discriminação positiva

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    77NEJ - Vol. 13 - n. 2 - p. 77-92 / jul-dez 2008

    IGUALDADE MATERIAL EDISCRIMINAO POSITIVA:O PRINCPIO DA ISONOMIA

    Walter Claudius Rothenburg1

    SUMRIO: 1 A igualdade no dada, ela construda; 2 Um conceito morno, mas necessrio;

    3 Dimenses da igualdade; 4 Destruindo a discriminao (discriminao ilcita); 5 Construindo a

    discriminao (discriminao lcita); 6 Igualdade formal e igualdade material: a) teoria e prtica (igualdade

    formal = igualdade de direito ou de iure/ igualdade material = igualdade de fato); b) geral e especfico

    (igualdade formal = igualdade genrica/igualdade material = igualdade especfica); c) igualdade perante

    a lei e igualdade na lei (igualdade formal = igualdade perante a lei, igualdade de aplicao, dirigida ao

    Executivo e ao Judicirio/igualdade material = igualdade na lei, igualdade de formulao, dirigida ao

    Legislativo); d) liberal e social (igualdade formal = direito individual de 1 dimenso/igualdade material

    = direito social de 2 dimenso); Referncias.

    RESUMO:O princpio da igualdade determina um tratamento jurdico de equiparao onde no houver

    justificativa para a diferenciao e determina um tratamento jurdico de distino onde houver motivo

    suficiente para diferenciar. No se trata, portanto, de um princpio formal ou neutro, mas de um

    contedo definido pela histria e pela ideologia. Cabe ao Direito oferecer tcnicas para a destruio das

    discriminaes negativas e para a promoo das discriminaes positivas (aes afirmativas). O conceito

    jurdico de igualdade um s e abrange as variaes de igualdade formal e igualdade material, superando

    as distines relativas teoria e prtica (igualdade formal = igualdade de direito ou de iure/igualdade

    material = igualdade de fato); geral e especfico (igualdade formal = igualdade genrica/igualdade material

    = igualdade especfica); igualdade perante a lei e igualdade na lei (igualdade formal = igualdade perante

    a lei, igualdade de aplicao, dirigida ao Executivo e ao Judicirio/igualdade material = igualdade na lei,

    igualdade de formulao, dirigida ao Legislativo); liberal e social (igualdade formal = direito individual de

    1 dimenso/igualdade material = direito social de 2 dimenso).

    PALAVRAS-CHAVE:Igualdade. Isonomia. Discriminao.

    ABSTRACT:The principle of legal equality determines a legal treatment of equality in which there is no

    justification for differentiation, and which provides for a legal treatment of distinction, where is sufficient

    reason to differentiate. It is not, therefore, a formal or neutral principle, but a content defined by history and

    ideology. The Law offers techniques for destroying negative discrimination and promoting positive discrimination

    (affirmative action). The legal concept of equality is a single one, and covers the variations in formal equality

    and substantive equality, overcoming the distinctions relating to the theory and practice (formal equality =equality in law or in iure/ material equality = equality in fact) ; general and specific (formal equality = generic

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    equality/ material equality = specific equality) ; equality before the law and equality in the law (formal equality

    = equality before the law, equality of application, addressed to the Executive and the Judiciary/ material equality

    = equality in the law, equality in formulation, addressed to the Legislative) ; liberal and social (formal equality

    = individual right of the first dimension/ material equality = right of the second dimension).

    KEY WORDS:Equality. Isonomy. Discrimination.

    RESUMEN: El principio de la igualdad determina un tratamiento jurdico de equiparacin donde no haya

    justificacin para la diferenciacin y determina un tratamiento jurdico de distincin donde hay motivo

    suficiente para diferenciar. No se trata, por lo tanto, de un principio formal o neutro, sino de un contenido

    definido por la historia y por la ideologa. Cabe al Derecho ofrecer tcnicas para la destruccin de las

    discriminaciones negativas y para la promocin de las discriminaciones positivas (acciones afirmativas). El

    concepto jurdico de igualdad es uno solo y abarca las variaciones de igualdad formal e igualdad material,

    superando las distinciones relativas a la teora y a la prctica (igualdad formal = igualdad de derecho o de

    iure/igualdad material = igualdad de hecho); general y especfico (igualdad formal = igualdad genrica/

    igualdad material = igualdad especfica); igualdad ante la ley e igualdad en la ley (igualdad formal =

    igualdad ante la ley, igualdad de aplicacin, dirigida al Poder Ejecutivo y al Poder Judicial/igualdad material= igualdad en la ley, igualdad de formulacin, dirigida al Poder Legislativo); liberal y social (igualdad formal

    = derecho individual de 1 dimensin/igualdad material = derecho social de 2 dimensin).

    PALABRAS CLAVE:Igualdad. Isonoma. Discriminacin.

    1 A igualdade no dada, ela construda

    A questo sobre se a igualdade natural, se os seres humanos apresentam uma mesma naturezae partem de condies originalmente (idealmente) equivalentes uma questo filosfica e altamentepolmica. Presumo que a igualdade no seja encontrada espontaneamente na sociedade, a despeito

    da natureza comum (biolgica e moral, fsica e espiritual) de todo ser humano. As pessoas sodiferentes em sua personalidade e em sua ambio, diferentes em sua condio cultural e em suacapacidade de produo econmica para ficar com os aspectos apontados por Czajkowski (2002,p. 190). Portanto, igualdade algo que precisa ser obtido a partir de reivindicaes e conquistas e,para tanto, o Direito pode servir de valiosa ferramenta. No dizer de Frischeisen (2000, p. 58), ascondies de igualdade precisam ser produzidas... [por meio de] aes que o Poder Pblico realiza,visando o efetivo exerccio da igualdade, base de toda a ordem social.

    Tambm as diferenas so, em certo sentido, elaboradas. Para Suiama (2004, p. 132), a identidadede cada um no um dado, mas sim algo construdo a partir das relaes que se estabelecem nassociedades humanas. Isso revela que, afinal, igualdades e diferenas no so to distintas assim.

    O Direito tem a funo de oferecer um tratamento equivalente que assegure a igualdade e

    de oferecer um tratamento diferenciado que promova a igualdade, mas, paradoxalmente, comoinstncia social de regulao, presta-se com freqncia a manter situaes de privilgio e opresso(Sunstein, 2009, p. 174-175). Esta funo desvirtuada de garantia (injusta) deve ser revelada esuperada; aquela funo de transformao (justa) deve ser alcanada. Portanto, so importantesas interferncias jurdicas (em grande medida, estatais), ainda que contramajoritrias (quer dizer,contra a episdica vontade da maioria ou dos detentores do poder poltico-social), para eliminardesigualdades e proporcionar igualdade. Afirma Streck (2001, p. 283):

    Esse novo modelo constitucionalsupera o esquema da igualdade formal rumo igualdade material,o que significa assumir uma posio de defesa e suporte da Constituiocomo fundamento doordenamento jurdico e expresso de uma ordem de convivncia assentada em contedos materiais devida e em um projeto de superao da realidade alcanvel com a integrao das novas necessidadese a resoluo dos conflitos alinhados com os princpios e critrios de compensao constitucionais.

