diretrizes e metas para o pnrh -...
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DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH
PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final
PRODOC 704BRA2041 ANA/UNESCO
Nome do Consultor:
PAULO ROBERTO HADDAD
05 de dezembro de 2005
República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva Presidente Ministério do Meio Ambiente – MMA Marina Silva Ministra Agência Nacional de Águas - ANA Diretoria Colegiada José Machado – Diretor-Presidente Benedito Braga Oscar de Morais Cordeiro Netto Bruno Pagnoccheschi Dalvino Troccoli Franca Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos João Gilberto Lotufo Conejo Superintendência de Usos Múltiplos Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho Superintendência de Conservação de Água e Solo Antônio Félix Domingues Superintendência de Outorga e Cobrança Francisco Lopes Viana Superintendência de Fiscalização Gisela Damm Forattini Superintendência de Apoio a Comitês Rodrigo Flecha Ferreira Alves Superintendência de Informações Hidrológicas Valdemar Santos Guimarães Superintendência de Tecnologia e Capacitação José Edil Benedito Superintendência de Administração e Finanças Luis André Muniz Superintendência de Programas e Projetos Paulo Lopes Varella Neto
©© Agência Nacional de Águas – ANA Setor Policial Sul, Área 5, Quadra 3, Blocos B, L e M CEP 70610-200, Brasília / DF PABX: 2109-5400 Endereço eletrônico: http://www.ana.gov.br Equipe editorial: Supervisão editorial: Elaboração dos originais: Revisão dos originais: Editoração eletrônica dos originais: Projeto gráfico, editoração e arte-final: Capa e ilustração: Diagramação: Todos os direitos reservados É permitida a reprodução de dados e de informações contidos nesta publicação, desde que citada a fonte. CIP-Brasil (Catalogação-na-publicação)
ANA - CDOC
SUMÁRIO
I. MODELO DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E O FUTURO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL-2020 ................................................................................................ 01
II. UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO ECONÔMICA NO PERÍODO 2005-2020.................. 20
III. UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO: PARTICIPAÇÃO, ENDOGENIA E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL ........................................................... 36
IV. OS REBATIMENTOS ESPACIAIS DAS MEGA-TENDÊNCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PNRH .................................. 51
V. RUMO A UM CAPITALISMO NATURAL?........................................................................ 72
VI. DIRETRIZES E METAS DO PNRH: RESTRIÇÕES, CONDICIONALIDADES E PROPOSIÇÕES.................................................................................................................. 80
ANEXOS
Anexo 1 – Síntese
Anexo 2 – Comentários e Recomendações
TABELAS
Tabela 1 - Brasil: Taxa Over/Selic – 2003 A 2005-09 ......................................................... 22
Tabela 2 - Brasil: Crescimento e Inflação - 1948 – 1989 ................................................... 26
Tabela 3 - Balança Comercial - Minérios e Seus Concentrados (Us$ Fob) – 1996 A 2005 ........................................................................................................................... 29
TABELA 4 – POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES ECONÔMICOS....................................................................................................................... 64
TABELA 5 - POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES SÓCIO-INSTITUCIONAIS................................................................................................................... 66
TABELA 6 - ORGANIZAÇÃO DAS COMBINAÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DOS ARQUÉTIPOS ............................................................................................................... 67
TABELA 7 - INDICADOR SÍNTESE – POR ARQUÉTIPO E FAIXAS DE VALORES .............................................................................................................................. 68
GRÁFICOS
Gráfico 1 - Brasil: Exportações Mensais 1977-01 A 2005-10 - Milhões de Dólares................................................................................................................................... 05
Gráfico 2 - Brasil: Importações Mensais 1980-01 A 2004-12 - Milhões de Dólares................................................................................................................................... 06
Gráfico 3 - Ondas de Inovação............................................................................................ 74
FIGURAS
Figura 1 - A Economia Circular ........................................................................................... 40
Figura 2 - Etapas de um Processo de Desenvolvimento Endógeno ............................... 45
Figura 3 - Curva de Williamsom .......................................................................................... 54
Figura 4 - Municípios Classificados Segundo o Nível de Desenvolvimento e o Ritmo de Crescimento ...................................................................................................... 62
DIAGRAMAS
Diagrama 1 - Modelos de Crescimento Econômico .......................................................... 02
Diagrama 2 - O Ciclo Vicioso da Destruição de Riqueza .................................................. 07
Diagrama 3 - Instrumentos Econômicos mais Utilizados nos Países com Políticas Ambientais Consolidadas .................................................................................... 91
QUADROS
Quadro 1 - Níveis de Integração: Características Principais............................................ 12
Quadro 2 - Características de uma Economia Tradicional Contrapostas às de uma Economia Moderna – Fundamentos da Competitividade ................................... 19
Quadro 3 - Formas de Capitais Intangíveis Determinantes do Processo de Desenvolvimento Regional.................................................................................................. 44
Quadro 4 - Principais Características do Capitalismo Convencional e do Capitalismo Natural .............................................................................................................. 78
Quadro 5 - Classificação dos Instrumentos de Política Ambiental Baseada na Descentralização e na Flexibilidade da Decisão Individual – Exemplos Gerais .................................................................................................................................... 99
MAPAS
MAPA 1 – Arquétipos de Municípios Deprimidos ............................................................. 70
MAPA 2 – Municípios Economicamente Deprimidos com Baixo Potencial Endógeno .............................................................................................................................. 71
BOXES
BOX 1 – O Que São Arranjos Produtivos Locais? ............................................................ 17
BOX 2 – Perspectivas das Micro, Pequenas e Médias Empresas num Processo de Integração Competitiva.................................................................................. 32
BOX 3 – Eficiência Alocativa dos Impostos Verdes.......................................................... 93
BOX 4 – Principais Características Econômicas das Taxas Ambientais ........................ 96
1
I. MODELO DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E O FUTURO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL-2020
1. Para se definirem diretrizes e metas para o Plano Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH), é fundamental que se caracterize, inicialmente, qual modelo de crescimento
econômico terá maiores chances de prevalecer no País, ao longo da vigência do Plano de 2005 a 2020. Este modelo poderá ser determinante para se delimitarem as
pressões que poderão advir sobre a base de recursos naturais das regiões brasileiras, a
inserção de nossa economia na nova divisão internacional do trabalho, os grupos sociais e
os setores produtivos que terão maiores ganhos e perdas, e, particularmente, a escassez
relativa e os usos alternativos dos recursos hídricos do País.
Podemos vislumbrar a alternativa de um modelo de crescimento econômico a ser
considerado no PNRH, a partir do Diagrama 1, proposto por Inácio Rangel. Nele a economia
brasileira é representada, didaticamente, por três estruturas produtivas: a economia de
subsistência, a economia pré-capitalista e a economia capitalista. O Diagrama mostra que,
quando deslocamos verticalmente para cima fatores de produção escassos que têm usos
alternativos, de uma estrutura produtiva para outra, ampliam-se a divisão social do trabalho
e os ganhos de produtividade da economia brasileira. Na economia de subsistência, a
produção se destina para o auto-consumo, com baixo grau de divisão social do trabalho; já
as estruturas pré-capitalista e capitalista se inserem na divisão internacional do trabalho com
elevados ganhos de produtividade total dos fatores, por meio de vantagens comparativas ou
vantagens competitivas.
Se considerarmos o modelo de crescimento primário-exportador, que prevaleceu
dominantemente no Brasil do século XVII até a crise de 29, podemos observar que há várias
possibilidades de realocação de seus fatores de produção, diante de uma crise de
realização no comércio internacional, tais como: uma regressão econômica com a volta dos
fatores para estrutura produtiva de subsistência (por exemplo, após a decadência da
mineração de ouro e diamantes em Minas Gerais, no século XVIII); expansão econômica
decorrente dos deslocamentos dos fatores de produção nas crises de exportação do café
para a substituição de importações, desde o final do século XIX e intensificando-se a partir
da crise de 29; etc.
2
DIAGRAMA 1
Modelos de Crescimento Econômico
Adotamos a hipótese de que, no período do PNRH, deverá prevalecer o aprofundamento do modelo de integração competitiva da economia brasileira que vem se estruturando desde os anos 90, e que, também, tem sido repensado e reformulado à medida que os seus impactos sobre o processo de desenvolvimento sustentável do País vão se configurando com maior nitidez e dramaticidade.
2. A década de 90 foi marcada por grandes transformações econômicas e sociais no
Mundo e no Brasil, as quais iriam demandar uma reestruturação das organizações
produtivas do País e afetar a forma de sua integração no comércio exterior. Algumas destas
transformações são a consolidação de mega-tendências manifestas ainda nas duas
décadas anteriores.
Neste período, ocorreu um avanço do processo de globalização econômica e financeira.
As barreiras econômicas caíram significativamente devido às sucessivas rodadas de
negociações do comércio internacional. Avanços tecnológicos nos sistemas de comunicação
e de transporte reduziram custos de acessibilidade e estimularam fortemente a expansão do
comércio. Uma revolução nos negócios econômicos internacionais ocorreu na medida em
Economia capitalista
Modelo de Integração
Competitiva Modelo de Substituição de
importações
Modelo Primário- Exportado
Ganhos de Produtividade
Regressão Econômica
Economia Pré-capitalista
Economia de subsistência
Mercado interno Setor externo
3
que as empresas multinacionais e os investimentos externos diretos tiveram um impacto
profundo em quase todos os aspectos da economia mundial. A desregulamentação
financeira e a criação de novos instrumentos financeiros, tais como os derivativos, além dos
avanços tecnológicos nas comunicações, contribuíram para a formação de um sistema
financeiro internacional muito mais integrado e, frequentemente, mais instável. Em muitos
aspectos, as transações financeiras internacionais, atualmente, vem superando as
transações de bens e serviços: 1,5 trilhões de dólares de compras e vendas de ativos
financeiros contra apenas 25 bilhões de comércio, por dia. Como muitos destes fluxos
financeiros são de curto prazo, altamente voláteis e especulativos, as finanças
internacionais tornaram-se a dimensão mais instável da economia capitalista globalizada1.
A consolidação da Terceira Revolução Industrial provocou profundas mudanças nas
características dos novos produtos, dos novos processos tecnológicos e das novas técnicas
de gestão, com implicações fundamentais para as estruturas de mercado, os modelos da
organização empresarial e suas tendências locacionais. Entre estas características têm sido
destacadas: a) uma tendência em direção à maior intensidade de informações, em vez da
intensidade em materiais e energia que predomina nos sistemas produtivos tradicionais; b)
uma tendência à maior flexibilidade nos processos de produção, onde eficiência e
produtividade não estão necessariamente vinculadas às economias de escala na produção
em massa; c) uma tendência a um novo conceito de eficiência organizacional, com maior
ênfase à configuração de sistemas do que à automação. A redução do tempo e do espaço,
resultante dos impactos multifacetados da Terceira Revolução Científica e Tecnológica,
ampliou os fluxos de comércio internacional que, conjugados com a maior abertura externa
das economias nacionais, impuseram a necessidade de reestruturação de suas empresas e
de suas organizações para enfrentar os desafios da integração competitiva.
Uma outra grande transformação de natureza institucional, que iria afetar de maneira
marcante os sistemas empresariais em muitos países, foi a redefinição do papel do Estado nas economias de mercado. O fracasso das experiências de sistemas de
comando e controle nas economias socialistas, os resultados ambíguos das estratégias
desenvolvimentistas dos países do Terceiro Mundo e o espetacular desempenho da
economia norte-americana na década de noventa induziram à forte convicção de que a
atuação das livres forças dos mercados poderia equacionar os problemas fundamentais de
uma sociedade moderna. Assim, uma das causas da crise latino-americana nos anos 80,
era atribuída ao excessivo crescimento do Estado que se manifestava pela dimensão
1 Gilpin. R. Global Political Economy – Understanding the International Economic Order. Princeton University Press, 2001. Gilpin, R. The Challenge of Global Capitalism. Princeton University Press, 2000.
4
hipertrofiada do setor produtivo estatal, pela excessiva regulamentação das atividades
econômicas e pelo protecionismo econômico. Recomendava-se, pois, dentro da proposta
doutrinária que se denominou de Consenso de Washington, reduzir o tamanho do Estado e
o grau de sua intervenção na economia: as empresas públicas deveriam ser privatizadas; as
atividades econômicas deveriam ser desregulamentadas; o direito de propriedade deveria
se tornar mais seguro; os investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; o comércio
deveria ser liberalizado e orientado para o exterior. Para restabelecer a "liberdade de
escolha" dos cidadãos, era preciso restringir a participação do Estado na economia à
produção de bens e serviços públicos tradicionais ou Smithianos, e restringir a influência,
sobre o funcionamento das economias de mercado, dos sistemas de planejamento em
adiantada fase de maturação em países e regiões do Continente. Argumentava-se, também,
pelo restabelecimento das forças autônomas de mercado como processo mais eficiente e
justo de distribuição de renda e de riqueza, já que as desvantagens dos pobres nos
mercados políticos, onde se disputam recursos de programas sociais, tendem a tornar-se
tão grandes quanto nos mercados econômicos. No caso latino-americano, esta onda do
neoliberalismo se exprimiu, desde a década passada e, com maior intensidade, num amplo
processo de privatização das empresas estatais, as quais desempenharam um importante
papel na evolução dos processos de substituição de importações, especialmente a partir dos
anos 40, mas que se encontravam restringidas no seu desempenho econômico e financeiro,
pela crise fiscal do seu controlador, pela politização do seu processo decisório e pelas
ambiguidades de sua missão institucional.
As novas idéias que procuram explicar porque alguns países e regiões crescem e se
desenvolvem mais rapidamente do que os demais, enfatizam o conhecimento como um fator de produção separado e a importância de investimentos na criação do conhecimento e nas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento. Pessoas qualificadas
são indispensáveis para descobrir novos conhecimentos, inventar novos produtos e novos
processos tecnológicos, operar e manter equipamentos mais complexos, usar
eficientemente novos produtos e novos processos, etc. O capital humano e as habilidades
de um país ou região determinam o seu crescimento econômico no longo prazo e suas
chances de transformar este crescimento em processos de desenvolvimento. Como as
empresas tendem a subinvestir em Pesquisa e Desenvolvimento, onde os resultados são
apenas parcialmente capturados e apropriados por elas, os governos nacionais e regionais
deveriam tomar medidas apropriadas para superar esta falha de mercado. Com o processo
de globalização econômica e financeira, tornou-se evidente que os diferenciais de
competitividade entre países e regiões dependiam, em grande parte, de quantos recursos
cada um estava propenso a alocar e da eficácia de sua utilização.
5
É evidente que a experiência acumulada de desenvolvimento no Mundo, ao longo dos últimos anos, permitiu que viessem a ocorrer uma avaliação crítica e uma própria reformulação conceitual dos paradigmas da nova ordem econômica internacional. Particularmente no caso brasileiro, estão em questão a proposta neoliberal para o papel da
intervenção do Estado na economia, a forma adotada nos anos 90 de inserção do País nos
blocos regionais de comércio e, principalmente, o abandono das experiências de
planejamento de médio e de longo prazo por meio de uma nova geração de políticas
públicas. De qualquer forma, as grandes transformações dos anos 90 afetaram
profundamente a direção do comércio exterior do Brasil e o modelo de crescimento com
base na integração competitiva. Observa-se, pelos Gráficos 1 e 2, respectivamente, como
tem se ampliado o grau de abertura da economia brasileira nos últimos anos,
particularmente após a desvalorização cambial de 1999 e da marcante presença da China
nos fluxos internacionais de comércio.
GRÁFICO 1
Brasil: Exportações Mensais 1977-01 a 2005-10
Milhões de dólares
6
GRÁFICO 2
Brasil: Importações Mensais 1980-01 a 2004-12
Milhões de dólares
3. No pressuposto de que o modelo de crescimento econômico do País venha a
ocorrer, no período do PNRH, com base no aprofundamento do processo de integração
competitiva do País, há alguns percalços que precisam ser destacados. Em primeiro
lugar, deve-se evitar que nossa pauta de exportações seja fundamentalmente especializada
em bens e serviços intensivos em recursos naturais e mão-de-obra não-qualificada ou semi-
qualificada (especialização reversa). Michael Porter2 tem destacado, em seus estudos
sobre a vantagem competitiva, que os países e regiões, que estruturam as suas economias
na produção de bens e serviços intensivos em fatores básicos (recursos naturais renováveis
e não-renováveis, posição geográfica, mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada,
clima, etc.), são incapazes de gerar os fundamentos de uma competitividade sustentável,
assim como prover de melhores condições de vida os habitantes. A economia destes países
e regiões se caracterizam por: apresentam um ciclo vicioso da destruição da riqueza (ver
Diagrama 2); sofrem, com frequência, um processo de deterioração nas suas relações de
2 Porter, M. E. “Clusters and the New Economics of Competition” in Harvard Bussiness Review, nov./dec. 1998. Haddad, P. R. “Etapas de Organização de um cluster produtivo: uma exposição diagramática” in Cluster – Revista Brasileira de Competitividade. Instituto Metas, ano 2, no. 4, abril/julho de 2002. Sobre a evolução do conceito de clusters, ver Bergman, E. M. and Feser, E. J. “Industrial and Regional Clusters: Concepts and Comparative Applications”. Regional Research Institute, WVU, 1999.
7
troca; se destacam pelos valores baixos de seus indicadores sociais; vêem se ampliar o
número de seus concorrentes em escala global, dadas as facilidades de entrada no
mercado daqueles bens e serviços; não têm condições de sustentar o seu processo de
crescimento no longo prazo. Infelizmente, esta é a situação da grande maioria das
economias urbanas e microrregionais do País, as quais necessitam, urgentemente, de
serem reestruturadas, antes que ocorra um novo choque de integração competitiva a partir
da formação da ALCA nos próximos anos, fragilizando-as ainda mais.
DIAGRAMA 2
O CICLO VICIOSO DA DESTRUIÇÃO DE RIQUEZA
Baixo nível de Desigualdade
Produtividade social
Falta de Estagnação Sustentabilidade Econômica
Fonte: Fairbanks, M. and Lindsay, S. Plowing the Sea – Nurturing the Hidden Sources of Growth in the Developing World, HBS Press 1997.
Os sistemas produtivos intensivos em fatores básicos ou não-especializados enfrentam, pois, os seguintes riscos e ameaças no médio e no longo prazo:
Habilidades Limitadas, Falta
de Inovação
Dependência de Produtos
Commodities
Baixos Níveis de
Remuneração
Qualidade de Vida Decrescente para a Maioria
da População
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a) mesmo que, no curto prazo, ainda haja atividades dentro dos sistemas que estão
apresentando níveis razoáveis de rentabilidade financeira, a médio e a longo prazo esta
rentabilidade pode estar ameaçada pelas fáceis condições de entrada de novos concorrentes, expandindo a oferta e deprimindo as margens de lucro;
b) a replicabilidade de sistemas produtivos equivalentes em outras regiões do País ou
do exterior é tanto maior quanto mais os fundamentos do sistemas específicos estiverem
alicerçados sobre fatores básicos;
c) o processo de abertura da economia brasileira é irreversível a longo prazo e as suas
implicações (redução dos impostos de importação, desregulamentação do comércio
exterior, etc.) devem provocar um novo choque competitivo para as empresas que
compõem estes sistemas, tornando indispensável um processo de melhorias nas suas
condições de competitividade;
d) por meio de inovações tecnológicas, os países industrializados estão conseguindo
aumentar suas possibilidades de substituição dos produtos intensivos em fatores básicos
(fibras sintéticas versus fibras naturais; novos materiais versus materiais tradicionais;
etc.), encolhendo ainda mais os mercados destes produtos tradicionais;
e) por meio de novas técnicas de gestão e de novos processos produtivos, é
crescente a economia de insumos e fatores básicos (redução nos coeficientes técnicos
de produção) nos processos de transformação industrial mais avançada.
Particularmente, as economias das microrregiões e localidades do Brasil, que estão
fundamentadas em sua dotação de recursos naturais renováveis e não-renováveis, sofrerão
de forma mais acentuada estes riscos e ameaças. No médio prazo, a dotação de recursos
naturais corresponde simplesmente ao estoque destes recursos que são requeridos, em
algum grau significativo, pela economia nacional para atender às demandas interna e
externa. À medida que os requisitos da economia se modificam no longo prazo, a
composição e a dimensão do estoque se alteram e, nesse sentido, o significado do que seja
“a dotação de recursos” de uma região (microrregião ou localidade) muda com a dinâmica
do crescimento econômico, ou seja, com os determinantes da demanda final (preferências
dos consumidores, distribuição de renda, comércio exterior), com as condições tecnológicas
de produção (surgimento de novos produtos e novos processos), com a organização do
sistema produtivo e de seu arcabouço político-institucional (legislação ambiental, normas de
segurança, etc.).
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Em geral, quando se pretende definir quais são as potencialidades de crescimento
econômico de uma região a partir da sua dotação de recursos naturais, é preciso estar
ciente de que o conceito de potencialidade de recursos é econômico e não físico. Ou seja, o
valor de um recurso natural não é intrínseco ao material, mas depende da estrutura da
demanda, dos custos relativos de produção, dos custos de transporte, das inovações
tecnológicas que sejam comercialmente adotadas, etc.
A questão dos custos relativos é crítica: uma oportunidade favorável em alguma localidade
ou região pode não ser explorada devidamente por causa da existência de uma melhor
oportunidade em outra localidade ou região. Portanto, a incorporação das noções de custo
de oportunidade e de concorrência são importantes para a melhor compreensão do conceito
de competitividade interregional3.
Da mesma forma que a abundância de recursos naturais pode não desencadear um
processo de crescimento de uma região ou localidade e ampliar sua capacidade de exportar
em escala global, a abundante oferta de mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada
pode também ser insuficiente para promover este processo. Muitas vezes, pensa-se que
salários nominais relativamente menores, em regiões ou localidades de um país, possam
ser necessários e suficientes para atrair investimentos intensivos de mão-de-obra,
estabelecendo-se uma confusão entre preço da mão-de-obra (pagamento realizado) e custo
da mão-de-obra (pagamento realizado dividido pela produção efetivada).
Os empresários preferem localizar seus empreendimentos em países e regiões onde a
rentabilidade dos investimentos seja maior. Quanto menor o salário-eficiência (índice de
crescimento dos salários nominais dividido pelo índice de crescimento da produtividade),
maior a capacidade competitiva da região e maior também o crescimento da produção
regional. Como o crescimento dos níveis de salários nominais (entre trabalhadores
desempenhando a mesma função) tenderia a ser praticamente igual em todas as regiões,
tendo em vista a grande mobilidade deste entre as regiões abertas de uma economia
nacional, os salários de eficiência tenderão a cair nas regiões (e nas indústrias particulares
das regiões), nas quais a produtividade cresce mais rapidamente do que a média nacional4.
Assim, a abundância de fatores básicos não é capaz por si só de alavancar um processo de desenvolvimento sustentável nos sistemas e arranjos produtivos locais.
3 Haddad, P. R. “A Concepção de Desenvolvimento Regional” in A Competitividade do Agronegócio e o Desenvolvimento Regional no Brasil – Estudos de Clusters, Haddad, P. R. (org.) CNPq/EMBRAPA, 1999. 4 Kaldor, N. “The Case for Regional Policies”, in Scotish Journal of Political Economy, nov., 1970. Azzoni, C. R. Indústria e Reversão da Polarização no Brasil. FIPE/USP, 1986.
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Somente o progresso científico e tecnológico, por meio das inovações de novos produtos, de novos processos e de novas técnicas de gestão, poderá permitir que venha a ocorrer o crescimento econômico com equidade social e sustentabilidade ambiental, por meio do adensamento das cadeias de valor, pela capacidade de diferenciação de produtos de difícil replicabilidade, pela redução do salário-eficiência, pela melhoria da produtividade dos recursos naturais, etc.
4. Um segundo percalço em relação ao modelo de integração competitiva se refere à inserção do País nos blocos regionais de comércio. A primeira grande experiência de
participação de um bloco regional de comércio para o Brasil se deu a partir do MERCOSUL.
Desde a sua institucionalização em dezembro de 1994, na reunião de Ouro Preto, o
MERCOSUL sofreu três grandes crises, após quase cinco anos de sucesso econômico. A
primeira crise ocorreu com a desvalorização do real em janeiro de 1999. Até então, a
economia da Argentina conseguiu significativos superávits nas suas relações comerciais
com o Brasil, graças à persistente valorização do real no período de 1995 a 1998. Estes
superávits comerciais permitiram contrabalançar as crescentes dificuldades que a Argentina
apresentava no comércio com os EE.UU., a União Européia e o Sudeste Asiático, por causa
do baixo nível de competitividade de seus principais setores produtivos.
A desvalorização do real inverteu a direção dos fluxos de comércio entre o Brasil e a
Argentina, com o crescimento das exportações brasileiras para o país vizinho. A essa perda
de um ponderável superávit comercial por parte da Argentina, somaram-se outros
problemas: a queda na entrada de capitais de privatização; a deterioração nos termos de
intercâmbio; a desconfiança quanto à sustentabilidade do Plano de Conversibilidade
(paridade fixa entre o peso e dólar, com livre conversibilidade), num ambiente de
instabilidade política naquele país.
A segunda crise do MERCOSUL surgiu quando se caracterizou uma recessão econômica
mundial, a partir do segundo semestre de 2000. Os principais mercados externos dos países
do MERCOSUL se contraíram de forma sincronizada, afetando não só as suas exportações,
mas também a disponibilidade de financiamentos e de créditos. Como as economias dos
quatro países da união alfandegária do Cone Sul haviam aberto suas economias nos anos
90 e se integrado no processo de globalização econômica e financeira, os impactos que
sofreram, principalmente depois dos eventos de 11 de setembro, foram muito profundos em
termos de sua capacidade de gerar renda e emprego.
11
Finalmente, a terceira crise, que mal se inicia, está relacionada com a nova postura
protecionista da atual administração dos EE.UU., a qual, para cumprir compromissos de
campanha eleitoral, não demonstra nenhum escrúpulo doutrinário em defender da
concorrência internacional alguns dos seus setores produtivos obsoletos (como a agricultura
e a siderurgia) que não têm condições de competitividade sistêmica numa economia
globalizada.
Neste contexto, em que a economia argentina continua com os seus fundamentos
desestruturados, a economia mundial ainda não apresenta perspectivas de crescimento
sustentado e o protecionismo cresce nos EE.UU., é muito difícil vislumbrar perspectivas
favoráveis para a reintegração e a consolidação do MERCOSUL no curto prazo.
Na verdade, o protecionismo continua sendo praticado de forma indiscriminada (inclusive,
recentemente, dentro do próprio MERCOSUL) mesmo depois da criação da Organização
Mundial de Comércio (OMC) que pretende ter “a responsabilidade principal para facilitar a
cooperação econômica internacional na liberalização do comércio e equacionar os inúmeros
detalhes omitidos no Tratado do Uruguai”. Estudo recente do FMI5 mostra que o
protecionismo utiliza, basicamente, duas alternativas distintas, dependendo do nível de
renda do país: a) taxa média de tarifas imposta pelo país importador; b) taxa de cobertura
média das barreiras não-tarifárias. O estudo concluiu que:
• quanto mais rico o país, menor é a taxa média de tarifas à importação e maior a taxa de
cobertura média das barreiras não-tarifárias;
• na lista das barreiras sofridas pelos exportadores, os EE.UU. surgem como o país
industrializado menos afetado pela imposição de barreiras de outros países;
• o estudo argumenta que a implementação de barreiras não-tarifárias requer
normalmente alto custo administrativo e isso leva os países pobres a tender para as
tarifas não apenas como forma de proteção à indústria local, mas também como fonte de
receita para as finanças públicas.
No processo de planejamento estratégico das empresas exportadoras, uma das questões mais relevantes é a compreensão das diversas etapas de formação da ALCA, visando a definir uma posição negocial de seus legítimos interesses
5 Qing Wang “Import – Reducing Effect of Trade Barriers: a Cross-Country Investigation”, IMF, Working Paper, dec. 2001.
12
organizacionais. Quando da organização do MERCOSUL, esta definição era relativamente
menos importante por causa da condição de economia dominante que o Brasil ostentava
dentro da União Alfandegária. Na ALCA, a situação é totalmente diferente, a competição a
ser enfrentada será mais poderosa, e as empresas devem estar atentas aos seus ganhos e
perdas a partir das formação de uma nova área de livre comércio nas Américas. De início, é
importante caracterizar os diversos níveis de integração econômica entre países para situar
o escopo da ALCA (ver Quadro 1).
QUADRO 1 Níveis de Integração: Características Principais
Nível de Integração Características Principais
1. Área de Preferência Tarifária • Os países membros tributam a totalidade ou parte do comércio recíproco, com alíquotas ou impostos de importação inferiores aos que incidem sobre os bens e serviços provenientes de terceiros países.
2. Área ou zona de Livre Comércio • Os países membros eliminam todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio recíproco.
3. União Aduaneira • Além do livre comércio entre os países membros, inclui a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC) frente a terceiros países.
4. Mercado Comum • É uma União Aduaneira a que se agregam a livre mobilidade dos fatores produtivos entre os países membros e a adoção de uma política comercial comum; contempla a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os países membros; pode, ademais, requerer a harmonização das legislações nacionais.
5. União Econômica • Agrega às características do Mercado Comum, a adoção de uma moeda comum e políticas macroeconômicas, setoriais e sociais também comuns.
O Governo brasileiro, desde 1994, quando ocorreu a primeira reunião envolvendo 34 países
para a formação da ALCA, vem defendendo os seguintes princípios que atendem os
interesses do País e os do MERCOSUL:
• a eliminação das barreiras tarifárias e a transformação de todas as tarifas específicas em
tarifas ad valorem;
• o efetivo acesso a mercados por meio da redução progressiva e consistente das
barreiras não-tarifárias (cotas, medidas fitossanitárias, etc);
13
• o disciplinamento de medidas de defesa comercial (salvaguardas, anti-dumping, etc),
incidindo sobre as exportações do setor agrícola e de ramos tradicionalmente sujeitos ao
protecionismo seletivo (produtos siderúrgicos, calçados, etc);
• o entendimento preciso quanto à não-utilização de mecanismos que prevejam sanções
comerciais unilaterais;
• a eliminação de instrumentos distorcivos do comércio (por exemplo, as subvenções às
exportações) e disciplinamento dos subsídios internos que incidem sobre a formação de
preços nos mercados interno e externo;
• a sintonia das negociações da ALCA com as da OMC, de forma a ajustar os avanços
alcançados no âmbito hemisférico aos esforços que serão empreendidos nos
entendimentos multilaterais.
Entretanto, é preciso ressaltar que as decisões dos governos participantes da ALCA se
processam a partir de argumentos globais que levam em consideração não o enfoque de
produto a produto (a menos da composição da lista de exceções para tratamento tarifário
diferenciado), mas a avaliação dos custos e benefícios para o conjunto da sociedade. Em
estudo recente do BID6, observa-se que a década de 90 foi abundante em iniciativas de
integração na América Latina, com mais de 14 acordos de áreas livres de comércio e uniões
alfandegárias. Porque os países buscam se inserir nestes processos de integração
regional? O estudo do BID aponta, entre outros, os seguintes custos e benefícios da integração regional:
a. Benefícios
• países com uma história de relações conflitivas estão utilizando a integração econômica
numa perspectiva política, com o propósito comum de se aproximarem num clima de paz
e de prosperidade;
• a liberalização tarifária amplia os ganhos de comércio, estimula o processo de
modernização dos sistemas produtivos dos países membros (novos produtos, novos
processos e novas técnicas de gestão) e promove as especializações competitivas por
6 Robert Devlin e Ricardo French – Davis – Towards an Evaluation of Regional Integration in Latin America in the 1990’s, BID, 2004.
