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DIREITO À IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL
JOSELAINE DIAS DE LIMA SILVA1
Resumo: O trabalho expõe a importância de reconhecer e respeitar a identidade cultural dos
povos indígenas. Mostrando sem exaurir o tema, o que vem a ser o direito e os avanços
ocorridos na garantia desses, com argumentações que abarcam a legislação pertinente,
apresentar a necessidade de autodeterminação destes povos, e os desafios e lutas em favor da
permanência em seus territórios. Observando como o Estado reconhece a democracia
representativa e participativa do povo, a proposta deste trabalho é promover uma reflexão e
apontar a necessidade de considerar que os povos indígenas no Brasil tenham autonomia para
a organização das suas comunidades, a resolução de conflitos de acordo com seus valores
culturais, e o reconhecimento do direito à sua identidade cultural, visando o cumprimento das
leis, de modo que não permaneçam apenas em normas estatais e em um poder centralizado.
Palavras-chave: identidade; cultura; direitos; povos indígenas.
1. Introdução
O presente artigo propõe uma discussão a respeito da identidade cultural dos povos
indígenas no Brasil e o exercício jurídico das políticas direcionadas à sua auto identificação.
Para tanto, partimos da realidade de que, no referido país, a autonomia desses grupos étnicos
não estão sendo cumpridas, de modo que infringe o que determina a Convenção nº164, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), política essa de âmbito internacional.
Observando como o Estado reconhece a democracia representativa e participativa do
povo, a proposta deste trabalho é promover uma reflexão e apontar a necessidade de considerar
que esses povos no Brasil tenham autonomia para a organização das suas comunidades, a
resolução de conflitos de acordo com seus valores culturais, e o reconhecimento do direito à
sua identidade cultural, visando o cumprimento das leis.
Para isso, o artigo está dividido em 4 seções, do qual, procede a presente introdução,
na segunda seção, análise sobre o conceito de identidade cultural norteado pelos teóricos, Barth
(1998), Hall (2011), Silva(2008), Oliveira (2003) entre outros que contribuem na compreensão
e discussão do assunto. A seção três, apresenta o Direito, o território e a identidade cultural
1 *Mestra em Integração Contemporânea da América Latina pela Universidade Federal da Integração Latino-
Americana- UNILA. E-mail [email protected].
indígena no Brasil. Na seção quatro será abordado a respeito da Lei nº 11.645/2008 e a temática
indígena na Educação Básica. E por fim, fechamos o texto com algumas considerações finais
que apontam avanços consideráveis do direito, relacionados ao campo teórico e a necessidade
de sua efetivação na prática.
2. Identidade Cultural Indígena
Ao abordarmos o termo identidade percebemos que trata-se de um tema que envolve
comportamentos cheios de histórias de vida, de crenças, visões de mundo, valores morais e
simbólicos. A identidade cultural desenvolve-se como algo vivo, que cada ser humano traz
consigo, sendo práticas do dia a dia e convívio mútuo com a comunidade. Ao mesmo tempo
em que é particular de cada pessoa, se forma com o meio em que o indivíduo se encontra
inserido na sociedade e está ligada ao “habitat natural”, a existência numa sucessão de
episódios. Segundo Stuart Hall (2011), atualmente uma alteração estrutural está transformando
as sociedades. “Estas transformações estão mudando nossas identidades pessoais abalando a
ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados.” (HALL, 2011, p. 9).
Dessa forma, passamos por uma constante busca do “eu” com o “mundo”, e com essa
busca, a manifestação e preocupação em ser aceito. Nesta perspectiva a população indígena
convive diariamente com estas transformações, na construção e reconstrução de sua cultura
junto a sociedade que o cerca. Uma vez que, em tempo de mudança e transformação cultural
provocados pela consolidação dos modelos desenvolvimentistas no Brasil, a questão da
identidade cultural e étnica merece ser discutida, como “um dos fenômenos mais comum do
mundo moderno, talvez seja o contato interétnico, entendendo-se como tal as relações que têm
lugar entre indivíduos e grupos de diferentes procedências nacionais, raciais ou culturais.”
(OLIVEIRA, 2003, p.117).
