dissertaÇÃo de mestrado. a reportagem jornalística no jornal do brasil
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CONCEIO APARECIDA KINDERMANN
A REPORTAGEM JORNALSTICA NO JORNAL DO BRASIL: DESVENDANDO AS VARIANTES DO GNERO
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Cincias da Linguagem como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Cin-cias da Linguagem.
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Dr. Adair Bonini
TUBARO, 2003
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CONCEIO APARECIDA KINDERMANN
A REPORTAGEM JORNALSTICA NO JORNAL DO BRASIL: DESVENDANDO AS VARIANTES DO GNERO
Esta dissertao foi julgada adequada obteno do grau de Mestre em Cincias
da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Cincias da Lin-
guagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Tubaro SC, 21 de outubro de 2003.
______________________________________________________
Prof. Dr. Adair Bonini Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL
______________________________________________________
Prof. Dra. Bernardete Biasi Rodrigues Universidade Federal do Cear UFC
Prof. Dr. Fbio Jos Rauen Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
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DEDICATRIAS
Dedico este trabalha vida, pois sem ela, tudo seria nada.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus cuja existncia um mistrio, porm, a vida sempre uma ddiva. Agradeo ao meu querido Prof. Dr. Adair Bonini pelo carinho, pacincia e competncia com que me orientou na elaborao deste trabalho e com quem tive oportunidade de conviver e muito aprender. Muito...
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EPGRAFE
Para ser grande, s inteiro Nada teu exagera ou exclui
S todo em cada coisa. Pe quanto s
No mnimo que fazes. Assim em cada lago
A lua toda brilha, Porque alta vive.
Ricardo Reis
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RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo levantar as caractersticas da reportagem no Jornal do Bra-sil, visando a determinar as variantes do gnero e sua funo no jornal. Para isso, foram analisadas 32 reportagens veiculadas entre os dias 10 e 16 de janeiro de 2000 em quatro cadernos: Brasil, Internacional, Poltica e Cidade. A fundamentao terica est apoiada na perspectiva scio-retrica de anlise de gneros (Swales, 1990). A metodologia adotada a mesma proposta por Bonini (2001) no projeto Os gneros do jornal: as relaes entre g-nero textual e suporte, do qual a presente pesquisa faz parte. Tal metodologia prev dois nveis de anlise: macroestrutural (do jornal para os gneros) e microestrutural (dos gneros para o jornal). Em qualquer um destes nveis so considerados trs focos de ateno: a lite-ratura do meio, a estrutura textual e os aspectos pragmticos. Em termos da presente pes-quisa, realizou-se uma microanlise do gnero. A anlise do corpus revelou quatro subg-neros: reportagem de aprofundamento da notcia, reportagem a partir de entrevista, reporta-gem de pesquisa e reportagem retrospectiva.
Palavras-chave: gnero textual, discurso, reportagem
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ABSTRACT
The objective of the present research is to raise the characteristics of the report on Jornal do Brasil, trying to determine the genre variants and their function on the newspaper. In order to do it, 32 reports issued from January 10th to January 16th, 2000 were analyzed. These reports were in four different sections of the newspaper: Brazil, International, Politics and City. The theoretical background is supported by the social-rethoric perspective of genre analysis (Swales, 1990). The methodology adopted is the same proposed by Bonini (2001) in the project Newspaper genres: the relations between text genre and vehicle, of which the present research is part of. Such methodology foresees two levels of analysis: macrostructure (from newspaper to genres) and microstructure (from genres to newspaper). There are three focus of attention considered in any of these levels: the literature of the mean, the text structure and the pragmatic aspects. Also, a microanalysis of the text has been conducted in this research. The corpus analysis revealed four sub-genres: news deepening report, report from the interview, research report and retrospective report.
Keywords: genre, discourse, news reporting.
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SUMARIO
1
INTRODUO ................................................................................................................................... 10
2
REVISO TERICA.......................................................................................................................... 13
2.1 ALGUMAS
CONCEPES
DE
GNERO................................................................................... 15 2.1.1 Bakhtin .................................................................................................................................... 15 2.1.2 Swales...................................................................................................................................... 18 2.1.3 Bhatia...................................................................................................................................... 27
2.2 GNERO
JORNALSTICO.......................................................................................................... 30 2.2.1 Categorias jornalsticas ........................................................................................................... 37 2.2.2 Reportagem.............................................................................................................................. 38 2.2.3 Reportagem versus notcia ....................................................................................................... 42
3
METODOLOGIA................................................................................................................................ 48
3.1 TIPO DE ESTUDO ...................................................................................................................... 48 2.2 DESCRIO
DO
CORPUS
DA
PESQUISA................................................................................. 52 3.2.1 Procedimentos de coleta........................................................................................................... 52
3.3 PROCEDIMENTOS DE ANALISE............................................................................................ 54 4
ANLISE DOS DADOS...................................................................................................................... 55
4.1 CARACTERIZACAO DA ESTRUTURA
GENRICA................................................................. 55 4.1.1 Reportagem de aprofundamento da notcia............................................................................... 56 4.1.1 Reportagem a partir de entrevista............................................................................................. 69 4.1.2 Reportagem de pesquisa........................................................................................................... 77 4.1.3 Reportagem de retrospectiva .................................................................................................... 85
4.2 CIRCULACAO DO GENERO REPORTAGEM NO JORNAL..................................................... 91 4.3 RELACAO ENTRE GENERO E COMUNIDADE DISCURSIVA................................................ 93
5
CONSIDERAES FINAIS............................................................................................................... 97
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................................................... 101 ANEXO A - REPORTAGEM DE APROFUNDAMENTO DA NOTICA (RAN)....................................... 104 ANEXO B - REPORTAGEM DE PESQUISA (RPE).................................................................................... 120 ANEXO C - REPORTAGEM A PARTIR DE ENTREVISTA (REN)......................................................... 127 ANEXO D - REPORTAGEM RETROPESCTIVA (RRE)........................................................................... 135
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LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1 Freqncia e percentual dos subgneros do gnero reportagem no corpus: .......... 56 Tabela 2 Freqncia e percentual dos movimentos (RAN) ................................................ 60 Tabela 3 Demonstrativo das ocorrncias de passos (RAN): ............................................... 61 Tabela 4 Resultados dos movimentos (REn):..................................................................... 69 Tabela 5 Demonstrativo das ocorrncias de passos (REn): ................................................ 71 Tabela 6 Resultados dos movimentos (Rpe): ..................................................................... 77 Tabela 7 Demonstrativo de ocorrncias de passos (RPe): .................................................. 79 Tabela 8 Resultados dos movimentos (RRe):..................................................................... 85 Tabela 9 Demonstrativos das ocorrncias de passos (RRe): ............................................... 86 Tabela 10 Freqncia e percentual dos subgneros da reportagem em funo dos Cadernos
do Jornal do Brasil:...................................................................................................... 91
Quadro 1 Modelo CARS (SWALES, 1990, p. 141). ........................................................... 27 Quadro 2 Metodologia de Bhatia para estudo de gneros textuais (apud BONINI, 2002, cf.
BHATIA, 1993). .......................................................................................................... 50 Quadro 3 Metodologia de Bonini para o estudo dos gneros do jornal (BONINI, 2001c e
2002b).......................................................................................................................... 51 Quadro 4 Estrutura composicional da reportagem de aprofundamento da notcia (RAN) ... 57 Quadro 5 Reportagem de aprofundamento da notcia ........................................................ 59 Quadro 6 Estrutura composicional da reportagem a partir de entrevista (REn)................... 70 Quadro 7 Reportagem a partir de entrevista....................................................................... 72 Quadro 8 Estrutura composicional da reportagem de pesquisa (RPe)................................. 78 Quadro 9 Reportagem de pesquisa .................................................................................... 80 Quadro 10 Estrutura composicional da reportagem de retrospectiva (RRe)........................ 85 Quadro 11 Reportagem de retrospectiva (Rre).................................................................... 87 Quadro 12 Comparativo dos movimentos dos quatro subgneros da reportagem ............... 93
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1 INTRODUO
Embora as pesquisas sobre gneros textuais tenham se ampliado bastante nos l-
timos anos, h ainda muitos campos a serem explorados em termos da descrio e da compre-
enso de como funcionam os gneros especficos. Um destes campos o dos gneros jornals-
ticos. A maioria desses gneros no foram ainda discutidos e descritos em termos cientficos,
de modo que, devido carncia dessas informaes, torna-se difcil, por exemplo, para o pro-
fessor de lngua, trabalhar o gnero reportagem em sala de aula.
Afora a esta inexistncia de maiores estudos em termos de gneros jornalsticos
especficos, busca-se saber como os gneros jornalsticos se relacionam com o jornal. Neste
ltimo caso, percebe-se uma carncia de trabalhos que tratem a totalidade dos gneros que
compem o jornal (quantos so? como so?), e tambm do papel que estes gneros exercem
na estruturao do prprio jornal.
O objeto de estudo da presente pesquisa o gnero reportagem jornalstica. Em
relao a esse gnero, a literatura da rea jornalstica pouco clara e muitas questes perma-
necem por ser esclarecidas, tais como: o que caracteriza tal gnero? Como a reportagem se
apresenta nas diversas sees do jornal? Que relao se estabelece entre as variantes do gne-
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ro e o jornal como um todo? Ao tratar questes como essas, a presente pesquisa procurou con-
tribuir com o macroprojeto do qual faz parte, proposto por Bonini (2001c).1
A reportagem um dos principais gneros do jornal. Sua constituio como gne-
ro, contudo, no clara, de modo que as definies constantes nos manuais jornalsticos aca-
dmicos e de redao e estilo variam bastante, principalmente quanto s suas especificidades
estruturais e funcionais. Um breve olhar sobre o jornal nos revela variantes da reportagem e
mesmo momentos em que no muito fcil discerni-la da notcia.2 Uma questo que pode ser
pensada a partir dos dados da presente pesquisa se o gnero varia em cada seo do jornal
ou se existem subtipos que atravessam todas as sees do jornal. uma questo que, devido
ao tipo de comparao que pressupe, s pode ser investigada ao se analisar o gnero como
um componente do jornal (em termos de sua distribuio no jornal).
