão tais como a capacidade de' identificar o tópico principal de um texto,identificar seus temas principais, resumi-lo, fazer as inferências que geram li

coesão e a coerência globais,Desenvolver artificialmente esse tipo de processamento foi, desde cedo.

de grande interesse, já que são inúmeras as aplicações práticas de um programade computador capaz de processar textos, As tentativa de desenvolver rn todos automáticos para o processamento de textos foram uma das fontes mai:

19, NI o se pod ' diz 'I' qu ' " "us 1lL'11I !I\' 1"1'111 "1'11+,1111 I 11111 11 111. 111 I 111'1111 vos N(·jll 1111111 1'111111011 111'1pruhl \11111 ti NNIIN Ul1l1l'dlll'(1I1N, IIpllllllN 1111111'1111 NIIIII 111 1.11 li It .1111" I ,li 111'11111 1111111111111 1.-",

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 291

importantes para mostrar a inadequação da perspectiva cognitivista clássica paraa compreensão do funcionamento da linguagem,

Tentar explicar o funcionamento de palavras isoladas ou de regras sintáti-cas restritas ao âmbito da frase por meio dos métodos desenvolvidos no interiordessa perspectiva revelou-se uma tarefa bastante difícil; entender como ativa-mos e mantemos as informações necessárias para o processamento textual ecomo realizamos as inferências implicadas nos textos mais corriqueiros tem serevelado impossível. Pode-se dizer que a demanda de explicação do nível tex-tual tornou indispensável uma visão social da cognição, já que logo se tornoupatente que o processamento de textos envolvia diversos aspectos interacionaisc conhecimentos sociais,

Esse interesse pelo nível textual possibilitou uma estreita relação entre aLingüística Textual e as ciências cognitivas, Estudos relacionados com o cam-po da Psicologia Cognitiva foram importantes para o desenvolvimento da Lin-züística Textual, permitindo que esta deixasse de lado uma análise comprome-Iida com uma espécie de gramática do texto, isto é, apenas uma espécie deanálise transfrástica, uma gramática que ultrapassasse o nível das sentenças, epassasse a investigar a construção dos sentidos no texto (falado e escrito) der rma mais ampla.

Um exemplo do tratamento do nível textual por estudiosos do campo daPsicologia Cognitiva é o trabalho pioneiro de Van Dijk e Kintsch (ilustrado, por-xemplo, por Van Dijk e Kintsch, 1983; Van Dijk, 1985; Kintsch, 1988). De-pois de uma fase inicial em que o foco da investigação eram as relações entre asH mtenças, ou entre as proposições que as sentenças teoricamente expressariam,ou seja, aspectos relacionados sobretudo à coerência local do texto (microcoe-I' meia), Van Dijk passou a ampliar o conceito de coerência e a investigar acoerência global do texto (macrocoerência), para a qual concorrem fatores va-I ia los, como, por exemplo, fatores interacionais, lingüísticos e um grande con-[unto de conhecimentos sociais mobilizados pelo texto.

A natureza, a estrutura, o armazenamento e o processamento desses co-1111 cimentos são questões fundamentais para a Lingüística Textual desde, pelo111 'nos, a década de 1980. Isso fez com que a Lingüística Textual passasse ali'!' a necessidade de refletir sobre fenômenos como memória, atenção, repre-

-ntação mental e processamento cognitivo em geral, precisando postular ouulotar um modelo de cognição que desse conta dos fenômenos encontrados

111 análise de texto, P r outro lado, como dissemos acima, à flexibilidade en-runtrada n proc 'SI-HlIll '1110 I cxtual representa um desafio para qualquer mo-111'10 'o lnilivo do PIO('(', IlIlIl'nlo lin üfsti o, além de levantar diversas evi-

Page 22: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

292 MUSSALlM • 8ENTES

dências sobre o funcionamento de vários aspectos da cognição, como memó-ria e representação.