14
meio da expansão do mercado de empresas que podem usufruir de economias de
escala, de escopo e de aglomeração;
• a curva de aprendizagem com as experiências de exportações intra-bloco serve de
plataforma para novas exportações internacionais extra-bloco;
• a criação de um acesso seguro ao mercado do bloco regional de comércio e de
preferências recíprocas induz novos investimentos domésticos e permite melhores
condições para atrair capitais de risco multinacionais; etc.
b. Custos
• a integração é benéfica somente quando implica um movimento para maior liberdade de
comércio; ou seja, se os efeitos de criação de comércio (deslocamentos na direção de
fontes de custos menores) são superiores às de reorientação de comércio
(deslocamentos na direção de fontes de oferta mais onerosas);
• quando há assimetrias muito acentuadas nas tarifas médias entre os eventuais parceiros
da união alfandegária, as perdas de receitas tarifárias, no processo de liberalização
preferencial, podem ocorrer com sérios efeitos redistributivos entre os países;
• nos esquemas de integração regional, os benefícios são, frequentemente, distribuídos
de forma assimétrica e, na fase inicial, concentrados em alguns países membros,
ficando os demais na dependência de efeitos de transbordamento incertos e erráticos
(spillover effects), etc.
A avaliação final dos custos e benefícios de um processo de integração regional é muito difícil, uma vez que este processo é, ao mesmo tempo, dinâmico e interdependente, em suas várias etapas. Entretanto, no caso específico da ALCA, é evidente que se o Brasil se tornar um país membro, teremos ganhos e perdas; mas que só haverá perdas, se estivermos ausentes deste novo bloco regional de comércio. Entretanto, se prevalecerem as atuais tendências de protecionismo dos EE.UU. a setores produtivos não-competitivos de sua economia, certamente os benefícios líquidos para o Brasil serão negativos e desfavoráveis ao interesse nacional.
15
5. Finalmente, um terceiro percalço sobre as perspectivas de um modelo de integração
competitiva se relaciona à posição relativa das empresas brasileiras no cenário mundial. A questão da competitividade das empresas brasileiras, num ambiente de uma economia
mais aberta, mais desregulamentada, mais privatizada, mas ainda com custos
macroeconômicos muito elevados, faz com que as organizações produtivas tenham que dar
particular atenção aos fatores da gestão microeconômica, os quais poderão contribuir,
eventualmente, para atenuar o seu hiato competitivo em escala global.
As condições gerais de competitividade das organizações produtivas brasileiras serão
função de diversos fatores ligados aos custos operacionais das suas unidades produtivas,
aos custos de transferência de insumos e produtos a partir do País e em direção ao País, à
estrutura e à dinâmica dos mercados em que competem, etc. Assim, é sempre possível às
instituições brasileiras atuarem sobre o dinamismo de sua base produtiva através de ações
planejadas, visando a melhorar o seu sistema de transportes e de comunicação, a incentivar
a produtividade dos fatores nas unidades produtivas, a facilitar a introdução de inovações
tecnológicas nos arranjos produtivos locais (ver Box 1), a ampliar a disponibilidade de
fatores de produção na quantidade e na qualidade exigidas, etc.
Estas transformações produtivas visam à reestruturação dos sistemas produtivos do País e
à implantação de projetos de investimentos baseados em vantagens competitivas
dinâmicas, as quais se distinguem das vantagens competitivas espúrias (aquelas que
dependem essencialmente de incentivos fiscais e financeiros permanentes, da
sobreexploração da mão-de-obra, da informalidade econômica, etc.) que não se sustentam
a longo prazo, numa economia cada vez mais exposta a um processo de globalização.
Estas transformações devem estar articuladas com a equidade social e com a
sustentabilidade ambiental para evitar que o processo de crescimento econômico ocorra de
forma predatória sobre o ecossistema regional, comprometendo o desenvolvimento das
futuras gerações, e que exclua de seus resultados segmentos significativos da sociedade
regional, ampliando as desigualdades sociais e a degradação cultural.
A crescente integração competitiva da economia brasileira nos fluxos internacionais de
bens, serviços e capitais vem trazendo problemas para algumas atividades econômicas
localizadas em áreas específicas do País, atraídas por um amplo e diversificado sistema de
incentivos fiscais e financeiros por diferentes razões, entre as quais se destacam:
16
a) com a rápida redução das tarifas alfandegárias e das barreiras não-tarifárias, este
sistema está definitivamente comprometido como mecanismo eficaz de promoção do
desenvolvimento de áreas de livre comércio e de zonas francas;
b) a diminuição dos custos fiscais como fator adicional de atração locacional de
empreendimentos industriais para estas áreas e zonas deixa de ser relevante, quando as
mais diversas formas de incentivos fiscais, articuladas com processos de promoção
industrial, vão se generalizando entre diferentes Regiões, Estados e Municípios do País;
esta tendência à ubiquidade acaba simplesmente gerando prejuízos fiscais entre todas as
Unidades da Federação;
17
BOX 1 O QUE SÃO ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS?
Não é recente a preocupação dos formuladores e executores de políticas públicas de desenvolvimento regional e local em encontrar mecanismos e instrumentos eficazes para estimular o crescimento econômico dos municípios ou aglomerados de municípios. Entre as modernas alternativas propostas como base analítica para a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para dinamizar o crescimento da renda e do emprego em localidades e regiões, está a formação de Arranjos Produtivos Locais, particularmente onde haja arranjos produtivos potenciais com elevado grau de concentração de micro, pequenos e médios empreendimentos especializados. Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) consistem de indústrias e instituições que têm ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto verticalmente. Usualmente, a organização de um APL inclui: empresas de produção especializada; empresas fornecedoras; empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisas; instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise de APLs focaliza os insumos críticos, num sentido geral, que as empresas geradoras de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente competitivas. A essência da organização de APLs é a criação de capacidades especializadas dentro de municípios e regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. O conceito de APL vem sendo adotado crescentemente em projetos de promoção de renda e emprego, em programas de desenvolvimento local integrado sustentável (DLIs). Este conceito tal como vem sendo adotado pelo SEBRAE, ADENE/PNUD, FIEMG, entre outras instituições brasileiras, pretende se aproximar mais do conceito de distrito industrial italiano: “um grupo de empresas altamente concentradas geograficamente que, direta ou indiretamente, trabalham para o mesmo mercado final; que compartilham valores e conhecimentos de forma tão intensa que definem um ambiente cultural; e que são especificamente interligadas num conjunto complexo de concorrência e cooperação, sendo que a fonte principal de competitividade são os elementos de confiança, solidariedade e cooperação entre as empresas, resultante de estreitas interdependências de relações econômicas, sociais e comunitárias”. A construção de um APL dentro deste sentido se baseia, fundamentalmente, na capacidade de operacionalizar um modelo de desenvolvimento endógeno a nível local ou microrregional (aglomerados urbanos) de forma sustentável. Assim, o conceito de APL pressupõe “constelações de micro, pequenas e médias empresas autônomas de base local que conseguem desenvolver formas cooperativas de produção altamente flexíveis, inovadoras e competitivas, com capacidade de penetração nos grandes mercados internacionais”. A metodologia de promoção e consolidação de APLs pode se transformar em instrumento inovador do desenvolvimento sustentável a nível regional ou local, desde que se dê ao conceito de APL uma perspectiva mais abrangente do que um mero ciclo de expansão econômica não sustentável. Estão em andamento no Brasil, mais de 200 experiências de promoção e desenvolvimento de APLs. Em primeiro lugar, não faz sentido se falar de um APL sem contextualizá-lo espacialmente, em termos dos municípios ou das regiões em que se localizam, por causa do nível organizacional dos produtores, da qualidade da mão-de-obra, da logística de transporte, dos indicadores de desenvolvimento sustentável, dos insumos de conhecimentos científicos e tecnológicos, etc. Neste sentido, um APL não será competitivo, se a região ou a localidade onde opera não for igualmente competitiva em termos da qualidade de sua infra-estrutura econômica, social e político-institucional. Um APL, embora tenha um núcleo de atividades-chave orientadas para as exportações interregionais e internacionais, depende, para ser competitivo em escala global, de uma articulação com serviços de suporte empresarial (serviços de informática, de manutenção de equipamentos, de testes de qualidade, etc.) e de atividades para o suprimento à jusante e para o beneficiamento à montante da cadeia produtiva. Neste sentido, as empresas-núcleo de um APL não serão competitivas, se todo o conjunto do APL não for também competitivo. O sucesso de um APL depende de uma boa gestão das externalidades e das economias de aglomeração. Não há sustentabilidade de um APL, se a forma como se relaciona com a natureza (o contrato natural) levar a um uso da base local ou regional de recursos renováveis e não-renováveis que venha a comprometer os níveis de produtividade econômica e de bem-estar social das futuras gerações. Da mesma forma, não há sustentabilidade de um APL se a forma como se relaciona com a sociedade local e regional onde se insere (o contrato social) criar deseconomias sociais de aglomeração (poluição, congestionamento) que afetem adversamente as condições de vida dos habitantes em seu entorno de influência direta e indireta. Neste sentido, um APL poderá se tornar autofágico, se não souber lidar civilizadamente com as relações comunitárias e as relações ambientais em sua área de influência. A concepção de um APL é essencialmente holística, envolvendo um processo de desenvolvimento integrado de um conjunto de atividades produtivas interdependentes, tecnologicamente e espacialmente. Entretanto, a organização de um APL não deve se transformar num convite ou numa tentação de se formar uma autarquia regional ou local. Por ser composto por diferentes segmentos produtivos com escalas ótimas de produção muito diversificadas, um APL não pode abranger todo o conjunto de atividades num mesmo espaço relevante, particularmente quando se consideram as possibilidades de suprimento e de beneficiamento em escala internacional. Neste sentido, um APL tem que priorizar a sua competitividade dinâmica, mesmo que venha a contrariar interesses mais imediatos, legítimos ou velados, de municípios e regiões onde se localiza. A análise da competitividade dinâmica é, essencialmente, a busca de excelência que permita ampliar o efeito diferencial de uma organização, de um setor produtivo e de uma região ou município, independentemente de se estar operando com atividades de crescimento mais lento ou mais dinâmico em escala nacional ou internacional. É evidente que um sistema de incentivos fiscais e financeiros bem orientado poderá contribuir seletivamente para que se acelere, em situações específicas, o avanço da competitividade, particularmente quando se trata do progresso tecnológico. Mas, os fundamentos da competitividade moderna estão no desenvolvimento científico e tecnológico incorporado nas organizações públicas e privadas. Neste sentido, a sustentabilidade de um APL tem muito mais a ver com a qualidade do capital humano e intelectual que comanda cada uma das suas atividades, do que com eventos efêmeros de natureza macroeconômica (apreciação ou desvalorização cambial) ou de políticas regionais (sistemas de incentivos em regime de guerra fiscal), que podem gerar competitividades espúrias.
18
c) baseando-se em observações sobre as experiências recentes de desenvolvimento
regional na América Latina, existem grandes dúvidas sobre a capacidade das atividades
econômicas, que se dirigem a uma região para apenas se beneficiar de regimes especiais
de isenções tarifárias e desonerações tributárias, em criar "estados de desenvolvimento"
para a sua população residente.
Para expandir sua capacidade de exportação, num contexto de integração competitiva, as organizações empresariais brasileiras estão sendo afetadas por três processos econômicos de grande expressão, desde o início dos anos 90:
a) a abertura da economia brasileira vem ocorrendo de forma muito rápida, sem que as
políticas públicas tenham consolidado mecanismos de apoio científico-tecnológico, de
financiamentos adequados e de proteção anti-dumping, a fim de dar às empresas nacionais
condições de competição equivalentes às de seus novos concorrentes do exterior;
b) a redução do custo-Brasil se processa lentamente, em particular no que se refere às
reformas institucionais do sistema tributário, do sistema previdenciário e das infra-estruturas
especializadas, dificultando a competitividade global das empresas brasileiras;
c) os padrões culturais de gestão empresarial, adotados durante mais de cinco décadas de
intenso protecionismo de nossa economia, vêm se transformando, embora com grandes
resistências, especialmente por parte das pequenas e médias empresas não vinculadas às
cadeias produtivas em que ocorre a função coordenadora de uma empresa-âncora.
Todas estas dificuldades poderiam ser melhor superadas se o País estivesse vivenciando
um ciclo de expansão econômica após a conquista da estabilidade pós-Plano Real, o que
lhes daria maior flexibilidade adaptativa. Entretanto, para enfrentar a vulnerabilidade externa
em diferentes crises a partir de 1995, têm sido adotados, no Brasil, políticas monetárias
restritivas, as quais, por elevar recorrentemente as taxas de juros reais a patamares
inusitados, inibem o processo de crescimento sustentado, induzem movimentos de stop and
go nos ciclos de negócios e provocam um clima de incertezas crescentes entre os que
necessitam tomar decisões de médio e de longo prazos como as de escala e localização de
seus investimentos. Assim, a taxa média de crescimento anual do PIB, durante o Plano
Real, foi de 2,4%, pouco acima da taxa de crescimento da população brasileira, de 1,6% ao
ano.
19
As conclusões gerais de Michael Porter sobre a competitividade sistêmica de um país ou região são as de que: a) a competitividade não pode ser vista como um fenômeno macroeconômico, impulsionado por variáveis como taxas de câmbio, taxas de juros e déficits governamentais; b) a competitividade não é função de mão-de-obra barata ou de recursos naturais abundantes; c) as empresas de uma região ou de um país não terão êxito se não basearem suas estratégias no progresso e na inovação, numa disposição de competir, no conhecimento realista de seu ambiente nacional/regional/local e de como melhorá-lo; d) as empresas bem-sucedidas concentram-se, com frequência, em determinadas cidades, aglomerados urbanos ou estados dentro de um país; e) o processo de globalização das economias nacionais não exclui a importância das localidades que proporcionam um ambiente fértil para as empresas de indústrias específicas. Na verdade, se desejarmos expandir a capacidade de exportação da economia brasileira, é indispensável que observemos quais são os fundamentos da competitividade, visando a reestruturar os nossos sistemas produtivos, migrando-os de economias tradicionais para economias modernas (ver Quadro 2).
QUADRO 2 Características de Uma Economia Tradicional Contrapostas às de Uma Economia
Moderna – Fundamentos da Competitividade Fundamentos da Competitividade
Economia Tradicional Economia Moderna • excesso de confiança em fatores básicos; o sucesso baseado
em vantagens comparativas, tais como: recursos naturais abundantes, posição geográfica, mão-de-obra de baixo custo, etc., não é sustentável; essas vantagens são facilmente replicáveis e, por isso, insuficientes para criar um padrão de vida elevado para a maioria da população local;
• reduzida cooperação inter-firmas; ausência de relações estreitas de parceria nos processos de inovação e de aperfeiçoamento;
• limitado conhecimento sobre os clientes; ausência de pesquisas de mercado, sem identificar as demandas que podem atender;
• fracasso na integração à montante; distância em relação aos usuários finais;
• paternalismo governamental; transferência para o governo do poder de tomar decisões complexas sobre o futuro das empresas;
• limitado conhecimento sobre a posição relativa; incapacidade de determinar o nível de competitividade em relação aos concorrentes;
• atitude defensiva; quando uma indústria ou setor apresenta resultados negativos, os líderes dos setores públicos e privados tendem a culpar uns aos outros pelo fracasso.
• Ações estratégicas são indispensáveis para o sucesso das empresas;
• custos e diferenciação; custos baixos e produtos diferenciados permitem comandar um prêmio sobre os preços dos produtos;
• escolha de escopo: 1. Vertical em termos de sistemas de distribuição que criam valor econômico para os produtos; 2. Segmentos mais sofisticados de mercado; 3. espaços geográficos mais amplos;
• escolha de tecnologia e vantagem competitiva sustentável; a tecnologia somente é desejável para uma empresa se: 1. Cria uma vantagem competitiva sustentável; 2. Desloca custos a seu favor; 3. Traz vantagens de pioneirismo; 3. Melhora o conjunto da estrutura industrial.
• modelos mentais e aprendizado ao nível da firma; sistemas de crenças que contribuem para melhor criar e distribuir a riqueza.
Fonte: M. Fairbanks e S. Lindsay. Plowing The Sea - Nurturing the Hidden Sources of Growth in the Developing World. HBS Press, 1997 (há tradução em português). Monitor do Brasil – Aumentando a Competitividade do Nordeste Brasileiro. São Paulo, 2000.
20
II. UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO ECONÔMICA NO PERÍODO 2005-2020
6. A grande dificuldade que se apresenta para a formulação das mega-tendências da
economia brasileira, até o ano de 2020, é a de articular os objetivos das políticas de estabilização no curto prazo com as políticas de desenvolvimento no longo prazo. Esta questão inclui, de um lado, a consolidação do ajuste fiscal e financeiro, e, do outro
lado, a superação do atual quadro de desigualdades sociais e regionais, por meio de
políticas públicas que promovam o crescimento econômico, com equidade e
sustentabilidade ambiental. Somente assim teremos condições de vislumbrar as trajetórias
de desenvolvimento do País, no período 2005-2020.
O papel do tempo na análise dos problemas econômicos sempre foi uma questão
controversa. Em 1923, Keynes, o principal economista do século XX, procurava estabelecer
uma noção clara do que seria o curto prazo. Para ele, no curto prazo, há um passado que já
transcorreu e trouxe, para o presente, a acumulação de um estoque de capital físico
(fábricas, áreas agricultáveis, infra-estrutura econômica e social), um dado perfil de
distribuição de renda e de riqueza, uma força de trabalho com diferentes qualificações, os
fundamentos das instituições políticas e sociais.
Políticas econômicas de curto prazo, que lidam com problemas de inflação, de flutuações
nos níveis de emprego ou de geração de renda, têm de ser operadas dentro das restrições
impostas por um tempo histórico e irreversível. É indispensável tomar estas restrições e
condicionalidades como ponto de partida. Se, nos momentos tumultuados do presente,
quisermos resolver graves questões econômicas com orientações estratégicas, que
somente são eficazes no longo prazo, as políticas econômicas podem fracassar. Assim,
como dizia Keynes, no longo prazo poderemos estar todos mortos7.
Keynes, com esta afirmação, estava simplesmente lembrando que os economistas podem
tornar sua vida mais fácil se, em momentos de tempestades, se limitarem a apontar
caminhos de tranqüilidade que estão além dos mares revoltos, sem demonstrar, contudo,
como é possível atravessar o quadro das dificuldades presentes, preservando as conquistas
realizadas.
7 Beaud, M. and Dostaler, G. Economic Thought Since Keynes. Routledge, New York, 1997. Keynes, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Abril Cultural, São Paulo, 1983 (especialmente o Livro Sexto).
21
Por outro lado, uma sociedade, mesmo em regime de inflação renitente e de inconsistências
macroeconômicas, não pode considerar as políticas de médio e de longo prazo como
supérfluas e residuais; da mesma forma, uma sociedade em regime de rigoroso ajuste fiscal
e financeiro, não pode deixar que as soluções dos problemas de estrutura (os de médio e de
longo prazo) fiquem cronologicamente condicionadas pelas soluções dos problemas de
conjuntura (os de curto prazo).
No caso brasileiro, esta querela perdeu o seu significado ao longo das duas últimas
décadas, quando vivenciamos uma seqüência interminável de políticas de curto prazo,
buscando realizar mais de uma dezena de programas de estabilização monetária dentro das
mais diversas orientações conceituais e processuais, com o abandono de uma perspectiva
de longo prazo para o País. Ocorre, contudo, que esta seqüência de políticas de curto prazo
acaba por gerar efeitos não previstos ou indesejados sobre as questões de médio e de
longo prazo. Por exemplo: políticas monetárias recorrentemente restritivas, além de
impactar negativamente o ritmo e a estabilidade do crescimento econômico, afetam a
distribuição funcional da renda em benefício dos rentistas (ver Tabela 1); reformas
administrativas realizadas com o objetivo principal de cortes nos gastos públicos levam à
perda de eficiência e de eficácia na administração dos três níveis de governo; etc. De ajuste
em ajuste, o que se pensava ser tão somente políticas explícitas de curto prazo foi se
tornando políticas implícitas de médio e de longo prazo.
22
TABELA 1
Brasil: Taxa Over/Selic – 2003 a 2005-09
Taxa de juros - Over/Selic
Taxa anualizada
2003 2004 2005 T1 2005 T2 2005 T3 2005 M07 2005 M08 2005 M09
23,35 16,25 17,83 19,56 20,37 19,72 21,84 19,56
IPCA
Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA)
Taxa de inflação anualizada
2003 2004 2005 T1 2005 T2 2005 T32005
M07
2005
M08
2005
M09
9,30 7,60 7,36 5,48 3,12 3,04 2,06 4,28
Fonte: IPEADATA; a comparação das duas séries permite vislumbrar a grandiosidade das taxas de juros em termos reais; atualmente, esta taxa é superior a 14%, bem superior à dos países emergentes que está em torno de 2% e à dos países da OCDE que é inferior a 1% ao ano.
7. A economia brasileira, após uma sensível queda no PIB per capita em 2003, cresceu
significativamente em 2004 e volta a desacelerar em 2005. Os fatores que estimularam este
crescimento têm sido amplamente analisados: redução da taxa de inflação para um nível em
torno de 6%, a melhoria das condições de competitividade global de um grande número de
segmentos produtivos, a persistência de um ambiente de responsabilidade fiscal, a maior
confiança da comunidade financeira nos rumos da política econômica, e, principalmente, um
ciclo de crescimento da economia mundial que vem se prolongando favoravelmente ao
nosso País. A questão básica que se coloca é a de se saber qual o grau de sustentabilidade da volta do crescimento econômico do País no longo prazo.
Sabe-se que as economias capitalistas ocidentais têm duas características básicas. De um
lado, sofrem flutuações cíclicas persistentes, numa seqüência quase interminável de
elevações e quedas nas taxas de crescimento dos níveis de produção de curto prazo. E
estas flutuações ao longo do ciclo econômico são tão mais intensas quanto maior for o grau
23
de incertezas prevalecentes nas economias e quanto maior o grau de fragilidade de seus
fundamentos.
Por outro lado, estes ciclos ocorrem no contexto de uma tendência de crescimento
econômico no longo prazo, o qual é quase sempre lento mas recorrente. O crescimento
econômico é, de fato, a característica mais marcante do capitalismo observada em séries
históricas do PIB de diversos países.
Assim, este jogo de influências recíprocas, de ciclos econômicos instáveis por natureza e de
uma tendência marcante de crescimento nas economias capitalistas, dificulta ao observador
definir do que se trata quando uma economia, como a brasileira, retoma taxas positivas de
expansão em 2004 após um período recessivo e de ajustes fiscais e financeiros para
controlar a ameaça de um vigoroso repique inflacionário na virada de 2002 para 2003.
Apesar destas dificuldades, é possível fazer alguns registros sobre as taxas de crescimento
da produção que recomeçam a ocorrer atualmente no Brasil.
Em primeiro lugar, não se trata ainda de sinais positivos de que está se iniciando um ciclo
de expansão duradoura de nossa economia. Um ciclo de expansão se caracteriza, em
geral, por um período relativamente longo (em torno de uma década) de crescimento
ininterrupto, com elevadas taxas de expansão global e setorial da economia. É precedido de
um conjunto de reformas econômicas e institucionais que viabilizam, por meio de elevadas
taxas de investimento, a eliminação de pontos de estrangulamento que constituem óbices à
mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e socioambiental. No
Brasil, no período que se estende a partir da II Grande Guerra, tivemos apenas dois ciclos
de expansão: o ciclo de 1955 a 1961 dos anos JK e o longo ciclo do “milagre econômico” de
1967 a 1979. Os demais períodos de crescimento econômico se caracterizaram por sua
volatilidade, disritmia e instabilidade, no estilo típico do stop and go, como vem ocorrendo
nas duas últimas décadas, e, até mesmo, no período pós-Plano Real.
Na atual situação do País, há ainda muitas dificuldades a serem vencidas antes de se
configurar o terceiro ciclo de expansão do pós-Guerra: a péssima qualidade de nossa
infra-estrutura econômica, o subinvestimento em ciência e tecnologia, a existência de uma
agenda de reformas institucionais a ser implementada, etc. Podem se atribuir as principais
incertezas e restrições para iniciarmos um ciclo de crescimento sustentado à falta de
instrumentos político-institucionais para que o Brasil disponha, duradouramente, de maior
flexibilidade e eficácia na gestão dos gastos públicos; de um efetivo sistema tributário pró-
crescimento e pró-integração competitiva; de um equilíbrio atuarial consistente das contas
24
previdenciárias; de maior controle sobre os níveis de ineficiência e de corrupção
administrativa. Ademais, não há ciclo de expansão sem a persistência de um elevado grau
de confiabilidade e de credibilidade dos gestores das políticas governamentais junto à
opinião pública e sem um sólido clima de esperança no progresso econômico e social do
Brasil.
Na verdade, a sequência de ajustes de curto prazo está trazendo um aprendizado perverso tanto para o Governo quanto para os agentes privados que vêm desenvolvendo estratégias adaptativas, as quais excluem a visão de médio e de longo prazo sobre os interesses maiores da sociedade brasileira. De um lado, o Governo
sabe, cada vez mais, como lidar com uma política monetária e cambial eficazes para
controlar desequilíbrios internos e externos que geram inflação e desconfiança. Do outro
lado, os agentes privados se protegem de uma nova instabilidade investindo menos,
estocando menos e se endividando menos. Resultado: o crescimento sustentado não vem,
os serviços públicos se deterioram e se expande o cassino da especulação financeira no
País.
Assim, se desejarmos que as incipientes taxas de crescimento, que emergiram a partir do
último trimestre de 2003, se sustentem ao longo do tempo, é preciso que se promova uma
reversão de expectativas dos agentes econômicos por meio de um projeto de
desenvolvimento de longo prazo que seja lastreado em reformas institucionais,
tecnicamente consistentes e politicamente factíveis, assim como seja lastreado em
propostas que permitam articular, de forma criativa e consistente, os objetivos de
estabilidade monetária, crescimento sustentado, equidade social e qualidade ambiental.
No processo de elaboração das mega-tendências da economia brasileira para o período 2005-2020, trabalha-se com a possibilidade de vir a ocorrer, no País, um ciclo de crescimento econômico sustentado compatível com um ambiente macroeconômico de ajustes fiscais e financeiros, rigorosos e recorrentes; que se identifiquem alternativas ou novos paradigmas de desenvolvimento compatíveis com o processo de estabilização econômica em andamento, os quais não se configurem apenas como estudos de casos bem sucedidos mas não-replicáveis com a amplitude e abrangência indispensáveis.
8. Como vimos, entre os anos de 1950 e 1980, ocorreram dois ciclos de expansão na
economia brasileira. Estes ciclos garantiram elevadas taxas anuais de crescimento para o
PIB durante quase três décadas (1950-60: 7,4%, 1960-70: 6,2% e 1970-80: 8,6%) e,
25
particularmente, para a indústria (1950-60: 9,1%; 1960-70: 6,9%; 1970-80: 9,0%). Assim, o
PIB per capita do Brasil cresceu à taxa média anual de 4,6%, de 1950 a 1980, mesmo
considerando que foi um período de taxas de crescimento demográfico muito altas,
enquanto o dos Estados Unidos manteve taxa média de crescimento anual de 2,2%, neste
mesmo período.
Entretanto, houve uma desaceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira nas
duas últimas décadas do século XX, com a taxa média do PIB ficando em 1,6%, na década
de 1980-90, e, em 2,6%, na década de 1990-2000, o que significa inexpressivas taxas em
termos per capita de 1970 a 2000. Tão importante quanto esta desaceleração, foi o caráter
não-sustentado da modesta expansão desde o Plano Real, a qual se configurou como
ciclotímica. Esta configuração se mantém nos quatro primeiros anos do século XXI, com o
ritmo de crescimento oscilando entre taxas mais altas (4,0%, em 2000, e 5,2%, em 2004) e
taxas muito baixas (1,5%, em 2001, e 0,5%, em 2003).
Após quase duas décadas de experiências de superinflação, o Brasil conseguiu estabilizar
sua moeda com a implantação do Plano Real, a partir de 1994. Com a moeda estável,
associada a um conjunto de reformas econômicas e institucionais, ainda que incompletas
(ajuste fiscal, privatizações, desregulamentações, etc.), criaram-se condições mais
favoráveis para se desencadear, no País, um novo ciclo de expansão econômica, o qual
infelizmente ainda não ocorreu.
Esta expectativa se deve a que, em períodos de relativa normalidade macroeconômica, o
País tem demonstrado, historicamente, uma vocação para o progresso econômico e a
capacidade de crescer, em média, em torno de 7% ao ano: no período que se estende de
1948 a 1994, a economia brasileira cresceu 13,8 vezes e a população 3,1 vezes, o que dá
um crescimento per capita de 4,5 vezes. É evidente que, como mostra a Tabela 2: a) há
alguns períodos de queda e de recuperação no ritmo de crescimento; b) ao longo dos ciclos
de expansão, as taxas de crescimento se aceleram; c) ocorreram intensas variações nas
taxas de inflação durante os quarenta anos de observação.
26
TABELA 2 BRASIL: Crescimento e Inflação
1948 – 1989
PERÍODO ANOS PIB
INFLAÇÃO
1948-61
1962-64
1965-67
1968-74
1975-80
1948-80
14
3
3
7
6
33
Crescimento médio 7,65 a.a.
Queda abrupta
Recuperação modesta, média 4,4% a.a.
Fortemente crescente, média 10,7% a.a.
Crescente porém oscilante, média 7,05% a.a.
Média 7,5% a.a.
Crescente <10% a >30% a.a.
Fortemente crescente, atinge 90% a.a.
Decrescente, volta a 30% a.a.
Decrescente, até 15,5% a.a. em 1973
Crescente atinge 110% em 1980
Média 34% a.a.
Fonte: Antônio Dias Leite, Crescimento Econômico: Experiência Histórica do Brasil e Estratégia para o Século XXI. Ed. José Olympio, 1999.
Mesmo quando se comparam as taxas de crescimento da renda real per capita com
diferentes países mais desenvolvidos de 1913 a 1980, o Brasil se destaca,
independentemente do período considerado ter sido uma época em que nossa população
crescia muito rapidamente, a taxas superiores a 3% em muitos anos. Enfim, a nossa experiência histórica sinaliza para grandes possibilidades de se configurar, entre 2005 e 2020, o III ciclo de expansão econômica do pós - II Grande Guerra, mesmo quando se leva em conta que as duas últimas décadas são de relativa estagnação da economia brasileira.
9. Existem muitas razões para se esperar que se configure o terceiro ciclo de expansão
da economia brasileira, se conseguirmos consolidar as reformas econômicas e institucionais
em andamento:
O Brasil dispõe de uma base de recursos naturais, renováveis e não-renováveis, ampla e diversificada que lhe dá vantagens comparativas internacionais para um crescimento mais acelerado.
Os recursos naturais já tiveram, no passado, um papel mais relevante na formação dos
ciclos de crescimento entre diferentes países e regiões. Atualmente, este papel perdeu
posição relativa, entre outros motivos, porque: a) novos materiais têm substituído os
recursos naturais tradicionais, na composição dos modernos processos produtivos; b)
tecnologias mais avançadas têm causado maior economia de recursos naturais, através da
redução dos coeficientes técnicos de produção e das taxas de desperdício de materiais; c) a
miniaturização dos bens de consumo duráveis reduz a intensidade de recursos naturais por
27
unidade produzida; d) a biotecnologia e a engenharia genética redefinem a potencialidade
econômica dos recursos naturais.
