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Caderno FNEPAS Volume 1 Dezembro 2011 | 51 Discutindo o Cotidiano das Equipes de Saúde da Família: A Experiência da III Oficina de Atenção Básica da UFPB Discussing The Daily Work of Family Health Teams: The Experience of The 3 Rd UFPB Primary Care Workshop Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro I / Geraldo Eduardo Guedes de Brito II / Robson da Fonseca Neves III / Dailton Alencar Lucas de Lacerda IV / Arleciane Emilia de Azevêdo Borges V palavras-chave: Ensino; Atenção Primária à Saúde; Formação de Recursos Humanos; Profissionais de Saúde. keywords: Teaching; Primary Health Care; Human Resources Formation; Health Personnel. favorável para a reorientação da formação profissional em Saúde, na UFPB. Frente a esta nova realidade de formação, que privile- gia os espaços dos serviços de saúde, foi criada pela Se- cretaria Municipal de Saúde, em 2005, a Rede Escola de João Pessoa, constituída pelos serviços que são cenários de aprendizagem das instituições de ensino conveniadas. Envolve docentes, discentes, gestores e comunidade, com o objetivo de facilitar a aproximação e a articulação entre os serviços e as Instituições de Ensino do municí- pio. Atualmente, todas as atividades de ensino, incluindo pesquisa e extensão, desenvolvidas na rede municipal de saúde, são efetivadas através de pactuações entre os docentes e os trabalhadores dos serviços e, poste- riormente, autorizadas pela Rede Escola, no esforço de que, assim, estas atividades sejam contextualizadas e atendam à realidade e necessidade dos trabalhadores e comunidade. CONCEITO E CONTEXTO GERAL Os cursos da área de saúde da Universidade Fe- deral da Paraíba - UFPB encontram-se em processos de implementação dos novos projetos pedagógicos - PPP, baseados nas Diretrizes Curriculares Nacionais - DCN. Assim, o processo de formação atual destes cursos foi influenciado pela necessidade de mudanças na lógica de compreensão do processo saúde-doença e da produção do cuidado, que anteriormente era bio- logicista e fragmentada. Estes projetos apontam para uma nova forma de vivência das práticas de ensino e constituem um momento institucional propício para a inserção dos cursos na rede de serviços de saúde, em especial, na Atenção Básica. Os projetos pedagógicos contemplam estágios ao longo de todo o curso, des- de o primeiro ano, incentivando as práticas de ensino problematizadoras e o perfil generalista de formação profissional. Esses são exemplos claros da conjuntura I Doutora em Educação; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba. II Mestre em Saúde da Família; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba. III Mestre em Saúde Coletiva; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba. IV Mestre em Doenças Tropicais; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba. V Estudante do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.

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Caderno FNEPAS • Volume 1 • Dezembro 2011 | 51

Discutindo o Cotidiano das Equipes de Saúde da Família: A Experiência da III Oficina de

Atenção Básica da UFPBDiscussing The Daily Work of Family Health Teams: The

Experience of The 3Rd UFPB Primary Care WorkshopKátia Suely Queiroz Silva RibeiroI/ Geraldo Eduardo Guedes de BritoII / Robson da Fonseca NevesIII / Dailton Alencar Lucas de LacerdaIV / Arleciane Emilia de Azevêdo BorgesV

palavras-chave: Ensino; Atenção Primária à Saúde; Formação de Recursos Humanos; Profissionais de Saúde.

keywords: Teaching; Primary Health Care; Human Resources Formation; Health Personnel.

favorável para a reorientação da formação profissional em Saúde, na UFPB.

Frente a esta nova realidade de formação, que privile-gia os espaços dos serviços de saúde, foi criada pela Se-cretaria Municipal de Saúde, em 2005, a Rede Escola de João Pessoa, constituída pelos serviços que são cenários de aprendizagem das instituições de ensino conveniadas. Envolve docentes, discentes, gestores e comunidade, com o objetivo de facilitar a aproximação e a articulação entre os serviços e as Instituições de Ensino do municí-pio. Atualmente, todas as atividades de ensino, incluindo pesquisa e extensão, desenvolvidas na rede municipal de saúde, são efetivadas através de pactuações entre os docentes e os trabalhadores dos serviços e, poste-riormente, autorizadas pela Rede Escola, no esforço de que, assim, estas atividades sejam contextualizadas e atendam à realidade e necessidade dos trabalhadores e comunidade.

CONCEITO E CONTEXTO GERAL

Os cursos da área de saúde da Universidade Fe-deral da Paraíba - UFPB encontram-se em processos de implementação dos novos projetos pedagógicos - PPP, baseados nas Diretrizes Curriculares Nacionais - DCN. Assim, o processo de formação atual destes cursos foi influenciado pela necessidade de mudanças na lógica de compreensão do processo saúde-doença e da produção do cuidado, que anteriormente era bio-logicista e fragmentada. Estes projetos apontam para uma nova forma de vivência das práticas de ensino e constituem um momento institucional propício para a inserção dos cursos na rede de serviços de saúde, em especial, na Atenção Básica. Os projetos pedagógicos contemplam estágios ao longo de todo o curso, des-de o primeiro ano, incentivando as práticas de ensino problematizadoras e o perfil generalista de formação profissional. Esses são exemplos claros da conjuntura

I Doutora em Educação; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.II Mestre em Saúde da Família; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.III Mestre em Saúde Coletiva; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.IV Mestre em Doenças Tropicais; Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.V Estudante do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.

