dinâmica dos finais de linha em salvador/ba: o caso do bairro da

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Dinâmica dos finais de linha em Salvador/BA: O caso do bairro da Santa Cruz. 1 Caê Garcia Carvalho. Juarez Souza Lima. Jullie Souza de Santana Santos. Lara Moraes Borowski. Leandro Lopes Fiuza Santos. Universidade Federal da Bahia – UFBA [email protected] 1. INTRODUÇÃO O campo do Planejamento está cada vez mais presente nos debates acerca das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento das cidades. Em verdade, a prática do ‘planejar’ é subsidiária de variados ramos da atividade humana porque nos permite construir cenários para os desdobramentos das situações atuais e pensar em quais ações podem ser colocadas em prática para minimizar ou lidar com possíveis problemas. Sua importância relaciona-se com a própria idéia de gestão, afinal, o planejamento ocorre a partir de uma base concreta historicamente produzida através de uma sucessão de gestões que, por sua vez, colocaram em prática um planejamento de tempos anteriores. É através desta retroalimentação que gestão e planejamento se associam, sempre imersos na complexidade dos diferentes interesses sociais existentes (SOUZA, 2004). Quando tratamos, especificamente, do Planejamento Urbano, este aspecto do conflito de interesses torna-se, de fato, muito evidente. E quando pensamos na questão da Mobilidade Urbana não nos faltam exemplos de como a ação planejadora sempre reflete posicionamentos políticos diante do desenvolvimento desigual da sociedade capitalista. No Brasil, basta atentarmos para como estão organizados os sistemas de transporte urbano que, na maioria das cidades, priorizam o modal rodoviário, sobretudo para a utilização de automóveis particulares. Se, por um lado, é facilitada a utilização do transporte individual e particular, por outro, são escassos os esforços em efetivar um 1 Trabalho apresentado como requisito final de avaliação da disciplina Geografia Aplicada ao Planejamento, ministrada pelo professor Angelo Szaniecki Perret Serpa no curso de bacharel em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Dinâmica dos finais de linha em Salvador/BA: O caso do bairro da Santa Cruz.1

Caê Garcia Carvalho. Juarez Souza Lima.

Jullie Souza de Santana Santos. Lara Moraes Borowski.

Leandro Lopes Fiuza Santos. Universidade Federal da Bahia – UFBA

[email protected] 1. INTRODUÇÃO

O campo do Planejamento está cada vez mais presente nos debates acerca das

políticas públicas voltadas para o desenvolvimento das cidades. Em verdade, a prática

do ‘planejar’ é subsidiária de variados ramos da atividade humana porque nos permite

construir cenários para os desdobramentos das situações atuais e pensar em quais ações

podem ser colocadas em prática para minimizar ou lidar com possíveis problemas. Sua

importância relaciona-se com a própria idéia de gestão, afinal, o planejamento ocorre a

partir de uma base concreta historicamente produzida através de uma sucessão de

gestões que, por sua vez, colocaram em prática um planejamento de tempos anteriores.

É através desta retroalimentação que gestão e planejamento se associam, sempre

imersos na complexidade dos diferentes interesses sociais existentes (SOUZA, 2004).

Quando tratamos, especificamente, do Planejamento Urbano, este aspecto do

conflito de interesses torna-se, de fato, muito evidente. E quando pensamos na questão

da Mobilidade Urbana não nos faltam exemplos de como a ação planejadora sempre

reflete posicionamentos políticos diante do desenvolvimento desigual da sociedade

capitalista. No Brasil, basta atentarmos para como estão organizados os sistemas de

transporte urbano que, na maioria das cidades, priorizam o modal rodoviário, sobretudo

para a utilização de automóveis particulares. Se, por um lado, é facilitada a utilização do

transporte individual e particular, por outro, são escassos os esforços em efetivar um

1 Trabalho apresentado como requisito final de avaliação da disciplina Geografia Aplicada ao Planejamento, ministrada pelo professor Angelo Szaniecki Perret Serpa no curso de bacharel em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

sistema de transporte que dê prioridade para o transporte público coletivo, como propõe

a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº. 12.587/12).

