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DIREITOS APLICÁVEIS AO TRABALHADOR MIGRANTE E FRONTEIRIÇO Caio Gama Mascarenhas 1 Mariana Teixeira Thomé 2 RESUMO: O trabalho pretende abordar os direitos do trabalhador migrante e fronteiriço desde o início de sua proteção legislativa até os dias atuais. Analisa-se a proteção desse trabalhador tanto no âmbito da legislação nacional bem como no da legislação internacional. O trabalho visa, também, comparar os direitos e garantias conferidos ao trabalhador migrante e fronteiriço no Estatuto do Estrangeiro de 1980 com os conferidos pela atual Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017). Discorre-se acerca da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul de 1998/2015, dissecando sobre aspectos relevantes no trato das relações de trabalho do migrante fronteiriço como, por exemplo, a não discriminação entre os trabalhadores e a circulação dos trabalhadores na zona de fronteira. Faz-se também uma retrospectiva sobre o modo em que a legislação trabalhista era aplicada a esse trabalhador. Nesse ponto, cita-se a extinta súmula 207 do TST e seus impactos na época, bem como o princípio da norma mais favorável conforme a jurisprudência trabalhista. Analisa-se, também a Lei n. 7.064/1982 que regula a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Por fim, trata-se da regra de competência tratada na CLT e do CPC de 2015 no âmbito da cooperação jurídica internacional e de eventuais reflexos da reforma trabalhista nos direitos do trabalhador migrante e fronteiriço. Palavras-chave: direitos. trabalhador. Migrante. Fronteiriço. proteção. 1 INTRODUÇÃO A pertinência deste trabalho se concentra na abordagem prática e teórica dos problemas envolvendo os direitos trabalhistas do trabalhador migrante e fronteiriço 1 Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) com especialização em Direito Administrativo e Constitucional pela mesma instituição. Aluno especial do mestrado em Direitos Humanos da UFMS. Procurador do Estado do Mato Grosso do Sul. 2 Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) com especialização em Direito Administrativo e Constitucional pela mesma instituição. Aluna especial do mestrado em Direitos Humanos da UFMS. Advogada. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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DIREITOS APLICÁVEIS AO TRABALHADOR MIGRANTE E FRONTEIRIÇO

Caio Gama Mascarenhas1 Mariana Teixeira Thomé2

RESUMO: O trabalho pretende abordar os direitos do trabalhador migrante e fronteiriço desde o início de sua proteção legislativa até os dias atuais. Analisa-se a proteção desse trabalhador tanto no âmbito da legislação nacional bem como no da legislação internacional. O trabalho visa, também, comparar os direitos e garantias conferidos ao trabalhador migrante e fronteiriço no Estatuto do Estrangeiro de 1980 com os conferidos pela atual Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017). Discorre-se acerca da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul de 1998/2015, dissecando sobre aspectos relevantes no trato das relações de trabalho do migrante fronteiriço como, por exemplo, a não discriminação entre os trabalhadores e a circulação dos trabalhadores na zona de fronteira. Faz-se também uma retrospectiva sobre o modo em que a legislação trabalhista era aplicada a esse trabalhador. Nesse ponto, cita-se a extinta súmula 207 do TST e seus impactos na época, bem como o princípio da norma mais favorável conforme a jurisprudência trabalhista. Analisa-se, também a Lei n. 7.064/1982 que regula a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Por fim, trata-se da regra de competência tratada na CLT e do CPC de 2015 no âmbito da cooperação jurídica internacional e de eventuais reflexos da reforma trabalhista nos direitos do trabalhador migrante e fronteiriço. Palavras-chave: direitos. trabalhador. Migrante. Fronteiriço. proteção.

1 INTRODUÇÃO

A pertinência deste trabalho se concentra na abordagem prática e teórica dos

problemas envolvendo os direitos trabalhistas do trabalhador migrante e fronteiriço

1 Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) com especialização em Direito Administrativo e Constitucional pela mesma instituição. Aluno especial do mestrado em Direitos Humanos da UFMS. Procurador do Estado do Mato Grosso do Sul. 2 Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) com especialização em Direito Administrativo e Constitucional pela mesma instituição. Aluna especial do mestrado em Direitos Humanos da UFMS. Advogada.

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As constantes implicações sociais e econômicas que envolvem o Direito e Processo

do Trabalho já são demasiadamente complexas, mas são ainda mais evidentes quando

aplicadas no âmbito transnacional.

Nessa conjuntura, será apresentada a evolução dos direitos do trabalhador migrante

e fronteiriço desde o início de sua proteção legislativa até os dias atuais. Analisa-se a

proteção desse trabalhador tanto no âmbito da legislação nacional bem como no da legislação

internacional.

A metodologia do presente trabalho envolve a comparação entre os direitos e

garantias conferidos ao trabalhador migrante e fronteiriço no Estatuto do Estrangeiro de

1980 com os conferidos pela atual Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017).