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Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro et al

No caso do curso de Fisioterapia da UFPB, seu atual PPP foi submetido à reformulação e aprovado em junho de 2005, de acordo com resolução 12/2005 do Conse-lho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONSE-PE. Embora tenha avançado na concepção de um perfil profissional compatível com as necessidades atuais para o fisioterapeuta, algumas características da matriz curri-cular, bem como a estrutura organizativa da Universida-de, limitam o avanço mais rápido de mudanças. Apesar das inovações curriculares com a implantação desse PPP, podem-se constatar resquícios da formação fragmen-tada, tais como a própria nomenclatura das disciplinas, baseadas nas disfunções dos sistemas a serem estudados e da pouca articulação das atividades assistenciais da Fi-sioterapia com os demais cursos da saúde.

As experiências de aprendizado em assistência, de-senvolvidas no curso, acontecem, predominantemente, em ambientes ambulatoriais e hospitalares. Contudo, experiências na Atenção Básica, que se iniciam no 5º período, através de todas as disciplinas profissionalizan-tes, estão sendo desenvolvidas com objetivo de adequar o conhecimento adquirido às necessidades do local de atuação. Essas experiências têm possibilitado aos estu-dantes a interação com as equipes de saúde da família e um contato diferenciado com os usuários, através de atendimentos domiciliares e formação de grupos, com uma abordagem preventiva e promotora da saúde, sem perder de vista a enorme demanda assistencial específi-ca, que caracteriza as atividades de núcleo de saber da Fisioterapia.

Algumas dificuldades têm sido identificadas ao longo deste processo em relação a essas experiências na Aten-ção Básica, relativas ao perfil dos docentes que vão atu-ar nestes espaços; à integração entre os estudantes dos diversos cursos da UFPB e destes com a equipe; à des-continuidade das ações pondo em risco a resolutividade de alguns tratamentos. Constata-se, no entanto, que a experiência dessa nova abordagem de formação acadê-mica, ainda que em processo de construção, traz bene-fícios tanto aos estudantes quanto aos trabalhadores do serviço e comunidade. Enquanto o acadêmico se prepa-ra para uma área em ascensão na Fisioterapia e mergulha na complexidade da Atenção Básica, as equipes de saúde da família e a comunidade passam a conhecer o papel da Fisioterapia e usufruir de suas contribuições na produção do cuidado. Podem-se atribuir tais fragilidades enfrenta-

das à incipiente articulação entre os cursos de graduação da UFPB e destes cursos com a rede de serviços do mu-nicípio da cidade de João Pessoa.

A integração ensino-serviço pode ser definida como “o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos servi-ços de saúde, incluindo-se os gestores, visando à quali-dade de atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/satisfa-ção dos trabalhadores dos serviços”1(p. 357).

Neste sentido, o evento “Oficina Ampliada de Aten-ção Básica” é um dos instrumentos utilizados pela dis-ciplina de Estágio II – Saúde Coletiva, apoiado pela coordenação do curso de Fisioterapia. Ela tem por ob-jetivo proporcionar aos estudantes de todos os cursos de Graduação em Saúde da UFPB a possibilidade de discutir e reconstruir juntamente com os trabalhadores das equipes de saúde da família e gestores municipais os conhecimentos elaborados durante sua vivência na Atenção Básica. Proporciona, então, uma possibilidade de capacitação profissional e de construção de práticas interdisciplinares, tanto para os estudantes quanto para docentes, trabalhadores da rede assistencial e gestores, conforme preconizado pela Política Nacional de Educa-ção Permanente – PNEP2. Aborda as questões do en-sino de graduação associado ao cotidiano das equipes, adotando as vivências práticas como situações proble-matizadoras e transformadoras do fazer em saúde, esti-mulando o protagonismo dos envolvidos na construção de conhecimentos em equipe e ampliando os espaços educativos para extra-muro da Universidade.

O HISTÓRICO DAS OFICINAS

Um desafio a ser vencido pelo ensino de Fisioterapia é a sua inserção na Atenção Básica. Esta experiência de-safiadora tem sido vivenciada pelos alunos do curso, das disciplinas profissionalizantes no 5º período até o está-gio em saúde coletiva, no 8º período. Nessa realidade, os estudantes se depararam com várias dificuldades na prestação de assistência aos usuários e na atuação junto às equipes de saúde da família, devido à formação que ainda o prepara para atuar, sobretudo, dentro dos am-bulatórios, clínicas e hospitais. O aluno tem sido então, confrontado com um cenário de atuação que expõe ou-

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III Oficina de Atenção Básica da UFPB

tras complexidades inerentes à vida e ao modo de vida das pessoas nos territórios.

A gestão da saúde do município de João Pessoa vem implantando, desde 2004, um projeto de saúde em de-fesa da vida. Algumas propostas estão inseridas nesse modelo de gestão, dentre elas, a implantação do apoio matricial e do acolhimento, a organização da atenção a partir de linhas de cuidado e a construção de projetos terapêuticos. A partir do ano de 2008, também foram implantados 13 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Os estudantes de Fisioterapia inseridos na rede municipal de serviços de saúde convivem, assim, com esse modelo de gestão, de produção de cuidado e seus dispositivos.

No segundo semestre de 2008, os estudantes envol-vidos nesse estágio encontraram diversos questiona-mentos a respeito de temas como referência e contrar-referência, acolhimento, redes de apoio no processo de trabalho em Fisioterapia, atuação interdisciplinar, mode-lo de avaliação fisioterapêutica na Atenção Básica e so-bre a realização de um trabalho terapêutico em grupo. Diante do desafio de construir esses conhecimentos e de trocar informações com docentes, com outros estu-dantes e com o serviço e a gestão dos serviços, os estu-dantes e docentes do Estágio II propuseram a realização da I Oficina de Atenção Básica, em março de 2009, cujo tema foi: “O desafio da prática fisioterapêutica na Aten-ção Básica (AB)”.