Este trabalho pretende, mesmo que de forma exploratória, pensar a cidade a

partir dos problemas de mobilidade urbana que emergem deste quadro desigual e

contraditório, especificamente das políticas de transporte coletivo e de seus

desdobramentos na realidade espacial concreta, elegendo para isso os finais de linha

enquanto recorte empírico muito peculiar e que consegue retratar, de certa forma, como

é entendida e incorporada a questão da Mobilidade Urbana nas diferentes escalas de

ação do Estado e quais problemas dela têm emergido.

2. OBJETIVOS E METODOLOGIA

Este trabalho teve como objetivo geral compreender como se estabelecem as

dinâmicas dos finais de linha, entendidos enquanto espaços peculiares da mobilidade

urbana e que, por tal peculiaridade, exigiriam ações diferenciadas de planejamento,

voltadas para suas demandas específicas sem, contudo, negligenciar a relação

transescalar evidente na dinâmica urbana.

Inicialmente, para viabilizar o referido trabalho, foi estabelecido um recorte

espacial que culminou na escolha do final de linha do bairro de Santa Cruz, em Salvador

– BA. Neste sentido, enquanto objetivos específicos, pretendeu-se analisar tanto as

demandas dos sujeitos diretamente envolvidos com este espaço (motoristas, cobradores

e passageiros), como também a relação que se estabelece entre a sua dinâmica

específica e o espaço urbano onde estão inseridos, atentando para aspectos da

morfologia urbana, tamanho das vias, existência de estabelecimentos comerciais, etc.

Feito, de início, um levantamento bibliográfico e documental, foi realizado

posteriormente um pré-campo para planejamento das atividades. Para atingir os

objetivos desejados optamos pela elaboração e aplicação de entrevistas semi-

estruturadas enquanto principal instrumento de coleta de informações para a pesquisa.

Por fim, foi realizada a tabulação e análise dos dados e informações obtidas.

As entrevistas foram realizadas em cinco idas à campo, alternando-se horários

nos três turno, entre dias da semana e finais de semana. A realização das entrevistas2 foi

seguida de tabulação e confecção de gráficos e tabelas, a partir dos quais foi possível

analisar os diferentes interesses envolvidos e pensar em quais propostas evidenciadas

nas entrevistas poderiam ser viabilizadas através da negociação de tais interesses.

3. OS FINAIS DE LINHA NO ESPAÇO URBANO.

No campo do Planejamento Urbano a ideia de interdisciplinaridade já vem sendo

amplamente discutida e vista, inclusive, como fundamental para uma atividade

planejadora que se situe eminentemente no campo da política, sem negligenciar, com

isso, todo o aparato e conhecimento técnico necessários para sua realização. No que

tange especificamente às infra estruturas voltadas para o transporte público urbano, o

quadro não é diferente. Neste caso é possível observar que também há uma interface

entre o técnico e o político na medida em que o desenho urbano se encontra com a

engenharia de tráfego, possibilitando pensar mais concretamente as ações possíveis. Em

verdade, o próprio campo da engenharia de tráfego já vem ganhando uma interpretação

mais aberta ao incorporar a relação entre o uso do solo e o tráfego, superando uma visão

técnica tradicional (VASCONCELLOS, 1999). Ainda neste sentido é importante

ressaltar que não só os diferentes usos que se realizam na cidade produzem reflexos na

configuração do tráfego urbano, como também a relação inversa é verdadeira. Esta

configuração também acaba por condicionar os diferentes usos do solo, podendo levar,

inclusive, a situações de segregação urbana quando o acesso a determinados espaços é

priorizado a grupos e classes sociais específicas.