Discorre-se, igualmente, acerca da Declaração Sociolaboral do Mercosul de

1998/2015, dissecando sobre aspectos relevantes no trato das relações de trabalho do

migrante fronteiriço como, por exemplo, a não discriminação entre os trabalhadores e a

circulação dos trabalhadores na zona de fronteira. Faz-se também uma retrospectiva sobre o

modo em que a legislação trabalhista era aplicada a esse trabalhador.

Estuda-se ainda a evolução jurisprudencial sobre o assunto – principalmente em

relação à extinta súmula 207 do TST e seus impactos na época, bem como o princípio da

norma mais favorável conforme a jurisprudência trabalhista.

Analisa-se, também a Lei nº 7.064/1982 que regula a situação de trabalhadores

contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Por fim, trata-se da regra de

competência tratada na CLT e do CPC de 2015 no âmbito da cooperação jurídica

internacional e de eventuais reflexos da reforma trabalhista nos direitos do trabalhador

migrante e fronteiriço.

2 HISTÓRIA LEGISLATIVA DO TRABALHADOR ESTRANGEIRO

Em se tratando de uma síntese da evolução das leis no contexto de proteção do

trabalhador estrangeiro, é importante citar o art. 3º do Código Civil de 1916 que declarou

que "a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e ao gozo dos

direitos civis".

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Posteriormente, houve a edição do Decreto nº 18 de 1928. Esse instrumento tornou

obrigatório o uso do passaporte, sob a perspectiva do impacto dos interesses da colonização

e de restrições de exploração de minas e jazidas minerais.

Em 1929, por força do Decreto nº 18.926 e do Decreto nº 18.871, foram

incorporadas, ao direito brasileiro, as diretrizes da Convenção sobre a Condição Jurídica do

Estrangeiro de Havana de 1928. Nesse aspecto, houve uma concessão de todos os direitos e

garantias individuais aos estrangeiros domiciliados ou de passagem no território brasileiro.

É o que disciplina o art. 5º da convenção:

Os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem aos próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem prejuízo, no que concerne aos estrangeiros, das prescrições legais relativas à extensão e modalidades do exercício dos direitos e garantias.

As regras do Código de Direito Internacional Privado (Código Bustamante)

também tiveram por objetivo estender aos estrangeiros dos Estados contratantes os mesmos

direitos civis concedidos aos nacionais. É o que apregoa o art. 1º do diploma: “os estrangeiros

que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam no território dos demais, dos

mesmos direitos civis que se concedam aos nacionais”.

Em 1930, iniciou-se o desenvolvimento de uma política de proteção à mão-de-obra

nacional implementada por meio da legislação da União sobre imigração e trabalho do

estrangeiro. A partir de 1942 valorizou-se um aspecto dessa proteção por meio da concessão

de residência no país ao estrangeiro, independentemente de sua nacionalidade, com o fim de

integrá-lo em nosso ordenamento jurídico.

Em 1943, com a promulgação da CLT (Decreto-Lei nº 5.452/1943), houve o

estabelecimento de uma reserva de mercado aos empregados brasileiros. O art. 352 e

seguintes da CLT previu a denominada lei dos dois terços que objetivou instituir uma

proporcionalidade de empregados brasileiros nas empresas nacionais, segundo um princípio

de nacionalização do trabalho. Nesse contexto, ressalta-se que a compatibilidade do referido

princípio deve ser analisada com a internacionalização resultante do Mercosul.

A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 (art. 153) asseguraram

aos estrangeiros isonomia com os brasileiros quanto à inviolabilidade dos direitos à vida, à

liberdade, à segurança e à propriedade. Em relação à emenda, havia, no entanto, duas

restrições previstas nos artigos 173, § 1º e 174, I e III e seu § 1°:

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Art. 173. A navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais, salvo caso de necessidade pública.

§ 1º Os proprietários, armadores e comandantes de navios nacionais, assim como dois terços, pelo menos, dos seus tripulantes, serão brasileiros natos.

§ 2º [...]

Art. 174. A propriedade e a administração de emprêsas jornalísticas, de qualquer espécie, inclusive de televisão e de radiodifusão, são vedadas:

I - a estrangeiros;

II - a sociedades por ações ao portador; e

III - a sociedades que tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto partidos políticos.

§ 1º A responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa das emprêsas mencionadas neste artigo caberão somente a brasileiros natos.

Em 1969 é promulgado o Decreto-lei nº 691 que dispõe sobre a não aplicação de

diversas disposições da legislação trabalhista aos contratos de técnicos estrangeiros.

Com o fim de assegurar uma maior proteção aos estrangeiros, é promulgado, em

1980, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80). Esse diploma introduz novas disposições

acerca da proteção do forasteiro, define sua situação jurídica no Brasil e cria o Conselho

Nacional de Imigração.

Uma grande novidade no cenário do trabalhador estrangeiro foi inserida com a

promulgação da Lei nº 7.064/82 que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou

transferidos para prestar serviços no exterior. Essa lei se correlaciona com o Decreto nº

89.339/84 que trata sobre pessoal contratado ou transferido, na área da construção civil, para

prestar serviços em outro país.