    A quem presta servio igualdade? A meno aos benefi

    cirios da igualdade inclusivedaquela que impe tratamentos diferenciados no estaria completa se no abarcasse, alm dos

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    particularmente beneficiados, todos ns, que temos direito de conviver com nossos semelhantes/diferentes e partilhar das experincias da diversidade, em esprito democrtico (participativo)e solidrio. A excluso a todos prejudica: As vtimas desses processos de dominao no soapenas aqueles que so alvo do preconceito. maioria que mais ou menos segue o padro vigenterestam o empobrecimento da experincia, a massificao e a intolerncia. (Suiama, 2004, p.138). A distribuio desigual de bens na sociedade provoca, por outro lado, vantagens exageradas,injustificadas, aquinhoando eventualmente sem culpa sujeitos que so beneficiados porcausa da desigualdade (inferioridade, explorao, opresso) de outros. Sunstein (2007, p. 177)resgata a idia de Madison sobre como combater o mal das partes: Por meio da reteno deoportunidades desnecessrias de uns poucos, para aumentar a desigualdade da propriedade,por intermdio de uma imoderada, e especialmente desmerecida, acumulao de riquezas.Chega-se a uma resposta majoritria questo contramajoritria da discriminao positiva:um preo justo a pagar por todos os que no se encontram em situao de vulnerabilidade,mas que talvez se beneficiam (retrospectivamente) de vantagens sociais e certamente tm(prospectivamente) uma responsabilidade social compartilhada de construir uma sociedadelivre, justa e solidria (Constituio brasileira, art. 3, I).

    2 Um conceito morno, mas necessrio

    Igualdade como direito, como uma determinao jurdica, talvez no consiga ser satisfatoriamenteconceituada em termos tericos. Alm disso, sua aplicao, s vezes, complexa na soluo de casosconcretos. Ainda assim, trata-se de uma das mais importantes normas jurdicas e requer esforodos intrpretes para uma aplicao (indispensvel aplicao) adequada. A igualdade exige de quema defina uma tomada de posio (poltica, ideolgica), com o que numa expresso de Canotilho(2004, p. 129) desafivelam-se as mscaras e revela-se a inteno (o tom e o dom).

    Repete-se exausto que se devem tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,na medida de sua desigualdade:

    Pensa-se, por exemplo, que justia igualdade e de fato , embora no o seja para todos,

    mas somente para aqueles que so iguais entre si; tambm se pensa que a desigualdade podeser justa, e de fato pode, embora no para todos, mas somente para aqueles que so desiguaisentre si.../Para pessoas iguais o honroso e justo consiste em ter a parte que lhes cabe, poisnisto consistem a igualdade e a identificao entre pessoas; dar, porm, o desigual a iguais, eo que no idntico a pessoas identificadas entre si, contra a natureza, e nada contrrio natureza bom. (ARISTTELES, 1997, p. 228).

    Essa mxima, a despeito de sua generalidade (pois ela no aponta os critrios de igualao/desigualao), tem seus encantos. Ela expressa o aspecto eminentementejurdicoda igualdade, poiscomea por aludir a tratamento, ou seja, regime jurdico: as pessoas devem ser tratadas como iguaisou desiguais pelo Direito; por causa desse tratamento (regime jurdico, determinao normativa),elas tm direitos e deveres. A mxima inicia com a referncia igualdade, que presumida, sendoa primeira considerao: quem ou o que for considerado igual a outro deve ser igualmente tratado;o tratamento desigual vem (logicamente) depois, ou seja, tem de ser devidamente justificado, mas,

    se houver um motivo adequado para discriminar, ento o tratamento desigual impe-se. Todavia prossegue a mxima ao final o tratamento desigual a exceo e, portanto, sustenta-se apenasna exata medida da desigualdade, para anul-la, diminu-la ou compens-la.

    A igualdade se expressa, ento, em termos jurdicos, sob a forma de norma jurdica do tipoprincpio, que se caracterizam segundo critrios apontados por Canotilho (1993, p. 166-167) por um grau de abstrao relativamente elevado; por serem vagos e indeterminados e, pois,dependerem de mediaes concretizadoras por terem um carter de fundamentalidade nosistema; por traduzirem exigncias de justia e por serem fundamento de regras (naturezanormogentica).2Por ser princpio jurdico, a igualdade tem sua aplicao condicionada por outrasnormas (em que se incluem as circunstncias fticas), podendo aplicar-se em maior ou menormedida: um mandamento de otimizao (Alexy, 1993).

    Justamente por ser um princpio jurdico fundamental, a igualdade tambm se expressa emnormas mais especficas (regras), que caracterizam concretizaes da igualdade em diversos nveis:

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    por exemplo, a regra que veda instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontremem situao equivalente (Constituio brasileira, art. 150, II); a proibio de diferena de salrios,de exerccio de funes e de critrios de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil(Constituio, art. 7, XXX).

    Embora a igualdade refira-se questo de quem titular de direitos (aspecto subjetivo-

    quantitativo, que demanda a resposta todos), ela no se resume a esse aspecto. Igualdadetambm tem a ver com comoesses direitos esto disponveis (aspecto objetivo-qualitativo, quedemanda a resposta do mesmo ou de semelhante modo). Veja-se, em outros termos, mascom sentido parecido, a distino traada por Miranda (1993, p. 193) entre universalidade e

    igualdade: Todos tm todos os direitos e deveres princpio da universalidade; todos(ou, emcertas pocas ou situaes, s alguns) tm os mesmos direitos e deveres princpio da igualdade.O princpio da universalidade diz respeito aos destinatrios das normas, o princpio da igualdade aoseu contedo. O princpio da universalidade apresenta-se essencialmente quantitativo, o da igualdadeessencialmente qualitativo.. Para exemplificar: direito alimentao no significa apenas que todoser humano deve ter alimento suficiente, mas que a todo ser humano devem ser dadas condiesque possibilitem uma alimentao adequada. Tomarei a igualdade em sentido largo, a abranger osaspectos subjetivo-quantitativo e objetivo-qualitativo, ou seja, destinatrios e modo (contedo).

    A igualdade um conceito relacional e orientado. Relacional porque implica comparao, oumelhor, o estabelecimento de relao entre seres e situaes. Bobbio (referido por Rios, 2002, p.24-25) prope, de modo didtico, que se pergunte sempre: igualdade entre quem? e igualdade emqu?. Orientado porque tem uma finalidade: a justia por meio de equivalncia. Vir acompanhadaa igualdade jurdica da opo por uma teoria do Direito e por uma teoria da justia, preocupadascom a distribuio de bens na sociedade.3

    No a igualdade, portanto, um princpio jurdico meramente formal, que no encerre contedosespecficos e apenas determine equiparao ou distino conforme a situao de igualdade ou diferena.No basta dizer que [t]odos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza como faza Constituio Brasileira, no art. 5, caput, ecoando a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado,1789, da Revoluo Francesa: Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. (art.1). Esses dizeres so fundamentais, mas preciso dizer mais: que a igualdade radica na dignidade

    das pessoas (nesse sentido, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, 1948, da Organizaodas Naes Unidas ONU, art. 1: Todos os serem humanos nascem livres e iguais em dignidadee direitos.; a Constituio portuguesa, 1976, art. 13.1: Todos os cidados tm a mesma dignidadesocial e so iguais perante a lei.), que o objetivo erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir asdesigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (Constituio brasileira, art. 3, IIIe IV); que a lei punir qualquer discriminao atentatria dos direitos e liberdades fundamentaise a prtica do racismo constitui crime inafianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso, nostermos da lei (Constituio, art. 5, XLI e XLII)4; que pessoa portadora de deficincia e ao idosoque comprovem no possuir meios de prover prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia garantido um salrio mnimo de benefcio mensal (Constituio, art. 203, V).

    3 Dimenses da igualdade

    Complexo que , o princpio da igualdade projeta-se em mltiplas dimenses. Em termos deteoria do Estado e decodificando o sentido do Estado de Direito democrtico e social, Canotilhoe Moreira (2007, p. 336-337) aludem dimenso liberal(a idia de igual posio de todas aspessoas... perante a lei, geral e abstracta, considerada subjectivamente universal em virtude da suaimpessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicao), dimenso democrtica (proibio dediscriminaes (positivas e negativas) na participao no exerccio do poder poltico) e dimensosocial(impondo a eliminao das desigualdades fcticas (econmicas, sociais e culturais)).