Este encontro contou com cerca de 90 participantes e teve como objetivo principal descrever as fragilidades e os desafios encontrados na prática fisioterapêutica na Atenção Básica. O resultado desta experiência foi enca-minhado para o Departamento de Fisioterapia, comissão de estágio na AB, comissão pedagógica do curso, coor-denação de curso, centro acadêmico, bem como para a gerência de educação da secretaria municipal de saúde de João Pessoa-PB, além de estar publicado na segunda edição do livro Fisioterapia na Comunidade, da editora UFPB.

A segunda Oficina de Atenção Básica foi estimula-da pela discussão que circulou nos cursos de saúde da UFPB, envolvendo os programas de reorientação da formação acadêmica para a área da saúde, objetivando preparar melhor profissionais para o SUS. Este debate ganhou força entre os estudantes do estágio em saúde coletiva, no primeiro semestre do ano de 2009, o que

culminou com a proposição de que a Oficina de Atenção Básica precisava alcançar os demais cursos de saúde da UFPB, visto que todos enfrentam dificuldades para sua inserção e atuação na AB.

Alguns autores, ao estudarem as mudanças ocorridas pela implantação das DCN’s nos cursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Odontologia na UFRN, apontam que o enfoque na saúde da família ocorre de forma pontual, desfragmentada e descontextualizada nas disciplinas do novo PPP dos cursos envolvidos na pes-quisa. Observaram, ainda, diferenças teóricas na com-preensão de conceitos fundamentais para a formação do profissional de saúde. Concluem que os estudantes dos cursos entrevistados encontram dificuldades em re-alizar atividades de promoção de saúde, desenvolvidas nas Unidades de Saúde e em suas áreas de abrangên-cia, diante de situações de complexas resoluções. Como também vivenciam sentimentos de impotência, frustra-ção e inutilidade por desconhecimento ou pela falta de prática na aplicação dos princípios de integralidade e intersetorialidade3.

Como foi dito anteriormente, iniciativas institucionais e governamentais objetivam e estimulam as mudanças na formação na área de saúde, e a UFPB se envolve neste processo com o Programa Nacional de Reorien-tação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Em 2008, a proposta integrada dos cursos de Educação Física, Farmácia, Fisioterapia e Nutrição foi contemplada pelos recursos do Pró-Saúde II. O objetivo do projeto é somar força ao Pró-Saúde I (dos cursos de Enfermagem, Medicina e Odontologia) e desenvolver um modelo referencial integrador entre a rede de ser-viço de saúde do município de João Pessoa e as práticas docentes da UFPB, objetivando a transformação das re-alidades do serviço e do ensino, a partir da mudança do processo de formação, numa perspectiva problematiza-dora, interdisciplinar e multiprofissional.

Diante do exposto, decidiu-se pela realização da Ofi-cina Ampliada de Atenção Básica pelos acadêmicos da disciplina Estágio II - “Saúde Coletiva”, do Curso de Fi-sioterapia desta Universidade, amparada e incluída nas atividades propostas pelo Pró-Saúde II, uma vez que possuía articulação entre todos os cursos da área de saú-de e seu foco era a reorientação da formação. Este en-contro realizou-se em novembro de 2009 e contou com

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Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro et al

cerca de 100 estudantes dos cursos da área de saúde, com trabalhadores do serviço e com a gestão em saúde da Secretaria Municipal de João Pessoa. Teve como sede a Universidade Federal da Paraíba e aprofundou a dis-cussão da temática central de Atenção Básica, adotando o tema “(Re)construindo práticas e integrando saberes”.

A oferta de vagas para todos os cursos da área de saúde foi uma das novidades da II Oficina Ampliada de Atenção Básica. Tal iniciativa objetivou a integração en-tre estes futuros profissionais, que são atores importan-tes na Atenção Básica, promovendo o diálogo de forma horizontal, já na formação acadêmica, e incorporando os princípios da Atenção Básica no Brasil e o conceito am-pliado de saúde. Essa oficina teve como objetivos pro-porcionar aos acadêmicos a ampliação do conhecimento sobre a atuação na Atenção Básica desde a elaboração, execução do processo de trabalho até a organização de estratégias para solução de problemas encontrados nas práticas das equipes de saúde da família; facultar aos es-tagiários o aprendizado na preparação de um evento que permite o diálogo e a integração dos universitários sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), de forma mais abran-gente e democrática; fortalecer a aproximação entre Universidade e serviço e a possibilidade da construção coletiva de um pensar/agir em saúde, de tal maneira, que as ações possam ser pactuadas e valorizadas.

A terceira oficina foi motivada por interesses que per-passavam a experiência concreta no território sobre as formas de organização das práticas dos serviços, que se desenvolviam no âmbito da Atenção Básica. Dessa forma, o investimento neste novo encontro assume caracterís-ticas organizacionais semelhantes à anterior, pois quer agregar ensino, serviço e gestão na arena de debates, mas possui aspectos peculiares na medida em que pre-tende discutir temas presentes na Política Nacional de Atenção Básica e em outras políticas a ela relacionadas.

Constata-se que as últimas décadas trazem uma sé-rie de reflexões, conjunturas e expectativas para toda a população brasileira, principalmente se levarmos em consideração o compromisso do governo em garantir meios de promover saúde à sociedade. Um das estra-tégias de ampliação do acesso aos serviços de saúde no Brasil é a Atenção Básica, que, segundo a Política Nacio-nal de Atenção Básica4

, caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a pre-

venção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a rea-bilitação e a manutenção da saúde. Apesar de se ter o conceito de Atenção Básica, ainda existem muitas polê-micas e contestações sobre esse tema, principalmente no que se refere às práticas dos trabalhadores que ainda não estão inseridos na equipe mínima e que atualmente aproximam-se da Atenção Básica através dos Núcleos de Apóio à Saúde da Família - NASF.