A Constituição Federal de 1988 manteve a isonomia dos estrangeiros com os

brasileiros, ressalvadas algumas hipóteses envolvendo a segurança nacional.

Em relação aos tratados internacionais assinados pelo Estado brasileiro, observa-se

que o Brasil ratificou várias convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

como, por exemplo, a Convenção nº 19 sobre igualdade de tratamento entre estrangeiros e

nacionais em acidentes de trabalho (Decreto nº 41.721/57), a Convenção nº 97 sobre

trabalhadores migrantes (Decreto nº 58.819/66) e a Convenção nº 118 sobre igualdade de

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tratamento entre nacionais e estrangeiros em matéria de seguridade social (Decreto nº

66.497/70).

O Brasil também ratificou o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das

Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas (Decreto-legislativo nº 28/92 e Decreto nº

619/92), o Protocolo Adicional de Itaipu (Decreto nº 75.242/75), o Acordo de Previdência

Social Brasil-Uruguai (Decreto nº 85.248/80) e o Acordo de Previdência Social Brasil-

Argentina (Decreto nº 87.91882).

Linda-se, em um contexto global, que o Estado brasileiro assinou a Declaração

Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Declaração Americana

dos Direitos e Deveres do Homem, a Carta da Organização dos Estados Americanos e a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Protocolo de São José da Costa Rica).

Destaca-se ainda que, em 24 de maio de 2017, foi promulgada a Lei de Migração

que objetivou dar maior proteção jurídica ao imigrante em solo nacional, revogando o

estatuto do estrangeiro.

3 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) foi promulgado em 1980 com o fim

inicial de compilar a esparsa legislação vigente a respeito (CAHALI, 2010). Em seu artigo

4º, ao classificar as hipóteses de ingresso do estrangeiro no Brasil, considera os diversos

tipos de vistos a fim de condicioná-los à prestação de serviços. Nesse aspecto, ressalta-se

que o trabalho é mera decorrência do ingresso no país, não sua causa.

Ao dispor sobre admissão, entrada ou impedimento de estrangeiro no país, o

Estatuto do Estrangeiro prevê, dentre outras, as seguintes hipóteses de concessão de visto

(que correspondem a uma classificação de modalidades de ingressos):

1. Visto de trânsito: concedido àquele que, para atingir o país de destino, tenha que

entrar em território nacional;

2. Visto de turista: concedido ao estrangeiro que ingressar no país com fim

recreativo ou em visita e que não tenha finalidade imigratória nem intuito de exercício de

atividade remunerada;

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3. Visto temporário: concedido ao estrangeiro em viagem cultural, missão de

estudos, viagem de negócios, artista, desportista, estudante, cientista, professor, técnico ou

profissional de outra categoria sob regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro,

jornalista de rádio, jornal, televisão ou agência estrangeira, ministro de confissão religiosa

ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa; e

4. Visto permanente, concedido ao estrangeiro: a) que pretenda se fixar no país com

o fim de propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional; b)

que pretenda se fixar no país como investidor com recursos de origem externa nas condições

da Resolução nº 27/94 do Conselho Nacional de Imigração; e c) pesquisador que pretenda

se fixar no país para exercer atividades junto a instituições de pesquisas em ciências e

tecnologia, na forma da Resolução nº. 26/94 do Conselho Nacional de Imigração.

Completam a relação os vistos de cortesia, oficial e diplomático.

É de extrema relevância citar a nova modalidade de visto prevista na Lei de

Migração (Lei nº 13.445/17): o visto humanitário. Esse poderá ser concedido ao imigrante

que venha ao país com o fim de estabelecer residência por tempo determinado e será

concedido gratuitamente, independentemente do pagamento de taxas.

O visto humanitário poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer

país nas seguintes situações: grave ou iminente instabilidade institucional, conflito armado,

calamidade de grande proporção e desastre ambiental ou grave violação de direitos humanos

ou de direito internacional humanitário.

A fim de facilitar a concessão do visto humanitário a quem dele necessitar, a Lei de

Migração prevê que a identificação civil do solicitante do visto poderá ser realizada com a

apresentação dos documentos de que o imigrante dispuser. Veda-se, também a aplicação da

repatriação a quem necessite de acolhimento humanitário no país bem como não se permite

a devolução do indivíduo para país ou região que possa apresentar risco à vida, à integridade

pessoal ou à liberdade da pessoa (princípio da não devolução).

Uma questão prática acerca do visto humanitário no Brasil seria a sua aplicação em

favor dos refugiados oriundos da Venezuela, nos anos de 2016 e 2017. As hipóteses de

“grave ou iminente instabilidade institucional” e “calamidade de grande proporção” estão

claramente delineadas na situação da Venezuela. A desastrosa crise política e econômica,

alta inflação, a miséria e a crise de abastecimento de alimentos no país poderia ser motivo

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suficiente para a instituição do visto humanitário para os refugiados. Tal interpretação, no

entanto, caberá única e exclusivamente às autoridades públicas brasileiras responsáveis pela

concessão do visto. O Brasil, após curto período de indecisão, acabou por adotar tal

interpretação (FOLHA DE SÃO PAULO, 2017).