As mudanças influenciam na identidade cultural dos povos indígenas, nos
ensinamentos passados de geração em geração, sendo atualmente adaptados na
contemporaneidade como forma de sobrevivência. Consideramos portanto, nesse trabalho que
não é possível constituir uma única compreensão acerca da identidade cultural indígena, uma
vez que os povos indígenas são vários e distintos, tanto no processo de diferentes etnias, quanto
ao que se refere a seus modos de vida. Assim, “as diferenças culturais podem permanecer apesar
do contato interétnico e da interdependência dos grupos” (BARTH, 1998, p.188). Seguindo o
pensamento de Barth, percebemos que a estima da identidade encontra-se na fronteira étnica
que determina o grupo ao qual pertence, já que os grupos étnicos são organizações sociais e
refere-se sempre a uma origem comum.
Segundo Wagner (2018) a identidade é “compreendida como a auto identificação do
sujeito, decorrente do laço de pertencimento que o liga ao seu grupo étnico e o reconhecimento
pelo grupo de que essa pessoa é um dos seus. Fundado num sentimento de origem comum
partilhado pelo grupo, que o distingue dos demais.” (WAGNER, 2018, p. 125).
Sendo assim, a modernização vai construindo novos sujeitos sociais, mudando as
práticas cotidianas, estabelecendo novas condutas sociais, políticas e organizações de vida. Em
suas discussões sobre Identidade e Diferença, Silva (2008) traz as contribuições de Jonathan
Rutherford, especialista em estudos culturais no qual define que “[...] a identidade marca o
encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos
agora [...] a identidade e a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas
e políticas de subordinação e dominação” (Rutherford, 1990, p. 19-20 apud Silva, 2008, p. 19).
Nesta concepção em que a identidade marca o encontro com o passado, repensamos a
identidade cultural dos povos indígenas, em que, num primeiro momento do processo
colonizador, a interação entre o indígena e o branco fora marcada pelo gradativo apagamento
da cultura e da etnia, pela força das armas do colonizador. “O indígena deixa de ser dono da
terra para ser habitante indesejável em seu próprio solo.” (KAUSS, 2011). Buscando os fatos
históricos e observando na contemporaneidade como o empasse da posse territorial continua
conflituoso, é que demarcamos a importância de reconhecer e respeitar a identidade cultural
indígena e o modo como querem ser reconhecidos.
A interação dos grupos indígenas é assinalada pela luta do direito autônomo de terem
suas vidas e seus costumes respeitados, abrangendo, deste modo, o individual e o coletivo.
Wolkmer (2001) argumenta que: Na verdade, o “novo sujeito histórico coletivo” articula-se em
torno “do sofrimento – às vezes centenários – e das exigências cada vez mais claras de
dignidade, de participação, de satisfação mais justa e igualitária” das necessidades humanas
fundamentais de grandes parcelas sociais excluídas, dominadas da sociedade (WOLKMER,
2001. p. 238).
Os povos indígenas demonstram persistência diante do cenário histórico de
homogeneização e marginalização, violências materiais e simbólicas que registra os conflitos e
as transformações que sucederam a esses grupos. Na década de 70 formou-se um movimento
de representantes dos povos indígenas no Brasil direcionados à defesa de seus direitos e em
virtude de sua condição étnica. O movimento ganha força na década de 80 com a presença de
indígenas de diferentes etnias no Congresso Nacional.
A partir de então a Constituição Federal de 88 possibilitou mudanças, assegurando aos
grupos étnicos autonomia em sua organização social, costumes, línguas e tradições, percebendo
assim que tais povos passam a serem sujeitos do direito de modo a modificar o contexto em que
vivem e defenderem seus interesses. Dar condições para as transformações sócias acontecerem
com ampla liberdade aos povos originários é permitir que exerçam seus projetos de vida e
possam ter suas escolhas respeitadas.
3. O Direito, o Território e a Identidade Cultural indígena no Brasil
O direito à identidade cultural abarca a necessidade da legislação proteger as terras que
lhes pertencem, uma vez que o cuidado com seus espaços territoriais é importante para tais, não
pela questão da possessão, mas no aspecto cultural. No território indígena torna-se possível
reviver e rememorar toda cultura, nele a identidade é representada, significada e reproduzida.