Os estudos desenvolvidos no campo da Psicologia Cognitiva contribuí-ram de forma decisiva para que a Lingüística Textual elaborasse uma de suasprincipais formulações: 'a de que nenhum texto é ou poderia ser completamenteexplícito, já que, conforme demonstraram os estudos acima apontados, os pro-cessos de produção e de compreensão de textos dependem, em grande parte, deinformações que são apenas sugeri das, apontadas nos/pelos textos e que devemser mobilizadas pelo ouvinte/leitor para que consiga estabelecer adequadamen-te o(s) sentido(s) global(is) de um texto. Um exemplo simples ajuda a com-preender esse ponto:

Quando enfim realizou o sonho de comprar um carro novo, o veterinário WagnerMagalhães Melo teve uma desagradável surpresa. Logo após a compra, Melonotou que o motor estava um pouco estranho (Fernanda Medeiros e Marcos Ro-gério Lopes, "Carro novo também é motivo de transtornos", OESP, 18/9/2000).

Normalmente, nós não temos o menor problema para identificar o motorao qual o texto se refere, ou seja, o motor do carro de que fala a reportagem,apesar disto não se encontrar explicitado no texto. Tomamos como base o fatode que carros têm motores, e fazemos a ligação sem mesmo tomarmos cons-ciência de que a fazemos. Note-se que explicitar a informação de que carrostêm motores e de que é o motor do carro objeto da reportagem que apresentaproblemas é não só desnecessário, mas também estranho. Este é um exemplocorriqueiro de como informações que não estão no texto são normalmente re-quisitadas por ele para o processo de compreensão.

Compreender textos depende sempre, então, de uma grande parcela deconhecimentos partilhados. Ativamos modelos de situação, expectativas sobrestados de coisas que nos guiam no processo de compreensão. Estes modelos,estruturas complexas que organizam o conhecimento, despertaram muita aten-ção na Lingüística Textual e nas ciências cognitivas, recebendo nomes diver-sos, como, por exemplo, esquemas (Bartlett, 1933; Rumelhart, 1980); frames(Minsky, 1975); cenários (Sanford e Garrod, 1985); scripts (Schank e Abelson,1977); modelos mentais (Jonhson-Laird, 1983); modelos experienciais,episódicos ou de situação (Van Dijk, 1989, 1997).20

20. Alguns dos termos e modelos sugeridos para xpli .nr ,'01110 1111111111111111I H I' I'~q\l '111l1S1'111011gern na Inteligência Artificial e em Iin 'lIug 'ns ti, p1'Ofll1llUI1j <1I'I.lIlpllllI' 1111111(111111111111,11,\'• '\"101,\',11111exemplo), dcmonsrrnndo a rcluçí o ·sl.'cill1 (J1Il' ,'SNII 11"'11 111.111111.11111I I 1111'"11111i l1 111111.

INTRODUÇÃOÀ LINGüíSTICA 293

São esses modelos ou esquemas que nos permitem fazer uma série deinferências no curso do processamento textual (assim como em várias situaçõesno nosso dia-a-dia). Um exemplo clássico na literatura é o exemplo do script dorestaurante: ao nos depararmos com um texto que fale em restaurante (ou aoirmos a um restaurante) imediatamente mobilizamos conhecimentos sobre gar-çom, comida, conta, cardápio etc., que não necessitam ser verbalizados. Temosvários papéis, vários slots a preencher correspondendo a esses variados itenque o frame de restaurante sugere. Ou seja, o conhecimento sobre restauranteestá estruturado de forma acessível e flexível e mobilizado quando o framecorrespondente é ativado.

Estes conhecimentos, representados na memória de longo prazo, podemser divididos, entre outras possibilidades, em dois grupos: conhecimentoprocedurais e conhecimentos enciclopédicos.

