discurso e preconceito- sentidos da valorizaÇÃo Étnico-racial e da resistÊncia nas mÚsicas da...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA
DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÊNCIA NAS
MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S
Conceição do Coité, 2011
GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA
DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS
MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social (Rádio e TV) da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação com Habilitação em Rádio e TV, sob a orientação do Prof. Msc. Tiago Santos Sampaio.
Conceição do Coité, 2011
GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA
DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS
MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social (Rádio e TV) da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação com Habilitação em Rádio e TV, sob a orientação do Prof. Msc. Tiago Santos Sampaio.
Data:____________________________
Resultado:________________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. (orientador)___________________
Assinatura________________________
Prof.____________________________
Assinatura_______________________
Prof.____________________________
Assinatura_______________________
O negro sempre foi vítima de discriminação, tanto social quanto racial. Por isso, dedico esse trabalho a todos os movimentos sociais da negritude que lutaram e ainda lutam por essa causa - almejam uma futura igualdade racial.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente a Jesus Cristo, Senhor e Salvador de minha alma que,
com seu sacrifício na cruz do calvário me ensinou o amor ao próximo como
premissa imprescindível ao caráter humano. E que me deu força e sabedoria para
que eu conseguisse essa vitória.
Agradeço em especial aos meus pais. Meus primeiros educadores e, certamente, os
mais importantes da minha vida. Minha mãe pelo amor incondicional e parceria,
exemplo de mulher que devo seguir. Meu pai, pelo apoio integral e pelo incentivo,
mesmo diante de muitas dificuldades. Vocês fazem parte desse caminho. Amo
vocês!
À Rômullo Alves Cedraz, seu amor, companheirismo, cumplicidade e compreensão
foram fundamentais nestes últimos anos. Sei que neste período, muitas vezes teve
que conviver com minha ausência. Por isso mais uma vez muito obrigada, você
também faz parte dessa conquista e foi um fator importante, tanto como acalento de
meu coração, como na minha formação profissional. Te Amo!
A minha família (irmãos, tios, avô e primos) que foi e é um fator de suma importância
na minha trajetória, desde os primeiros passos até o fim de minha vida.
Às Minhas amigas Osméria Almeida Carneiro (Bella Almeyda) e Mariana Azevedo,
por estar sempre junto a mim nos momentos difíceis que tive de enfrentar.
Aos meus ex-colegas de trabalho pelo apoio e pela compreensão na minha
ausência, em especial ao diretor, Fernando Cedraz de Oliveira Filho e ao Vice-
diretor, Odeval Moraes Carneiro.
A Henrique Valença, por sua colaboração e compreensão nos momentos que mais
precisei de um suporte.
Ao Professor e orientador Tiago Santos Sampaio
E a todos e todas que direta ou indiretamente me ajudaram nessa conquista. Grata
por tudo.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar...”
Nelson MandelaRESUMO
Esta monografia tem como objeto de estudo a análise das letras das músicas da banda Reflexu’s, a partir da Análise do Discurso de orientação francesa (AD). Parte-se do pressuposto de que essas músicas têm seus sentidos construídos especialmente para dois aspectos centrais: a valorização étnico-racial e o protesto contra o preconceito racial. Partindo da premissa de que o negro sempre foi oprimido e posto em lugar de desvantagem se comparado ao branco, a banda, por meio das suas músicas, promovia a possibilidade de uma reflexão sobre a igualdade social em suas relações com as questões étnico-raciais. A estrutura da monografia é dividida em 3 capítulos – o primeiro faz uma breve contextualização do racismo, de forma a caracterizá-lo, abordando acerca da complexidade que existe sobre a idéia de raça; No segundo, são abordados conceitos da Análise do Discurso (AD) de orientação francesa, respaldada em estudos elaborados, principalmente por Michel Foucault e Michel Pêcheux. O último capítulo faz a análise dos enunciados retirados das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s. É necessário ponderar que a banda utiliza-se de recursos baseados em discursos de resistência e valorização com intuito de transmitir uma mensagem contra o preconceito racial através da exaltação e valorização dessa etnia. Para fins de facilitar o trabalho, a análise foi subdividida em 2 categorias: A primeira refere-se aos enunciados que remete a resistência contra o preconceito racial e a segunda aos de valorização da etnia negra. A partir da análise dos enunciados pode-se inferir que os sentidos e significados enraizados nas letras das músicas da banda Reflexu’s, refletem acima de tudo a um desejo de liberdade que através da simbolização remetem a uma africanidade ancestral por meio da utilização de elementos culturais. Utilizando-se da memória discursiva, representou todo um passado histórico. Já com as condições sociais de produção, foi possível perceber a importância do contexto em que esses discursos estavam inseridos.
Palavras-chave: Análise do Discurso; Preconceito Racial; Protesto; Valorização
étnico-racial; Música.
ABSTRACT
This monograph has as its object of study to analyze the lyrics of the band's Reflexu from the Discourse Analysis of French oriented (AD). It starts from the assumption that these songs have their senses built especially for two central aspects: the valuation and the ethnic-racial protest against racial prejudice. Assuming that the black has always been oppressed and put in place a disadvantage compared to white, the band through their music, promoted the possibility of a reflection on social equality in their relationships with ethnic and racial issues. The structure of the monograph is divided into three chapters - the first is a brief background of racism in order to characterize it, focusing on the complexity that exists on the idea of race: In the second, concepts are covered Discourse Analysis (DA ) French guidance, supported the concepts developed primarily by Michel Foucault and Michel Pecheux. The last chapter is the analysis of statements taken from the lyrics to 17 songs from the band's Reflexu’s. It is necessary to consider that the band makes use of features based on discourses of resistance and enhancement in order to convey a message against racial prejudice through praise and appreciation of this ethnic group. In order to facilitate the work, the analysis was divided into two categories: The first refers to statements that refers to resistance against racial prejudice and the second valuation of the black race. From the analysis of statements can be inferred that the meanings embedded in the lyrics of their songs Reflexu's reflect above all a desire for freedom through the symbolization refer to an African ancestor through the use of cultural elements. Using the discursive memory, represented a whole historical past. Now with social conditions of production, it was possible to realize the importance of context in Which these talks were inserted.
Keywords: Discourse Analysis; Racial Prejudice, Protest, ethnic and racial Appreciation, Music.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO-----------------------------------------------------------------------------------------09
1. RACISMO E HISTÓRIA -------------------------------------------------------------------------13
1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO--------------------------------------------------------------13
1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS------------------------------------------14
1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA----------------------------------------------------17
1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL-------------------------------------------------------20
1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO
BRASIL------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------22
1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SOCIO-
ECONÔMICOS--------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------27
2. ANÁLISE DO DISCURSO-----------------------------------------------------------------------30
2.1 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSSO-------------------------------------------30
2.2 DISCURSO E PODER--------------------------------------------------------------------------
2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO-------------------------
2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA----------------------------------------------
2.5 ENUNCIADO----------------------------------------------------------------------------------------
2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA-------------------------------------------------------------------------
2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA-------------------------------------------------------------------
3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA ----------------------------------------------------------40
3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL
3.2 VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE----------------------------------
REFERÊNCIAS----------------------------------------------------------------------------------------
APÊNDICE-----------------------------------------------------------------------------------------------
ANEXOS-------------------------------------------------------------------------------------------------
INTRODUÇÃO
É fato que a participação do negro, em todas as dimensões da sociedade,
sempre foi marcada pela submissão dos valores da cultura negra em relação aos
brancos. Historicamente os negros sempre estiveram subordinados na estrutura
social e econômica, tanto no período escravocrata quanto nos que se seguiram.
Para Lilia Moritz (2002), o preconceito racial brasileiro tem suas raízes no século
XVIII, quando se iniciou o tráfico dos negros escravizados para o país. A sociedade
se desenvolveu preconceituosamente, mesmo sendo este um país de maioria afro-
descendente. Esta questão, no entanto, não é amplamente discutida e abordada
pelos veículos de comunicação, camuflando o preconceito com a afirmação da
existência de uma suposta democracia racial.
Não são poucos os exemplos de manifestações sociais e culturais que
existem em prol de uma política antirracista ao longo da história da humanidade. No
Brasil não foi diferente. No decorrer da história brasileira podem-se observar
diversas ações e manifestações contra o preconceito racial. Um exemplo que pode
ser citado é a organização do Movimento Negro Unificado (MNU), que produziu e
incentivou no Brasil, desde a década de 1970, uma ampla discussão sobre questões
raciais do ponto de vista das populações de ascendência africana.
A partir desses movimentos uma minoria de negros conseguiu amenizar, em
parte, as barreiras impostas pelo preconceito e exclusão social. Entretanto, apesar
de tantas lutas, a população negra continua sendo marginalizada pela sociedade e é
vista ainda como despreparada. Não porque tenha menos capacidade, mas porque
nunca lhes foi possível expor a contento ou desenvolver todas as suas
potencialidades. Este problema social, enfrentado até hoje, tem suas origens quando
foi abolida a escravidão e não houve nenhuma política social de integração dos
negros às atividades comuns, o que ocasionou a formação de uma classe
desfavorecida, a qual, mais tarde, foi classificada a partir de mecanismos
preconceituosos surgidos a partir de estudos de evolução biológica do século XIX,
período no qual se aplicou o conceito de raça à humanidade, marcando a relação de
superioridade e inferioridade entre brancos e negros. Tal concepção justificou as
respectivas relações de dominação. A noção de raça foi elaborada intrinsecamente
para justificar e naturalizar as relações entre dominadores e dominados sob a falsa
ótica de superioridade e inferioridade entre seres humanos.
Existe no Brasil um ideário de país cordial caracterizado pela presença de um
povo pacífico, sem preconceito de raça. Mas a realidade é que em nosso país existe
de fato um racismo camuflado, disfarçado no mito da democracia racial, oriundo de
uma tradição mental racista. Para muitos teóricos contemporâneos, o racismo
brasileiro tem se tornado uma arma ideológica. A etnia1 negra sempre foi
discriminada por uma maioria da sociedade, a qual tende a negar a existência de
uma discriminação racial.
O mito da democracia racial é uma crença, que por muito tempo vigorou, e
ainda vigora, no Brasil, fazendo com que muitos acreditassem que não havia
obstáculos para a ascensão social do negro, diferentemente de outros países como
os EUA e a África do Sul, onde o racismo se efetiva através de conflitos raciais
abertos. A imagem que por muito tempo se cultivou no Brasil era a de um país
democrático no quesito racial. Porém, essa crença se chocava com a realidade
nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro. Porém, essa crença se
chocava com a realidade nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro.
A década de 1980 foi um período caracterizado por inúmeras manifestações
político-sócio-culturais em prol da efetiva democracia racial brasileira, fazendo com
que alguns artistas buscassem na música uma forma de denunciar o preconceito e
as injustiças sociais que se manifestavam de diversas maneiras durante essa
década. Diante disso, torna-se relevante e necessário aprofundar o conhecimento
sobre esse tema, contextualizando e caracterizando o papel da música uma vez que
esta funcionará aqui um alvo de análise sobre a produção de sentidos ao assumir-se
como instrumento de contestação e resistência.
A música tornou-se, assim, para os negros, mais que um espaço de
representação sem fronteiras, para funcionar como um símbolo de resistência e
contestação. A música sobre o preconceito racial existe há muito tempo. No Brasil,
foi a partir da redemocratização, na década de 1980, que a música como forma de
protesto contra o preconceito racial ganhou popularidade. Desde então, a sociedade
1 Será utilizada a nomenclatura etnia em detrimento da de raça, já que a gênese da idéia de raça, base do pensamento racista, é de onde se originou a ideologia de superioridade e racial. (SKIDMORE, 1976)
brasileira passou a buscar na música uma forma de representação social e protesto,
oriunda de uma perspectiva que é possível integrar a esta elementos históricos e
culturais.
Foi nesse contexto que a banda Reflexu's se destacou, tornando-se a
primeira banda baiana a se projetar no cenário nacional dessa década. A trajetória
da banda evidencia uma proposta especialmente de protesto, traduzindo
musicalmente uma riqueza cultural, baseada na denúncia e na valorização da etnia
negra.
Pensando nessas considerações, esta monografia objetiva analisar a
construção do discurso de valorização da negritude e de protesto contra o
preconceito racial nas letras de algumas músicas da banda baiana Reflexu's. De
forma específica e como premissas analíticas objetiva compreender as condições
históricas do contexto brasileiro que ensejaram a produção de discursos de protesto
– logo de valorização étnico-racial – apontando genericamente para o tratamento
conferido a estas questões nas músicas do período analisado; repertoriar e discutir
as categorias teórico-metodológicas da Análise do Discurso de orientação francesa
(AD) e identificar e analisar os recursos discursivos que constroem os sentidos de
protesto e exaltação da negritude nas letras das músicas da banda Reflexu´s.
O problema parte da questão de como são construídos discursivamente os
sentidos de valorização étnico-racial e de protesto contra o preconceito racial nas
letras das músicas da banda Reflexu´s. O argumento hipotético gira em torno da
pressuposição de que a música é trabalhada a partir de recursos discursivos
carregados de mecanismos de persuasão que visam transmitir uma mensagem
contra o preconceito racial através e valorização dessa etnia através da constante
exaltação de elementos culturais em suas relações com os processos históricos.
Como referencial teórico, a pesquisa partiu dos estudos realizados no âmbito
da Análise de Discurso de orientação francesa (AD), utilizando autores como Michel
Foucault e Michel Pêcheux, que criaram conceitos e categorias, facilitando assim o
entendimento da construção dos sentidos, significados e posicionamentos
ideológicos existentes nos discursos. A música, enquanto discurso, permite focalizar
a linguagem em seu funcionamento, o sujeito em interação, produzindo sentido por
meio da linguagem em dada situação e contexto histórico, concebendo a relação
entre história, sujeito e linguagem, na complexa decorrência de produção de
sentidos (ORLANDI, 2005).
Entende-se a partir da AD que os aspectos relevantes discutidos, sobre as
músicas da banda Reflexu’s, bem como o tipo de análise, a maneira, a extensão da
discussão a estes dedicados e sua ordem de apresentação, são decisões do
analista que subentendem uma atitude crítica a partir da AD. Para tanto, será
analisada uma amostra com 17 letras de músicas, as quais seguem anexadas. Em
um universo de aproximadamente 75 músicas, estas foram escolhidas de acordo
com a aproximação da abordagem do tema em questão.
A estrutura da monografia é dividida em três capítulos: apresenta um breve
histórico do racismo e como este foi se constituindo ao longo da nossa história. Uma
história marcada pelo preconceito e discriminação racial numa sociedade
marcadamente pluricultural; O Capítulo 2 aborda as categorias de análise da AD,
bem como trabalha alguns conceitos intrínsecos a ela; O Capítulo 3 traz o estudo
específico sobre as análises propriamente ditas, ou seja, a análise do discurso das
letras das músicas.
1. RACISMO E HISTÓRIA
Analisar sob uma visão crítica as relações raciais no Brasil foi e tem sido uma
tarefa difícil, sobretudo porque o país possui uma imagem de nação racialmente
democrática. Ao avaliar as várias dimensões das relações existentes entre
indivíduos negros e brancos torna-se perceptível que os negros sempre estiveram
em posições desiguais em relação à oportunidade de emprego e educação, por
exemplo. Para tentar justificar esta afirmativa tem sido evocada a herança da
escravidão como um dos argumentos principais.
1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO
O processo de escravidão de acordo com a definição dada por Paul Lovejoy
é uma forma de exploração que possuía características especificas que
Incluíam a idéia de que os escravos eram propriedade; que eles eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição de um senhor [...] e que a condição de escravo era herdada, a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar essa situação. (LOVEJOY, 2002, p. 29-30)
A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser
contestada pela Inglaterra, que proibiu o tráfico de escravos, pressionando o país a
aprovar a Lei Eusébio de Queiróz, abolindo o tráfico negreiro. Aprovou-se logo em
seguida a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a
partir daquela data e foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que garantia liberdade
aos escravos com mais de 60 anos de idade. Somente no final do século XIX é que
a escravidão foi mundialmente proibida. No Brasil, sua abolição foi tardia, ocorrendo
em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa
Isabel.
A lei deu a “liberdade” aos escravos, porém não resolveu os problemas racias.
A realidade foi cruel com muitos deles. Sem moradia, e em condições econômicas
precárias, muitos negros não conseguiam emprego, sofriam preconceito e
discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas
condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários. Fazendo uma
releitura do processo de abolição brasileiro, Lilia Schwarcz afirma que esse
procedimento:
Carregava consigo algumas singularidades. Em primeiro lugar, a crença enraizada de que o futuro levaria a uma nação branca. Em segundo, o alívio decorrente de uma libertação que se fez sem lutas nem conflitos e sobretudo evitou distinções legais baseadas na raça [...] Além disso, em lugar do estabelecimento de ideologias raciais oficiais e da criação de categorias de segregação [...] já nesse contexto projetou-se aqui a imagem de uma democracia racial, corolário da representação de uma escravidão benigna.(SCHWARCZ, 1998, p. 187)
A discriminação sempre existiu ao longo da história como um fenômeno
social, no entanto, o racismo tal como concebemos hoje, é um conceito
relativamente recente. Surgiu essencialmente como uma justificativa da escravidão e
do colonialismo, opondo-se aos movimentos abolicionistas emergentes.
1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS
O racismo é uma teoria construída sob a égide da pureza e separação da
raça, respaldada em uma falsidade cultural ou científica que nasce no século XVIII,
mas eclode no século XIX, período em que surgem as teorias sobre as diferenças
entre as raças. É considerado ainda como a manifestação do preconceito e da
discriminação que permeiam as relações de raças em uma sociedade (MUNANGA,
1996). Segundo Skidmore (1976), as teorias raciais podem-se dividir em três grupos.
A primeira escola é a etnológico-biológica, cuja afirmação centrava-se no argumento
de que as diferenças fisiológicas representavam as variedades da raça humana e
que tais diferenças tinham ligação com o clima a que cada raça estava exposta,
confirmando assim a superioridade branca sobre índios e negros. A segunda, a
escola histórica, argumentava que as raças podiam ser fisicamente diferentes umas
das outras, com a branca superior a todas as outras, por que o gene do homem
branco seria mais forte. O terceiro grupo teórico de pensamento racista foi o
chamado darwinismo social. Defendia um processo evolutivo que iniciava com uma
única espécie, na qual as raças evoluíam de formas inferiores para superiores,
resultado da sobrevivência dos mais aptos. Todas essas teorias tinham intuito de
justificar a superioridade do homem branco.