Na presente pesquisa, investigou-se o gnero reportagem a partir de sua distribui-
o no jornal. Neste sentido, buscou-se no s desvendar seu estatuto genrico (morfolgico e
funcional) como, em contribuio ao projeto de Bonini (2001c), tambm levantar o modo
como a reportagem funciona em relao ao jornal. Ou seja, nesta linha de reflexo, a reporta-
gem revelou ser tambm um mecanismo do jornal, entendido, neste caso, como um hiperg-
nero (congregao de gneros encaixados), termo proposto por Bonini (2001a). A reflexo foi
empreendida, desse modo, em dois nveis, macroestrutural (do jornal em relao ao gnero) e
microestrutural (do gnero em relao ao jornal), mas tomando este ltimo como central nesta
pesquisa.
1 PROJOR Projeto Gneros do jornal (As relaes entre gneros textuais e suporte). Tal projeto procura com-
preender a sistemtica de propsitos comunicativos e dispositivos textuais envolvidos na produo do jornal, tendo como objetivos: a) descrever a organizao textual do jornal e sua funo no meio em que produzido; b) descrever o funcionamento dos gneros na constituio do jornal; c) produzir um inventrio dos gneros do jornal; e d) descrever os gneros do jornal.
2 Na seo 2.2.3, sero tratadas algumas concepes dos gneros reportagem e notcia, com o intuito de trazer
algum esclarecimento sobre a distino entre esses dois gneros.
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interessante destacar que, do ponto de vista de sua relevncia, esta pesquisa toca
questes tericas, uma vez que tenta clarear o conceito de gnero textual (atravs da anlise
de exemplares de um gnero), e, ao mesmo tempo, contribui com a rea da lingstica aplica-
da ao ensino, pois busca produzir uma descrio coerente de um gnero (a reportagem do jor-
nal), que poder ser til ao trabalho didtico com a lngua.
Em termos gerais, os resultados do estudo podem ser aproveitados: i) nas refle-
xes sobre uma teoria dos gneros; ii) na compreenso do jornal como meio de comunicao
e como instncia enunciativa; iii) no entendimento do gnero reportagem a partir de uma
perspectiva lingstica; e iv) no desenvolvimento de atividades de ensino de produo textual,
leitura e anlise lingstica nos campos de ensino-aprendizagem de lnguas e de jornalismo.
Do ponto de vista de sua organizao, esta dissertao est dividida em cinco ca-
ptulos. No presente captulo, apresentou-se brevemente o tema da pesquisa. No segundo cap-
tulo, exposta a fundamentao terica na qual a pesquisa est apoiada. No terceiro captulo,
apresentada a metodologia, organizada em trs partes: tipo de estudo, descrio do corpus
da pesquisa e mtodo de anlise. No quarto captulo, apresenta-se a anlise dos dados, organi-
zada em trs partes, quais sejam: a caracterizao da estrutura genrica, a funo do gnero no
jornal e a relao entre gnero e comunidade discursiva. Por ltimo, no quinto captulo, con-
sideraes finais, so tecidas algumas consideraes gerais acerca do trabalho.
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2 REVISO TERICA
Pode-se observar, desde a Antigidade, uma preocupao com a delimitao e a
nomeao dos textos. De acordo com Bonini (2002a, p. 14), j no perodo clssico (Grcia
antiga) havia estudos sobre o tema, dos quais decorreu a viso sobre o que caracteriza um
texto: suas partes convencionais. Essas partes (ou categorias do texto), contudo, segundo Bo-
nini, eram descritas em abstrato, quase que margem do ato comunicativo e do contexto
social de ocorrncia.
Recentemente, a partir de Bakhtin (1953), comeou a se formar uma noo de g-
nero diferente, aplicada ao conjunto de produes verbais organizadas, como conversao,
artigo cientfico, resumo, notcia, etc. Nota-se uma crescente preocupao com a lngua en-
tendida como realizao do discurso, porque o uso que se faz da linguagem, uma vez que a
mesma constituda socialmente, faz-se obedecendo a modelos tambm constitudos social-
mente. Tais modelos se mostram necessrios tanto para a estruturao quanto para a compre-
enso do discurso.
Na Lingstica, ainda que o objeto de estudo seja a lngua (em todas as suas face-
tas), a preocupao com os mecanismos de textualizao e, portanto, com os gneros, somente
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aconteceu recentemente. Inicialmente (at a dcada dos 60), a preocupao no ia alm da
frase.
Com a lingstica textual (a partir de fins dos anos 60), ao se definir texto, abriu-
se espao para que tericos da linguagem, at ento voltados para a frase, abordassem a tipo-
logizao textual, entendendo-a (naquele momento) como um estudo do gnero textual. Essa
linha de estudos lingsticos, conforme Bernardez (1982), ainda hoje produtiva, procura des-
crever os textos a partir de critrios internos lngua, desenvolvendo, segundo Bonini
(2002a), categorias em que cada texto encaixado corresponde a um tipo.
Recentemente, afirma Bonini, vrias abordagens tericas tm dado um novo rumo
aos estudos relacionados ao texto, uma vez que partem de critrios externos lngua, tomando
como objeto central de estudo no mais os traos [...] caracterizadores do texto, mas o pro-
cesso que permite a existncia das identidades textuais. No h montagens de classificaes,
mas modelos explicativos (BONINI, 2002a, p. 56).
Estas novas abordagens procuram, ainda, estabelecer uma distino entre gneros
e seqncias textuais. Em termos panormicos, destacam-se duas vertentes, uma francesa,
representada por Adam (1992) e Bronckart (1997), entre outros, onde se tem certa filiao
noo de discurso francesa, e outra americana, representada por Swales (1990) e Bathia
(1993), entre outros, com uma inclinao para a anlise do discurso anglo-sax. O presente
trabalho atm-se ao escopo das discusses estabelecidas nesta segunda vertente, empregando,
assim, metodologia e epistemologia relacionadas a este campo.
Como ponto de partida, ento, tomam-se os trabalhos de Swales e de Bhatia. Swales
(1990), ao tratar a linguagem como forma de ao entre sujeitos, marcada socialmente, chega ao
conceito de comunidade discursiva e, inevitavelmente, ao de gnero. Emprega, em sua investiga-
o sobre os gneros textuais, tanto critrios gerais, pragmticos, retricos e discursivos, quanto
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critrios estruturais, ao trabalhar com movimentos e passos.3 Bhatia (1993) aplica os mesmos cri-
trios de Swales, produzindo, contudo, certa reformulao na noo de gnero.
Com relao ao gnero jornalstico, mais especificamente o gnero reportagem,
existem poucos trabalhos de descrio com abordagem terica neste campo. Segundo Bonini
(2001b; 2002c), praticamente inexistem trabalhos que estabeleam correlaes entre gneros
ou que tratem do jornal como um todo. Para o autor, a partir do estudo do processo de textua-
lizao do jornal, pode-se depreender aspectos de seu funcionamento como um hipergnero
(ou seja, como um gnero geral que agrupa outros gneros e que tem, tambm, a funo de
suporte) e, ao mesmo tempo, pode-se determinar o funcionamento dos gneros especficos (os
gneros dentro do jornal).
Quanto a trabalhos especficos da rea do jornalismo, o gnero reportagem pen-
sado (e s vezes at normatizado) em alguns textos tericos (LAGE, 1979, 1993, 2001; ME-
LO, 1985), em manuais didticos, como o de Bahia (1990), e em manuais de redao, como
os da Folha de S. Paulo (1987), do Globo (1992) e do Estado de S. Paulo (1990).
2.1 ALGUMAS CONCEPES DE GNERO
2.1.1 BAKHTIN
Um dos trabalhos que continua sendo discutido em estudos atuais, principalmente
por considerar a enunciao e, dessa forma, tratar a produo verbal relacionada ao contexto
social do enunciado, o de Bakhtin (1953).
3 Para o autor, movimentos so blocos discursivos organizados a partir da funo retrica a ser desempenhada, e po-
dem ser divididos em passos, opcionais ou no.
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Mikhail Bakhtin considera que a lngua, por ser scio-histrica, materializa-se en-
tre indivduos socialmente organizados que produzem enunciaes, produtos da interao
locutor-ouvinte. Neste sentido, a interao verbal um trao fundamental da lngua que s se
realiza (e s tem existncia de fato) nas enunciaes.
O uso da lngua, para este autor, est relacionado com as diversas atividades hu-
manas. A lngua se realiza em enunciados concretos e nicos. Esses enunciados, embora ni-
cos, refletem as esferas de comunicao e caracterizam-se por trs dimenses constitutivas: o
contedo temtico, o estilo e a construo composicional. Dessa forma, uma vez que os gne-
ros so entendidos por Bakhtin como tipos de enunciados marcados pelas esferas de utilizao
da lngua, eles tambm so caracterizados por estas dimenses.
Assim, por perceber que as situaes de comunicao exercem influncia no fun-
cionamento da lngua, organizando conseqentemente diferentes tipos de textos, Bakhtin de-
senvolve o conceito de gnero de discurso. Para ele: Qualquer enunciado considerado isol a-
damente , claro, individual, mas cada esfera de utilizao da lngua elabora seus tipos relati-
vamente estveis de enunciados, sendo isso que denominaremos de gnero do discurso
(BAKHTIN, 1953, p. 279 grifo meu).
Bakhtin (1953) no prope uma tipologia classificatria dos gneros. Apenas dis-
tingue gnero do discurso primrio (simples) de gnero do discurso secundrio (complexo). O
gnero secundrio aparece, conforme o autor (p. 281), em circunstncias de uma comunicao
cultural mais complexa e, sobretudo, escrita, sendo dele exemplos: os romances, as pesquisas
cientficas, o jornal, etc. O primrio, por sua vez, est relacionado s situaes de comunica-
o imediatas e orais, como as conversas com amigos, as despedidas, etc. No seu processo de
formao, os gneros secundrios absorvem e re-elaboram os gneros primrios, os quais dei-
xam de ter relao imediata com a realidade. Por exemplo, um dilogo familiar, ao ser inseri-
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do em um romance, perde a relao com a vida cotidiana, passando para a vida literrio-
artstica.
Essa distino entre gneros primrios e secundrios, de acordo com Bakhtin
(1953), tem grande importncia terica, pois a natureza complexa dos enunciados deve ser
elucidada a partir da anlise de ambos os tipos de gneros.