Os conhecimentos procedurais são aqueles relacionados a "como fazer",ou seja, ao processo pelo qual as ações são levadas a cabo. Por exemplo, muitasvezes sabemos preparar a receita de um alimento sem necessariamente serrn s

. capazes de descrever passo a passo as quantidades dos ingredientes, o tempo decozimento etc. Num exemplo mais lingüístico, são procedurais os conh cim 11

tos que nos permitem identificar nossa vez de falar numa conversação, ali qlll'

nos indicam que uma conversa está chegando ao fim e que devemos n s d 'sp ,dir. Os conhecimentos procedurais são ligados a capacidades perc ptuuis,motoras e a prédisposições para agir, sendo naturalmente mais dinâmi 'os qUl'os do tipo enciclopédico. Constituiriam, segundo Heineman e Viehweger ( 199 I ),um sistema de conhecimentos sobre como colocar em funcionamento os conh '.cimentos que fazem parte dos demais sistemas (lingüístico, enciclop di 'O,

sociointeracional).Os conhecimentos enciclopédicos, por sua vez, estão relacionados a " s-

lados de coisas" (sendo, portanto, mais facilmente verbalizáveis que os conh -.irnentos procedurais) e podem ser de tipo declarativo, como por exemplo: "aágua ferve a 1000

"; "o Brasil é uma república presidencialista" ou d tipo.pisódico, aquele arquivado em modelos ao longo da vida social. Esse tipo d '.onhecimento compreende tanto conhecimentos de caráter geral, supostarncnt '.ornpartilhados pelos membros de uma determinada cultura, com conh 'ci

111 entes individuais, oriundos de experiências pessoais.Claramente, ssas distinçõ s têm finalidade basicamente didáti 'a ou IlIl'

lod t gica, S ndo ruuitu ((ir .il Ira .ar, na prática, lirnit S 151' eis s .ntrc 'Ol1hl'I'Im entes proccdur d, I' ('IIl'klolH'di 'os ti um lad ,ou intrc .onhc 'il1ll'lllos iudividuai« i.' '01111'1 ItllI 11111 111'1111111'111' partilhados, de 01111'0,

Page 23: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

294 MUSSALlM • BENTES

o que importa é que, além de se basearem nesses conhecimentos paraserem processados com sucesso, os textos são também uma das principais fon-tes de conhecimento. Eles não apenas mobilizam e ativam conhecimentos, mastambém os constroem e os modificam ao longo dos processos interacionais.

Textos são fontes 'óbvias para a construção das representações mentais namemória dos indivíduos, assim como de conhecimentos que circulam social-mente, participando ativamente das categorizações sociais, da criação, circula-ção e manutenção de estereótipos e das diversas visões de mundo encontráveisnuma sociedade.

Textos são também fontes fundamentais para a circulação e construção deconhecimentos partilhados entre indivíduos, sendo uma das mais importantes ecentrais formas de cognição social e de organizadores do conhecimento de umadada cultura. Dado isso, é natural que os estudos de texto tenham um papelcentral na encruzilhada onde se encontram preocupações com a cognição e coma vida social.

Ainda no interior do campo de estudos do texto, um dos temas mais im-portantes abordados por teóricos do quadro sociocognitivista, na tentativa decompreender como o sentido pode ser construído interativamente, é o problemada construção da referência, isto é, de como a linguagem pode falar do mundo.O grupo envolvido com estudos da referenciação inclui, por exemplo, autoresdo grupo franco-suíço integrado por Alain Berrondenner, Denis Apothéloz,Daniele Dubois e Lorenza Mondada, e no Brasil, para citar alguns dos maisimportantes, o grupo de pesquisa na Universidade Federal de Pernambuco, li-derado por Luiz Antonio Marcuschi, o grupo ligado a Ingedore Koch na Uni-versidade Estadual de Campinas e o grupo liderado por Margarida Salomão, naUniversidade Federal de Juiz de Fora.

Ao investigarem esse processo, estes autores rejeitam a concepção tradi-cional segundo a qual a língua faz referência ao mundo de forma a representá-Ioou espelhá-Io dentro da linguagem. Na visão tradicional, entender como a lin-guagem faz referência ao mundo é entender quais as condições de verdade deum determinada sentença, ou quais os conjuntos de características (necessáriase suficientes) que permitem o uso de uma dada palavra para referir-se a umdado elemento do mundo.