Associando esta questão aos principais questiona-mentos que emergiram com a vivência de inserção em equipes de saúde da família pelos estudantes no semes-tre 2010.1, percebeu-se a necessidade de uma discus-são maior sobre este tema, sendo então realizada a III Oficina Ampliada de Atenção Básica, em junho de 2010, com o tema: “O trabalho vivo da Atenção Básica: do acolhimento à significação”. O evento contou com 132 participantes, sendo eles: 93 estudantes da área de saú-de da UFPB, 21 trabalhadores das equipes e da gestão municipal e 8 docentes da UFPB.

A oficina abordou, quatro temas de mister importân-cia para a Atenção Básica, contextualizados à realidade local: apoio matricial; o papel dos profissionais no NASF; acolhimento e acesso aos serviços de saúde e o trabalho em equipe na UBS. Abaixo, alguns momentos do evento.

Cada grupo de trabalho (GT) teve como ponto de partida um objetivo e uma questão problematizadora e foi orientado a destacar as potencialidades e fragilidades encontradas nas práticas relacionadas ao seu tema, apon-tando estratégias de superação para as mesmas. Com base nessas orientações, os facilitadores desenvolveram a metodologia de trabalho do seu GT. As contribuições desta última oficina encontram-se sistematizadas nos pa-rágrafos abaixo e atualmente estão servindo de parâme-tro para reorientar ações do Pró-Saúde II.

GRUPO DE TRABALHO 1 – O APOIO MATRICIAL

Conceito e contexto

A expressão apoio matricial é composta por dois conceitos operadores. O primeiro termo sugere uma maneira para operar a relação horizontal entre sujeitos mediante a construção de várias linhas de transversali-dade, aplicada ao sistema de saúde; sugere, ainda, uma

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III Oficina de Atenção Básica da UFPB

ABERTURA DA III Oficina

GRUPO DE trabalho da III Oficina

Plenária Final da III Oficina

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metodologia para ordenar a relação entre referência e especialista com base em procedimentos dialógicos e não mais com base na autoridade5. O segundo deles in-dica uma mudança radical de posição do especialista em relação ao profissional que demanda seu apoio. Na teo-ria de sistemas de saúde, em que se prevê uma diferença de autoridade entre quem encaminha um caso e quem o recebe, o nível primário dirige-se ao secundário e as-sim sucessivamente, havendo ainda uma transferência de responsabilidade quando do encaminhamento6.

Desse modo, o apoio matricial se configura como um suporte técnico especializado, que é ofertado a uma equipe interdisciplinar de saúde, a fim de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações, podendo ser realizado por profissionais de diversas áreas7. Trata-se de uma metodologia de trabalho complementar àquela prevista em sistemas hierarquizados, a exemplo dos de conhecimentos como mecanismos de referência e con-trarreferência, protocolos e centros de regulação8.

A estratégia do apoio matricial surge de modo a re-pensar a lógica do processo saúde/doença. Contribuindo com a clinica ampliada, na qual se faz pensar a doença não como ocupante do espaço principal na vida do su-jeito e, sim, como aquilo que faz parte da mesma, pro-duzindo , com isso, a construção de um modo de fazer saúde centrado no sujeito e não mais na doença. O sujei-to não pode ser reduzido a objeto, dado que o sujeito é um ser biológico, social, subjetivo e histórico9.

O apoiador matricial é um especialista que tem um núcleo de conhecimento e um perfil distinto dos demais profissionais de referência, mas que pode agregar recur-

sos de saber e contribuir com intervenções que aumen-tem a capacidade de resolver problemas de saúde da equipe primariamente responsável pelo caso. O apoio matricial procura construir e ativar espaço para comuni-cação ativa e para o compartilhamento de conhecimento entre profissionais de referência e apoiadores8.

A Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa - SMSJP adota o apoio matricial nas práticas de gestão em saúde e as equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família formam , implantadas também na perspectiva do apoio matricial, algo que a SMSJP aponta como im-portante avanço pelo acompanhamento do cotidiano das equipes e da participação do apoio nas atividades de educação permanente.

Assim, a SMSJP continua apostando no apoio matricial como elemento-base na construção da gestão em saúde e articulação Serviço Especializado e Atenção Básica. No entanto, questões como: quais as dificuldades e as possi-bilidades da organização do trabalho, na lógica do apoio matricial, ainda se fazem presentes no cenário local e nor-teiam o objetivo do GT, que se constitui em analisar a prá-tica técnico-gerencial do apoio matricial pela análise cir-cunstanciada a partir da experiência de João Pessoa – PB.

A Oficina

A facilitadora, fisioterapeuta e Diretora do Distrito Sanitário II / SMSJP iniciou as atividades do GT com uma dinâmica de apresentação e, em seguida, deflagrou o de-bate realizando perguntas sobre o tema para que os par-ticipantes desenvolvessem suas idéias sobre o assunto, a

Estudantes organizadores da III Oficina

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III Oficina de Atenção Básica da UFPB

saber: Qual a sua idéia sobre Apoio Matricial? Como se dá o trabalho do Apoio Matricial? Quais as dificuldades e as potencialidades da organização do trabalho na lógica matricial? A metodologia utilizada foi bem válida, visto que o debate fluiu livremente, despertando o interesse do grupo com o decorrer dos questionamentos.