Entretanto, o país ou região que dispõe de uma base de recursos naturais, ampla e
diversificada, passa a ter um componente diferenciado para alcançar vantagens
competitivas dinâmicas, as quais adicionam valor econômico aos materiais brutos de
primeiro processamento. Estes materiais, através de efeitos de dispersão para frente e para
trás, constituem o embrião para se gerarem poderosas cadeias produtivas, dinamizando o
crescimento econômico de um país e de suas regiões. Ademais, com a expressiva entrada
de países como a China e a Índia no comércio mundial, a demanda para produtos direta ou
indiretamente intensivos de recursos naturais tem se expandido vigorosamente ao longo dos
últimos dez anos.
Quando se contabilizam a biodiversidade da Amazônia, a fertilidade dos solos dos Cerrados
para a produção de grãos, o aproveitamento de várzeas irrigáveis, as reservas de minerais
estratégicos, etc., não se pode deixar de destacar o quanto a base de recursos naturais do
Brasil tem afetado as suas potencialidades de crescimento econômico e diferenciá-lo no
contexto internacional, desde que estes recursos sejam explorados segundo os princípios
de desenvolvimento sustentável.
Além dos impactos positivos sobre o crescimento agregado da economia brasileira que
poderão ocorrer no período de 2005-2025, a base de recursos naturais irá impactar também
o desempenho e as perspectivas de muitos setores: 1) agronegócio: que tem sido um dos
componentes mais importantes para elevar a participação das exportações totais no PIB de
8,9%, em 1999, para 16,1%, em 2004, e com perspectivas amplas de expansão acelerada;
2) celulose, com suas exportações crescendo de forma acumulada em mais de 70%, de
1998 a 2003, levando a uma expansão significativa de sua capacidade produtiva a longo
dos próximos anos; 3) indústrias metalúrgicas: com desempenho preponderante da
atividade siderúrgica desde 1998, a partir do aquecimento do mercado mundial provocado
pela demanda do mercado chinês, os planos do setor prevêem investimentos mínimos de
US$ 10 bilhões entre 2004 e 2008; 4) setor madeireiro: com espaço considerável a ser
ganho no mercado mundial, sendo que as suas exportações já representavam 5,9% do total
dos semimanufaturados exportados pelo Brasil em 2003; etc.Todos estes setores têm
contribuído para a formação de mega-superávits na balança comercial do País, como
ilustram os resultados da balança comercial do setor de mineração (ver Tabela 3) sendo que
a do agronegócio chega a ser cinco vezes maior.
28
Enfim, na medida em que se amplia o grau de abertura da economia brasileira, a dinâmica
da sua expansão dependerá crescentemente de suas exportações, entre as quais se
destacam os valores absolutos e percentuais das exportações de cadeias produtivas onde
recursos naturais renováveis e não-renováveis são um ponto crítico.
O nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas atingiu um patamar no Brasil que favorece a formação de um ciclo de expansão no País, a partir de forças endógenas.
Para ser um global trader, um país necessita dispor de fatores produtivos não tradicionais,
tais como: centros de pesquisa, ambiente cultural, recursos humanos bem formados e
informados, instituições governamentais flexíveis, etc., uma vez que os ciclos de expansão
contemporâneos são intensivos de informação e conhecimento, com os seus novos
produtos, novos processos de produção e novas técnicas de gestão. Estes fatores se
caracterizam por ser de natureza endógena, originados por decisões e elementos internos
ao sistema e não apenas o resultado de forças naturais ou de forças que são impingidas ao
país de “fora para dentro”.
29
TABELA 3
Balança Comercial
Minérios e seus Concentrados (US$ FOB) – 1996 a 2005
ANO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO SALDO COMERCIAL
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005 (*)
3.935.664.267
3.060.911.560
3.467.754.985
2.942.896.490
3.255.052.726
3.128.618.258
3.192.312.948
3.643.938.360
5.237.135.903
4.905.947.007
390.825.627
382.467.840
279.028.665
319.216.225
351.189.405
301.551.494
277.768.212
333.829.255
680.263.646
457.609.149
2.541.838.640
2.678.443.720
3.188.726.320
2.623.680.265
2.903.863.321
2.827.066.764
2.940.544.736
3.310.109.105
4.556.872.257
4.448.337.858
* No ano de 2005 os dados se referem ao período de janeiro a agosto; fonte: MDIC/ALICE.
Quando se observa o Brasil entre os países emergentes, é bastante evidente que já atingiu
um nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas
adequado para que, num cenário de integração competitiva, ocorram movimentos de forças endógenas capazes de definir um projeto nacional de desenvolvimento, a partir de
um ciclo de crescimento sustentado. É notável, por exemplo, como as empresas localizadas
no Brasil conseguiram se reestruturar rapidamente, quando se sentiram ameaçadas pela
concorrência em seus mercados com a chegada de produtos vindos dos mais diferentes
países, a partir da abertura econômica dos anos 90. Adotaram as novas técnicas de gestão;
substituíram processos tecnológicos; alteraram as características de qualidade de seus
produtos; e conquistaram competitividade global. Ainda há muito para se fazer, mas o que
foi feito até agora se destaca favoravelmente em qualquer comparação com experiências
internacionais em países em desenvolvimento.
O objetivo principal da teoria do crescimento endógeno é investigar e compreender a
ação recíproca entre conhecimento tecnológico e várias características estruturais da
economia e da sociedade, e quanto esta atuação recíproca resulta em crescimento
econômico. O crescimento endógeno é o crescimento econômico gerado por fatores dentro
30
do processo de produção (por exemplo: mudanças tecnológicas induzidas, rendimentos
crescentes, economias de escala, etc.) em oposição a fatores externos (exógenos) tais
como os acréscimos populacionais. Para Kaldor, desde que admitamos que rendimentos
crescentes ocorram, as forças que promovem as mudanças contínuas são endógenas. Em
termos da análise espacial, observa-se um renovado interesse pelas idéias de Alfred
Marshall, que destacou os ganhos de eficiência decorrentes da aglomeração (clustering) de
indústrias, a importância dos transbordamentos de conhecimento a partir da proximidade
locacional, os rendimentos crescentes que resultam do conhecimento compartilhado, etc. 8
A mudança do papel do Estado na economia tem aberto melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para a formação de um ciclo de crescimento no Brasil.
Em todos os países da América Latina, assiste-se, desde os anos 80, a uma profunda
mudança no papel do Estado na economia em sua tríplice função alocativa, distributiva e de
estabilização. Durante quase todo o período do pós-Guerra, os Estados nacionais
exerceram papel insubstituível na promoção do crescimento econômico, na formulação e na
implementação de políticas sociais compensatórias, assim como no esforço de contenção
dos processos inflacionários em cada país latino-americano. Com maior ou menor sucesso,
este processo de intervenção direta e indireta dos Governos na economia ocorreu no
Continente até praticamente o fim dos anos oitenta, passando pela crise do petróleo de
1974, pelas crises nos mercados financeiros internacionais no início dos anos 80, e pela
reestruturação das correntes de comércio a partir da formação dos blocos regionais de
mercados comuns, desde os anos 70.
Não resta a menor dúvida de que a Reforma do Estado tem se constituído em um vigoroso
evento portador de mudanças no Brasil. Em função dos processos de privatizações iniciados
na atual década, das concessões de serviços públicos autorizadas a partir dos últimos anos,
das desregulamentações adotadas particularmente nas relações de comércio internacional,
e da integração na união alfandegária do MERCOSUL, a economia brasileira passou a
dispor de melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para configurar um
ciclo de expansão, neste início do século XXI. A economia brasileira tornou-se, pois, mais
aberta, menos desregulamentada, mais privatizada e, portanto, mais propensa ao
crescimento sustentado. E agora parte para experiências de parcerias do tipo público-
8 Aghion, P. and Howitt, P. Endogenous Economic Growth, The MIT Press, 1998. Tabb, W. K. Reconstructing Political Economy, Routledge, 1999. Reis Velloso, J. P. (coord.) Brasil e a Economia do Conhecimento, Fórum Nacional, José Olympio Editora, 2002.
31
privado (PPP), visando a viabilizar indispensáveis investimentos de infra-estrutura
econômica e social.
No caso específico do processo de privatização, o impacto das vendas das empresas
estatais, em primeira instância, é de natureza macroeconômica, com os recursos obtidos
sendo dirigidos para a redução do desequilíbrio das contas públicas e para financiar o déficit
em conta corrente, quando houver significativa participação do capital estrangeiro nas
operações. O segundo e mais duradouro impacto é, fundamentalmente, de natureza
microeconômica e se realiza através da reestruturação organizacional das empresas
privatizadas e dos investimentos de modernização, visando à sua competitividade dinâmica.
Nos cinco últimos anos, tem-se ampliado uma visão crítica sobre os processos de
privatização realizados nos anos 90 quanto a diferentes aspectos: a indexação de preços e
tarifas para atrair investidores externos tem dificultado o controle das metas de inflação;
baixo nível de comprometimentos contratuais de alguns dos novos controladores tem
limitado o volume de investimentos; a atuação das novas agências reguladoras tem sido
capturada por interesses privados velados; etc.
É preciso enfatizar, contudo, que o Brasil ainda deverá contar com o papel do Estado, ao
longo dos próximos anos, não apenas para garantir a oferta dos serviços públicos
tradicionais, mas também para: a) coordenar o processo de desenvolvimento nacional,
através de mecanismos de intervenção indireta e de planejamento indicativo; b) promover
melhor distribuição da renda e da riqueza, por meio de políticas sociais compensatórias; c)
articular programas de geração de renda e de emprego; d) conceber e executar um conjunto
de políticas econômicas que mantenham a consistência macroeconômica; e) regulamentar
com maior rigor a operação de setores estratégicos (energia elétrica, telecomunicações,
petróleo) para o crescimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a equidade social; f)
atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento; g) apoiar, técnica e
financeiramente, segmentos seletivos da economia brasileira (micro, pequenas e médias
empresas, pequenos produtores rurais, exportações, etc.) visando a ampliar sua capacidade
competitiva ou estabilizar sua renda (ver Box 2).
Nos últimos vinte anos, ocorreram mudanças substanciais no padrão demográfico do Brasil que terão consequências gerais e profundas no seu processo de desenvolvimento econômico e social, e consequências específicas na dinâmica de mercados de diversos bens e serviços.
32
BOX 2
Perspectivas das Micro, Pequenas e Médias Empresas num Processo de Integração Competitiva
No início dos anos 90, com sua economia estagnada e em processo superinflacionário, o Brasil concebe e executa um conjunto de mudanças econômicas e institucionais já mencionadas neste texto, que incluem: uma abertura econômica muito intensa e muito rápida (queda nas tarifas alfandegárias, eliminação de cotas de importação e de exportações, desregulamentação do comércio exterior em geral, etc.); um amplo processo de privatização das empresas estatais de diferentes setores; um processo menos efetivo de concessões dos serviços de infra-estrutura econômica; e, um relativamente bem sucedido programa de estabilização econômica a partir da criação do Plano Real. De modo geral, podemos classificar os impactos destas mudanças sobre os sistemas produtivos urbanos e regionais do País, em três segmentos de acordo com as características dos arranjos produtivos locais ou regionais: • Para as grandes empresas que já estavam profundamente inseridas na economia global, os impactos foram de natureza marginal; através
de ajustes incrementais em suas cadeias produtivas (particularmente, junto a fornecedores à jusante), conseguiram se adaptar ao novo ambiente macroeconômico de integração competitiva; na verdade, estas empresas pertenciam a setores (celulose, mineração, agronegócios, alumínio, aço, etc.) que, na Segunda Divisão Internacional do Trabalho dos anos 70, se consolidaram em países emergentes que se qualificassem com grande disponibilidade de fatores básicos (recursos naturais renováveis e não renováveis, energia, mão-de-obra abundante, fatores climáticos, etc.) e que foram igualmente complacentes, à época, com elevados índices de poluição ambiental gerada por estas atividades; quando as empresas destes setores estavam sob o controle do Governo (situação muito comum no Brasil, até os anos 90), a sua privatização lhes deu mais flexibilidade organizacional e maior capacidade competitiva no período pós-abertura.
• As cadeias produtivas que tiveram, em sua composição, uma empresa-âncora (na indústria automobilística, na indústria alimentícia, etc.) capaz de estruturar os interesses empresariais à jusante e à montante, conseguiram tornar-se competitivas globalmente em um período de tempo não muito longo e ampliaram as suas possibilidades de exportação; a empresa-âncora, neste tipo de situação, atuava como uma agência coordenadora das indispensáveis transformações produtivas e organizacionais em termos de tecnologia, marketing, engenharia financeira, etc.
• Um número imenso de micro, pequenos e médios empreendimentos, dispersos ou agrupados em diversos municípios e regiões do País, que tiveram de enfrentar uma concorrência externa muito agressiva tendo, de um lado, todas as dificuldades típicas do Custo-Brasil (pesada carga tributária e previdenciária, custos financeiros e administrativos muito elevados, má qualidade da infra-estrutura econômica, etc.); e, do outro lado, competidores oriundos de economias estáveis com seus baixos custos financeiros, seus elevados padrões tecnológicos e suas modernas técnicas de gestão; em termos de agrupamentos produtivos, é possível identificar, no País, conjuntos de micro, pequenas e médias empresas, concentradas em municípios ou grupos de municípios de diversas microrregiões brasileiras, especializadas em geral na produção e bens de consumo não-durável e no suprimento de seus insumos principais;
O futuro destes agrupamentos produtivos especializados ou arranjos produtivos potenciais não é de fácil previsão. Um caminho possível é o da ocorrência de uma acomodação ou conformismo de muitos agrupamentos por falta de uma liderança local, espontânea e capaz de promover uma agenda de transformação das suas características de economia tradicional. É evidente que este caminho de manutenção do atual status quo, em termos do seu baixo nível de competitividade global, será ameaçado por um número crescente de novos competidores (dadas as facilidades nas condições de entrada) que resultará em pequena rentabilidade financeira para o capital investido, níveis de subsistência, graves conflitos distributivos ao nível dos agrupamentos, fuga crescente para a informalidade e índices de desenvolvimento humano desconcertantemente dramáticos nos municípios e aglomerados de municípios onde se localizam estes agrupamentos produtivos. Pode-se pensar, também, num caminho de darwinismo econômico: amplia-se o grau de abertura econômica a partir da organização da ALCA; há um novo choque competitivo com a liberação do comércio para gigantes da economia mundial (Estados Unidos, Canadá); até mesmo em mercados de produtos tradicionais (alimentos, tecidos, móveis, etc.), alguns dos novos parceiros de união alfandegária do Brasil são mais competitivos em termos de preço e qualidade; assim, o mercado acaba preservando apenas os agrupamentos produtivos nacionais que apresentarem maior grau de adaptabilidade ao novo ambiente econômico. Finalmente, o mais justo e racional para lidar com as questões econômicas e sociais dos agrupamentos de micro, pequenos e médios empreendimentos, especializados e localizados em municípios ou grupos de municípios geograficamente contíguos ou não, é o caminho de estabelecer e implementar um programa de promoção de desenvolvimento local ou microrregional em bases sustentáveis, utilizando-se uma metodologia de formação de parcerias público-privado, como a metodologia de APL. Destacam-se como vantagens competitivas de um APL (cf. Michael Porter): • Maior eficiência na contratação da mão-de-obra e relação com fornecedores: no que se refere à mão-de-obra, a existência de um pool de profissionais especializados e experientes reduz os custos de recrutamento; quanto aos fornecedores, é natural que o APL passe a receber atenção especial dos mesmos, formando uma base sólida e especializada; • Acesso a informações especializadas: os APLs acumulam uma grande quantidade de informações dos mais diversos tipos, com acesso preferencial garantido a seus membros; além disso, os relacionamentos pessoais e os laços com a comunidade promovem a confiança e facilitam os fluxos de informações; • Externalidades positivas: a organização em APLs gera uma série de externalidades positivas, relacionadas, por exemplo, ao marketing dos produtos e à redução do custo de procura dos clientes, que encontram uma diversidade de alternativas no âmbito do próprio APL; • Acesso a instituições e bens públicos: o APL favorece o acesso a bens públicos fornecidos pelo governo; além disso, nos APLs, muitos investimentos privados em infra-estrutura, centros de qualidade, laboratórios de teste, etc., são realizados coletivamente; • Melhor motivação e avaliação do desempenho: a concorrência local é considerada motivadora, e a organização em clusters permite um permanente processo de comparação de desempenho, uma vez que os concorrentes locais estão expostos às mesmas condições; • Inovação: além do acesso direto aos clientes mais sofisticados, o relacionamento permanente com outras entidades contribui para que as empresas saibam, com antecedência, como a tecnologia está evoluindo, qual a disponibilidade de componentes e máquinas, quais os novos conceitos de serviços e marketing, etc.
33
Entre 1940 e 1970, o padrão demográfico brasileiro se caracterizava por níveis de
fecundidade altos e bastante estáveis. A distribuição etária permaneceu aproximadamente
constante e jovem, apesar do rápido declínio da mortalidade e da aceleração do ritmo de
crescimento populacional. No final da década de 60, tem início um processo rápido e
generalizado de declínio da fecundidade. Limitado, inicialmente, aos grupos sociais urbanos
de renda mais elevada das regiões mais desenvolvidas, este processo se estendeu a todas
as classes sociais e às mais diversas regiões, levando à desaceleração do ritmo de
crescimento populacional. Além do mais, importantes mudanças de valores e de
comportamentos se refletiram na estrutura da família brasileira e na sua configuração, como,
por exemplo, o papel da mulher na sociedade e as repercussões sobre sua crescente
participação no mercado de trabalho.
O novo padrão demográfico se caracteriza, pois, por mudanças na estrutura etária, com
maior participação relativa dos idosos e menor participação relativa do contingente com
menos de 15 anos. Projeta-se que, em meados do século XXI, a população brasileira deverá
se estacionar em torno de 250 milhões de habitantes, em função do declínio ainda maior da
taxa de fecundidade.
Os Relatórios de Desenvolvimento Humano da ONU têm destacado que são inúmeras as
consequências deste novo padrão demográfico para o novo ciclo de crescimento econômico, para as políticas sociais do Brasil e, consequentemente, para as estratégias
empresariais de marketing.
Primeiro, a população em idade escolar a ser atendida nos diferentes níveis de ensino vem
crescendo em ritmo cada vez menor, e assim deverá continuar no século XXI. Recursos que
vinham sendo utilizados para a expansão da capacidade de atendimento do sistema
educacional brasileiro poderão ser realocados em programas de qualidade neste sistema.
Segundo, a expansão mais lenta da população jovem, além de diminuir a pressão sobre o
mercado de trabalho, oferece, também, condições mais favoráveis para uma melhor
preparação técnica das pessoas antes de seu ingresso no mercado de trabalho ou no
próprio local de trabalho, melhorando-se, assim, as características de qualidade da mão-de-
obra brasileira necessária para um ciclo de expansão intensivo em informação e
conhecimento.
34
Terceiro, como as pessoas idosas pertencerão a famílias cada vez menores (tendência a
famílias com apenas dois filhos), poderão ter menor amparo dos filhos e parentes. Portanto,
o sistema de saúde, público e privado, deverá se preparar para atender adequadamente a
essa parcela crescente da população, que apresenta um quadro de morbidade bem
específico e de tratamento mais caro.
Finalmente, a ONU aponta que o aumento da relação entre idosos e pessoas em idade ativa, nas próximas décadas, deverá acentuar significativamente o grave desequilíbrio no sistema previdenciário brasileiro.
A atual fase de transição demográfica brasileira apresenta um período crucial e de grandes
oportunidades sob os mais diferentes aspectos. O caso da Previdência Oficial (União,
Estados e Municípios) é ilustrativo. Tal como está operando, ela evidencia um desequilíbrio
atuarial crônico, desde as mudanças ocorridas na Constituição de 1988, contribuindo para a
formação do déficit do setor público consolidado no Brasil. Este déficit poderá se tornar
crônico e superar a 4% ou 5% do PIB nos próximos anos, se as reformas institucionais não
avançarem. Estas reformas, ao abrirem espaço para a ampliação da previdência
complementar através de fundos privados, poderão provocar a emergência de uma
importante fonte de poupança privada no País, tal como aconteceu no Chile por exemplo,
além de responder de forma mais eficaz às necessidades da população idosa nas próximas
décadas.
Assim, a redução na proporção de jovens na população total e as novas demandas geradas
pelo aumento absoluto e da proporção dos idosos, sob muitos aspectos, podem se
transformar numa oportunidade para formulação das estratégias de mercados do setor
privado (diferenciação e diversificação dos produtos de consumo, planos de saúde,
previdência complementar, medicina geriátrica, turismo da terceira idade, etc.) e num
desafio para a reestruturação dos gastos públicos, envolvendo o redimensionamento para
cima ou para baixo de programas de assistência à maternidade, de creches, de qualificação
da mão-de-obra, de saúde da terceira idade, de qualidade total no ensino fundamental, etc.
Da mesma forma, mudanças de valores e de comportamento na estrutura da família
brasileira (maior poder de decisão das mulheres na composição do orçamento doméstico,
fatores econômicos influenciando o número preferencial de filhos, etc.) certamente irão
transformar suas relações com os diferentes mercados.
Há um pressuposto de que, nos novos ciclos de expansão da economia brasileira, caberá à iniciativa privada o papel mais relevante no processo de conceber e de
35
implementar os projetos de investimento, tanto em setores diretamente produtivos quanto em setores de infra-estrutura econômica em regime de concessões ou de parcerias público-privado. Pressupõe-se, também, que será indispensável a formulação de estratégias para as empresas estatais que ainda remanescerem nos setores de energia e de infra-estrutura para lhes dar condições competitivas num ambiente de negócios, onde as organizações nacionais estão cada vez mais expostas a concorrentes de todos os países do Mundo, em mercados em que perderam sua reserva e proteção.
Fica claro, que, nesta nova ordem empresarial, caberá à iniciativa privada maior
responsabilidade social dentro do processo de desenvolvimento nacional e das regiões e
localidades em que se inserem. Não podem mais se limitar a cuidar de seus negócios
estritos, mas, também, precisam se responsabilizar pela sustentabilidade ambiental e pela
equidade social, enquanto vão construindo a riqueza nacional em suas organizações
produtivas. Estudos recentes do IPEA sobre os gastos sociais do Segundo Setor (as
organizações empresariais com fins lucrativos), mostram que algumas grandes empresas do
SUL e do SUDESTE têm despendido com educação, saúde, nutrição, etc. valores que se
aproximam aos de que alguns Estados do NORDESTE gastam com seus recursos próprios
(ou seja, exceto transferências constitucionais vinculadas e não-vinculadas, e as
transferências não-constitucionais do Governo Federal) nestes setores. E que, na busca de
maior eficiência produtiva e de melhor imagem institucional, são inúmeras as organizações
produtivas que têm dado maior atenção aos possíveis impactos ambientais de seus
investimentos e de sua produção.
Menciona-se, também, a importância crescente das organizações não-governamentais que compõem o denominado Terceiro Setor, responsáveis por um número crescente de
projetos de desenvolvimento sustentável no Brasil. Este Setor é definido pelas organizações
que não integram o aparelho governamental, estruturadas formalmente, sem finalidade
lucrativa, com intenso nível de participação voluntária, com auto-gerenciamento e elevado
grau de autonomia interno. Estas organizações têm demonstrado significativa flexibilidade
operacional para conceber e executar, com eficiência e eficácia, complexos programas e
projetos de desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, a persistência de alguns setores produtivos que o Governo considera como
estratégicos para serem preservados sob o comando e controle do Poder Público não
impede que se avance em diversas direções para aumentar a eficiência (“fazer certo as
coisas certas”) e a eficácia (“fazer as coisas certas”) das empresas estatais: a construção de
36
parcerias público-privado, a avaliação permanente e autônoma de sua alta direção, a
despolitização de seus objetivos, a transparência crescente em suas ações estratégicas e
operacionais, etc.
Concluindo: Considerando as persistentes restrições e condicionalidades presentes no atual contexto da economia e da sociedade brasileira, assim como as dificuldades político-institucionais para a sua superação, é aconselhável que, no cenário macroeconômico 2020 para o País, não se conte com a possibilidade de um novo ciclo de expansão semelhante aos ocorridos no período de 1950 a 1980, com suas taxas históricas de crescimento médio em torno de 7% ao ano. Mais prudente seria trabalhar com taxas médias em torno de 3,5 a 4,0% ao ano, como reconhecimento de que, no período de 2005 a 2020, os limites do possível (hiatos no desenvolvimento científico e tecnológico, obstáculos fiscais aos investimentos, falta de instituições sólidas, gestão responsável da dívida pública, etc.) serão mais restritivos do que durante os ciclos de expansão do pós-Guerra, principalmente quando se deseja preservar a conquista do fim do processo de inflação crônica no País e atuar dentro de rígidos parâmetros de responsabilidade fiscal.
III. UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO: PARTICIPAÇÃO, ENDOGENIA E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
9. Dependendo da configuração político-institucional de um novo ciclo de expansão, ele poderá acomodar de forma equilibrada os objetivos múltiplos de um processo de desenvolvimento sustentável para o País. Poderá superar uma visão
dominante do crescimento econômico com elevados custos sociais e ecológicos, para
perseguir uma trajetória de desenvolvimento onde se consigam ganhos expressivos para a
sociedade brasileira em termos da redução do número de pessoas em regime de pobreza
absoluta ou crítica, da atenuação das desigualdades sociais, de reversão da polarização
espacial, da melhoria dos indicadores de qualidade de vida, do uso racional dos recursos
ambientais numa perspectiva dos interesses entre gerações presentes e futuras, etc. Assim,
a sociedade brasileira terá que realizar uma escolha entre os futuros possíveis, a partir
destas mega-tendências e das mudanças e oportunidades no seu ambiente interno e
externo.
Entretanto, se forem mantidas conservadoramente as atuais características do padrão de crescimento econômico e de acumulação de capital no País, o cenário tendencial de evolução dos indicadores de desenvolvimento sustentável poderá vir a ser de sua
37
crescente deterioração, uma vez que: a) a crise fiscal e financeira dos três níveis de
governo é um fator impeditivo da maior eficácia dos órgãos públicos que formulam,
implementam e controlam as políticas de desenvolvimento sustentável; b) existem
componentes autônomos nos processos de decisões descentralizadas de produção e de
consumo nas diversas regiões do País, decorrentes de fatores econômicos e culturais, que
continuam resultando em deterioração do seu capital natural e em reforço dos mecanismos
sociais de reprodução da pobreza; c) é lento o avanço dos programas de educação
ambiental que poderiam contrarrestar esta deterioração; d) a ausência de um efetivo
sistema nacional de planejamento no País dificulta a inserção das questões de
desenvolvimento sustentável na agenda de prioridades do Governo Federal; e) ainda é
pouco expressivo o volume de recursos públicos e privados que vêm sendo alocados no
desenvolvimento científico e tecnológico para enfrentar as questões de desenvolvimento
sustentável no Brasil.
Assim, é fundamental que, na definição de diretrizes e metas do Plano Nacional de
Recursos Hídricos, se busque uma concepção adequada de desenvolvimento para o Brasil, a qual não pode se limitar à promoção de um ciclo de expansão econômica mas deve conter, como elemento essencial, um crescente processo de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Esta preocupação deriva do fato de que a análise das
experiências de expansão de diferentes economias no pós-Guerra não revela a existência
de nenhuma correlação geral e sistemática entre o processo de crescimento econômico e a
distribuição de renda e da riqueza geradas neste processo, assim como mostra que,
frequentemente, o crescimento acelerado de economias nacionais e regionais se deu
através do uso predatório da base de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis.
Constatou-se, em diversos países, que a compatibilidade entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social não se processa espontaneamente. Da
aplicação das estratégias que se firmaram no pressuposto de que os objetivos
redistributivos e de eqüidade ficassem subordinados à manutenção do crescimento
acelerado do PIB, concluiu-se que a redução das desigualdades não foi atingida através de
impactos indiretos gerados pela prioridade atribuída aos critérios de eficiência. Admitiu-se,
em princípio, que expandindo-se o produto e a base tributável da economia seria mais fácil
para o poder público manipular maiores recursos, capazes de favorecer soluções para os
problemas econômicos e sociais dos segmentos mais pobres da população; vale dizer,
acreditava-se que o desenvolvimento social seria um subproduto cronológico do
crescimento econômico.
38
Contudo, a experiência histórica vem demonstrando que a simples mobilização intensiva dos fatores de produção tende a reproduzir, agora sim, de forma espontânea, as condições sociais iniciais que lhe deram sustentação. Assim, o poder indutor do crescimento econômico propicia maior diferenciação dos sistemas sociais sem, contudo, gerar mais eqüidade, pois esta não é impulsionada por nenhum mecanismo auto-sustentado, porquanto os efeitos genuínos do crescimento econômico estão estruturalmente vinculados aos imperativos da acumulação e à lógica da diferenciação social.
A Agenda 21 Brasileira admite que uma concepção ampliada de desenvolvimento
sustentável, a qual inclui a equidade social, pode conter uma justificativa instrumental para a
redução da pobreza como uma forma para proteger o meio ambiente: como as famílias
pobres (vítimas e agentes de danos ambientais) quase sempre não dispõem de recursos
para evitar a degradação dos recursos ambientais como valor de uso, a redução da pobreza
se apresenta como um pré-requisito para a conservação ambiental. Entretanto, o
desenvolvimento humano em bases sustentáveis é um objetivo por si só, uma vez que
intensifica diretamente a capacidade das pessoas para desfrutar uma vida longa e saudável,
de tal forma que há ganhos imediatos no que é importante em última instância, enquanto se
salvaguardam oportunidades no futuro.
É fundamental esclarecer, também, o indispensável papel do Estado na construção do
processo de desenvolvimento sustentável no Brasil. A obrigação social de sustentabilidade,
como tem insistido Amartya Sen9, não pode ser deixada inteiramente por conta do mercado,
uma vez que o futuro não está adequadamente representado no mercado – pelo menos o
futuro mais distante. O Estado deve servir como gestor dos interesses das futuras gerações,
por meio de políticas públicas que utilizem mecanismos regulatórios ou de mercado,
adaptando a estrutura de incentivos a fim de proteger o meio ambiente global e a base de
recursos para as pessoas que ainda vão nascer.
O conceito de necessidades é muito importante, pois tem de levar em consideração as
carências dos mais pobres (ao mesmo tempo, vítimas e agentes dos danos ambientais),
assim como as limitações impostas pela situação atual da tecnologia e da organização
social para atender às necessidades presentes e futuras. A noção de desenvolvimento
sustentável não implica em deixar intacta a capacidade produtiva em todos os seus
detalhes, mas conservar as oportunidades para que as futuras gerações disponham de 9 Sen A. Development as Freedom. Anchor Books, 2000, New York. Anand, S. and Sen A. Sustainable Human Development: Concepts and Priorities. UNDP, 1996, New York. Ver também, MMA/CPDS Agenda 21 Brasileira. Brasília, 2002.
39
condições de vida dignas. Para isto, é indispensável sinalizar a importância de que se
formulem e se implementem políticas públicas adequadas de desenvolvimento sustentável,
sem que se deixe a impressão da existência de um conflito ou de uma querela entre estas
políticas e a lógica da economia de mercado. Da mesma forma, dada a acumulação
histórica dos elevados índices de pobreza e de desigualdades sociais no Brasil, temos que estar preparados para continuar a formular e a implementar um conjunto eficiente e eficaz de políticas sociais compensatórias para atender às necessidades dos mais pobres de nossa sociedade.