O então chamado racismo científico ganha corpo nas grandes nações do
mundo. No Brasil, o seu desdobramento na política e na sociedade do período
tornou-se assunto amplamente debatido entre os historiadores, sociólogos,
antropólogos e cientistas políticos. Essa nova abordagem histórico-sócio-
antropológica considera que
A origem do racismo não é cientifica, e o homem não nasce com preconceito. É política, social ou econômica, prestando-se para justificar seus interesses, exploração econômica, ou como argumento para a dominação política. (CARNEIRO, 2005, p. 9)
Ou seja, a teoria raciológica, serviu principalmente para concretizar os
interesses econômicos e políticos das grandes potências colonizadoras que estavam
interessadas em dominar certos segmentos populacionais, como exemplo, os povos
da América, Ásia e África.
As teorias raciais impulsionaram as desigualdades entre os seres humanos e
por meio do conceito de “raça” puderam classificar a humanidade. Para Munanga “a
raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito, aliás,
cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em
raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem” (2004, p.
19).
1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA
O termo raça tem uma variedade de acepções, geralmente utilizadas para
descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características
morfológicas. A idéia de raça tem sido questionada pela chamada genética de
populações, que se debruça sobre a variabilidade biológica das populações
humanas. Desde as atrocidades do nazismo, no contexto da Segunda Guerra
Mundial, esse termo vem sendo refutado por biólogos e cientistas sociais, já que
vem sendo usado para se referir à cor da pele e à aparência das pessoas ou mesmo
a sua ancestralidade. Politicamente, o conceito de raça também é utilizado por
setores de movimentos negros na luta contra o racismo.
No Brasil, o conceito de raça foi retomado pelo movimento negro na segunda
metade do século XX, especificamente no final da década de 1970, destacando-se o
MNU, surgido em 1978. Hoje presente em quase todo o Brasil, é referência de
grande significado para a luta político-ideológica de encaminhamentos de agregação
e mobilização da população afro-descendente.
Por conta dessa multiplicidade de significações acerca desse conceito é que a
ciência e a política têm se entrelaçado nos debates sobre raça no Brasil, baseados
numa suposta desigualdade genética entre os indivíduos. Alertam para os perigos
postos pelo determinismo genético que podem abrir margem para novas formas de
racismo.
O tema da raça é ainda mais complexo na medida em que inexistem no país regras fixas ou modelos de descendência biológica aceitos de forma consensual. Afinal, estabelecer uma “linha de cor” no Brasil é ato temerário, já que essa é capaz de variar de acordo com a condição social do individuo, o local e mesmo a situação. Aqui, não só o dinheiro e certas posições de prestigio embranquecem, assim como, para muitos, a “raça”, transvestida no conceito “cor” transforma-se em condição passageira e relativa. .(SCHWARCZ, 1998, p. 182)
Lideranças do movimento negro têm questionado também a utilização do
conceito de raça, por acreditar que ela reforça, através da biologia, o discurso da
miscigenação que tende, por sua vez, a ser associado à existência de uma
democracia racial no Brasil, fornecendo, desta forma, um respaldo biológico para o
discurso da mestiçagem que, historicamente, tem sido acionado para se minimizar a
existência de racismo e das desigualdades raciais no Brasil.
O final dos anos de 1930 é marcado no Brasil pela dominância de uma certa
ideologia mestiça, pela qual os teóricos do racismo afirmavam que o problema racial
brasileiro residia na miscigenação, ou seja, estavam preocupados com o problema
da mistura racial. O mestiço era o exemplo da “degeneração” surgida com o
cruzamento de “espécies diversas”. De acordo com Raeders (1988), o principal
nome nesse sentido foi o de Arthur de Gobineau, autor do “Ensaio sobre a
desigualdade das raças humanas”. Nesta obra, ele postula que a história deriva da
dinâmica das raças, subdividindo a humanidade em três complexos raciais: branco,
amarelo e negro. Esclarece que a desigualdade das raças humanas não era uma
questão absoluta, mas um fenômeno ligado à miscigenação, colocando assim o
futuro do progresso histórico dependente da ação direta ou indireta das raças
brancas. Para Ali Kamel, que também escreve a cerca do assunto:
O debate em torno de raças no Brasil sempre foi intenso. Deixando de lado todo o debate entre escravocratas e abolicionistas, o século XX foi todo ele permeado por essa discussão. Nas primeiras décadas do século passado, o pensamento majoritário nas ciências sociais era racista. Mas até ele reconhecia que o Brasil era fruto da miscigenação. (KAMEL, 2209, p.18)
Diante disso, o Brasil era considerado pelos europeus como um país mestiço.
A visão era que o negro desaparecesse pela miscigenação e que algum dia o Brasil
seria branco. Muitos nesse período, como Louis Agassiz, afirmavam que era no
Brasil que as melhores qualidades do branco, negro e índio estavam se apagando
rapidamente, deixando surgir um tipo indefinido e híbrido. Já Raeders (1988),
definiu-a como uma população mulata, “assustadoramente feia”.
Essas teorias racistas impregnaram o Brasil do século XX. A imagem de um
país contraditório diante dos seus avanços e recuos sociais, políticos e científicos,
ora era colocado, em ritmo de modernidade, ora como símbolo de atraso, atribuído
por alguns à presença de negros. Como resposta, segundo Schwarcz (1998), na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 1976,
pesquisadores do IBGE registraram 136 respostas, intituladas de “Aquarela do
Brasil” 2 diferentes relacionadas à cor negra, ou seja, as nomenclaturas foram dadas
com intuito de substituir a identidade negra. Isso foi interpretado pelos movimentos
2 Ver anexo
negros como um dos efeitos do racismo disseminado na sociedade brasileira.
Darcy Ribeiro (1985) já dizia que prevalece em todo Brasil uma expectativa
assimilacionista, que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros
desaparecessem pela branquização progressiva. Fazendo com que ocorra uma
suposta e efetiva modernização dos brasileiros, procedente tanto por meio da
branquização dos pretos, como pela negrização dos brancos.
As tórias raciais teorias pregavam o cruzamento inter-racial como forma de
resolver o problema de um país negro e mestiço. Para Skidmore a teoria do
branqueamento
[...] baseava-se na presunção da superioridade branca, às vezes, pelo uso dos eufemismos raças “mais adiantadas” e “menos adiantadas” e pelo fato de ficar em aberto a questão de ser a inferioridade inata. À suposição inicial juntava-se a mais duas. A primeira – a população negra diminuía progressivamente em relação à branca por motivos que incluía a suposta taxa de natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças, e a desorganização social. Segundo – a miscigenação produzia “naturalmente” uma população mais clara, em parte porque o gene branco era mais forte e em parte porque as pessoas procurassem parceiros mais claros do que elas. (SKIDMORE, 1976, p.81)
Essa ideia afirma a busca da negação da imagem de inferioridade inata dos
mestiços. A intelectualidade brasileira forjou uma conclusão otimista afirmando que a
miscigenação não produzia de maneira inevitável “degenerados”, mas uma
população branca, tanto cultural quanto fisicamente superior (Skidmore, 1976). A
imigração de europeus apareceu nessa conjuntura como veículo impulsionador do
branqueamento da nação, pois, constituindo uma “raça mais forte”, se imporiam no
contexto racial brasileiro.
Sílvio Romero, autor expoente que escreveu sobre o branqueamento, expõe
uma ideia da agregação das raças, característica do Brasil.
A obra de transformação das raças entre nós ainda está mui longe de ser completa e de ter dado todos os seus resultados. Ainda existem os três povos distintos em face um dos outros; ainda existem brancos, índios e negros puros. Só nos séculos que se nos hão de seguir a assimilação se completará. (ROMERO, 1954, p.52).
Fica evidente que o autor acreditava na viabilidade de um futuro no qual, por
meio da mestiçagem, o sangue de negros e índios viesse a desaparecer da
sociedade, mesmo que fosse preciso esperar por séculos, dando lugar aos mulatos,
que surgiram com o processo de embranquecimento, significando que o Brasil seria
uma nação sem raça. Esta era a imagem passada para o exterior, de um país
democrático no quesito racial. Começa então a ser discutido o mito da democracia
racial.
1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA
O ideário da democracia racial brasileira surgiu por volta da década de 1930 e
era caracterizado como “um sistema legal desprovido de qualquer barreira legal ou
institucional para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial
desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou descriminação”
(DOMINGUES, 2005, p. 116). Essa idéia foi formulada de forma exemplar por
Gilberto Freyre (1999), que contribuiu muito para a legitimação científica da
afirmação de que no Brasil não havia preconceitos e discriminações raciais. A partir
de uma análise minuciosa da formação da sociedade brasileira, descreve como se
dava a relação senhor-escravo dentro do engenho, ressaltando a “benevolência” e a
“solidariedade” que permeavam esse universo. Freyre também valorizou a fusão das
três raças ou a interpenetração das culturas portuguesa, indígena e africana na
formação do Brasil e de seu povo.
Essa argumentação era consistente, uma vez que se baseava na positividade
da intensa mestiçagem da população, fundamentada na riqueza das diferentes
contribuições culturais a formar uma nova e rica civilização nos trópicos,
caracterizada ainda por baixo grau de tensão inter-racial. A respeito dessa
civilização nos trópicos, Sampaio afirma que as condições geográficas foram
utilizadas pelas teorias raciológicas como fatores definidores da caracterização das
raças.
Encontrareis, nos climas do Norte, povos que tem poucos vícios, muitas virtudes, sinceridade e franqueza. Aproximai-vos dos países do Sul e acreditareis afastar-vos da própria moral: as paixões mais ardentes multiplicarão os crimes; cada um procurará tomar sobre demais todas as vantagens que podem favorecer essas mesmas paixões. (MONTESQUIEU APUD SAMPAIO, 2006, p. 32)
Outro conceito também muito discutido na década de 30 foi inserido por
Sergio Buarque de Holanda (1995), na qual analisa como as relações entre índios,
escravos e portugueses nestas terras do sul acabaram por gerar um povo particular,
especial, que pode ser entendido através da imagem do homem cordial. Holanda
(1995) afirma que o homem cordial é resultado da cultura patrimonialista e
personalista própria da sociedade brasileira. Essa cordialidade enfatizava o
predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e
a padronização. Para o autor, as relações familiares não eram benevolentes para a
formação de homens responsáveis, pois havia uma hegemonia patriarcal vinculada
também ao homem cordial, a qual impedia uma distinção entre a noção de público e
privado. A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços
familiares a partir do momento que ele se torna um cidadão gera o homem cordial.
Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém
precisa conhecê-lo primeiro. Holanda considera o Brasil uma sociedade onde o
Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo
doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente
do Estado.
Pode-se inferir, portanto, que tanto a obra de Gilberto Freyre como a de
Sergio Buarque de Holanda constituem referencial básico para discutir a sociedade
brasileira, mas muitas dessas hipóteses e conclusões foram posteriormente
rechaçadas por uma nova geração de intelectuais que, entre os anos 1950 e 1960,
fixaram às ciências sociais no Brasil uma acentuada crítica do materialismo histórico
e dialético. Esta crítica acusa, principalmente, Freyre de sustentar o mito de uma
democracia racial, calcada da convivência pacífica das diferentes raças formadoras
da nacionalidade brasileira.
1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO BRASIL
A partir dos anos 1950, um grupo de cientistas sociais começaram a
questionar o mito da democracia racial, fazendo com que a defesa freyreana das
concepções de identidade nacional brasileira começasse a se flexibilizar. Por sua
vez, isso só foi possível após uma série de projetos de pesquisas sobre relações
raciais brasileiras, encomendada pela Organização Educacional, Científica e Cultural
das Nações Unidas (UNESCO) em 1960, a qual adotou como parte de sua missão o
combate ao racismo em todo o mundo. A princípio, a pesquisa foi feita no Rio de
Janeiro e São Paulo, estendendo-se por algumas cidades de Minas Gerais, e nos
estados nordestinos da Bahia e de Pernambuco. As equipes constataram elevados
níveis de desigualdade entre as populações brancas e negras, além de fortes
evidências de atitudes e estereótipos racistas.
Segundo Oracy Nogueira, os projetos de pesquisa patrocinados pela
UNESCO deixaram um vasto legado para a história da luta contra o racismo, como
também para o repensar da identidade nacional brasileira.
A principal tendência que chama atenção, nos estudos patrocinados pela UNESCO, acima mencionados, é a de reconhecerem seus autores a existência de preconceito racial no Brasil. Assim, pela primeira vez, vem, francamente, de encontro e em reforço ao que, com base em sua própria experiência, já proclamavam, de um modo geral, os brasileiros de cor. (NOGUEIRA, 1985, p. 97)
É notório que as pesquisas mostraram que o racismo no Brasil manifesta-se
como preconceito de cor. De acordo com Maggie (1991), na base da discussão em
torno dos sistemas de classificação racial no Brasil estaria a naturalização da cor.
Para a autora, no pensamento social brasileiro a cor aparece como algo concreto.
Nos diversos âmbitos, a cor emerge como algo natural, os sistemas classificatórios a
partir dos quais os significados são demarcados servem para marcar as distinções
presentes no mundo social, as quais são produtos da construção cultural ou social.
Ou seja, a identificação entre negro ou mestiço e a pobreza disfarçam as
barreiras que mantêm estas populações afastadas das oportunidades de inserção
social, visto que os traços físicos, como formato do rosto, tipo de cabelo e a cor da
pele são transformadas em base para a discriminação. Para Nogueira (1985), isso
pode ser explicado porque aqui o preconceito é de marca, ou seja, determinado pela
aparência, onde o racismo manifesta-se no âmago das relações sociais é
incorporado posteriormente pelos negros. É diferentemente do preconceito não de
origem, como nos Estados Unidos, definido pela ascendência.
O interesse da UNESCO referente à problemática da raça no Brasil incentivou
consideráveis debates e reflexões, além de incentivar muitos estudiosos brasileiros
que haviam participado de pesquisas, a exemplo de Florestan Fernandes (1965) e
Thales de Azevedo (1996), a prosseguirem com essa temática da democracia racial
em suas futuras carreiras.
O sociólogo Florestan Fernandes (1965) ao enfatizar a existência do
preconceito de cor no Brasil, vai contestar assim a ideologia da democracia racial.
No entanto, no seu discurso, o preconceito de cor está muito articulado ao
preconceito de classe, abordando a temática racial fundamentada na desigualdade e
numa forma particular de racismo, ou seja, “um preconceito de não ter preconceito”.
A respeito da pesquisa feita por Fernandes, Schwarcz afirma que o conjunto das
análises feitas por ele é revelador, na medida em que,
[...] aborda a temática racial tendo como fundamento o ângulo da desigualdade [...] notava, ainda, a existência de uma forma particular de racismo: “um preconceito de não ter preconceito”. Ou seja, a tendência do brasileiro seria continuar discriminando, apesar de considerar tão atitude ultrajante (para quem sofre) e degradante (para quem a pratica). (SCHWARCS, 1998, P. 202)
Fica evidente que o foco da análise de Fernandes recai preferencialmente
sobre a desigualdade social, evidenciando que a abolição da escravatura relegou a
massa de ex-escravos, pondo-os à margem da sociedade. Ou seja, para Florestan
Fernandes a origem do preconceito e da discriminação tem sua origem na
escravidão. Preconceito este que estaria resolvido com o desenvolvimento
econômico do país. Em outras palavras, o autor focalizou o processo de inserção do
negro na estrutura social e econômica em vias de transformação, e sobre a luta
política dos mesmos.
Guimarães utiliza as categorias analíticas de ‘raça’ e ‘cor’ buscando uma
razão para o preconceito e a discriminação no Brasil.
‘Raça’ é não apenas uma categoria política necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades que a noção brasileira de ‘cor’ enseja são efetivamente raciais e não apenas de classe (GUIMARÃES, 2002 p. 50).
Com isso pode-se dizer que o preconceito racial no Brasil se sobrepõe ao
preconceito de classe. Neste prisma, as categorias ‘raça’ e ‘cor’ se articulam e estão
presentes nos processos de discriminação e preconceito racial (p. 55).
Outro pesquisador muito imponente foi Thales de Azevedo, que fez um
panorama da ascensão social de homens de cor na Bahia dos anos 1950. Ao
escrever sobre a existência do preconceito de cor na Bahia, afirma que:
A posição dos que negam inteiramente o preconceito é a de quem formula um padrão ideal de relações, inspirado "no desejo que não houvesse (o problema), ou no vão intento de contribuir para que a sociedade o esqueça" [Rômulo Almeida]. Os que exageram as proporções da questão poderiam ser personalidades inadaptadas, o que não ocorre sempre; essa exageração é um poderoso meio para chamar atenção para um problema que se supõe inexistente ou sem importância e funciona também como uma forma de agressão contra o grupo discriminante. (AZEVEDO, 1996, p. 154-155)
Este estudo possibilitou observar as eventuais barreiras para a ascensão
social dos negros e mulatos, ou seja, a sua trajetória familiar ou pessoal, os seus
instrumentos, mecanismos e instituições de mobilidade vertical, assim como o
padrão das relações sociais entre brancos e negros e as suas atitudes uma vez
inseridos nas classes altas.
Em linhas gerais, o mito da democracia racial brasileira foi concebido como
parte de uma campanha ideológica maior para justificar o domínio autoritarista e
oligárquico no Brasil. Segundo Guimarães (1999), durante o regime da ditadura
militar foi formada uma ideologia racista, que utilizou a democracia racial como uma
espécie de ideologia do Estado brasileiro, para negar os fatos de discriminação e as
desigualdades raciais, que cresciam cada vez mais no país, formando assim uma
justificativa da ordem discriminatória e das desigualdades raciais realmente
existentes. A partir do momento em que esse modelo de governo passou a sofrer
crescentes ataques, pôde-se observar o declínio desse mito. Dos anos 1960 aos
anos 1980, novos estudos foram feitos sobre as relações raciais, denunciando uma
vez mais como os negros ficavam em posições desvantajosas diante dos brancos.
Na década de 1980, período marcado pela redemocratização brasileira, esse
mito foi transformado no principal alvo de criticas dos movimentos negros, pois
acreditavam ser esta uma ideologia racista. Nesse período, foi instituído o Conselho
de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, com a implementação de
políticas voltadas para promover a inserção qualificada da população negra, além de
uma crescente valorização da cultura com a criação do Dia Nacional da Consciência
Negra e o Programa Nacional do Centenário da Abolição da Escravatura, que
atraem a atenção para o negro e a questão racial, possibilitando um ambiente
favorável ao debate sobre as relações raciais. Desde então, o poder público, por
meio dessas manifestações reconhece que existe discriminação racial na sociedade
e que cabe a ele o desenvolvimento de ações retificadoras. Ponderando que numa
sociedade, que tem no preconceito racial um dos pilares de sua construção sócio-
histórica, fica evidente que o negro precisa lutar cotidianamente para tentar
desconstruir as imagens criadas em torno da sua etnicidade, pois:
[...] a identidade da pessoa negra traz do passado a negação da tradição africana, a condição de escravo e o estigma de ser objeto de uso como instrumento de trabalho. [...] A cor da pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável
raça e condição social, o que leva o negro à introjeção de um julgamento de inferioridade [...] (SOUZA apud FERREIRA, 2000, p. 41-42)
A Constituição Federal de 1988 também traz avanços indiscutíveis referentes
à questão racial. Fundamentada no respeito da dignidade humana, tem como um de
seus objetivos fundamentais, explícitos no artigo 3º,
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (Grifo meu). (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Muito embora afirme a igualdade e tenha por princípio o pluralismo e a
proteção étnico-cultural como direitos fundamentais, a acessibilidade aos direitos
dos segmentos representados merece ainda grande empenho para que se
concretize. A democracia brasileira foi reinventada a partir do pleito dos movimentos
sociais organizados, que passaram a denunciar as disparidades e injustiças sociais.