A comunicao verbal acontece atravs de enunciados e esses enunciados tm
comeo e fim pela alternncia do sujeito falante. Bakhtin concebe a orao como unidade da
lngua e o enunciado como unidade da comunicao verbal. Como unidade da lngua, a ora-
o no marcada pela alternncia de sujeitos, no capaz de provocar atitude responsiva do
outro locutor. Diz o autor: As pessoas no trocam oraes, assim como no trocam palavras
(numa acepo rigorosamente lingstica), ou combinaes de palavras, trocam enunciados
constitudos com a ajuda de unidades da lngua palavras, combinaes de palavras, oraes
[...] (idem, p. 297).
A alternncia de sujeitos falantes apresenta-se tanto no dilogo como tambm em
outras esferas da comunicao verbal. Nas obras escritas h essa alternncia, pois o au-
tor/locutor imprime sua viso de mundo, sua individualidade e espera a apreciao por parte
do leitor.
Bakhtin aponta trs particularidades constitutivas do enunciado: i) a alternncia
dos sujeitos falantes, compondo o contexto do enunciado; ii) o acabamento do enunciado; e
iii) formas estveis do gnero do enunciado. Para que haja a alternncia de sujeitos necess-
rio o acabamento, ou seja, [...] o locutor disse (ou escreveu) tudo o que queria dizer num
preciso momento e em condies precisas (idem, p. 299) . Compreende-se o querer-dizer do
locutor e, devido a isso, percebe-se o acabamento do enunciado. por existir o acabamento
que h a possibilidade de resposta.
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Neste sentido, tambm, o locutor concretiza o querer-dizer pela escolha de um
gnero do discurso. A comunicao verbal acontece moldada nos gneros, independentemente
de quaisquer conhecimentos tericos que os interlocutores possam ter sobre eles, pois um
conhecimento moldado na prtica. O gnero dita aos usurios da lngua suas regras, limites e
abrangncias. Adquire-se a lngua materna ouvindo-se e reproduzindo-se enunciados durante
a comunicao verbal e, conjuntamente, os vrios tipos desses enunciados, ou seja, os gneros
do discurso. Cada usurio possui o conhecimento dos gneros utilizados em sua comunidade
discursiva, mesmo que no seja de forma explcita; e tem conhecimento suficiente para reco-
nhecer, diferenciar os gneros que domina e, assim, escolher um gnero apropriado em rela-
o situao de comunicao que est vivendo, de acordo com seus objetivos e necessida-
des.
2.1.2 SWALES
Em seus estudos, Swales (1990, 1992) visualiza o gnero como uma forma de le-
var os alunos, falantes nativos ou no do ingls, a desenvolver competncia comunicativa
acadmica. Isto se deve ao fato de o gnero ser parte do funcionamento comunicativo (scio-
retrico) dos indivduos. Para mapear o modo como o texto funciona na comunicao, Swales
recorre a trs conceitos, comunidade discursiva, gnero e tarefa, entendendo o primeiro
como uma forma de discutir as dimenses relativas ao papel e ao contexto do texto e, os dois
ltimos, em conjunto, como um modo de discutir a natureza propriamente do gnero.
Para Swales (1990, p. 9), comunidades discursivas so redes scio -retricas que
se formam com a finalidade de atuar em torno de objetivos em comum. Membros de comu-
nidades discursivas possuem familiaridade com os gneros particulares usados para alcanar
objetivos. Os gneros no pertencem a indivduos, mas a comunidades discursivas. Swales
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apresenta o gnero como classe de eventos comunicativos, com caractersticas estveis, cujo
nome conhecido na comunidade, etc. Assim, entende-se gneros como elementos de intera-
o utilizados por uma comunidade discursiva para alcanar propsitos comunicativos.
Tarefa, para Swales, um conjunto de atividades diferenciadas que se relacionam
aquisio de gneros para uma determinada situao. A aquisio de habilidades de gnero
depender do conhecimento prvio do membro da comunidade. Esse conhecimento prvio de
mundo vai dar origem ao conhecimento do contedo, dos esquemas de textos anteriores, re-
sultando em um esquema formal.
Para que o propsito comunicativo de uma determinada manifestao lingstica
seja realizado, para o autor, entram em jogo trs elementos-chave, quais sejam: comunidade
discursiva, gnero e tarefa. O propsito comunicativo orienta as atividades de linguagem da
comunidade discursiva e tambm vai definir o prottipo para a identificao do gnero, ope-
rando como determinante principal da tarefa.
Conforme o autor, nem todas as comunidades sero comunidades discursivas, e
tambm nem toda atividade discursiva importante para o fortalecimento das comunidades
discursivas. Para que surja uma comunidade discursiva no basta que seus membros comparti-
lhem o mesmo objeto de estudo, procedimento comum, conveno discursiva, embora a com-
binao de alguns ou de todos esses elementos possa ser suficiente para isso.
Desta forma, Swales faz uma distino entre comunidade de fala e comunidade
discursiva. Uma variedade de critrios tem sido adotada para definir comunidade de fala. No
perodo pr-sociolingstica variacionista, entendia-se por comunidade de fala um conjunto de
membros que compartilhavam regras lingsticas. Posteriormente, Labov (1966, apud SWA-
LES, 1990) enfatiza o emprego da noo de normas compartilhadas no lugar de caracter s-
ticas de atuaes compartilhadas. H tambm tericos que adotam critrios de padro no uso
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da linguagem, de modo que comunidade de fala entendida como grupo de indivduos que
compartilham regras funcionais. Outros tambm vo entender a comunidade de fala mediante
o compartilhar de conhecimentos de regras para conduta e interpretao da fala.
Swales (1990) aponta razes para que haja uma distino entre comunidade de fa-
la e comunidade discursiva, entre elas, a de que as comunidades de fala, quanto estrutura da
sociedade, so centrpetas (tendem a absorver as pessoas para dentro daquela sociedade) e as
comunidades discursivas so centrfugas (tendem a separar as pessoas em grupos ocupacio-
nais ou de interesse de especialidade). Para definir comunidade discursiva, o autor prope seis
caractersticas, quais sejam (conforme SWALES, 1990):
a) possui um conjunto de objetivos pblicos comuns amplamente aceitos; b) possui mecanismos de intercomunicao entre seus membros; c) usa mecanismos de participao principalmente para prover informao e feed-
back; d) utiliza e portanto possui um ou mais gneros para a realizao comunicativa de
seus objetivos; e) tem desenvolvido um lxico especfico; f) admite membros com um grau adequado de conhecimento relevante e percia
discursiva.
Em seu texto de 1992, Swales, acatando as crticas endereadas a este modo de
descrever as comunidades discursivas, rev tais critrios. Acata a idia de que a participao
individual relevante na configurao das comunidades discursivas e que os indivduos no
participam de uma nica comunidade, mas de vrias. Acata tambm a idia de que as comu-
nidades discursivas, via desejos e propsitos individuais, esto voltadas para o novo. Ou seja,
tentando dar conta de uma realidade mais complexa do que a visualizada em seu trabalho
clssico de 1990, e reconhecendo que seu exemplo da comunidade de colecionadores de selos
no era o padro de todas as comunidades discursivas, Swales (1992) reformula os critrios,
expressando-os da seguinte forma:
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a) uma comunidade discursiva possui um conjunto perceptvel de objetivos. Esses objetivos podem ser formulados pblica e explicitamente e tambm ser no todo ou em parte estabelecidos pelos membros, podem ser consensuais, ou podem ser distintos mas relacionados (velha e nova guardas; pesquisadores e clnicos, como na conflituosa Associao Americana de Psicologia);
b) uma comunidade discursiva possui mecanismos de intercomunicao entre seus membros. (No houve mudana neste ponto. Sem mecanismos, no h comu-nidade);
c) numa comunidade discursiva usa mecanismos de participao para uma srie de propsitos: para prover o incremento da informao e do feedback, para canali-zar a inovao; para manter os sistemas de crenas e de valores da comunidade, e para aumentar seu espao profissional;
d) uma comunidade discursiva utiliza uma seleo crescente de gneros no alcan-ce de seu conjunto de objetivos e na prtica de seus mecanismos participativos. Eles freqentemente formam conjuntos ou sries;
e) uma comunidade discursiva j adquiriu e ainda continua buscando uma termi-nologia especfica;
f) uma comunidade discursiva possui uma estrutura hierrquica explcita ou im-plcita que orienta os processos de admisso e de progresso dentro dela.
Conforme Hemais e Biasi-Rodrigues (2002), em seus trabalhos mais recentes,
Swales rev a centralidade da noo de propsito para a identificao do gnero e da comuni-
dade discursiva. O autor passa a ver o propsito como um elemento dinmico, inserido em um
processo social mais amplo. Para identificar os propsitos, quase sempre com certa impreci-
so, preciso observar a comunidade discursiva como um todo e o conjunto dos gneros des-
sa comunidade, ambos ancorados em um processo scio-histrico mais amplo. As comunida-
des discursivas tambm so encaixadas umas dentro das outras, de modo que sua identifica-
o se faz mediante recorte e no segmentao.
Ainda em Genre Analyses, Swales (1990) procura produzir um conceito de gne-
ro. Com a inteno de esclarecer o que gnero e, ao mesmo tempo, selecionar elementos
para o seu conceito, o autor aponta como algumas reas o concebem: o folclore, os estudos
literrios, a lingstica e a retrica.
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Segundo o autor, o conceito de gnero tem sido explorado nos estudos folclricos
desde o sculo dezenove. Para Swales (1990), importante atentar, nesses estudos, para o
modo como se classificam os gneros. Uma histria pode ser classificada como mito ou lenda.
comum nesse trabalho classificatrio considerar gneros como tipos ideais e no textos re-
ais. Estes, por sua vez, podem se desviar do ideal. Alm dessa viso classificatria de gnero,
h uma outra abordagem que v o gnero como forma. Mitos e lendas, ao longo da histria,
mantm suas estruturas inalteradas. O que muda o papel de tais textos na sociedade. Swales
(1990, apud HEMAIS e BIASI-RODRIGUES, 2002) aponta algumas lies decorrentes dos
folcloristas: a) a categorizao conveniente em termos de arquivo; b) a comunidade percebe
e entende gneros discursivos como meios para uma finalidade qualquer; e c) a percepo que
a comunidade tem sobre como interpretar um texto muito valiosa para o analista de gnero.
Nos estudos literrios, os tericos no primam pela estabilidade, visto que o texto
literrio deve buscar a originalidade. Todorov (1976, apud SWALES, 1990) considera que,
embora um trabalho literrio transgrida um gnero, no significa que esse gnero desaparea.