A questão da territorialidade assume proporção vital, na medida em que o território
tradicionalmente habitado é fundamental para uma vida que agrega valores com o seu modo de
ser e de viver. Para Siqueira & Machado (2009) os direitos dos povos indígenas são
fundamentados atualmente em três pilares básicos que é a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) como órgão executor da política indigenista brasileira, o Estatuto do Índio e a
Constituição Federal de 1988.
Porém, somente a partir da promulgação da Constituição da República de 1988 é que
o indígena passou a ter seus direitos culturais “pelo menos escrito” respeitado no Brasil. Antes
da Carta Magna o objetivo era localizá-lo e inseri-lo à sociedade, onde no entendimento da
época, este deixaria de ser índio, silvícola e menos desenvolvido. Esta realidade é deparada no
artigo 1º da lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 que dispõe a respeito do Estatuto do Índio2.
Na atualidade o Direito no Brasil mais especificamente a Constituição, garante aos
povos indígenas condições de sobrevivência física, cultural e de organização social, onde
2 Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de
preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.
podem manter seus costumes e tradições com base em suas especificidades étnicas, mas
também terão o direito de ter acesso a outros meios de informações, culturas e recursos.
Com o Decreto Legislativo nº 143 a partir de 20033 o Brasil passou a fazer parte dos
países que aderiram à Resolução 169 da OIT, com isso os indígenas deveriam ter sua autonomia
governamental, podendo vetar quaisquer interferências externas prejudiciais à manutenção,
preservação e permanência em seus espaços. O território, a cultura e a identidade indígena
somente poderiam ser adentrados e/ou explorados com autorização destes. Os povos indígenas,
dentro de sua territorialidade expressam-se como “nação” com direitos e deveres próprios.
A autodeterminação dos mesmos foi aprovada em 1989, durante a 76ª Conferência da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ficando exposto que sempre
deverão ser consultados antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas de qualquer
natureza, incluindo obras de infraestrutura, mineração ou uso de recursos hídricos. Foi
determinado nesta Convenção o direito a reparação pelo furto de suas propriedades no âmbito
cultural, intelectual, religioso ou espiritual, a não violação à suas normas tradicionais e o direito
de manterem suas culturas.
Sobre a necessidade de autodeterminação, na Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 2007, foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos
dos Povos Indígenas. As reivindicações dos povos originários apresentada neste encontro são a
nível global, bem como as relações destes grupos com os Estados nacionais, servindo para
estabelecer parâmetros mínimos a outros instrumentos internacionais e leis nacionais. Dentre
os princípios exigidos neste documento, encontra-se a ideia do direito a auto identificação dos
povos nativos4.
As normas jurídicas do Estado Brasileiro não possuem um sistema de
autodeterminação, o qual deveria ser discutindo. Portanto se faz necessário o questionamento
do porque os povos indígenas no Brasil não tem tal autonomia que lhes é de direito e assegurada
na Convenção 169? A Constituição da República, em seu Capítulo VIII – “Dos Índios”, no
artigo 231, caput, expõe sobre a autodeterminação dos Povos Indígenas, quando reconhece a
3 Decreto Legislativo nº 143, de 2002 - Aprova o texto da Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho sobre os povos indígenas e tribais em países independentes 4 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas - Nações Unidas 13 de setembro de 2007
- Sexagésimo período de sessões - Tema 68 do Programa - Informe do Conselho de Direitos Humanos.
estes o direito a uma organização social própria, ou seja, que não se submete ao modelo de
estrutura existente na sociedade “não índia”, possibilitando dessa forma, a manutenção de seus
costumes e tradições, e permitindo a gestão das terras que tradicionalmente ocupam.
A Convenção 169 foi ratificada e internalizada no Direito brasileiro através do Decreto
Legislativo nº 143, em vigor desde 2003. Foi permitida a esses povos a condição de “nação”
com seus direitos e deveres individuais e coletivos, sendo respeitado cada grupo étnico em suas
particularidades. Mas, tal como defende Segura (2011), mesmo diante de normativas jurídicas
definindo a obrigatoriedade autônoma dos nativos e a evolução da sociedade, ainda hoje em
pleno Século XXI, o indígena não é efetivado e respeitado de forma democrática e isonômica,
como deveria ser.