O Produto

Ao final do debate, os participantes conseguiram identificar as potencialidades e fragilidades referentes ao apoio matricial, construindo a partir dessas os encami-nhamentos: (ver quadro 1)

GRUPO DE TRABALHO 2 – NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA

Conceito e contexto

Os Núcleos de Apoio à Estratégia Saúde da Família - NASF, criados pela Portaria Ministerial nº 154 de 28

de janeiro de 2008, propõem oferecer suporte de uma equipe matricial vinculada às equipes de saúde da família no sentido de ampliar o escopo de ações da Atenção Bá-sica, contribuindo com a organização da demanda e inte-ragindo com a população na busca de uma nova compre-ensão do processo saúde-doença. Os NASF trazem nas suas diretrizes o conceito de pertencimento para atuar nos territórios adscritos às equipes10.

Um NASF deve ser constituído por uma equipe, na qual profissionais de diferentes áreas de conhecimento atuam em conjunto com os profissionais das equipes de Saúde da Família - SF, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios sob responsabilidade

dessas equipes. Tal composição deve ser definida pelos próprios gestores municipais e as equipes de SF, median-te critérios de prioridades identificados a partir das ne-cessidades locais e da disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes ocupações. O NASF não cons-titui porta de entrada do sistema para os usuários, lócus ou estratégia de atendimento individual, de referência

Quadro 1: Produto final do GT de apoio matricial

Potencialidades Fragilidades Encaminhamentos

Articulação da rede de serviços de saúde com a Atenção Básica.

Possibilidade de trabalho Multi/interdisci-plinar, para garantir a atenção integral no cuidado.

Especificidade na atuação, garantida atra-vés das ações de núcleo de saber de cada trabalhador.

Reflexão e mudanças de práticas assisten-ciais, priorizando no usuário, uma atenção integral, a equidade no atendimento e o acesso facilitado.

Condições de trabalho na ESF ainda são precárias e inadequadas, tanto quanto à infraestrutura das UBS’s quanto à forma-ção e valorização de trabalhadores.

Formação dos profissionais, fragmentada e ainda orientada por parâmetros do modelo biologicista e hospitalocêntrico.

Resistências e dificuldades do trabalho em equipe, traduzidas pela assistência hierarquizada (médico-centrada) e fragmentada

Dificuldade de implantação do mode-lo de organização do apoio na lógica matricial.

Fragilidade em lidar com conflitos e re-lações interpessoais entre trabalhadores da ESF na ABS..

Articulação e atuação intersetoriais para efetivação da rede assistencial de saúde, visando ações con-juntas com outras políticas públicas importantes como educação, trabalho e renda, infraestrutura urbana, etc.

Investir na formação profissional que valo-rize o SUS e seus princípios e na integração ensino-serviço.

Aprofundar as discussões sobre o apoio matricial a partir de diferentes matrizes teóricas.

Propor uma atuação do apoio matricial flexível, suscetível e dinâmico de acordo com as necessida-des do contexto onde está inserido.

Conhecer as especificidades do território de abrangência assistencial, como subsídio para o apoio matricial.

Melhoria nas condições de trabalho (estrutura, recursos, capacitação profissional) para possibilitar uma atuação mais eficaz desse trabalhador.

Fonte: Relatório Final da III Oficina Ampliada de Atenção Básica/UFPB.

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ou contrarreferência das equipes de saúde da família, mas sim de apoio às equipes11.

De acordo com a Portaria 154, a definição dos pro-fissionais que irão compor cada tipo de NASF é de res-ponsabilidade do gestor municipal, seguindo, entretanto, critérios de prioridade identificados a partir das necessi-dades locais e da disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes ocupações11.

A experiência junto ao NASF mostra-se relevante tanto no que diz respeito à ampliação da assistência á saúde das pessoas, como enquanto aprendizado para a formação acadêmica de futuros profissionais, pois per-mite o contato próximo dos discentes com a diversidade de demandas que atravessam a estrutura de serviços da rede SUS.

A experiência do NASF em João Pessoa está baseada na concepção de apoio matricial. Diferentes categorias profissionais constituem as equipes do NASF, contudo o trabalho dessas equipes tem- se concentrado mais na dimensão gerencial do apoio do que na dimensão clínica.

O GT sobre o NASF teve então, como objetivo, analisar as atividades realizadas pelos profissionais que compõem efetivamente o NASF com o intuito de uma atuação clínica e gerencial. Para tanto, foi proposta a se-guinte questão problematizadora: “Como se configura o

NASF, tomando como referência as atividades desenvol-vidas com vistas a um processo de trabalho que alinhe o gerenciamento e clínica ampliada?”.

A Oficina

Essa oficina teve como facilitadora uma apoiadora ma-tricial do Distrito Sanitário II / SMSJP e tutora da residên-cia multiprofissional em saúde da família e comunidade – UFPB/SMSJP. O primeiro turno da oficina teve início com uma dinâmica de apresentação dos participantes intitulada: batizado mineiro, na qual cada participante se apresentava e realizava um gesto correspondente a uma atividade que gosta de fazer, e em seguida as outras pes-soas repetiam o nome e o gesto realizado.

Posteriormente, a facilitadora, no intuito de apreen-der as principais demandas trazidas pelos participantes, propôs que cada um deles escrevesse em um papel sua compreensão sobre o tema NASF e/ou o que desejava saber. Os papéis foram colocados em uma bolsa e mis-turados, para que cada um dos presentes os retirasse aleatoriamente para posterior leitura. À medida que os participantes liam o que estava disposto em cada papel, a facilitadora anotava os principais pontos, os quais ser-viriam como subsídio para a discussão.