Para Todorov, um novo gnero sempre resultante de uma transgresso de um gnero antigo.
Fowler (1982, apud SWALES, 1990) aponta que o conhecimento de gneros literrios im-
portante para o autor, na sua criao literria, oferecendo ainda a esse autor um desafio ir
alm das limitaes de exemplos prvios. Para Todorov e Fowler, conforme Swales (1990), os
gneros so conjuntos de eventos-chave e codificados dentro de processos comunicativos so-
ciais.
Quanto aos estudos lingsticos, Swales faz algumas consideraes sobre gneros
a partir de vrios tericos, entre eles Martin. Para este autor (1985, apud SWALES, 1990), os
gneros so percebidos atravs de registros. Para explicar registro, Swales cita Gregory e Car-
roll (1978), que o definem como uma categoria contextual que correlaciona agrupamentos de
caractersticas lingsticas com caractersticas situacionais recorrentes.
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23
Para Couture (1986, apud SWALES, 1990), o registro atua nos nveis lingsticos
(vocabulrio e sintaxe), representando escolhas estilsticas, enquanto o gnero atua no nvel
de estrutura de discurso. Assim, devem ser entendidos separadamente.
As contribuies da lingstica para o estudo do gnero, segundo Swales, esto re-
lacionadas ao destaque dado aos: (a) gneros como tipos de eventos comunicativos de meta
direcionada; (b) gneros como tendo estruturas esquematizadas; e, mais recentemente, (c)
gneros como desassociados de registros ou de estilos (1990, p. 42).
Na retrica, os pesquisadores se interessam pela classificao do discurso desde a
poca de Aristteles. Kinneavy (1971, apud SWALES, 1990, p. 42) classifica o discurso em:
expressivo (centrado no emissor), persuasivo (centrado no receptor), literrio (centrado na
forma lingstica) e referencial (centrado na representao da realidade do mundo).
Miller (1984, apud Swales, 1990) afirma que uma definio retrica de gnero
deve estar centralizada no na substncia ou forma do discurso, mas na ao em que uma de-
finio usada. Miller, desse modo, sugere: O que ns aprendemos quando aprendemos um
gnero no apenas um padro formal ou mesmo um mtodo para conquistar nossos objeti-
vos. Ns aprendemos (o que mais importante) quais finalidades podemos alcanar [...]
(1984, apud SWALES, 1990, p. 44).
Os analistas de gnero, na retrica, segundo Swales, contribuem essencialmente
para o seu conceito de gnero. Para ele, o trabalho de Miller reafirma o conceito de gnero
como forma de ao social.
Depois de se valer destas quatro reas para clarear a noo de gnero (folclore, es-
tudos literrios, lingstica e retrica), Swales, no sentido de produzir uma definio de gne-
ro, estabelece algumas caractersticas:
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a) um gnero uma classe de eventos comunicativos. O evento comunicativo entendido como um ajuste no s entre o discurso e seus participantes mas tambm o papel deste discurso e o meio de sua produo e recepo, com as-sociaes histricas e culturais;
b) o que transforma um conjunto de eventos comunicativos em um gnero um conjunto compartilhado de propsitos comunicativos. Se um evento comuni-cativo o discurso situado, com caractersticas scio-histricas, um conjunto desses eventos, com objetivos compartilhados para um determinado fim, cons-tituir-se- em um gnero;
c) exemplares de gneros variam em sua prototipicidade; d) o conjunto de razes (rationale) que subjazem um gnero estabelece limites
quanto a probabilidades em termos de seu contedo, posicionamento e forma; e) a nomenclatura dos gneros que a comunidade discursiva estabelece uma
importante fonte de intuies para a definio do gnero.
Os membros de uma determinada comunidade discursiva empregam gneros para
a realizao de seus objetivos. Os propsitos compartilhados de um gnero so reconhecidos
pelos membros da comunidade discursiva, podendo ser reconhecidos parcialmente pelos
membros aprendizes e, ainda, podendo ser ou no reconhecidos por no-membros. Este reco-
nhecimento dos propsitos prov um conjunto de razes (rationale), ou um sistema lgico-
funcional subjacente, que faz surgir convenes restritivas. Estas razes determinam a estrutu-
ra do discurso e limitam as escolhas lexicais e sintticas.
Membros de uma comunidade discursiva que operam profissionalmente com um
gnero podem ter maior conhecimento de seu sistema de razes, ao contrrio daqueles que
pouco se envolvem com ele. Membros especialistas de comunidades discursivas tendem a ter
maior experincia especfica quanto aos gneros.
Swales (1990, p. 58), ento, afirma que:
Um gnero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propsitos comunicativos. Estes propsitos so reconheci-dos pelos membros especialistas da comunidade discursiva de origem e, portanto, constituem o conjunto de razes (rationale) para o gnero. Estas razes moldam a estrutura esquemtica do discurso e influenciam e limitam (constrains) a escolha de contedo e de estilo.
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Para o autor, nem todos os eventos comunicativos so considerados exemplos de
gneros. Dessa forma, a conversao casual/bate-papo (pela sua prpria natureza de ocorrer
livremente, fora de instituies) e a narrativa comum (por pertencer comunidade de fala e
no comunidade discursiva) no so exemplos de gneros, mas formas pr-genricas.
Cabe ressaltar que, ao definir pr-gnero, Swales (1990) coloca em evidncia o fato
de que, para ser considerado um gnero, no suficiente que o exemplar corresponda a um e-
vento comunicativo, mas (e principalmente) que seja caracterstico de uma comunidade discur-
siva.
De acordo com o propsito comunicativo de uma determinada comunidade dis-
cursiva, os gneros variam, indo desde uma simples receita a uma palestra poltica complexa.
Podem variar tambm quanto ao modo pelo qual so expressos (escritos ou falados) e ainda
quanto ao tratamento dado ao leitor.
Segundo Widdowson (1979, apud SWALES, 1990, p. 62), o escritor, ao escrever,
faz julgamentos sobre possveis reaes do leitor. Para que o texto possa ser entendido, dialo-
ga com seu interlocutor.
Para Swales, h textos, como receitas, em que a no considerao do leitor pode
produzir problemas de entendimento, por isso, nestes textos, o leitor deve ser levado em con-
siderao. Mas, existem, tambm, certos gneros, geralmente escritos, como a lei e outras
escritas reguladoras, bem como os tratados de filosofia, em que o leitor no essencialmente
levado em considerao.
Entretanto, neste ponto, h que se discordar de Swales, pois em qualquer exemplar
de um gnero, o leitor considerado. Em uma lei, por exemplo, o leitor levado em conside-
rao, mas o papel da leitura diferente. No se trata de ler para aprender algo, ou para se
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manter informado, mas para estar ciente dos princpios regulamentares institucionalmente
determinados. O texto da lei no permite imprecises e metforas, pois ela no prev uma
discusso ou alterao imediatas, mas uma aplicao.
Aps definir gnero, comunidade discursiva e tarefa, Swales (1990) parte para
uma explicao do modo como a estrutura genrica se constitui, pois a partir desta estrutura
que o gnero se concretiza. Para isso, Swales esquematizou a estrutura da introduo em arti-
gos cientficos, utilizando os termos movimento (move) e passo (step) para a anlise das uni-
dades de informao que podem ser identificadas/delimitadas no texto. Entende por movi-
mentos blocos discursivos obrigatrios que so organizados a partir da funo retrica a ser
desempenhada, e que podem ser divididos em passos, opcionais ou no.
Os conjuntos de movimentos e de passos, moldados pelo propsito comunicativo,
formam blocos textuais de informaes que vo caracterizar a estrutura interna de um dado g-
nero.
O autor trata os gneros tanto em suas dimenses pragmticas quanto em suas
dimenses estruturais, contribuindo para uma noo de gnero capaz de dar conta dos proces-
sos lingsticos socialmente utilizados.
Swales (1990) d o nome de CARS (Creating a research space) ao modelo resultan-
te da anlise de introdues de artigos de pesquisa. A estrutura retrica do gnero assim apre-
sentada:
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Move 1 Estabelecendo um territrio S1 Alegando centralidade e/ou S2 Fazendo generalizao(es) Tpica(s) e/ou Diminuindo o S3 Revisando itens de pesquisas prvias esforo retrico Move 2 Estabelecendo um nicho S1A Contra-argumentando ou
S1B Indicando uma lacuna ou
S1C Levantando questes Enfraquecendo ou alegaes de S1D Continuando uma tradio conhecimento Move 3 Ocupando o nicho S1A Delineando os propsitos ou
S1B Anunciando a presente pesquisa S2 Anunciando as descobertas principais S3 Indicando a estrutura do AP Aumentando explicitaes
Quadro 1 Modelo CARS (SWALES, 1990, p. 141).
Vrios pesquisadores j testaram esse modelo de organizao das informaes
proposto por Swales, principalmente na anlise de gneros acadmicos. No Brasil, temos al-
guns pesquisadores, como Biasi-Rodrigues (1998) que aplicou esse modelo com resumos de
dissertaes de mestrado. Quanto ao gnero jornalstico, pode-se citar Silva (2002), que, apli-
cando o modelo CARS, apresenta uma distino entre notcia e reportagem.
2.1.3 BHATIA
Bhatia (1993), ao abordar gneros, parte da proposta de Swales, porm diferente-
mente deste, que atribui o mesmo status aos elementos envolvidos (estrutura composicional,
propsito comunicativo, comunidade discursiva), passa a priorizar um destes elementos, o
propsito comunicativo.