10. O conceito de desenvolvimento sustentável tem sua idéia-força centrada na
investigação científica das relações dos homens entre si e com a natureza. “dentro de
modelos mais dinâmicos, onde a natureza deixa de participar apenas de forma passiva, de
onde os homens retiram insumos necessários à produção das coisas úteis, para
salientarem a dependência deste homem à natureza, à qual ele está materialmente
condicionado”.. “Baseia-se no imperativo moral de respeitar as necessidades das gerações
futuras, o que implica a exigência de preservar o capital de estoque de recursos naturais,
fundamental na organização das atividades econômicas”... “Vem tendo diferentes
interpretações e abordagens, com ênfase ora na preservação dos seres vivos em geral, ora
na preservação do homem e do seu habitat, mas sempre voltadas para a utilização não
predatória dos recursos naturais e salvaguarda de oportunidades para as gerações
futuras10”.
O Brasil é um dos países mais ricos do Mundo em recursos naturais (R) renováveis (RR) e
não-renováveis (ER); alguns dos seus recursos são mistos (os solos, por exemplo),
podendo ter maior ou menor ritmo de crescimento. O processo de desenvolvimento
ambiental sustentável pode ser ilustrado por meio da Figura 1:
a) a primeira função dos recursos naturais (R) é prover insumos para o sistema produtivo
(P), que objetiva produzir bens de consumo e de capital (C) para criar bem-estar ou
utilidade (U) para a população;
b) o meio ambiente é, também, o receptor de última instância de resíduos (W) que vêm da
produção (WP), do consumo (WC) ou dos próprios sistemas naturais (WR); a diferença
básica entre os sistemas naturais e econômicos é que os sistemas naturais tendem a
reciclar os seus resíduos (r), ainda que parcialmente;
10 Projeto Áridas – Nordeste: uma estratégia de desenvolvimento sustentável, Brasília, 1995.
40
c) se desejarmos dar sustentabilidade aos recursos renováveis, é preciso cuidados para
utilizá-los a uma taxa (h) que não seja maior do que sua capacidade regenerativa (y);
d) a terceira função do meio ambiente é a de oferecer utilidade diretamente (de R para U),
na forma de prazer estético e conforto espiritual; se dispusermos resíduos (W) em
excesso à capacidade assimilativa (A), o meio ambiente é prejudicado nesta terceira
função.
FIGURA 1 A Economia Circular
(+)
(+)
Fluxos de Materiais / Energia
Fluxos de Utilidade
Fonte: Pearce, D. W. and Turner, R. K. Economics of Natural Resources and the Environment. Johns Hopkins, USA, 1991.
R P C U (+
(+
ER
h>y
(-)
RR
h>y
(-)
h<y
(+
W
r
W<A W>A
(-)
(-)
Amenidade Negativa
41
Pearce e Turner propõem a seguinte definição operacional para o desenvolvimento
sustentável do ponto de vista ambiental: “este envolve a maximização dos benefícios
líquidos do desenvolvimento econômico, sujeito à manutenção dos serviços e da qualidade
dos recursos naturais ao longo do tempo”. Esta manutenção implica, desde que seja
possível, a aceitação das seguintes regras gerais:
1. utilizar os recursos renováveis a taxas menores ou iguais à taxa natural que podem
regenerar (h < y);
2. otimizar a eficiência com que recursos não-renováveis são usados, sujeito ao grau de
substituição entre recursos e progresso tecnológico;
3. manter sempre os fluxos de resíduos no meio ambiente no nível igual ou abaixo de sua
capacidade assimilativa (W < A).
As decisões sobre as formas de se utilizarem, sustentavelmente, os recursos naturais de um
país ou de uma região não podem ser tomadas sem que haja uma valoração econômica
destes recursos, pois estes apresentam muitas opções alternativas para o desenvolvimento
regional. Eles podem ser preservados; ou seja, nenhum uso humano é permitido na sua
exploração. Eles podem ser conservados; ou seja, a ação antrópica pode ocorrer, desde
que sejam mantidos os serviços e a qualidade dos recursos naturais ao longo do tempo.
Assim, há um grande espectro de opções de conservação, principalmente quando levamos
em consideração os demais objetivos de desenvolvimento (geração de emprego, redução
da pobreza absoluta, etc.) e os respectivos tradeoffs, os quais se definem, economicamente,
a partir de seus custos e benefícios sociais relativos. No fundo, o desafio é mostrar que os valores econômicos resultantes do uso sustentável dos recursos ambientais são superiores aos valores gerados pelas atuais formas de intervenção na economia.
O uso econômico dos recursos ambientais pode colocar uma grave questão para as presentes e as futuras gerações, se não for conduzido segundo critérios de sustentabilidade. A compatibilidade entre crescimento econômico e sustentabilidade
ambiental não ocorre como conseqüência natural do jogo espontâneo de mercado. Na
verdade, a livre mobilização dos fatores de produção pelos mecanismos de mercado, em
geral, tem estimulado o uso predatório dos recursos ambientais em diversos contextos
históricos. O próprio sistema de incentivos fiscais, adotado para a promoção do crescimento
das áreas menos desenvolvidas do Brasil, não vinha incluindo, até recentemente, entre os
seus critérios de avaliação dos projetos de investimentos, a dimensão ambiental como
42
variável relevante para a aprovação dos financiamentos. Assim, muitos projetos
incentivados da Amazônia e do Centro-Oeste contribuíram para a devastação da flora e da
fauna em extensas áreas de florestas tropicais e de cerrado (falhas de governo e não
apenas falhas de mercado).
A Constituição Brasileira de 1988, ao buscar uma nova ordem institucional, a partir da
década de noventa, destacou a questão da preservação ambiental como objetivo prioritário
de desenvolvimento. Em 1995, foi editada uma lei extremamente rigorosa, um mecanismo
institucional que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente. Esta lei contra os crimes ambientais, juntamente com
algumas decisões normativas do CONAMA, têm levado para o nível da decisão
microeconômica (empresários e consumidores brasileiros) a questão dos custos ecológicos.
Estes dispositivos legais, ancorados em intensa mobilização dos movimentos
conservacionistas, nos dão certa garantia de que, ao longo do tempo, tenda a prevalecer, no
Brasil, uma concepção alternativa de desenvolvimento na qual a questão ambiental não seja
tratada à margem das principais decisões sobre a acumulação de capital e seus efeitos
distributivos.
Como não tem sido de sucesso a história dos processos de implementação de leis e normas
que tentam disciplinar os interesses individuais em função dos interesses coletivos, é
fundamental trabalhar a consciência social de empresários e consumidores num
comprometimento permanente com a dimensão do desenvolvimento sustentável em suas
decisões cotidianas e estratégicas. Neste caso, as políticas ambientais deverão destacar a
vinculação dos interesses individuais com o valor econômico total da natureza11 de onde
poderão extrair benefícios líquidos para a atual e as futuras gerações, desde que adotem
processos tecnológicos e padrões de consumo ecologicamente corretos, segundo as
diretrizes estratégicas e a plataforma de ação propostas pela Agenda 21 Brasileira.
11. Muitos analistas dos problemas de regiões que acumularam um grande atraso
econômico, ou que perderam seu dinamismo, estão convencidos que o desenvolvimento
não se limita apenas à expansão da capacidade produtiva (mais investimentos em projetos
de infra-estrutura econômica ou em projetos diretamente produtivos). Segundo Celso
11 Em geral, considera-se como valor econômico total da natureza a soma do valor de uso direto (valor atribuído aos recursos naturais pelos indivíduos e pelas organizações que usufruem dos insumos e dos produtos do meio ambiente) mais o valor de uso indireto (ciclo de nutrientes, microclima, etc.) mais o valor de opção (conservação dos recursos ambientais para um uso futuro) mais o valor de existência (relacionado com as avaliações monetárias dos ativos ambientais); ver Haddad, P. R. e Rezende, F. Instrumentos Econômicos para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, MMA/SCA, Brasília, 2002.
43
Furtado “o verdadeiro desenvolvimento é, principalmente, um processo de ativação e
canalização de forças sociais, de melhoria da capacidade associativa, de exercício da
iniciativa e da criatividade. Portanto, trata-se de um processo social e cultural, e apenas
secundariamente econômico. O desenvolvimento ocorre quando, na sociedade, se
manifesta uma energia capaz de canalizar, de forma convergente, forças que estavam
latentes ou dispersas. Uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão
das preocupações e das aspirações dos grupos sociais que tomam consciência de seus
problemas e se empenham em resolvê-los12”.
Sergio Boisier tem insistido que o desenvolvimento de uma região ou localidade, no longo
prazo, depende profundamente da sua capacidade de organização social e política para
modelar o seu próprio futuro (processo de desenvolvimento endógeno), o que se
relaciona, em última instância, com a disponibilidade de diferentes formas de capitais
intangíveis na região ou localidade (ver Quadro 3).
Percebe-se, com maior clareza, o conceito de desenvolvimento endógeno em situações de assimetria no retrocesso econômico. Por exemplo: se uma economia desenvolvida se
atrofia ou involui por causa de um evento exógeno (por exemplo, países da Europa após a II
Grande Guerra) e assume os indicadores de renda per capita, de comércio e de
produtividade típicos de uma economia subdesenvolvida, quando recebe novos estímulos e
incentivos (por exemplo, financiamentos e apoio técnico do Plano Marshall) a sua reação é
rápida e acelerada, por causa de sua capacidade endógena de mobilizar capitais tangíveis e
intangíveis para promover a retomada do desenvolvimento econômico e social. O mesmo
não ocorre em regiões subdesenvolvidas (do Norte e do Nordeste do Brasil, por exemplo)
onde a escassez de capital social faz com que programas de financiamento e assistência
técnica possam levar a situações de reprodução das desigualdades e das assimetrias
sociais.
12 Furtado, C. A Nova Dependência. Paz e Terra, 1982. Ver também suas reflexões sobre o tema do desenvolvimento no livro da coleção “Os Economistas”, publicado pela Abril Cultural: Teoria e Política de Desenvolvimento Econômico. Sobre o pensamento dos principais autores que analisaram a questão do capital social no processo de desenvolvimento, ver Augusto Franco – Capital Social, Instituto de Política, Millennium, Brasília, 2004.
44
QUADRO 3 Formas de Capitais Intangíveis Determinantes do Processo de Desenvolvimento
Regional Algumas Formas de Capitais Intangíveis
Especificação
1. Capital Institucional As instituições ou organizações públicas e privadas existentes na região: o
seu número, o clima de relações interinstitucionais (cooperação, conflito,
neutralidade), o seu grau de modernidade.
2. Capital Humano O estoque de conhecimentos e habilidades que possuem os indivíduos que
residem na região e sua capacidade para exercitá-los.
3. Capital Cívico A tradução de práticas de políticas democráticas, de confiança nas
instituições, de preocupação pessoal com os assuntos públicos, de
associatividade entre as esferas públicas e privadas, etc.
4. Capital Social O que permite aos membros de uma comunidade confiar um no outro e
cooperar na formação de novos grupos ou em realizar ações em comum.
5. Capital Sinergético Consiste na capacidade real ou latente de toda a comunidade para articular
de forma democrática as diversas formas de capital intangível disponíveis
nessa comunidade.
Fonte: S. Boisier Conversaciones Sociales Y Desarrollo Regional. Editorial de la Universidad de Talca, 2000. Boisier menciona, ainda, como capitais intangíveis: o capital cultural, o capital cognitivo e o capital simbólico.
Assim, um processo de desenvolvimento endógeno é concebido e implementado a partir da capacidade que dispõe determinada comunidade para a mobilização social e política de recursos humanos, materiais e institucionais, em uma determinada localidade ou região. Um processo de desenvolvimento endógeno percorre, normalmente,
algumas etapas (ver Figura 2):
• Não é um processo que brota no terreno do conformismo, da apatia, da inércia ou da
passividade dos habitantes de uma região onde uma dinâmica de organização social e
política ainda não se faz presente. Não há desenvolvimento onde não há inconformismo
com relação ao mau desempenho dos indicadores econômicos, sociais e de
sustentabilidade ambiental. Assim, numa primeira etapa, é importante organizar a
estruturação deste inconformismo.
• A etapa seguinte tem sido procurar diagnosticar, técnica e politicamente, as razões e as
causas do mau desempenho destes indicadores. Não se trata apenas de preparar
documentos elaborados por especialistas mas, principalmente, de conscientizar as
lideranças políticas e comunitárias sobre o que deve ser feito para transformar as
45
condições atuais, visando a obter melhores índices de desenvolvimento humano, de
competitividade econômica, etc.
• A terceira etapa envolve a transformação de uma agenda de mudanças em um plano de
trabalho de mudanças (Plano de Ação). Um plano de trabalho que seja não somente
tecnicamente consistente, mas essencialmente gerado a partir de uma intensa
mobilização dos segmentos da sociedade civil, em regime de pacto e parceria com as
autoridades e instituições locais e supra-locais.
FIGURA 2
Etapas de um Processo de Desenvolvimento Endógeno
Potencialidades não mobilizadas
Problemas socioeconômicos
Situação de Inconformismo
Diagnose Participativa
Construção de uma Agenda de Mudanças
Processo de Implementação
Elaboração de um Plano de Ação
Informações Técnicas
Instrumentos disponíveis
Consistência técnica
Fórum de debates
Consultas formais e informais às
lideranças
Processo de negociação
Mecanismos de controle e avaliação
Sistema de indicadores de processos e de
resultados
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Usualmente, quando se entrevistam os principais líderes comunitários regionais ou locais,
não é difícil diagnosticar que o seu inconformismo se encontra, muitas vezes, difuso ou
latente, sem uma expressão formalizada ou explícita, quanto aos problemas econômicos,
sociais e ambientais a serem resolvidos, ou quanto às potencialidades de crescimento
econômico a serem mobilizadas. Para que possa haver um processo de mobilização social
e política para o desenvolvimento de uma região subdesenvolvida, é importante, de início,
conscientizar e sensibilizar as lideranças locais, explicitando e estruturando as
características deste inconformismo.
A estruturação do inconformismo, em geral, envolve reflexões quanto ao baixo desempenho
dos indicadores econômicos (taxa de crescimento do produto territorial, índice de valor
agregado total, diversificação da base produtiva, adensamento da cadeia de valor
econômico, etc.), dos indicadores sociais (taxa de analfabetismo, esperança de vida ao
nascer, taxa combinada de matrículas e de frequência nos três níveis de ensino,
concentração da renda e da riqueza, etc.) e dos indicadores de sustentabilidade ambiental
(qualidade das micro-bacias hidrográficas, tratamento do lixo urbano, uso de defensivos
agrícolas, etc.), como quanto ao reduzido nível de aproveitamento das oportunidades de
investimentos disponíveis.
Entretanto, frustrações e anamneses podem ir se acumulando ao longo do tempo, durante
anos e anos, sem que nada ocorra pela ausência de uma agenda ou um projeto estruturado de reformas e de mudanças. Um projeto que seja, não somente tecnicamente
consistente, mas essencialmente gerado a partir de uma intensa mobilização dos
segmentos organizados da sociedade civil, em regime de pacto com as autoridades políticas
locais ou regionais. Esta é a etapa mais difícil de se constituir, pois envolve um contexto
específico de desenvolvimento político-institucional, o qual não se constata com maior
freqüência entre as regiões e os municípios brasileiros, particularmente nas regiões menos
desenvolvidas do País. Entretanto, em algumas microrregiões e municipalidades, a iniciativa
de organizar esta etapa de ativação social e de romper com as inércias prevalecentes vem
nascendo de lideranças empresariais, de lideranças políticas e tecnoburocráticas ou,
também, de lideranças comunitárias locais.
Pode-se observar que, em geral, os projetos bem sucedidos de reformas e de mudanças nas cidades e nas regiões mais prósperas ocorreram em contextos que envolveram uma situação de expressiva endogenia no seu processo de desenvolvimento econômico e social. Ou seja, a forte presença de atores sociais (líderes
políticos, empresariais, comunitários) na concepção e na condução das experiências de
47
promoção do desenvolvimento, e não apenas o movimento de instituições e de agências
externas ao município ou à região que atuam de forma excludente quanto à relativa
autonomia decisória local. Neste sentido, a etapa de desenho e de execução de uma agenda de mudanças econômicas e sociais em uma área fica na dependência da qualidade de suas lideranças políticas e comunitárias: o seu nível de consciência social,
de conhecimento sistêmico, de capacidade de gestão administrativa, de negociação em
situações de conflitos e de tensões; a sua capacidade de atrair recursos de instituições e
agências localizadas em seu entorno externo de decisão; etc.
Registra-se, também, em todos os casos de sucesso, alguma experiência de maior ou
menor profundidade de reforma do setor público, envolvendo o ajuste fiscal e financeiro,
uma reforma administrativa e, principalmente, uma especificação mais precisa dos limites e
das articulações entre o espaço do setor público e o espaço do setor privado (Segundo
Setor e Terceiro Setor). Quanto mais se definirem possibilidades de formas concretas de cooperação e de parceria entre estes dois setores, mais serão as chances de se
superarem problemas econômicos e sociais e de se mobilizarem potencialidades de
crescimento da economia local e regional. A identificação destas potencialidades e a sua
ativação num contexto de competitividade dinâmica são a base indispensável para que uma
economia urbana ou regional encontre uma trajetória de crescimento sustentado.
Neste sentido, não se pode esperar que a promoção do desenvolvimento econômico e
social das regiões e dos municípios do País venha a ser realizada tão somente pelas
instituições e agências do Governo Federal ou do Governo Estadual, as quais, na verdade,
devem ser consideradas como parceiras potenciais na elaboração e na implementação de
políticas, de programas e de projetos de mudanças concebidos e implementados a partir da
atuação das sociedades locais.
12. Para que as experiências de desenvolvimento endógeno adquiram transparência e legitimidade, é fundamental que estas aconteçam dentro do estilo de planejamento participativo. O planejamento governamental deve ser um processo aberto de negociação permanente entre o Estado e as instituições da sociedade civil. Negociar significa, entre outras coisas, assumir o conflito e reconhecer nos conflitos de
interesse a própria seiva da experiência e dos compromissos democráticos. As lutas, os
conflitos, os dissídios, as dissidências são as formas pelas quais a liberdade se converte em
liberdades públicas, em liberdades concretas. Assim, o compromisso democrático impõe a
todas as etapas do processo de planejamento o fortalecimento de estruturas participativas e
a negação dos procedimentos autoritários que inibem a criatividade e o espírito crítico.
48
A experiência de vários países nos mostra13 que, quanto mais o processo de planejamento e
de formulação de políticas públicas facilitar a participação dos cidadãos, mais a comunidade
considerará a função de planejamento como uma forma democrática. Se planejar
significasse simplesmente a produção de um documento em linguagem técnica e
especializada, teríamos, inevitavelmente, um divórcio no relacionamento genuíno entre
cidadãos e planejadores. Não podemos assumir, contudo, uma atitude ingênua em face do
planejamento participativo. Existem inúmeras dificuldades para estabelecer esse tipo de
participação: como o conceito pode ser operacionalizado; que recursos são necessários;
como definir a legitimidade das representações, bem como o seu nível de responsabilidade;
etc. Tudo isto sem falar que a participação é, de fato, um meio de reduzir diferenças de
poder, envolvendo, pois, delicadas questões no bojo do sistema político.
O plano se constitui, quase sempre, de diagnósticos, projeções, avaliação de políticas,
propostas de alternativas de desenvolvimento, programas e projetos. Para cada um desses
elementos é maior ou menor a contribuição que pode ser conseguida fora das agências
especializadas em planejamento. Quanto mais genérico o escopo do plano e mais amplo o
seu horizonte de tempo, menos adequado e útil será o planejamento participativo. Quanto
mais o planejamento se aproximar das necessidades básicas e diretas da população e de
seus problemas concretos, mais os cidadãos e seus interlocutores políticos poderão opinar
sobre a prioridade entre projetos alternativos; da mesma forma, sentir-se-ão mais motivados
para mobilizar os seus próprios recursos na execução desses projetos. Neste sentido, há
projetos em que a participação comunitária ocorre desde a fase de sua concepção até a sua
própria execução. Em programas integrados de desenvolvimento urbano ou rural, há, muitas
vezes, fundos e financiamentos a serem alocados a partir de projetos concebidos pela
própria comunidade-alvo que se envolve em sua preparação e no controle de sua
implementação.
Embora a prática do planejamento participativo seja ainda embrionária no Brasil, já existem
algumas instituições públicas, a nível federal, estadual e local, que estão modificando o seu
estilo de atuação, visando a mobilizar os recursos latentes das comunidades e regiões para
a concepção e execução de projetos de desenvolvimento. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos está sendo concebido e elaborado, fundamentalmente, como uma prática de planejamento participativo.
13 Fagence, M. Citizen Participation in Planning. Oxford, Pergamon Press, 1978. A participação a que nos referimos é a das ações de grupos sociais, associações comunitárias, empresariais e profissionais, a qual se processa de forma direta e informal, complementando a participação formal e indireta através dos seus representantes no Poder Legislativo. Ver Haddad, P. R. Participação, Justiça Social e Planejamento. Zahar Ed., 1980.
49
Usualmente, o processo de implantação de programas e projetos de desenvolvimento tem
adotado, no Brasil, mecanismos convencionais de implementação e de gestão, onde a
preocupação maior é a de monitorar e controlar a aplicação dos recursos alocados em cada
um dos seus componentes, através de critérios de eficiência e de eficácia, típicos das
burocracias tradicionais (sistemas de acompanhamento físico e financeiro; avaliações por
instituições de pesquisas não vinculadas aos programas; auditorias externas; etc.). Neste
contexto, tem sido limitada a participação, no seu controle, dos grupos sociais que, direta ou
indiretamente, se relacionam com os componentes de cada programa ou projeto em termos
de seus custos ou de seus benefícios.
Entretanto, ao longo das duas últimas décadas, é crescente o estímulo público à
participação popular no controle das políticas sociais descentralizadas ao nível local, por
meio das mais diferentes formas de conselhos municipais, cuja eficácia ainda está sendo
objeto de uma avaliação mais rigorosa.
O processo de planejamento participativo apresenta uma série de aspectos
surpreendentemente positivos em termos de eficácia operacional e de pedagogia social, os
quais podem ser sumarizados da seguinte forma14:
• haverá estímulos para que as comunidades locais possam tomar consciência de seus
problemas reais e desenvolver sua criatividade na busca de soluções, gerando uma
verdadeira construção de capacidades em torno da organização social e política de
cada programa ou projeto;
• este tipo de pedagogia de participação tem, em seu bojo, forte conteúdo motivacional;
terá, pois, muitas condições de incentivar as comunidades a se mobilizarem para a
implantação das metas e dos objetivos previstos para os programas e projetos que elas
mesmas ajudaram a decidir, e a enfrentar os sacrifícios decorrentes;
14 Adaptado de Cornely, S. A. Subsídios ao Planejamento Participativo (Item II). MEC, Brasília, 1980. Ver também: Hirschman, A. O. Getting Ahead Collectively: Grassroots Experiences in Latin America. Pergamon Press, 1984. No relatório de avaliação das experiências de desenvolvimento regional no Nordeste, Judith Tendler concluiu que os casos de bom desempenho tinham a ver com um conjunto de fatores entre os quais se destacava a participação, a nível local, de atores e organizações profundamente interessados em seus resultados (ver New Lessons from Old Projects: The Workings of Rural Development in Northeast Brazil. World Bank, 1993). Ver, também, duas publicações do Banco Mundial que ilustram experiências internacionais de planejamento participativo em diferentes tipos de programas e projetos: Salmen, L. F. Listen To The People: Participant – Observer Evaluation of Development Projects. Oxford University Press, 1987. Cernea, M. M. Putting People First: Sociological Variables in Rural Development. Oxford University Press, 1991. Um trabalho recente sobre as experiências internacionais e nacionais de planejamento participativo se encontra no Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, MINIPLAN, Brasília, 2003 (relatório especial).
50
• durante as diversas fases de diagnose dos problemas e das potencialidades de cada
região ou setor, as mesmas serão participadas por segmentos da comunidade, técnicos e
líderes empresariais, aportando dados mais realistas e elementos qualitativos; evitar-se-
á, então, que os conhecimentos se baseiem exclusivamente em dados quantitativos, que
retratam apenas parte de sua realidade e escamoteiam, muitas vezes, informações qualitativas importantes para os processos de mudanças;
• o produto do processo de planejamento participativo será uma agenda de mudanças,
com metas e objetivos mais contextualizados e mais adaptados à realidade concreta que
se quer mudar e ao modelo que se deseja atingir, e, também, mais consentâneo com os
meios de que as organizações e as comunidades locais podem dispor;
• este mesmo processo pedagógico ajuda a agregar novas vontades e interesses ao programa e, por isso mesmo, fortalece as forças favoráveis às mudanças, da mesma
forma e pelas mesmas razões, ajuda a minar as forças de resistência que sempre se
opõem a qualquer processo de transformações estruturais;
• os conflitos existentes para a organização e a consolidação de cada programa ou projeto,
não significarão obstáculos intransponíveis; ao contrário, através da ação dialógica, da discussão e do debate, da negociação e da barganha, dos pactos e coalizões, se
poderá garantir a canalização positiva dos conflitos de interesses;
Como as diferentes comunidades que irão se envolver no processo de concepção e de
implementação de cada programa ou projeto têm características econômicas, sociais e
culturais bastante heterogêneas, é importante observar como se comportam no processo de
participação. Em primeiro lugar, temos de destacar que nem sempre esta participação
ocorre de forma espontânea. Muitas vezes, o envolvimento comunitário terá de ser mais
induzido, naquelas situações onde a comunidade não dispõe de recursos de mobilização
(especialmente sobre seus direitos como cidadão) e de familiaridade com modelos de ação
coletiva organizada. Por outro lado, esta indução, que geralmente se faz necessária para
organizar o processo de participação, não pode afetar a autonomia institucional dos grupos
comunitários, aumentando a presença das burocracias governamentais na concepção e na
implantação dos programas e projetos.
Não resta dúvida de que programas públicos, que estimulam a execução de projetos
estreitamente vinculados à função de bem-estar social das diferentes comunidades, poderão
constituir um dos caminhos que as burocracias dos três níveis de governo venham a
51
encontrar para sua articulação com os segmentos da sociedade civil no processo de
planejamento. Esses programas têm um elevado conteúdo redistributivo e passam a ter
especial oportunidade no atual contexto sócioeconômico do País, quando se procura
atenuar o elevado grau de desigualdades sociais que estão atingindo uma situação
politicamente intolerável. Entretanto, programas de organização de arranjos produtivos locais, de desenvolvimento social, de combate à fome, etc. têm que levar em consideração que somente serão bem sucedidos, se se configurarem como programas de mobilização social e política das comunidades locais, onde se busca uma relação de parcerias Estado-Sociedade, porém com ampla autonomia institucional dos grupos comunitários e empresariais.
Esta mobilização social e política das comunidades é um caminho para se organizarem para
um processo de negociação junto às instituições nacionais e internacionais, visando a atrair
os seus instrumentos e mecanismos operacionais, além de seus capitais intangíveis
(humano, institucional, social, etc.), uma vez que estas comunidades não dispõem dos
recursos em quantidade e qualidade indispensáveis para a promoção de seu
desenvolvimento.
Embora o processo participativo se baseie em alguns princípios e doutrinas fundamentais, a sua prática é multifacetada e os modelos operacionais adotados variam de acordo com as circunstâncias históricas de cada país, região ou localidade. Além do mais, a democracia participativa, mesmo sendo um grande avanço na legitimação do processo de tomada de decisão do setor público, não pode nem deve ser considerada substituta da democracia representativa que precisa ser fortalecida e instrumentalizada. Em última instância, é na própria democracia representativa que os segmentos não organizados da sociedade civil encontram espaço de interlocução e de expressão15.
IV. OS REBATIMENTOS ESPACIAIS DAS MEGA-TENDÊNCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O PNRH
13. É curioso observar que a escassez crescente de alguns recursos naturais (água,
madeira, biodiversidade) ainda não têm se manifestado de maneira expressiva por seus
preços de mercado nas áreas mais desenvolvidas do País, o que tem reduzido os impactos
e estímulos indispensáveis para a sua conservação, recuperação ou preservação por parte
dos agentes econômicos (produtores e consumidores) situados nestas áreas. Uma 15 MMA/CDS – Agenda 21 Brasileira, Brasília, 2002.
52
explicação plausível para esta situação está relacionada às possibilidades de que as regiões
Sul e Sudeste possam se abastecer, a baixo custo, de recursos ambientais de outras
regiões do País, regularizando a sua oferta por meio de importações inter-regionais, toda
vez que ocorrer expansão da demanda local.
Como tende a crescer significativamente este processo de postergar políticas ambientais
que possam impor o uso racional dos recursos naturais nas áreas mais desenvolvidas - as
que mais avançaram na destruição de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis
(Mata Atlântica, Bacias Hidrográficas, etc.) -, e, tendo em vista a possibilidade de
importações inter-regionais de produtos com alta intensidade destes recursos, já estão
identificados sentimentos regionalistas nas áreas exportadoras (particularmente no Norte
e no Centro-Oeste), sendo este um dos desafios para a construção de uma economia de
solidariedade regional.
As estratégias de desenvolvimento sustentável devem estar atentas a possíveis movimentos
regionalistas por força de tensões sociais e políticas provocadas, fundamentalmente, pela
difusão desigual da dinâmica do crescimento econômico no espaço nacional. Esses
movimentos regionalistas podem se manifestar em diferentes situações, quando ocorre:
uma perversa transferência inter-regional de excedentes produtivos; uma persistente
deterioração nos termos de intercâmbio inter-regional; relações de dependência entre
regiões.
Neste último caso, as instituições públicas e as privadas das áreas mais desenvolvidas de
um país pretendem, pela manipulação de sua força de decisão pelo poder político central,
definir a forma, a intensidade e a cronologia do uso dos recursos naturais e dos recursos
energéticos das áreas menos desenvolvidas, particularmente daquelas localizadas na
fronteira externa da economia nacional, desconhecendo os interesses dos grupos sociais
locais quanto ao seu próprio desenvolvimento.
Um País com dimensões geográficas e heterogeneidade sociocultural tem, como um dos
principais objetivos de desenvolvimento, a preservação da sua unidade nacional. Assim,
devem se formular e implementar estratégias político-institucionais para o controle dos
conflitos regionais, pela promoção do desenvolvimento sustentável das áreas periféricas do
País e, particularmente, da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes por meio de
ações programadas, deixando de considerar estas regiões tão-somente como “grandes
almoxarifados de recursos naturais e recursos energéticos” à disposição dos eixos mais
desenvolvidos.
53
Nesse sentido, torna-se indispensável, também, promover a reestruturação produtiva das
localidades e microrregiões dos eixos mais desenvolvidos do País, onde o processo de
crescimento econômico vem promovendo uma ampla devastação da sua base de recursos
naturais, assim como da base de recursos naturais das demais áreas onde se abastecem
direta ou indiretamente destes recursos.
14. Para os objetivos específicos da formação de diretrizes e metas do PNRH, é
indispensável que se estabeleça uma análise das implicações espaciais das mega-tendências da economia brasileira no período 2005-2020, com destaque para a
demanda de recursos naturais. Sabe-se que esta demanda dependerá, entre outros fatores,
do padrão locacional das atividades que poderá ser dominado por forças dispersivas
(distribuição espacial de insumos transferíveis, competição por insumos locais escassos,
etc.) ou por forças de coesão aglomerativas (distribuição espacial de mercados, economias
de urbanização, economias internas de escala, etc.).