Quadro 2: Produto final do GT de NASF

Potencialidades Fragilidades Encaminhamentos

Capacidade de deslocar os profissionais da lógica curativista e os inserir em outras formas de produção de cuidado.

O NASF engloba o conceito de apoio matricial em sua atuação, evidenciando, assim, ações assistenciais e de gestão, fato que vem a colaborar com seu perfil de programa inovador.

Possibilidade de unir práticas alternativas ao processo de trabalho convencional desenvolvido pelas equipes de saúde da família.

Realização de discussões entre equipes de saúde da família - apoiadores e apoiado-res – Distrito, utilizando o foco gestão no intuito de pensar estratégias de acompa-nhamento de famílias.

Carência de disciplinas na graduação, em alguns cursos, direcionadas para abordagem de temá-ticas referentes ao campo da Atenção Básica, o que muitas vezes só é possível mediante a parti-cipação dos alunos em projetos de extensão.

Escassez de investimento em pesquisas com o objetivo de avaliar a efetividade das ações desenvolvidas pelo NASF para que este possa ser validado como estratégia.

Heterogeneidade vinculada à prática dos NASF nas diferentes cidades.

Falta de continuidade das políticas públicas com as mudanças de governo.

Ampliação da discussão sobre NASF, assim como sobre o SUS, na universidade.

Implementar conteúdos e práticas na graduação sobre Atenção Básica (NASF, apoio matricial, noções de financiamento do SUS).

Importância da realização de pesquisas que mostrem a efetividade do programa NASF.

Garantir que, nas unidades inseridas na rede escola, haja apresentação dos serviços (distrito sanitário) e maior aproximação entre apoiadores matriciais e estudantes.

Fonte: Relatório final da III Oficina Ampliada de Atenção Básica/UFPB.

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III Oficina de Atenção Básica da UFPB

Finalizada a leitura, deu-se início à abordagem pro-priamente dita do tema NASF. Foi apresentada uma breve retrospectiva histórica da implementação das ba-ses teóricas do SUS até chegar ao modelo de atuação proposto pelo NASF. Foi uma apresentação informal, aberta, para que todos os participantes pudessem con-tribuir ou fazer questionamentos. No turno da tarde a discussão foi retomada, os participantes juntamente com a facilitadora e os relatores do grupo uniram-se para a elaboração do produto do trabalho, com destaque para os encaminhamentos a serem expostos na plenária final. Para encerrar o trabalho desse grupo, procedeu-se a uma avaliação das atividades do mesmo.

O Produto

O quadro 2 o produto das discussões sobre as fragi-lidades, potencialidades e encaminhamentos no GT do NASF.

GRUPO DE TRABALHO 3 – O ACOLHIMENTO

Conceito e contexto

O acolhimento é uma ação implantada em alguns municípios, visando ao alcance do objetivo de oferecer serviços de saúde a partir de critérios técnicos, éticos e humanísticos. Acolher, no contexto dos serviços de saú-de, é receber bem, ouvir a demanda, buscar formas de compreendê-la e solidarizar-se com ela. Deve ser reali-zado por toda a equipe de saúde, em toda relação que envolve o profissional de saúde e a pessoa em cuidado12.

O acolhimento foi incluído como elemento inicial do processo de trabalho em saúde centrado em tecnologias leves, as quais se referem ao cuidado no seu sentido mais amplo, não exigindo conhecimentos profissionais espe-cíficos. Isso difere da organização atual dos serviços de saúde, centrada nas tecnologias duras, intrinsecamente dependentes de equipamentos e nas leve-duras, caracte-rizadas pelo domínio de um núcleo específico de conhe-cimentos, como a consulta médica ou de enfermagem13.

O termo “acesso” envolve uma variedade de facilitado-res e barreiras para o acesso aos recursos buscados pelas pessoas. Fatores socioeconômicos e demográficos foram

considerados determinantes principais na busca e utiliza-ção dos serviços de saúde, mediados por categorias secun-dárias, incluindo a família, o apoio social, as necessidades em saúde e as características dos serviços disponíveis14.

As análises e as alternativas de soluções para o pro-blema de acesso, em bases estritamente quantitativas, como número de atendimentos e rendimento profissio-nal, deslocam-se para tendências que buscam qualificá-lo no ato da recepção do usuário. A questão não se res-tringe a quantas portas de entrada estão disponíveis, mas, sobretudo, a sua qualidade15. O acolhimento tem se efetivado como uma atividade, com hora e objetivo específico a ser alcançado – garantir o acesso dos usuá-rios – a ser realizado por determinados profissionais, a depender do serviço, em local específico para esse fim, o que exprime a noção reduzida do acolhimento como forma de organizar a oferta dos serviços16. Nessa con-cepção, o acolhimento torna-se mais um instrumento de modificação no critério de marcação de consulta.

Tais constatações levam à reflexão de que o acolhi-mento precisa ser considerado um instrumento de traba-lho que incorpore as relações humanas, apropriado por todos os profissionais em saúde, em todos os setores, em cada seqüência de atos e modos que compõem o pro-cesso de trabalho, não se limitando ao ato de receber17. A incorporação pela Estratégia Saúde da Família de novas formas de organizar o trabalho em saúde é uma maneira de efetivar uma das proposições que a definem, além de uma necessidade para sua concretização como estratégia que visa reorganizar o SUS a partir da Atenção Básica.