Não seria coerente dizer que inexiste preconceito no Brasil se a sua extinção foi
elencada como objetivo de nosso país há pouco mais de duas décadas. Apesar das
conquistas e progressos, estamos longe de termos uma sociedade na qual sejam
extintas todas as formas de preconceito e discriminação.
1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SÓCIO-ECONÔMICOS
As discussões sobre raça na Bahia começaram com as pesquisas sobre os
negros escravizados trazidos da África nos navios negreiros. Desde Nina Rodrigues,
inúmeros cientistas estudaram a evolução e a problemática dos negros, um tema
fundamental, tendo em vista a presença majoritária dos afro-descendentes no Brasil.
A partir da década de 1970, foi reforçada a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à
africanidade, e ao mesmo tempo repleta de necessidades não atendidas de políticas
públicas ante as desigualdades raciais. A Bahia é um estado eminentemente negro,
a maior parte de sua população é negra ou afro-descendente. Segundo o censo
2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar de não
ocupar o primeiro lugar no Ranking, a Bahia é o Estado com o maior número
proporcional de negros na população, com 14,4% de pretos e 64,4% de pardos.
Entretanto, por um longo período de nossa história, todo esse percentual de negros
parecia invisível ao Estado brasileiro.
Essenciais para o norteamento de políticas públicas, as pesquisas
demográficas do país só começaram a incluir em seus formulários o quesito cor a
partir do censo realizado em 1987, o primeiro feito após o regime militar. A partir de
então as estatísticas começaram a desvendar as desigualdades raciais existentes
no país, fornecendo dados que serviram de instrumentos de pesquisas acadêmicas
e como fomentadores de mobilizações sociais em prol de melhorias nas condições
de cidadania do povo negro, que vem resultando em avanços significativos nas
políticas públicas e, aos poucos, promovendo ações de equiparação da igualdade
racial no Brasil.
De acordo com os índices sobre a desigualdade racial, os negros do século
XXI ainda sofrem com as marcas deixadas pela escravidão no país. Do total da
população brasileira, os negros são os que possuem menor escolaridade, têm mais
dificuldade no acesso à saúde e ao mercado de trabalho e são mais expostos às
moradias precárias. Na Bahia, este fato é mais marcante, devido, sobretudo à maior
penetração do sistema escravocrata na formação da cultura. Este sistema sempre
trabalhou com ofertas restritas de trabalho, sendo mais um meio de limitação da
condição de desenvolvimento do cidadão de origem negra. Isso faz com que ocorra
uma verdadeira segregação.
Segundo pesquisa intitulada “Os negros no mercado de trabalho e o acesso
ao sistema público de emprego, trabalho e renda”, realizada pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Sociais e Econômicos (Dieese), Governo do
Estado da Bahia, Fundação Seade e Universidade Federal da Bahia em 2010, no
mercado de trabalho há uma desigualdade enorme. Os negros ainda são os que
ocupam os piores cargos, recebendo os menores salários, isto quando não estão
desempregados. Os dados da pesquisa revelaram que a desigualdade racial no
mercado de trabalho, nos últimos cincos anos, permaneceu praticamente a mesma
na Região Metropolitana de Salvador. Enquanto um negro recebe R$ 4,75 por hora
trabalhada, o não-negro ganha R$ 9,63. As primeiras alternativas surgidas para o
negro, neste processo, estão relacionadas com trabalhos manuais, ligados
principalmente em empregos públicos, nos sistemas de educação e de saúde.
O histórico brasileiro foi marcado pela negação das desigualdades raciais,
mesmo apresentando profundo distanciamento entre brancos e negros. O Estado
sempre demonstrou competência para sufocar os modelos de resistência coletiva
que pudessem ameaçar o poder hegemônico estabelecido. As relações raciais
estiveram, por muitos anos, influenciadas pela idéia de democracia racial. Essa
imagem dificultou a visão crítica da realidade vivenciada pelo país acerca das
relações raciais. Somente nos últimos anos, o Estado brasileiro começa a
reconhecer as desigualdades existentes entre os negros e brancos e a necessidade
de implementação de medidas de combate ao racismo e à desigualdade racial.
Segundo Lilia Schwarcz (1993), se durante o período escravocrata os negros
estiveram submetidos a todo tipo de suplícios e humilhações, isto não fez com que
perdessem seus traços culturais. Ao contrário, foram capazes de impregna-los na
cultura da nação. Mesmo estando submetidos ao poder político e econômico
vigente no período, sua cultura permanece vigorosa, estabelecendo lugar inegável
na cultura nacional.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO (AD)
2.1 AS CATEGORIAS DA AD
A AD é a disciplina das Ciências da Linguagem que teve origem na década de
60, em função da contribuição, principalmente, de Michel Foucault e Michel
Pêcheux. Possui uma base interdisciplinar situada em três domínios: a Linguística, o
Marxismo e a Psicanálise, tendo como suportes iniciais o método de análise
estruturalista, o conceito de ideologia marxista, o de sujeito advindo da teoria
psicanalítica. Tem como objetivo demonstrar que “o discurso é o lugar em que se
pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua
produz sentido por/ para os sujeitos” (ORLANDI, 2005, p.17).
Essa teoria especializada em analisar, de forma reflexiva, as construções
ideológicas presentes num texto, sugere que o objeto de estudo não deveria tratar
da língua, nem da gramática, embora essas coisas lhes interessassem, e sim
estudar o discurso, isto é, a palavra em movimento por meio da qual se procura
compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história, concebendo assim a
linguagem como mediadora entre o homem e a realidade socio-cutural. Realidade
que, tratada por esta pesquisa, foi camuflada, se assim pode-se dizer, pelo discurso
racista da sociedade brasileira, que influenciou e ditou padrões específicos, muitas
vezes massificando a imagem do negro, que nem sempre estava adequada a estes
padrões instituídos pelas classes dominantes e que acabou por gerar desvalorização
das diferenças físicas e sociais dessa etnia e suas miscigenações. A partir do
estudo dos discursos de valorização do negro e de protesto contra o racismo nas
músicas será possível estabelecer relações as ações e posturas das sociedades ao
longo da história, em relação ao tema, bem como dão sentido e transformam a
própria história através das suas representações discursivas.
Conciderando ainda a linguagem como não transparente, a AD procura
entender “como este texto significa”(ORLANDI, 2005, p.17) e não o que ele diz,
como ressalva Minton Pinto. “A análise do discurso não se interessa tanto pelo que
o texto diz ou mostra, pois nao é uma interpretação semântica de conteúdos, mas
sim em como e porque o diz e mostra”.(PINTO, 2002, p.27)
A questao é que a AD não trabalha apenas para entender o que os textos
exemplificam, mas tem o intuito de produzir conhecimentos a partir do próprio texto,
ou seja, trabalha em busca de se estabelecer um determinado sentido. Assim, para
a AD, nos estudos discursivos não existe separação entre forma e conteúdo, ou
seja, possuem uma relaçao de reciprocidade . Diante disso, trabalha a confluência
entre a linguística, a história e a ideologia, constituindo assim o novo objeto de
estudos, o discurso.
2.2 DISCURSO E PODER
Foucault (2008) entende o discurso como um “ conjunto de enunciados que
se apoiam em um mesmo sistema de formação”, além disso, para ele
O discurso - como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 2004, p.10)
Essa é uma idéia renovadora em relação ao discurso, este aparece como
produto de algo que é exterior a ele, que é o poder. “Por mais que o discurso seja
aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo,
rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 2004, p.10).
Com sólidos conhecimentos acerca das diversas manifestações de poder por
meio do discurso, Foucault nos leva a compreender as idéias básicas de sua linha
filosófica sobre o saber e o poder, bem como a descobrir o poder das palavras no
discurso do indivíduo, que ora o exclui, ora o torna dono do saber poder, como muito
bem se define nos procedimentos externos ou internos de controle e delimitação do
discurso.
O poder, segundo a conceituação elaborada por Michel Foucault, é visto
como algo que se dispersou pelas entrelinhas da sociedade. Não é mais aceito
como um poder que provém do centro do governo para a sociedade. Mas, o que
procura estar em “harmonia” com as possibilidades dos vários locais de poder.
Esses poderes determinam discursos próprios para seus interesses,
facilitando a ligação entre o discurso que se quer proferir e o poder que pretende
privilegiar. É válido inferir que o preconceito racial está associado às relações de
poder e dominação existentes entre os grupos da sociedade brasileira, não estando
restrito à dimensão individual, mas presente nas relações sociais sobreviventes de
padrões arcaicos moldados durante a escravidão.
Em outras palavras, o discurso trabalha para o poder e para aqueles que
fazem do discurso arma do poder, conduzindo assim os sujeitos que estão à volta
desses núcleos de poder. [...] O poder se excerce em rede e, nessa rede, não só os
indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de serem submetidos a esse
poder e também de exercê-lo. (FOUCAULT, 1999, p.35).
O discurso surge como o defensor de um grupo em detrimento de outro,
tomando o discurso enquanto desejo, não é só porque o manifesta, mas aquilo que
é o objeto de desejo. Enquanto poder, não só porque traduz as lutas, mas aquilo
pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar. Dessa forma sublinha a
idéia de que o discurso sempre se produziria em razão de relações de poder, as
quais controla, seleciona, organiza e redistribui a produção de sentido dentro da
própria sociedade. Segundo Focault (2004, p.9), “Sabe-se bem que não se tem o
direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que
qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. Essa ideia se explica no fato
de que para Foucault alguns assuntos e discussões são proibidos dentro da própria
sociedade, uma vez que existem processos de exclusão dentro da produção do
discurso, os quais dizem respeito aos discursos que coloca em jogo o desejo e o
poder.
2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO
Para Foucault é preciso ainda considerar o discurso nas suas condições de
produção, considerá-lo limitado por procedimentos de controle e delimitação, que se
apresentam tanto de modo externo, como de modo interno. Estas condições
compreendem fundamentalmente a relação entre situação e sujeito. Segundo
Orlandi,
As condições de produção do discurso irão determinar não o sentido em si, mas as posições ideológicas do jogo discursivo. Podemos considerar as condições de produção em sentido restrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico. (ORLANDI, 2005, p.30)
Pensando nessas afirmações, pode-se inferir que as condições sociais de
produção interferem diretamente no processo discursivo, já que é através dela que o
sujeito posiciona-se ideologicamente, fazendo com que os discursos funcionem de
acordo com valores, os quais estão presentes nos procedimentos de assimilação
dos sujeitos trabalhados no discurso, analisando assim as relações históricas, de
práticas concretas, que estão vivas nos próprios discursos, relacionando deste modo
a língua com “outra coisa”. Foucault define como “prática discursiva”.
[...] é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2008, p. 133)
Na verdade, tudo é prática para Foucault, uma vez que ela está imerso em
relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, constituindo práticas
sociais permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem
e as atualizam, concebendo assim o discurso, não somente como lugar de
expressão de um saber, mas o lugar em que o poder se exerce.
Para o teórico (2008, p.55), os discursos são “práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam”. As práticas às quais esse autor se refere
advêm de acontecimentos históricos, que são representados sob o ponto de vista
das formações discursivas (FD).
2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA
A introdução do conceito de FD coloca em xeque a noção de máquina
estrutural fechada, “na medida em que o dispositivo da formação discursiva está em
relação paradoxal com seu ‘exterior’: uma formação discursiva não é um espaço
estrutural fechado, pois é constitutivamente ‘invadida’ por elementos que vêm de
outro lugar” (Pêcheux 1997a, p.314).
Esclarecendo a noção de FD, Foucault apresenta quatro hipóteses: a
primeira considera que os enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no
tempo, formam um conjunto quando se referem a um único e mesmo objeto; na
segunda, ressalta que para definir um grupo de relações entre enunciados, deve-se
levar em conta sua forma e seu tipo de encadeamento; a terceira parte do
pressuposto de que não se poderia estabelecer grupos de enunciados
determinando-lhes o sistema de conceitos permanentes e coerentes que aí se
encontram em jogo. A quarta e última leva em consideração que a identidade e a
persistência dos temas podem relacionar os enunciados de uma mesma formação
discursiva (FOUCAULT, 2008, p. 35-43).
Esse conceito de FD de Foucault é baseado em um sistema de dispersão,
formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade,
cabendo à AD descrever essa dispersão, buscando as “regras de formação” que
regem a formação dos discursos. A preocupação de Foucault não é com o discurso,
enquanto expressão de uma idéia ou de uma linguagem, mas enquanto suas
condições de possibilidade, o que o autor denomina como as condições da
“formação discursiva”.
A noção de FD para Orlandi (2005) permite a compreensão do processo de
produção dos sentidos e sua relação com a ideologia. Além de dar ao analista
possibilidades de regular o funcionamento dos discursos, lembra que embora seja
ainda polêmica, a noção de FD é de suma importância para analisar esses
discursos, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, bem
como a sua relação com uma determinada conjuntura sócio-histórica, que determina
o que pode ser dito e o que deve ser dito.
Determinantes na formação de um discurso, os objetos, os tipos de
enunciação, conceitos e estratégias, caracterizam as singularidades e possibilitam a
regularidade do discurso. O que Foucault propõe é analisar esses quatro níveis não
como elementos dados, mas analisá-los nas suas condições de possibilidade,
verificando as regras que tornam possível seu aparecimento e transformação.
Ao descrever o conceito de FD, Foucault define aquilo que é essencial para
compreender a constituição de um saber, isto porque, para o autor: “[...] não há
saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se
pelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2008, p. 205). Para Orlandi (2005), as
formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas.
Assim sendo, as palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação
discursiva para outra, pois muda sua relação com a formação ideológica.
Outro conceito importante na AD é o de formação ideológica (FI). Pêcheux, no
primeiro momento de construção de sua teoria, absorve das revisões althusserianas
sobre o marxismo, apresentando, então, a ideologia como aquela que interpela o
indivíduo em sujeito, concebendo assim, o sujeito coagido ao assujeitamento,
destacando a autonomia relativa da ideologia de uma base econômica, e a sua
significativa contribuição para a reprodução ou transformação das relações
econômicas. Nesse sentido, o racismo pode se expressar através das estratégias
que os grupos dominantes encontraram para driblar as normas anti-racistas. Trata-
se, pois, de discursos ideológicos que justificam a sua situação dominante sem,
aparentemente, violar as normas vigentes.
Para orlandi (2005), o discurso não existe sem o sujeito e “não há sujeito sem
ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua
faz sentido”( p. 46). Reforça a tese de que a ideologia ocorre em formas materiais e
atua através da constituição das pessoas como sujeitos sociais, fixando-os em
posições-sujeito e dando-lhes, ao mesmo tempo, a ilusão de serem agentes livres.
Ao tratar de ideologia, Orlandi (2005) parte da idéia que a ideologia é o
discurso em si, considerando que a forma histórica de um sujeito assim como a
ideologia da sociedade em que vive, pode alterar sua percepção sobre determinados
discursos. Como por exemplo, no capitalismo, onde existem processos de
individualização do sujeito pelo Estado, que o submete a um reflexo da realidade
aparentemente livre e responsável, provocando o assujeitamento dos indivíduos. A
autora também ressalta que “(...) é pela sua abertura que o processo de significação
também está sujeito à determinação, à institucionalização, à estabilização e a
cristalização” (2005, p. 52), e que por isso temos que trabalhar continuamente a
articulação entre estrutura e acontecimento. Adotando a perspectiva de que o
discurso é da ordem da estrutura e do acontecimento, Pêcheux pauta-se na unidade
do discurso para propor modos de leitura
Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é um índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-histórica de identificação. (PÊCHEUX, 2006, p. 56).
O autor afirma que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se
outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente para derivar para um
outro” (PÊCHEUX,2006, p.53), ou seja, uma seqüência lingüística é suscetível de
se tornar sempre outra, uma vez que as palavras mudam de sentido conforme as
formações ideológicas que as determinam. O que é significativo para a AD, pois o
sentido não é compreendido como uma unidade fixa, já que é histórico e, por isso,
pode deslizar-se para outro, mostrando que a língua tem a sua materialidade
discursiva, ou seja, a tomada de um enunciado pressupõe a consideração das
condições de produção.
É indispensável verificar, na associação dos elementos musicais, a presença
do elemento ideológico, já que, para se constituir sujeito, o indivíduo é interpelado
pela história e pela ideologia (ORLANDI, 2003, p. 46). Essa interpelação acontece
quando o indivíduo sofre intervenções da história no sentido de se inscrever em um
discurso já existente (memória discursiva). E essa inscrição não é eventual, pois há
um processo de identificação do sujeito com o discurso predominante.
2.5 ENUNCIADO
Convém expor ainda o conceito de enunciado. Tendo-se como pressupostos a
se considerar o fato de que toda enunciação pressupõe interação verbal entre
interlocutores, pode-se dizer, a partir de Foucault, que o conceito de enunciado, está
associado ao de função enunciativa e discurso:
em seu modo ser singular (nem inteiramente lingüístico, nem exclusivamente material) o enunciado é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem (...) ele não é, em si mesmo, uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço. (FOUCAULT, 2008, p. 97-98)
Essa definição completa-se ao considerar o discurso como um conjunto de
enunciados que se apóiam na mesma formação discursiva, constituído de um
número de enunciados para os quais se podem definir condições de existência. O
conceito de discurso, compreendendo um conjunto de enunciados que ocorrem
como performances verbais em função enunciativa, é apresentado considerando a
idéia de práticas discursivas. Assim, amparado por esse modo de analisar os
enunciados, considerando-os instáveis, reconhece-os como objeto de luta,
regulados por uma ordem do dizível, definida no interior de lutas políticas. Ao propor
uma explanação do conceito de enunciado, Foucault diz que:
pode-se, na verdade, ter dois enunciados perfeitamente distintos que se referem a grupamentos discursivos bem diferentes, onde não se encontra mais que uma proposição, suscetível de um único e mesmo valor, obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e admitindo as mesmas possibilidades de utilização. (FOUCAULT, 2008, p. 91)
Em outras palavras, uma mesma proposição, em sua forma material, pode
conportar mais de um significação e definir enunciados diferentes no que concerne à
função enunciativa desempenhada, pois a materialidade de um proposição é a base
significatica comum. Por isso, Foucault define a materialidade como uma
propriedade do enunciado e não como o enunciado produto da intervenção verbal.