É preciso identificar as forças que deverão atuar na distribuição espacial das atividades econômicas no novo ciclo de expansão do País, assim como seus impactos sobre os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, ao longo do período 2005-2025.
A distribuição espacial das atividades econômicas, nos dois ciclos de expansão da
economia brasileira no pós-Guerra, permite definir uma periodização que mostra três
diferentes momentos. O período de concentração econômica espacial, que ocorre de 1950 a
1975. O período de desconcentração econômica espacial, que vai da segunda metade dos
anos 70 até a primeira metade dos anos 80 (1976-1986). E, finalmente, o período que vai de
1986 até o início do século XXI, de relativo equilíbrio na participação das economias
regionais no Produto Interno Bruto, indicando o esgotamento ou a desaceleração do
processo de desconcentração. Portanto, o Brasil está, atualmente, num ponto da Curva de
Williamson em que o processo de desconcentração espacial do crescimento econômico
nacional, iniciado nos anos 70, tende a se estabilizar (ver Figura 3).
54
FIGURA 3
Curva de Williamsom
C
A
Y/P (renda per capita)
VW (índice de Williamson)
I II III
0
Ausência de centrosou pólos de
desenvolvimento
Polarização decorrente dadisponibilidade de infra-estrutura econômica, daseconomias de escala, deaglomeração e deurbanização, etc.
Reversão da polarização decorrente dedeseconomias de aglomeração, melhoria
da infra-estrutura do País, incentivosfiscais e promoção industrial, etc.
Novos ciclos de expansão
B
I. Baixo nível de crescimento econômico A - nem concentração nem despolarizaçãoII. Elevado nível de crescimento econômico B - reconcentração espacialIII. Reversão da polarização C - acentuada despolarização
1,0
A Curva de Williamson identifica o grau de disparidades regionais de desenvolvimento pelo índice de Vw, um coeficiente estatístico de variação que mede as diferenças do PIB per capita de cada Estado em relação ao PIB per capita do País, ponderadas pelas respectivas participações relativas no total da população brasileira. O seu valor varia de 0,0 (perfeita igualdade regional) a 1,0 (perfeita desigualdade interregional). A dimensão histórica de cada fase da curva varia de país para país e de região para região. No caso brasileiro, a reflexão mais importante em torno da configuração desta curva (que se assemelha à curva de Kuznets para medir a evolução das desigualdades sociais na distribuição de renda) está na análise prospectiva sobre a sua tendência nos novos ciclos de expansão16.
Os fatores determinantes da reversão da polarização no Brasil foram:
• aumento progressivo dos custos de concentração, associados às deseconomias de
aglomeração, especialmente na Área Metropolitana de São Paulo; houve elevação dos
preços relativos das terras, dos aluguéis e dos salários; crescimento dos custos de
congestionamento e de infra-estrutura, além da crescente pressão sindical e da
legislação ambiental mais rigorosa;
• avanço da infra-estrutura econômica e social em direção a outros Estados e Regiões,
principalmente por causa dos maciços investimentos em infra-estrutura de transporte
interregional;
• políticas públicas e incentivos fiscais regionais; nesse caso, destaca-se a grande
importância do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para a desconcentração
16 Adaptado a partir do artigo de J. Williamsom, Economic Development and Cultural Change, Vol. 13, - , 3-84.
55
das atividades produtivas, na medida em que as demais regiões, com exceção do
SUDESTE, passaram a ser o principal destino da maior parte dos novos investimentos,
inclusive dos investimentos diretos realizados pelas empresas estatais federais;
• ampliação das fronteiras agrícola e mineral, beneficiada pelas condições de
acessibilidade às áreas de grandes potencialidades de recursos naturais das
Macrorregiões CENTRO-OESTE e NORTE17;
• unificação do mercado, que veio ampliar o movimento da concorrência interempresarial
para a ocupação do mercado nacional; entre outros.
Os novos ciclos de expansão da economia brasileira levarão o País, ao longo do século XXI, para um definitivo processo de reversão da polarização (segmento C da Curva de Williamson) ou tendem a reforçar a reconcentração dos frutos do crescimento (segmento B)?
É de se esperar que os novos ciclos de expansão da economia brasileira, durante o século
XXI, sejam intensivos em ciência e tecnologia na geração de diferentes produtos, processos
e técnicas de gestão que irão compor a formação do Produto Nacional de uma economia
cada vez mais exposta à competição externa. Estudos comparativos internacionais sobre os
novos padrões de localização dos projetos de investimentos, semelhantes aos que irão dar
sustentação a estes ciclos de expansão, identificam que as vantagens relativas das regiões
para atraí-los dependerão, relativamente, cada vez menos da disponibilidade de recursos
naturais ou de mão-de-obra não qualificada em abundância (fatores locacionais tradicionais)
e cada vez mais da existência, na região, de trabalhadores qualificados em permanente
processo de renovação de conhecimentos, centros de pesquisa, recursos humanos
especializados, ambiente cultural, etc. (fatores locacionais especializados ou não-
tradicionais). Dada a atual geografia de distribuição espacial destes fatores não-tradicionais
entre as regiões brasileiras, há fortes sinalizações de que, no novo ciclo de expansão,
17 Há muitas ações que uma região pode implementar para tornar-se mais competitiva na atração de atividades econômicas. Mas existem diversas características da natureza e da sua posição dentro da nação que são inalteráveis, de tal forma que uma avaliação realista das vantagens e desvantagens relativas de uma região, em termos de potencial de crescimento, pode-se iniciar com a indicação do seu grau de “acesso” a insumos e mercados. Quando se utiliza o termo “acesso” no sentido de representar a soma das vantagens e desvantagens relativas para a produção de determinada mercadoria em algum local, tem-se em mente não apenas os obstáculos (custos) impostos à região pela distância, para reunir insumos e distribuir a produção; a questão dos custos relativos é crítica; uma oportunidade favorável em algum local pode não ser explorada devido à existência de uma melhor oportunidade em outro local. Portanto, a incorporação das noções de custos de oportunidade e de concorrência são importantes para a melhor compreensão do conceito de “acesso” (ver Dodds, V. and Perloff, H. How a Region Grows, CED).
56
poderá ocorrer uma reconcentração espacial dos seus benefícios no Sul e no Sudeste do
País.
Como os fatores locacionais especializados são do tipo man-made, podendo ser
reproduzidos em quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de
planejamento do desenvolvimento, amplia-se o grau de liberdade que dispomos para
realizar políticas interregionais de natureza compensatória, aumentando o poder de atração
de novos investimentos nas áreas menos desenvolvidas do País, ao longo dos novos ciclos
de expansão econômica. Uma possibilidade concreta, para evitar um eventual processo de
reconcentração espacial dos frutos dos novos ciclos de expansão da economia brasileira no
século XXI, será a implementação dos programas e projetos estruturantes dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento no NORTE, NORDESTE e CENTRO-OESTE,
articulados com os arranjos produtivos locais nas suas áreas de influência. Para cada um
destes Eixos está definido um portfólio de investimentos de infra-estrutura econômica e
social, onde indubitavelmente se destacam aqueles vinculados com a sua logística de
transporte. É importante para atrair as empresas para as áreas menos desenvolvidas do
País que nelas se encontrem: uma massa crítica de fornecedores locais de componentes e
de serviços terciários e quaternários que contribuam significativamente para a melhoria dos
produtos e da eficiência dos processos de produção. É fundamental que as empresas
localizadas nestas áreas possam receber fluxos atualizados de informações especializadas
sobre tecnologia e características dos clientes, bem como se inter-relacionarem com outros
participantes do desenvolvimento local.
15. A preocupação com a posição relativa das áreas menos desenvolvidas ou
economicamente deprimidas, no cenário macrorregional do País, se deve aos padrões locacionais concentradores nos novos ciclos de expansão da economia brasileira18:
• dada a recalcitrante crise de endividamento externo do Brasil, a promoção de
exportações de manufaturados torna-se um instrumento de política econômica de alta
prioridade; para garantir a competitividade dessas exportações, será necessário reforçar
seus processos produtivos em termos de atividades intensivas de ciência e tecnologia
(microeletrônica, computação eletrônica, etc.), as quais serão atraídas por economias de
regionalização junto aos seus clientes potenciais nas áreas mais industrializadas do
18 Diniz, C. C. Competitividade Industrial e Desenvolvimento Regional no Brasil. MCT/FINEP/PADCT, Campinas 1993. Haddad, P. R. “Os Novos Pólos Regionais de Desenvolvimento no Brasil” in Estabilidade e Crescimento: Os Desafios do Real. Fórum Nacional, José Olympio Editora, 1994. Os artigos de Azzoni, C. R.; Baer, W., Haddad, E. e Hewings, G.; e Diniz, C. C. no livro organizado por Anita Kon: Unidade e Fragmentação – A Questão Regional no Brasil, Ed. Perspectiva, 2002.
57
País, onde é gerada a parcela maior das exportações de industrializados; o papel das
áreas menos desenvolvidas tende a se restringir às exportações de produtos com menor
densidade econômica ou menor valor agregado, uma vez que as economias destas
áreas se baseiam em vantagens comparativas e não em vantagens competitivas;
• tendo em vista a grave crise fiscal e financeira do poder público brasileiro, dificilmente
poderá ocorrer um indispensável e significativo apoio de políticas governamentais às
áreas periféricas, em termos de investimentos de infra-estrutura econômica e social e de
incentivos adicionais, visando a inverter tendências espacialmente concentracionistas
dos padrões locacionais, como ocorreu nos anos 70 e início dos anos 80, com maior
crescimento das áreas menos desenvolvidas do País;
• muitas das novas atividades de alta tecnologia (química fina e novos materiais, por
exemplo), por terem características de produção conjunta (com a indústria farmacêutica
e a metalurgia), são atraídas para onde o grosso do parque industrial já se concentra
espacialmente;
• embora tenham características históricas e estruturais diferentes, as regiões de países
emergentes como o Brasil não podem deixar de observar que ali a geografia das
indústrias e setores de alta tecnologia tem demonstrado uma concentração persistente
em algumas poucas áreas, com pequena intensidade de dispersão;
• até mesmo em atividades de alta tecnologia, nas quais predominam empresas de
pequeno e médio portes, estas procuram localizar-se no campo aglomerativo das áreas
mais desenvolvidas, uma vez que os diferenciais de custos de produção que aí podem
ser obtidos são cruciais para a sua sobrevivência organizacional;
• entretanto, como os fatores locacionais especializados podem ser reproduzidos em
quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de planejamento,
amplia-se o grau que dispomos para realizar políticas interregionais de natureza
compensatória, aumentando o poder de atração de novos investimentos nas áreas mais
pobres do País, ao longo dos novos ciclos de expansão econômica.
Não se pode, contudo, subestimar as possibilidades de que áreas importantes do Centro-
Oeste, do Norte e o próprio Nordeste (Oeste da Bahia, Sul do Maranhão, Sudoeste do Piauí,
Sul do Pará, etc.) possam crescer economicamente em ritmo acelerado para atender à
demanda mundial em expansão de produtos intensivos de recursos naturais (grãos, metais,
58
etc.) com menor ou maior grau de beneficiamento. Desde que o Brasil abriu de forma
expressiva a sua economia, há uma grande chance (dependendo dos fundamentos
econômicos domésticos) de que possa se beneficiar dos ciclos longos de expansão da
economia mundial, como ocorre atualmente, alavancados pelas economias dos EE.UU. e da
China. É evidente que a mobilização destas potencialidades de crescimento regional
dependerá, decisivamente, da eliminação de pontos de estrangulamento na sua infra-
estrutura de transporte e de pesquisas tecnológicas.
Finalmente, é preciso destacar como os cada vez mais elevados preços de energia poderão afetar os padrões de localização das atividades econômicas. Em geral, pode-
se afirmar que as conseqüências espaciais dos preços mais elevados da energia
dependerão da natureza de respostas na produção e no tipo de mudanças na estrutura de
custos de transporte que vierem a ocorrer. A orientação da indústria em direção a insumos
específicos ou ao mercado, por exemplo, poderá ser influenciada por estes determinantes
locacionais. Certamente, um dos canais, através dos quais os preços de energia poderão
afetar as decisões locacionais, será através da estrutura intermodal dos custos de
transferência de insumos e de produtos.
Em resumo: como decorrência de políticas públicas de desenvolvimento regional (investimentos de infra-estrutura econômica e social, incentivos fiscais, financiamentos facilitados, investimentos das empresas estatais, etc.), houve um processo de recuperação das economias periféricas a partir de 1975, quando passaram a crescer em ritmo mais acelerado do que o conjunto do País. Entretanto, apesar dos avanços registrados, é inequívoca a persistência ainda de desequilíbrios regionais de desenvolvimento econômico e social no Brasil. Particularmente, a estagnação do PIB per capita a preços constantes do NORDESTE nos últimos anos pode ser constatada: no período de 1970 a 1992 a sua taxa anual de crescimento foi 3,25%, enquanto no período de 1986 a 1998 foi de apenas 0,33%.
16. Para focalizar, adequadamente, os rebatimentos espaciais de desenvolvimento de um novo ciclo de expansão econômica, é preciso mapear as áreas (municípios e regiões) do País com maior potencial de desenvolvimento. Trata-se de uma questão
analítica de grande complexidade conceitual e operacional. É possível, contudo, dispor de
uma visão macroscópica do potencial de desenvolvimento dos municípios brasileiros (e de
sua agregação espacial) a partir de um Relatório Especial elaborado para delimitar as áreas
59
deprimidas do Brasil19. O Relatório se divide em dois momentos: no primeiro, procura-se
identificar os municípios que podem ser considerados como economicamente deprimidos;
no segundo, busca-se selecionar, entre estes municípios, aqueles que têm maior
capacidade endógena de superação de seu estado de depressão.
Usualmente, áreas economicamente deprimidas se caracterizam por apresentarem:
• Infra-estrutura básica em precárias condições de uso;
• Baixas taxas de crescimento econômico;
• Insuficiência de absorção de mão-de-obra (elevadas taxas de desemprego aberto, de
subemprego ou de desemprego disfarçado);
• Elevados índices de pobreza e de carências de serviços sociais;
• Fortes desequilíbrios socioeconômicos e intra-regionais (entre zonas urbanas e zonas
rurais), etc20.
Por outro lado, o processo de desenvolvimento de uma região ou de um município, que lhe
permite superar os seus problemas sociais e mobilizar suas potencialidades econômicas,
depende de sua capacidade endógena de organização social e política para modelar o
seu próprio futuro, que se associa ao aumento da autonomia regional ou local para a
tomada de decisões, ao aumento da capacidade para reter e reinvestir o excedente
econômico gerado pelo seu processo de crescimento, a um crescente processo de inclusão
social, a um processo permanente de conservação e preservação do ecossistema regional
ou local.
Toda tentativa de mensurar o grau de endogenia de determinado município, visando a avaliar sua capacidade de mobilização social e política para conceber e implementar uma agenda de mudanças, esbarra em três grandes obstáculos: 1) dada a importância dos capitais intangíveis no processo de desenvolvimento endógeno, ainda é muito difícil obter indicadores quantitativos que possam caracterizá-los a nível local; 2) mesmo para aqueles indicadores passíveis de quantificação, há problemas de
19 “Relatório Especial sobre as Áreas Deprimidas”, Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, MINIPLAN, Brasília, 2003). 20 Kon, A. (org.) Unidade e Fragmentação, Ed. Perspectiva, 2002. Schwartzman, S. Pobreza, Exclusão Social e Modernidade: Uma Introdução ao Mundo Contemporâneo, Augurium Editora, 2004.
60
disponibilidade de informações atualizadas para todos os municípios brasileiros; 3) não há experiência internacional consolidada que possa nortear a mensuração de indicadores do grau de endogenia local. Mesmo considerando estas restrições conceituais e práticas, apresentaremos a seguir uma experiência de classificar os municípios brasileiros segundo o seu grau de depressão econômica e de endogenia.
O primeiro passo consistiu na seleção das variáveis mais significativas para ilustrar as
dimensões escolhidas e na elaboração de indicadores-síntese. Os indicadores procuram
destacar a posição relativa de cada um dos 5507 municípios em relação à média brasileira,
em todas as dimensões. A relação e a análise das possíveis combinações entre indicadores
permitiram identificar algumas tipologias de municípios e, sucessivamente, a construção de
arquétipos, além da elaboração de um indicador-síntese do grau de depressão que permita
uma hierarquização dos municípios. Os resultados devem ser considerados tão somente como uma aproximação de um problema extremamente complexo e serem utilizados em políticas públicas apenas como uma referência preliminar para se mensurar o grau de depressão e a capacidade endógena dos municípios. Muitos dos indicadores
ficaram disponíveis a nível dos municípios brasileiros a partir do Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD/IPEA/FJP) e do Atlas de Exclusão Social no Brasil (Fundação SEADE), assim como a partir do Projeto de Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (MINIPLAN), e das estatísticas municipais da FIBGE.
Um exame cuidadoso do conjunto de indicadores, elaborados para caracterizar os
municípios brasileiros, permite identificar sua heterogeneidade quanto às dimensões
econômicas, sociais e político-institucionais, assim como processar a busca de arquétipos
que possam nos dar uma visão de conjunto do que poderíamos denominar de “municípios
economicamente deprimidos”. É evidente que esta taxonomia irá se referir apenas à
realidade estatística observada nos anos 90; mas como estes indicadores são de natureza
estrutural, é bem provável que esta realidade detectada no estudo seja razoavelmente
representativa ainda neste início do século XXI.
Em primeiro lugar, os 5507 municípios brasileiros (situação de 2000) foram classificados em
quatro Quadrantes (ver Figura 4), onde, no eixo das abcissas, está uma medida do ritmo de
crescimento econômico do município, dado pelo nível relativo da expansão da sua renda per
capita de 1991 a 2000, e, no eixo das ordenadas, o seu grau de desenvolvimento, medido
simplificadamente pelo nível relativo da sua renda per capita em 2000. A origem dos eixos
(o ponto 100) equivale às médias nacionais das variáveis em questão: 30,2% para o ritmo
61
de crescimento e R$ 297,85 para a renda per capita. Pela análise do cruzamento destas
duas variáveis, verifica-se que:
• Municípios desenvolvidos em expansão (quadrante 1): são aqueles que se
encontram com o nível de desenvolvimento e o ritmo de crescimento local
simultaneamente acima da média nacional, por exemplo: municípios das regiões mais
desenvolvidas onde tem ocorrido (sempre na década de 90) um relativo progresso
científico e tecnológico em diferentes setores da sua base produtiva.
• Municípios desenvolvidos em declínio (quadrante 2): são aqueles que se encontram
com o nível de desenvolvimento acima da média nacional, porém seu ritmo de
crescimento está em declínio, abaixo portanto da média do País; por exemplo:
municípios das regiões mais desenvolvidas em processo de decadência econômica, tais
como algumas áreas de plantio tradicional do café ou áreas que não reestruturaram suas
indústrias no período pós-abertura na economia brasileira.
• Municípios em desenvolvimento (quadrante 3): são aqueles com ritmo de
crescimento em expansão, porém com nível de desenvolvimento abaixo da média
nacional; por exemplo: novas áreas da fronteira agrícola de grãos no Mato Grosso.
• Municípios economicamente deprimidos (quadrante 4): são aqueles com nível de
desenvolvimento e ritmo de crescimento ambos abaixo da média nacional, por exemplo:
áreas onde o subdesenvolvimento é crônico e não apresentam reações positivas de
crescimento ao longo dos diferentes ciclos curtos e longos de expansão da economia
brasileira.
Uma concentração maior dos municípios no Quadrante 3 poderia expressar um fato muito
relevante para o País, ou seja, os municípios com renda per capita abaixo da média
nacional conseguiram um ritmo de crescimento superior à média nacional ao longo dos anos
90. Entretanto, nestes anos, houve uma forte expansão das transferências de renda da
Previdência Social como decorrência das decisões redistributivas tomadas na Constituição
de 1988. Assim, o crescimento da renda per capita pode ter ocorrido, muitas vezes, como
decorrência de políticas sociais compensatórias e não de expansão econômica sustentada.
62
FIGURA 4 Municípios Classificados Segundo o Nível de Desenvolvimento e o Ritmo de
Crescimento
Nível deDesenvolvimento
(Y1/p)i / (Y/p)
Ritmo deCrescimento(ri/r)
1
3
2Regiões Desenvolvidasem expansão
Regiões Desenvolvidasem declínio
Regiões emDesenvolvimento
4Áreas
Deprimidas
100-25
+25
-25
-50 +25
-50
Baixo Potencial deDesenvolvimento
Ex.: regiões dosemi-árido
Cristalino
Médio Potencial deDesenvolvimento
Ex.: recursos naturaisabundantes
Vale do Ribeira
Alto Potencial deDesenvolvimento
Ex.: cluster potencial
Vale do Mucuri
Nível deDesenvolvimento
(Y1/p)i / (Y/p)
Ritmo deCrescimento(ri/r)
1
3
2Regiões Desenvolvidasem expansão
Regiões Desenvolvidasem declínio
Regiões emDesenvolvimento
4Áreas
Deprimidas
4Áreas
Deprimidas
100-25
+25
-25
-50 +25
-50
Baixo Potencial deDesenvolvimento
Ex.: regiões dosemi-árido
Cristalino
Baixo Potencial deDesenvolvimento
Ex.: regiões dosemi-árido
Cristalino
Médio Potencial deDesenvolvimento
Ex.: recursos naturaisabundantes
Vale do Ribeira
Médio Potencial deDesenvolvimento
Ex.: recursos naturaisabundantes
Vale do Ribeira
Médio Potencial deDesenvolvimento
Ex.: recursos naturaisabundantes
Vale do Ribeira
Alto Potencial deDesenvolvimento
Ex.: cluster potencial
Vale do Mucuri
Alto Potencial deDesenvolvimento
Ex.: cluster potencial
Vale do Mucuri
Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.
É possível vislumbrar mais de perto o Quadrante 4, onde podem-se constatar as curvas que
medem as distâncias geométricas dos valores municipais em relação à média nacional (25%
menores e 50% menores), e se há muitos valores extremamente afastados dos valores
médios nacionais. É possível também calcular, se a renda per capita brasileira ficar
estacionada, quantos anos seriam necessários para cada município do Quadrante 4 atingir
esta média, se ele continuasse a crescer no mesmo ritmo observado nos anos 90 (exceto
quando este valor fosse negativo): há muitos casos em que não se conseguirá atingir a
média brasileira nem mesmo durante um século.
Os municípios do Quadrante 4 foram classificados segundo o Índice de Potencial de
Desenvolvimento (IPDM), calculado originalmente para o Projeto de Atualização dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Este índice foi construído para avaliar o
potencial de desenvolvimento dos municípios brasileiros como um dos componentes que
63
permitem delimitar as áreas economicamente deprimidas do País. A metodologia utilizada
foi formada por três passos: aplicação da análise fatorial, construção de um fator ponderado
e aplicação de análise espacial. Em torno do potencial normalizado, construiu-se um índice
onde os municípios são hierarquizados desde os que estão abaixo da média = 100 ( um
número expressivo no NE) e os que estão acima da média (o número mais expressivo no
SUL e SUDESTE). Para detectar o potencial de desenvolvimento dos municípios foram
utilizados dados de 21 variáveis, observadas para cada um dos 5507 municípios brasileiros.
As variáveis foram agrupadas em conjuntos menores como, por exemplo, variáveis
inerentes aos setores industrial, comercial e a condicionantes urbanos; variáveis
relacionadas às condições de vida; variáveis relacionadas com o setor agrícola, com o
intuito de melhor caracterizar os fatores.
Para se avaliar o grau de capacidade endógena dos municípios foram utilizadas três
variáveis:
1. IDHM – Longevidade - Um dos componentes do IDHM com peso de 1/3 em sua
formação. A longevidade da população de um município é medida pela esperança de vida
ao nascer, ou seja, o número de anos que as crianças recém-nascidas viveriam desde que
submetidas aos riscos da mortalidade prevalecentes na população na época de seu
nascimento; reflete as condições gerais de saneamento, saúde pública, nutrição, etc. de
determinado grupo social.
2. IDHM – Educação - Um dos componentes do IDHM com peso de 1/3 em sua
formação. Mede o grau de educação (informação e conhecimento) da população do
município através da média de duas variáveis: a taxa de alfabetização de adultos e a taxa
combinada de matrículas nos três níveis de ensino. Segundo estudo da FJP: “A migração
temporária, motivada pela busca de serviços educacionais eventualmente concentrados em
alguns poucos municípios (principalmente no caso da educação superior), faz com que a
matrícula em um dado município possa ser muito pouco indicativa das possibilidades da
população local em obter atendimento educacional e, portanto, do grau presente e futuro da
escolaridade da população. Assim, no IDHM é utilizada a freqüência à escola em vez da
matrícula”.
3. IQIM – Índice de Qualidade Institucional dos Municípios - No Projeto de
Atualização dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, foi concebido e
calculado o Índice de Qualidade Institucional dos Municípios Brasileiros (IQIM), a partir de
três conjuntos de sub-indicadores, com peso igual, identificados como: grau de participação
64
(existência de conselhos, conselhos instalados, conselhos paritários, conselhos
deliberativos, conselhos que administram Fundos), capacidade financeira (existência de
consórcios, receita corrente x dívida, poupança real per capita) e capacidade gerencial
(IPTU ano da planta, IPTU adimplência, instrumentos de gestão, instrumentos de
planejamento). Os 5507 municípios foram classificados em oito classes de acordo com o
valor do IQIM; este valor varia de 1,00 a 6,00, e quanto maior o IQIM melhor a situação da
qualidade político-institucional do município. Ou seja, quanto maior o grau de participação
comunitária na gestão do município, quanto maior a capacidade financeira do município e
quanto maior a capacidade gerencial do município, maior será o valor do IQIM.
A Tabela 4 relaciona as 8 combinações possíveis entre os indicadores econômicos,
conforme a posição do município entre acima (A) ou abaixo (B) da média brasileira. Na
última coluna, o número de municípios que se enquadram em cada uma dessas
combinações.
TABELA 4 POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES ECONÔMICOS
Tipo Nível de Desenvolvimento
Ritmo de Desenvolvimento
Potencial de Desenvolvimento
Número de Municípios
BBB Baixo Baixo Baixo 944 BBA Baixo Baixo Alto 690 ABB Alto Baixo Baixo 1 BAB Baixo Alto Baixo 1.681 BAA Baixo Alto Alto 1.652 ABA Alto Baixo Alto 156 AAB Alto Alto Baixo - AAA Alto Alto Alto 383 Total 5.507 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.
Analisando cada uma dessas combinações, foi possível caracterizar os conjuntos de
municípios tipificados:
BBB – municípios claramente deprimidos do ponto de vista econômico;
BBA e BAA – municípios com potencial próprio para alcançar níveis de
desenvolvimento mais elevados, sendo que o que os diferencia é o fato de terem ou
não crescido acima da média na última década; distribuem-se por todo o Território
Nacional, incluem áreas de expansão econômica, quatro Capitais e 231 municípios
de Regiões Metropolitanas;
65
ABB e AAB – situações anômalas (renda alta com potencial baixo), onde não
encontram-se municípios; a única incidência refere-se a um pequeno município ao
Norte do Mato Grosso (Feliz Natal, 6.769 habitantes em 2000) que apresenta
potencial equivalente a 97% da média brasileira;
BAB – municípios que, apesar de terem crescido acima da média brasileira na última
década, ainda não alcançaram um patamar favorável e, apresentando baixo
potencial, não há indicação de que eles sejam capazes de alcançar essa condição21;
ABA – municípios economicamente consolidados, mas que apresentaram um ritmo
de crescimento abaixo da média na última década, seja por enfrentarem alguma
situação conjuntural, seja por já terem atingido patamares muito elevados de renda;
a maior incidência é de municípios do sul/sudeste, além de sete Capitais;
AAA – municípios claramente não deprimidos do ponto de vista econômico.
Assim, a partir dessa análise, concluiu-se por considerar municípios economicamente
deprimidos o conjunto composto por 2.625 municípios, que foram classificados como BBB
ou BAB e serão melhor caracterizados nas dimensões social e político-institucional, as quais
permitirão a construção de arquétipos.
A mesma lógica foi utilizada para a construção da Tabela 5, que relaciona as 8 combinações
possíveis entre os indicadores sócio-institucionais, conforme a posição do município entre
acima (A) ou abaixo (B) da média brasileira. Na última coluna, está o número de municípios
que se enquadram em cada uma dessas combinações mas, agora, apenas dentre os
municípios já considerados deprimidos (tipos BBB e BAB, na tipologia econômica).
21 Para corroborar essa afirmação, é importante ressaltar que o crescimento da renda per capita brasileira no período 1991-2000 foi da ordem de 30% (menos de 3% a.a.), considerado bastante baixo. Também é importante lembrar que, no mesmo período, foi incorporada expressiva parcela da população à aposentadoria rural que, em muitos casos, passou a constituir uma parte substancial da renda de alguns municípios, sem que isso seja resultado de crescimento econômico, mas puramente de transferência de renda. De 1991 a 2000, enquanto o PIB per capita do Brasil cresceu a uma taxa anual de 1,39% e a renda per capita brasileira cresceu a 2,88% ao ano, o crescimento das transferências per capita foi de 6,9% ao ano.
66
TABELA 5 POSSÍVEIS COMBINAÇÕES ENTRE OS INDICADORES SÓCIO-INSTITUCIONAIS
Tipo Longevidade Educação Qualidade Institucional
Número de Municípios
BBB Baixo Baixo Baixo 1.785 BBA Baixo Baixo Alto 542 ABB Alto Baixo Baixo 147 BAB Baixo Alto Baixo 17 BAA Baixo Alto Alto 18 ABA Alto Baixo Alto 110 AAB Alto Alto Baixo 3 AAA Alto Alto Alto 3 Total 2.625 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.
Conforme poderia se esperar, a maior concentração de municípios (68%) encontra-se na
combinação onde os três indicadores agora analisados ocupam posição inferior à média
brasileira (BBB), enquanto que a situação oposta, de três indicadores positivos (AAA), pode
ser considerada uma anomalia, categoria em que se enquadram apenas três municípios.
Estes indicadores sócio-institucionais permitirão, agregados aos indicadores econômicos e organizados de acordo com o número de indicadores positivos ou negativos, construir uma proposta de arquétipos de municípios deprimidos, conforme o seu potencial de endogenia.
Para efeito da formulação dos arquétipos para os municípios classificados como
economicamente deprimidos (ver Tabela 6), não se efetuou distinção entre os tipos BBB ou
BAB, o que pode representar uma grave distorção para casos específicos.
67
TABELA 6 ORGANIZAÇÃO DAS COMBINAÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DOS ARQUÉTIPOS
Tipo Número de Municípios
(Tipo)
Número de Municípios (Arquétipo)
Arquétipos
BBBBBB 690 BABBBB 1.095
1.785 Municípios economicamente deprimidos
com baixo potencial endógeno
BBBBBA 159 BBBBAB 9 BBBABB 53 BABBBA 383 BABBAB 8 BABABB 94
706 Municípios economicamente deprimidos com médio potencial endógeno
BBBAAB 2 BBBABA 25 BBBBAA 6 BABAAB 1 BABABA 85 BABBAA 12 BBBAAA - BABAAA 3
134 Municípios economicamente deprimidos com alto potencial endógeno
Total 2.625 2.625 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.