Nesta mesma lógica têm sido discutidos termos como acessibilidade e seus

derivados, macro e microacessibilidade, ambos essenciais para o debate, mas com

diferenças escalares relevantes. Podemos afirmar que a macroacessibilidade se refere às

grandes vias e infra estruturas que permitem a circulação no espaço, inter relacionado

com a própria lógica dos sistemas de transporte e a dinâmica da cidade. A

2 Foram realizadas 90 entrevistas com usuários do transporte coletivo, 20 com comerciantes locais e 19 com rodoviários – motoristas, cobradores e despachantes.

microacessibilidade, em seu turno, se refere àqueles deslocamentos dos passageiros que

lhes possibilitam alcançar os diferentes modais de transporte. Ela é imprescindível para

o alcance da macroacessibilidade e influi no acesso às vias estruturantes das cidades e,

portanto, aos deslocamentos em seus diferentes espaços (VASCONCELOS, 1999).

Os finais de linha serão tratados neste trabalho a partir da ótica da

microacessibilidade e podem ser definidos, em termos gerais, como espaços que

funcionam como o ponto final de linhas de ônibus. Estes espaços exercem também

função de ponto de parada para o atendimento de condições básicas de trabalho para os

rodoviários que operam tais linhas e que chegam, em muitas ocasiões, a ultrapassar

2h30min em cada trajeto. Neste sentido, os finais de linha deveriam seguir normativas e

ações de planejamento específicas que buscassem atender tanto às necessidades dos

rodoviários como também ao próprio fluxo diferenciado de veículos que irão circular e

estacionar nas suas vias. A função destes espaços é, portanto, não só a de atender aos

intervalos obrigatórios entre cada percurso, mas, também, a de ampliar a

microacessibilidade dos passageiros, já que a partir deles a população dos bairros

próximos pode ser atendida sem ter que percorrer grandes trajetos a pé. É a partir destas

questões que consideramos pertinente a discussão que entrelaça o conceito de

microacessibilidade, qualidade de vida e os finais de linha urbanos, considerando-os

enquanto espaços onde a mobilidade urbana se mostra ainda mais complexa.

4. O CASO DO BAIRRO DE SANTA CRUZ

O bairro da Santa

Cruz localiza-se, de acordo

com o PDDU de Salvador

(2008), em uma Zona de Uso

Residencial, classificada

enquanto Zona Especial de

Interesse Social. Confunde

seus limites, ainda, com os

bairros da Chapada do Rio

Vermelho, Nordeste de

Amaralina e Vale das

Pedrinhas, visualizados a

partir da imagem 1; juntos

estes quatro aglomerados

apresentam uma população

de 54.132 habitantes (SIM,

2014). De forma geral o bairro da Santa Cruz é constituído por moradias populares com

predominância da autoconstrução, ruas estreitas e topografia acidentada, o que torna

comum a existência de ladeiras ao longo de todo o bairro.

A partir das idas à campo e da aplicação das entrevistas semi-estruturadas foi

possível identificar alguns dos principais problemas de mobilidade urbana existentes no

final de linha do bairro e, sem dúvida, um dos mais evidentes refere-se a dificuldade de

circulação. A intensa atividade de carga e descarga dos inúmeros estabelecimentos

comerciais da R. Onze de Novembro (principal via de acesso ao bairro, onde se localiza

também o final de linha), vias estreitas, grande número de ônibus que circulam e

também uma ineficiente fiscalização no que se refere ao estacionamento de carros

particulares são alguns elementos que provocam os inúmeros problemas no local.

Através de levantamentos feitos em campo foram identificados 135

estabelecimentos geradores de fluxo de pessoas e veículos ao longo de um trecho de

aproximadamente 350 metros onde está situado o final de linha, o que demonstra a

Imagem 1: Localização dos bairros da Chapada do Rio

Vermelho, Santa Cruz, Nordeste de Amaralina e Vale das

Pedrinhas; Elaboração dos autores.

elevada dinâmica estabelecida nessa escala microlocal3. Entre os estabelecimentos

destacam-se dez mercadinhos, dois açougues, quatro lojas de materiais de construção e

seis bares. Tais estabelecimentos atraem diariamente um intenso volume de carga e

descarga para o local e se associam, ainda, a serviços de entrega domiciliar para

compras acima de R$ 50,00. Outros estabelecimentos também contribuem para a falta

de mobilidade no final de linha a partir do estacionamento de carros particulares, muitas

vezes relacionados com o numeroso conjunto de residências localizadas, em geral, sobre

os estabelecimentos comerciais e que geram fluxos intensos de automóveis.