Para definir gnero, Bhatia (1993) parte da definio proposta por Swales (1990):
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um evento comunicativo reconhecvel, caracterizado por um conjunto de propsi-to(s) comunicativos identificados e mutuamente compreendidos pelos membros da comunidade profissional ou acadmica na qual ele regularmente ocorre. Mais fre-qentemente, ele altamente estruturado e convencionalizado com limitaes sobre contribuies permissveis em termos de seu intento, posicionamento, forma e valor funcional. Essas limitaes, entretanto, so freqentemente exploradas pelos especi-alistas membros da comunidade discursiva a fim de alcanar intenes particulares dentro da estrutura dos propsitos reconhecidos. (apud BHATIA, 1993, p. 13)
Essa definio de Swales, para Bhatia, apresenta vrios aspectos que devem ser
ampliados:
a) o que caracteriza, principalmente, a natureza e a construo de um gnero o propsito comunicativo. Qualquer mudana significativa no propsito comu-nicativo resultar em um gnero diferente, e mudanas menos significativas, em um sub-gnero;
b) quanto ao gnero ser estruturado e convencionalizado, Bhatia acrescenta que isso ocorre por ser o resultado cumulativo de experincias de membros de uma dada comunidade discursiva o que define o gnero, dando a ele uma estrutura interna convencional;
c) em relao s realizaes permitidas em termos de inteno, posicionamento, forma e valor funcional, para o autor, so praticamente obrigatrias. Embora os membros de uma comunidade discursiva tenham liberdade para usar quais-quer recursos lingsticos, devem estar dentro de certas prticas padronizadas de um gnero em particular. Por esta razo que uma carta comercial se dis-tingue de uma carta pessoal, por exemplo. Uma combinao genrica inapro-priada reconhecida como estranha para qualquer usurio da lngua, no s para membros da comunidade especfica;
d) por possurem conhecimentos do propsito convencional, da construo e do uso de gneros especficos, membros de uma comunidade discursiva profis-sional ou acadmica podem, dessa forma, explorar tais conhecimentos para e-feitos especiais.
Para uma investigao compreensiva de qualquer gnero, Bhatia (1993) sugere se-
te passos a serem seguidos:
a) localizao de dado gnero textual em um contexto situacional; b) levantamento da literatura existente sobre o assunto; c) refinamento da anlise contexto-situacional; d) seleo do corpus; e) estudo do contexto institucional; f) nveis de anlise lingstica; g) informao de especialistas da comunidade discursiva.
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Bhatia, para desenvolver sua anlise de identificao e descrio de um gnero,
baseia-se nesses sete passos, enfocando o propsito comunicativo. Ao tratar do nvel lings-
tico, Bhatia (1993) prope uma subdiviso: i) anlise de caractersticas lxico-gramaticais
esta anlise est relacionada a fatores lingsticos predominantemente usados em um determi-
nado gnero do qual o texto um exemplar; ii) anlise de padronizao textual est relacio-
nada funo desempenhada pelos elementos lxico-gramaticais em um gnero; e iii) inter-
pretao estrutural do gnero enfoca os aspectos cognitivos de organizao textual. Neste
nvel, busca-se descobrir regularidades de organizao e estruturao de um gnero.
Bhatia discute o estudo que realizou com dois gneros: as cartas promocionais e
cartas de pedido de emprego. Este ltimo compreende um pedido de emprego, promovendo as
caractersticas da pessoa que aspira ao cargo. O primeiro compreende um tipo de texto cujo
objetivo alavancar as vendas de um produto (de um curso de treinamento em finanas para
gerentes, por exemplo).
O autor aponta uma diferena entre esses dois tipos de carta, as causas que as le-
varam a ser produzidas. A primeira, o pedido de emprego, uma resposta a um anncio. A
segunda, promoo de vendas, no foi solicitada pelo destinatrio.
O propsito compartilhado fundamental para a realizao das cartas. Bhatia as-
sim identifica os movimentos nas duas cartas analisadas:
a) estabelecimento de credenciais; b) introduo de oferta:
i) oferecimento do produto ou servio; ii) detalhamento da oferta; iii) identificao do valor da oferta;
c) oferecimento de incentivos; d) incluso de documentos; e) solicitao de resposta;
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30
f) uso de tticas de presso; g) encerramento com expresso de polidez.
As duas cartas, carta de vendas promocionais e carta de pedido de emprego, so
consideradas por Bhatia como sendo um gnero promocional. Assim, o que vai caracterizar
essas cartas como dois subgneros4 o propsito comunicativo compartilhado pelos indiv-
duos ao executarem papis definidos e pr-moldados em eventos comunicativos: no caso ana-
lisado por Bhatia, as caractersticas da promoo na venda de um produto ou as caractersticas
do interessado vaga do emprego oferecido.
Uma vez que desvendar o estatuto genrico do gnero reportagem foi uma das
prioridades nesta pesquisa, tomou-se como dispositivos tericos orientadores: o modelo
CARS, proposto por Swales, e as sugestes metodolgicas de anlise de gnero apontadas por
Bhatia.
2.2 GNERO JORNALSTICO
Tratar de gneros jornalsticos uma tarefa um tanto complexa, uma vez que es-
tudos desse tipo na rea da Comunicao so recentes e, mesmo assim, de acordo com Bonini
(2001a), no definem claramente o que um gnero jornalstico e a sua forma de constituio.
Um dos estudiosos que se destaca na rea jornalstica Jos Marques de Melo, embora no
esclarecendo a noo de gnero.
De acordo com esse autor, embora a identificao dos gneros jornalsticos seja
tarefa de pesquisadores acadmicos, na prxis que se busca a sua origem. Com o advento do
4 O termo subgnero est sendo considerado, na presente pesquisa, de acordo com a formulao de Bhatia que,
ao ater-se realizao do gnero, fala em subgneros como resultado de subpropsitos. Bhatia afirma: E m-bora no possa ser sempre possvel traar uma distino fina entre gneros e subgneros, o propsito comu-nicativo um critrio razoavelmente confivel para identificar e distinguir subgneros (1993, p. 14).
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jornalismo, ao se iniciar as atividades de informar sobre a atualidade, j se estabeleceu distin-
es entre as modalidades de relato e de acontecimentos.
Samuel Buckeley (apud MELO, 1985), no incio do sculo XVIII, ao decidir pela
separao entre news e comments no Daily Courant, iniciou a classificao dos gneros jorna-
lsticos. A partir da, com as transformaes tecnolgicas e culturais, a mensagem jornalstica
vem se adaptando, moldando-se conforme a necessidade de cada poca.
Melo (1985) concorda com Martinez de Souza ao afirmar que o jornalismo mun-
dial no uma entidade unificada. Para Martinez de Souza, h aspectos formais que distin-
guem os diversos jornalismos, acrescentando que a imprensa estadunidense utiliza somente
dois gneros, Comment e story, ao passo que os latinos utilizam mais de dois gneros.
Para esse autor, em virtude de o jornalismo no ser uma entidade unificada, ocorre
uma superposio entre seus gneros e suas categorias. Historicamente, a distino entre as
categorias de jornalismo informativo e jornalismo opinativo surge da necessidade de diferen-
ciar os fatos (news/stories) das suas verses (comments).
Essa confluncia entre gnero e categoria, segundo esse terico, seria admissvel
somente na gnese do jornalismo, por ser uma atividade social que emergia. Atualmente essa
superposio no pode ser aceita. O autor afirma que h, apenas, correspondncia entre cate-
gorias e gneros.
Desta forma, Melo (1985) prope-se a definir gnero jornalstico e, para isso, se
ampara em posies de estudiosos europeus e latino-americanos. Cita, ento, trabalhos de
estudiosos da rea jornalista, entre eles, os de Gargurevich e Folliet. Para chegar definio
de gnero jornalstico, esses autores se atm ao estilo e maneira como a linguagem utiliza-
da para que a informao chegue at o pblico.
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Assim, Gargurevich (apud MELO, 1985) diz que os gneros jornalsticos so
formas que busca o jornalista para se expressar. De acordo com Melo, Gargurevich prende-
se ao estilo, ao manejo da lngua, para essa definio. Justifica, ainda, Gargurevich, que so
formas porque o objetivo do jornalista no o prazer esttico, mas sim o relato da informa-
o.
Para Folliet (apud MELO, 1985), as diferenas entre os gneros surgem devido
correlao que h entre os textos escritos e os gostos do leitor. Desta forma, tambm define o
gnero jornalstico com base no estilo.
O autor expe definies de gneros jornalsticos de estudiosos da rea, porm
tais definies ficam circunscritas apenas ao estilo, maneira como a linguagem deve ser uti-
lizada pelo jornalista ao escrever o texto jornalstico. Tais explicaes no deixam clara uma
viso quanto ao que seja gnero jornalstico, pois trabalham apenas com a classificao desses
gneros.
Ao se classificar um gnero com base no estilo entendido pelo autor como for-
mas de expresso do cotidiano tal classificao limita-se a universos culturais delimitados.
De acordo com Melo (1985), por mais que as instituies jornalsticas assumam uma dimen-
so transnacional em sua estrutura operativa, continuam existindo ainda especificidades na-
cionais ou regionais que direcionam o processo de recodificao das mensagens importadas.
No Brasil, Beltro foi o nico a sistematizar os gneros no mbito do jornalismo
brasileiro. Melo, ento, toma esse autor como parmetro para a classificao dos gneros jor-
nalsticos no Brasil. Beltro classifica os gneros jornalsticos em trs categorias, quais sejam:
Jornalismo informativo
a) Notcia
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b) Reportagem c) Histria de interesse humano d) Informao pela imagem
Jornalismo interpretativo
e) Reportagem em profundidade
Jornalismo opinativo
f) Editorial g) Artigo h) Crnica i) Opinio ilustrada j) Opinio do leitor O critrio adotado por Beltro, para Melo, funcional, pois sugere a classificao
dos gneros de acordo com as funes que desempenham junto ao pblico leitor que so in-
formar, explicar e orientar. O autor ainda afirma que Beltro, quanto especificidade do gne-
ro, obedeceu ao senso comum da prpria atividade profissional, no se atendo ao estilo, es-
trutura narrativa, tcnica de codificao. Para Melo, no h razes para segmentar em dois
gneros distintos reportagem e reportagem em profundidade e tampouco em classificar em
gnero histria de interesse comum, no a diferenciando da reportagem.Ainda, Beltro disso-
cia recursos que informam atravs de imagens do texto. Para Melo, fotografias ou desenhos
so identificveis como notcias ou como reportagens. Dessa forma, discordando de Beltro,
Melo acrescenta que o que vai caracterizar um gnero jornalstico no o cdigo, mas sim
[...] o conjunto das circunstncias que determinam o relato que a instituio jornalstica d i-
funde para o seu pblico (1985, p. 46).
Percebe-se que h uma diferena de opinio, ao utilizar outros trabalhos que defi-
nem o gnero com base no estilo. Para Melo (1985), o que vai caracterizar o gnero so as
circunstncias.
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O autor prope, ento, uma outra classificao dos gneros jornalsticos com base
na classificao proposta por Beltro. Melo (1985) parte da classificao de Beltro devido a
sua significao histria para o jornalismo e principalmente pela aproximao que h com a
prxis jornalstica.