Ao investigar a materialidade discursiva das músicas, percebe-se que para a
maioria das pessoas é uma forma de expressar sentimentos, desejos, frustrações,
conceito que não está muito longe da realidade, pois durante muito tempo ela foi
utilizada como forma de “abrir os olhos da humanidade” para as questões que
afligiam o mundo, como a guerra, a opressão, enfim a discriminação. Partindo do
pressuposto de Orlandi de que
a Análise de Discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos
produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido [...](ORLANDI, 2005, p. 26)
Para Foucault, o importante é a análise das relações entre os enunciados
num domínio de coexistência, pensando na existência da palavra como efeito de
saberes postos em circulação numa dada época, possibilitando o entendimento de
como se formam os saberes que dão emergência a esses trajetos teóricos que
chegam a engendrar qualquer outra coisa.
2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA
Dentro dos postulados da AD Francesa, cada sujeito, na produção de um
discurso, promove uma relação deste discurso em formulação com o interdiscurso
ou memória discursiva, ou seja, com todos os dizeres que já foram de fato, ditos.
Pêcheux afirma que:
a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ser lido, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.(PÊCHEUX, 1999, p.52)
Em outras palavras, é na memória discursiva que surge a possibilidade de
toda formação discursiva produzir e operar formulações anteriores, que já foram
feitas, que já foram enunciadas. Ou seja, a memória discursiva permitirá na infinita
rede de formulações (existente no intradiscurso de uma formação discursiva) o
aparecimento, a rejeição ou a transformação de enunciados que pertencem a
formações discursivas posicionadas historicamente.
Nesse sentido, Orlandi (2006) explica que o conceito de interdiscurso de
Pêcheux possibilita-nos compreender que as pessoas estão vinculadas a esse saber
discursivo que não se aprende, mas que produz seus efeitos através da ideologia e
do inconsciente. Segundo essa autora, a memória discursiva está articulada ao
complexo de formações ideológicas. Nesse processo discursivo, segundo Pêcheux,
os enunciados produzidos em outro período da história podem ser atualizados no
novo discurso ou rejeitados mais tarde em novos contextos discursivos. A partir da
memória discursiva, os enunciados pré-construídos podem ser operados na
formação discursiva de cada sujeito que, ao produzir novos discursos, constitui
relações com o que já foi dito, ou seja, com sua memória discursiva.
2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA
O funcionamento da linguagem assenta-se na tensão entre processos
parafrásticos e processos polissêmicos. Vale salientar que
Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim, o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase esta do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equivoco. (ORLANDI, 2005, p.36)
O primeiro procedimento apresenta-se como indispensável na AD, uma vez
que todo o dizer vai se estruturando a partir de famílias parafrásticas, as quais dão
continuidade ao sentido formado durante a história do indivíduo ou da sociedade.
Sobre esse processo, Pêcheux (2001) escreve que “a produção do sentido é
estritamente indissociável da relação de paráfrase” e que a família parafrástica de
um determinado corpus “constitui o que poderia chamar de matriz de sentido”. (p.
155)
O segundo é a polissemia, pela qual surge a possibilidade de múltiplos
sentidos para uma mesma enunciação que fundamenta a atividade do dizer, está
diretamente relacionada à criatividade que instaura o diferente na linguagem, na
medida em que o uso pode romper com o processo de produção dominante de
sentidos e, na tensão da relação com o contexto histórico-social, pode criar novas
formas, novos sentidos, a multiplicidade de sentidos.
Em uma última inferência é importante ressaltar que estes dispositivos
analíticos, são imprescindíveis à realização da AD, constituindo-se, portanto, em um
desafio para aqueles que desejam apreender o processo de realização deste tipo de
análise, já que fazem com que todo sentido se manifeste na relação existente entre
o significado e o significante sempre produzindo práticas com sentido. Ainda, a
utilização desses dispositivos pode colaborar na compreensão de fenômenos
discursivos que interessam à comunicação e à música, permitindo que novos modos
de se pesquisar se concretizem e que intervenções propícias possam ser
implementadas no âmbito assistencial.
3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA
Os sentidos e significados dados às letras das músicas podem ser
representados a partir do levantamento dos enunciados que expressam discursos
referentes à valorização étnica e de combate ao preconceito racial. É importante
ressalvar que dentre as diversas categorias da AD já mencionadas neste trabalho,
foram escolhidas como norte principal e metodológico para tecer a análise, as
condições sociais de produção e a memória discursiva. Diante disso, Ao realizar a
análise do discurso desses enunciados, tem-se como objetivo primordial
estabelecer/compreender as relações existentes entre a memória discursiva e as
condições sociais de produção. Nesse sentido, a memória recria discursivamente
sentidos que dialogam com a produção dos acontecimentos ocorridos no passado
através da referência a fatos históricos. Pode ser considerada ainda como “o saber
discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído,
o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”
(ORLANDI, 2005, p. 31). Já as condições sociais de produção referem-se ao
contexto histórico em que a música foi produzida, a década de 1980. Todas
influenciam na produção de sentido da música.
Os enunciados transcritos das letras das músicas da banda Reflexu’s
possuem uma relação estreita com uma série de formulações com as quais ele
coexiste. É através dessas relações que os discursos de valorização da negritude e
de resistência se constituíram, como também pelas quais se apagará ou tomará um
lugar, podendo ser ou não valorizado, conservado, sacralizado e oferecido, como
objeto possível, a um discurso futuro. (GREGOLIN, 2006, p.27).
Além disso, são constituídos por formações discursivas que condicionam os
sujeitos por uma determinada ideologia regulando aquilo que podem ou não dizer
em determinadas conjunturas histórico-sociais. São construídos a partir de uma
memória discursiva que remete a símbolos da cultura, como também a fatos
históricos já ocorridos.
Partindo do pressuposto de Pêcheux, de que o discurso é sempre produzido
por sujeitos sócio-historicamente determinados e, por isso, condicionado a regras
que regulam as práticas discursivas, as quais determinam as condições de exercício
da função enunciativa (2006). A AD possibilitará uma investigação minuciosa dos
enunciados, a fim de entender os acontecimentos discursivos que possibilitaram o
estabelecimento de certos sentidos em nossa cultura, e concomitantemente nas
letras das músicas.
Os enunciados foram categorizados de acordo com o pressuposto de que as
músicas demonstram uma expressiva evidência de resistência e valorização da
negritude, ambas relacionadas a elementos culturais. Assim sendo, os enunciados
foram classificados em duas categorias: os que remetem à resistência e luta contra
o racismo e à valorização da negritude.
Os enunciados foram retirados das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s
intituladas de: “A fé da razão”, “As forças de Olorum”, “Canto a Minha Cor”, “Canto a
Nigéria”, “Canto da Cor”, “Canto Para o Senegal”, “Chicote Não”, “Deuses Afro
Baianos”, “Jogo Duro”, “Kizomba”, “festa da Raça”, “Libertem Mandela”,” Mariê”
“Madagascar Olodum”, “Mulher Negra”, “Olodum Ologbom”, “Oração pela libertação
da África do Sul” e “Serpente Negra”. Em um universo aproximado de 75 músicas,
estas foram retiradas de acordo com a aproximação do tema que aborda a questão
do negro, como também, pelo fato de que todas elas reúnem elementos bem
representativos que abordam as duas temáticas centrais - a valorização da negritude
e a resistência contra o preconceito racial, estas estão presentes em todo o
universo. Contudo, estes elementos aparecem de forma mais emblemática e com
maior freqüência nas músicas que serão aqui analisadas.
É importante enfatizar que a forma como serão analisados os enunciados,
seguirá a sequência de categorias estabelecidas anteriormente. Isso só para fins de
organização e como guia de percurso para facilitar o encaminhamento da análise
das letras. É preciso esclarecer também que a ordem em que os enunciados
aparecem no presente trabalho não caracteriza uma importância hierárquica, uma
vez que todos são de suma importância para a concretização dessa pesquisa. Além
do mais, as categorias não são isoladas. Apesar dos enunciados serem subdivididos
nessas duas categorias distintas, muitos deles se relacionam de forma simultânea
com as duas, no entanto, para fins de análise foi proposta a categorização a partir
da identificação de enunciados com sentido, remetendo-se de modo mais
emblemático, ora a uma, ora a outra categoria. Com intuito de estabelecer uma
coerência na análise foram escolhidos três enunciados, os quais representam de
modo mais marcante as categorias.
Os enunciados serão representados uniformemente através das marcas: E.1,
E.2 e assim por conseguinte.
CATEGORIA 1: RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O RACISMO
E.13 - E viva Pelô Pelourinho
Patrimônio da humanidade ah
Pelourinho, Pelourinho
Palco da vida e negras verdades
Protestos, manifestações
Faz o Olodum contra o Apartheid
Juntamente com Madagascar
Evocando liberdade e igualdade a reinar
E. 24 - Liberdade, liberdade\ Tanto negro sofredor
Com a pena de uma ave\ A historia já mudou
Não ser mais chicoteado\ Pelourinho, só na lembrança
O feito da raça negra \Traz a todos esperança
Muita fé, muita coragem\ Tanta garra, quanto amor
Pra trazer toda a justiça\ Que o negro tanto sonhou
Libertou do cativeiro \ Este povo lutador
Este povo tão guerreiro\ Que Zumbi acobertou
CATEGORIA 2: VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE
E.35 - Por persistir seu gingado / O negro foi modelado
Mostrando a cor mais linda Quando se vê na história
Não é motivo de glória / A frustração que passou
O negro é lindo é uma ostensidade
Em erupção, movimento Negros invadem
No bate rebate, uma pausa Uma velha canção
3 ZULU, Rey; JESUS, Marinez de. Madagascar Olodum. In: Reflexu’s da Mãe Africa. Emi, 1987. Faixa 1.
4 REFLEXU’S; ALMEIDA, Marquinhos. Chicote Não. In: Serpente Negra. Emi, 1988. Faixa 3.
5 REFLEXUS; JESUS, Marinez de. A fé da razão. In: Atlântida.som livre, 1999. Faixa 7 .
Inicialmente pode-se observar que toda a composição dos dois enunciados foi
construída utilizando-se de um passado histórico. A representatividade do
Pelourinho, centro histórico da cidade de Salvador e patrimônio histórico da
humanidade, é apresentada na letra da música de forma marcante, como “Palco da
vida e negras verdades”, ou seja, é considerado histórico por que representa a
origem dos negros que aqui foram escravizados. Porém, no segundo enunciado o
termo pelourinho vem com outro significado, era utilizado para nomear uma coluna
de madeira ou pedra erguida em praça pública para castigar criminosos e escravos,
servindo também como símbolo do poder público. O pelourinho segundo Tavares
(1981), serviu para acorrentar e castigar escravos. Tem-se aí uma formação
discursiva baseada em fatores simbólicos que referem-se a fatores sócio-históricos e
ideológicos.
No trecho, “Protestos, manifestações - Faz o Olodum contra o Apartheid”,
além da formação discursiva de resistência ser baseada em uma memória
discursiva, considerada aqui como o que já foi dito, que remete a política de
segregação do Apartheid6. É possível perceber claramente a relação existente entre
o desejo e o poder abordado por Focault, pois considerando que o poder é causador
de discursos, os discursos de protestos e manifestações expressa o poder que se
quer privilegiar e apoderar, surgindo como defensor dos negros em detrimento aos
brancos, revelando dessa forma o discurso enquanto desejo proclamado por -
”Juntamente com Madagascar - Evocando liberdade e igualdade a reinar”.
“Liberdade, liberdade\ Tanto negro sofredor”
A partir do enunciado “Com a pena de uma ave\ A história já mudou Não ser
mais chicoteado\ Pelourinho, só na lembrança” já se percebe um discurso libertário
que por meio da memória discursiva, remete a abolição da escravatura focalizando a
assinatura da Lei Áurea, pela qual se deu em parte a liberdade aos escravos que
lutaram contra a desigualdade na tentativa de mudar a situação em que a população
de cor se encontrava e que em sua grande maioria foi relegada no decorrer do
processo histórico. Os enunciados incentivam ainda a luta pela emancipação do
negro e do reconhecimento e sobrevivência da cultura e da tradição afro-brasileira.
Neste trecho pode-se perceber ainda a presença do componente 6 Será mais detalhado nas análises seguintes.
ideológico nos elementos musicais, os quais fazem com que o sujeito
dessa prática discursiva seja interpolado pela historia e pela própria
ideologia (ORLANDI, 2005).
Na categoria 2, os enunciados são baseados em discursos provenientes de
uma mentalidade anti -racista representada por meio da resistência e de elementos
culturais como a dança e a música. Valoriza os negros através de adjetivos e
locuções adjetivas “cor mais linda” “O negro é lindo, é uma ostensidade” e da
referência a escravidão, mostrar que esse passado foi superado, tornando
necessário uma nova prática social que além de respeitar a origem, reconheça-os
como formadores da cultura da nação.
A partir disso, a formação discursiva que rege esses discursos é de suma
importância, pois admite apreender o processo de produção dos sentidos e
significados, dados aos próprios discursos, bem como a sua relação com uma
determinada situação sócio-histórica, que determina o que pode ser dito e o que
deve ser dito. A polissemia é caracterizada pela emergência do diferente e da
multiplicidade de sentidos de valorização e resistência no discurso, tornando sua
presença marcante e obrigatória nas mudanças que a sociedade construiu, e pode
ser percebida em diferentes situações de discursividade ao longo da história do
negro.
3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL
O discurso de resistência aparece nas letras das músicas da banda Reflexu’s
por meios de representações histórico-culturais que remetem a uma ancestralidade
baseada na religião e em fatos históricos já ocorridos, ou seja, na memória
discursiva, que nesse sentido pode ser entendida como as experiências passadas,
retomando os sentidos já ditos em algum momento anterior, produzindo dessa forma
um efeito no discurso da fala corrente, ou seja, o já-dito possui uma relação com o
que se está dizendo (ORLANDI, 2005). Os fatos históricos mencionados possuem
alguma ligação com o tema da negritude. Isso pode ser observado com mais clareza
nos enunciados abaixo:
E. 47: O negro é nativo é guerreiro/ Padecera coisas que Zambi não quis
Eu trago a força das negras raízes /O grito do escravo acorrentado
O seu passado negro não envolve O presente
E.58: Há tanta estrada a luzir / Quanta ladeira a descer
O negro é, mel na cultura /Sobre uma abolição que me dá amargura em dizer
Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que comer
O negro modela a certeza / De uma igualdade nascer
No fragmento “Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que
comer” percebe-se a influência do contexto em que a música foi criada. No início da
década de 80, o país atravessava uma forte crise econômica, e o Estado brasileiro
que mais se destacou nesse cenário foi o Nordeste que passava por uma situação
de fome e miséria, até então imensurável. O fragmento em sequência “O negro
modela a certeza / De uma igualdade nascer,” fortalece a ideia de que os negros no
país, em sua grande maioria, se encontravam nessa situação. Os debates atuais
que se referem às questões da exclusão social, afirmam que quase sempre, essa
exclusão se dá pela cor e/ou classe social do indivíduo. Não é interessante observar
apenas o contexto em que vivemos para tentar entende-las em sua totalidade, mas
retroceder um pouco na história em uma relação dialética com o presente, para
assim compreender melhor como se formaram os processos que afirmaram as
classes e posições sociais brasileiras, ou seja, os exclusos e os inclusos na nossa
sociedade atual. O que é bem visível, e não foge da temática, é que realmente
havia uma classe excluída naquela sociedade, remanescentes principalmente, do
processo de abolição.
Outra forma de marginalização dos negros no Brasil se manifestou por meio
da segregação espacial. Alguns estudos como o de Edward Telles(2003), na obra
7 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; Julinho. As forças de Olorum. Kabiêssele. Som Livre, 1989. Faixa 3.
8CARVALHO, Roque; ALMEIDA, Marcos. Jogo duro. In: Serpente Negra. Som Livre,1988. Faixa 11.
“Racismo à Brasileira” mostram que, os lugares em que se encontra o maior número
da população negra são consequentemente os mais pobres. Sendo assim, um dos
meios estratégicos que essa população encontra para rejeitar tal estado de exclusão
é o deslocamento espacial. “A pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de
oportunidades – os legados do Império, em toda parte – podem forçar as pessoas a
migrar, o que causa o espalhamento” (Hall, 2001, p. 28).
A alusão a escravatura aparece também com muita freqüência nas letras das
músicas, ressaltando a presença do negro escravizado na criação do progresso dos
impérios, denunciando dessa forma, a situação em que os negros eram submetidos
naquela época, como mostrado nos enunciados abaixo, os quais fazem referência a
uma memória discursiva que possibilita um saber perpetuado através do sentido das
palavras dado ao período escravocrata.
E.69: Desde o princípio do mundo
Que os homens muitas coisas criaram
E para a plantação do progresso
Escravizaram esse negro nagô
E o império do mundo
Se excediam em todos os países
E.710: Pois o sangue desses negros
Derramavam na Terra
Para que os senhores passassem
Um tipo de vida melhor
A escravidão no Brasil durou cerca de 300 anos, sendo o último país a abolir
este sistema que se apropriava da mão-de-obra cativa advinda do continente
africano, condicionando a essas pessoas um regime desumano, com trabalho
excessivo e péssimas condições de vida, a cerca disto Goettert afirma que:
9 Id.,1989, faixa 3.
10 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; CARVALHO, Roque. JESUS, Marinez de. Serpente Negra. In: Serpente Negra. 1988. Faixa 1
Diferentemente do índio, o negro era traficado e chegava ao Brasil "despossuídos" de sua humanidade. O Negro não era nem trabalhador, nem vadio: era escravo. Ao escravo não era possibilitado o "entrar e sair" do mundo do conquistado; ele nascia escravo e se formava dentro desse mundo ao ser embarcado nos navios do tráfico na costa africana. [...] É que seu mundo é "destroçado" pela sua condição de "coisa", de mercadoria. A representação de "coisa", como construção dos traficantes e dos senhores no engenho, não possibilitava transitar entre dois mundos [...]. (GOETTERT 2002, p. 262).
Em outras palavras, os escravos não eram reconhecidos enquanto cidadãos
e pessoas, sendo visto pela sociedade da época como "coisa", mercadoría, objeto,
passível de compra e venda. Os autores das letras das músicas, fez questão de
ressaltar que esse processo de escravidão não foi o bastante para conter a força e
garra do negro que representa a face da terra:
E.811: As barras da prisão
Não são fortes pra conter
A razão que emana, Oh Jah
E.912: O quadro negro
Representa na face da Terra
Hoje não existe mais guerra
A escravidão acabou ô ô
A escravidão não foi apenas um meio de sustentação de uma colônia e
posteriormente de uma nação, ela foi bem mais significativa do que nos parece. Ela
construiu futuramente uma classe marginalizada vítima de preconceitos e exclusão.