Os artigos 231 e 232 da Constituição representam a maior força jurídica dentro do
direito indígena no Brasil na atualidade, e essa condição permite que haja o respeito à identidade
cultural de tais povos, mas na prática, a realidade é bem diferente, uma vez que há um ataque a
esses direitos em todo o território brasileiro. Exemplo desse descaso e agressão, na tentativa de
destruir a construção identitária desses povos é o que acontece com os índios no Mato Grosso
do Sul, como relata o Relatório dos Direitos Humanos a terra, Território e Alimentação “a difícil
situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul se insere num cenário nacional de expropriação
territorial. Inclusive é um processo que percorre toda a América Latina, numa disputa por
recursos naturais” (Relatório, 2014, p. 11).
Sobre tal realidade relata Barbosa que:
O direito à identidade cultural aponta maior cuidado em razão da referência direta
com outros direitos conexos: direito à vida, direito à liberdade, direito à religião,
direito ao nome, direito à saúde, direito à educação, direito à família, direito à
integridade pessoal, direito à moradia, entre outros. Seu impacto é acentuado nas
comunidades indígenas, no momento em que o direito ao reconhecimento real ao
território tradicionalmente ocupado e seus recursos naturais – elemento cultural
fundamental – é frustrado, quer seja pela inoperância do detentor do dever de agir, ou
pela presença dos incansáveis usurpadores. O caso mais exemplar, com repercussão
nos mecanismos de proteção dos direitos humanos internacionais, ocorreu com o
suicídio sequencial dos Guarani-Kaiowá, no estado de Mato Grosso do Sul
(BARBOSA, 2012, p. 11-12).
Para o Conselho Missionário Indígena (CIMI) as violências contra tais grupos étnicos
são sistemáticas, cotidianas e afetam povos, comunidades e indivíduos em todas as regiões do
Brasil, sendo que os responsáveis, na maioria dos casos, ficam impunes.
Geralmente os autores de tais práticas pretendem explorar economicamente as terras
indígenas ou algum de seus recursos naturais e, para realizar seu intento, não medem
esforços. Outras violências são praticadas por agentes dos próprios poderes públicos,
omissos ou negligentes em funções e responsabilidades que lhes foram atribuídas, tais
como a atenção à saúde, à educação, à efetiva demarcação, fiscalização e proteção das
terras e dos povos indígenas no Brasil. (CIMI, 2008, p. 9).
Para fazer valer o direito do indígena e o reconhecimento de sua identidade cultural,
bastaria apenas que a Constituição Federativa do Brasil fosse respeitada, assegurando os
direitos plenamente consagrados nos trechos da Lei. Estes povos poderiam usufruir de forma
exclusiva da sua terra e riquezas, uma vez que para estes, terra, território, povos e cultura se
entrelaçam e se tornam singulares.
4. A Lei nº 11.645/2008 e a temática indígena na Educação Básica
Quando diferentes etnias se reuniram para lutarem pelos seus direitos, depararam com
o preconceito e inclusive com a desqualificação de suas lutas, ao serem generalizados no termo
“índio”, desconsiderando assim sua complexidade e diversidade. Esse termo usado pelos
europeus desde o descobrimento das Américas acarreta até os dias atuais discriminação e
preconceito. Ao voltar no tempo do período colonial verifica-se que na época “ser índio” era
um estágio transitório entre selvagens e o civilizado. Cunha (1992) disserta que nos últimos
quatro séculos os índios foram tratados como seres temporários, em passagem para a
cristandade, para a civilização, e que deveriam assimilar a cultura dominante e então
desaparecerem.
Por conta de desconhecerem as populações indígenas, seus costumes, suas línguas e
suas autodenominações, o estereótipo índio encontra-se presente na população brasileira.