3.1 DO FRONTEIRIÇO

O Estatuto do Estrangeiro trata, em seu art. 21, da entrada do fronteiriço em

território nacional, condicionando a sua entrada (quando natural de país limítrofe) à

apresentação de prova de identidade.

Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade.

Nota-se que o trabalhador fronteiriço possui característica singular: ele deve advir

de um local que faça divisa com o país e proporcione sua transição, pois a sua residência é

mantida em seu país de origem. A condição exigida para que haja o trabalho fronteiriço

acaba não permitindo que muitas regiões brasileiras vivenciem essa experiência.

Trata-se, dessa forma, de um tipo sui generis, especial, de trabalhador que vive na

região da fronteira de seu país, trabalha na região da fronteira do país vizinho e retorna à sua

residência diariamente, ou no final de semana, não se tratando de processo migratório

definitivo ou mesmo temporário (SANTOS; FARINA, 2011, p. 224).

Nesse contexto, nota-se que a migração de trabalhadores é fenômeno social do

mundo globalizado, com implicações nos direitos trabalhistas e previdenciários e garantias

fundamentais internacionalmente reconhecidas. É fenômeno antigo que adquiriu maior

relevância a partir da experiência europeia, onde o processo de integração é o exemplo mais

avançado hodiernamente. Na Europa o trabalhador migrante, seja fronteiriço ou não, possui

igualdade de tratamento e de direitos em relação aos nacionais de qualquer país integrante

da União Europeia (disponível em:<http://eur-lex.europa.eu/pt/index.htm>.).

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Ressalta-se, que o fato de a relação contratual do trabalhador fronteiriço ocorrer em

um país alheio ao de sua residência imprime aspectos singulares ao labor como, por exemplo,

qual norma jurídica irá nortear e disciplinar seu contrato.

Caso o fronteiriço pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar

estabelecimento de ensino nos municípios fronteiriços a seu país de origem ele obterá

documento especial e carteira de trabalho e previdência social. Ressalta-se que a emissão

desses documentos não confere direito de residência no Brasil nem autorizam o afastamento

dos limites territoriais daqueles municípios.

Art. 21 [...]

§ 1º Ao estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso.

§ 2º Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.

A recém promulgada Lei de Migração traz uma definição mais ampla de fronteiriço.

Segundo o prescrito no art. 1º da Lei, considera-se residente fronteiriço a “pessoa nacional

de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço

de país vizinho”. Houve a inclusão do apátrida como residente fronteiriço para fins de

aplicação da legislação específica.

No que tange à proteção do migrante na relação de trabalho, a nova lei prevê que a

ele é assegurado garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas (art.

4º, XI), aplicando-se as normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da

nacionalidade e da condição migratória.

Como forma de promover a inclusão dos migrantes, a nova legislação previu o fato

de que as autoridades brasileiras serão tolerantes em relação ao uso do idioma do residente

fronteiriço e do imigrante quando eles se dirigirem a órgãos ou repartições públicas para

reclamar ou reivindicar os direitos decorrentes da lei de migração (art. 112).

Há, também, previsão de princípios e diretrizes que regulamentam a política

migratória brasileira, destacando-se entre eles o acesso igualitário e livre do migrante a

serviços; programas e benefícios sociais; bens públicos; educação; assistência jurídica

integral pública; trabalho; moradia; serviço bancário e seguridade social (art. 3º, XI) e a

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integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas

regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço (art. 3º, XVI).

Com o fim de dar maior efetividade a todo o arcabouço protetivo, o art. 23 do novo

estatuto disciplina a possiblidade de o residente fronteiriço realizar atos da vida civil,

mediante autorização do órgão competente. A autorização deverá indicar o município

fronteiriço no qual o residente estará autorizado a exercer os direitos bem como deverá

especificar a abrangência do espaço geográfico da medida.

A nova legislação também previu a possibilidade de concessão de residência, por

meio de registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que tenha a residência

com o fim de estabelecer seu trabalho; de realizar tratamento de saúde; de acolhida

humanitária, entre outros. A concessão de residência também poderá ocorrer quando a

pessoa for beneficiária de tratado em matéria de residência e livre circulação; for detentora

de oferta de trabalho; for beneficiária de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida e outras

hipóteses.

A concessão do documento de residente fronteiriço está sujeita a cancelamento que

pode ocorrer a qualquer tempo, desde que ele cometa um dos quatro atos: fraudar documento

ou utilizar documento falso para obter a concessão, obter outra condição migratória, sofrer

condenação penal ou exercer direito fora dos limites previstos na autorização.