Assim, o acolhimento pode ser compreendido como uma forma de organização do trabalho em saúde e, tam-bém, como uma atitude desejável no fazer de todos os profissionais da saúde, especialmente na Atenção Básica. O acolhimento vem sendo implantado pela gestão de saúde em João Pessoa nas Unidades de Saúde da Família, de forma gradual. O processo de implantação tem início com oficinas e reuniões para dar um suporte teórico à proposta e buscar sensibilizar as equipes quanto à sua validade, como dispositivo capaz de qualificar a assistên-cia. Algumas equipes estão em fase avançada do proces-so de implantação, enquanto outras estão em discussão para iniciar a implantação.

O GT sobre acolhimento teve como objetivo avaliar experiências de implantação do acolhimento em João Pessoa, destacando os avanços e os retrocessos. A ques-

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tão indicada para problematizar a temática foi “Como integrar a prática do acolhimento à oferta de serviços visando à ação interdisciplinar?”

A Oficina

O grupo de trabalho foi facilitado por uma docente do Curso de Serviço Social da UFPB e desenvolvido em dois momentos. Primeiro foi realizada uma apresentação de slides, embasando o tema. No segundo momento, foi formada uma roda de discussão, tentando listar as poten-cialidades, os enfrentamentos e os encaminhamentos.

O Produto

O resultado das discussões desse GT está apresenta-do no quadro a seguir. No que diz respeito às fragilidades do acolhimento, elas foram pontuadas sob dois critérios: a formação dos trabalhadores para implantar esse dispo-sitivo e a estrutura dos serviços. (ver quadro 3)

GRUPO DE TRABALHO 4 – O TRABALHO EM EQUIPE NAS ESF’

Conceito e contexto

O sistema de saúde pública brasileiro enfatiza o tra-balho em equipe, na medida em que estabelece a cria-ção de núcleos multiprofissionais de atuação integrada como fundamental para o desenvolvimento do trabalho no Programa Saúde da Família18. No Programa Saúde da Família, a unidade produtora dos serviços de saúde não é um profissional isoladamente, mas sim uma equipe; e o foco central da atenção não é o indivíduo exclusiva-mente, mas a família e seu contexto. As intervenções necessárias à saúde devem considerar as determina-ções biopsicossociais da saúde-doença e o cuidado na autonomia e na responsabilização dos profissionais pe-rante os usuários, famílias e comunidade. Desse modo, a assistência à saúde passa a ter a característica cen-

Quadro 3: Produto final do GT de acolhimento

Potencialidades Fragilidades Encaminhamentos

Garantia de equidade na oferta de serviços.

Estimulo às mudanças das estruturas curricu-lares dos cursos de graduação.

Disposição política dos trabalhadores em implementar a política nas USF’s.

Ampliação da relação ensino-serviço.

Melhor atendimento, cuidado e acesso ao usuário.

Valorização e construção de vínculo com o usuário.

Responsabilização dos trabalhadores com os usuários.

Emponderamento da equipe e do usuário.

Articulação dos saberes no cuidado do usuário.

Pouca compreensão dos trabalhadores, usuários e gestores sobre a Política de Humanização.

Pouca adequação na metodologia empre-gada para apropriação da política pelos trabalhadores.

Insuficiência de momentos de capacitação acerca da humanização e processo de trabalho.

Condições de trabalho incompatíveis com a implementação da estratégia de acolhimento.

Dificuldades na mediação com a rede intersetorialInsumos incompatíveis com a estratégia de acolhimento (falta de ambiência).

Falta de diálogo entre referência e contrarreferência.

Fragilidade na discussão sobre o processo de trabalho (as discussões são unilaterais).

A realização de oficinas semelhantes a essa no contexto do serviço.

Realizar um processo de avaliação, mapea-mento e monitorização das experiências de acolhimento.

Criação de espaços de troca entre as experiên-cias supracitadas.

Socialização das pesquisas envolvendo processo de humanização e acolhimento.

Melhoria de funcionamento das Unidades de Saúde (Atenção Básica, Média e Alta Complexidade).

Fortalecer e melhorar o sistema de referência e contrarreferência

Fortalecimento da articulação da rede intersetorial.

Estímulo à participação popular, buscando iden-tificar qual padrão de acolhimento a população deseja.

Fonte: Relatório Final da III Oficina Ampliada de Atenção Básica/UFPB.

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tral de um trabalho coletivo, complexo e que busca a interdisciplinaridade19.

O trabalho em equipe consiste em uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recípro-ca entre as intervenções técnicas e a interação dos agen-tes. Há duas modalidades de equipe: equipe integração e equipe agrupamento, e os critérios de reconhecimento dos tipos de equipe dizem respeito à comunicação en-tre os agentes do trabalho; diferenças técnicas e desigual valoração social dos trabalhos especializados; formula-ção de um projeto assistencial comum; especificidade de cada área profissional; e flexibilidade da divisão do traba-lho e autonomia técnica20.

O trabalho em equipe deve envolver uma atuação mul-tiprofissional, na qual cada um dos agentes tem definidas as suas atribuições e sua base de atuação, seja no ambien-te da UBS, seja na comunidade, seja, ainda, junto aos de-mais profissionais da equipe. A articulação entre as ações e a interação entre os profissionais é essencial à configura-ção do trabalho em equipe. Essa forma de produzir saú-de – a articulação de profissionais – é considerada como uma estratégia básica na atenção à saúde no SUS, uma vez que surge como um meio de transformar a produção e a distribuição dos serviços de assistência à população com vistas à reorganização das práticas de saúde21.

Sendo assim, o atendimento oferecido por uma UFS deve ser multiprofissional e interdisciplinar, ou seja, no tra-balho em equipe cada profissional é instigado a participar coletivamente, para que haja resultado mediante a con-tribuição de cada profissão. Na realidade de João Pessoa, esta característica é marcante e presente no cotidiano das equipes de saúde da família e das atividades de ensino de-senvolvidas na rede, uma vez que o apoio matricial, NASF e o acolhimento dependem da articulação dos diversos saberes dos profissionais que produzem o cuidado.