Mesmo após alforriados os negros escravos não tinham direitos de
representatividade política, ou seja, não exerciam papel de cidadãos comuns. Os
afro-descendentes nasciam também nessa condição, assim não eram ingênuos e
não tinham acesso aos direitos por completo. O que se pode observar é que de um
11 REFLEXU’S. JESUS, Marinez de. Canto A Minha Cor In: Serpente Negra. 1988. Faixa 1.
12 Id.,1988, faixa 1.
modo ou de outro, a figura do negro sempre é desprezada, e seus descendentes
sofrem descriminações que se amontoam até hoje.
O principal sentido dado a esses enunciados remetem a uma formação
discursiva baseada em raízes negras. Ao denunciar a escravidão, almejam a
abolição que foi proclamada a partir da assinatura da Lei Áurea e conseqüentemente
uma possível igualdade entre as raças. Os negros alcançaram a liberdade, mas não
obtiveram direitos. Não foi dado a eles o direito à terra, à educação e nem sequer ao
trabalho remunerado. Com a abolição, as oligarquias da época se sentiram
ameaçadas, afinal, o país já era de maioria negra. Porém, uma maioria que
compunha as classes mais baixas. Assim, a arma encontrada pelos escravocratas
foi fortalecer o racismo. De dominados os negros passaram a excluídos. Situação
que permanece até os dias de hoje. A situação social em que viviam na época da
escravidão foi muito questionada por figuras históricas, como o exemplo abaixo:
E.1013:Valeu Zumbi / O grito forte dos Palmares
Que correu terras céus e mares / Influenciando a Abolição
Zumbi valeu / Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança / Jogo e Maracatu
Vem menininha pra dançar o Caxambu
Vem menininha pra dançar o Caxambu
E.1114: Esse canto de ancestral / Foi Zánzi que me ensinou
Esse canto é todo negro / Com a força do meu amor
A figura de Zumbi dos Palmares é hoje o ícone maior dos movimentos de
valorização da cultura negra, é visto como um herói que conseguiu alimentar o
sonho de liberdade. A partir de uma análise minuciosa desses enunciados é
perceptível que a evocação da ancestralidade, fortalece ainda mais o discurso de
resistência, mostrando que a morte de seus antepassados não perdeu significado.
Incentivando os jovens negros a assumirem o passado e lutar por um fortalecimento
13 VILA, Luis Carlos da; RODOLPHO, JONAS. JESUS, Marinez de. Kizomba, festa da Raça. In: Bahia de Todos os Sons. 1990. Faixa 3.
14 REFLEXU’S. JESUS, Marinez de. Mulher Negra. In: Kabiêssele. 1989. Faixa 4.
étnico, visando à superação da escravidão e a construção de um futuro (MATOS,
2004).
A representação histórica feita através de formações discursivas e ideológicas
dos enunciados abaixo comprova a construção de uma identidade afro-brasileira,
resgatada através da memória discursiva do povo africano. As manifestações
populares eram um espaço de suporte para as identidades ideológicas, alicerçadas
na ancestralidade africana e afro-brasileira, que vão além da expressão corporal e
conseguem reforçar o senso coletivo dos descendentes de escravos. Os grandes
impérios africanos são destacados com suas características singulares, como
também o movimento de islamização no século XI e o do rastafarianismo15 no século
XIX:
E.1216: A grandeza do negro se deu quando houve este grito infinito/ E o
muçulmanismo que contagiava como religião/ Ilê-Ayê traz imensas verdades ao
povo Fulani17/ Senegal faz fronteira com Mauritânia e Mali
E.1318: Babilônia é o fruto do passado /Erro do princípio
Esperança, Oh Jah / Rastafari, Reggae
E.1419: Criaram-se vários reinados / O Ponto de Imerinas ficou consagrado
Rambozalama o vetor saudável / Ivato cidade sagrada
A rainha Ranavalona / Destaca-se na vida e na mocidade
Majestosa negra / Soberana da sociedade
15Também conhecido como rastafári é um movimento religioso que surgiu na Jamaica entre a classe trabalhadora e camponesa afro-descendentes em meados dos anos 20, iniciado por uma interpretação da profecia bíblica baseada pelo status do Imperador Etiopês como o único monarca africano. Alguns historiadores, afirmam que o movimento surgiu, e teve posteriormente adesão, por conta da exploração que sofria o povo jamaicano, o que favorece o surgimento de idéias religiosas e líderes messiânicos. (RABELO, 2006)
16 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO Valmir; ALMEIDA, Marcos. Canto para o Senegal. In: Reflexu’s da Mãe África. EMI, 1987. Faixa 6.
17 Etnia negra de origem mulçumana que habitava o norte da África.
18 Id.,1988, faixa 1.
19 Id.,1987, faixa 1.
O primeiro contato dos brasileiros com a cultura islâmica foi por intermédio de
escravos africanos muçulmanos, estes, oriundos principalmente da Síria e do
Líbano, tinham principalmente formação cristã. O Islamismo teve papel muito
importante na "aglutinação e resistência" dos negros feitos escravos no Brasil.
Esse Islamismo, que, já na África, como vimos, não era exatamente o mesmo da Arábia, no Brasil sofreu, é claro, ainda outras influências, recebendo os nomes de 'religião dos alufás', e culto 'mussurumin', 'muçulmi' ou 'malê' - nomes estes pelos quais eram genericamente conhecidos os negros islamizados. E foi esse Islamismo que criou a mítica do negro altivo, insolente, insubmisso e revoltoso (...). (LOPES E VARGENS, P. 25, 1982)
Os negros adeptos do Islamismo começaram a chegar ao país a partir do
século XVIII e foram deslocados principalmente para o Nordeste, em especial a
Bahia onde mais tarde, em 1835, seriam responsáveis pelo episódio conhecido
como Revolta dos Malês, movimento organizado por negros cultos, alfabetizados e
viviam agrupados na capital, Salvador, e no Recôncavo. Uma parte deles, muito
provavelmente após a perseguição policial desencadeada pela revolta, migrou para
o Rio de Janeiro (LOPES E VARGENS, 1982). Esse movimento foi de reconhecida
importância para os negros na Bahia e no Brasil, esse pode ter sido um dos motivos
que fizeram a banda utilizar esses fatos históricos a fim de representar e valorizar a
comunidade negra, através de recursos discursivos ajustados principalmente pela
memória discursiva desses fatos.
E.1520: Ilê-Ayê ê ê... está nos torsos, nas indumentárias africanas/ Lingüisticamente
o francês na dialética união baiana/ Baobás árvore símbolo da nação dos Deniakes,
os Berberes, dinastia da região/ Ilê Ayê Senegal
Nesse enunciado pode-se perceber a referência da influência do império
Francês na cultura africana em algumas etnias da região. Para fortalecer o discurso
utiliza símbolos como o Baobás, árvore que representa a nação de Madagascar e o
emblema nacional senegalês.
Considerando que a discursividade é um acontecimento que ocorre no interior
20 Id.,1987, faixa 6.
de um discurso em relação com outros discursos, com os quais estabelece
correlações e deslocamentos, na qual as redes de memórias produzem os sentidos
em um dado momento histórico (PECHÊUX, 2006). Pode-se dizer que essa
interdiscursividade, ocorre de forma marcante e com freqüência nas letras das
músicas remetendo-se ao Apartheid, como também a figura de Nelson Mandela e do
arcebispo Desmond Tutu.
E.1621: Grita o negro Nelson Mandela
"Não, não ao Apartheid"
Queremos liberdade, para negro
E.1722: Tire o chapéu e levante a mão
Tire o chapéu e levante a mão
Diga não ao Apartheid e liberte Mandela
Nosso grande irmão
E. 1823: Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede é nossa sede
De que o Apartheid se destrua
Para MAGNOLI (1992), o Apartheid que quer dizer separação na língua
africâner24 foi um regime de discriminação racial que vigorou na África do Sul ligado
principalmente à política do país, a qual incluía artigos onde era clara a
discriminação racial entre os cidadãos, mesmo os negros sendo maioria na
população. Atingia a habitação, o emprego, a educação e os serviços públicos, pois
os negros não podiam ser proprietários de terras, não tinham direito de participação
na política e eram obrigados a viver em zonas residenciais separadas das dos
brancos. Os casamentos e relações sexuais entre pessoas de raças diferentes eram
21 Id.,1988, faixa 1.
22 ZULU, Rey. ALMEIDA, Marcos. Libertem Mandela. In: Reflexu’s da Mãe África. EMI, 1987. Faixa 3.
23 Id.,1990, faixa 3.
24 É uma língua de origem européia falada na África do Sul e na Namíbia.
ilegais. Para lutar contra essas injustiças, os negros acionaram o Congresso
Nacional Africano - CNA, uma organização negra clandestina, que tinha como líder
Nelson Mandela, que mais tarde foi condenado a prisão perpétua sendo libertado
apenas na década de 90 quando foram realizadas as primeiras eleições multirraciais
elegendo Mandela para a presidência da republica, daí em diante, uma nova
Constituição não-racial passou a vigorar, com o desafio de transformar o país numa
nação mais humana e com melhores condições de vida para a maioria da população
(PEREIRA, 1985). Na entrevista realizada com o ex-cantor e compositor da banda
Reflexu’s Marcos de Almeida é possível perceber por meio de sua fala a influência
das condições sociais de produção na composição das letras das músicas
[...] foram marcantes em minha vida - Libertem Mandela, por exemplo, me emocionava bastante e, por uma incrível coincidência, algum tempo depois de ter-mos nos apresentado no Canecão, no Rio de Janeiro, com esta música que tocou, inclusive, em outros países, Mandela foi solto. Claro que não tenho a pretensão de achar que foi a "nossa" música que o libertou, mas acredito em energia positiva e gosto de pensar que de alguma forma posso ter contribuído para a sua libertação. (ALMEIDA, 2011)
É válido apontar que esses fatos históricos foram de suma importância para a
luta e engajamento dos negros por uma causa maior, a igualdade racial, mostrada
claramente na materialidade discursiva dos enunciados abaixo retirados da música
“Oração pela libertação da África do Sul” de autoria de Gilberto Gil, regravada pela
Banda Reflexu’s, a qual serve para exemplificar o tratamento que os brancos
reservavam aos negros “Todo corpo, todo irmão chicoteado” e a importância do
arcebispo Desmond Tutu25, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz “Salve a batina do
bispo Tutu”.
E.1926: Se o rei Zulu já não pode andar nu
Se o rei Zulu já não pode andar nu
Salve a batina do bispo Tutu
25 É considerado o primeiro negro a ocupar o cargo de Acerbispo. Desmond foi consagrado com o Prêmio Nobel da Paz por ter lutado contra o Apartheid em seu país natal.
26 GIL, Gilberto. JESUS, Marinez de. Oração Para A Libertação Da África Do Sul. In: Reflexu’s da Mãe África. EMI, 1987. Faixa 2.
Salve a batina do bispo Tutu
Oh, Deus do céu da África do Sul
Do céu azul da África do Sul
Tornai vermelho todo sangue azul
Tornai vermelho todo sangue azul
Já que o vermelho tem sido
Todo sangue derramado
Todo corpo, todo irmão
Chicoteado, iô
Sabei que o papa já pediu perdão
Sabei que o papa já pediu perdão
Varrei do mapa toda escravidão
Varrei do mapa toda escravidão
A expressão “Tornai vermelho todo sangue azul / Já que o vermelho tem sido /
Todo sangue derramado / Todo corpo, todo irmão”, nos faz refletir sobre a situação
de exclusão e sofrimento que os negros sempre foram submetidos, não só na África,
mas como em todo o mundo. A expressão sangue azul foi utilizada por muito tempo
para caracterizar as famílias nobres européias, as quais se consideravam superiores
e desfrutavam de grandes benefícios. Daí o desejo de transformar todo sangue
vermelho em azul para que todos tivessem os mesmos direitos e oportunidades.
Pode-se inferir que aí existiu uma apropriação social dos discursos que para
Foucault (2004), é um sistema educacional, espaço onde os indivíduos têm acesso a
muitos discursos e de maneira política mantêm-se e modifica-se essa apropriação
dos discursos, com os saberes e poderes que eles trazem consigo, ou seja, uma
ritualização da palavra, uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos
que falam.
Por muito tempo foi aceitável o lugar de desvantagem em que o negro ocupou
na sociedade em relação ao branco. Para desmistificar esse histórico de sofrimento,
retomam ao próprio passado de uma forma que utiliza elementos culturais e
ancestrais para representar a união entre diversas raças, com intuito de mostrar
através das raízes africanas que apesar de tanto sofrimento, esta luta foi vencida.
E.2027: No quinto continente a nossa raiz lá se unificou
As histórias lendárias ficaram gravadas tempo que passou
Os seus trajes lindos refletem a riqueza mineral
E. 2128: Ilê ê ê ê, Dakar á á, obatalá29
Agô iê ê ê ê
Esses são os meus sentimentos do antepassado
Senegal narrado como tema Ilê Ayê
E.2230: Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba31 é nossa constituição
Esta Kizomba é nossa constituição
A necessidade e desejo de união entre as raças fica visível e reiterada a partir
da análise do E. 26, no qual esse anseio é construído sob a égide do ritmo dançante
kizomba, utilizando-se mais uma vez da cultura dos povos africanos a fim de
representar e valorizar os afro-descendentes a partir do interdiscurso, o qual
possibilita compreender que os sujeitos dessa ação estão interligados a esse saber
discursivo que não se aprende, mas que produz seus efeitos através da ideologia e
do inconsciente (ORLANDI, 2005). A partir disso, pode-se fazer um paralelo com
Munanga (1986), o qual afirma que os negros devem se unir e exercer essa união
por meio da compreensão das heterogeneidades imbuídas na negritude. Tal posição
é fundamentada na diversidade de grupos étnicos que vieram para as terras
brasileiras, o que resultou na diversificação dos signos culturais. Havia no século
XVI no Brasil uma rica reconstituição das culturas existentes na África e ainda hoje é
possível notar isso por meio da pluralidade cultural.
27 REFLEXU’S. JESUS, Marinez de. Canto a Nigéria. In: Atlântida. Som Livre, 1993. Faixa 3.
28Id.,1987, faixa 6.
29 Obatalá na mitologia yoruba, é o criador do mundo. - Oba (rei) alá (branco).( JONSON,1937)
30 Id.,1990, faixa 3.
31 É um gênero musical e de da dança de origem angolana, que tem assemelha a lambada brasileira.
A partir do enunciado “Gente de todas as raças / Numa mesma emoção”
pode-se perceber a influência das condições sociais de produção, uma vez que por
muito tempo conceito de raça foi negado, pois era utilizado para classificar os
indivíduos segundo a cor da pele e à aparência ou mesmo para definir a sua
ancestralidade. Sendo retomado apenas entre as décadas de 70/80 como
instrumento ideológico de luta contra o racismo que no Brasil é materializado
principalmente pela cor da pele, e não por uma herança genética, ou seja,
independente das considerações biológicas, é exercido em função da cor – quanto
mais próximo da pele branca, menor é a discriminação.
Para Hall (2003, p.69), “‘Raça’ é uma construção política e social. É a
categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de poder
socioeconômico, de exploração e exclusão – ou seja – o racismo”. Não obstante,
como prática discursiva o racismo possui uma lógica própria, tentando justificar as
diferenças sociais e culturais que legitimam a exclusão racial em termos de
distinções biológicas. Neste discurso, determinadas características construídas
sociais e historicamente, permeadas por relações de poder e subordinação, são
legitimadas como naturais e inatas, criando todos os estereótipos atribuídos às
minorias (HALL, 2003). Comungando com as mesmas idéias, Munanga (2003)
menciona:
[...] raça é um conceito carregado de ideologia, pois como todas as
ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e d
dominação [...] de outro modo, o conceito de raça é determinado pela
estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam.
(MUNANGA, 2003, p.16)
Enquanto isso, a utilização do termo negro, pivô de batalhas discursivas
interétnicas, foi resultado do discurso como prática ideológica e política, no sentido
definido por FOUCAULT (1999), como aquele discurso que trabalha para o poder,
como também, para os que fazem do discurso a própria arma de poder conduzindo
dessa forma os sujeitos entre as relações existentes de poder. O discurso como
prática ideológica constitui-se como defensor de um determinado grupo em
detrimento de outro, manifestando como objeto de desejo.
Nos enunciados que se seguem a presença do sujeito discursivo é observado
por meio da linguagem empregada e da presença da polifonia.
E.2332: Canto a minha cor
Melodia primitiva, por essência
Resistência, Oh Jah
Rastafari, Reggae
O homem e sua sina
Icógnita do escuro
Que destino, resistência
Oh Jah
Rastafari, Reggae
E.2433: Eu me orgulho de ser
Uma mulher negra
Eu tenho kelê
Eu tenho a dijina
Esse sujeito é representado a partir de duas vertentes - as afirmações
características da voz simples como “Eu tenho kelê”, “sua sina”, ao mesmo tempo
em que se tem a voz erudita em expressões como “Icógnita do escuro” “Melodia
primitiva, por essência”. Essas vozes são constituídas pelo sujeito enunciador, que
idealiza ser dono do seu próprio dizer, contudo é composto por diferentes vozes
membro de sua formação. É a voz do negro excluído, subjugado, revoltado e ao
mesmo tempo, resistente, valorizado, consciente de sua importância e de sua
exploração, ambas constatadas em seu dizer. Por conseguinte, temos um sujeito
heterogêneo e não individual.
A redemocratização brasileira ocorrida na década de 80 foi um período em
que se pôde perceber o desfrute, por partes de alguns indivíduos, de alguns direitos
32 Id.,1988, faixa 1
33 Id.,1989, faixa 4.
e deveres, até então vinculados a uma minoria. Aproveitando esse contexto social
em que surgiram diversos movimentos de combate a discriminação racial, entre eles
o MNU, a banda Reflexu´s usufruiu das condições sociais de produção desses
discursos, que para Orlandi (2005), compreende a relação entre situação e sujeito,
para por em contenda algumas questões que surgiam dos mais diversos setores, e
que desqualificava os debates sobre a democratização das oportunidades de
acesso, minimizando a questão das desigualdades étnico-raciais, numa
demonstração de que não se reconhecem o sistema escravista e suas
consequências, como injustiças cometidas contra a população negra ao longo da
formação do país (MATTOS, 2004).
Esse legado histórico pode até não ter sido reconhecido como propulsor das
desigualdades raciais, por muitos na sociedade. Todavia, não se pode generalizar
essa afirmação, pois a partir dos enunciados que se seguem, fica visível que o
discurso da banda Reflexu’s além de reconhecer a herança deixada pela escravidão,
torna essa prática discursiva, oriunda de tais acontecimentos históricos (FOUCAULT,
2008), indispensáveis para o reconhecimento do preconceito como instrumento
ideológico de poder na luta contra o racismo, buscando de tal modo a valorização
cultural negra.