Também nos foi citado em

diversas entrevistas o transtorno causado

pelo caminhão de coleta de lixo que

obstrui a via já estreita. Dos quatro

pontos de deposição de lixo encontrados

ao longo do trecho, somente um deles

apresenta caixa adequada, os demais

funcionam como deposição informal.

Soma-se a isso o grande volume de lixo

produzido pelos estabelecimentos

comerciais, situação que força o

caminhão da coleta a parar em diversos pontos da via. O cenário com tais elementos

pode ser observado na imagem 2, que reflete uma situação muito comum no bairro,

onde fica evidente a dificuldade de circulação.

O final de linha do bairro é local de parada para 5 linhas, com frota total de 33

ônibus. De acordo com os rodoviários entrevistados, 52,6% destas linhas possuem

trajetos de até duas horas, 42,1% realizam trajetos entre duas a três horas de duração e

apenas 5,3% demoram acima de três horas para finalizar seus percursos. Este dado deve

ser relativizado no que tange ao trajeto total já que, ainda segundo os entrevistados,

apenas para sair do bairro em direção à Avenida Juraci Magalhães Junior – uma das

3 Escala micro-local correspondendo a “[...] recortes territoriais diversos [...] todos tendo em comum o fato de que se referem a espaços passíveis de serem experienciados intensa e diretamente no quotidiano” (SOUZA, 2004, p.106)

Imagem 2: Final de linha de Santa Cruz; Foto dos autores, 2014.

principais vias estruturantes próximas –, são gastos em média trinta minutos, podendo

chegar, nas ocasiões de fluxo muito intenso, à ultrapassar mais de 1 hora neste

deslocamento de cerca de 1km, como nos relatou um dos cobradores : “... tem dias que

trava tudo por causa do problema dos carros que param na frente, param no lugar

errado... vinte minutos, meia hora, mas as vezes você queima até uma viagem inteira

aqui sem sair, que é o percurso de duas horas. É... Acontece...”.

Entre os principais problemas verificados

pelos rodoviários a partir das entrevistas estão: 1º)

o espaço das vias; 2º) a inexistência de banheiros;

3º) área para descanso; e 4º) área para refeições.

Este item da entrevista foi fundamental para

compreendermos quais as reais demandas dos

rodoviários. Se por um lado era esperado que

banheiros, área para refeições e descanso fossem

mais urgentes no que se refere ao conforto

imediato destes profissionais, percebemos que a

estruturação da via apareceu em primeiro lugar como um fator condicionante de

qualidade de vida, isto porque os problemas que daí derivam implicam muitas vezes na

necessidade de reduzir o tempo de descanso para viabilizar os trajetos das linhas.

No intuito de observar como se dá o conflito de interesses no que tange à

dinâmica do final de linha do bairro duas questões foram feitas tanto para o grupo dos

usuários do transporte coletivo como para os comerciantes locais. A primeira pergunta

referia-se a percepção dos entrevistados sobre a estrutura do final de linha. Os gráficos

abaixo sintetizam os resultados:

Como você avalia a estrutura do final de linha?

Imagem 3: Frota de ônibus no final de linha; Foto dos autores, 2014.

Usuários

Comerciantes

Através dos gráficos é possível observar que ambos os grupos demonstram

insatisfação com a estrutura do final de linha, com diferenças parciais não tão

relevantes. A segunda pergunta referia-se ao comércio local e suas implicações:

O comércio local impácta no funcionamento do final de linha?