Numa perspectiva clássica, as palavras co-variam com O mundo de umamaneira ótima (ou seja, otimamente adaptada). Os .onc 'ilOS lun ionam comopeças de um jogo de armar com as quais poss vr-l 1111\111111 lodas a id ias'teorias sobr mundo. esse conceitos' idri I,~ III1 1'" Iwis p r m i Ialíngua: a Ifn 'LIa li [ui é 11111 111 io I trunxrultu 111111111 111111111 111111111 .ntc li outra,

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA295

~claro que, se esta mente estiver bem sintonizada com o mundo, a língua é umamaneira de expressar convenientemente esta realidade. Dito de outra maneira,IlS palavras, para a perspectiva clássica, são etiquetas para os conceitos e os.onceitos são representações: se forem de boa qualidade, a palavra que a elas ser fere é um bom ponto de. apoio para ter acesso à realidade, ao representandum.A dificuldade fica, então, entre a percepção e os conceitos; as palavras escolhi-das para designar, desde que estejam em uso literal, são puras e confiáveis.

Ao invés de adotarem essa visão da referência como um propriedade daspalavras, como um fato imanente à língua, os autores sociocognitivistas prefe-rem falar de referenciação, para realçar seu aspecto dinâmico, como uma ativi-dade, um processo no qual os falantes se engajam para construir a referência.

O sentido das palavras e textos não lhes é imanente e não é depreensívelnuma atividade de cálculo com regras rígidas previamente estabelecidas. O sen-(ido é necessariamente situado histórica e socialmente e é, também, plástico, noN cntido de que, em todos os níveis da linguagem, existe uma negociação entreos interactantes para o estabelecimento desse sentido. A linguagem não traz osobjetos do mundo para dentro do discurso e sim trata esses objetos de diversasmaneiras, a fim de atender a diversos propósitos comunicativos: passa-se a fa-lar, então, em objetos-de-discurso.

Um dos pontos privilegiados para entender os processos de referenciação'I estudos dos processos coesivos do texto, principalmente aqueles pelos quaisos referentes são introduzidos, mantidos e retomados na progressão textual. Oestudo das anáforas tem recebido especial atenção dessas linhas de pesquisa eI '111 trazido à luz muitos dados que confirmam a hipótese sociocognitiva dalinguagem.

Contrariando o que hipóteses mais tradicionais faziam prever, os estudio-,1),1) da referenciação têm mostrado que as anáforas não dependem do processa-m nto de segmentos bem delimitados de texto. Não dependem de maneira abso-luta de um antecedente explícito na superfície textual. Veja-se o exemplo:

Margô passou três meses no distrito, numa cela com 32 homens, e ninguém a~u-sou dela. Apesar da sainha agarrada, do bustiê e do silicone nas coxas, o mal~rrespeito. Quando foi transferida para o Carandiru, conheceu um ladrão e se apai-xonou. Um domingo de visita (não para elas, há muito distantes da família), comsangue nos olhos, O ladrão invadiu o barraco:_ V cê vai upr .nd 'I' 1\ 'alar essa filha da puta da tua bocal ,•., ant S qu ' {IIII ('"I\'IHiI'HH '. 1\ "ri ou-lhe um murro no queixo com tamanha força

que M .rg .111'1111'1111 I'ljll ltlu lo, lnu li a .ab ça no annári (...) T so porque a11111111 -r dll IlIdl"l! 111111 dll I1 I 11101'1 (kl', nu viaitu, diss III já subia d tudo

Page 24: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

296 M USSALI M • BENTES

que só voltaria quando ele largasse daquele degenerado! (Varela, D., EstaçãoCarandiru, 2000: 213-214).