Segundo Silva & Costa (2018) o Brasil é reconhecido um país pluriétnico, mas por razões
históricas, políticas e até mesmo ideológicas, ainda se acredita que seja monolíngue, no qual
todo habitante possui a língua portuguesa como sua primeira língua, não levando em conta as
línguas indígenas classificadas em famílias e troncos distintos. “Desde a infância, as crianças
brasileiras convivem com as estereotipadas imagens do ‘índio genérico’. Uma vez adulto
continuam a alimentar incontáveis fantasias sobre a vida daqueles a quem consideram
verdadeiros ‘fosseis humanos’.” (SILVA & COSTA, 2018, p. 19).
Como a demanda social dos povos indígenas na busca pelo reconhecimento e respeito
às sociodiversidades étnicas que permeia as formas de ser e viver das 305 etnias indígenas
atualmente reconhecidas no Brasil, criou-se no âmbito judicial a Lei 10.639, de 09 de janeiro
de 2003, alterada pela lei 11.645, de 10 de março de 2008, que regulamentou a obrigatoriedade
do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas. Conforme apresenta
Silva (2017) a Lei soma-se a um significativo aparato legal tanto internacional quanto
brasileiro, que, ao longo dos séculos XX e XXI, vem orientando práticas escolares sobre o
ensino da temática indígena. “ Nos documentos oficiais sobre educação para as relaçoes étnico-
raciais, encontra-se a Declaração sobre raça e preconceito elaborado na Conferência Geral da
ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura em sua 20ª reunião em Paris em 1978. Tornando
-se norteador dos marcos legais no Brasil.” ( SILVA, 2017, p. 225).
Por meio dos acordos internacionais o país assume o compromisso de realizar ações
para combater o racismo, a discriminação nos espaçoes escolares e na sociedade de modo a
provocar mudanças significativas entre as relações étnicas. Nesse sentido a Constituição
Federal de 1988 também contribui em seu artigo 210 e com a LDB 9394/96 no artigo 32 no
qual defende a preservação e assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
Ainda cabe expor os artigos 78 e 79 do Ato das Disposições Gerais e Transitórias da
Constituição de 1988, onde fica claro que é dever do Estado o oferecimento de uma educação
escolar bilíngue e intercultural que fortaleça as práticas socioculturais e a língua materna de
cada comunidade indígena e proporcione a oportunidade de recuperar suas memórias históricas
e reafirmar suas identidades, dando lhes, também, acesso aos conhecimentos técnico-científicos
da sociedade nacional. É necessário o respeito à identidade dos povos indígenas na concepção
de uma educação singular e de prioridade básica dos governos, considerando o indígena um
cidadão que tem anseios, carências e necessidades específicas que precisam ser atendidas pelo
Estado.
Para Arpini (2003) Considerar o direito a igualdade, implica também considerar o
direito a diferença, no sentido de reconhecer que esses grupos étnicos precisam de oportunidade
para decidir a respeito de suas formas de vida e exerce-las seguindo sua própria cultura. É
necessário que definitivamente o pensamento europeu focado no conceito de identidade
homogênea seja superado. Uma vez que “ao propor uma identidade homogênea e a igualdade
formal de todos os seres humanos, acaba por deixar de lado características essenciais que nos
singularizam e nos diferenciam uns dos outros.” (SCHETTINI, 2012, p. 66).
A Lei nº 11.645/2008 tem se apresentado de extrema importância, pois além de amparar
a diversidade étnica cultural obriga a inclusão de conteúdos de histórias e culturas indígenas na
Educação Básica, oportunizando de modo positivo que professores e alunos conheçam e
reconheçam a história e as culturas étnicas para assim, desconstruírem o estereótipo índio
retratado nos últimos anos pelos livros didáticos de forma folclórica e passar a destacar a
consciente realidade das sociedades indígenas no Brasil contemporâneo. Observando ainda e
levantando o questionamento: se aos não indígenas é dado o direto de mudar e de se adequar a
diferentes temporalidades sociais, porque apenas os indígenas deveriam permanecerem para
sempre no passado? (SILVA & COSTA, 2018, p. 19).
Neste sentido é fundamental que os educadores façam valer a Lei e indicar a diversidade
das etnias indígenas localizadas no Brasil em termos sociais, políticos, econômicos, linguísticos
e culturais. Deixando claro que o termo “índio” é fruto de um erro histórico do século XVI e
assim trabalhar para que os estereótipos sejam desconstruídos, permanecendo apenas suas
marcas étnicas.