    A abrangncia do mbito de proteo do princpio da igualdade em mais uma classificaoapresentada por Canotilho e Moreira (2007, p. 339-342) revela trs outras dimenses: aproibio

    do arbtrio (nem aquilo que fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente comodesigual, nem aquilo que essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual), a

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    proibio de discriminao (o tratamento desigual deve pautar-se por critrios de justia, exigindo-se, desta forma, uma correspondncia entre a soluo desigualitria e o parmetro de justia quelhe empresta fundamento material) e a obrigao de diferenciao(o dever de eliminao ouatenuao, pelos poderes pblicos, das desigualdades sociais, econmicas e culturais, a fim de seassegurar uma igualdade jurdico-material).5

    Perspectivas diferentes conduzem a formulaes diversas. Sunstein (2009, p. 175-178), com baseno Direito norte-americano, ao tratar da igualdade poltica, refere a trs concepes de igualdade:como liberdade de condies desesperadas(Uma quantidade minimamente modesta de alimentao,cuidados mdicos e abrigo necessria para as pessoas que esperam obter a condio de cidads. afirma o autor, o que me parece corresponder idia de mnimo vital, em que desesperadas soantes as pessoas necessitadas do que as condies bsicas de que necessitam), como oposio asistemas de castas e como igualdade aproximada de oportunidades(em que o autor sustenta que

    as diferenas de oportunidades deveriam ser igualadas).

    Simplificadamente, diremos que h uma dimenso negativa e outra positiva do princpio daigualdade. A primeira exprime-se por meio de uma proibio discriminao indevida e, por isso, temem mira a discriminao negativa (ou apenas discriminao, o sentido usual do termo, que encerraum sentimento ruim). A segunda exprime-se por meio de uma determinao de discriminao devidae, por isso, tem em mira a assim chamada discriminao positiva (ou ao afirmativa). Como dizSidney Pessoa Madruga da Silva (2005, p. 50), igualdade tanto no-discriminar, como discriminarem busca de uma maior igualizao (discriminar positivamente). Cabe ao Direito, ento, no apenasdefender a igualdade contra violaes, mas tambm promover a igualdade com distines.

    As normas jurdicas devem no apenas ser aplicadas a todos indistintamente (e, nesse sentido,evitar discriminaes negativas), mas tambm favorecer de modo diferenciado aqueles que estejamem situaes de indevida desvantagem social (os fragilizados, os oprimidos, as minorias) ou imporum gravame maior aos que estejam numa situao de exagerada vantagem social. Figuremos comos impostos: todos os que tm renda acima de um valor devem contribuir proporcionalmente paraos gastos pblicos. Porm os muito ricos devem contribuir mais ainda; alis, a Constituio brasileiraprev um imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII), que at hoje no foi regulamentado!

    Assim, a discriminao negativa como a positiva podem ser obtidas quer por mecanismos

    jurdicos de represso (sanes penais, ou melhor, conseqncias jurdicas desfavorveis), quer pormecanismos jurdicos de estmulo (sanes premiais, ou melhor, conseqncias jurdicas favorveis).Apresenta-se, assim, a funo promocional do Direito, que, com uma tcnica de encorajamento, pormeio de estmulos e vantagens (sanes premiais), de modo coativo ou no, intervm para promovercomportamentos desejados, com vistas a modificar a realidade (Bobbio, 1984, p. 13-31).6

    Quanto generalidade com que formulada, juridicamente, a igualdade, tanto a proibio dediscriminao indevida (negativa), quanto a determinao de discriminao devida (positiva), podemser formuladas com menor ou maior especificidade. Os graus diferentes (e crescentes) de especificaovo da igualdade formal igualdade material. Percebe-se que a igualdade material , como categoria

    jurdica, uma concretizao maior, um aperfeioamento em relao igualdade formal e no algodiferente. Dito de outro modo, a igualdade material , do ponto de vista jurdico, um avano nosentido de superar as situaes injustas de desigualdade. O conceito jurdico de igualdade , portanto,

    suficientemente abrangente para compreender as dimenses formal e material da igualdade. Proponho,assim, um conceito amplo (e no duas igualdades distintas) que englobe e eventualmente supere osconceitos por vezes confusos de igualdade formal e igualdade material.

    4 Destruindo a discriminao (discriminao ilcita)

    O princpio da igualdade implica, antes de mais, a proibio de discriminaes indevidas. Por isso que umtratamento jurdico idntico impe-se primeira vista e preciso justificar adequadamente as diferenas detratamento. Na formulao de Alexy (1993, p. 395): Se no h nenhuma razo suficiente para a permissode um tratamento desigual, ento um tratamento igual impe-se.. Isso reala a funo repressiva doDireito, como instrumento social dos mais importantes para combater a discriminao odiosa.

    A Constituio brasileira tem claras disposies no sentido da vedao de discriminao ecorrespondente represso. Por exemplo: ningum ser privado de direitos por motivo de crena

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    religiosa ou de convico filosfica ou poltica (art. 5, VIII); proibio de qualquer discriminao notocante a salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia (art. 7, XXXI); Osfilhos, havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes,proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. (art. 227, 6).

    Da legislao criminal, cite-se a Lei 7.716/1989, que [d]efine os crimes resultantes de preconceito

    de raa ou de cor, e que teve seu alcance ampliado pela Lei 9.459/1997, a abranger ainda os crimesresultantes de discriminao ou preconceito de... etnia, religio ou procedncia nacional. (art. 1).Perceba-se que ficaram de fora, pelo menos, as discriminaes com base em gnero, orientao sexuale procedncia regional, provavelmente devido a um descuido de previso legislativa, ou a revelar ainda que inconscientemente(?) o preconceito em relao s mulheres, aos homossexuais, aosnordestinos, etc.7Por outra via, a Lei 11.106/2005 alterou o Cdigo Penal brasileiro, ao substituir,em relao ao crime de atentado ao pudor mediante fraude (art. 216), a inadequada e anacrnicaexpresso mulher honesta pelo termo abrangente algum; tambm o crime do art. 231 deixou deser trfico de mulheres para ser trfico internacional de pessoas. Com isso, diminui na legislaocriminal a discriminao (textual) contra a mulher e se protege tambm o homem.

    O combate discriminao, como dimenso negativa (de vis repressor) da igualdade, podeassumir formulaes mais especficas, com vistas proteo de determinadas pessoas ou grupos

    em situao de vulnerabilidade. Assim, para alm da igualdade formal, normas jurdicas de proibiopodem traduzir o anseio por igualdade material.

    5 Construindo a discriminao (discriminao lcita)

    Afirma Miranda (1993, p. 213) que igualdade no identidade e igualdade jurdica no igualdade natural ou naturalstica. Com efeito, a igualdade no tanto um dado (preexistentena natureza e simplesmente descoberto, revelado), quanto um construdo (a partir do esforo,da superao), embora haja uma intrnseca identidade de natureza humana e uma dignidadeigualmente valiosa em todos ns.

    A igualdade significa, portanto, evitar discriminaes injustificveis, proibindo-se o tratamento

    desigual de quem esteja numa mesma situao, bem como promover distines justificveis,oferecendo um tratamento desigual para quem esteja numa situao diferenciada (injusta). Borowski(2003, p. 191) lembra que, do princpio geral de igualdade decorre no apenas um dever detratamento igual, mas tambm um dever de tratamento desigual.