Assim, são considerados municípios economicamente deprimidos com baixo potencial
endógeno aqueles que também não apresentam nenhum indicador sócio-institucional acima
da média brasileira, com médio potencial endógeno os que apresentam ao menos um
indicador (longevidade, educação ou qualidade institucional) que lhes permita uma
vantagem comparativa na construção do desenvolvimento, e com alto potencial endógeno
os que apresentam dois ou três desses indicadores em condições favoráveis. A principal limitação desta classificação dos municípios brasileiros está, efetivamente em mensurar o grau de endogenia levando em consideração apenas indicadores de longevidade e de aspectos da educação e da qualidade institucional dos municípios.
O passo subseqüente constituiu-se na elaboração de um Indicador-síntese para avaliação
do grau de depressão dos municípios, no sentido mais abrangente dado a esta expressão.
Cabe ressaltar que a elaboração do Indicador-síntese do grau de depressão deve ser
encarado como uma informação complementar à apresentação de arquétipos de municípios
deprimidos. De maneira geral, o Indicador-síntese do grau de depressão oferece a
possibilidade de hierarquizar os municípios, enquanto os arquétipos permitem a elaboração
68
de políticas de desenvolvimento regionais focadas no tipo de problema relacionado. Para
tanto, inicialmente construiu-se um indicador para a dimensão econômica e outro para a
dimensão sócio-institucional. O indicador foi concebido como a distância geométrica entre a
posição do município (nível e potencial de desenvolvimento) e o vértice, que representa a
média do Brasil22. O indicador sócio-institucional foi calculado a partir de pesos de 1 a 10
para cada um dos três indicadores que o compõem; procedeu-se em seguida ao cálculo da
média simples entre as três notas obtidas para, então, voltar a adotar a base 100, desta vez
elegendo-se o município que obteve a melhor nota média como base. A construção do
Indicador-síntese se deu pela reutilização da fórmula que determina a distância geométrica
entre a posição do município (par de indicadores econômico e sócio-institucional) e o
vértice, que representa a média do Brasil, no primeiro caso, e o município melhor
classificado, no segundo.
A Tabela 7 sintetiza os resultados, em termos de número de municípios em cada arquétipo,
segundo três faixas do Indicador-síntese; na seqüência, os mapas onde podem ser
visualizados a espacialização dos arquétipos de municípios deprimidos e a do grau de
depressão em cada um dos arquétipos. O banco de dados com todos os indicadores, assim
como os aspectos técnicos envolvidos nos cálculos dos indicadores, estão disponíveis na
publicação “Relatório Especial – As Áreas Deprimidas nos Eixos de Integração e Desenvolvimento” (MINIPLAN, Brasília, 2003).
TABELA 7 INDICADOR SÍNTESE – POR ARQUÉTIPO E FAIXAS DE VALORES
Indicador Síntese Municípios
economicamente deprimidos com baixo
potencial endógeno
Municípios economicamente
deprimidos com médio potencial endógeno
Municípios economicamente
deprimidos com alto potencial endógeno
Menor que 30 1555 363 19 De 30 a 70 229 339 112 De 70 a 100 1 4 3 Mínimo (32,71) (14,11) 4,78 Máximo 72,17 83,28 81,51 Elaboração: Consórcio Monitor/Boucinhas e Campos.
22 Optou-se por desconsiderar, na construção desse indicador, o Ritmo de Desenvolvimento, uma vez que ele também foi superdimensionado na determinação dos municípios economicamente deprimidos, por causa do vertiginoso crescimento das transferências governamentais na expansão da renda per capita de 1991 a 2000.
69
Concluindo: A observação dos resultados finais nos permite destacar: 1) a questão regional brasileira, entendida como desequilíbrios e assimetrias espaciais e sociais, se concentra no Nordeste e em algumas áreas dos Estados do Pará e de Minas Gerais; 2) os indicadores desfavoráveis para muitas áreas da Amazônia se devem à forma de cálculo do Índice de Potencial de Desenvolvimento (potencial manifesto e não potencial latente); 3) é preciso destacar os problemas regionais de interesse nacional dos problemas regionais de interesse estadual (Vale do Ribeira para SP, Zona da Mata para MG, Metade Sul para RS, etc.) na formulação das políticas nacionais de desenvolvimento regional; 4) as políticas sociais compensatórias, ainda que indispensáveis e mesmo quando focadas nos municípios deprimidos, não têm capacidade de reverter minimamente as distâncias abissais que os separam dos municípios desenvolvidos em expansão do SUL e do SUDESTE; 5) do ponto de vista da demanda de infra-estrutura econômica, deve-se dar maior atenção às áreas economicamente não deprimidas e aos municípios economicamente deprimidos com alto potencial endógeno, onde o novo ciclo de expansão tem mais chances de se realizar.
72
V. RUMO A UM CAPITALISMO NATURAL?
17. Apesar dos grandes avanços que as políticas brasileiras de preservação e de
conservação dos recursos naturais têm atingido, ainda é inquietante a intensidade que vêm
sendo utilizados, de forma predatória e não sustentável, os diferentes ecossistemas do País.
Na próxima seção, serão mencionadas algumas das dificuldades para implementar
programas, projetos e ações regulatórias de desenvolvimento sustentável em um País que
passa por um longo e quase interminável processo de ajuste fiscal e financeiro, o qual
parece comprometer os instrumentos e os mecanismos deste processo de implementação.
Da mesma forma, em escala mundial, há uma inquietação quanto à capacidade de
resistência da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos
níveis de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes, que vêm sendo
incorporados aos diversos mercados de bens e serviços por força dos incessantes ganhos
de produtividade decorrentes da terceira revolução científica e tecnológica, da irreversível
entrada da China na lógica da economia capitalista, da melhoria da distribuição de renda em
muitos países emergentes, etc. Somam-se a tudo isto, os impactos destrutivos que as
mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais, os quais têm
colocado em dúvida a possibilidade de que haja tempo suficiente para que o processo de
implementação das experiências bem sucedidas de políticas, programas e projetos de
desenvolvimento sustentável possa contrarrestar os colapsos ou desastres ecológicos que
vêm crescendo em número e em intensidade.
Em função destas inquietações, tem surgido um grande número de propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional baseada numa concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre estas propostas, destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial na qual se processam mudanças radicais na produtividade dos recursos materiais e de energia, e na qual a emergência do capitalismo natural se torna inevitável23.
As ondas de inovação são uma questão fundamental para a prosperidade econômica. Para
que uma onda de inovação venha a ocorrer, é preciso que haja um conjunto significativo de
novas e emergentes tecnologias, e um reconhecimento genuíno de produtores e
23 Hawken, P., Lovins, A. and Lovins, L. H. Natural Capitalism – Creating the Next Industrial Revolution. Little, Brown and Company, Boston, 2000. Hargreaves, K. C. and Smith, M. H. The Natural Advantage of Nations. Earthscan, London, 2005. Diamond, J. Collapse – How Societies Choose to Fail or Succeed. Viking, 2005.
73
consumidores de que este conjunto leva a uma expansão do mercado. Neste sentido, é
preciso distinguir as inovações (um novo produto, um novo processo tecnológico, uma nova
forma de organização, um novo mercado) em incrementais e radicais ou reestruturantes24:
a) inovações incrementais — consistem nas melhorias sucessivas e graduais a que são
submetidos os produtos e processos; sustentam o incremento geral da produtividade dos
sistemas produtivos instalados e determinam a modificação gradual dos coeficientes
técnicos da matriz de insumo-produto, mas não transformam a sua estrutura;
b) inovações radicais ou reestruturantes — consistem na introdução de um produto ou de
um processo verdadeiramente novo; tendem a transformar as estruturas dos sistemas
produtivos instalados, através de alterações nos coeficientes técnicos e na própria matriz de
insumo-produto, pela agregação de novas linhas e colunas.
As inovações radicais ou reestruturantes definem, em geral, ondas de inovação (ver Gráfico
3). Os pensadores do capitalismo natural defendem a tese de que já possuímos inovações
tecnológicas e informação e conhecimento para lidar adequadamente com os problemas
ambientais, de maneira custo-efetivo e, em algumas áreas, de maneira muito lucrativa; e
que os ganhos de produtividade dos recursos (materiais e de energia) e as possibilidades de
diferenciação dos produtos para as empresas por meio de desenvolvimento sustentável
serão os fatores determinantes do novo ciclo de invovação.
24 Haddad, P. R. “Padrões Locacionais das Atividades de Alta Tecnologia: A Questão dos Desequilíbrios Regionais de Desenvolvimento Reexaminada” in Revista Econômica do Nordeste, vol. 21, No. 2. Pérez, C. “Las Nuevas Tecnologias: Una Visión de Conjunto” In Ominami, C. La Tercera Revolución Industrial, Grupo Editorial Latino – Americano, 1986.
74
GRÁFICO 3
Ondas de Inovação
Fonte: Hargreaves, K. C. and Smith, M.H.
18. O sistema de preços relativos de mercado tem, em geral, a capacidade de emitir
sinais para produtores e consumidores sobre a escassez relativa dos bens e serviços para o
consumo da sociedade no presente e, também, no futuro, assim como os custos de
oportunidade na produção de bens e serviços, ou seja, o valor real dos recursos utilizados
na alternativa mais desejada. Por meio de mecanismos de intervenção indireta (política
fiscal, regulamentações, etc.), o Poder Público poderá alterar os custos e os preços relativos
que se formam nos mercados e, assim, estimular ou desestimular a produção e o consumo
dos bens e serviços, de acordo com sua contribuição positiva ou negativa para o processo
de desenvolvimento sustentável. Uma das formas mais promissoras para esta intervenção do Poder Público está na incorporação da dimensão ambiental na avaliação de financiamentos oficiais e na concessão de incentivos fiscais no Brasil (Protocolo Verde).
75
A partir da estabilidade econômica brasileira, já se observa que o nível dos investimentos
caminha para um patamar superior a 20% do PIB, e que a poupança externa volta a ser
uma expressiva fonte de financiamento destes investimentos. A expectativa predominante é
a de que, após as reformas econômicas e institucionais, e sua consolidação no século XXI,
o Brasil possa retomar sua trajetória histórica de crescimento, o que poderá exigir uma taxa
de investimento próxima de 25% do PIB, dependendo dos ganhos de produtividade na
capacidade produtiva instalada. Considerando-se que grande parcela dos financiamentos
para estes investimentos virá dos organismos federais de crédito, signatários do Protocolo Verde, e dos organismos multilaterais de fomento (BIRD, BID, KFW, etc.), sempre atentos à
questão ambiental em suas linhas de empréstimos, deve-se aproveitar esta oportunidade
ímpar para influenciar, decisivamente, a incorporação da dimensão ambiental no processo de acumulação de capital do País.
Especificamente para o processo de desenvolvimento sustentável do PNRH, é
indispensável que o BNDES, o BNB, o BASA e o Banco do Brasil e a CEF incorporem a
dimensão ambiental nos seus financiamentos, empréstimos ou concessão de incentivos
fiscais para evitar, de um lado, que venham a ocorrer grandes danos ambientais provocados
por projetos de investimentos subsidiados com dinheiro público; e, do outro lado, que
deixem de incentivar os projetos mais apropriados do ponto de vista dos ecossistemas
regionais e locais. Há uma larga experiência internacional em se incorporar a dimensão
ambiental nos projetos de investimento com financiamento público ou privado, embora este
processo esteja envolto em dificuldades técnicas e controvérsias conceituais.
Num sistema de avaliação integrada (econômica, social e ambiental) de projetos de
investimento, modifica-se o perfil privado do fluxo de caixa do projeto para se analisarem os
seus efeitos sobre o conjunto da economia. Entre os ajustes a serem feitos, destaca-se a
incorporação das externalidades positivas e negativas. Nestes casos, recomenda-se que
somente se incluam, no fluxo de caixa do projeto, os valores de externalidades localizadas e
específicas, passíveis de quantificação em termos diretos (custos de oportunidade,
acréscimos de benefícios) sem ir atrás de valores obtidos em mercados hipotéticos ou
mercados de recorrência, passíveis de controvérsias conceituais, operacionais e jurídicas.
No caso em que as externalidades (principalmente, as ambientais) não tenham mercados
próprios, uma descrição qualitativa de suas características em relatório específico será
suficiente para orientar os analistas quanto ao mérito econômico e social de um projeto de
investimento. Esta postura técnica se justifica uma vez que, os custos e benefícios de
natureza ecológica, resultantes dos processos de produção e de consumo público ou
76
privado, usualmente não têm preços de mercado para que a eles se possam atribuir valores
monetários. Além do mais, é muito mais difícil delimitar os benefícios (o valor de existência e
o valor de opção) que surgem, para o meio-ambiente, de decisões econômicas por causa de
seu impacto difuso e de seus efeitos distributivos entre grupos sociais e entre gerações.
Lado a lado com a inclusão dos benefícios ou dos custos ecológicos no fluxo de caixa de um
projeto de investimento, deve-se, também, avaliá-lo quanto ao seu enquadramento na
legislação ambiental vigente; delimitar o seu nível de risco ambiental; e determinar as ações
consequentes (EIA, RIMA, SGA, etc.). Esta abordagem de regulamentação vem
funcionando adequadamente em alguns Estados e Municípios da Federação, onde os
órgãos oficiais de controle ambiental têm sido consultados previamente, por obrigação legal,
antes da aprovação de um financiamento favorecido ou subsídio a ser concedido a um
projeto de investimento por alguma agência.
A própria existência desta estrutura regulatória é muitas vezes suficiente, por si só, para que
o investidor faça ajustes prévios nas características do projeto (tecnologia, microlocalização,
etc.), antes de submetê-lo a um processo de financiamento ou de concessão de incentivo
fiscal.
Nos grandes projetos de investimento, como é o caso da maioria dos Eixos Nacionais de
Integração e Desenvolvimento do Avança Brasil, sugere-se que haja um processo de
articulação dos cronogramas físicos e financeiros dos seus diferentes componentes, para
evitar uma falta de sincronia entre as ações dos investimentos de infra-estrutura física e as
ações de proteção ambiental e social. As liberações financeiras para os investimentos de
infra-estrutura poderiam ficar condicionadas à implementação das ações de proteção
ambiental e social.
Estas mudanças incrementais no processo de concessão de incentivos fiscais e de financiamentos subsidiados poderão contribuir para alinhar a acumulação de capital no País nas práticas de desenvolvimento sustentável. Mas a proposta do capitalismo natural não é de natureza incremental mas de natureza reestruturante.
19. O capitalismo natural reconhece a interdependência crítica entre a produção com o
uso de capital feito pelo homem e a manutenção e a oferta de capital natural; admite que a
economia necessita de quatro tipos de capital para funcionar adequadamente;
• capital humano: na forma de trabalho e inteligência, cultura e organização;
77
• capital financeiro: consistindo de dinheiro, investimentos e instrumentos monetários;
• capital manufaturado: incluindo infra-estrutura, máquinas, ferramentas e fábricas;
• capital natural: constituído por recursos, sistemas vivos e serviços de ecossistemas.
O Quadro 4 mostra alguns dos princípios do capitalismo convencional e do capitalismo
natural. Um elemento central do capitalismo natural é a idéia de que a economia moderna
está passando de uma ênfase na produtividade humana para um aumento radical na
produtividade dos recursos naturais (uma tonelada de minério, um metro cúbico de água,
um hectare de terra fértil, etc.). Já há estudos mostrando ser possível quadruplicar a
produtividade dos recursos na medida em que compreendamos melhor o extraordinário
desperdício de materiais e de energia no atual sistema industrial. Segundo o capitalismo
natural, para corrigir as deficiências na operação das empresas, não basta atribuir valor ao
capital natural, pois: a) muitos dos serviços que recebemos dos sistemas vivos não têm
substitutos conhecidos a qualquer preço; b) a avaliação do capital natural é um exercício
difícil e quase sempre impreciso25; c) da mesma forma que a tecnologia não pode substituir
os sistemas que dão suporte à vida no Planeta, as máquinas também não têm condições de
prover um substituto para a inteligência humana, o conhecimento, a sabedoria, as
habilidades organizacionais e a cultura.
O capitalismo natural propõe, também, um novo modelo industrial, no qual nem todos os produtos sejam apenas manufaturados e vendidos, mas que surja uma economia de serviços em que os consumidores adquirem serviços de bens duráveis por meio de aluguel e arrendamento, de tal forma que a indústria se responsabiliza pelo ciclo completo de materiais; deve lidar com os resíduos e os problemas resultantes de danos ambientais, toxicidade, segurança, etc.; de recuperar os produtos e tratá-los como ativos; etc., o que termina por aumentar a produtividade dos materiais e da energia. Os provedores de serviços (de máquinas de lavar, de automóveis, de geladeiras, de televisores, de computadores, etc.) teriam um incentivo para manter seus ativos produtivos pelo maior tempo possível, em lugar de sucateá-los
25 O valor econômico total dos recursos ambientais (uma floresta tropical, uma bacia hidrográfica, etc.) será igual à soma do valor de uso direto (valor atribuído aos recursos pelos indivíduos e pelas organizações que usufruem dos insumos e dos produtos do meio ambiente), mais o valor de uso indireto (corresponde ao conceito de funções ecológicas, as quais podem ser melhor compreendidas pelo valor do dano causado ou pelo custo de reposição), mais o valor de opção (relacionado com o montante que os indivíduos e as organizações estariam dispostos a pagar para conservar os recursos ambientais para um uso futuro) mais o valor de existência (um componente importante em situações de incerteza quanto à extensão dos danos ou de ativos únicos).
78
prematuramente a fim de vender substitutos de reposição e disporiam de economias de escala para a reciclagem de materiais residuais.
QUADRO 4 Principais Características do Capitalismo Convencional e do Capitalismo Natural
CAPITALISMO CONVENCIONAL CAPITALISMO NATURAL
• o progresso econômico pode ocorrer melhor em
sistemas de produção e de distribuição de livre
mercado, onde lucros reinvestidos tornam o
trabalho e o capital crescentemente produtivos;
• a vantagem competitiva pode ser ganha quando
maiores e mais plantas industriais produzem um
número maior de produtos para venda em
mercados em expansão;
• o crescimento do PIB maximiza o bem-estar
humano;
• qualquer ocorrência de escassez de recursos
trará o desenvolvimento de substitutos;
• preocupações com o meio ambiente são
importantes, mas devem ser contrapostas às
necessidades de crescimento econômico, se um
alto padrão de vida deve ser mantido;
• a livre empresa e as forças de mercado alocarão
pessoas e recursos em seus maiores e melhores
usos.
• o meio ambiente não é um fator de produção
menos importante, mas é um envoltório contendo,
provisionando e sustentando toda a economia;
• o fator limitante do desenvolvimento econômico
futuro é a disponibilidade e a funcionalidade do
capital natural, em particular, os serviços de
suporte à vida que não têm substitutos e
presentemente não têm valor de mercado;
• sistemas empresariais mal concebidos ou mal
estruturados, crescimento demográfico e padrões
de consumo perdulários são as causas primárias
da perda do capital natural, e as três devem ser
abordadas em conjunto para se atingir o
desenvolvimento sustentável;
• o progresso econômico futuro pode se realizar
melhor em sistemas de produção e de distribuição
democráticos e baseados em mercados nos quais
todas as formas de capital são plenamente
avaliadas;
• um ponto crítico para beneficiar mais o emprego
de gente, dinheiro e o meio ambiente são
aumentos radicais na produtividade de recursos;
• o bem-estar humano é melhor servido pela
qualidade e pelos fluxos de serviços desejados e
entregues, do que pelo simples acréscimo dos
fluxos monetários;
• a sustentabilidade econômica e ambiental
depende da reestruturação das desigualdades
globais de renda e de bem-estar material;
• o melhor ambiente no longo prazo para os
negócios é dado pelos verdadeiros sistemas
democráticos de governança baseados nas
necessidades da população e não apenas das
empresas.
Fonte: Hawken, P., Lovins A., and Lovins, L. H.
79
Hargreves e Smith propõem que os paradigmas de melhorias simultâneas no meio ambiente
e na competitividade podem emergir, desde que se observem os seguintes fatos:
• há inúmeros recursos potenciais não mobilizados para a melhoria da produtividade
ao longo de toda a economia;
• tem havido, nas últimas três décadas, significativa mudança na compreensão do que
cria competitividade duradoura em uma empresa;
• há, atualmente, uma massa crítica de tecnologias disponíveis em eco-inovações que
tornam viáveis as abordagens integradas de desenvolvimento sustentável econômica
e financeiramente;
• como inúmeros custos das externalidades ambientais são repassados aos governos,
no longo prazo, estratégias de desenvolvimento sustentável podem prover benefícios
múltiplos para os contribuintes;
• tem ocorrido um entendimento crescente dos benefícios múltiplos de valorizar o
capital social e natural, por razões morais e econômicas, e incluí-los nas medidas do
bem-estar nacional;
• há uma evidência inquestionável de que uma transição para uma economia
sustentável, focada na melhoria da produtividade dos recursos, levará a um
crescimento econômico maior do que os negócios tradicionais, reduzindo as
pressões no meio ambiente e criando empregos.
20. O ponto central e distinto do capitalismo natural é a hipótese que está se criando uma nova revolução industrial a partir dos aumentos radicais da produtividade dos recursos (matérias, energia) que trarão três grandes benefícios: a
diminuição da exaustão dos recursos em uma ponta da cadeia de valor, a diminuição dos
níveis de poluição na outra ponta, e a formação de uma base para ampliar o emprego de
qualidade em escala mundial. Propõe que haja reinvestimentos na sustentação, na
restauração e na expansão dos estoques de capital natural, a fim de que a biosfera possa
produzir serviços de ecossistemas e recursos naturais mais abundantes; e tem a expectativa
de que, dentro de uma geração, as nações possam ter um acréscimo de dez vezes na
eficiência com que usam energia, recursos naturais e outros materiais. Especificamente, em
relação à melhoria da produtividade dos recursos hídricos, as propostas do capitalismo são
80
economicamente realistas e reestruturantes dos atuais padrões de uso e de conservação
destes recursos26, muitas destas propostas estão incorporadas nas políticas, programas e
projetos do PNRH.
Concluindo: quando o Brasil encerrar esta longa seqüência de políticas de curto prazo, que já dura mais de duas décadas, e vier a buscar uma melhor articulação entre as políticas econômicas (de curto prazo) e as políticas de desenvolvimento sustentável (de longo prazo), certamente terá que construir um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Neste momento, é preciso selecionar algumas questões de desenvolvimento que, pela sua abrangência temática e pela sua interdependência estrutural, poderão se constituir no núcleo de organização técnica e político-administrativa do Projeto. O que a nova revolução industrial do Capitalismo Natural propõe é coordenar adequadamente o processo de desenvolvimento sustentável com soluções inovadoras para a promoção da competitividade sistêmica, o que significa que, para haver prosperidade no futuro, a sociedade tem de usar seus recursos naturais, energia e outros materiais de forma imensamente mais produtiva. Operacionalmente, o que se propõe é considerar, na construção do Projeto Nacional de Desenvolvimento, o meio ambiente não apenas como um fator de produção a mais e residual, mas como o elemento pivotal que contém, provisiona e sustenta toda a economia; ou seja, deve-se abandonar as idéias antigas de se identificar os elementos setoriais dinâmicos que possam vir a promover um novo ciclo de expansão, para se construir um novo paradigma de desenvolvimento que seja simultaneamente, economicamente eficiente, socialmente justo e ambientalmente sustentável.
VI. DIRETRIZES E METAS DO PNRH: RESTRIÇÕES, CONDICIONALIDADES E PROPOSIÇÕES
21. No processo de elaboração de um plano, onde se destacam objetivos múltiplos e
conflitos de interesses sociais e regionais, como no caso do Plano Nacional de Recursos
Hídricos, há necessidade de se explicitar uma estratégia de implementação, considerando
cuidadosamente: como fazer acontecer o que foi proposto, que instrumentos econômicos e
mecanismos instituicionais utilizar, como viabilizar o seu financiamento, etc. Nesta seção,
26 Ver o cap 11 do livro Natural Capitalism (“Aqueous Solutions”), o cap. 20 do livro The Natural Advantage os Nations (“Water: Nature’s Gold”) e o cap. 16 do livro Collapse (“The World as a Polder: What does it all mean to us today”).
81
busca-se superar algumas destas dificuldades e apontar caminhos realistas para o processo
de implementação do PNRH.
Em primeiro lugar, é preciso destacar o quadro das diferentes restrições a que o PNRH estará submetido, quando terminar a sua elaboração e se iniciar o seu processo de implementação. Na verdade, os problemas mais complexos de planejamento
de médio e de longo prazo começam a emergir quando o Plano tem a responsabilidade de
demonstrar, para a opinião pública, a sua eficiência (“fazer certo as coisas certas”) e a sua
eficácia (“fazer as coisas certas”).
A primeira e maior restrição ou condicionalidade ao processo de implementação do Plano é
a de que ele está nascendo num ambiente de um profundo ajuste fiscal e financeiro em andamento no País. Segundo este ajuste, há necessidade de se formar um mega-superávit
primário anual (superior a 4% do PIB) para o pagamento, ainda que parcial, dos juros da
dívida pública e manter a relação desta dívida com o PIB em nível tal que preserve a
confiança dos credores nacionais e internacionais quanto à solvabilidade financeira de
nossa economia. Este superávit é formado, principalmente, pela subtração de recursos
fiscais que deveriam financiar o custeio e os investimentos (ou seja, do OCC – orçamento
de custeio e de capital) da administração direta e indireta do setor público consolidado. Ora,
é muito difícil, neste contexto de ajuste, viabilizar novos grandes investimentos de infra-
estrutura tal como previstos no Plano, e toda tentativa de insistir nesta linha de trabalho
estará fadada ao fracasso, pelo menos no curto prazo. Além do mais, se prevalecer o atual
modelo de política econômica, esta dificuldade deverá avançar ao longo dos próximos dez
anos.
Uma segunda restrição se refere à questão do desmonte do sistema nacional de planejamento no Brasil. Um plano de desenvolvimento de médio e de longo prazo, como o
PNRH, tem maiores chances de se realizar num ambiente político-administrativo em que as
práticas do planejamento estejam revigoradas e dinamizadas dentro do núcleo central do
processo decisório dos três níveis de governo. Neste ambiente, é maior a probabilidade de
sucesso da coordenação das ações intragovernamentais e intergovernamentais, da
articulação efetiva entre o Plano e os diferentes orçamentos (orçamento anual, PPA,
orçamento dos benefícios fiscais, PPP, etc.), assim como do direcionamento dos
instrumentos de política econômica para os objetivos do Plano. Ora, ao longo das duas
últimas décadas, o País vem assistindo ao desmonte dos incipientes sistemas de
planejamento de médio e de longo prazo, arquitetados nos três níveis de governo ao longo
dos anos 60 e 70, como decorrência da predominância das questões de conjuntura (controle
82
da inflação, redução dos déficits fiscais, manutenção do equilíbrio das contas externas, etc.)
sobre as questões de estrutura (combate à pobreza, atenuação dos desequilíbrios regionais,
conservação e preservação do meio ambiente, etc.) da economia brasileira.
Uma terceira restrição, também muito importante, está na limitada capacidade operacional da máquina administrativa dos três níveis de governo, que vem se
fragilizando ao longo dos sucessivos ajustes macroeconômicos, desde os anos 80. De
ajuste em ajuste, pôde se observar que os intermitentes cortes dos gastos públicos, visando
a reduzir a absorção interna da economia, levaram a uma redução na oferta dos serviços
públicos e semi-públicos, a uma perda na sua qualidade e a uma imprevisibilidade em suas
ações programáticas. Assim, o PNRH emerge num contexto histórico de grande
desmobilização motivacional da administração pública, onde tende a se comprometer a
eficiência e a eficácia na execução dos seus programas, projetos e ações regulatórias.
Além destas e de outras restrições e condicionalidades que limitam as chances de sucesso
na implementação do PNRH, deve-se estar atento à questão político-administrativo do
melhor arranjo institucional que poderá dar vida aos objetivos gerais e específicos
consensualizados para a gestão sustentável dos recursos hídricos do País. A experiência
histórica de implementação de planos integrados de desenvolvimento sustentável mostra
que há uma multiplicidade de problemas político-institucionais a serem enfrentados que
podem levá-los ao fracasso, se estes problemas não forem trabalhados com muito cuidado
e dedicação. Há uma tendência de se valorizarem as etapas de diagnose e de programação
de um processo de planejamento, e, ao mesmo tempo, de se subestimarem as etapas de
implementação, de controle e de avaliação.
Usualmente, o processo de implementação de um plano integrado de desenvolvimento
sustentável envolve problemas de coordenação entre diferentes setores da administração
direta (Ministérios, Secretarias, etc.) e da administração indireta (BNDES, FINEP, IBAMA,
etc.) dos três níveis de governo; entre diferentes equipes técnicas interdisciplinares com
suas idiossincrasias próprias (ambientalistas, especialistas em obras de infra-estrutura, etc.);
entre as agências públicas e as organizações não-governamentais; e, principalmente, entre
os próprios setores organizados da sociedade civil.
As instituições, que participam do plano, tendem a desenvolver o seu espaço próprio de
decisão, fechando-se em torno de missões e temas programáticos específicos e, ao mesmo
tempo, protegendo-se quanto às tentativas de interferências das atividades de coordenação
externa. Por exemplo: um programa abrangente de formação de recursos humanos para a
83
gestão de recursos hídricos não pode prescindir da cooperação das instituições, públicas e
privadas, vinculadas às políticas educacionais e de formação de recursos humanos na
região em que se localiza. Assim, quando lhes é solicitada a cooperação para executar
determinadas atividades do programa, é necessário considerar a questão recorrente da
heterogeneidade das diferentes organizações envolvidas, quanto ao seu grau de maturidade
institucional (há aquelas que ainda não firmaram sua identidade), à sua capacidade de
decisão e de implementação (há as que costumam paralisar diante de escolhas a fazer), à
sua cultura profissional (muitas cultivam “o desenvolvimentismo” como base de suas ações),
etc. Estes fatores podem explicar, ainda que parcialmente, os diversos exemplos de
conflitos institucionais em torno das políticas de desenvolvimento, resultando em impasses
decisórios (paralisantes ante escolhas críticas), em predominância de elementos irracionais
(confundindo objetivos com instrumentos) e desperdício de recursos (por meio da
sobreposição de funções e das disputas por liderança).
Assim, um plano integrado de desenvolvimento sustentável, como o PNRH, deve conceber
a coordenação das entidades públicas e privadas, atuantes na sua área de influência, em
função de problemas rigorosamente focalizados no nível de programas e projetos. As suas
ações devem ser de natureza pragmática em busca de resultados operacionais, envolvendo
a mediação de conflitos e disputas, a eliminação de setorialismos injustificáveis, a promoção
de consensos, a busca do dinamismo real em lugar das divisões formais, etc., para fazer
acontecer os objetivos e metas do plano.
Enfatizamos que muitos dos problemas reais com a gestão de recursos hídricos não estão tanto em sua concepção e planejamento, mas na sua implementação. As
chances de sucesso na implementação de um plano, programa ou projeto são muito
reduzidas, usualmente, se o seu nível de especificidade é baixo; ou seja: 1) se é reduzida a
extensão em que é possível especificar, para uma determinada atividade, os objetivos a
serem atingidos, os métodos para atingir estes objetivos e as formas de controlar os seus
bons resultados, assim como premiar os atores responsáveis por estes resultados; 2) se são
limitados os seus efeitos em termos de intensidade, dos prazos para se tornarem aparentes,
do número de pessoas e atividades afetadas, e das possibilidades práticas de traçar os
próprios efeitos. Em geral, quanto maior o grau de especificidade de um plano, programa ou
projeto, mais intensos, imediatos, identificáveis e focalizados serão os seus efeitos; a
ausência de especificidade torna a sua gestão mais complexa e difícil, pois permite às
84
estruturas organizacionais que o implementam maior latitude e graus de liberdade na
interpretação ad hoc das suas normas e regulamentações27.