Para isto, o autor adota dois critrios: o primeiro a intencionalidade, com duas
vertentes, a reproduo do real5 e a leitura do real. No primeiro caso, tem-se a observao da
realidade e a descrio do que interessa instituio jornalstica. No segundo caso, tem-se a
anlise da realidade e a avaliao. A necessidade que as pessoas tm de se informarem fez
com que o jornalismo se articulasse em funo da informao e da opinio. Por isso o relato
jornalstico assume duas modalidades: a descrio dos fatos e a verso dos fatos, necessitando
estabelecer fronteiras entre a descrio e a avaliao do real. Resulta, ento, o jornalismo in-
formativo e o jornalismo opinativo, excluindo tendncias rotuladas como jornalismo interpre-
tativo e jornalismo diversional. Melo entende que o jornalismo informativo tanto abarca o
jornalismo interpretativo quanto o diversional.
O segundo critrio que Melo (1985) adota para esta outra classificao dos gne-
ros a natureza estrutural dos relatos observveis nos processos jornalsticos, no como estru-
tura dos textos ou das imagens que representam e reproduzem a realidade, mas sim como [...]
articulao que existe do ponto de vista processual entre os acontecimentos (real), sua expres-
so jornalstica (relato) e a apreenso pela coletividade (leitura) (p.64).
Dessa forma, o autor diferencia a natureza dos gneros que se agrupam na catego-
ria informativa dos que se agrupam na categoria opinativa. Nesta perspectiva, ento, a expres-
5 Percebe-se neste critrio adotado por Melo (a reproduo do real) um certo descompasso com as atuais concei-
tuaes de linguagem, que vista como constitutiva do real. H, alm disso, vrios trabalhos, na rea da co-municao, que questionam a objetividade jornalstica.
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so dos gneros que correspondem ao universo da informao, no depende da instituio
jornalstica6, mas sim da ecloso e evoluo dos acontecimentos e da relao que h entre os
profissionais/jornalistas com seus protagonistas. Quanto ao gnero opinativo, a estrutura do
texto co-determinada pela instituio jornalstica. Melo apresenta, ento, para as duas cate-
gorias, os seguintes gneros:
Jornalismo informativo
a) Nota b) Notcia c) Reportagem d) Entrevista
Jornalismo opinativo
e) Editorial f) Comentrio g) Artigo h) Resenha i) Coluna j) Crnica k) Caricatura l) Carta
Em termos dos estudos lingsticos, embora haja uma certa recorrncia a textos
jornalsticos, existem poucos estudos dos gneros jornalsticos. A grande maioria dos traba-
lhos est voltada mais a questes micro-estruturais da lngua e no vinculadas instncia e-
nunciativa.
O texto do jornal, apesar de j estar presente nas anlises lingsticas por um lon-
go perodo, segundo Bonini (2001a), continua sendo pouco conhecido de forma mais sistem-
6 Entretanto, sabe-se que a mdia pode (e muitas vezes realmente o faz) manipular e at criar eventos para fins
de venda ou promocionais. A mdia no s reflete o universo da informao como tambm o cria.
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tica. Para o autor, quando h estudos referentes a gneros jornalsticos, geralmente aparecem
apenas a notcia, a reportagem e o editorial. Assim:
H uma carncia de trabalhos que tratem do todo, de modo que fenmenos de textu-alizao como as sees e as pginas de jornal permanecem praticamente uma in-cgnita quanto ao tratamento genrico que devamos dar-lhes, pois se, por um lado, apresentam certos comportamentos relativos noo de gnero que detemos no momento, por outro, se distanciam bastantes dos padres prprios de membros co-mo notcia e reportagem (BONINI, 2001a, p. 1)
Falta ainda, de acordo com Bonini (2001a), uma explicao geral dos princpios
de organizao do jornal e de seus gneros, ainda que muitos estudiosos da rea jornalstica j
tenham elaborado algumas tipologias. Para o autor, ainda faltam, de forma sistemtica, res-
postas a questes como o que um gnero jornalstico e como este se constitui. Para obter tais
respostas, o autor prope que se tratem os gneros jornalsticos a partir do processo de textua-
lizao do jornal.
Quanto s tipologias levantadas na literatura jornalstica, Bonini (2001a) toma pa-
ra anlise a obra de Melo (1985). Esboa, ento, trs linhas de concluso para tal anlise: i) a
noo de gnero provm da teoria da informao; ii) a teoria de gnero tomada como base no
possibilita o levantamento de critrios relativos aos gneros propriamente, mas s funes do
jornal; e iii) a inexistncia de critrios mais refinados dificulta a visualizao dos limites da
categoria que se quer classificar.
Bonini (2001a) esboa uma resposta para a questo: o que pode ser considerado
gnero em um jornal? A princpio, podemos dizer que se trata de um conjunto de parmetros
de textualizao que, em funo do hiper-gnero (o jornal), estruturam um propsito comuni-
cativo (noticiar, opinar, criticar, localizar), linearizando uma unidade textual identificvel
como totalidade.
Para Bonini (2001a), os gneros que fazem parte do jornal, por excelncia, so
aqueles que, em relativa estabilidade e autonomia, respondem aos seguintes critrios: i) aten-
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der aos propsitos comunicativos do jornal, ou seja, relatar fatos e informaes recentes bem
como interpret-los, e desencadear processos opinativos; ii) estar de acordo com a estrutura-
o do jornal como gnero.
2.2.1 CATEGORIAS JORNALSTICAS
Historicamente h duas categorias de trabalhos jornalsticos: o jornalismo infor-
mativo e o jornalismo opinativo. Melo (1985, p. 24) considera essa distino entre jornalismo
informativo e jornalismo opinativo um artifcio profissional e tambm poltico. Profissional,
no sentido contemporneo, significando o limite em que o jornalista se move; o jornalista
fica entre o dever de informar e o poder de opinar, sendo-lhe facultado ou no pela instituio
em que trabalha. Considera, tambm, um artifcio poltico, no sentido histrico ontem o
editor assumia riscos nas matrias com autorias reveladas (comments) e hoje, desviando a
vigilncia do pblico leitor em relao s matrias que aparecem como informativas (news),
mas, na prtica, possuem vieses ou conotaes. Cada processo jornalstico tem sua dimenso
ideolgica prpria, independentemente do artifcio narrativo utilizado.
Desta forma, para o autor:
[...] admitir a convivncia de categorias que correspondam a modalidades de relato dos fatos e das idias no espao jornalstico no significa absolutamente desconhecer que o jornalismo continua a ser um processo social dotado de profundas implicaes polticas, onde a expresso ideolgica assume carter determinante (MELO, 1985, p. 24).
Atualmente, o jornalismo informativo e o opinativo, segundo Lage, convivem
com categorias novas, buscando formas de expresso que atendam aos desejos do consumi-
dor. Assim, ao lado do jornalismo informativo e do jornalismo opinativo, segundo Bond (a-
pud LAGE, 1986, p. 27), temos o jornalismo interpretativo e o jornalismo de entretenimento
(comenta os aspectos pitorescos da vida cotidiana).
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Para Erbolato (1991), o jornalismo poderia ser dividido em quatro categorias: in-
formativo, interpretativo, opinativo e diversional. O novo jornalismo (escola americana de
jornalismo), para esse autor, deseja aprofundar-se na anlise das ocorrncias e complement-
las, mas com a necessidade de separar os trs aspectos ao divulgar um fato: informao, inter-
pretao e opinio.
As categorias do jornalismo so comumente associadas com os gneros jornalsti-
cos, por vezes equivalendo a eles. Contudo, em uma viso sistmica, como a apresentada em
Bonini (2001a), pode-se interpretar que tais categorias induzem ao surgimento de determina-
dos gneros, mas no equivalem aos gneros nem a categorias de gneros propriamente. O
editorial, por exemplo, no incorpora somente o objetivo de opinar, mas o objetivo de trans-
mitir a opinio da cpula do jornal de modo a exercer, como gnero, um papel central na or-
ganizao do prprio jornal.
2.2.2 REPORTAGEM
A reportagem, embora os tericos acadmicos que tratam do gnero jornalstico
no o estabeleam explicitamente, pode ser caracterizada em duas linhas gerais: (a) como uma
notcia ampliada e (b) como um gnero autnomo.
2.2.2.1 Como uma notcia ampliada
Segundo Bahia (1990), a grande notcia a reportagem. Acrescenta que toda re-
portagem notcia, porm o inverso no. Desta forma, para o autor, a notcia no muda de
natureza, mas muda de carter ao evoluir para a categoria de reportagem. Para Bahia, a repor-
tagem um tipo de notcia com regras prprias e, por isso, adquire um valor especial. Bahia
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39
afirma que a reportagem uma notcia, porm no qualquer notcia. Para ele, a reportagem
deve expor as circunstncias sem tomar partido.
A reportagem, para o autor, no se limita estruturalmente a uma notcia. Deve ex-
plorar exaustivamente ou no todas as possibilidades de um acontecimento.
O salto da notcia para a reportagem se d no momento em que preciso ir alm
da notificao em que a notcia deixa de ser sinnimo de nota e se situa no detalhamento,
no questionamento de causa e efeito, na interpretao e no impacto, adquirindo uma nova
dimenso narrativa e tica (BAHIA, 1990, p. 49).
Bahia divide a reportagem em: 1) ttulo corresponde ao anncio do fato em si; 2)
primeiro pargrafo, cabea ou lead corresponde ao clmax; 3) desenvolvimento da histria,
narrativa ou texto corresponde ao resto da histria, narrativa dos fatos.
Para o autor, as reportagens podem ser organizadas de diferentes formas: i) pir-
mide; ii) ordem cronolgica o acontecimento narrado de forma seqencial; iii) clmax ou
remate incisivo combina os elementos de maior significado com os de seqncia temporal.
dado ao primeiro pargrafo o ngulo mais dramtico e depois segue a cronologia.
Quanto ao tipo de reportagem na forma de pirmide, Bahia (1990) a classifica em:
i) pirmide invertida com estrutura em clmax, desenvolvimento da histria e concluso; ii)
pirmide normal lead, desenvolvimento cronolgico da histria e clmax da histria; e iii)
pirmide invertida e cabea - combinao entre a reportagem de importncia cronolgica,
sobrepondo-se no primeiro pargrafo o ngulo mais atual e mais forte.