    Essa lgica traduzida por Alexy (1993, p. 397) na seguinte mxima complementar: Se huma razo suficiente para impor um tratamento desigual, ento um tratamento desigual impe-se.. Pode-se, assim, falar num dever de diferenciaosempre que isso seja necessrio e oportunopara se alcanar uma igualdade efetiva. Nessa linha, Leivas (2002, p. 56) alude tanto permissoquanto obrigatoriedade de uma diferenciao, desde que escudadas em uma razo suficiente[que] h de ser buscada no plano de um discurso jurdico racional com base em uma teoria daargumentao jurdica. Por certo parte-se, neste discurso, da carga de argumentao em favordo tratamento igualitrio, ou seja, quem quer justificar um tratamento desigual tem o nus de

    argumentar. Kymlicka (2008, p. 223), por sua vez, aponta que o tratamento diferenciado constituiprotees contra-majoritrias e que a forma que essas protees assumem no apenas aanti-discriminao e a cidadania no-diferenciada, mas, ao invs, abarcam direitos diferenciadoresdas minorias. Calha aqui citar a bela formulao de Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 458),ao propor a conexo igualdade e diferena, ao invs da alternativa igualdade ou diferena: Omulticulturalismo progressista pressupe que o princpio da igualdade seja utilizado de par como princpio do reconhecimento da diferena. A hermenutica diatpica pressupe a aceitao doseguinte imperativo transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferena nos inferioriza;temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.

    O maior problema est no fator de discriminao, que deve ser adequado (numa relao entremeio, modo e fim) e lcito. Excluem-se desde logo fatores proibidos e utilizam-se critrios rigorosospara avaliar o cabimento de determinadas distines. A Constituio portuguesa tem, a esse propsito,

    um dispositivo expresso: Ningum pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado dequalquer direito ou isento de qualquer dever em razo de ascendncia, sexo, raa, lngua, territrio

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    de origem, religio, convices polticas ou ideolgicas, instruo, situao econmica, condiosocial ou orientao sexual. (art. 13.2); o texto precisa ser bem compreendido: o que se veda soas discriminaes negativas. Tambm a Constituio brasileira, como vimos, probe os preconceitosde origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3, IV).

    Bandeira de Mello (1993, p. 17) ressalta que as discriminaes so recebidas comocompatveis

    com a clusula igualitria apenas e to-somente quando existe um vnculo de correlao lgicaentre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamentoem funo dela conferida, desde que tal correlao no seja incompatvel com interessesprestigiados na Constituio. Ademais, a discriminao tem de ser razovel, no podendo prejudicardesproporcionalmente os discriminados desfavoravelmente ou beneficiar desproporcionalmente osdiscriminados favoravelmente. Enfatiza Tavares (2006, p. 509) a necessidade de que haja umarelao de proporcionalidade entre os meios e mtodos empregados pelo legislador. SegundoWeichert (2000, p. 247), os critrios de desigualao fixados na norma devem ser manejadosrazovel e proporcionalmente em face das situaes que se pretende desigualar e do fim dadesigualao. Ou seja, o tratamento atribudo s situaes no pode, a pretexto de igualar, acabarpor criar uma nova situao antiisonmica.

    A dinmica da democracia faz com que as reivindicaes sejam avaliadas e as respostas sejam

    oferecidas no contexto do tempo e no tempo do contexto. H espao para a poltica das formulaeslegislativas e dos planos administrativos. A Constituio no deve estar sobrecarregada com soluesantecipadas (BERCOVICI, 2003). Canotilho (2001, IX-X) revela o desencanto com um modelo deConstituio (dirigente) que pretende (utopicamente) enquadrar o mundo e moldar os sujeitos; a

    metanarratividade emancipatria que no se presta a desalienar, nem se ajusta s exigncias dacontemporaneidade. Essa perspectiva crtica tolera clusulas constitucionais (explcitas ou implcitas)de discriminao positiva? A Constituio exige tratamentos diferenciados para o bem?

    Aes afirmativas so respostas polticas mais ou menos circunstanciais e devem ajustar-seao contexto. Essa regra, contudo, comporta excees histrica e ideologicamente justificadas:por exemplo, um tratamento favorvel (compensatrio) aos ndios e remanescentes de quilombos(Constituio brasileira, art. 231 e art. 68 do ADCT, respectivamente). Para Dworkin (2005, p.584): No h transgresso clusula da igual proteo quando algum grupo perde uma decisoimportante sobre os mritos do caso ou por intermdio da poltica, mas quando sua perda resulta desua vulnerabilidade especial ao preconceito, hostilidade ou aos esteretipos e sua consequentesituao diminuda cidadania de segunda classe na comunidade poltica.

    A Constituio deve ficar com a diretriz de uma igualdade efetiva, da qual se extraem contedosespecficos. Responde Canotilho (2001, XXI): o dito constitucional uma dimenso bsica dalegitimidade moral e material, e, por isso, um elemento de garantia contra a deslegitimao ticae desestruturao moral de um texto bsico atravs de desregulaes, flexibilidades, desentulhose liberalizaes; e especifica a seguir: as detectadas em algumasconstituies mulheres, velhos e crianas, grvidas, trabalhadores no constituem um desafiointolervel ao e ao , tpico das normas constitucionais. Exprimem, sim,a indispensabilidade de refraces morais no mbito do contrato social constitucional.

    Atributos fsicos podem justificar uma distino na seleo de policiais (relao adequada de meio

    e fim), mas no na de escrives, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal.8

    Mesmo assim, no sepode exigir que somente superatletas consigam ser policiais. De qualquer sorte, h uma importantee insubstituvel margem de discricionariedade, que nem por isso fica totalmente imune apreciao

    judicial (mais intensa ante a deficincia da justificativa ou ante a omisso no-justificada). A margem deapreciao que existe na escolha do fator de discriminao um dos momentos de opo poltica queo Direito oferece, e cujos contornos no conseguem nem deveriam ser perfeitamente determinveis,embora sempre carentes de justificao racional. Nesse sentido, esclarece Alexy (1993, p. 395) que

    a qualificao da razo como suficiente um problema de valorao.9Por isso mesmo, o empenhopor uma igualdade material e a utilizao do Direito com tal objetivo so reveladores: A dimensomais enriquecida da igualdade est no seu valor ideolgico, entendido como a carga confessadamentepoltica que esse princpio possui. (FACHIN, 2000, p. 291).

    Para encontrar quem deve proporcionar igualdade por meio de tratamento diferenciado, de

    se reconhecer um dever jurdico de aspecto objetivo, relacionado dimenso objetiva dos direitosfundamentais, sob o encargo preponderante conquanto no exclusivo do Poder Pblico. Para

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    encontrar quem faz jus igualdade e requer, assim, prestaes concernentes (polticas pblicas deeducao, cultura, sade, trabalho...), de se reconhecer direito subjetivo: Sarlet (2005, p. 307)alude aplicao do princpio da igualdade que, nesta sua dimenso prestacional, de certa forma,passa a exercer a funo de um direito subjetivo de igual acesso a prestaes.

    Pode acontecer que um tratamento jurdico diferenciado aparente contradizer a igualdade. Nesse

    caso, a justifi

    cativa para a diferenciao deve revelar (e convencer no sentido de) que, se a diferenciaono existisse, a igualdade que seria apenas aparente. Lecionam Araujo e Nunes Jnior (2005, p.120) que, em determinadas situaes a discriminao empreendida, longe de contraditar, realiza opreceito constitucional em estudo. Sarmento (2006, p. 161-162) afirma que a Constituio brasileira

    baseia-se numa concepo substantiva de isonomia e, portanto, a igualdade, na ordem constitucionalbrasileira, no se resume proibio de excluso. Igualdade tambm a obrigao de incluso.. Nessesentido, ainda, pontua Fachin (2000, p. 294): igualdade tambm no corresponde a ausncia dediferenciao. O seu primado tambm deve sugerir reconhecimento de certas diferenas..