É possível identificar um conjunto de motivos para que os diferentes atores e instituições
envolvidos na implementação de um plano integrado de desenvolvimento sustentável
possam concordar com os seus objetivos e, ainda assim, opor (ou simplesmente deixar de
facilitar) meios para executá-lo: a) incompatibilidade direta com outros compromissos: os
atores podem concordar com os méritos do plano, mas considerar que este é incompatível
com outras de suas metas organizacionais; b) nenhuma incompatibilidade direta, mas uma
preferência para outros programas ou projetos; c) compromissos simultâneos com outros
programas e projetos que demandam, crescentemente, o uso alternativo de seu tempo e
atenção; d) dependência de atores para os quais o plano não tem um sentido de urgência,
ou de atores com forte adesão aos seus objetivos mas sem poder de decisão; etc.
Ou seja, nenhum ator institucional, público ou privado, tende a exprimir desacordo quanto
aos objetivos de desenvolvimento sustentável do PNRH. Estes objetivos são considerados
meritórios do ponto de vista da opinião pública, sendo “politicamente correto” um cidadão e
uma organização responsáveis manifestar propensão a apoiá-lo. Contudo, isto não significa
que esteja pronto para tomar decisões, motivado para promover desobstruções ou eliminar
pontos de estrangulamento, a fim de chegar a acordos necessários para acelerar a
execução do Plano.
22. O processo de desenvolvimento nacional impõe restrições que provêm das
prioridades máximas estabelecidas pelo Poder Central como, por exemplo, o controle de
gastos públicos e da aplicação de recursos para financiamentos diversos, diante da política
de estabilização em curso. Porém, há restrições às decisões de planejamento ao nível
subnacional, que resultam da concentração de decisões e instrumentos de política
econômica nas mãos do Poder Central, que retira, dos Estados e Municípios, a autonomia
de decisão para solucionar muitos problemas de típico interesse subnacional. É sempre bom
lembrar que se, de um lado, há muitos problemas regionais e locais de interesse nacional,
há tantos outros problemas regionais e locais de interesse subnacional.
Dentro destas reflexões, ainda há mais dois pontos essenciais: 1) nem sempre há
consistência inquestionável entre objetivos diversos, pois a regra é que, dificilmente, todos
os objetivos sócio-econômicos são atingidos ao mesmo tempo e, com frequência, chegando 27 Israel, A. Institutional Development: Incentives to Performance. Johns Hopkins, World Bank, 1989, USA. North, D. C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge University Press, 1990.
85
a ser incompatíveis uns com os outros; as políticas econômicas e as políticas de
desenvolvimento consistem em tensões e compromissos entre os diversos grupos sociais e
agentes econômicos afetados quando os objetivos são conflitantes; 2) além do mais, os
instrumentos e as medidas das políticas do Poder Central não são diferenciados e
adaptados à peculiaridades regionais e locais, de tal modo que, em geral, podem não ser
consistentes com a realidade regional ou local.
No nível mais próximo da decisão imediata, e a partir da análise dos condicionamentos
impostos pelas suas restrições de nível superior - que resultam, muitas vezes, em severas
limitações às possibilidades de se implementar uma dada alternativa de solução dos
problemas regionais e locais - é feita a avaliação da real disponibilidade de recursos
financeiros, administrativos e humanos, bem como os aspectos institucionais, legais e
políticos que estão envolvidos na implementação dos programas, dos projetos, das medidas
e das recomendações que visam a concretizar uma alternativa de desenvolvimento
sustentável para uma dada área-programa ou um dado segmento produtivo. Em resumo, é
indispensável que se avaliem os graus de liberdade com os quais podem contar os
planejadores e órgãos executivos para atingir os objetivos do processo de planejamento, e
que se adote uma atitude menos ingênua e mais atenta sobre “os limites do possível”
quanto ao papel e às perspectivas do processo de planejamento, quando pensado em
função de sua possível aplicação em regiões ou setores produtivos.
Concluindo: Para que as estratégias de desenvolvimento sustentável do PNRH sejam efetivamente implementadas, é fundamental que haja uma explícita incorporação, no seu processo decisório, das principais condicionalidades econômico-financeiras e político-institucionais do País, no curto, no médio e no longo prazo. Neste sentido, para identificar as linhas gerais de intervenção governamental direta e indireta, visando a viabilizar as ações do Plano, é preciso estabelecer diferentes taxonomias das suas políticas, programas e projetos, pois:
• há casos em que a questão básica não é, fundamentalmente, de disponibilidade de novos recursos fiscais e financeiros, mas de se reprogramar o uso dos recursos já disponíveis ou de determinação política para tornar efetivas as regulamentações já existentes;
• mesmo para alguns programas e projetos previstos no PNRH que envolvem volumosos recursos fiscais e financeiros ainda não disponíveis, é possível modulá-los intertemporalmente, visando a esperar melhores momentos de
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prosperidade econômica no País, quando se configurar o novo ciclo de expansão sustentada;
• é possível ampliar as fontes de financiamento próprias do PNRH utilizando com maior eficiência e eficácia os instrumentos econômicos previstos legalmente para a gestão dos recursos hídricos, assim como ampliar a diversidade e o escopo destes instrumentos;
• há um grande número de projetos de grande relevância para a implementação do PNRH, os quais podem ser seletivamente promovidos junto ao Segundo Setor (por causa de sua rentabilidade privada), ou junto ao Terceiro Setor (por causa de seus impactos sociais e ambientais);
• o próprio Governo Federal, reconhecendo as pesadas restrições e condicionalidades dos programas de ajuste fiscal e financeiro, tem procurado gerar alternativas para o financiamento de programas e projetos de desenvolvimento, como as incipientes e promissoras experiências de PPP.
23. A Política Nacional de Recursos Hídricos divide os instrumentos de gestão de recursos hídricos em três categorias: técnico, econômico e estratégico. Os principais instrumentos técnicos são: a) Planos de Recursos Hídricos: são planos-diretores que
visam a fundamentar e a orientar a implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos e o gerenciamento desses recursos; b) Enquadramento dos Corpos D’água: é o
estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado ou mantido em um
segmento de corpo d’água ao longo do tempo; c) Outorga: é o ato administrativo que
autoriza, ao outorgado, o uso de recursos hídricos nos termos e condições expressos no ato
de outorga; d) Sistema de Informações: trata-se de um sistema de coleta, tratamento,
armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores
intervenientes em sua gestão.
A cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos econômicos de gestão de recursos hídricos a ser empregado para induzir o usuário de água a uma utilização racional desses recursos, visando a criar condições de equilíbrio entre as disponibilidades e as demandas, a harmonia entre usuários competidores, a melhorar a qualidade dos efluentes lançados, além de ensejar a formação de fundos financeiros para as obras, programas e intervenções do setor. A ANA tem a atribuição de
87
implementar a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica.
Finalmente, o principal instrumento estratégico é a fiscalização, definida como a atividade
de controle e monitoramento dos usos dos recursos hídricos com caráter repressivo
(baseado na aplicação de regulamentações) e preventivo (baseado nos Planos de Bacias,
nas decisões dos Comitês de Bacia e na Outorga).
Apesar da consistência dos instrumentos de gestão de recursos hídricos previstos no ordenamento normativo da ANA, é possível mostrar que há alternativas de intervenção que são amplas e multifacetadas e que, seguindo a tendência evolutiva das políticas ambientais mais progressistas, outros mecanismos e instrumentos de mercado podem ser um braço complementar às atividades regulatórias do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Inicialmente, iremos identificar algumas limitações
político-administrativas que têm levado ao fracasso muitos programas de regulamentação
em diferentes setores (saúde, segurança, saneamento, etc.) no Brasil.
Uma explicação político-administrativa para o relativo fracasso das ações regulatórias (quando estas não são aplicadas ou são burladas), se relaciona com a má qualidade da atual estrutura do processo regulatório no Brasil. Quando se observa como se forma
um moderno processo regulatório em países desenvolvidos que detêm uma experiência
superior a um século (EE.UU., Inglaterra, França, etc.) no manejo de processos
semelhantes, é possível identificar as seguintes lacunas no caso brasileiro28:
• Embora na própria formulação, e, principalmente, na implementação de um programa
regulatório, haja necessidade de um volume significativo de recursos escassos que têm
usos alternativos (financeiros, institucionais, etc.), não há tradição, no nosso País, de
submeter previamente às autoridades econômicas do Orçamento e do Tesouro, as
implicações de custos de custeio e de investimento previstos para as ações regulatórias
mais significativas.
• Num estágio administrativo mais avançado em termos da qualidade de um processo
regulatório, tende-se a solicitar à agência responsável pelas novas regulamentações
(CONAMA, IBAMA, etc.) que prepare um documento de Análise de Impacto Regulatório
28 Viscusi, N. K., Vernon, J. M. and Harrington J. E. Economics of Regulation and Antitrust (2nd. Edition) MIT Press, 1998. Haddad, P. R., e Rezende, F. Instrumentos Econômicos Para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, MMA, Brasília, 2002.
88
(RIA – Regulatory Impact Analysis), através do qual as autoridades econômicas
requerem que: a) a agência regulatória calcule os custos e benefícios das ações
propostas e determine se os benefícios líquidos são positivos; b) a agência considere
alternativas de políticas mais desejáveis (menores custos administrativos, maior eficácia,
efeitos distributivos, etc.) para se atingirem os mesmos objetivos da regulamentação (por
exemplo: a alternativa do uso de algum mecanismo descentralizado de mercado); c) a
agência mostre que não há sobreposições regulatórias com outras agências, que as
ações previstas são consistentes com as prioridades das políticas públicas e que as
questões controversas em torno das regulamentações propostas estão devidamente
avaliadas do ponto de vista formal e de conteúdo.
• Para tentar evitar que o processo regulatório se transforme num intercurso ilícito entre
autoridades econômicas e agências regulatórias num mesmo nível de Poder (em geral, o
Executivo), ou que a agência regulatória seja capturada e controlada pelas organizações
interessadas em suas decisões, há uma etapa de audiências públicas em torno de uma
versão reformulada do RIA, as quais contribuem para o aperfeiçoamento dos novos
instrumentos legais, antes de seu exame final ao nível do Poder Legislativo pertinente.
Em geral, pode-se observar que: 1) quanto mais rigorosos forem os critérios de uma agência
pública quanto aos padrões estabelecidos para a qualidade de um recurso ambiental (os
recursos hídricos das bacias hidrográficas, por exemplo), maiores serão as chances de ter
de defender estes critérios em morosos processos administrativos ou em recursos
interpostos em tribunais não-especializados e de ficar-se impotente diante da continuidade
dos processos de poluição; 2) custos administrativos elevados, assimetrias no acesso a
informações relevantes, conflitos legais, lentidões em processos administrativos e judiciais,
diversidades de situações tecnológicas e econômicas entre firmas de um mesmo setor
(agropecuário, por exemplo), entre outros motivos, fazem com que um programa bem
sucedido de regulamentação direta seja uma forma de intervenção governamental, com
custos políticos e econômicos muito elevados; 3) ao mesmo tempo, a gestão cotidiana das
normas e regulamentos em vigor não consegue conquistar confiabilidade por parte da
opinião pública quanto à sua eficiência e à sua eficácia, dadas as dificuldades observadas
na capacidade operacional dos órgãos gestores (falta de pessoal especializado, níveis de
salários insatisfatórios, baixo nível de motivação para o trabalho, etc.).
Entretanto, tendo em vista as frequentes dificuldades para se utilizar a lógica do mercado, com suas decisões descentralizadas e os seus mecanismos indiretos de incentivos, em contextos com problemas ambientais nos circuitos econômicos de
89
produção, distribuição e consumo de bens e serviços, os governos de diversos países continuam a preferir a predominância dos mecanismos regulatórios como forma prioritária de intervenção em suas políticas nacionais de meio ambiente, tais como na política nacional de recursos hídricos. Isto não impede, contudo, que venham a experimentar processos mais próximos da economia de mercado para viabilizar soluções para os problemas ambientais com menores custos de oportunidade para a sociedade. Propõe-se, pois, a ampliação do uso de instrumentos econômicos para viabilizar as diretrizes e metas do PNRH.
24. Os instrumentos econômicos mais relevantes para a formulação e a execução
das políticas de desenvolvimento sustentável, particularmente em recursos hídricos das
bacias hidrográficas, podem ser definidos e classificados de diferentes formas. O Diagrama
3 mostra, no lado esquerdo, os principais instrumentos(mais de 130) que vêm sendo
utilizados, ao longo das últimas décadas, pelos países da OCDE. Estes instrumentos
pretendem estimular comportamentos de produção, de consumo e de investimento, no
sentido da sustentabilidade ambiental, por meio de:
• alteração direta dos níveis de preços e de custos: quando impostos e taxas são
aplicados diretamente a produtos e aos processos que geram estes produtos, assim
como quando sistemas de depósitos restituíveis são operacionalizados;
• alteração indireta de preços e custos através de medidas fiscais ou financeiras: quando
ocorrem subsídios diretos, financiamentos facilitados ou incentivos fiscais (de imposto de
renda, de depreciação acelerada, etc.); bônus de desempenho ou aplicação de multas
também podem ser incluídos neste item;
• criação de mercados ou apoio a mercados: na criação de mercados, temos instrumentos
formulados a partir de legislação modificada ou de regulação (emissões de títulos
negociáveis, esquemas de seguro para atender ao passivo ambiental, etc.); no apoio a
mercados, temos situações em que as autoridades públicas se responsabilizam pela
estabilização de preços ou pela organização de determinados mercados (materiais
secundários de reciclagem, estruturação de ecomercados, por exemplo).
No lado direito do Diagrama 3, há um conjunto de critérios visando à seleção dos
instrumentos mais apropriados para tornar factíveis os objetivos das políticas de
desenvolvimento sustentável. Estes critérios são, em geral, auto-explicativos. Assim, os
instrumentos não podem gerar mecanismos fortemente regressivos (equidade); devem dar
90
continuidade aos estímulos para as melhorias ambientais (incentivo dinâmico); devem ter a
confiança dos atores sociais relevantes, mesmo num contexto de inevitáveis incertezas
(fidedignidade), etc. Enfim, a escolha dos instrumentos mais adequados para viabilizar os
objetivos das políticas de desenvolvimento dos recursos hídricos depende de características
de cada contexto socioeconômico.
91
DIAGRAMA 3
Instrumentos Econômicos Mais Utilizados nos Países Com Políticas Ambientais Consolidadas
I. Instrumentos II. Critérios Para Seleção de Instrumentos
I.1. Taxa de Efluente Ar II.1. Eficiência Econômica
Água II.2. Reduzido Volume de Informações Requeridas
Lixo II.3. Baixo Custo Administrativo
Ruído II.4. Equidade
I.2. Taxa do Usuário II.5. Fidedignidade
I.3. Taxa de Produto II.6. Adaptabilidade
I.4. Taxa Administrativa Licença II.7. Incentivo Dinâmico
Controle II.8. Aceitação Política
I.5. Imposto Diferenciado
I.6. Subsídios Doações
Empréstimos subsidiados
Isenções tributárias
I.7. Depósitos Restituíveis
I.8. Apoio e Criação de Mercado Emissão de certificados Negociáveis
Intervenção de mercado Fonte: D. Pearce – “An Economic Approach to Saving the Tropical Forests” in D. Helm (ed.) Economic Policy Towards the Environment, Blackwell, 1991.
92
Entre os instrumentos de intervenção indireta, destacam-se os impostos e as taxas,
como aqueles que têm maior possibilidade de se viabilizarem na gestão dos recursos
ambientais no Brasil, por estarem mais sintonizados com as estruturas regulatórias e de
fiscalização existentes.
Basicamente, um imposto verde pode representar a imposição de um imposto sobre a
poluição ou degradação de uma bacia hidrográfica; seria pago pelas empresas que, nas
fases de implantação, de operação e de manutenção de seus empreendimentos,
provocassem danos ambientais, descarregando e emitindo resíduos nas bacias; as suas
alíquotas diferenciadas seriam calibradas de acordo com o dano que a poluição do
empreendimento provoca na disponibilidade e na qualidade dos recursos hídricos. O
imposto verde tem como fundamento, a proposta de que os poluidores deveriam pagar
um imposto baseado numa estimativa do dano causado pela sua emissão de poluentes.
Assim, o imposto verde deveria, por critérios de eficiência, refletir os custos da poluição
na margem. Entretanto, tem sido muito difícil, em termos operacionais, tributar a poluição
de maneira eficiente, por causa da incerteza em torno dos custos dos danos ambientais
efetivos associados com qualquer poluente específico (a emissão de mercúrio numa bacia
hidrográfica, por exemplo).
Parece, pois, ser irrealista o cálculo preciso da carga tributária adequada no imposto verde; em geral, parte-se para uma solução operacional de compromisso diante de informações imperfeitas. Muitos países, que vêm adotando alguma forma do
imposto verde, sabem destas limitações, mas, ainda assim, consideram o uso de
impostos e taxas uma intervenção mais apropriada do que o uso intensivo de
regulamentações, como na tradição da Inglaterra e à semelhança com o Brasil, que
estabelece padrões quantitativos de emissões de poluentes, acompanhados por multas
para os que desrespeitarem estes padrões. As vantagens dos impostos verdes na
alocação eficiente de recursos estão mencionadas no Box 329.
29 Bell, G. and Nellor, D.C.L. “User Charges and Environmental Charges” in Tax Policy Handbook, edited by Shome, P.; IMF Fiscal Affairs Department, 1995, Washington.
93
BOX 3
Eficiência Alocativa dos Impostos Verdes
• os impostos ou taxas são administrados pelas estruturas burocráticas
existentes dos três níveis de governo e com menor risco relativo de evasão, o
que é mais eficiente do que o risco de que os padrões fixos de emissão, por
exemplo, sejam desrespeitados por falta de uma fiscalização permanente e
onerosa in loco;
• desde que um padrão de poluição tenha sido definido, uma empresa não tem
incentivo para reduzir as emissões abaixo deste padrão; diferentemente dos
impostos e taxas, os quais quanto mais elevados mais estimulam a empresa a
reduzir as emissões;
• impostos e taxas incentivam as empresas a aplicar fundos próprios ou de
empréstimos em Pesquisa e Desenvolvimento nas tecnologias de redução da
poluição ou em processos de produção menos poluentes;
• impostos e taxas sobre determinados poluentes podem reduzir a emissão de
poluentes associados.
94
É óbvio que a opção por impostos e taxas em lugar de regulamentações traz problemas
específicos que não podem ser desprezados. A sua introdução, certamente, provocará
aumentos nos preços e diminuição do consumo dos produtos tributados e resultará numa
perda de bem-estar social para os consumidores dos produtos taxados. Se o sistema
tributário for marcadamente regressivo, os impostos e taxas anti-poluição irão incidir sobre
os segmentos mais pobres da população. A perda de bem-estar com a queda do
consumo dos produtos tributados, contudo, tem de ser comparada com os ganhos de
bem-estar para os indivíduos afetados pela poluição, no presente e no futuro, com a
redução ou a eliminação dos danos ambientais.
O sistema de taxas é, também, uma forma de ampliar, na concepção das políticas
ambientais, o espaço do uso dos instrumentos econômicos em caráter complementar ou
substituto ao espaço dos regulamentos, das normas e dos decretos. Taxas, que muitas
vezes não conseguem se diferenciar dos impostos verdes sobre produtos, em muitos
países como no Brasil, têm sido utilizadas para controlar a poluição hídrica, visando a
obter receitas com o propósito de formação de fundos especificamente destinados a
melhorar a qualidade da água, assim como para atingir padrões desejáveis de efluentes
diferenciados; e, também, para induzir a adoção de equipamentos de controle da poluição
do ar e para desestímulo à aquisição de bens duráveis de consumo (automóveis,
basicamente) não equipados com mecanismos anti-poluição (conversor catalítico, por
exemplo).
Pode-se distinguir dois tipos de taxas ambientais30: a) uma taxa de eficiência, destinada a
produzir um resultado eficiente ao forçar o poluidor a compensar completamente todo o
dano causado; b) uma taxa custo-efetiva, destinada a atingir um padrão ambiental
predefinido com o menor custo de controle possível. Qualquer uma destas taxas tem,
geralmente, as suas receitas vinculadas a algum objetivo de desenvolvimento ambiental
(revitalização das bacias hidrográficas, por exemplo) como forma de se reduzir a
necessidade de impostos verdes que podem produzir mais distorções na alocação dos
recursos escassos da sociedade. Algumas das vantagens do uso de taxas ambientais
estão apresentadas no Box 4. Entre as principais taxas, destacam-se:
• taxas de emissão de efluentes (princípio poluidor-pagador): são taxas aplicadas à
descarga de poluentes no ar, na água ou no solo, e à geração de barulho; são
30 Tietenberg, T. H. “Economic Instruments for Environmental Regulation”, in Helm, P. (ed.) Economic Policy Towards the Environment; Blackwell, 1991, London.
95
relacionadas com a quantidade e a qualidade do poluente e com os custos da
correção dos danos infligidos ao meio ambiente;
• taxas dos usuários (princípio usuário-pagador): têm a função principal de levantar
receitas fiscais e são relacionadas com custos de tratamento, custos de coleta e de
disposição, custos administrativos ou de recuperação, dependendo da situação em
que são aplicados; ou ainda, como no caso brasileiro, no direito de uso de um
determinado recurso, como o sistema em implantação pela Agência Nacional de
Águas na cobrança pelo uso dos recursos hídricos, não apenas relacionados com os
custos de danos ao meio ambiente, mas também a todos os custos de oportunidade
envolvidos (escassez);
• taxas de produtos: incidem sobre produtos prejudiciais ao meio ambiente quando
usados em processos de produção, ou quando consumidos ou jogados fora; o nível da
taxa está relacionado com os custos dos danos ambientais ligados ao produto-alvo.
96
Fonte: Bell, G. and Nellor, D.C.L. “User Charges and Environmental Charges” in Tax Policy Handbook, edited by Shome, P.; IMF, Fiscal Affairs Department, 1995.
BOX 4
Principais Características Econômicas das Taxas Ambientais
Na concepção dos modernos sistemas tributários, além das questões relacionadas com os processos de globalização e de redistribuição da renda e da riqueza, os impostos e taxas têm sido considerados, também, como instrumentos adequados para lidar com a existência de um crescente número de mercados imperfeitos e de seus impactos intertemporais na alocação de recursos, na estabilização monetária e na equidade. Neste sentido, dá-se importância cada vez maior para os impostos e taxas ambientais (externalidades negativas), como, por exemplo, as taxas de usuários. Estas taxas apresentam as seguintes características econômicas:
1) na sua aplicação, elas emulam o princípio do benefício das finanças públicas, segundo o qual o pagamento de um imposto deve corresponder aos benefícios recebidos dos bens e serviços tributados;
2) elas incorporam o mecanismo de racionamento ou escassez do sistema de preço, segundo o qual o bem ou serviço somente é provido aos consumidores que lhe atribuem um valor pelo menos igual ao seu custo total (custo de mercado corrigido pelos custos ambientais);
3) elas provêm a geração de informações do sistema de preços, uma vez que a receita obtida a partir de sua aplicação pode ser facilmente comparada com os custos de oferta dos bens e serviços e podem ajudar o processo decisório na alocação futura de recursos escassos; para que não percam sua eficácia, em ambientes inflacionários têm de ser reestimados com maior frequência, uma vez que esta eficácia está diretamente associada a uma adequada precificação de bens e serviços.
97
É evidente que há outros instrumentos econômicos, que, quando aplicados
adequadamente em termos de benefícios e custos sociais, são capazes de alterar
indiretamente os preços e os custos relativos dos bens e serviços produzidos. Entre
estes, destacam-se os sistemas de depósitos restituíveis e de bônus de desempenho ou
de garantia.
O sistema de depósitos restituíveis envolve depósitos pagos por produtos
potencialmente poluidores; se os produtos são retornados a algum ponto de coleta
legalmente autorizado depois de usado, evitando assim a poluição, o depósito é
restituído. O sistema de bônus de desempenho e bônus de garantia são sistemas
similares que requerem o pagamento de um bônus de desempenho ou depósito de
segurança (por uma empresa mineradora, por uma empresa madeireira, etc.); se as
atividades conduzidas por estas empresas não atenderem a uma prática ambiental
aceitável (preservação de mananciais, preservação de espécies, etc.), então os custos de
recuperação ou de limpeza ambiental serão pagos com fundos dos depósitos ou dos
bônus. Outro emprego para estes sistemas é a caução para recuperação de passivos
ambientais; esta alternativa, já aplicada em vários países da OCDE, garante a
recomposição ou a reabilitação de áreas comprometidas por atividades degradadoras,
como é o caso da mineração.
A própria experiência dos países da OCDE mostra que há uma divergência entre a teoria e a prática no uso dos instrumentos de estímulos econômicos. Admite-se que, em geral, as agências de proteção ambiental destes países tendem a fixar as taxas em nível muito baixo, de forma tal que não se consegue atingir os objetivos de qualidade ambiental programados. Assim, acabam por se tornar mais úteis como
fonte de receita fiscal do que como instrumento dos objetivos de política ambiental. Como
resultado, as agências têm buscado combinar estes instrumentos de incentivos
econômicos com processos e estruturas administrativas de regulamentações diretas.
Os países da OCDE, efetivamente, são os que detêm a mais ampla experiência de uso de
incentivos econômicos como instrumentos de concretização de metas ambientais31. A
mais inovadora destas experiências é com títulos negociáveis para controle da poluição
ambiental e a conservação de recursos naturais. Esta experiência se situa dentro do
conjunto de instrumentos não-convencionais que pretendem criar novos mercados ou 31 Bartelmus, P. Environment, Growth and Development. Routledge, 1994, London. Goldin, I and Winters, A. L. (ed.) The Economics of Sustainable Development. Cambridge, OCDE, 1995.
98
apoiar mercados já em operação, visando a obter mecanismos descentralizados de
controle da poluição ambiental e dos danos ambientais. Estes mercados podem ser
financeiros, de títulos negociáveis por exemplo, ou não-financeiros, de ecoprodutos por
exemplo. Os certificados negociáveis são quotas ambientais, permissões ou licenças
aplicados sobre limites estabelecidos para os níveis de poluição. A alocação inicial dos
certificados está relacionada com alguma meta de padrão ambiental, mas,
posteriormente, estes certificados podem ser negociados, desde que sujeitos a um
conjunto de regras pré-determinadas (ver Quadro 5).
Em resumo: não há uma regra simples que permita decidir, em situações específicas de intervenção governamental, entre o uso de instrumentos e mecanismos de mercado e o uso de regulamentações. Há vantagens e desvantagens em cada instrumento de intervenção, em termos de eficiência, de eficácia, de equidade e do grau de flexibilidade que dão aos agentes poluidores/consumidores de recursos hídricos. Sempre que possível, a melhor alternativa será alguma solução de compromisso que busque a sinergia entre as vantagens cumulativas dos dois tipos de instrumentos. A experiência na condução das políticas ambientais, em diversos países e regiões, mostra que, em quase todas as situações, é possível encontrar um mix que balanceie mecanismos institucionais de mercado e de ações regulatórias, dando-lhes um caráter de complementaridade e não de exclusão operacional, tal como previsto na legislação original da ANA. Assim, para viabilizar as diretrizes e metas do Plano Nacional de Recursos Hídricos, recomenda-se que, além do atual sistema de taxas e multas, assim como da cobrança pelo uso da água nas bacias hidrográficas, seja ampliado o uso de instrumentos econômicos articulados com programas de regulamentação como forma de modernizar a política ambiental brasileira; e que estes programas de regulamentação venham a ser aperfeiçoados superando três de seus principais problemas atuais: a ausência de articulação dos processos regulatórios com a provisão de recursos fiscais e financeiros, a ausência de um processo de avaliação dos impactos regulatórios e a ausência de um sistema de consultas públicas prévias às regulamentações.
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QUADRO 5
Classificação dos Instrumentos de Política Ambiental Baseada na Descentralização e na Flexibilidade da Decisão Individual – Exemplos Gerais
Fonte: Huber, R. M., Ruitenbeek, J., Seroa da Motta, R. “Market Based Instruments for Environmental Policymaking in Latin America and The Caribbean – Lessons from Eleven Countries”. W. B., Discussion Paper No. 381, 1998.
Legislação Rígida sobre Passivos: O poluidor ou usuário do recurso deve, por lei, pagar todos os danos aos prejudicados; as partes prejudicadas fazem acordos por meio de litígios e côrtes de justiça.
Classificação de Desempenho: O Governo apóia programas de certificação ou de classificação que requeiram a divulgação de informações ambientais de produtos de uso final, que permitam identificar os “ambientalmente amigáveis”.
Permissões Negociáveis: O Governo estabelece um sistema de permissões negociáveis para poluição ou uso de recurso, leiloa ou distribui as permissões e monitora o cumprimento; poluidores ou usuários de recurso negociam as permissões por meio de preços de mercado não-regulados.
Taxas de Efluentes ou de Usuários: O Governo aplica taxas aos poluidores individuais ou aos usuários de recursos, baseado no uso do recurso e na natureza do meio recipiente; as taxas são suficientemente elevadas para reduzir impactos desfavoráveis.
Padrões: O Governo restringe a natureza e o montante de poluição ou o uso do recurso; o cumprimento das normas é monitorado, e sanções são impostas (multas, prisões, desativações, etc.) pelo não cumprimento.
Legislação dos Passivos
Intervenção na Demanda Final
Criação de Mercado Taxas, Impostos e Multas
Regulamentações e Sanções
Flexibilidade Mínima Flexibilidade Moderada Flexibilidade Máxima Envolvimento Máximo do Governo Iniciativa Privada Crescente Orientado Por Controle Orientado Pelo Mercado Orientado Pelo Litígio
DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH
PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final
ANEXO 1 - SÍNTESE
PRODOC 704 BRA 2041 ANA/UNESCO
Nome do Consultor:
PAULO ROBERTO HADDAD
05 de dezembro de 2005
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1. Para se definirem diretrizes e metas para o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), é fundamental que se caracterize, inicialmente, qual modelo de crescimento econômico terá maiores chances de prevalecer no Brasil, ao longo da vigência do Plano de 2005 a 2020. Este modelo poderá ser determinante para se delimitarem as pressões que poderão advir sobre a base de recursos naturais das regiões brasileiras, a inserção de nossa economia na nova divisão internacional do trabalho, os grupos sociais e os setores produtivos que terão maiores ganhos e perdas, e, particularmente, a escassez relativa e os usos alternativos dos recursos hídricos do País.
Adota-se a hipótese de que, no período do PNRH, deverá prevalecer o aprofundamento do modelo de integração competitiva da economia brasileira que vem se estruturando desde os anos 90, e que, também, tem sido repensado e reformulado à medida que os seus impactos sobre o processo de desenvolvimento sustentável do País vão se configurando com maior nitidez e dramaticidade.
No pressuposto de que o modelo de crescimento econômico do País venha a ocorrer, no período do PNRH, com base no aprofundamento do processo de integração competitiva do País, há alguns percalços que precisam ser destacados. Em primeiro lugar, deve-se evitar que nossa pauta de exportações seja fundamentalmente especializada em bens e serviços intensivos em recursos naturais e mão-de-obra não-qualificada ou semi-qualificada (especialização reversa), a não ser que a produção destas exportações se apóie em maior eficiência operacional e em adequado posicionamento estratégico.
