dmt em debate 4 pai patrâo

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Artigo sonbre o filme Pai Patrão

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Trabalho e cinema 4PAI PATRO ( e a mtica do amor em famlia)Lorena HolzmannNo calendrio comercial anual, cada ms dedicado a um segmento de presenteveis, artifcio para incrementar as vendas, acelerando o processo de circulao do capital. Agosto dedicado ao Dia dos Pais. A mdia veicula peas publicitrias de incentivo ao consumo (como no lembrar do pai no seu dia, dando-lhe um presente?), centradas na figura do pai e do mito, recorrentemente alimentado, da inevitabilidade do amor paterno. O pai a figura protetora, amorosa, dedicada, provedora (na realidade, cada vez mais essa funo partilhada com a me, quando no inteiramente delegada a ela, pela omisso masculina), para quem os filhos so a coisa mais importante em sua vida.A realidade tem desfeito esse mito, continuamente. Tradicionalmente, os acontecimentos no interior da famlia foram considerados questes de foro privado, nos quais no se admitiam interferncias externas, fossem de outras pessoas ou do Estado, atravs de leis. As condies culturais e legais tm mudado e a famlia passa a ficar exposta publicizao do que ocorre no seu interior, revelando situaes dolorosas de conflitos e de ignomnias. Com isso, vai sendo desconstrudo o mito da famlia como o espao do amor, da proteo, do acolhimento, da solidariedade, e se revelam situaes de maus tratos entre seus membros, de abusos e de explorao sexual e econmica, de falta de cuidado com os vulnerveis (crianas, idosos e doentes), de desamor. Pai Patro (Paolo e Vittorio Taviani, 1977), baseado no livro autobiogrfico de Gavino Ledda, aborda algumas das dimenses da famlia tradicional no interior da Sardenha, ao final da II Guerra, e a luta de um de seus membros (o autor) para se desvencilhar do jugo paterno, autoritrio e cruel.O pai a autoridade inconteste dentro da famlia. Quando retira da escola o filho pequeno, com aproximadamente 8 ou 9 anos, a fim de envi-lo para o campo, onde dever permanecer sozinho, cuidando do rebanho de ovelhas do pai, a me nada pode fazer para evitar o isolamento a que o filho est sendo submetido. S lhe resta arranjar a mochila do garoto, com as coisas mais essenciais que dever levar para o campo. O interesse do pai pelo ganho econmico se sobrepe ao bem estar do filho. O garoto cruelmente espancado pelo pai quando tenta fugir do campo e voltar para casa, punido se houver perda de uma das ovelhas ou se deixar contaminar, com fezes do animal, o leite que ordenha. A relao pai-filho uma relao de explorao, o pai o patro impiedoso e opressor a quem o menino deve se submeter sem contestao. Nessas condies, o garoto chega idade adulta, analfabeto, sem nada conhecer da convivncia humana, aprendendo apenas o que a natureza lhe ensina, construindo defesas contra imprevistos que pudessem atacar seu rebanho, exercendo com os animais o aprendizado de sua sexualidade.O pai define seu destino, impondo-o contra a vontade do jovem. Mas, quando h opresso, h resistncia, e esta est presente em toda a trajetria de vida do jovem, desde a infncia, sempre em confronto com o autoritarismo de pai. Engajando-se no Exrcito, Gavino supera todas as dificuldades encontradas. Aprende a ler e a falar italiano (sua lngua materna era o dialeto sardo), ingressa na universidade e vem a se tornar reconhecido escritor contemporneo. Antes disso, ao retornar casa paterna quando se desliga do exrcito e comunica sua inteno de ingressar na universidade, hostilizado pelo pai, que recusa receb-lo e lhe dar de comer, pois alega que em sua casa, quem no trabalha no come. O conflito entre ambos recorrente. A me mera expectadora do arbtrio do pai e de suas determinaes sobre os destino da famlia.Gavino um caso tpico de trabalho infantil, explorado dentro da prpria famlia. No um caso raro. No incio da industrializao, na Inglaterra, os pais empregavam seus filhos menores nas fbricas. Quando se produziu uma legislao estabelecendo limites para esse emprego, os pais adulteravam a idade dos filhos a fim de que eles pudessem ser admitidos nas empresas. Essa prtica se disseminou para outros pases, na esteira da expanso da sociedade industrial. Ainda hoje o trabalho infantil uma chaga no mundo inteiro, atingindo aproximadamente 168 milhes de crianas entre 5 e 14 anos, segundo o Relatrio Mundial sobre Trabalho Infantil 2015, da Organizao Internacional do Trabalho. A grande concentrao desse fenmeno em pases pobres, mas sua ocorrncia registrada tambm em pases desenvolvidos. Pobreza e desemprego so fatores alimentadores dessa chaga. Crianas e adolescentes so empregados em atividades penosas, insalubres e de alto risco, como nas carvoarias e em colheitas agrcolas, nas ruas das cidades como engraxates e vendedores de pequenos artigos e, na economia subterrnea da informalidade, em atelis que produzem para grandes empresas e grifes famosas, principalmente nos setores de confeco e calados .Np Brasil, segundo os dados do censo de 2010, havia 3,4 milhes de crianas em condies laborais, o que representava um recuo em relao a cifras anteriores. Segundo a PNAD (Pesquisa nacional por Amostra de Domiclios) de 2007, 4,8 milhes de crianas entre 5 e 17 anos estavam trabalhando. Essa reduo resulta de polticas pblicas de enfrentamento ao trabalho infantil implantadas no nosso pas, que fazem do Brasil o pas com a maior taxa de reduo de trabalho nessa faixa etria. O trabalho infantil se mantm sustentado por interesses poderosos, que se valem dos timos resultados de sua explorao. Trabalhadores infantis e adolescentes recebem (quando recebem) salrios menores, so mais facilmente manipulados e controlados, tm menor capacidade de articulao e de resistncia coletiva contra a explorao a que so submetidos. Mas, em determinados contextos, o trabalho infantil promovido e defendido pela prpria famlia. Na falta de oferta de alternativas educacionais, culturais e de lazer, de cuidados com os imaturos, os pais foram o emprego de seus filhos menores, com o argumento de que assim prefervel a deix-los na rua merc de ms influncias. O trabalho , ento, entendido como um princpio educativo e de disciplinamento, substituindo a escola. Mas , tambm, uma forma de explorao, na medida em que os pequenos so obrigados a contribuir com a manuteno da famlia.A histria de Gavino apenas a verso pessoal de uma tragdia ainda existente no mundo, submetendo crianas a trabalhos rduos, penosos, deixando-os fora da escola, roubando-lhes a infncia e negando-lhes qualquer perspectiva de uma vida melhor. O personagem do filme/livro conseguiu superar essas adversidades, mas pode-se considera-lo a exceo de um regra impiedosa ainda vigente em larga escala.