    Permitido seja um exemplo prosaico, que refora a concepo de igualdade real por meio detratamento diferenciado: se as ambulncias e os carros de bombeiro no pudessem usar sirenes esinais luminosos e desrespeitar certas normas de trnsito, eles estariam numa situao de aparenteigualdade em relao aos demais veculos, mas a igualdade seria apenas aparente, pois ambulncias e

    carros de bombeiro no esto na mesma situao dos outros: precisam atender s emergncias.Mas a fora da presuno de igualdade lana sobre tratamentos discriminatrios especialmente

    aqueles baseados em critrios sensveis como a etnia, a convico, o gnero, a sexualidade... uma suspeita e exige, portanto, que a diferenciao seja devidamente justificada. H um nus deargumentao convincente nesse sentido.

    Um apontamento a respeito do que no temfim. Os direitos fundamentais tendem a ser de provimentoinesgotvel, e assim tambm a isonomia. As constituies contemporneas contm princpios e valorespotencialmente inexaurveis., diz Martines (2005, p. 208). A busca por tratamentos diferenciados quepermitam uma aproximao cada vez maior do ideal de igualdade um desafio constante do Direito euma renovada conclamao ao empenho de esforos. Na Constituio brasileira, isso transparece daestipulao de objetivos, entre os quais a reduo das desigualdades e a promoo do bem de todos (art.3, III e IV).10Alexy (1993, p. 407) refere jurisprudncia do Tribunal Constitucional Federal alemo no

    sentido de que o princpio do Estado social exige realizar progressivamente a igualdade at a medidarazoavelmente exigvel. A igualdade, diz Borowski (2003, p. 216), est ordenada prima facie, mas, emcircunstncias reais, nunca pode realizar-se completamente. Disso decorre uma clusula de proteoa impedir retrocessos: garantir os patamares de igualdade j alcanados e s admitir aprimoramentoe acrscimo (ROTHENBURG, 2000, p. 156-157).

    Conclui-se que a igualdade pode, enfim, significar diferenciao. O que importa a construo daidentidade, to emancipada e autnoma quanto possvel, para, a partir desse reconhecimento, estabelecera igualdade. Do contrrio, a imposio da equiparao representaria um nivelamento descaracterizadore opressivo e tenderia a ocultar e perpetuar as desigualdades inferiorizantes.11 Pode-se opor, assim, adiferena como algo bom e digno de promoo desigualdade, como algo mau, a ser combatido.

    6 Igualdade formal e igualdade material

    So atribudos vrios significados igualdade formal e igualdade material, segundo diversoscritrios e distines propostos, alguns passveis de crticas. Essas contraposies procuram realara autonomia conceitual de cada modalidade de igualdade e tambm as implicaes recprocas erespectiva complementaridade (PERLINGIERI, citado por CZAJKOWSKI, 2002, p. 195, rodap). Taisdistines tm l seu cabimento e utilidade, porquanto ajudam, afinal, a compreender e operar o(s)conceito(s) de igualdade; contudo, acredito que o ncleo conceitual jurdico-normativo seja um spara ambas as variaes da igualdade.

    a) teoria e prtica (igualdade formal = igualdade de direito ou de iure/igualdadematerial = igualdade de fato)

    Essa antiga distino sustenta que a igualdade de direito refere-se a uma enunciao abstrata(para alguns, meramente textual). A igualdade de fato, por outro lado, refere-se realizao efetiva

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    da igualdade, em concreto. Assim, de nada adianta dizer que homens e mulheres so iguais emdireitos e obrigaes (art. 5, I, da Constituio brasileira) e refor-lo com a proibio de diferenade salrios, de exerccio de funes e de critrio de admisso por motivo de sexo (art. 7, XXX),se, na prtica, de fato, ainda so os homens que ocupam a maior parte dos melhores empregose, para as mesmas atividades, o salrio das mulheres costuma ser menor. Justamente no campo dadiscriminao de gnero, ao tratar da posio das mulheres no Direito e de aes afirmativas que as

    contemplem, Sabadell (2005, p. 238) adota essa distino entre igualdade formal e material: As aesafirmativas so medidas de carter poltico que tutelam os interesses de grupos sociais consideradosmarginalizados no intuito de produzir a igualdade material (quotas para o acesso a cargos eletivos,incentivos econmicos para empregador, favorecimento de candidatos em concursos etc.).

    Nessa diferenciao entre igualdade formal (de direito) e material (de fato), reproduz-se adistncia entre o esperado (no plano normativo) e o acontecido (no plano da realidade), e a distinocorresponde a uma suposta diferena entre teoria (igualdade formal) e prtica (igualdade material).

    O princpio de igualdade formal arriscar-se-ia, de fato, a permanecer (ao menos em parte) uma puraafirmao terica, se no fosse integrado pelo de igualdade substancial., escreve Martines (2005,p. 527). Tambm refere essa distino entre a norma em abstrato e a realidade em concreto, porexemplo, Czajkowski (2002, p. 194): a paradoxal distncia que existe entre uma igualdade formal,preconizada pelas leis, e a igualdade substancial a ser detectada na realidade dos fatos.. Sarlet

    (2005, p. 284), ao tratar dos direitos sociais fundamentais, alude equiparao entre igualdadematerial e igualdade de fato.

    importante a distino entre o mundo da lei (o plano do dever-ser) e o mundo darealidade (o plano do ser), entre a dimenso da validade e a da efetividade. Peces-Barba Martinez(1994, p. 629) tambm aponta a distino entre os planos do ser e do dever-ser ao diferenciar a

    universalidade do ponto de partida (em que estariam misturadas as dimenses do ser e do deverser) e a universalidade do ponto de chegada (que distingue claramente entre o ser e o dever ser).A diferenciao relevante inclusive como teste de eficcia do Direito. Todavia, tanto a igualdadeformal quanto a material devem ser consideradas categoriasjurdicas, ou seja, modalidades deformulao de normas jurdicas (no plano do dever-ser).

    Comecemos pela constatao de que, quer a igualdade formal quer a material tm um aspecto

    abstrato que no deve ser desprezado. Digamos, para facilitar a compreenso, que toda normajurdica principia pelo texto da lei. Mesmo uma norma bastante genrica (a mera consagrao textualdo enunciado da igualdade, no caso) j representa uma conquista, um primeiro e imprescindvelmomento rumo implementao efetiva do Direito. Privilgios precisaram ser quebrados e interessespoderosos, arrostados, para que se pudesse escrever nos documentos legais que [t]odos os sereshumanos so, pela sua natureza, igualmente livres e independentes... Declarao de Direitosde Virgnia, 1787, art. 1; ou que [a lei] deve ser a mesma para todos e que [t]odos os cidado[so] iguais aos seus olhos Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, 1789, art. 6(COMPARATO, 1999, p. 101 e 139). O carter simblico (no desvirtuado) uma funo relevantedo Direito A fora de sugesto dos textos escritos tem sua prpria natureza, cumpre sua tarefaespecfica., aduz Hberle (1998, p. 59) , embora o Direito no deva ficar s nisso.

    Desdobramentos jurdico-normativos mais especficos do princpio da igualdade quando se

    promovem distines com o intuito de se chegar a uma igualdade real no deixam de ser, para oDireito, consagraes textuais, simblicas, em alguma medida. Sendo assim, pode-se afirmar quetanto a igualdade formal quanto a material correspondem igualdade de direito.