Um segundo percalço em relação ao modelo de integração competitiva se refere à inserção do País nos blocos regionais de comércio. A avaliação final dos custos e benefícios de um processo de integração regional é muito difícil, uma vez que este processo é, ao mesmo tempo, dinâmico e interdependente, em suas várias etapas. Entretanto, no caso específico da ALCA, é evidente que se o Brasil se tornar um país membro, teremos ganhos e perdas; mas que só haverá perdas, se estivermos ausentes deste novo bloco regional de comércio. Entretanto, se prevalecerem as atuais tendências de protecionismo dos EE.UU. a setores produtivos não-competitivos de sua economia, certamente os benefícios líquidos para o Brasil serão negativos e desfavoráveis ao interesse nacional.
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Finalmente, um terceiro percalço sobre as perspectivas de um modelo de integração competitiva se relaciona à posição relativa das empresas brasileiras no cenário mundial. A questão da competitividade das empresas brasileiras, num ambiente de uma economia mais aberta, mais desregulamentada, mais privatizada, mas ainda com custos macroeconômicos muito elevados, faz com que as organizações produtivas tenham que dar particular atenção aos fatores da gestão microeconômica, os quais poderão contribuir, eventualmente, para atenuar o seu hiato competitivo em escala global.
Neste sentido, cabe mencionar as conclusões gerais de Michael Porter sobre a competitividade sistêmica de um país ou região: a) a competitividade não pode ser vista como um fenômeno macroeconômico, impulsionado por variáveis como taxas de câmbio, taxas de juros e déficits governamentais; b) a competitividade não é função de mão-de-obra barata ou de recursos naturais abundantes; c) as empresas de uma região ou de um país não terão êxito se não basearem suas estratégias no progresso e na inovação, numa disposição de competir, no conhecimento realista de seu ambiente nacional/regional/local e de como melhorá-lo; d) as empresas bem-sucedidas concentram-se, com frequência, em determinadas cidades, aglomerados urbanos ou estados dentro de um país; e) o processo de globalização das economias nacionais não exclui a importância das localidades que proporcionam um ambiente fértil para as empresas de indústrias específicas. Na verdade, se desejarmos expandir a capacidade de exportação da economia brasileira, é indispensável que observemos quais são os fundamentos da competitividade, visando a reestruturar os nossos sistemas produtivos, migrando-os de economias tradicionais para economias modernas.
2. A grande dificuldade que se apresenta para a formulação das mega-tendências da economia brasileira, até o ano de 2020, é a de articular os objetivos das políticas de estabilização no curto prazo com as políticas de desenvolvimento no longo prazo. Esta questão inclui, de um lado, a consolidação de um ajuste fiscal e financeiro, e, do outro lado, a superação do atual quadro de desigualdades sociais e regionais, por meio de políticas públicas que promovam o crescimento econômico, com equidade e sustentabilidade ambiental. Somente assim teremos condições de vislumbrar as trajetórias de desenvolvimento do País, no período 2005-2020 do PNRH. Neste período, há grandes chances de que possa vir a ocorrer um ciclo de expansão da economia brasileira.
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Um ciclo de expansão se caracteriza, em geral, por um período relativamente longo (em torno de uma década) de crescimento ininterrupto, com elevadas taxas de expansão global e setorial da economia. É precedido de um conjunto de reformas econômicas e institucionais que viabilizam, por meio de elevadas taxas de investimento, a eliminação de pontos de estrangulamento que constituem óbices à mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e socioambiental. No Brasil, no período que se estende a partir da II Grande Guerra, tivemos apenas dois ciclos de expansão: o ciclo de 1955 a 1961 dos anos JK e o longo ciclo do “milagre econômico” de 1967 a 1979. Os demais períodos de crescimento econômico se caracterizaram por sua volatilidade, disritmia e instabilidade, no estilo típico do stop and go, como vem ocorrendo nas duas últimas décadas, e, até mesmo, no período pós-Plano Real.
Existem muitas razões para esperar que se configure o terceiro ciclo de expansão da economia brasileira, se conseguirmos consolidar as reformas econômicas e institucionais em andamento:
O Brasil dispõe de uma base de recursos naturais, renováveis e não-renováveis, ampla e diversificada que lhe dá vantagens comparativas internacionais para um crescimento mais acelerado e condições para construir vantagens competitivas a partir desta base.
O nível de desenvolvimento das instituições políticas e das organizações econômicas atingiu um patamar no Brasil que favorece a formação de um ciclo de expansão no País, a partir de forças endógenas.
A mudança do papel do Estado na economia tem aberto melhores condições institucionais e oportunidades econômicas para a formação de um ciclo de crescimento no Brasil.
Nos últimos vinte anos, ocorreram mudanças substanciais no padrão demográfico do Brasil que terão consequências gerais e profundas no seu processo de desenvolvimento econômico e social, e consequências específicas na dinâmica de mercados de diversos bens e serviços.
Há um pressuposto de que, nos novos ciclos de expansão da economia brasileira, caberá à iniciativa privada o papel mais relevante no processo de conceber e de
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implementar os projetos de investimento, tanto em setores diretamente produtivos quanto em setores de infra-estrutura econômica em regime de concessões ou de parcerias público-privado. Pressupõe-se, também, que será indispensável a formulação de estratégias para as empresas estatais que ainda remanescerem nos setores de energia e de infra-estrutura para lhes dar condições competitivas num ambiente de negócios, onde as organizações nacionais estão cada vez mais expostas a concorrentes de todos os países do Mundo, em mercados em que perderam sua reserva e proteção.
3. Dependendo da configuração político-institucional de um novo ciclo de expansão, ele poderá acomodar de forma equilibrada os objetivos múltiplos de um processo de desenvolvimento sustentável para o País. Poderá superar uma visão dominante do crescimento econômico com elevados custos sociais e ecológicos, para perseguir uma trajetória de desenvolvimento onde se consigam ganhos expressivos para a sociedade brasileira em termos da redução do número de pessoas em regime de pobreza absoluta ou crítica, da atenuação das desigualdades sociais, de reversão da polarização espacial, da melhoria dos indicadores de qualidade de vida, do uso racional dos recursos ambientais numa perspectiva dos interesses entre gerações presentes e futuras, etc. Assim, a sociedade brasileira terá que realizar uma escolha entre os futuros possíveis, a partir destas mega-tendências e das mudanças e oportunidades no seu ambiente interno e externo.
Entretanto, se forem mantidas conservadoramente as atuais características do padrão de crescimento econômico e de acumulação de capital no País, o cenário tendencial de evolução dos indicadores de desenvolvimento sustentável poderá vir a ser de sua crescente deterioração, uma vez que: a) a crise fiscal e financeira dos três níveis de governo é um fator impeditivo da maior eficácia dos órgãos públicos que formulam, implementam e controlam as políticas de desenvolvimento sustentável; b) existem componentes autônomos nos processos de decisões descentralizadas de produção e de consumo nas diversas regiões do País, decorrentes de fatores econômicos e culturais, que continuam resultando em deterioração do seu capital natural e em reforço dos mecanismos sociais de reprodução da pobreza; c) é lento o avanço dos programas de educação ambiental que poderiam contrarrestar esta deterioração; d) a ausência de um efetivo sistema nacional de planejamento no País dificulta a inserção das questões de desenvolvimento sustentável na agenda de prioridades do Governo Federal; e) ainda é pouco expressivo o volume de recursos públicos e privados que
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vêm sendo alocados no desenvolvimento científico e tecnológico para enfrentar as questões de desenvolvimento sustentável no Brasil.
Assim, é fundamental que, na definição de diretrizes e metas do Plano Nacional de Recursos Hídricos, se busque uma concepção adequada de desenvolvimento para o Brasil, a qual não pode se limitar à promoção de um ciclo de expansão econômica mas deve conter, como elemento essencial, um crescente processo de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Esta preocupação deriva do fato de que a análise das experiências de expansão de diferentes economias no pós-Guerra não revela a existência de nenhuma correlação geral e sistemática entre o processo de crescimento econômico e a distribuição de renda e da riqueza geradas neste processo, assim como mostra que, frequentemente, o crescimento acelerado de economias nacionais e regionais se deu através do uso predatório da base de seus recursos naturais renováveis e não-renováveis que permitem sua operacionalização de forma prática.
4. Muitos analistas dos problemas de regiões que acumularam um grande atraso econômico, ou que perderam seu dinamismo, estão convencidos que o desenvolvimento não se limita apenas à expansão da capacidade produtiva (mais investimentos em projetos de infra-estrutura econômica ou em projetos diretamente produtivos). Segundo Celso Furtado “o verdadeiro desenvolvimento é, principalmente, um processo de ativação e canalização de forças sociais, de melhoria da capacidade associativa, de exercício da iniciativa e da criatividade. Portanto, trata-se de um processo social e cultural, e apenas secundariamente econômico. O desenvolvimento ocorre quando, na sociedade, se manifesta uma energia capaz de canalizar, de forma convergente, forças que estavam latentes ou dispersas. Uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão das preocupações e das aspirações dos grupos sociais que tomam consciência de seus problemas e se empenham em resolvê-los”.
Sergio Boisier tem insistido que o desenvolvimento de uma região ou localidade, no longo prazo, depende profundamente da sua capacidade de organização social e política para modelar o seu próprio futuro (processo de desenvolvimento endógeno), o que se relaciona, em última instância, com a disponibilidade de diferentes formas de capitais intangíveis na região ou localidade.
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Assim, um processo de desenvolvimento endógeno é concebido e implementado a partir da capacidade que dispõe determinada comunidade para a mobilização social e política de recursos humanos, materiais e institucionais, em uma determinada localidade ou região. Um processo de desenvolvimento endógeno percorre, normalmente, algumas etapas que permitem sua operacionalização de forma prática.
5. Para que as experiências de desenvolvimento endógeno adquiram transparência e legitimidade, é fundamental que estas aconteçam dentro do estilo de planejamento participativo. O planejamento governamental deve ser um processo aberto de negociação permanente entre o Estado e as instituições da sociedade civil. Negociar significa, entre outras coisas, assumir o conflito e reconhecer nos conflitos de interesse a própria seiva da experiência e dos compromissos democráticos. As lutas, os conflitos, os dissídios, as dissidências são as formas pelas quais a liberdade se converte em liberdades públicas, em liberdades concretas. Assim, o compromisso democrático impõe, a todas as etapas do processo de planejamento, o fortalecimento de estruturas participativas e a negação dos procedimentos autoritários que inibem a criatividade e o espírito crítico.
Embora a prática do planejamento participativo seja ainda embrionária no Brasil, já existem algumas instituições públicas, a nível federal, estadual e local, que estão modificando o seu estilo de atuação, visando a mobilizar os recursos latentes das comunidades e regiões para a concepção e a execução de projetos de desenvolvimento sustentável. O próprio Plano Nacional de Recursos Hídricos está sendo concebido e elaborado, fundamentalmente, como uma prática de planejamento participativo.
O processo de planejamento participativo apresenta uma série de aspectos surpreendentemente positivos em termos de eficácia operacional e de pedagogia social, os quais podem ser sumarizados da seguinte forma:
• haverá estímulos para que as comunidades locais possam tomar consciência de seus problemas reais e desenvolver sua criatividade na busca de soluções, gerando uma verdadeira construção de capacidades em torno da organização social e política de cada programa ou projeto;
• este tipo de pedagogia de participação tem, em seu bojo, forte conteúdo motivacional; terá, pois, muitas condições de incentivar as comunidades a se
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mobilizarem para a implantação das metas e dos objetivos previstos para os programas e projetos que elas mesmas ajudaram a decidir, e a enfrentar os sacrifícios decorrentes;
• durante as diversas fases de diagnose dos problemas e das potencialidades de cada região ou setor, as mesmas serão participadas por segmentos da comunidade, técnicos e líderes empresariais, aportando dados mais realistas e elementos qualitativos; evitar-se-á, então, que os conhecimentos se baseiem exclusivamente em dados quantitativos, que retratam apenas parte de sua realidade e escamoteiam, muitas vezes, informações qualitativas importantes para os processos de mudanças;
• o produto do processo de planejamento participativo será uma agenda de mudanças, com metas e objetivos mais contextualizados e mais adaptados à realidade concreta que se quer mudar e ao modelo que se deseja atingir, e, também, mais consentâneo com os meios de que as organizações e as comunidades locais podem dispor;
• este mesmo processo pedagógico ajuda a agregar novas vontades e interesses ao programa e, por isso mesmo, fortalece as forças favoráveis às mudanças, da mesma forma e pelas mesmas razões, ajuda a minar as forças de resistência que sempre se opõem a qualquer processo de transformações estruturais;
• os conflitos existentes para a organização e a consolidação de cada programa ou projeto, não significarão obstáculos intransponíveis; ao contrário, através da ação dialógica, da discussão e do debate, da negociação e da barganha, dos pactos e coalizões, se poderá garantir a canalização positiva dos conflitos de interesses.
Como destaca a Agenda 21 Brasileira, embora o processo participativo se baseie em alguns princípios e doutrinas fundamentais, a sua prática é multifacetada e os modelos operacionais adotados variam de acordo com as circunstâncias históricas de cada país, região ou localidade. Além do mais, a democracia participativa, mesmo sendo um grande avanço na legitimação do processo de tomada de decisão do setor público, não pode nem deve ser considerada substituta da democracia representativa que precisa ser fortalecida e instrumentalizada. Em última instância, é na própria democracia representativa que os segmentos não organizados da sociedade civil encontram espaço de interlocução e de expressão.
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6. Um País com dimensões geográficas e heterogeneidade sociocultural tem, como um dos principais objetivos de desenvolvimento, a preservação da sua unidade nacional. Assim, devem-se formular e implementar estratégias político-institucionais para o controle dos conflitos regionais, pela promoção do desenvolvimento sustentável das áreas periféricas do País e, particularmente, de melhoria da qualidade de vida de seus habitantes por meio de ações programadas, deixando de considerar estas regiões tão-somente como “grandes almoxarifados de recursos naturais e recursos energéticos” à disposição dos eixos mais desenvolvidos.
A distribuição espacial das atividades econômicas, nos dois ciclos de expansão da economia brasileira no pós-Guerra, permite definir uma periodização que mostra três diferentes momentos. O período de concentração econômica espacial, que ocorre de 1950 a 1975. O período de desconcentração econômica espacial, que vai da segunda metade dos anos 70 até a primeira metade dos anos 80 (1976-1986). E, finalmente, o período que vai de 1986 até o início do século XXI, de relativo equilíbrio na participação das economias regionais no Produto Interno Bruto, indicando o esgotamento ou a desaceleração do processo de desconcentração. Portanto, o Brasil está, atualmente, num ponto em que o processo de desconcentração espacial do crescimento econômico nacional, iniciado nos anos 70, tende a se estabilizar.
É de se esperar que os novos ciclos de expansão da economia brasileira, durante o século XXI, sejam intensivos em informação e conhecimento, em ciência e tecnologia na geração de diferentes produtos, processos e técnicas de gestão que irão compor a formação do Produto Nacional de uma economia cada vez mais exposta à competição externa. Estudos comparativos internacionais sobre os novos padrões de localização dos projetos de investimentos, semelhantes aos que irão dar sustentação a estes ciclos de expansão, identificam que as vantagens relativas das regiões para atraí-los dependerão, relativamente, cada vez menos da disponibilidade de recursos naturais ou de mão-de-obra não qualificada em abundância (fatores locacionais tradicionais) e cada vez mais da existência, na região, de trabalhadores qualificados em permanente processo de renovação de conhecimentos, centros de pesquisa, recursos humanos especializados, ambiente cultural, etc. (fatores locacionais especializados ou não-tradicionais). Dada a atual geografia de distribuição espacial destes fatores não-tradicionais entre as regiões brasileiras, há fortes sinalizações de que, no novo ciclo de expansão, poderá ocorrer uma reconcentração espacial dos seus benefícios no Sul e no Sudeste do País.
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Como os fatores locacionais especializados são do tipo man-made, podendo ser reproduzidos em quantidade e em qualidade ao longo do tempo por meio de ações de planejamento do desenvolvimento, amplia-se o grau de liberdade que dispomos para realizar políticas interregionais de natureza compensatória, aumentando o poder de atração de novos investimentos nas áreas menos desenvolvidas do País, ao longo dos novos ciclos de expansão econômica.
7. Apesar dos grandes avanços que as políticas brasileiras de preservação e de conservação dos recursos naturais têm atingido, ainda é inquietante a intensidade que vêm sendo utilizados, de forma predatória e não sustentável, os diferentes ecossistemas do País. Da mesma forma, em escala mundial, há uma inquietação quanto à capacidade de resistência da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos níveis de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes, que vêm sendo incorporados aos diversos mercados de bens e serviços por força dos incessantes ganhos de produtividade decorrentes da terceira revolução científica e tecnológica, da irreversível entrada da China na lógica da economia capitalista, da melhoria da distribuição de renda em muitos países emergentes, etc. Somam-se a tudo isto, os impactos destrutivos que as mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais, os quais têm colocado em dúvida a possibilidade de que haja tempo suficiente para que o processo de implementação das experiências bem sucedidas de políticas, programas e projetos de desenvolvimento sustentável possa contrarrestar os colapsos ou desastres ecológicos que vêm crescendo em número e em intensidade.
Em função destas inquietações, tem surgido um grande número de propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional baseada numa concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre estas propostas, destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial na qual se processam mudanças radicais na produtividade dos recursos materiais e de energia, e, na qual, a emergência do capitalismo natural se torna inevitável.
O ponto central e distinto do capitalismo natural é a hipótese que está se criando uma nova revolução industrial a partir dos aumentos radicais da produtividade dos recursos (matérias, energia) que trarão três grandes benefícios: a diminuição da exaustão dos recursos em uma ponta da cadeia de valor, a diminuição dos níveis de poluição na outra ponta, e a formação de uma base para ampliar o emprego de qualidade em escala mundial. Propõe que haja reinvestimentos na sustentação, na
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restauração e na expansão dos estoques de capital natural, a fim de que a biosfera possa produzir serviços de ecossistemas e recursos naturais mais abundantes; e tem a expectativa de que, dentro de uma geração, as nações possam ter um acréscimo de dez vezes na eficiência com que usam energia, recursos naturais e outros materiais. Especificamente, em relação à melhoria da produtividade dos recursos hídricos, as propostas do capitalismo são economicamente realistas e reestruturantes dos atuais padrões de uso e de conservação destes recursos, muitas destas propostas estão incorporadas nas políticas, programas e projetos do PNRH.
9. No processo de elaboração de um plano, onde se destacam objetivos múltiplos e conflitos de interesses sociais e regionais, como no caso do Plano Nacional de Recursos Hídricos, há necessidade de se explicitar uma estratégia de implementação, considerando cuidadosamente: como fazer acontecer o que foi proposto, que instrumentos econômicos e mecanismos institucionais utilizar, como viabilizar o seu financiamento, etc.
Em primeiro lugar, é preciso destacar o quadro das diferentes restrições a que o PNRH estará submetido, quando terminar a sua elaboração e se iniciar o seu processo de implementação. Na verdade, os problemas mais complexos de planejamento de médio e de longo prazo começam a emergir quando o Plano tem a responsabilidade de demonstrar, para a opinião pública, a sua eficiência (“fazer certo as coisas certas”) e a sua eficácia (“fazer as coisas certas”).
A primeira e maior restrição ou condicionalidade ao processo de implementação do Plano é a de que ele está nascendo num ambiente de um profundo ajuste fiscal e financeiro em andamento no País. Ora, é muito difícil, neste contexto de ajuste, viabilizar novos grandes investimentos de infra-estrutura tal como previstos no Plano, e toda tentativa de insistir nesta linha de trabalho estará fadada ao fracasso, pelo menos no curto prazo. Além do mais, se prevalecer o atual modelo de política econômica, esta dificuldade deverá avançar ao longo dos próximos dez anos.
Uma segunda restrição se refere à questão do desmonte do sistema nacional de planejamento no Brasil. Um plano de desenvolvimento de médio e de longo prazo, como o PNRH, tem maiores chances de se realizar num ambiente político-administrativo em que as práticas do planejamento estejam revigoradas e dinamizadas dentro do núcleo central do processo decisório dos três níveis de governo.
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Uma terceira restrição, também muito importante, está na limitada capacidade operacional da máquina administrativa dos três níveis de governo, que vem se fragilizando ao longo dos sucessivos ajustes macroeconômicos, desde os anos 80. De ajuste em ajuste, pôde se observar que os intermitentes cortes dos gastos públicos, visando a reduzir a absorção interna da economia, levaram a uma redução na oferta dos serviços públicos e semi-públicos, a uma perda na sua qualidade e a uma imprevisibilidade em suas ações programáticas. Assim, o PNRH emerge num contexto histórico de grande desmobilização motivacional da administração pública, onde tende a se comprometer a eficiência e a eficácia na execução dos seus programas, projetos e ações regulatórias.
10. Assim, para que as estratégias de desenvolvimento sustentável do PNRH sejam efetivamente implementadas, é fundamental que haja uma explícita incorporação, no seu processo decisório, das principais condicionalidades econômico-financeiras e político-institucionais do País, no curto, no médio e no longo prazo. Neste sentido, para identificar as linhas gerais de intervenção governamental direta e indireta, visando a viabilizar as ações do Plano, é preciso estabelecer diferentes taxonomias das suas políticas, programas e projetos, pois:
• há casos em que a questão básica não é, fundamentalmente, de disponibilidade de novos recursos fiscais e financeiros, mas de se reprogramar o uso dos recursos já disponíveis ou de determinação política para tornar efetivas as regulamentações já existentes;
• mesmo para alguns programas e projetos previstos no PNRH que envolvem volumosos recursos fiscais e financeiros ainda não disponíveis, é possível modulá-los intertemporalmente, visando a esperar melhores momentos de prosperidade econômica no País, quando se configurar o novo ciclo de expansão sustentada;
• é possível ampliar as fontes de financiamento próprias do PNRH, utilizando com maior eficiência e eficácia os instrumentos econômicos previstos legalmente para a gestão dos recursos hídricos, assim como ampliar a diversidade e o escopo destes instrumentos;
• há um grande número de projetos de grande relevância para a implementação do PNRH, os quais podem ser seletivamente promovidos junto ao Segundo
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Setor (por causa de sua rentabilidade privada), ou junto ao Terceiro Setor (por causa de seus impactos sociais e ambientais);
• o próprio Governo Federal, reconhecendo as pesadas restrições e condicionalidades dos programas de ajuste fiscal e financeiro, tem procurado gerar alternativas para o financiamento de programas e projetos de desenvolvimento, como as incipientes e promissoras experiências de PPP (Parcerias Público-Privado).
DIRETRIZES E METAS PARA O PNRH
PRODUTO 3: Avaliação de Diretrizes e Metas Versão Final
ANEXO 2 – COMENTÁRIOS E RECOMENDAÇÕES
PRODOC 704 BRA 2041 ANA/UNESCO
Nome do Consultor:
PAULO ROBERTO HADDAD
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ESTRATÉGIA DE IMPLEMENTAÇÃO
1. Os Programas e Sub-Programas que compõem o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) apresentam algumas características comuns: a) o envolvimento de
diferentes setores da administração direta e da administração indireta dos três níveis de
governo; b) a participação direta e informal das comunidades interessadas, uma vez que o
PNRH, em sua concepção e em sua execução, optou pelo estilo de planejamento
participativo; c) a multiplicidade de disciplinas e experiências profissionais envolvidas, com
suas idiossincrasias próprias, etc.
Por outro lado, a gestão integrada da qualidade dos recursos hídricos adquire especial
importância por vários fatores (cf. Mônica Porto e Francisco Lobato):
• A necessidade da integração de escalas, desde a visão macroscópica que enxerga a
totalidade das bacias hidrográficas e suas vocações, até a visão da micro-escala que
procura agir sobre o poluidor e controlar seus impactos;
• A necessidade de integração de mecanismos de gestão, que, usualmente, se
encontram em instituições distintas, como a área ambiental e de recursos hídricos e as
do desenvolvimento urbano e regional.
2. Usualmente, o processo de implementação de um plano de desenvolvimento
integrado e sustentável, como o PNRH, envolve delicados problemas de coordenação, pois as instituições públicas e privadas que participam do Plano, tendem a desenvolver o
seu espaço próprio de decisão, fechando-se em torno de missões e temas programáticos
específicos e, ao mesmo tempo, protegendo-se quanto às tentativas de interferências das
atividades de coordenação externa. Por exemplo: um programa abrangente de formação de
recursos humanos para a gestão de recursos hídricos (por exemplo: o SUB-PROGRAMA
IV.1. Capacitação e Educação Ambiental com Foco em Recursos Hídricos, do PNRH) não
pode prescindir da cooperação das instituições, públicas e privadas, vinculadas às políticas
educacionais e de formação de recursos humanos na região em que se localiza. Assim,
quando lhes é solicitada a cooperação para executar determinadas atividades do programa,
é necessário considerar a questão recorrente da heterogeneidade das diferentes
organizações envolvidas, quanto ao seu grau de maturidade institucional (há aquelas que
ainda não firmaram sua identidade), à sua capacidade de decisão e de implementação (há
as que costumam paralisar diante de escolhas a fazer), à sua cultura profissional (muitas
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cultivam “o desenvolvimentismo” como base de suas ações), etc. Estes fatores podem
explicar, ainda que parcialmente, os diversos exemplos de conflitos institucionais em torno
das políticas de desenvolvimento sustentável, resultando em impasses decisórios
(paralisantes ante escolhas críticas), em predominância de elementos irracionais
(confundindo objetivos com instrumentos) e desperdício de recursos (por meio da
sobreposição de funções e das disputas por liderança).
Assim, um plano de desenvolvimento integrado e sustentável, como o PNRH, deve
conceber a coordenação das entidades públicas e privadas, atuantes na sua área de
influência, em função de problemas rigorosamente focalizados no nível de programas e
projetos. As suas ações devem ser de natureza pragmática em busca de resultados
operacionais, envolvendo a mediação de conflitos e disputas, a eliminação de setorialismos
injustificáveis, a promoção de consensos, a busca do dinamismo real em lugar das divisões
formais, etc., para fazer acontecer os objetivos e metas do Plano.
3. Enfatizamos que muitos dos problemas reais com a gestão de recursos hídricos não estão tanto em sua concepção e planejamento, mas na sua implementação. As chances de sucesso na implementação de um plano, programa ou
projeto são muito reduzidas usualmente, se o seu nível de especificidade é baixo; ou seja: a)
se é reduzida a extensão em que é possível especificar, para uma determinada atividade, os
objetivos a serem atingidos, os métodos para atingir estes objetivos e as formas de controlar
os seus bons resultados, assim como premiar os atores responsáveis por estes resultados;
b) se são limitados os seus efeitos em termos de intensidade, dos prazos para se tornarem
aparentes, do número de pessoas e atividades afetadas, e das possibilidades práticas de
traçar os próprios efeitos. Em geral, quanto maior o grau de especificidade de um plano,
programa ou projeto, mais intensos, imediatos, identificáveis e focalizados serão os seus
efeitos; a ausência de especificidade torna a sua gestão mais complexa e difícil, pois
permite às estruturas organizacionais que o implementam maior latitude e graus de
liberdade na interpretação ad hoc das suas normas e regulamentações (cf. A. Israel
Institutional Development: Incentives to Performance; World Bank, 1989)..
4. É possível identificar um conjunto de motivos para que os diferentes atores e
instituições envolvidos na implementação de um plano de desenvolvimento integrado e
sustentável possam concordar com os seus objetivos e, ainda assim, opor (ou simplesmente
deixar de facilitar) meios para executá-lo: a) incompatibilidade direta com outros
compromissos: os atores podem concordar com os méritos do plano, mas considerar que
este é incompatível com outras de suas metas organizacionais; b) nenhuma
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incompatibilidade direta, mas uma preferência para outros programas ou projetos; c)
compromissos simultâneos com outros programas e projetos que demandam,
crescentemente, o uso alternativo de seu tempo e atenção; d) dependência de atores para
os quais o plano não tem um sentido de urgência, ou de atores com forte adesão aos seus
objetivos mas sem poder de decisão; etc.
Ou seja, nenhum ator institucional, público ou privado, tende a exprimir desacordo quanto
aos objetivos de desenvolvimento sustentável do PNRH. Estes objetivos são considerados
meritórios do ponto de vista da opinião pública, sendo “politicamente correto” um cidadão e
uma organização responsáveis manifestar propensão a apoiá-lo. Contudo, isto não significa
que esteja pronto para tomar decisões, motivado para promover desobstruções ou eliminar
pontos de estrangulamento, a fim de chegar a acordos necessários para acelerar a
execução do Plano.
5. O SUB-PROGRAMA III.7 do PNRH (Aplicação de Instrumentos Econômicos à
Gestão de Recursos Hídricos) é fundamental para que o “Desenvolvimento e
Implementação dos Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos” não se limite aos
mecanismos regulatórios de comando e controle. Em geral, pode-se observar que: a) quanto
mais rigorosos forem os critérios de uma agência pública quanto aos padrões estabelecidos
para a qualidade de um recurso ambiental (os recursos hídricos das bacias hidrográficas,
por exemplo), maiores serão as chances de ter de defender estes critérios em morosos
processos administrativos ou em recursos interpostos em tribunais não-especializados e de
tornar-se impotente diante da continuidade dos processos de poluição; b) custos
administrativos elevados, assimetrias no acesso a informações relevantes, conflitos legais,
lentidões em processos administrativos e judiciais, diversidades de situações tecnológicas e
econômicas entre firmas de um mesmo setor (agropecuário, por exemplo), entre outros
motivos, fazem com que um programa bem sucedido de regulamentação direta seja uma
forma de intervenção governamental, com custos políticos e econômicos muito elevados; c)
ao mesmo tempo, a gestão cotidiana das normas e regulamentos em vigor não consegue
conquistar confiabilidade por parte da opinião pública quanto à sua eficiência e à sua
eficácia, dadas as dificuldades observadas na capacidade operacional dos órgãos gestores
(falta de pessoal especializado, níveis de salários insatisfatórios, baixo nível de motivação
para o trabalho, etc.).
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6. Feitas estas reflexões, é possível fazer as seguintes recomendações:
a) o PNRH, após a sua elaboração e aprovação legislativa, precisa preparar um documento
denominado Estratégia de Implementação, que definirá como fazer acontecer o que foi
proposto, os instrumentos econômicos e os mecanismos institucionais a serem adotados,
como viabilizar o financiamento dos Programas e Sub-Programas, os cronogramas físicos e
financeiros de sua execução, etc.;
b) o PNRH precisa ser negociado detalhadamente com as autoridades econômicas das
Secretarias do Orçamento e do Tesouro Nacional para definir o seu financiamento a partir
da LDO, do OGU, de PPAs, etc., inclusive as implicações de custos de custeio e de
investimento previstos para as ações regulatórias mais significativas (por exemplo: SUB-
PROGRAMA III.6 – Planos de Recursos Hídricos e Enquadramento de Corpos Hídricos em
Classes de Uso);
c) é fundamental organizar um sistema de gerenciamento orientado para resultados
(SIGEOR) o qual inclui um conjunto de indicadores intermediários e finalísticos, visando ao
controle e à avaliação do PNRH;
d) o PNRH precisa dispor de um projeto de comunicação social relativo às suas Macro-
Diretrizes e aos seus Programas e Sub-Programas, visando a atingir aos principais
formadores de opinião (stakeholders) do País e de suas regiões;
f) o PNRH deve utilizar o sistema de rolling plan, através do qual, no fim da sua execução
em cada ano, ele é refeito a partir das experiências ocorridas, das novas realidades
econômicas e político-institucionais do agravamento dos indicadores de sustentabilidade
ambiental das bacias hidrográficas do País, etc.