4 CONVENÇÃO Nº 143 DA OIT – TRABALHADORES MIGRANTES E FRONTEIRIÇOS

A Convenção nº 143, embora não ratificada pelo Brasil, assegura aos trabalhadores

migrantes e fronteiriços o mesmo tratamento concedido ao trabalhador nacional. Dessa

forma, ela prevê que os direitos e garantias que prevalecem em uma relação contratual são

os do local da prestação de serviço, não do local da estipulação do contrato.

É importante ressaltar que, em relação à proteção do trabalhador fronteiriço cabe

ao Estado-Parte criar normas sobre a circulação de trabalhadores em zonas de fronteira. Essa

medida visa evitar, também, que ocorram tratamentos abusivos. Nesse aspecto, tem-se que

a referida convenção trata, em sua primeira parte, sobre o tema, combatendo o tráfico de

mão-de-obra, a migração clandestina e o emprego ilegal de imigrantes.

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A convenção determina a aplicação de medidas nacionais de natureza

administrativa, civil e penal para o combate dos tratamentos abusivos. Há, também, o dever

dos Estados agirem de foram conjunta, na troca de informação e a atuação de órgãos públicos

para o combate de crimes dessa natureza.

O destaque de tratamento presente na Convenção nº 143 diz respeito à distinção

feita entre o migrante e o fronteiriço. A segunda parte da convenção, que trata sobre

igualdade de oportunidades e de tratamento, disciplina sobre o conceito de trabalhador

migrante e discorre que ela não se aplica ao trabalhador fronteiriço.

Para tanto, considera-se trabalhador migrante a pessoa que emigra ou emigrou de

um país para outro com o fim de ocupar um emprego não por conta própria, compreendendo

todo e qualquer indivíduo regularmente admitido como trabalhador migrante.

Dessa forma, questiona-se: no caso do trabalhador fronteiriço, qual a legislação

aplicável?

4.1 LEGISLAÇÃO TRABALHISTA APLICÁVEL AO TRABALHADOR FRONTEIRIÇO E EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Com o fim de solidificar um entendimento sobre o tema, por muito tempo a resposta

à indagação feita acima encontrou-se na jurisprudência da seara trabalhista. Com o fim de

apaziguar a questão, o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula nº 207 que dispunha

que as relações de trabalho são regidas pelas leis vigentes no país da prestação de serviço:

Súmula nº 207 do TST. CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO. PRINCÍPIO DA "LEX LOCI EXECUTIONIS" (cancelada) - Res. 181/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012

A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.

A súmula 207 consagrava o princípio lex loci execucionis, segundo o qual a lei que

rege um contrato de trabalho é aquela do local da prestação de serviços e não do local de

contratação. Nesse contexto, ressalta-se que, embora houvesse a edição da súmula 207 do

TST disciplinando sobre a regra de aplicação material, havia doutrinas que entendiam que

deveria prevalecer o disciplinado na Lei nº 7.064/82.

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Essa lei trata sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para

prestar serviços no exterior e disciplina acerca da aplicação da norma mais favorável ao

empregado, consoante com o princípio basilar do direito do trabalho da norma mais

favorável.

Por muito tempo, essa legislação previu apenas normatização específica para os

trabalhadores de empresas prestadoras de serviços de engenharia no exterior. Não havia,

desse modo, previsão acerca das demais modalidades de trabalho que utilizassem a

transferência de empregados para laborar no exterior. Foi em 2009, por meio da Lei nº

11.962, que a legislação passou a regulamentar a situação de trabalhadores contratados no

Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior.

Em 2012, o TST cancelou a súmula 207 sob o fundamento de que o princípio da

lex loci executionis foi sendo, paulatinamente, substituído pela aplicação da norma mais

favorável ao trabalhador – principalmente após a edição da Lei nº 7.064/82, que trouxe

importante exceção ao referido princípio (art. 3º, II).

Art. 3º A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços:

I - os direitos previstos nesta Lei;

II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas em relação a cada matéria.

Em 2014, o TRT da 4ª Região3, manifestou-se sobre o tema, aplicando a

inteligência do inciso II do art. 3º da Lei nº 7.064/82:

TRABALHADOR FRONTEIRIÇO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. O trabalhador fronteiriço que, no desenrolar de um mesmo período contratual, prestar serviços para o mesmo empregador de forma intermitente em dois ou mais países vizinhos, não pode estar sujeito a duas ou mais legislações diversas. Em situações como essa, deve ser aplicada a legislação mais benéfica ao empregado. Portanto, o princípio da norma mais favorável vigora no âmbito das relações contratuais, considerando-se aplicável, ao caso, a legislação pátria. Inteligência da Lei n. 7.064/1982 art. 3º inciso II. Apelo do reclamante provido. (Acórdão do processo 0000101-08.2013.5.04.0111 (RO), 19.3.2014; origem: Vara do Trabalho de Santa Vitória do Palmar; órgão julgador: 1ª Turma; redator: Iris Lima de Moraes. Participam Marçal Henri dos Santos Figueiredo, Lais Helena Jaeger Nicotti. TRT4).