Usuários

Comerciantes

Embora os gráficos revelem dados que, de certa forma, eram previstos devido à

relação direta do conteúdo da pergunta com a atividade dos comerciantes, é importante

notar que há uma discrepância muito grande em relação às respostas dos usuários de

ônibus. É interessante observar também as considerações que derivavam de tais

respostas. Entre aqueles comerciantes que acreditam que o comércio local não gera

impactos quatro deles afirmaram que o que, de fato, impacta no funcionamento do final

de linha são os ônibus, por mais contraditório que nos pareça esta afirmação. Outros

fatores que seriam responsáveis pelos problemas do espaço seriam (i) a falta de

organização, (ii) a atividade de carros pequenos que realizam fretes e, mais uma vez

explicitando contradições, (iii) a atividade de carga e descarga (originada pelo próprio

comércio). O que os resultados demonstram, entretanto, é que há um evidente conflito

de interesses, que envolve o próprio entendimento divergente das funções exercidas, ou

que deveriam prevalecer, no espaço em questão. No que se refere às possíveis soluções

vislumbradas pelos entrevistados, merecem destaque os seguintes resultados:

O que você sugere para que o final de linha funcione melhor?4

Rodoviários

Comerciantes

A análise comparativa dos gráficos nos indica que, apesar do grande percentual

que sugere a alteração do final de linha, o grupo dos rodoviários concebe, em sua

maioria, que há condições de se manter as atividades no espaço atual, desde que haja

maior rigor na fiscalização. Entretanto, quando perguntados diretamente sobre a

possibilidade de alteração do final de linha 85,5% dos rodoviários se posicionaram a

favor da alteração, o que nos leva a inferir que para o referido grupo a alteração do final

de linha seria mais eficaz para a resolução dos problemas do que esperar que haja maior

fiscalização no local atual. Por outro lado, tanto os comerciantes, quanto os usuários do

transporte coletivo se posicionaram, em sua maioria, contrários à alteração. (55% e

77,5% respectivamente). A partir das observações e análises realizadas durante as idas a

campo é possível inferir também que o grande percentual de usuários que são contrários

à referida alteração se dá, muito provavelmente, pela dificuldade de vislumbrar um

mecanismo de integração que possibilite um menor deslocamento destes até o novo

local do final de linha. Os resultados obtidos demonstram, portanto que apesar de todas

as complicações e problemas enfrentados pelos usuários, o final de linha representa um

4 Os valores percentuais apresentados no gráfico dos rodoviários não fecham soma de 100% por que as respostas dadas abarcaram, em geral, mais de uma sugestão por entrevistado.

espaço privilegiado da mobilidade urbana (dada a possibilidade de iniciar o trajeto de

ônibus já acomodados nos assentos) e que é, por isso, muito requerido pela população

local. Acreditamos que se houvesse maior divulgação de possibilidades diversas

daquela existente – atentando para a integração de modais – que auxiliassem no acesso

ao final de linha, o resultado poderia ser outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática planejadora que age na seleção de algumas áreas em detrimento de

outras, seguindo a lógica do lucro do sistema capitalista, não contempla o espaço

urbano/metropolitano em todas as suas escalas. Neste trabalho foi possível tecer

observações importantes no que se refere especificamente à aspectos da realidade intra-

urbana, como é o caso dos finais de linha dos bairros populares em Salvador, mais

especificamente o final de linha de Santa Cruz. Com base no que expomos a respeito da

dinâmica do final de linha do bairro, acreditamos que algumas proposições gerais

seriam possíveis de realizar e que contribuiriam, em última instância, para a qualidade

de vida da população local e dos próprios trabalhadores rodoviários. Apesar de nos

apoiarmos nas vozes dos sujeitos em questão para balizar nossas propostas, devemos

deixar claro que o processo aqui colocado ainda fica muito aquém de um planejamento

participativo, pois, mesmo que tais medidas visem melhorar a qualidade de vida da

população, um planejamento de fato participativo vai muito além do que uma simples

consulta, na medida em que busca a efetividade da participação de tais sujeitos em todas

as etapas da atividade planejadora. Em verdade, tais medidas ou proposições se

aproximam muito mais da ideia de cenários futuros possíveis, elencados principalmente

a partir das informações e dados obtidos durante a pesquisa.