    Porm certo que o Direito precisa ter apelo prtico. Norma jurdica que no tem as mnimascondies de ser aplicada na prtica no chega a ser norma, no funciona. Kelsen (1998, p. 58)asseverava que [u]ma norma considerada vlida apenas com a condio de pertencer a um sistemade normas, a uma ordem que, no todo, eficaz. Assim, a eficcia uma condio de validade;uma condio, no a razo da validade. Uma norma no vlida porque eficaz; ela vlida se aordem qual pertence , como um todo, eficaz. Sem apelo prtico, no se tem verdadeira norma

    jurdica; no mximo, apenas enunciado (texto) de (pretensa) norma. A dimenso pragmtica ea correspondncia a determinado setor da realidade so requisitos de qualquer norma jurdica(NEVES, 1988, p. 21-23; MLLER, 1996 e 2007; TAVARES, 2006a, p. 57-84). Afinal, seja uma

    proibio genrica de discriminao (do tipo ningum pode ser obrigado a fazer tal coisa; todostm direito a tal coisa), seja a imposio de um tratamento diferenciado (do tipo Aos maiores de

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    sessenta e cinco anos garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. art. 230, 2,da Constituio brasileira), todas essas normas tm uma expectativa de aplicao real e requeremcondies fticas mais ou menos imediatas de aplicabilidade (SILVA, 2005, p. 307-310). Issoporque o Direito no pode ser concebido como um mundo irreal, da abstrao pura, a ilha dafantasia, por oposio realidade fenomnica.

    Por outro lado, a norma jurdica no pode confundir-se com essa realidade, pois o queacontece necessariamente o que tem de acontecer no precisa ser regulado pelo Direito (issoseria absolutamente desnecessrio); e o descumprimento eventual daquilo que est prescrito nanorma jurdica no infirma a validade da norma jurdica, que se caracteriza pela contrafaticidade(DIMOULIS, 2003, p. 65-66), seno que, justamente, desencadeia a sano correspondente. Vai daque a igualdade de fato (a realidade do tratamento equivalente na prtica, o resultado da aplicao)situa-se no plano da efetividade, como um importante teste de verificao (de sucesso) da norma

    jurdica, mas que lhe exterior e relativamente distinto. A igualdade de fato (material) ser oresultado eventual da igualdade de direito (formal).12Ento, se tomarmos a igualdade formal e amaterial como categorias eminentementejurdicas, nenhuma delas confunde-se com a igualdadede fato. E se tomarmos a igualdade material como a dimenso concreta, da realidade (no plano daefetividade), ento ela no corresponde a qualquer conceito jurdico-normativo de igualdade.

    Alexy (1993, p. 404 e 409) subentende e acentua essa distino, quando lembra que asdesigualdades de direito podem ser ferramentas para se alcanar uma igualdade de fato (nosentido de alterao efetiva da realidade, igualdade material). Embora a igualdade de direito possaprovocar (ou estimular) uma igualdade de fato, ou seja, a criao de igualdade de iurepode tercomo conseqncia igualdade de fato, muitas vezes [q]uem deseje criar igualdade de fato temde aceitar uma desigualdade deiure: ... o princpio da igualdade de fato joga o papel de umarazo para um direito a um determinado tratamento desigual de iure, quer dizer, aquele que servepara a criao de uma igualdade de fato. Nele fundamenta-se um direito subjetivo criao deuma posio de igualdade ftica. Na doutrina francesa e em sentido semelhante, Favoreu e outros(2001, p. 825-826) atestam que, para chegar a estabelecer uma verdadeira igualdade de fato, svezes pode ser necessrio recorrer criao de desigualdades de direito.

    b) geral e especfico (igualdade formal = igualdade genrica/igualdade material =

    igualdade especfica) certo que a igualdade material corresponde a enunciados normativos mais especficos, que

    buscam desdobrar e implementar enunciados mais genricos. Todavia, do ponto de vista do Direito,a prpria igualdade material apresentada sob forma de norma jurdica, tendo, portanto, umadimenso formal (a partir do enunciado textual) e sendo passvel, por sua vez, de uma retomadanormativa mais especfica (inclusive por normas de diferente escalonamento: leis, decretos,portarias...), com vistas implementao cada vez mais efetiva. So, assim, duas crticas: 1)como norma jurdica, a igualdade tem sempre um relevante aspecto genrico (em maior ou menorescala) e necessariamente a abstrao inerente s normas jurdicas; nessa medida, trata-se deigualdade formal; 2) essa generalidade pode quase sempre ser graduada, pois, a partir de normasmais genricas, possvel elaborar normas mais especficas e assim sucessivamente, de modoque umas normas so genricas em relao a outras mais especficas, e especficas em relao a

    outras mais genricas; nessa medida, trata-se de igualdade material, se tomarmos as normas maisespecficas, e de igualdade formal, se tomarmos as mais genricas.

    Ademais, as normas que expressam igualdade, por mais ou menos genricas que sejam,em qualquer caso, esto sempre sujeitas como as normas jurdicas em geral ao teste deefetividade, na prtica.

    Se toda norma jurdica portadora de alguma generalidade, certo, contudo, que um maiornvel de especificao pode representar um aperfeioamento normativo rumo ao alcance de umaigualdade real. Essa especificao pode manifestar-se sob forma de discriminao positiva, aooferecer um tratamento jurdico diferenciado (mais vantajoso) a quem se encontre em situaopeculiar (de desvantagem).

    Para ilustrar, pode-se tomar por nveis de igualdade formal, em relao liberdade de religio, o

    enunciado do art. 3, IV, da Constituio brasileira, que veda preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idadee quaisquer outras formas de discriminao, como o mais genrico, seguido do art. 5, VI ( inviolvel a

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    liberdade de conscincia e de crena). As garantias de prestao alternativa em caso de escusa deconscincia (art. 5, VIII) e de imunidade tributria dos templos de qualquer culto (art. 150, VI,

    b) representam nveis menos genricos (ou mais especficos) so regras. A igualdade material ou um nvel ainda mais especfico dada pela valorizao e a difuso das manifestaesculturais, nomeadamente das culturas populares, indgenas e afrobrasileiras (art. 215), o queautoriza, por exemplo, a incluso dos terreiros de candombl. Se fosse concedido um tratamento

    especialmente benfico a cultos que no contassem com a estrutura dos mais tradicionais, haveriaum nvel de maior especificidade de igualdade (material). O exemplo demonstra que todas essasso figuraes (concretizaes) do mesmo princpio: normas jurdicas mais ou menos genricas embusca do tratamento jurdico que melhor oportunize a igualdade.

    Mas qual a utilidade de enunciados mais especficos (igualdade material), se, com algumesforo, pode-se considerar que eles j esto contidos nos (e podem ser extrados dos) enunciadosmais genricos (igualdade formal)?

    falta de previses especficas, o Direito deve proporcionar um tratamento equivalente a partirdos enunciados genricos. Contudo, as previses mais especficas, alm de seu valor simblico dedestaque (evidncia), manifestam uma opo constitucional ou legal portanto clara, segura que, no fosse assim, manter-se-ia polmica. o caso das terras tradicionalmente ocupadas pelos

    ndios: sobre dizer que so bens da Unio (art. 20, XI), a Constituio brasileira ressalta que [s]o nulos e extintos, no produzindo efeitos jurdicos, os atos que tenham por objeto a ocupao,o domnio e a posse dessas terras (art. 231, 6).