Nesse exemplo, são conhecimentos de mundo e informações co-textuaisque permitem a construção de uma identidade para Margô. Alguns elementoslingüísticos auxiliam na produção das inferências necessárias para a construçãodessa identidade: o uso de pronomes no feminino (dela, elas, ela) para se referirà personagem e a outras como ela; a referência a silicone, produto usado para amodelagem de um corpo feminino; a menção da transferência da personagempara o Carandiru, presídio masculino; e finalmente, o uso da expressão degene-rado que, pelo emprego no gênero masculino, confirma a identidade que vinhasendo construída ao longo do texto para a Margô, a saber, a de travesti.

Os limites entre os conhecimentos apenas lingüísticos e os conhecimentosde mundo em geral não se encontram facilmente delimitados. A atividade dinterpretação de texto obviamente ultrapassa, e muito, a imanência do código:para que ela se construa, se faz necessária a mobilização e a transformação dvários tipos de conhecimento.

Os textos não são explícitos, não trazem na sua superfície tudo o que 'preciso saber para compreendê-los. Não trazem tampouco uma instrução explí-cita de preenchimento das lacunas que permita chegar a uma compreensão in -quívoca do seu sentido. Todo texto requer uma atividade de "enriquecimento"das formas que estão na superfície, do emprego de conhecimentos prévios e dvárias estratégias interpretativas. Esse enriquecimento é dado como certo portodos, os usuários da língua, embora não existam regras claras de como proc •der. E por isso que se pode falar: "não foi isso o que eu quis dizer", ou "eu nãoestou sabendo dizer, mas você me entende"., .

Segundo Marcuschi (2001: 40): "a língua não é um retrato e sim um tratodo mundo, isto é, uma forma de agir sobre ele". Para os autores que adotam essavisão, a verdadeira unidade de análise da língua são os textos (tanto faladosquanto escritos), que são as atividades linguageiras por excelência (Bronckart,1995),

Outro aspecto claro é o da estruturação das informações dadas e novas qu 'pedem uma teoria do processamento da informação e de como os dados sãoarmazenados e estruturados na memória, e ainda como ele s podem ser ativadose transformados no processamento lingüístico. Isso li 'ont • ,. m parte, por m siodo uso de formas como determinantes cI Iinidos ou illd Ij'jlli{losqu , freqü '/11 '

mente mas não scrnpr , forn c m instru '( (', do tipO' "(I I lulorma 'ão n )VII"

(incJ Iinido); "':-;1411 inforruu 'I () 11lIdll" (Ih-IIII tln)

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 297

Além disso, o conhecimento social pode estar estruturado e inscrito nosistema por intermédio de modelos e frames, evocados pelos itens lexicais eativamente utilizados para enriquecer as informações que não são (nem pode-riam ser) explicitamente fornecidas pelo texto, Entre esses modelos, está o re-'urso ao uso de estereótipos ou de rótulos, recurso este que explica como oléxico ativa e evoca várias informações que não podem ser atribuídas a umsentido "literal",

Os sentidos constituem-se simultaneamente dentro e fora das mentes. Ten-lar dar uma explicação acabada do processo de decodificação da linguagemlentro da mente ou ignorar que o conhecimento lingüístico tem de estar estrutu-

rado de alguma forma em nossa mente são duas opções que dificultam a apreen-são da real complexidade lingüística.

O modelo que vê a linguagem como manipulação simbólica, a teoria com-putacional (no sentido clássico) da mente, não parece adequada para explicar.ssa constante negociação que faz com que os sentidos dos textos sejam sempresub-determinados e as palavras só adquiram sentido mais ou menos precisoquando efetivamente empregadas.

Nesse sentido, o grupo liderado por Margarida Salomão, na Universidade11 deral de Juiz de Fora, advoga que um dos princípios básicos da abordagemsociocognitivisra da linguagem é o da "indeterminação do signo lingüístico" ouda "escassez da forma lingüística" (Miranda, 2001). O signo deve ser entendidonpenas como pista que leva ao sentido, contando com a participação ativa dointerlocutor nesse percurso, com seus conhecimentos prévios e com estratégiasinterpretativas que são disparadas pelos gêneros, pelas pistas de contextualiza-'rio, pelas inferências tornada possíveis no/por meio do texto. No dizer deluuconnier: "a língua não porta o sentido, mas o guia" (Fauconnier, 1994: xxii).