E. 2534: Batalhas e conflitos
vítimas de sofrimentos
sou eu um negro bonito
desabafando meus sentimentos
De geração em geração
que é discriminado o negão
e hoje somos cultura
nosso grito de força é a nossa união
No enunciado acima a composição discursiva foi construída do
posicionamento implícito do sujeito enunciador. Tal sujeito insere-se como negro
defensor da causa negra, visto que todo o seu discurso se constrói em oposição a
um determinado discurso que tem como uma de suas características a concepção
34 Id.,1987, Faixa 3.
de superioridade da raça branca. É, portanto, um sujeito discursivo representativo de
um determinado lugar sócio-histórico-ideológico, que se caracteriza por defender e
valorizar a causa negra e, em virtude disso, contestar a superioridade branca,
enfatizando a importância da cultura do povo negro.
Acreditando que a banda utilizou-se de diferenciadas formas simbólicas para
representar a cultura negra, com propostas de resgatar a auto-estima dessa
população através da retratação de aspectos culturais e políticos das nações
africanas, pode-se pensar que a justificativa para esta representação, se deu devido
ao fato, de que, a sociedade brasileira tentou ignorar os efeitos que a escravidão
teve, tanto para o território brasileiro, quanto para a população negra, permitindo
então, uma invisibilidade do processo histórico. Sobre representação Chartier
destaca que:
Na primeira acepção a representação é o instrumento de um conhecimento imediato que revela um objeto ausente, substituindo por uma "imagem" capaz de trazê-lo a memória e "pinta-lo" tal como é [...] A relação de representação é assim turvada pela fragilidade da imaginação, que faz com que se tome o engodo pela verdade, que se consideram os sinais visíveis [...] de uma realidade que não existe. Assim desviada, a representação transforma-se em máquina de fabricar respeito e submissão [...]. (ROGER CHARTIER, 2002, p. 74 e 75)
A representação nesse sentido torna-se fator importante na luta pelo
reconhecimento da identidade negra como fator crucial na construção sócio-histórica
brasileira, visto como para Hall (2004), as representações e as identidades são
construídas dentro do discurso. É precisamente porque as identidades são
construídas dentro e não fora do discurso que é preciso compreender que são
produzidas em locais históricos, no interior de formações e práticas discursivas
específicas. Além disso, elas emergem no interior de modalidades específicas de
poder e são assim mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o
signo de uma unidade idêntica, naturalmente constituídas, de uma “identidade” em
seu significado tradicional – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade
sem costuras, sem diferenciação interna (HALL, 2004, pg. 109).
Esse fator pode ser percebido de forma clara a partir da análise do E.32, o
qual demosntra a importância do negro oriundo da África para a construção da
identidade afro-brasileira:
E.2635: A simbolização do negro africano
Recorda o manto sofrido hargalo de dor
O negro batendo na palma da mão este canto
Este canto é a sua origem e cintila a cor
Ilê Aiyê ê ê
É a nossa cor
Negro a dizer é a nossa cor
ôhô ôhô ôhô
ôhô
ehê ehê ehê
ehê
Esta identidade é construida sob a égide dos acontecimentos históricos que
aqui sucederam e deram margem para a origem simbólica do negro no Brasil, além
da valorização por meio da música do quesito cor identificando-a como propulsora
da construção de uma identidade baseada nos moldes da sociedade racista. Esse
discurso identitário estruturou-se a partir de famílias parafrásticas, as quais deram
continuidade ao sentido desse discurso durante o processo histórico do negro no
país. E por serem discursos eminentimentes estabilizados, são aqueles em que
algo sempre se mantém, isto é, a memória (ORLANDI, 2005).
E.2736: Ô ô nega mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ô ô Clementina
O pagode é o partido popular
E.2837: AraKetu retrato da tal mocidade
Representando o passado
E tudo que aqui ficou
Derramando nossos prantos de felicidade35 MOISES E SIMAO. JESUS, Marinez de. Canto da cor. In: Kabiêssele. 1989. Faixa 2.
36 Id.,1990, Faixa 3.
37 Id.,1988, faixa 1.
Por ser essa tal entidade
Nomeada a Ode caçador
E.2938: Senhor, irmão de Tupã, fazei
Com que o chicote seja por fim pendurado
Revogai da intolerância a lei
Devolvei o chão a quem no chão foi criado
A formação discursiva em questão é caracterizada pelo caráter contestatório e
denunciativo, pois todo o seu discurso é organizado em torno da contestação da
superioridade branca sobre os negros, argumentando e buscando mostrar
justamente o oposto, que o negro é resistente e valoroso. Levando em conta que
qualquer formação discursiva é resultado de uma dispersão de elementos históricos,
sociais e ideológicos podemos dizer que a formação em questão resulta de aspectos
como: A alusão Ao processo histórico da escravidão “Anastácia não se deixou
escravizar” e “Com que o chicote seja por fim pendurado”; a condição social de
submissão deles que ainda persiste mesmo após a abolição” AraKetu retrato da tal
mocidade / Representando o passado / E tudo que aqui ficou”; e a ideologia do
discurso de resistência representado por elementos culturais, música e mito,
mostrados no enunciados 33 e 37. Em síntese, podemos dizer que temos um sujeito
enunciador com uma formação discursiva contestatória, correspondente a sua
formação ideológica de defensor da causa dos negros, e determinada também por
fatores históricos, sociais e ideológicos.
3.2 VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE
Nas letras das músicas da banda Reflexu’s é possível perceber a utilização de
38 GIL, Gilberto. JESUS, Marinez de. Oração Para A Libertação Da África Do Sul. In: Reflexu’s da Mãe África. EMI, 1987. Faixa 2.
discursos que são elaborados a partir da valorização da negritude. Os enunciados
que seguem abaixo são fortemente representativos,
E. 3039 - Emergindo ao mundo este canto profundo de muita emoção
Exaltando esta raça neste grande gesto manifestação
Religiosamente o muçulmanismo se predominou
E a partir do ocidente acurê e badã enkejá socotô
Sua cultura Enoque que floreceu ao redo de Ifé
Tendo vários rios fazendo limites ao golfo da Guiné
E. 3140 Tem a força da Cultura / Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura /Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
A formação discursiva que é responsável pelo discurso de valorização nesses
enunciados é organizada através de simbologias que remetem a elementos culturais
como, por exemplo, a dança, a música e o mito.
A presença da questão da estética é também muito forte. Pode-se ressaltar,
portanto, que a estética da negritude teve na Europa as origens de sua
desvalorização, durante o processo de colonização quando classificaram outras
culturas como inferiores a sua. Por um longo tempo os padrões estéticos africanos
foram tidos como inferiores.
Sob esse prisma, Joel Zito Araújo (2000) questiona os estereótipos sobre o
negro e a estética racista da telenovela brasileira. No entanto, a mídia brasileira não
abandonou aquele velho conceito de estética baseados em modelos europeus e/ou
americanos, ainda que a maioria do povo brasileiro seja de negros, a cultura de
nosso país não estimula este padrão de estética devido a um processo de
dominação que é histórico e entre valores que se colocam para serem avaliados
normalmente não estão incluídos valores estéticos dos negros. Assim sendo, a
banda Reflexu’s, utilizando-se de uma memória discursiva, tentou compensar esse
passado histórico de desvalorização, através das letras das músicas, que pode ser
observado nos enunciados a seguir:
39 Id.,1993, faixa 3.
40 Id.,1990, Faixa 3.
E.3241: O negro se farta do fruto da sua beleza
Atribui-se também a ele esta sua grandeza
E.3342: Negro é a luz que ilumina o terreiro / Os olhos do cego canteiro
Porque não dizer cantador
Negro é a voz que exalta a Bahia / Do Reino que explode alegria
No peito de São Salvador
Negro é a seiva de toda poesia / É a força da fé das Marias
Que regam de luz toda dor
Negro é o braço que ergue seu tento / É raça que serve de exemplo
De um povo latente a queimar
Negro é a mão, nosso pão dia-a-dia / É garra e o suor das Marias
Que fazem meu povo cantar
Em relação ao sujeito discursivo desses enunciados temos aqui um sujeito
heterogêneo, constituído por diversas vozes de discursos que se entrecruzam no
seu, constituindo a polifonia e a heterogeneidade mostrada.
Outra característica encontrada nos enunciados é exaltação, feita através da
representação de grupos musicais que divulgam a cultura negra:
E.3443: Negros ilê-aiyê avançam pelas ruas centrais da cidade/ Senegalesas
mulheres vaidosas mostrando intensidade/ Incorporadas num só movimento
frenético do carnaval/ Caolak, Rufisque, Zinguichor, são as cidades do Senegal
E.3544: Que mistério tem os negros / Só a malícia dos olhos podem ver / Na
41 Id.,1989, faixa 2.
42 REFLEXU’S. JULIO. Mariê. In: Serpente Negra. 1988. Faixa 9.
43 Id.,1987, faixa 6.
44 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir. JULIO. Deuses Afro Baianos. In: Serpente Negra. 1988. Faixa 7.
igualdade de uma raça ara-ketu / Na harmonia de cantar o Ilê-ayiê / A deusa negra
tem o cabelo duro /Suas tranças são primitivas ao Ijechá
Os enunciados acima fazem referência ao Ylê-aiyê45 e ao Olodum46, ambos
representantes da negritude, objetivam preservar, valorizar e expandir a cultura afro-
brasileira, para tanto homenageiam os países, nações e culturas africanas e as
revoltas negras brasileiras que contribuíram fortemente para o processo de
fortalecimento da identidade étnica e da auto-estima do negro brasileiro, tornando
populares os temas da história africana vinculando-os com a do negro no Brasil,
construindo um mesmo passado, uma linha histórica da negritude.
Através desses discursos, percebe-se ainda um forte desejo de liberdade
para a etnia negra, liberdade esta que foi dada parcialmente, através da abolição da
escravatura. Nesse contexto, as condições sociais de produção que, para Pechêux
(2001), são um fator determinante na produção do discurso, favoreceram uma
prática discursiva na década de 1980, que remete à complexidade das relações
existentes entre os diversos discursos da negritude encontrados nas letras das
músicas.
Falando sobre a expressiva valorização do negro através da música a ex-
cantora Marinez de Jesus afirma que essa expressiva utilização pode ter ocorrido:
Talvez por ser a raça que sofra mais discriminação. Concordam? Embora buscássemos uma forma de denunciar toda forma de desumanidade, usando a música, que é um divisor de águas! (JESUS, 2011)
A partir da análise das locuções “ostentação”, “pichado” e “exposição”,
inseridas no enunciado abaixo, observa-se uma aproximidade desses termos que
poderíamos justificar por meio da relação interdiscursiva dessas formações
45Grupo cultural afro baiano que tem o objetivo de preservar, valorizar e expandir a cultura afro-brasileira. Desde que foi fundado vem homenageando os países, nações e culturas africanas e as revoltas negras brasileiras que contribuíram fortemente para o processo de fortalecimento da identidade étnica e da auto-estima do negro brasileiro, tornando populares os temas da história africana vinculando-os com a história do negro no Brasil, construindo um mesmo passado, uma linha histórica da negritude.
46 Olodum é atualmente um grupo cultural que desenvolve ações de combate à discriminação social e racial, defende e luta para assegurar os direitos civis e humanos das pessoas marginalizadas, na Bahia e no Brasil.
(ORLANDI, 2002). Ambas contribuem para recriar, ao mesmo tempo, um efeito de
valorização e de resistência no discurso. Observa-se ainda que os três termos
pertencem a uma mesma família parafrástica.
E. 3647: O Ilê Aiyê insiste / Com todo povo resiste
Sem essa de ostentação /De retrato falado
O negro foi pichado / Hoje é exposição
Conforme assinalado nas escritas anteriores, a concepção de ideologia
pecheuxtiana parte de um consenso de que esse conceito definia-se como uma
forma de interpretação da realidade social. Isso pode ser observado no enunciado
que segue:
E.3748: Olodum do Pelourinho /
Sempre contra a opressão
Busca paz e liberdade
Quer o mundo em união
As postulações de Pêcheux permite olhar para o discurso do enunciado de
forma a identificar na sua argumentação traços de uma formação ideológica por
meio de uma serie de deslizamentos que marcam o funcionamento das formações
discursivas. Observando mais criteriosamente o discurso, por tais evidências, é
marcado pela contradição, pela fragmentação e pela heterogeneidade, uma vez que
totaliza uma dispersão, mas cuja inscrição histórica define a regularidade
enunciativa, uma vez que é na relação do discurso com as condições históricas que
o sentido se revela. Na construção do sentido desse enunciado, há o lugar da
ideologia com instauradora da significação.
Este trabalho está inscrito em um campo teórico que trabalha com a língua
ligada à produção de sentidos e à história, dos sujeitos e do dizer. Tornando,
portanto, as condições sociais de produção, condição para que o analista seja
47 Id.,1999, faixa 7 .
48 Id.,1990, faixa 1.
orientado na teoria discursiva. Nas palavras de Orlandi,
Pensamos a tarefa do analista de discurso como sendo a da construção de um dispositivo teórico que leve o sujeito à compreensão do discurso, ou seja, à elaboração de sua relação com os sentidos, desnaturalizando-os e desautomatizando-os na relação com a língua, consigo mesmo e com a história. (ORLANDI, 2001, P.14)
Nessa proposta teórica o sujeito, estando exposto à ideologia, constrói um
saber que não é ensinado, mas que está em andamento e que produz seus efeitos,
tornando as condições de produção imprescindíveis e determinantes para a
produção do conhecimento e para a constituição do sujeito. É, por isso, que se torna
importante um olhar atento à exterioridade, pois ela afeta o discurso, constituindo-o,
sendo, a partir dela, que apreenderemos a historicidade inerente à materialidade
discursiva. A influência das condições sociais de produção podem ser visibilizadas
nos enunciados abaixo,
E.3849: Akewi Ati Onilu
Cantam e tocam para anunciar
Nubia, Axum e Etiópia
Olodum vem mostrar
Registrado pela história
Soberania momentânea
Menelik, rei Cabeb
Rastafari, Ei Ezana
A rainha do Sabá
Casou-se com o Rei Salomão
Originando a mista raça
São raízes do Sudão
A cultura sudanesa
Pelo mundo se espalhou
49 LOPES, Titãs; LAZINHO. JESUS, Marinez de. Olodum Ologbom. In: Bahia de Todos os Sons. 1990. Faixa 1.
Fons, dogons, sereres, Haussás
Mossis, mandingas, ibôs, iorubas
Este processo de constituição do saber e do esquecimento é mostrado no
enunciado por meio da exposição do sujeito às condições de produção de sentido,
tanto restritas, ao contexto imediato, quanto abrangentes, das quais fazem parte o
contexto social, o histórico e o ideológico.
No enunciado que segue abaixo a memória discursiva está presente a partir
da formação discursiva que remete a um passado histórico das raças que originaram
a miscigenação. Essa memória discursiva é constitutiva de todo discurso, pois para
que este produza sentido é necessário que ele já faça sentido, em outras palavras,
que se apoie em algo já posto. (ORLANDI, 2001). A partir dessa sustentação
podemos compreender qual a determinação histórica que está inerente ao discurso.
Ou seja, compreender a temporalidade e os fatos que constituem a materialidade
discursiva em análise, além da maneira como eles nos conduzirão à historicidade e
aos possíveis efeitos de sentidos.
E.39: Raça varonil alastrando-se pelo Brasil
Sankara Vatolay/ Faz deslumbrar toda nação
Merinas, povos, tradição
E os mazimbas que foram vencidos pela invenção
É possível entender a partir da análise desse enunciado, que a produção do
conhecimento e de sentido pode remeter a diferentes épocas, transportando noções,
conceitos, por exemplo, fazendo-os funcionar no presente, no momento atual.
Considerando que a AD não se reduz apenas à interpretação de informação
e muito menos pode ser assinalada como linear, pois busca desvendar como objetos
simbólicos produzem sentidos, como foi aqui analisado, e considerando o universo
de significações inserindo assim o elemento interpretativo, porém, não se atendo
estritamente a ele, dado que procura lidar com seus limites sem estabelecer um
sentido verdadeiro através da interpretação (ORLANDI, 2005). Deste modo, é válido
inferir que a análise das relações raciais no Brasil revela uma complexidade de
situações diferenciadas para a população negra, incidindo sobre as formas pelas
quais essa população é definida, nos moldes dos padrões ideológicos dominantes e
também, nas formas pelas quais ela própria interpreta a sua vida social.
Conclui-se, então, que o entrelaçamento entre o suporte teórico, o percurso
metodológico e o constante ir e vir ao material empírico permitiu a crescente
percepção da presença dos dispositivos analíticos na discursividade analisada dos
enunciados. Por isso, eles são utilizados para responderem às questões que
motivaram o pesquisador, constituindo- se como passagens para a consecução da
análise, através da superação das etapas que a caracterizam.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo por base a noção de que a música é determinante na produção de
sentido e um poderoso instrumento de contestação e resistência, foram encontrados
na Análise do Discurso os pressupostos necessários para se compreender o que as
letras das músicas da banda Reflexu’s “dizem” “como dizem”, e os objetivos que as
levam a “dizer o que dizem”.
Ao justificar a escolha das letras das músicas da banda Reflexu’s de acordo
com a aproximação do tema da pesquisa, procura-se identificar os recursos
discursivos que fazem com que o discurso prepondere a partir de alguns elementos
sócio-históricos e ideológicos.
Nessa perspectiva, considera-se a importância do interdiscurso, ou memória
discursiva, bem como as condições sociais de produção, que por meio do
estabelecimento e compreensão da relação existente entre ambas, foi possível
compreender os procedimentos discursivos dos quais os autores das letras das
músicas fizeram uso para elaborar os discursos.
Baseando-se em Foucault e na análise do discurso, pode-se dizer que as
linguagens musicais são frutos de forças e características próprias das épocas em
que são criadas, a partir de questões sociais, culturais, econômicas, políticas e,
talvez principalmente, pelo o que os sujeitos que as criam almejam com sua obra.
Como Foucault aponta, o discurso de uma obra musical pode ser entendido como
uma forma de organização e representação do mundo na qual está em jogo um
conjunto de forças sócio-histórico-culturais aliadas à formações discursivas que
constituem-na.
Por meio da memória discursiva, percebe-se que, mesmo elaborando um
discurso predominantemente de valorização e resistência ela recriou
discursivamente significados que dialogam com a produção dos acontecimentos
ocorridos no passado através da referência a fatos históricos (ORLANDI, 2005).
Aparecendo dessa forma nas letras, remetendo-se aos símbolos da ancestralidade
africana e a elementos culturais como a música, dança mito, religião, entre outros.