    Maior especificidade, a preceituar tratamentos diversos com a finalidade de fornecer equiparaojurdica, um aspecto importante na qualificao da igualdade material. Todavia, sendo ageneralidade uma caracterstica das normas jurdicas e havendo a possibilidade de graus sucessivosde especificao no processo de concretizao das normas jurdicas, existir algo de igualdadeformal e algo de igualdade material em qualquer norma jurdica concernente. Dito de outro modo,tanto igualdade formal quanto material podem ser facetas de uma mesma norma jurdica, ou deum princpio que comporta graus de especificao.

    c) igualdade perante a lei e igualdade na lei (igualdade formal = igualdade perantea lei, igualdade de aplicao, dirigida ao Executivo e ao Judicirio/igualdade material =igualdade na lei, igualdade de formulao, dirigida ao Legislativo)

    A igualdade perante a lei significa, num momento logicamente posterior ao da feitura da normajurdica (texto, diploma), que ela deve ser aplicada uniformemente, conforme o que preceitua; tema ver com o modo de aplicao da norma. Assim, se as emissoras de rdio e televiso devem teruma produo cultural, artstica e jornalstica regionalizada (Constituio brasileira, art. 221, III), oPoder Pblico no pode fazer nem manter concesses a empresas que no respeitem essa diretriz.Rios (2002, p. 31-32 e 41), aps referir a igualdade perante a lei como dever do aplicador do direitotratar todos conforme a lei vigente, acentua a dimenso formal: o imperativo da igualdade exigeigual aplicao da mesma lei a todos endereada. Disto decorre que a norma jurdica deve tratarde modo igual pessoas e situaes diversas, uma vez que os destinatrios do comando legal sovistos de modo universalizado e abstrato, despidos de suas diferenas e particularidades.

    A rigor, a afirmao de que a norma jurdica deve ser aplicada indistintamente, conforme o quedisponha, seria suprflua (como se toda norma jurdica no devesse ser aplicada conforme o quepreceitua) no servisse de importante alerta aos diversos aplicadores. De qualquer modo, tantonormas menos quanto mais especficas devem ser aplicadas uniformemente, ou seja, exige-seigualdade perante a lei sempre e de qualquer aplicador.

    A igualdade na lei significa, no momento inicial de feitura da norma jurdica (texto, diploma), que elano pode adotar discriminaes injustificadas e desproporcionais. Tem a ver com o contedo da norma.Para Rios (2002, p. 32), significa que o legislador tem o dever de considerar as semelhanas e diferenasquando da instituio dos regimes normativos, com o que se acentua a dimenso material.

    Como as discriminaes no se presumem, os fatores de discriminao devem ser lcitos eter relao com a finalidade (igualmente lcita). Contudo, esses parmetros de admissibilidade da

    discriminao valem tanto para o elaborador da norma jurdica, quanto para qualquer outro aplicadordo Direito, em todos os momentos de concretizao normativa e tm de ser observados por todos.

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    A distino entre igualdade perante a lei e igualdade na lei habitualmente remetida a uma correspondentedistino entre destinatrios: a igualdade perante a lei seria dirigida principalmente ao juiz e ao administradorpblico, enquanto a igualdade na lei seria dirigida sobretudo ao legislador (BOROWSKI, 2003, p. 186).Essa distino encontra-se relativamente superada, visto que todos os operadores da norma jurdica etodos ns chegamos a ser operadores da norma jurdica! (HBERLE, 1997) contribuem sua criao emalguma medida. O juiz, por exemplo, participa do processo de criao ao fornecer, com sua deciso, a norma

    especfica (particular) para o caso concreto; por outro lado, o legislador como qualquer operador jurdicoe, muitas vezes, mais diretamente aplica a Constituio, pois a ela est vinculado (MARTINES, 2005, p.525). Ento, sendo todos sempre criadores e aplicadores do Direito em alguma medida, devem sempreser observadas a igualdade na lei, nos momentos de confeco da norma jurdica (exigncia de igualdadeno contedo da norma), e a igualdade perante a lei, nos momentos de concreo da norma (exigncia deaplicao uniforme da norma) momentos que, na verdade, constituem um processo contnuo.

    Isso no significa que se desconhece o papel distinto e a diferente margem de apreciaodos legisladores (na criao do Direito), em relao aos juzes e administradores pblicos (naaplicao do Direito): para Albuquerque (1993, p. 338), ao legislador reconhecido um primadode conformao dos princpios constitucionais. Daqui, decorre uma presuno de racionalidade, quetem de ser ilidida para se reconhecer a ilicitude.

    Sejam normas jurdicas de maior generalidade ou menos complexidade, sejam normas de maior

    diferenciao, ambas devem observar a igualdade tanto no momento de sua formulao legislativaquanto nos demais momentos de aplicao (concretizao). Captando uma dessas dimenses, Barroso(2007, p. 179) precisa: A noo de igualdade formal projeta-se tanto para o mbito da igualdadena lei comando dirigido ao legislador quanto para a igualdade perante a lei, mandamento voltadopara o intrprete do Direito. A lei no deve dar tratamento diferenciado a pessoas e situaessubstancialmente iguais, sendo inconstitucionais as distines caprichosas e injustificadas. J osintrpretes doutrinrios, administrativos ou judiciais devem atribuir sentido e alcance s leis de modoa evitar que produzam, concretamente, efeitos inequalitrios.. Igualdade na lei e igualdade perantea lei so, portanto, exigncias comuns, quer da igualdade formal, quer da igualdade material.

    d) liberal e social (igualdade formal = direito individual de 1 dimenso / igualdadematerial = direito social de 2 dimenso)

    Essa distino baseia-se no critrio histrico (-ideolgico) e tambm considera a gradualespecificidade que a igualdade assume no curso da civilizao ocidental. Assim, a igualdade formalestaria relacionada proibio de discriminaes injustificadas, num sentido liberal de menorinterveno possvel e reivindicaes individuais; a igualdade material estaria relacionada exignciade tratamento distinto, num sentido social de interferncia estatal e reivindicaes coletivas.

    De acordo com Miranda (1993, p. 202), se distinguem no tanto duas espcies de preceitosjurdicos quanto dois momentos ou planos: o da atribuio dos direitos em igualdade e o da fixaodas incumbncias do Estado e da sociedade organizada perante as condies concretas das pessoas.Os direitos so os mesmos para todos; mas, como nem todos se acham em igualdade de condiespara exerc-los, preciso que essas condies sejam criadas ou recriadas atravs da transformaoda vida e das estruturas dentro das quais as pessoas se movem.

    Sidney Pessoa Madruga da Silva (2005, p. 32 e 44) situa o primeiro momento, da igualdade

    formal, nas modernas Declaraes de Direito, que consagravam a tica contratualista do EstadoLiberal, diante dos excessos do regime absolutista, e prossegue: parte-se da premissa filosfico-liberal de que os homens nascem livres e iguais em direitos, sendo a lei aplicada de maneira uniformepara todos; emps, com o surgimento e expanso dos direitos sociais fundamentais, direitos desegunda gerao, na busca da concretizao da igualdade material, com o binmio indivduo versusEstado, cedendo caminho para encetar a integrao da sociedade civil com esse mesmo Estado,agora de um prisma social-democrtico, em que se distingue a noo de discriminao positiva.

    Caberia ao Direito, segundo a perspectiva liberal, garantir a igualdade de oportunidades, combase numa meta igualitria mnima. Segundo a perspectiva social, o Direito deveria proporcionara igualdade de resultados, com vistas a uma meta igualitria mxima. A alternativa que se oferece como aponta Albuquerque (1993, p. 331) se a igualdade constitui to s umponto de partidaou, antes, umponto de chegada.

    Tambm Martines (2005, p. 527-529) associa a igualdade formal sociedade liberal oitocentistae a igualdade substancial (material) ao Estado social.

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    Pode-se sacar aqui a crtica feita classificao histrica dos direitos fundamentais em geraes:ela sugere uma substituio, quando o que ocorre antes um processo contnuo de agregao. Asdiversas ticas (liberal e social, individual e coletiva, defensiva e prestacional) prestam-se a enfocarqualquer direito fundamental. Ao tratar dos direitos sociais, Sampaio (2002, p. 681-682) resumea pera: a inexistncia de condies materiais mnimas conduz impossibilidade de efetivaodas liberdades clssicas, sendo mais certo falar de uma complementaridade tensa do que em

    contradio necessria... Aparecem, assim, os direitos sociais como uma sntese entre liberdadee igualdade ou como forma imprescindvel de afirmao de uma liberdade igual e de garantia darealizao efetiva do princpio democrtico.