Baseando-se, entre outros elementos teóricos, no trabalho desse autor so-'hre a construção de espaços mentais, esse grupo procura compreender como osdiversos referentes se relacionam com os modelos cognitivos idealizados, deforma a servir como um meio de construção partilhada de conhecimentos.

. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se viu, é possível colocar sob o rótulo sociocognitivismo pesquisasljll' nvolvern ár as h m div rsas do conhecimento e pesquisadores com for-IIl1l' S tamb m dil'el'('11-indns. Embora não exista um programa definido queenvolva todus us linho dll P(· quisu, podemos consid rar qu xis(' uma ag ndali, "nd nuo '01l11l1l11(11l 11l'1I'I1I1I11, como pr SRUposto bdsi '0,11 11 • 'sNidad' ti,

Page 25: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

298 MUSSALlM • BENTES

desenvolver um modelo de cognição que seja socialmente constituído e tam-bém de investigar as maneiras pelas quais a sociedade dá forma à cognição.

As pesquisas nessas áreas estão apenas começando, mas os resultados con-seguidos até agora, tanto no país quanto internacionalmente, são muito anima-dores e se oferecem como um incentivo e um convite para que novos estudiososse interessem por uma investigação sociocognitiva do fenômeno da linguagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBANO, E. As bordas do gesto. São Paulo: Mercado de Letras, 2001.AUSTIN, J. How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1962.BAUMA,N, R. Verbal art as performance. Rowley: Newbury House, 1977.BRONCKART, 1.-P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionis-

mo sácio-discursivo, São Paulo: EDUC, 1999.CLARK, H. Arenas of language use. Chicago: University of Chicago Press, 1992.___ o Using language. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.COOPER, D. L. Linguistic attractors: the cognitive dynamics of language acquisition

and change. Dordrecht: John Benjamins, 1999.CUMMINS, Robert. Meaning and mental representation. Cambridge, MA: The MIT

Press, 1988.CUNHA-LIMA, M. L. Construção da referência e representação lexical: por um tra-

tamento dinâmico da semântica lexical. ln: Cadernos de estudos lingüisticos,41: 149-164, 2001.

DENNET, D. Consciousness explained. London: Penguin Books, 1993.D'OTTAVIANO, L M. L. & BRESCIANI FILHO, E. Conceitos básicos de sistêmica.

ln: D'OTTAVIANO, 1. M. L & GONZALES, M. E. Q. (orgs.). Auto-organiza-ção: estudos interdisciplinares: Campinas: CLE/Unicamp, 2000.

DUPUY, J. P. Nas origens das ~iências cognitivas. São Paulo: Edusp, 1996.DURANTI, A. Linguistic anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.DURANTI, A. & GOODWIN, C. Rethinking context: language as interactive

phenomenon. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.ELMAN,1. Finding structure in time. Cognitive Science, 14, p. 179-211, 1990.___ o Learning and development in neural networks: the importance of starting small.

Cognition, 48, p. 71-99, 1993.___ o Generalization, simple recurrent networks and Ih mergence of structure. In:

GERNSBACHER, M. A. & DERRY, S. ( eis .. Prorcedings of lhe 20th Annu liConference of the Cognuiv cieuco .'1'(1('/1'11'. Muhwny: Lawr n . Erlbaumasso iut s, I 8.

INTRODUÇÃO À LINGüíSTICA 299

nLMAN, J. et aI. Rethinking inateness: a connectionist perspective on development.Cambridge: Bradford, 1996.

JARDNER, J. A nova ciência da mente. São Paulo: EDUSP, 1985.iOODWIN, Charles. Conversation organization: interaction between speakers and

hearers. New York: Academic Press, 1981. r

mMPERZ, J. Contextualization and understanding. ln: GOODWIN, C. & DURANTI,A. (eds.). Rethinking context: language as interactive phenomenon. Cambridge:Cambridge University Press, p. 229-252, 1992.

emMPERZ, J. & HYMES, D. Directions in sociolinguistics: the ethnography ofcommunication. New York: Kolt, Rinehart & Wilson, 1972.