Através das condições sociais de produção foi possível perceber sua
inferência na composição das músicas, uma vez que o contexto da década de 1980
foi caracterizado por uma forte articulação dos movimentos democráticos e
concomitantemente, houve uma abertura política e social que possibilitou em maior
ou menor grau o reconhecimento e a importância dos negros na formação do Brasil.
Aproveitando-se desse contexto a banda Reflexu’s construiu as letras de algumas
músicas por meio de um discurso que remetia a resistência contra o preconceito
racial e a valorização da negritude, ambos com o intuito de refutar as idéias a cerca
da inferioridade do negro enraizadas na sociedade. Em outras palavras a banda
tentou compensar esse passado de sofrimento e desvalorização da negritude.
De modo sistemático a proposta da pesquisa foi contemplada, bem como
seus objetivos, pois no trabalho de pesquisa novos conhecimentos foram adquiridos
e futuros trabalhos poderão ser realizados com embasamento nesse. Como já foi
dito anteriormente, são poucas às vezes em que se pode observar questões
relacionadas a população negra sendo abordada de forma ampla, respeitando as
diferenças, oferecendo alternativas de valorização, e promovendo uma mudança na
mentalidade da sociedade quanto à forma de tratar questões relacionadas a essa
temática. É justamente a partir dessa perspectiva que o trabalho se desenvolveu,
tentando colocar em pauta reflexões e discussões político-sociais sobre o tema
proposto.
A questão racial exige a construção de uma nova sensibilidade e prática
política, capaz de alterar hábitos e valores impregnados desde a escravidão na
cultura e na sociedade brasileira, legitimados, sobretudo nas relações cotidianas.
Espera-se que esse trabalho faça com que, se isso não aconteça pelo menos lance
as bases de sustentação para que possa acontecer quem sabe em um futuro mais
próximo e possa atingir indivíduos de todas as etnias e camadas sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADESKY, Jacques d’. Pluralismo Étnico e Multiculturalismo: Racismos e Anti-Racismos no Brasil. Editora Pallas. Rio de Janeiro, 2001.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela. Rio Janeiro: Editora SENAC, 2000.
AZEVEDO, Thales de. As Elites de Cor numa Cidade Brasileira. Um estudo de ascensão social & Classes Sociais e Grupos de Prestígio. 2 ed. Salvador: EDUFBA, 1996.
BORGES. Edson. Racismo, Preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acessado em 25 de JULHO de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
CHARTIER, Roger. A beira da falésia. Editora UFRGS. Porto Alegre, 2002.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na História do Brasil. São Paulo, ed. Ártica. 2ª edição, 1995.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: os cristãos novos e o mito da pureza de sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históri-cos. Revista Tempo., vol.12, n.23, p. 100-122, 2007.
DOMINGUES, Petrônio. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930). Diálogos lationo-americanos, numero 010, universidad de Aarhus,2005.
FANON, Frantz. Pele Negra, Mascaras Brancas. ed. Tradução de Alexandre Pomar. Porto. Paisagem. 1975.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France,pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 10 ed. Tradução Laura F. A. Sampaio. São Paulo: Loyola, 2004.
______.Arqueologia do Saber. 7 ed. Tradução Luiz F.B. Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
______.As Palavras e as Coisas. 8 ed. Tradução Salma T. Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
______.Em defesa da sociedade. SP. Martins Fontes, 1999.
______.Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. 24. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.
FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo:Cia. Editora Nacional, 1965.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Afiliada: Rio de Janeiro, 1999.
GOETTERT, Jones Dari. Aos “vadios”, o trabalho: considerações em torno de representações sobre o trabalho e a vadiagem no Brasil. Revista Formação. N. 9. V. 2. Presidente Prudente: PPGG – UNESP, 2002.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo, Editora 34, 1999.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Org. SILVA, Tomaz Tadeu. Ed. Vozes. Petrópolis - RJ, 2004.
______.Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização liv sovik; Belo Horizonte: editora UFMG, 2003.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
JOHNSON, Samuel. The History of the Yorubas. Lagos, 1937.
LOPES, Nei e VARGENS, João Baptista M. Islamismo e negritude: da África aoBrasil, da idade Média aos nossos dias. Estudos Árabes, v.1, Rio de Janeiro: UFRJ, 1982.
LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma historia de suas transformações. Trad. Regina A. R. Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. Rio de Janeiro: civilização brasileiram 2002.
Maggie, Yvonne .A ilusão do Concreto: uma introdução à discussão do sistema de classificação racial no Brasil. XVº Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1991.
MAGGIE, Yvonne; REZENDE, Claudia Barcellos (Org.). Raça como retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
MAGNOLI, Demetrio. África do Sul - capitalismo e apartheid. São Paulo: Contexto, 1992.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes: Unicamp, 1993.
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico.Col. Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. Ed. 2004.
MUNANGA, Kabengele. Algumas considerações sobre a Diversidade e a Identidade Negra no Brasil. In: MINISTÉRIO, da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Diversidade na Educação: reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003.
______. Kabengele. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996.
______.Kabengele . Negritude: Usos e Sentidos. São Paulo: Ática, 1986.
______.Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Cadernos Penesb (Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade brasileira). UFF, Rio de Janeiro, nº 5, p. 15 – 34, 2004.
NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto, quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo, T.A. Queiroz, 1985.
ORLANDI, E P. Paráfrase e polissemia – a fluidez nos limites do simbólico. In: RUA. Campinas: Unicamp, 1998.
______.A polissemia da noção de leitura. In: ORLANDI, org. Discurso e Leitura. São Paulo, Cortez e Editora da Unicamp, 1988.
______. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas (SP): Pontes; 2001.
______.Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: Ed. Pontes, 2001.
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: Achard, P. et al. Papel da memória (Nunes, J.H., Trad. e Intr.). Campinas: Pontes, 1999.
______.Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora daUnicamp, 1996.
______.Análise automática do discurso. In: Gadet F, Hak T, organizadores. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas (SP): Editora da Unicamp; 2001.
______.Análise do Discurso: três épocas. In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Trad. de Eni P. Orlandi. Campinas: Unicamp, 1983.
______.O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. de Eni P. Orlandi.- 4ª edição- Campinas, SP: Pontes Editores, 2006.
PEREIRA, Francisco José. Apartheid: O horror branco na África do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1985.
RAEDERS, George. O inimigo cordial do Brasil: o Conde de Gobineau no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos: Como o Brasil deu no que deu. 2º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1985.
ROMERO, Sílvio. Cantos Populares do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio editora, 1954.
SAMPAIO, Tiago Santos. Identidade e alteridade na minissérie a muralha: uma analise do discurso audiovisual. Trabalho de graduação apresentado ao curso de comunicação- radio e TV, Ilhéus: BA, 2006.
SANTOS, K. R. Cultura afro-brasileira e africana no livro didático de História do Brasil e História de Sergipe: possibilidades de transposição didática, 2006.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e Negro: Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.
______.Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questões raciais no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
______.Nem Preto, Nem Branco, Muito Pelo Contrário: cor e raça na intimidade. In: Schwarcz, Lilia Mortiz (org). Historia da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.v.4São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
SOUZA, Florentina da S. Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
TAVARES, L. H. D. História da Bahia. São Paulo: Ática, 1981.
TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
______ http://www.ileaiye.org.br. Acesso em 29 de agosto de 2011. Ás 23:43 hs.
______http://olodum.uol.com.br/ Acesso em 29 de agosto de 2011 ás 22:56 hs.
______ http://www.religionfacts.com/a-z-religion-index/rastafarianism.htm. Acesso em 04 de setembro de 2011às 09:00 hs.
______http://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=317:estatistica-da-desigualdade&catid=118:sei-na-midia&Itemid=255. Acesso em 31de julho de 20011 às 20:35 hs.
______http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=ba&tema=resultpreluniver_censo2010. acesso 30 de julho de 2011 às 23:40 hs.
_____http://www.webartigos.com/articles/32733/1/Imperio-Cidadaos-escravos-e-exclusos/pagina1.html#ixzz1WRMtGa3T. Acesso em 25 de agosto de 2011 ás 18:00 hs.
_____http://www.bandareflexus.com.br/reflexus_quemsomos.html
_____http://bandareflexus-bahia.blogspot.com/2009/12/novo-cd-de-marinez.html
Universidade do Estado da BahiaDepartamento de educação Campus XIVColegiado de Comunicação Social- Rádio e TV
Entrevista
1. A banda possui um ideário?
Tenho 16 anos que sai da Banda Reflexus. Vou falar da minha carreira enquanto
Cantora da Banda. Na época, possuía sim. Existia em mim, uma meta, um objetivo,
um ideal a ser alcançado, que ultrapassava a busca do sucesso, buscava atingir a
sociedade de uma forma tão profunda, a ponto de tentar mudar todo um contexto
existente de desigualdade social, preconceitos, toda forma de discriminação.
2. Qual a influência do contexto histórico da década de 80 na composição das
letras das musicas?
O contexto histórico, de qualquer época, influencia sim no modo de vida e atitudes
das pessoas, mas, independente de qual época estejamos vivendo, creio que, os
objetivos que queremos á nível de mudança, ou denúncia de injustiça, tem a ver
com caráter e sensibilidade, de quem tem as armas certas nas mãos, para serem
usadas em favor dos menos favorecidos.
3. É possível perceber muitos símbolos que remetem a uma africanidade
ancestral. Gostaria que explicasse o porquê dessa utilização?
Acredito que tenha sido por uma tradição. Por serem modelos já utilizados. Uma
realidade que o povo estava acostumado a vivenciar.
4. Nas letras há uma forte presença de elementos históricos tanto antigos
como contemporâneos. É algum tipo de estratégia?
No meu ponto de vista, não. Apenas valorização de uma cultura.
5. A banda fez muito sucesso naquela época. A quem ou a quê pode-se atribuir
esse sucesso?
Estava traçado por Deus.
6. Como pode ser vista a música da banda composta naquela época com a
produzida pela atual versão?
Que versão? Não estou ciente do novo trabalho.
7. Há nas letras das músicas um forte cunho de resistência ao preconceito
racial. Tem um motivo especial? Qual?
Eu era (sou) negra. O preconceito, qualquer que seja o nome dele, machuca!
8. Qual o motivo da expressiva valorização do negro nas letras das músicas?
Talvez por ser a raça que sofra mais discriminação. Concordam? Embora
buscássemos uma forma de denunciar toda forma de desumanidade, usando a
música, que é um divisor de águas!
9. O grupo participou ou participa de algum movimento negro? Se sim, qual?
Não sei. Eu nunca participei de nada individualmente, sempre busquei ficar do lado
dos menos favorecidos e injustiçados, independente de rótulos.
10. Como vocês enxergam o racismo na Bahia?
Estou respondendo por mim, Marinez, não faço parte mais da Banda; Sou Negra, e
como tal, estou integrada no grupo dos que sofrem racismo. Como enxergo? Com
tristeza !
11.Qual o motivo da utilização de símbolos Yorubas e Bantu nas letras das
músicas?
Sob meu ponto de vista, apenas passar para as pessoas, a diversidade cultural
entre os povos.
Obs: Deixo claro aqui que fui cantora da Banda Reflexus no período de janeiro de l987 até dezembro de 1993. Gravei cinco álbuns com a Banda e um solo. Enquanto estava lá, a banda vendeu mais de três milhões e quinhentas mil cópias, ganhando diversos prêmios, e mesmo com todas as intempéries que existiam, levei a sério ao extremo o meu profissionalismo e dedicação, por um trabalho que refletia o que eu pensava no que diz respeito à população, procurando deixar um legado construtivo, na cultura baiana, brasileira; a partir da minha saída, por estar a 16 anos afastada, não posso mais responder sobre o conseqüente trabalho da mesma. Além de não ter respaldo sobre o nível do trabalho, ignoro totalmente os atuais objetivos e metas a alcançar.Publique.
Atenciosamente,MARINEZ DE JESUS DA SILVAEx- cantora da Banda ReflexusSalvador, 04 de setembro de 2011
Universidade do Estado da BahiaDepartamento de educação Campus XIVColegiado de Comunicação Social- Rádio e TV
Entrevista
1. A banda possui um ideário? Qual? Sim
2. Qual a influência do contexto histórico da década de 80 na composição das letras das musicas?Por tudo que estava, acontecendo na África do Sul, há 3, pela prisão de Nelson Mandela, Stiven Bico e por sermos descendentes de Africanos.
3. É possível perceber muitos símbolos que remetem a uma africanidade ancestral. Gostaria que explicasse o porquê dessa utilização?Respeito,pela cultura Africana,porque ,a palavra ancestral,no meu modo de ver é espirítual,de utilização Africana;para seu modo de vida.E os símbolos,são utilizados,para curas e determinados fins,da cultura local.
4.Nas letras há uma forte presença de elementos históricos tanto antigos como contemporâneos. É algum tipo de estratégia?Nunca existiu estratégia, só verdade.Por isso todas as canções tiveram seus significados.Hoje e sempre.
5. A banda fez muito sucesso naquela época. A quem ou a quê pode-se atribuir esse sucesso?
Ao talento de todos da ``Banda Reflexus´´ e aos compositores que pesquisaram á história daquela época.
6.Como pode ser vista a música da banda composta naquela época com a produzida pela atual versão? Música nunca envelhece, pois a ``Banda Reflexu’s´´, só existiu uma! A música da nossa `Banda Reflexus´´ é sempre atual. Pois foi á premiada, por discos de OURO,PLATINA e DIAMANTE...E tem uma grandiosa biografia. (A ``REFLEXUS QUE TDS CONHECEM ,FOI COMPOSTA POR ,MARQUINHOS,JULINHO E MARINEZ)
7.Há nas letras das músicas um forte cunho de resistência ao preconceito racial. Tem um motivo especial? Qual?Motivo, lutar contra as diferenças Raciais,...Que existem, desde o começo do mundo.
8. Qual o motivo da expressiva valorização do negro nas letras das músicas?Vejo o negro branco, amarelo, vermelho- Como Deus nos fez. Sem nenhuma diferença, pois na África do Sul que a ``Banda Reflexus´´,cantou existia uma grande divisão- Negros de um lado e Brancos do outro.Apesar da maioria ser Negra(O governo era de Brancos).
9.O grupo participou ou participa de algum movimento negro? Se sim, qual? Participamos do Projeto Quizomba em 1989 no Circo Voador, Casa de show no Rio de Janeiro e em MG Diamantina dia de Zumbi 1990 e outros...
10. Como vocês enxergam o racismo na Bahia?Igual como vejo em todo o mundo, pois vivemos em uma só atmosfera, cheia de preconceitos.
11. Qual o motivo da utilização de símbolos Yorubas e Bantu nas letras das músicas?YORUBAS-Pessoas que falam a língua de Yorubas.BANTU- São grupos, que usam o Candomblé como sua Religião. Bônus: Na África do Sul são falados mais de 11 dialetos, também o inglês. Antes da ``Banda Reflexu’s´´ já existia, uma grande manifestação mundial, por todo mundo, saber das atrocidades que aconteciam na África do Sul, pelo governo da Época, que matou Estivem Bico e mantiveram preso, Nelson Mandela, por mais de 3 décadas. Por esse motivo, não só agente, mais o mundo todo cantava a África do Sul.
Marcos Souza de Almeida.(ex ``banda Reflexu’s´´) Marquinhos.