Embora a temática indígena ronda as escolas em longas dadas, apenas depois de
despositivos legais apontando diretrizes a serem seguidas, como a Lei nº 11.645/2008 foi que
passou nas práticas escolares difundirem a história dos povos indígenas, sendo necessária ainda
a adequação do currículo para atender a demanda. O Brasil dos povos indígenas reclama
mudança e requer políticas com ações efetivas que não permaneçam apenas em normas estatais,
mas permita a esses povos a preservação de sua visão histórico-cultural e de sua identidade,
superando ideias colonialistas eurocêntricas e hegemônicas.
5. Considerações Finais
A identidade cultural está intimamente ligada a terra e a cultura. Para os povos
indígenas a terra é mãe e respeitá-la é premissa de sobrevivência, logo, cabe ao Estado garantir
através de dispositivos legais esses direitos, incentivando a permanência em suas terras, como
também permitir que os mesmos se expressem e aprendam fazendo uso de seus costumes e
línguas, dentro de seu habitat. Verificamos através das Leis vigentes que o Estado reconhece o
direito à identidade indígena, como também aceita à profunda diferença social e cultural
existente entre os mais de trezentos povos, que habitam o território brasileiro. Prova disso, são
as adesões de instrumentos jurídicos internacionais que o Brasil ratificou e a Constituição
Federal de 1988, bem como na questão educacional a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9394/96), além de vários decretos. Enfim há um grande aparato legal que
reconhece esses direitos.
Por outro lado, embora a Constituição federal de 1988 tenha proporcionado enorme
avanço no que refere aos direitos dos povos indígenas, especialmente na questão do respeito à
manutenção de suas culturas, há um longo compromisso a ser percorrido. A cultura desses povos
está vinculada a vida com a comunidade e com a terra. A falta de compreensão, desse universo,
fez com que desde o período da colonização esses grupos sofressem com o desrespeito,
humilhações e desvalorização de sua cultura. No entanto, muitos mantiveram-se perseverantes
nas lutas pelo direito à língua, à terra, à autodeterminação e à preservação de sua identidade
cultural. Esse direito refere-se além do territorial e cultural, a outros conexos, como o direito à
vida, liberdade, religião, saúde, família, educação e moradia.
Examinando a legislação a respeito do assunto, verifica-se que nas últimas décadas
ocorreram avanços consideráveis tanto a nível nacional quanto internacional nas leis
direcionadas aos povos indígenas. E apresentam-se como um avanço no campo teórico, mas de
acordo com os autores, Siqueira, Machado e Barbosa, na prática, tais leis nem sempre são
efetivadas. Ficando evidenciado que, esse aparato jurídico precisa ser cumprido plenamente, já
que não é apenas uma questão de obter direitos, mas uma melhor interpretação e aplicação dos
mesmos.
Sem dúvida, as leis por si só, não modificam a realidade, pois é na prática o
compromisso de fazer valer os direitos indígenas conquistados. O campo dos direitos
educacionais é o que tem se mostrado mais promissor ao contribuir para modificar a forma de
como enxerga o indígena na Educação Básica, estabelecendo na prática o respeito, o
reconhecimento da diversidade étnica cultural brasileira. Neste contexto é preciso destacar que,
ao longo da pesquisa, observamos que além dos limites é igualmente essencial apontarmos as
conquistas que estão em jogo no reconhecimento e implementação da Lei 11.645/2008, no qual
reconhecemos os desafios para a inserção da temática indígena na escola, e destacamos o atual
ambiente o mais propício para inclusão.
O tema de forma alguma se esgota nesse artigo, mas permite abrir novas possibilidades
de pesquisas, relacionadas ao aparato jurídico dos direitos indígenas e o reconhecimento a sua
identidade cultural, bem como perceber de que maneira a cultura, os conhecimentos dos povos
indígenas podem ensinar a cultura “não índia” a ter uma relação social mais harmoniosa e
modos de vida baseados no “bem viver” (buen vivir) em comunhão com a natureza e
preservação do meio ambiente.
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