De acordo com Bahia (1990), o primeiro pargrafo, cabea ou lead, relata o que
h de principal nos acontecimentos, devendo conter respostas a questes: o qu? quem?
quando? onde? como? por qu? No entanto, responder a estas questes no chave para tudo,
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40
h outros requisitos para se organizar a reportagem, como a linguagem clara, fidelidade aos
fatos, veracidade, etc. para manter o interesse do pblico.
Melo (1985, p. 65) ao definir notcia como um [...] relato integral de um fato que
j eclodiu no organismo social e reportagem como um [...] relato ampliado de um aco n-
tecimento que j repercutiu no organismo social e produziu alteraes, tambm caracteriza a
reportagem como uma notcia ampliada.
2.2.2.2 Como gnero autnomo
Coimbra, em sua obra O texto da reportagem impressa (1993), no traz nenhuma
referncia quanto ao que possa ser a reportagem, apenas trabalha com tipologia textual. O
autor especifica que o texto da reportagem tem como modelos de estrutura a dissertao, a
narrao e a descrio. Na reportagem dissertativa, para o autor, a estrutura do texto se apia
num raciocnio explicativo atravs de informaes generalizadas, seguidas de fundamentao.
J na estrutura da reportagem narrativa, o texto no vai se apoiar neste raciocnio, mas conter
fatos organizados dentro de uma relao de anterioridade ou posterioridade. A narrativa pode
mostrar mudanas progressivas de estado nas pessoas e nas coisas, atravs do tempo.
Com base nas estruturas narrativo-dissertativas, Coimbra (1993) classifica, tam-
bm, as reportagens dissertativo-narrativas e narrativo-dissertativas. Nesta o texto predomi-
nantemente narrativo, contendo alguns trechos dissertativos. Naquela, embora o texto seja
predominantemente dissertativo, aparecem trechos narrativos. E, por ltimo, a reportagem
descritiva que, ao contrrio da reportagem narrativa, mostra as pessoas e coisas fixadas apenas
no momento, sem progresso do tempo, o que tambm caracteriza esse tipo de reportagem o
detalhamento do momento apreendido.
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41
Para Lage (1979), no fcil definir a reportagem, uma vez que a mesma pode ser
uma complementao de uma notcia ou partir de situaes que no sejam notcias, mas que
sejam de interesse do pblico, por exemplo, reportagens sobre a violncia em centros urbanos,
cuidados com a sade, meio ambiente, etc.
Do ponto de vista de produo, Lage (1979) divide a reportagem em: i) tipo inves-
tigativo parte de um fato, revelando outros; ii) tipo interpretao - observa-se os fatos sob a
perspectiva metodolgica de uma dada cincia (mais freqentes sociolgicas e econmicas); e
ainda iii) o tipo que busca apreender a essncia do fenmeno, aplicando tcnicas literrias na
construo de situaes e episdios narrados.
Para a produo da reportagem, segundo Lage (1979), deve se levar em conside-
rao o que ele chamou de oportunidade jornalstica referindo-se a um fato gerador de inte-
resse.
Lage (2001), atribui pauta7 papel fundamental para a redao de um jornal. O
objetivo da pauta planejar a edio. Afirma que [...] uma pauta bem feita prev volume de
informao necessrio garantia de eventuais quedas de pauta e ainda matrias que podero
ser aproveitadas posteriormente (Lage, 2001, p.37).
A pauta da reportagem programada, de acordo com Lage (2001), a partir de fa-
tos geradores de interesse; no apenas em fazer desdobramentos de fatos, mas tambm em
levantar antecedentes, investigando e explorando. Segundo o autor, pode-se, tambm, pro-
gramar reportagens sem que se tenham ganchos, principalmente temas relacionadas a sade, a
comportamentos, etc. Em qualquer tipo de reportagem, de acordo com o autor, as pautas da
7 No Manual de Estilo e Redao O Estado de So Paulo (1990, p. 214), a pauta tanto pode ser o conjunto de
assuntos que uma editoria est cobrindo para determinada edio do jornal como a srie de indicaes trans-mitidas ao reprter, no apenas para situ-lo sobre algum tema, mas, principalmente, para orient-lo sobre os ngulos a explorar na notcia.
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reportagem devem incluir: assunto; fato gerador de interesse, se houver; natureza da matria
(exposio de tema, se narrativa, etc.) e o contexto; linha editorial; definio mais precisa do
que se espera em termos de aproveitamento; recursos e suporte tcnico disponveis.
Fica evidente nas obras de Lage, mais especificamente ao tratar da reportagem,
que o que vai determinar esse gnero em autnomo ou no so os fatos geradores.
Chaparro (1998), a partir de seu estudo com jornais brasileiros e portugueses, i-
dentifica uma srie de subgneros da reportagem. No os descreve, contudo, e nem aponta
exemplos. De qualquer forma, so termos que revelam tanto a salincia desse fenmeno no
discutido na literatura quanto uma intuio bastante plausvel por parte do autor. Os subgne-
ros da reportagem citados por Chaparro so: a especulativa, a de perfil, a fotogrfica, a retros-
pectiva, a didtico-educativa, a de roteiro e a de mercado.
2.2.3 REPORTAGEM VERSUS NOTCIA
A matria-prima do jornalismo a notcia. Depois de divulgada, pode ser comen-
tada, interpretada e pesquisada. Definir notcia no to fcil. Nem tudo o que acontece se
transforma em notcia. Deve ser recente, verdadeira, objetiva, deve ser publicada de forma
sinttica, dando a noo correta do assunto focalizado.
Lage (1993, p. 16) define a notcia como: [...] relato de uma srie de fatos a partir
do fato mais importante ou interessante, e de cada fato, a partir do espao mais importante ou
interessante A notcia cuida da cobertura de um fato ou uma srie de fatos enquanto que a
reportagem faz um levantamento de um assunto, conforme ngulo estabelecido. O autor defi-
ne a reportagem como [...] um gnero jornalstico que consiste no levantamento de assuntos
para contar uma histria verdadeira, expor uma situao ou interpretar fatos (idem, p. 61).
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O autor acrescenta, ainda, que a notcia e a reportagem distanciam-se a partir do
projeto de texto pauta. As pautas para as notcias decorrem de fatos programados, da conti-
nuao (sute) de eventos ocorridos e dos quais se espera o desdobramento. J para a repor-
tagem, Lage (1993, p. 47) diz que [...] os assunto s esto sempre disponveis, podendo ou no
serem atualizados por um acontecimento. Quanto pauta da reportagem, deve indicar a ma-
neira como o assunto vai ser abordado, o tipo e a quantidade de ilustraes, o tempo de apura-
o, o tamanho e estilo da matria, os deslocamentos da equipe.
Lage distingue, ainda, a reportagem da notcia, atravs do estilo. A reportagem
tem o estilo menos rgido, havendo a possibilidade, em alguns casos, de o reprter poder usar
a primeira pessoa. A linguagem tambm mais livre. Acrescenta que h reportagens em que a
investigao e o levantamento de dados predominante, tambm h outras em que o que pre-
domina a interpretao. Sobre a reportagem interpretativa, diz que [...] a autoria impo r-
tante, a reportagem essencialmente interpretativa est a um passo do artigo (1986, p. 48).
H duas razes bsicas, de acordo com Lage (1979), para a confuso entre repor-
tagem e notcia. A primeira refere-se polissemia da palavra reportagem que pode ser enten-
dida como gnero jornalstico ou como nome dado seo das redaes que tanto produz in-
distintamente reportagens e notcias. A segunda razo a importncia dada estrutura da no-
tcia na indstria da informao: [...] freqentemente, a reportagem na imprensa diria e s-
crita com critrios de nomeao, ordenao e seleo similares aos da notcia e apresentada
com diagramao idntica (LAGE, 1979, p .35).
Lage (2001), traa algumas diferenas entre notcia e informao jornalstica, ca-
tegoria que, segundo o autor, inclui a reportagem. A notcia indita, atual, independente das
intenes do jornalista, mais breve. Quanto informao jornalstica (incluindo a reporta-
gem), mais extensa, mais completa, decorre da inteno de uma viso jornalstica dos fatos.
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O primeiro pargrafo da notcia o lead. Erbolato o define como: [...] o pargr a-
fo sinttico, vivo, leve com que se inicia a notcia, na tentativa de prender a ateno do leitor
(1991, p. 67). Na sntese acadmica de Lasswell (apud LAGE, 1993, p. 27) o lead informa
quem fez o qu, a quem, quando, onde, como, por que e para qu.
Para Medina (apud COIMBRA, 1993, p. 9), a notcia fixa o momento presente,
enquanto que a reportagem abre o momento para um acontecer atemporal ou menos presente.
Os manuais de normas de redao das empresas jornalsticas surgem numa tenta-
tiva de generalizar procedimentos de tcnica de redao, definindo princpios para uma uni-
formizao da edio do jornal. So apresentados nestes manuais verbetes usados na rea jor-
nalstica, bem como aspectos micro-estruturais da lngua para a formao do texto, como por
exemplo, regncia verbal, concordncia verbal, etc.
No Manual de redao e estilo de O Estado de So Paulo, o verbete reportagem
definido como podendo ser a essncia de um jornal, diferindo da notcia pelo contedo, exten-
so e profundidade. A notcia descreve o fato, e, no mximo, seus efeitos e conseqncias. J
a reportagem parte da notcia, desenvolvendo uma seqncia investigativa. Apura as origens
do fato, razes e efeitos. A notcia no esgota o fato, enquanto que a reportagem [...] abre o
debate sobre o acontecimento, desdobra-o em seus aspectos mais importantes e divide-o,
quando se justifica, em retrancas diferentes que podero ser agrupadas em uma ou mais pgi-
nas (1990, p. 254).
Esse mesmo manual define sute como o desenvolvimento de uma notcia nos dias
seguintes, publicada pelo jornal. Comparando-se a definio de reportagem de Melo (1985) e
a definio de reportagem dada por esse manual com a definio de sute trazida pelo prprio
Manual de estilo e redao O Estado de So Paulo, percebe-se a fluidez de fronteiras entre
uma e outra.
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45
Observa-se, tambm, que pela definio de reportagem dada por esse manual, a
reportagem de turismo, por exemplo, no seria reportagem, porque no parte de uma notcia.