    Quanto aos sujeitos passivos, aqueles que devem proporcionar os direitos fundamentais(no caso, a igualdade), se certo que o papel do Poder Pblico no contexto dos direitos liberais, sobretudo, o de garantir em face de violaes, com a menor ingerncia possvel no tocante aproporcionar tais direitos; por outro lado, percebe-se que o Poder Pblico tem, sim, um importantepapel de proporcionar inclusive direitos liberais, ao passo que mesmo os direitos sociais devem valertambm negativamente (ser defendidos). Portanto, o critrio do papel do Estado no suficiente.Preocupaes contemporneas (como as relativas ao ambiente ecologicamente equilibrado) podemser expressas por meio de normas gerais (art. 225 da Constituio brasileira: Todos tm direitoao meio ambiente ecologicamente equilibrado...) e exigir absteno (na verdade, simples garantia

    contra violaes de terceiros) por parte do Poder Pblico, aproximando-se da igualdade formal tpicaformulao liberal, de 1 gerao. Enquanto preocupaes antigas (como o direito de representaopoltica) podem ser expressas por meio de tratamentos jurdicos diferenciados (por exemplo: reservade vagas a deficientes ou ndios nas listas eleitorais) e reclamar uma atuao mais incisiva do PoderPblico, aproximando-se da igualdade material tpica formulao social, de 2 gerao.

    A propsito, Canotilho (2006, p. 327) levanta duas questes bastante atuais O reconhecimentode um direito fundamental (difuso?) ao bom governo, ou seja, ao exerccio do poder pblico demodo correto, honesto, eficiente e participativo: a conduo responsvel dos assuntos do Estado. Ademocracia, que fundada na idia de igualdade, autoriza a todos que cobremos um governo bom.A outra questo diz respeito ao ambiente ecologicamente equilibrado, que assiste a todos e convocaum pacto intergeracional: Como o patrimnio natural no foi criado por nenhuma gerao e como,dentro de cada gerao, se deve assegurar igualdade e justia ambientais, o direito ao ambiente

    de cada um tambm um dever de cidadania na defesa do ambiente (CANOTILHO, 2003, p. 104).Tais implicaes contemporneas do princpio da igualdade demonstram que as velhas geraes dedireitos fundamentais revivem nas novas, que carregam o registro de aprendizagem daquelas.

    Quanto aos sujeitos ativos, os titulares dos direitos fundamentais (no caso, a igualdade), emboraos direitos liberais tenham um forte acento individualista, contra um forte acento coletivo dosdireitos sociais, a reivindicao de uns e outros pode dar-se tanto individual quanto coletivamente.Os direitos trabalhistas, tpicos direitos sociais, bem como o direito a um ambiente ecologicamenteequilibrado, podem ser reivindicados individualmente, ao passo que direitos como o de associaoe de convico religiosa, tpicos direitos liberais, podem ser reivindicados coletivamente.

    A igualdade formal no apenas um direito liberal, de 1 gerao, reivindicvel individualmente;nem a igualdade material apenas um direito social, de 2 gerao, reivindicvel coletivamente.

    A igualdade resultado sempre parcial do acmulo de experincias histricas e apresenta-sesempre com atualidade em suas diversas projees.

    Notas

    1 Mestre e Doutor em Direito pela UFPR. Ps-graduado em Direito Constitucional pela Universidade deParis II. Professor da Instituio Toledo de Ensino (ITE). Procurador Regional da Repblica. Diretor doInstituto Brasileiro de Estudos Constitucionais (IBEC). E-MAIL:[email protected]

    2 Sobre a caracterizao dos princpios em relao s regras: ROTHENBURG, 2003.

    3 Sobre teorias da justia e distribuio de bens, entre vasto material: Rawls, 1981; Walzer, 2003;Cittadino, 2004; Dworkin, 2005.

    4

    Sobre essas e outras determinaes constitucionais de criminalizao: GONALVES, 2007, p. 263-268.

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    5 Veja-se tambm Albuquerque, 1993, p. 334 e s.

    6 Dimoulis (2003, p. 72) explica que as normas promocionaisno se limitam a autorizar uma conduta,mas tambm encorajam o destinatrio a adot-la. Nesse caso a conduta no s permitida, mastambm recomendada (Re). Para tanto, as normas promocionais oferecem incentivos e recompensas,que constituem uma sano positiva(ou premial ou recompensatria).

    7 Para Gonalves (2007, p. 268) com quem concordo , a proteo da lei, ao se referir discriminaoresultante de procedncia nacional, alcana tanto pessoas que venham do estrangeiro como pessoasque venham de outras regies do Brasil.

    8 Recurso Extraordinrio 150.455-2/MS, em referncia de Araujo e Nunes Jnior (2005, p. 120).

    9 Em outra obra, o autor adverte: H casos em que a deciso de um caso isolado no segue logicamentequer de afirmaes empricas tomadas junto com normas pressupostas ou proposies estritamentefundamentadas de algum sistema de raciocnio (juntamente com proposies empricas), nem podeessa deciso ser totalmente justificada com a ajuda das regras da metodologia jurdica; nesses casosdeve-se concluir que quem decide tem de ser discreto... (ALEXY, 2001, p. 19). Dworkin (1999, p. 14 e17), aps advertir que h quem pense que direito instinto, que no vem explicitado numa doutrina,que s pode ser identificado por meio de tcnicas especiais cuja descrio ideal impressionista, quandono misteriosa, observa que a prtica do direito argumentativa. Todos os envolvidos nessa prticacompreendem que aquilo que ela permite ou exige depende da verdade de certas proposies que s

    adquirem sentido atravs e no mbito dela mesma; a prtica consiste, em grande parte, em mobilizare discutir essas proposies. Tendente a admitir a irracionalidade, h Teubner (2005, p. 57), que, comsupedneo em Niklas Luhmann e Jacques Derrida, chega ao extremo de aludir loucura da deciso:

    a rotina das decises jurdicas e econmicas contm um componente de loucura, de irracional, demisterioso, de sacro, que no deve ser visto simplesmente como uma sobra desprezvel num processocrescente de racionalizao, mas como a verdadeira dinmica condutora da prpria deciso.. O perigode abandonar a racionalidade e as tentativas de dilogo expresso por Bruce Ackerman (2006, p. 36)em vista da guerra ao terrorismo, com o abandono de princpios fundamentais como o do devidoprocesso legal em relao a certos estrangeiros veja-se a discriminao!

    10 Nesse sentido, refere ainda Moro (2006, p. 288) o Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociaise Culturais, da Organizao das Naes Unidas (1966), art. 2. 1: cada Estado-parte compromete-se aadotar medidas... at o mximo de seus recursos disponveis, que visem assegurar, progressivamente,por todos os meios apropriados, o pleno exerccio dos direitos reconhecidos.... E a Constituio da

    frica do Sul (Seo 27.2): O Estado deve adotar legislao razovel e outras medidas, dentro dosrecursos disponveis, para atingir a progressiva realizao de cada um desses direitos [sociais].

    11 Canotilho (2001, IX) externa essa preocupao com a autonomia do sujeito ao denunciar o caminhode ferro social e espiritual atravs do qual vai peregrinar a subjectividade projectante, e ao falar, emoutro texto (2001a, p. 111), da mulher criadora do seu papel.

    12 Distino semelhante proposta por Borowski (2003, p. 188-189), que entende a igualdade jurdicaquando relativa ao ato, ou seja, a igualdade que ordena um tratamento similar na execuo de ummesmo ato. A igualdade ftica relativa ao resultado (conseqncias) provocado pelo ato.

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    Recebido em: 07/08

    Avaliado em: 09/08

    Aprovado para publicao em: 10/08