Uma primeira alternativa ao cenário atual que não demandaria inicialmente a

alteração do final de linha para outro local seria realizar apenas uma regulamentação

efetiva da atividade de carga e descarga. No intuito de mitigar os problemas de

circulação uma medida possível seria, de fato, estabelecer horários e dias específicos

para carga e descarga dos inúmeros estabelecimentos comerciais. Este cenário deve

levar em conta, ainda, a necessidade de lidar com um conflito de interesses intenso, já

que o estabelecimento de dias e horários específicos para carga e descarga pode

acarretar em incômodos tanto para os próprios comerciantes, quanto para a população

residente nas ruas próximas.

Outra proposta que emergiu a partir das entrevistas e que segue na tentativa de

manter o local do final de linha seria a construção de um ponto de parada dos ônibus no

Parque da Cidade, vizinho ao bairro. A ideia consiste na criação de uma espécie de via

circular, na qual os motoristas e cobradores estacionariam os ônibus no Parque da

Cidade, fariam seu horário de descanso e depois retornariam até o final de linha da

Santa Cruz para iniciar seus trajetos no local atual. O objetivo primeiro seria, portanto,

diminuir o fluxo de coletivos que se acumulam durante o descanso dos rodoviários para,

assim, permitir maior agilidade quando os ônibus deixarem o ponto do Parque da

Cidade.

Por fim, outro cenário possível que dista em maior grau das propostas anteriores

seria a alteração do final de linha para o Parque da Cidade. Essa foi uma proposição que

emergiu a partir das entrevistas, tanto pelos rodoviários quanto por parte dos

comerciantes. Os usuários, entretanto, se mostraram contrários a ela, em sua grande

maioria. Como já afirmado anteriormente, acreditamos que o motivo inicial dessa

negativa seria o tempo necessário para o deslocamento até o novo final de linha,

percurso de um quilômetro. Essa medida, portanto, teria que prever conjuntamente a

implantação de mecanismos de integração, que poderia ocorrer tanto a partir da

existência de pequenas linhas de micro-ônibus coletores, como também através de

planos inclinados/teleféricos. Embora os mecanismos de integração verticais demandem

estudos muito mais aprofundados sobre a viabilidade econômica de sua instalação,

podemos considerá-los neste cenário a partir da compreensão de sua importância

enquanto modais de integração compatíveis com cidades marcadas por vales e

cumeadas, como Salvador. A intenção aqui é demonstrar que, mesmo que

posteriormente a medida não se mostre viável, neste caso em específico, é necessário

incorporar os mecanismos de integração vertical como modal integrador do sistema de

transporte coletivo da cidade.

Em verdade tais cenários não são perspectivas rígidas e várias das medidas aí

incluídas podem ser colocadas em prática conjuntamente. A análise e estudo detalhado

de cada um destes cenários e propostas representam em última instância a possibilidade

de melhoramentos na própria circulação da cidade e, para os moradores locais,

representam um passo a mais para exercerem o direito à cidade – ao menos no que tange

a circulação urbana, objetivo deste trabalho.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº. 12.587 de janeiro de 2012 – Política Nacional de Mobilidade

Urbana. Brasília: Congresso Nacional, 2012. Disponível em <

www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>, Acesso em

13/02/2014.

SALVADOR. Lei 7.400/2008 – PDDU 2008, de 20 de fevereiro 2007. Salvador:

Prefeitura da Cidade do Salvador. Disponível em:

<www.desenvolvimentourbano.salvador.ba.gov.br/lei7400_pddu/index.php>, Acesso

em 13/02/2014.

SIM, Sistema de Informação Municipal de Salvador. População Residente

(Habitantes). Prefeitura de Salvador: Salvador, 2014. Disponível em

<www.sim.salvador.ba.gov.br/indicadores/index.php>, Acesso em 12/02/2014.

SOUZA, M. L. de. Mudar a cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à

gestão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

VASCONCELLOS, E. A. Circular é preciso, viver não é preciso: a história do

trânsito na cidade de São Paulo. Annablume: São Paulo, 1999.