Tambm reportagens cujos temas relacionam-se a comportamentos, a tendncias, a modas,
por exemplo, estariam parte dessa definio.
J no manual de redao de Folha de So Paulo, o verbete notcia, alm de ser de-
finido como registro dos fatos, ainda acrescenta que sem opinio. Ainda nesse manual, a
exatido o elemento-chave da notcia. Quanto ao verbete reportagem, possibilita vrias in-
terpretaes. Vem definido como [...] o relato de acontecimento importante, feito pelo jorn a-
lista que tenha estado no local em que o fato ocorreu ou tenha apurado as informaes relati-
vas a ele. A reportagem o produto fundamental da atividade jornalstica (p. 42).
Percebe-se com essa definio de reportagem que caber ao jornalista analisar o
que importante, para assim ser tratado como reportagem ou no. Tambm, pode-se observar
aqui a reportagem no como um gnero autnomo, mas como uma espcie de notcia amplia-
da.
Segundo este manual, a reportagem deve conter a descrio do fato, com exatido,
e ainda a opinio de especialistas, caso seja possvel, diferentemente da posio assumida por
Bahia (1990) ao afirmar que a reportagem deve expor as circunstncias sem tomar partido.
O Manual de redao e estilo o Globo (1992) no faz meno alguma sobre a no-
tcia. Traz a reportagem como tipo de texto, podendo ser tanto a cobertura de um fato do dia
que cause impacto como tambm a abordagem exaustiva de um tema sem ligao direta com
o dia da edio. Percebe-se aqui, novamente, o termo reportagem tanto referindo-se notcia
(fato) como a outros fenmenos de fundo (a evidncia de um comportamento, a apresentao
de um fenmeno, etc.).
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Pesquisas na rea scio-retrica de gneros tm se mostrado fundamentais para a
rea acadmica e, tambm, para a rea jornalstica. Os autores desta rea, bem como os manu-
ais de redao jornalstica, para definirem tanto a reportagem como a notcia adotam critrios
atrelados tcnica do jornalismo sem uma definio mais precisa de gnero.
Pode-se citar Silva (2002) que descreve a organizao retrica da notcia e da re-
portagem, com base no modelo CARS de Swales (1990), com o intuito de apresentar uma dis-
tino entre ambas.
Silva (2002) assim apresenta a estrutura retrica do gnero notcia:
Unidade 1 - Apresentao do fato Subunidade 1.1 - Anunciando a informao principal da notcia (e) Unidade 2 - Desenvolvimento do fato Subunidade 2.1 - Apresentando um resumo do fato, identificando personagens, lugares
e o acontecimento (e) Subunidade 2.2 - Esclarecendo algum dado necessrio ao resumo do fato (e/ou) Subunidade 2.3 - Detalhando todo o fato, personagens, lugares,
repercusses e desdobramentos (e/ou) Unidade 3 - Ilustrao da notcia atravs de recurso fotogrfico Subunidade 3.1 - Mostrando o acontecimento em si ou algo relacionado a ele (e) Subunidade 3.2 - Esclarecendo o que mostra a ilustrao
O gnero reportagem, por sua vez, apresentado, por Silva, da seguinte forma:
Unidade 1 - Apresentao do fato Subunidade 1.1 - Anunciando a informao principal (e/ou) Subunidade 1.2 - Complementando a informao anterior (e) Unidade 2 - Desenvolvimento do fato Subunidade 2.1 - Apresentando um resumo do fato, identificando personagens, lugares
e o acontecimento (e) Subunidade 2.2 - Esclarecendo algum dado necessrio ao resumo do fato (e/ou) Subunidade 2.3 - Detalhando todo o fato, personagens, lugares, repercusses e desdo-
bramentos
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(e) Unidade 3 - Ilustrao da reportagem atravs de recurso fotogrfico Subunidade 3.1 - Mostrando o fato em si ou algo relacionado a ele (e) Subunidade 3.2 - Esclarecendo o que mostra a ilustrao (e) Unidade 4 - Informaes adicionais matria principal Subunidade 4.1 - Anunciando informaes adicionais (e) Subunidade 4.2 - Detalhando as informaes adicionais (e/ou) Unidade 5 - Ilustrao da reportagem atravs de recurso grfico Subunidade 5.1 - Tentando reproduzir o fato (e) Subunidade 5.2 - Esclarecendo o que mostra a ilustrao
Segundo a autora (op. cit.), estes dois modelos de organizao retrica foram ela-
borados com base no reconhecimento das informaes, hierarquicamente distribudas na not-
cia e na reportagem, resultando no principal fator de distino destes dois gneros jornalsti-
cos. Como pode-se visualizar nas listas acima, as unidades 1, 2 e 3 ocorrem tanto no gnero
notcia como no gnero reportagem, j as unidades 4 e 5 ocorrem unicamente no gnero re-
portagem. Portanto nessa viso de Silva (2002), so essas duas unidades que vo estabelecer a
diferena entre a notcia e a reportagem.8
8
Como j foi mencionado anteriormente, o objetivo da pesquisa de Silva (2002) foi o de distinguir os dois gneros, notcia
e reportagem. Embora haja essa pesquisa envolvendo o gnero reportagem, a presente pesquisa (A reportagem jornalstica: desvendando as
variantes do gnero) faz-se sobre outro vis, isto , j se partiu do pressuposto de que notcia e reportagem so gneros distintos e, a partir da,
procurou-se revelar outros elementos estruturais na prpria reportagem. Havia uma hiptese de que, em cada caderno do jornal, o gnero
reportagem estruturar-se-ia de forma peculiar.
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3 METODOLOGIA
De um modo geral, a metodologia da presente pesquisa est ancorada na perspec-
tiva scio-retrica da anlise de gneros. Baseou-se, portanto, nos procedimentos metodolgi-
cos propostos por Swales (1990) e Bhatia (1993).
No que tange exposio aqui pretendida, este captulo est organizado em trs
partes, quais sejam: tipo de estudo (em que so apontadas as bases da pesquisa empreendida),
descrio do corpus da pesquisa (em que so pontuados os elementos que caracterizam o cor-
pus e os procedimentos adotados para sua seleo) e mtodo de anlise (em que se descreve o
modo como os textos das reportagens foram analisados).
3.1
TIPO DE ESTUDO
Esta pesquisa pode ser caracterizada como um estudo textual e discursivo (e, em
certo sentido, tambm pragmtico) do gnero reportagem de jornal (ou jornalstica). parte
integrante de um projeto maior, proposto por Bonini (2001c), denominado: Os gneros do
jornal: as relaes entre gnero textual e suporte. A metodologia proposta para esta pesquisa,
portanto, est baseada na mesma metodologia adotada por Bonini (2001c). Tal metodologia
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prev dois nveis de anlise: macroestrutural (do jornal para os gneros) e microestrutural (dos
gneros para o jornal). Em qualquer um destes nveis so considerados trs focos de ateno:
a literatura do meio, a estrutura textual e os aspectos pragmticos. Em termos da presente pes-
quisa, realizou-se uma microanlise do gnero.
Em seu trabalho de 1990, Swales no chegou a descrever claramente a metodolo-
gia empregada em seu estudo inovador da introduo de artigos de pesquisa. O modo como
relatou esta pesquisa, no entanto, deixou claro (inclusive pelos termos empregados, como
movimentos e passos) que a inovao metodolgica estava na forma como procurava
depreender a estrutura de uso da linguagem. Neste sentido que seus seguidores (entre eles
Bhatia) passaram a descrever os gneros no s via comparao de exemplares e identificao
de suas similaridades tcnica j empregada anteriormente, por exemplo, por Van Dijk
(1990), mas tambm pela atribuio de termos que identificassem o aspecto processual subja-
cente ao texto. O gnero, ento, descrito como uma prtica (ou uma representao dessa
prtica), de forma que os termos empregados na sua descrio iniciam-se por um verbo (esta-
belecer, revisar, delinear, etc.) que indica uma ao de linguagem. As subpartes de um gnero
so sub-aes que o escritor/falante executa no sentido de desenvolver uma ao de lingua-
gem global, correspondente ao gnero como um todo (ver quadro 1, na seo 2.1.3).
A metodologia adotada por Bhatia (1993) para chegar caracterizao do gnero
carta de vendas promocionais e carta de pedido de emprego , portanto, semelhante proposta
por Swales (1990). Ele inova, contudo, no modo como prope procedimentos mais gerais que
vo desde a seleo do corpus at a determinao da validade dos resultados da pesquisa
(quadro 2). Bhatia estrutura a vocao etnogrfica da metodologia apenas esboada por Swa-
les. Segundo Bonini (2002), o aspecto mais inovador do trabalho de Bhatia est no aprofun-
damento que provm da noo do gnero como uma prtica.
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50
Afirma Bonini (2002b):
A nfase na prtica discursiva, privilegiando o uso pelo modo como os propsitos so conduzidos textualmente, leva Bhatia a postular que os membros mais experien-tes da comunidade fazem melhor uso dos recursos genricos e que, neste sentido, podem servir como bons avaliadores da descrio realizada pelo analista de gnero.
FASES PROCEDIMENTOS 1 Localizao de dado gnero textual em um contexto situacional. Desenvolve-se a partir da
intuio do pesquisador em relao experincia prvia de observao de dado falante (es-critor), das pistas internas do gnero e em funo do que pode inferir quanto ao conhecimen-to de mundo deste falante (escritor);
2 Levantamento de literatura existente sobre o assunto. Procede-se busca em setores de interesse: 1) anlise de gneros; 2) manuais de prtica profissional; e 3) estudos sociais e interacionais;
3 Refinamento da anlise contexto-situacional. Procede-se definio do mbito scio-cultural e de interao lingstica do gnero;
4 Seleo do corpus. Seleciona-se, mediante a definio clara dos propsitos comunicativos dos gneros e em funo de uma amostragem estatisticamente relevante;
5 Estudo do contexto institucional. Procede-se ao levantamento do sistema ou da metodologia que subjaz ao gnero (regras e convenes);
6 Anlise lingstica em termos de: a - caractersticas lxico-gramaticais. Estudo da estruturao microestrutural do gnero; b - padres de textualizao. Estudo das relaes entre os valores da prtica social e a lin-
guagem empregada; c - interpretao estrutural do gnero textual. Levantamento da forma particular que assume
a comunicao de determinada inteno em dado texto; 7 Informao de especi