3 A decisão foi proferida no Recurso Ordinário (RO) 0000101-08.2013.5.04.0111, da lavra da Desembargadora Iris Lima de Moraes.

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Neste contexto cita-se o exemplo do que ocorre na Comunidade Europeia em que

aplica-se o princípio da lei mais favorável como critério de solução dos conflitos de leis no

espaço em material de trabalho (ROMITA, 2008, p. 460).

É necessário fazer uma ressalva em relação às pessoas que trabalham em

organizações internacionais. Nesse caso, a jurisprudência do TST (OJ-SDI-1 nº 416) entende

que esses órgãos não estão sujeitos à Justiça do Trabalho, salvo se renunciarem

expressamente a sua imunidade de jurisdição. Assim, a regra é a submissão do trabalhador

aos tribunais administrativos desses próprios organismos para que se resolva os conflitos

trabalhistas.

Rememora-se que imigrantes em situação irregular, caso recorram ao Judiciário

brasileiro, estão sujeitos à deportação, conforme a Lei de Migração (arts. 50 e seguintes).

Faz-se aqui uma indagação relevante: quando o contrato de trabalho possuir

elementos estrangeiros em sua estrutura, ele pertence à jurisdição nacional ou estrangeira?

Dessa forma, qual juiz será competente para julgá-lo?

Nessa conjuntura, Ricardo Aerosa (1998, p. 65) assevera que haverá competência

internacional de modo a ser ajuizada a ação tanto no país quanto no exterior:

Se o conflito de interesses abranger situações que se afinem com mais de um ordenamento jurídico, sendo um deles o brasileiro, estaremos diante da chamada competência internacional, externa ou geral. Ou seja, podendo a demanda ser ajuizada tanto no Brasil, quanto no exterior o fenômeno é de competência internacional.

Nesse caso, entende-se que as ausências normativas da CLT em âmbito processual

são supridas pela aplicação do Direito Processual Civil. Sua incidência, no entanto, é

condicionada à ausência de previsão na CLT, acrescida da compatibilidade entre os institutos

a serem utilizados.

Necessária se faz a análise do art. 651 da CLT e do art. 24 do CPC. Esse discorre

sobre a ação proposta em tribunal estrangeiro, aquele versa, sobre a jurisdição aplicável ao

contrato de trabalho e a competência das varas do trabalho.

CLT - Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

CPC - Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da

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mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.

Em relação aos contratos coletivos de trabalho, seria possível aplicar a regra

processual do art. 25 do CPC que disciplina sobre a impossibilidade de a autoridade

judiciária brasileira julgar ações que envolvam cláusulas de eleição de foro?

Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.

Conforme a recém aprovada reforma trabalhista, é possível que negociações

coletivas prevaleçam sobre normas trabalhistas ainda quando em prejuízo do trabalhador

(art. 611-A da CLT). Somente nos casos excepcionados na CLT e nos direitos previstos no

art. 7º da CF, a negociação coletiva não poderá mitigar os direitos do trabalhador.

Faz-se uma indagação: o princípio do “negociado sobre o legislado” permite que

sejam estipuladas cláusulas de eleição de foro exclusivo estrangeiro em negociação coletiva?

Segundo uma visão mais protetiva do trabalhador, o art. 25 somente aplicar-se-ia

às negociações coletivas se houvesse o respeito ao princípio da norma mais favorável ao

trabalhador. Se a legislação do país escolhido como foro for prejudicial ao trabalhador, a

melhor interpretação seria de que tal cláusula seria nula.

Denota-se ainda o art. 26 do CPC/2015, que trata da cooperação jurídica

internacional. Dentre outros princípios, o Código determina que as autoridades judiciárias

observarão a “igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no

Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se

assistência judiciária aos necessitados”.

Na cooperação jurídica internacional, não será admitida a prática de atos que

contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que

regem o Estado brasileiro (§ 3º do art. 26).

Em relação aos trabalhadores fronteiriços, haveria outrossim a aplicação da

declaração sociolaboral do Mercosul, atuando de forma complementar às legislações dos

países confrontantes.

5 A DECLARAÇÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL

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A Declaração Sociolaboral do Mercosul foi criada com o fim de solucionar os

anseios dos Estados-Partes em relação à proposta do bloco regional. Segundo as críticas, o

bloco primava pela integração da influência comercial, econômica e tributária dos países,

olvidando das demandas sociais necessárias (PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen, 2005).

A declaração também é conhecida como Carta Social do Mercosul e foi elaborada

por meio de um processo de harmonização de legislações trabalhistas a fim de estabelecer

as principais normas que devem guiar as relações de trabalho no bloco. Suas normas

guardam consonância com as regras e princípios consagrados nas convenções da OIT

(PORTELA, 2014, p. 1046).