IIEINEMANN, W. & VIEHWEGER, D. Textlinguistik - Eine einführung. Tübingen:Niemeyer, 1991.

IIUTCHINS, E. Cognition in the wild. Cambridge: The MIT Press, 1995.IIYMES, D. Foundations in sociolinguistics: an ethnographic approach. Philadelphia:

University of Pennsylvania Press, 1974.I OCH, L V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

__ o Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.I OCH, LV. & MARCUSCHI, L. A. Processos de referenciação na produção discursi-

va. Delta, 14: 169-190,1998.I,AKOFF, G. Women, fire, and dangerous things. What categories reveal about the

mind. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.I,AKOFF, G. & JOHNSON, L. Philosophy in the flesh. The embodied mind and its

challenge to western thought. New York: Basic Books, 1999.I,ININSON, S. & GUMPERZ, 1. Rethinking linguistic relativity. Cambridge: Cambridge

University Press, 1996.I.UCY, 1. The scope of linguistic relativity. ln: LEVINSON, S. & GUMPERZ, J.

Rethinking linguistic relativity. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.MALlNOVSKI, B. The problem of meaning in primitive language. In: OGDEN, C. K.

& RICHARDS, I. A. The meaning of meaning. New York: Harcout, Brace &

World Inc., 1923.MARCUSCHI, L. A. Aspectos da progressão textual na fala e escrita no português

brasileiro. Recife, 1998. (Mimeografado.). A questão metodológica na análise da interação verbal: os aspectos quantita-

tivos e qualitativos. Recife, 1999. (Mimeografado.)_. Atos de J' r r n 'illçt o na interação face a face. ln: Cadern~s de Estudos Lin-

Müfsti 0.1', 4/: . 7 . I. 00 I.Mt\'!' RANA. li. ('(1111 rrln. 1'/ r/('III e vida otidiana. B I Horizonte: ditora da

IJl'M i" ()() I

Page 26: Do Cognitivismo Ao Sociocoognitivismo

300 MUSSALlM • SE

MONDADA, L. & DUBOIS, D. (1995). Construction des objets-de-discours et caterisation: une approche des processus de référentiation. In: BERRENDONNNA. & REICHLER-BÉGUELIN, M.-J. (eds.). Du syntagme nominal aux objetde- discours. SN complexes, nominalisation, anaphores. Neuchâtel: InstitutLinguistique de l'Université de Neuchâtel, 1995.

NEWELL, A. & SIMON, H. Human problem solving. Prentice-Hall, 1972.PINKER, Steven. The language instinct. London: Penguin Books, 1994.___ o Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.PUTNAM, H. Representación y realidad. Un balance crítico del funcionalismo. Barc

lona: Gedisa, 1995.PORT, R. & VAN GELDER, T. Mind as motion: explorations in the dynamics

cognition. Cambridge: The MIT Press, 1995.ROSCH, E. & LLOYD, B. Cognition and categorization. Hillsdale: Lawrence ErlbaUl

1976.SACKS, H. Lectures on conversation. Cambridge: Blackwell, V. 1, 1992a.___ o Lectures on conversation. Cambridge: Blackwell, V. 2, 1992b.SEARLE, J. Speech acts: an essay in the philosophy of language. Cambridge: Cambrid

University Press, 1969.SEARLE, J. & VANDERVEKEN, D. Foundation of illocutionary logic. Cambridg

Cambridge University Press, 1985.SCHEGLOFF, E. Sequencing in conversational openings. In: GUMPERZ, J. & HYME. I

D. Directions in sociolinguistics: the ethnography of communication. New YorkKolt, Rinehart & Wilson, 1972.

VARELLA, F., THOMPSON, E. & ROSCH, E. The embodied mind. Cognitive scieru:and human experience. Cambridge: The MIT Press, 1992.

WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, [1956] 1958.