DISCOGRAFIA BANDA REFLEXU’S
BANDA REFLEXU’S – 1987 “Reflexu’s da Mãe Africa” (EMI)
01.Madagascar Olodum02. Oracão Para A Libertação Da África Do Sul 03. Libertem Mandela04. Guaratimbiriba 05. Banho De Beijos06. Canto Para O Senegal07. Suingue De Verão 08. Doce Morena09. Alfabeto Do Negão10. Reggae Da Morena
___________________________________________________________________________
BANDA REFLEXU’S – 1988 “Serpente Negra”
01. Serpente Negra02. Quilombo Dos Palmares03. Chicote Não04. Canto A Minha Cor05. Sou Nordestino06. Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores07. Deuses Afro-Baianos08. Super Raça Ilê-Aiyê09. Mariê10. Jardim De Ebano11. Jogo Duro12. Café Com Leite
___________________________________________________________________________BANDA REFLEXU’S – 1989 “Kabiêssele”
01. O Amor É Infinito02. Canto da Cor03. As Forças de Olorum04. Mulher Negra05. Nego Laranja06. Sartando Dessa (Tudo Rasta)07. Dialeto Negro08. Dandá09. Pedras de Luz10. Oxaguiã11. Mangueira Orgulho e Glória12. A Natureza Pelo Avesso
___________________________________________________________________________
BANDA REFLEXU’S – 1990 “Bahia de Todos os Sons”
01. Olodum Ologbom02. Iyá Dudu do Ilê03. Kizomba, Festa da Raça
04. Kangala (Festa de Bebidas)05. Kassuniero06. Canto Para o Senegal (Nova Versão)07. Amandla08. Nosso Cantar09. Cidade Magia10. Zambi Yê11. Agô12. Até o Sol Raiar
___________________________________________________________________________
BANDA REFLEXU’S – 1993 “Atlântida” (Som Livre)
01. Atlântida, O Mar É o Caminho02. Eu Sei (Na Mira) 03. Canto à Nigéria04. Lual05. Dia de Benção06. Pata Pata07. A Fé da Razão08. Divina Baiana09. Transformação10. Negro11. Baculejo12. Madagascar Olodum
___________________________________________________________________________
BANDA REFLEXU’S – 1994 “Meus Momentos” (Coletânea/EMI)
01. Magascar Olodum02. Canto Para O Senegal03. Oração P/ Libertação da ÁFrica do Sul04. Serpente Negra05. Kizomba, Festa da Raça06. As Forças de Olorum07. Alfabeto do Negão08. Canto da Cor09. Iyá Dudu do Ilê10. Olodum Ologbom11. Libertem Mandela12. O Amor É Infinito13. Sou Nordestino14. Banho de Beijos
LETRAS DAS MÚSICAS ANALISADAS
1. A fé da razão – disco: “Atlântida”Composição: Reflexu´s
De norte a sulDe leste a oesteDa Cidade AltaÀ cidade BaixaQuem arrasta o povo da praça?Sou eu, sou eu, Ilê Aiyê, sou euSou eu, sou eu, Ilê Aiyê, sou euPor persistir seu gingadoO negro foi modeladoMostrando a cor mais lindaQuando se vê na históriaNão é motivo de glóriaA frustração que passouO Ilê Aiyê insisteCom todo povo resisteSem essa de ostentaçãoDe retrato falado
O negro foi pichadoHoje é exposiçãoLevando à multidão a mensagemIlê Aiyê, Curuzu, LiberdadeInvade a cidade, o milagreA fé da razãoO negro é lindo é uma ostensidadeEm erupção, movimentoNegros invademNo bate rebate, uma pausaUma velha cançãoSou eu, sou eu, Ilê Aiyê, sou euSou eu, sou eu, Ilê Aiyê, sou eu
Êa oké mogumê a ê alajóÊa êa êa êaEró eró eró eró eróÊa oké mogum êaÊa ê alajóAfreketê foi verdadeiroFundador do reino de OyóSenhores seriam Deus dos negrosMas havia Deus onipotenteQue lutava pelos negrosE previa o futuro da genteDesde o princípio do mundoQue os homens muitas coisas criaramE para a plantação do progressoEscravizaram esse negro nagôE o império do mundoSe excediam em todos os paísesO negro é nativo é guerreiroPadecera coisas que Zambi não quisEu trago a força das negras raízesO grito do escravo acorrentadoO seu passado negro não envolveO presenteE o Afreketê é filho dos de Deus abençoadoPom tchaPom tchaTcha PomÊ ahê ahê AfreketêÉ significante ZambiAs forças de OlorumOlowo rei de Egbá
.2. As forças de Olorum – disco: “Kabiêssele”Composição : Itamar Tropicália, Valmir Brito, Gibi, Bira
Onisavé rei de SavéOragun reinou em IláOni soberano de IféAgerô rei de AgerôAlakêto reinou em KêtoXangô de Xangô de CaôôôOranian Kabiesilé
Pom tchaPom tchaTcha PomÊ ahê ahê Afreketê
Composição : Banda Reflexu's
Colof a ylê ó nanaiê, nação de gueto AngolaÓ nanaiê, Zimbabue, Mali, Gana, Guiné, Guiné, GuinéÓ nanaiê, ygorrautas fulanis e ouro básYlêaiê, Laduz capital que sempre brilhará(Bis)Emergindo ao mundo este canto profundo de muita emoçãoExaltando esta raça neste grande gesto manifestaçãoReligiosamente o muçulmanismo se predominouE a partir do ocidente acurê e badã enkejá socotôSua cultura Enoque que floreceu ao redo de IféTendo vários rios fazendo limites ao golfo da GuinéÊ ê ê, ê ê a, ê ê ê, ó grande Nigéria veio lhe saldar agôÊ ê ê, ê ê a, ê ê ê, ó grande Nigéria veio lhe saldar
No quinto continente a nossa raiz lá se unificouAs histórias lendárias ficaram gravadas tempo que passouOs seus trajes lindos refletem a riqueza mineralE o Ylêaiê hoje traz a Bahia o seu potencialOs seus lindos trajes refletem a riqueza mineralE o Ylêaiê hoje traz a Bahia o seu potencial(Solo)Colof a ylê ó nanaiê, nação de gueto AngolaÓ nanaiê, Zimbabue, Mali, Gana, Guiné, Guiné, GuinéÓ nanaiê, ygorrautas fulanis e ouro básYlêaiê, Laduz capital que sempre brilharáÊ ê ê, ê ê a, ê ê ê, ó grande Nigéria veio lhe saldar agôÊ ê ê, ê ê a, ê ê ê, ó grande Nigéria veio lhe saldar(Bis)
4. Canto da Cor – disco: “Kabiêssele”Composição : Moises e Simão
3. Canto a Nigéria
A simbolização do negro africanoRecorda o manto sofrido hargalo de dorO negro batendo na palma da mãoEste cantoEste canto é a sua origem e cintila a corIlê Aiyê ê êÉ a nossa corNegro a dizer é a nossa corôhô ôhô ôhôôhôehê ehê ehêehêO negro se farta do fruto da sua belezaAtribui-se tambem a ele esta sua grandezaIlê AiyêSendo a propria razãoQue a razao nao pode explicarEcoa-se ate o firmamentoEste nosso cantarIlê Aiyê ê êÉ a nossa corNegro a dizer é a nossa corôhô ôhô ôhôôhôehê ehê ehêehê
Canto a minha corMelodia primitiva, por essênciaResistência, Oh JahRastafari, Reggae
Oh JahRastafari, Reggae
Grita o negro Nelson Mandela"Não, não ao Apartheid"Queremos liberdade, para negroRevolta, Oh JahRastafari, Reggae
Oh JahRastafari, Reggae
As barras da prisãoNão são fortes pra conterA razão que emana, Oh JahRastafari, Reggae
5. Canto A Minha Cor – disco: “Serpente Negra”Composição: Reflexu's
Oh JahRastafari, Reggae
Babilônia é o fruto do passadoErro do princípioEsperança, Oh JahRastafari, Reggae
Oh JahRastafari, Reggae
O homem e sua sinaIcógnita do escuroQue destino, resistênciaOh JahRastafari, Reggae
Oh JahRastafari, Reggae
6. Canto Para o Senegal – disco: (Reflexu’s da Mãe Africa)Composição : Ythamar Tropicália e Valmir Brito
Sene Sene Sene Sene SenegalSene Sene Sene Sene SenegalDiz povão Senegal regiãoDiz povão Senegal regiãoDiz povão Senegal regiãoDiz povão Senegal região
A grandeza do negro, se deu quando houve este grito infinito/ E o muçulmanismo que contagiava como religião/ Ilê-Ayê traz imensas verdades ao povo Fulani/ Senegal faz fronteira com Mauritânia e MaliOs sere ê ê ê, a tribo primeira que simbolizavaSalum, Gâmbia, Casamance, seus rios a desembocarMandigno, Tukuler, Uolof, são os povos negrosE uma das capitais mais lindas hoje se chama Dakar, IlêIlê ê ê ê, Dakar á á, obataláAgô iê ê ê êEsses são os meus sentimentos do antepassadoSenegal narrado como tema Ilê Ayê(Refrão)Sene Sene Sene Sene SenegalSene Sene Sene Sene SenegalDiz povão Senegal região/ Diz povão Senegal região/Diz povão Senegal região/ Diz povão Senegal regiãoê ahê, ahê ê /á, ia, iê (2x)
Babilônia é o fruto do passadoErro do princípioEsperança, Oh JahRastafari, Reggae
Baol reino de láHamba-kali povo de DakarNegros ilê-aiyê avançam pelas ruas centrais da cidade/ Senegalesas mulheres vaidosas mostrando intensidade/ Incorporadas num só movimento frenético do carnaval/ Caolak, Rufisque, Zinguichor, são as cidades do SenegalIlê-Ayê ê ê... está nos torsos, nas indumentárias africanas/ Lingüisticamente o francês na dialética união baiana/ Baobás árvore símbolo da naçãodos Deniakes, os Berberes, dinastia da região,/ Ilê Ayê Senegal...(Refrão)Sene Sene Sene Sene SenegalSene Sene Sene Sene SenegalDiz povão Senegal região/Diz povão Senegal região/Diz povão Senegal região/Diz povão Senegal regiãoê ahê, ahê ê/ á, ia, iê (2x) Baol reino de lá/ Hamba-kali povo de Dakar
Liberdade liberdadeTanto negro sofredorCom a pena de uma aveA historia já mudouNão ser mais chicoteadoPelourinho, só na lembrançaO feito da raça negraTraz a todos esperançaRefrãoChicote, chicote, chicote chicote nãoAmor, amor, amor e união.....2xMuita fé, muita coragemTanta garra, quanto amorPra trazer toda a justiçaQue o negro tanto sonhouLibertou do cativeiro Este povo lutadorEste povo tão guerreiroQue Zumbi acobertou
RefrãoQue mistério tem os negrosSó a malícia dos olhos podem verNa igualdade de uma raça ara-ketuNa harmonia de cantar o Ilê-ayiêA deusa negra tem o cabelo duroSuas tranças são primitivas ao Ijechá
7. Chicote Não – disco: “Serpente Negra”Composição:Reflexu´s
Muita fé.
8. Deuses Afro Baianos – disco: “Serpente Negra”Composição : Waldir Brito, Ythamar Tropicália
Como dizia mãe pretaE o nosso pai gangazumbaEssa canção que vem dos babalorixásÁ á á á abadeló oriôAbadeló temi corajê babá
Iaô ebomim no pedido pra XangôLembra que o mundo tá no fimPois o Exu já avisouIansã e Oxumaré com agogô e dois ganzásSaúdam Iemanjá a Menininha do Gantois
Baol reino de lá/ Hamba-kali povo de DakarEu vim dizerQue o jogo é duroO jogo é duro possa crerSem marcar furo
Há tanta estrada a luzirQuanta ladeira a descerO negro é, mel na culturaSobre uma abolição que me dá amarmagura em dizer
Enquanto eles esnobam nobrezaA gente não tem o que comerO negro modela a certezaDe uma igualdade nascer
A luz do sol é quem irradia
Valeu ZumbiO grito forte dos PalmaresQue correu terras céus e mares Influenciando a AboliçãoZumbi valeu
Iansã EgumAi Omolu ZaratempoAi pai de todos os orixásPede para mãe Oxum, guardar Menininha do GantoisÁ á á á abadeló oriôAbadeló temi corajê babá
9. Jogo Duro – disco: “Serpente Negra”Composição : Roque Carvalho
A luz do sol é quem irradiaSomos sementes de ouro em póPlantados no chão da BahiaSomos sementes de ouro em pó
10. Kizomba, festa da Raça – disco: “Bahia de Todos os Sons” Composição : Rodolpho / Jonas / Luís Carlos da Vila
Hoje a Vila é Kizomba É batuque, canto e dança Jogo e MaracatuVem menininha pra dançar o CaxambuVem menininha pra dançar o CaxambuÔ ô nega mina Anastácia não se deixou escravizarÔ ô Clementina O pagode é o partido popularSarcedote ergue a taça Oxóssi chama Oxalá pra ninar nos braços OxumE a Menininha do Gantois babalorixás
Gente de todas as raças Numa mesma emoção Esta Kizomba é nossa constituiçãoEsta Kizomba é nossa constituiçãoQue magia Reza ageum e Orixá Tem a força da Cultura Tem a arte e a bravura E um bom jogo de cintura Faz valer seus ideais E a beleza pura dos seus rituais Vem a Lua de Luanda Para iluminar a rua Nossa sede é nossa sede De que o Apartheid se destruaVem a Lua de LuandaPara iluminar a rua Nossa sede é nossa sede De que o Apartheid se destruaValeuValeu Zumbi
11. Libertem Mandela - disco: (Reflexu’s da Mãe Africa)Composição : Rey Zulu
Batalhas e conflitosvítimas de sofrimentos sou eu um negro bonito desabafando meus sentimentos
De geração em geraçãoque é discriminado o negãoe hoje somos cultura nosso grito de força é a nossa união
Tire o chapéu e levante a mãoTire o chapéu e levante a mãoDiga não ao Apartheid e liberte Mandela
Nosso grande irmãoCriaram-se vários reinadosO Ponto de Imerinas ficou consagradoRambozalama o vetor saudávelIvato cidade sagradaA rainha RanavalonaDestaca-se na vida e na mocidadeMajestosa negraSoberana da sociedadeAlienado pelos sues poderesRei Radama foi consideradoUm verdadeiro Meiji Convocando toda a massaNesse evento que com graçaBantos, indonésios, árabesQue levava seu reino a bailar
Se integram à cultura malgaxeRaça varonil alastrando-se pelo BrasilSankara VatolayFaz deslumbrar toda naçãoMorinas, povos, tradiçãoE os mazimbas que foram vencidos pela invenção
Iêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áIêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amor
E viva Pelô PelourinhoPatrimônio da humanidade ahPelourinho, PelourinhoPalco da vida e negras verdadesProtestos, manifestaçõesFaz o Olodum contra o ApartheidJuntamente som MadagascarEvocando liberdade e igualdade a reinar
Iêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áIêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amor
12. Madagascar Olodum - disco: (Reflexu’s da Mãe Africa)Composição : Rey Zulu
Aiêêê, Madagascar OlodumAiêêê, eu sou o arco-íris de Madagascar, e eu disse aiêêêAiêêê, Madagascar OlodumAiêêê, eu sou o arco-íris de Madagascar
Iêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áIêêê Sakalavas oná êIááá Sakalavas oná áMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amorMadagascar, ilha, ilha do amor
13. Mariê – disco: “Serpente Negra”Composição: Reflexu's
Negro moleque baiano em gingadoAtento a todo pecado que possa furtar seu amor (2x)Negro é a luz que iluminar o terreiroOs olhos do cego canteiroPorque não dizer cantador
Negro é a voz que exalta a BahiaDo Reino que explode alegriaNo peito de São Salvador
Negro é a seiva de toda poesiaÉ a força da fé das MariasQue regam de luz toda dor
Negro é o braço que ergue seu tentoÉ raça que serve de exemploDe um povo latente a queimar
Negro é a mão, nosso pão dia-a-diaÉ garra e o suor das MariasQue fazem meu povo cantar
ê Mariê iê ê Maria (refrão)ê mariê
Oh no pé do caboclo não pode chorarPara fazer a cabeça La vem orixáVem de cavalo doido viajando no arPra baixar no terreiro ele vem pra reinar
14. Mulher Negra – disco: “Kabiêssele” Eu me orgulho de serUma mulher negraEu tenho kelêEu tenho a dijina
Minha vó que foi rainhaMinha mãe que foi princesa
Eu me orgulho de serUma mulher negraEu tenho kelêEu tenho dijina
Esse canto de ancestralFoi Zánzi que me ensinouEsse canto é todo negroCom a força do meu amor
Axé ayê auwetoÉ zan zan zan
Axé ayê auweto
Axé ayê auwetoÉ Zambi êÉ Zambi na quetrecáÉ Zambi ê
Se o Rei Zulu já não pode andar nuSe o Rei Zulu já não pode andar nuSalve a batina do Bispo TutuSalve a batina do Bispo Tutu
Oh, Deus do céu da África do SulDo céu azul da África do SulTornai vermelho todo sangue azulTornai vermelho todo sangue azul
Já que o vermelho tem sidoTodo sangue derramadoTodo corpo, todo irmãoChicoteado, iô.
Senhor da selva africanaIrmã da selva americanaNossa selva brasileiraDe Tupã
Senhor, irmão de Tupã, fazeiCom que o chicote seja por fim penduradoRevogai da intolerância a leiDevolvei o chão a quem no chão foi criado
Ó, Cristo Rei, branco de Oxalufã Ó, Cristo Rei, branco de Oxalufã
15. libertação a Africa do sul - disco: (Reflexu’s da Mãe Africa)Composição : Gilberto Gil
Zelai por nossa negra flor pagã Zelai por nossa negra flor pagã
Sabei que o papa já pediu perdão Sabei que o papa já pediu perdãoVarrei do mapa toda escravidão Varrei do mapa toda escravidão
Ará Ará eu sou AraKetuKetu Ketu ode oba nixarKê Kê Kê leva euKê Kê Kê AraKetu sou eu
Daomé nação de uma serpente negraO rei manda lhe falarO arco-íris ao se dissiparOrixá maior é a força da naturezaQue representa Ketu naçãoDe um rei Olofin da atual República Beniin
No reino de Daomé Serpente Negra era um babalaôO arco-íris que vem lá do altoTrás a força do superior
Ará Ará eu sou AraKetuKetu Ketu ode oba nixarKê Kê Kê leva euKê Kê Kê AraKetu sou eu
O quadro negroRepresenta na face da TerraHoje não existe mais guerraA escravidão acabou ô ôAraKetu retrato da tal mocidadeRepresentando o passadoE tudo que aqui ficouDerramando nossos prantos de felicidadePor ser essa tal entidadeNomeada a Ode caçadorAraKetu força divina força maiorÔ ô ô ô ó ó ó ó óPois o sangue desses negrosDerramavam na TerraPara que os senhores passassemUm tipo de vida melhor
Orá orá orá orá Orayê
Orá orá orá eis Oxumaré
16. Serpente Negra – disco: “Serpente Negra”Composição : (Ythamar Tropicália, Gibi, Roque Carvalho, Walmir Brito)
Akewi Ati OniluCantam e tocam para anunciarNubia, Axum e EtiópiaOlodum vem mostrar
Registrado pela históriaSoberania momentâneaMenelik, rei CabebRastafari, Ei Ezana
A rainha do SabáCasou-se com o Rei SalomãoOriginando a mista raçaSão raízes do Sudão
A cultura sudanesaPelo mundo se espalhouFons, dogons, sereres, HaussásMossis, mandingas, ibôs, iorubás
Olodum do PelourinhoSempre contra a opressãoBusca paz e liberdadeQuer o mundo em união
ô ô ôAgo Olodum Ti-deIbere ifé ati axé
“Aquarela do Brasil”
1. Acastanhada2. Agalegada3. Alva4. Alva-escura5. Alvarenta6. Alvarinta7. Alva-rosada8. Alvinha9. Amarela10. Amarelada11. Amarela-queimada12. Amarelosa13. Amorenada14. Avermelhada15. Azul16. Azul-marinho17. Baiano18. Bem-branca19. Bem-clara20. Bem-morena21. Branca
47. Clarinha48. Cobre49. Corada50. Cor-de-café51. Cor-de-canela 52. Cor-de-cuia53. Cor-de-leite54. Cor-de-ouro55. Cor-de-rosa56. Cor-firma57. Crioula58. Encerrada59. Enxofrada60. Esbranquecimento61. Escura62. Escurinha63. Fogoio64. Galega65. Galegada66. Jambo67. Laranja
93. Morena-escura94. Morena-fechada95. Morenão96. Morena-parda97. Morena-roxa98. Morena ruiva99. Morena trigueira100. Moreninha101. Mulata102. Mulatinha103. Negra104. Negrota105. Pálida106. Paraíba107. Parda108. Parda-clara109. Parda-morena110.Parda-preta111.Polaca112.Pouco-clara113.Pouco-morena
17. Olodum Ologbom – disco: “Bahia de Todos os Sons”Composição : Tita Lopes e Lazinho
22. Branca-avermelhada23. Branca-melada24. Branca-morena25. Branca-palida26. Branca-queimada27. Branca-sardenta28. Branca-suja29. Branquiça30. Branquinha31. Bronze32. Bronzeada33. Burguesinha-escura34. Burro quando-foge35. Cabocla36. Cabo-verde37. Café38. Café-com-leite39. Canela40. Canelada41. Cardão42. Castanha43. Castanha-clara44. Castanha-escura45. Chocolate46. Clara
68. Lilás69. Loira70. Loira-clara71. Loura72. Lourinha73. Malaia74. Marinheira75. Marron76. Meio-amarela77. Meio-branca78. Meio-morena79. Meio-preta80. Melada81. Mestiça82. Miscigenação83. Mista84. Morena85. Morena-bem-chegada86. Morena-bronzeada87. Morena-canelada88. Morena-castanha89. Morena-clara90. Morena-cor-de-canela91. Morena-jambo92. Morenada
114.Pretinha115.Puxa-para-branca116.Quase-negra117.Queimada118.Queimada-de-praia119.Queimada-de-sol120. Regular121. Retinta122. Rosa123. Rosada124. Rosa-queimada125. Roxa126. Ruiva127. Russo128. Sapecada129. Sarará130. Saraúba131. Tostada132. Trigo133. Trigueira134. Turva135. Verde136. Vermelha