É importante ressaltar que o MERCOSUL ainda não prevê, expressamente, a livre

circulação de trabalhadores nos moldes da União Europeia. Nessa, a mão-de-obra pode se

estabelecer livremente em outro país do bloco europeu e ali fixar residência e buscar trabalho

(PORTELA, 2014, p. 1047).

A Declaração Sociolaboral do Mercosul foi dividida em quatro partes principais e

instituiu princípios programáticos da integração regional relevantes para a consecução dos

objetivos almejados pelo bloco.

Especificamente sobre as relações trabalhistas, a declaração fez uma divisão entre

direitos individuais e coletivos. Nesse concentraram-se temas afetos à liberdade de

associação, liberdade sindical, negociação coletiva, greve, promoção e desenvolvimento de

procedimentos preventivos e de autocomposição de conflitos e diálogo social. Em relação

àquele concentraram-se temas afetos à não discriminação, promoção da igualdade,

trabalhadores migrantes e fronteiriços, eliminação do trabalho forçado, trabalho infantil e de

menores e direito dos empregadores.

Dentre todos os temas abordados pela declaração no âmbito laboral, destacam-se,

em relação aos direitos individuais, a garantia de não discriminação em razão da origem

nacional (art. 1º) e a proteção aos trabalhadores migrantes ou fronteiriços (art. 4º).

Art. 1º Todo trabalhador tem garantida a igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes. Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação desvantajosa no mercado de trabalho.

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Art. 4º Todos os trabalhadores migrantes, independentemente de sua nacionalidade, têm direito à ajuda, informação, proteção e igualdade de direitos e condições de trabalho reconhecidos aos nacionais do país em que estiverem exercendo suas atividades. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas tendentes ao estabelecimento de normas e procedimentos comuns relativos à circulação dos trabalhadores nas zonas de fronteira e a levar a cabo as ações necessárias para melhorar as oportunidades de emprego e as condições de trabalho e de vida destes trabalhadores.

A declaração foi estabelecida em 1998 e contava com 25 artigos. Com o passar do

tempo suas normas careceram de melhor regulamentação, de forma que em 2015 ela foi

atualizada, passando a conter 34 artigos. Dentre os principais avanços, destacam-se a

possibilidade de realização de acordos coletivos no bloco, a proteção contra a demissão e a

previsão normativa sobre descanso, férias, dias feriados e remuneração.

Em relação ao trabalhador migrante e fronteiriço, a declaração de 2015 é mais

detalhista ao tratar do tema, pois insere em seu texto a obrigação que os Estados Partes têm

em considerar os direitos estabelecidos no Acordo sobre Residência para Nacionais dos

Estados Partes do Mercosul, Bolívia e Chile (item 2 do artigo 7º).

A declaração de 2015, também estabelece que os Estados Partes comprometem-se

em desenvolver ações coordenadas em relação às políticas laborais, às instituições

migratórias e outras áreas afins, com o intuito de promover a livre circulação dos

trabalhadores e a integração dos mercados de trabalho (item 4 do artigo 7º).

Artigo 7º

1. Todos os trabalhadores, independentemente de sua nacionalidade, têm direito à assistência, à informação, à proteção e à igualdade de direitos e condições de trabalho, bem como direito de acesso aos serviços públicos, reconhecidos aos nacionais do país em que estiver exercendo suas atividades, em conformidade com a legislação de cada país.

2. Os Estados Partes terão em conta os direitos estabelecidos no Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile e demais instrumentos complementares que se firmem, na medida em que façam parte dos mesmos.

3. Os Estados Partes comprometem-se a adotar e articular medidas tendentes ao estabelecimento de normas e procedimentos comuns, relativos à circulação dos trabalhadores nas zonas de fronteira e a levar a cabo as ações necessárias para melhorar as oportunidades de emprego e as condições de trabalho e de vida desses trabalhadores, nos termos dos acordos específicos para essa população, tendo como base os direitos reconhecidos nos acordos de residência e imigração vigentes.

4. Os Estados Partes comprometem-se, ademais, a desenvolver ações coordenadas no campo da legislação, das políticas laborais, das instituições migratórias e em outras áreas afins, com vistas a promover a livre circulação dos trabalhadores e a

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integração dos mercados de trabalho, de forma compatível e harmônica com o processo de integração regional.

O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul foi

firmado em 2002 e visa facilitar a circulação das pessoas no bloco por meio de concessão de

residência aos nacionais dos Estados Partes. A concessão de residência aos nacionais que

vivam em outro país é condicionada à nacionalidade, posse de passaporte válido ou carteira

de identidade, certidão de nascimento, comprovação de estado civil e certidão negativa de

antecedentes penais. Quando exigido pela legislação interna do Estado Parte de ingresso,

também é necessário certificado médico expedido por autoridade medica migratória ou outra

autoridade sanitária oficial do pais de origem.

A concessão de residência temporária terá validade de até 2 anos sendo que, nos

noventa dias antes de seu vencimento, a parte requerer sua transformação em residência

permanente.