Neste contexto, o GT de trabalho em equipe nas USF’s teve como objetivo rastrear os elementos que fragilizam e potencializam o trabalho vivo nas equipes de saúde da família, partindo da seguinte problematização: como se configura o trabalho vivo dos profissionais de saúde nas ESF’s?

A Oficina

A metodologia utilizada pelo facilitador do GT (um docente do Departamento de Promoção da Saúde/

CCM/UFPB) foi a da construção do pensamento cole-tivo, através da organização das idéias em tarjetas, fa-cilitando assim a visualização. A elaboração das idéias era feita através de questionamentos que instigavam a reflexão critica do grupo. Antes de chegar à discussão do trabalho em grupo, foram discutidos alguns conceitos como o de trabalho, o trabalho vivo e a importância do trabalho em equipe.

O Produto

O produto final da construção do pensamento coleti-vo sobre o trabalho em equipe pode ser visualizado no quadro 4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização das oficinas de Atenção Básica tem re-velado a necessidade de refletir e avaliar as práticas de saúde, buscando superar as dificuldades. A ampliação da oficina para os demais cursos da saúde revela a potencia-lidade do debate envolvendo todos os atores atuantes na rede de serviços, garantindo a presença de trabalhado-res, gestores, docentes e discentes, possibilitando iden-tificar as possibilidades e os nós críticos na integração ensino-serviço.

O produto dos grupos de trabalho expõe questões relativas ao serviço, à gestão e ao ensino. No tocante ao serviço, destacam-se questões referentes ao processo de trabalho das equipes, tais como, a importância da res-ponsabilização dos trabalhadores pelos usuários, a po-tencialidade do acolhimento para estreitar os vínculos, as dificuldades de relacionamento interpessoal inerentes ao trabalho em equipe. Em relação à gestão, são apontadas questões, tanto no âmbito da política em nível nacional, a exemplo da falta de continuidade nas ações de saú-de decorrentes das mudanças de gestores, quanto nas questões referentes à estrutura dos serviços de saúde e à política salarial.

Muitas questões indicadas como dificuldades, mas que também foram apontadas como encaminhamento para a superação dos problemas, dizem respeito ao ensino. A perspectiva de que as mudanças na formação podem refletir mudanças significativas e profundas na prática profissional esteve bem presente no trabalho dos gru-pos. Destacam-se, nessa dimensão, a insuficiência da

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Quadro 4: Produto final do GT de trabalho em equipe nas USF’s

Potencialidades Fragilidades Encaminhamentos

Contribuição de cada especialidade, na constru-ção da atenção integral.

Abordagem no contexto biopsicossocial que considera a visão ampliada do processo saúde- doença.

Complementaridade das ações assistenciais na diversidade profissional.

Diversidade de possibilidades de interfaces assistenciais.Aprender com o saber do outro profissional.

Compreensão sobre ações coletivas multiprofis-sionais e interdisciplinares.

Possibilidades de programar ações multiprofissio-nais e interdisciplinares coletivas.

Trabalhos isolados, fragmentados e pouco resolutivos.

Não saber lidar com as diferenças pessoais e coletivas que interferem no trabalho em equipe.

Resistência à entrada de novos parceiros na equipe.

Trabalho profissional isolado nas ações assistenciais.

Falta de comunicação entre a equipe.

Interesses distintos dentro das equipes de trabalho na ação assistencial.

Lidar com as limitações pessoais e com as dos outros.

Condições de trabalho precárias, além de excesso e diversidade de atribuições.

Uso inadequado do espaço geofísico e funcional para planejamento das ações de equipe.

Excesso de demandas assistenciais e de alta complexidade.

Falta de base na formação profissional, para trabalho em equipe.

Estimular o trabalho em equipe durante a formação acadêmica, na perspectiva de reorientar o perfil profissional para este trabalho.

Criar momentos de vivências interpessoais nas equipes para potencializar o trabalho integrado.Incentivar ações assistenciais integradas e em grupo.

Troca de saberes nas ações multiprofissionais e interdisciplinares em equipe.

Construir experiências sobre currículos integrados no espaço da formação.

Fonte: Relatório Final da III Oficina Ampliada de Atenção Básica/UFPB.

experiência acadêmica na Atenção Básica, a necessidade de vivência interdisciplinar na formação, a realização de pesquisas que possam contribuir para avaliar políticas de saúde, a exemplo da proposta do NASF, bem como o trabalho na Atenção Básica.

Cabe-nos, ainda, agradecer a todos os estudantes que vêm se comprometendo com as mudanças na for-mação e assumem, de forma brilhante, a responsabili-dade de organizar as oficinas e elaborar os relatórios finais. Registramos também a contribuição de todos os trabalhadores das equipes saúde da família e da gestão municipal de João Pessoa nas atividades de ensino de-senvolvidas pela UFPB. Enfim, conforme proclamado na língua crioula por um estudante “caboverdeano” no

encerramento da III oficina, “Ki Deus ta djuda nhôs!” (Que Deus vos ajude!), na luta pela construção de um sistema de saúde universal, equanime e integral, com trabalhadores e gestores compromissados com a popu-lação brasileira.

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III Oficina de Atenção Básica da UFPB

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Dra. Kátia Suely Queiroz Silva RibeiroLaboratório de Estudos e Práticas em Saúde Coletiva – CCS- Depto. FisioterapiaCampus I - Cidade Universitária - João Pessoa CEP - 58059-900 PBE-mail: [email protected]

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