Destaca-se que há o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados do

Mercosul, Bolívia e Chile que trata, em termos semelhantes aos do Acordo sobre Residência

para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, sobre a concessão de residência aos

nacionais bolivianos e chilenos.

Nesse aspecto, cita-se o entendimento do Diego Machado Pereira e Florisbal

Dell’Olmo (2011, p. 122 apud PORTELA 2014, p. 1048) que afirmam que o Mercosul ainda

não propagou um conceito de cidadania sul-americana:

O MERCOSUL ainda não desenvolveu um conceito de “cidadania sul-americana”, nos moldes do instituto da cidadania europeia, existente dentro da União Europeia, cujos cidadãos contam com uma cidadania complementar à cidadania nacional, que inclui o direito de livre circulação e direitos políticos em todo o espaço comunitário. Citando Lafayette Pozzoli “os tratados assinados entre os países latino-americanos parecem atribuir bem poucos direitos aos cidadãos enquanto o aspecto econômico ainda é o mais privilegiado.

Dessa forma, percebe-se que embora a Declaração Sociolaboral tenha um conteúdo

social amplo, ele não coaduna para que se tenha uma livre circulação de mão-de-obra,

mostrando-se, de certa forma, superficial e vago, quando comparado com institutos similares

da União Europeia e com tratados internacionais e convenções de natureza social e

humanista (BELÉM, 2014).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Conforme demonstrado no trabalho, percebe-se que o trabalhador migrante e

fronteiriço teve certa proteção normativa nacional desde a promulgação do Código Civil de

1916. Com o passar do tempo, novas regras foram editadas a fim de se proteger os

estrangeiros e de lhes assegurar direitos e garantias concedidos aos nacionais. Houve

momentos, no entanto, em que prevaleceu uma proteção especial aos nacionais como é o

caso do art. 352 da CLT que previa uma reserva de mercado aos empregados brasileiros.

O Estatuto do Estrangeiro foi promulgado com o fim de se garantir maior proteção

ao estrangeiro, compilando a legislação da época sobre o tema. Esse estatuto disciplina sobre

as várias hipóteses de visto que podem ser concedidas ao estrangeiro, no entanto, o destaque

é em relação ao visto humanitário previsto na Lei de Migração. Essa modalidade de visto

amplia as modalidades concessivas de visto no país e estende esse direito ao apátrida ou ao

nacional de qualquer país em condições de grave ou iminente instabilidade institucional,

conflito armado, calamidade de grande proporção e desastre ambiental ou grave violação de

direitos humanos ou de direito internacional humanitário.

A desburocratização na concessão do visto humanitário é salutar, pois a própria Lei

de Migração prevê que a identificação do civil solicitante poderá ser realizada apenas com

os documentos que dispuser.

Há também destaque para a previsão normativa da aplicação do princípio da não

devolução (non refoulement). Nesse caso tem-se a proibição da devolução do indivíduo para

país ou região que possa apresentar risco à vida, à integridade pessoal ou à liberdade da

pessoa.

No plano do direito do trabalho, destaca-se a superação da súmula 207, que

consagrava o princípio lex loci execucionis, passando a ser adotado o princípio da norma

mais favorável. Outra questão positiva para os trabalhadores fronteiriços foi a elaboração da

declaração sociolaboral do Mercosul, suprindo as lacunas e complementando a legislação

trabalhista aplicável aos trabalhadores migrantes e fronteiriços por parte dos países

signatários.

Denotam-se as normas de cooperação internacional previstas no código de processo

civil de 2015, com o escopo de dar mais segurança aos trabalhadores nacionais e migrantes

que se encontrem na zona de fronteira.

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Ainda há incerteza de como a lei da reforma trabalhista, aprovada em 2017, poderá

afetar tal classe de trabalhadores. De qualquer forma, tal legislação será aperfeiçoada quando

da aplicação pela justiça do trabalho.

7 REFERÊNCIAS

BELÉM, Evandro de Oliveira. Análise crítica da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul de acordo com o Direito do Trabalho material. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 121, fev 2014. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14495>. Acesso em maio 2017.

CAHALI, Yussef Said. Estatuto do Estrangeiro. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O mal-estar da ética na antropologia prática. In: Antropologia e Ética: O debate atual no Brasil. Niterói: UFF, p. 21-32, 2004.

EUR-LEX. Acesso ao direito da União Europeia. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/pt/index.htm>. Acesso em: 31 maio 2017.

FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/03/1863377-governo-brasileiro-volta-a-permitir-residencia-temporaria-a-venezuelanos.shtml >. Acesso em: 05 ago. 2017.

PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Aplicabilidade da Declaração Sociolaboral do Mercosul nos Estados-Partes. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/peduzzi.pdf >. Acesso em: 14 jun. 2017.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 6ª ed. Salvador: Juspodium, 2014.

ROMITA, Arion Sayão. Prestação de serviço no exterior: conflito de leis no espaço. Repertório de jurisprudência IOB:, v. II, n. 14, jul. 2008.

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