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I Universidade Federal do Ceará DIMENSIONAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES LEXICOGRÁFICAS DO PORTUGUÊS DO CEARÁ Resumo Constitui o presente artigo uma resenha ana- lítica dos principais levantamentos vocabulares le- vados a efeito por autores cearenses a partir da se- gunda metade do século passado até aos nossos dias. Os trabalhos resenhados apresentam, na- turalmente, diferenças de nível, compreendendo, desde simples glossários ap endiculares ou aposições de notas, até copiosos vocabulários ou dicionários. Faz-se, por fim, breve referência ao futuro Atlas Lingüístico do Estado do Ceará - ALECE - em fase final de composição. Palavras-chave: glossário; vocabulário; dicio- nário; léxico. Abstract This paper intends to be a faithful analytic account of the chief le xical raising s made by cearense authors about regional speech words from lhe first half of the mineteentli century to the present lime. The included works reported are, of course, of unequal levei, since simple appendicular vocabu- laries or short glossaries till large vocabularies or dictionaries or short glossaries till large vocabu- faries or dictionaries. A slight reference too is made to lhe fu ture Linguistic Atlas of Ceara State - ALECE in the last stage of composition. Keywords: glossary; vocabulry; dictionary; lexicon. Desde muito cedo revelou-se atenta entre os estudiosos e homens de letras do Ceará a consciên- ia das peculiaridades lingüísticas que conferem ao ecúmeno cearense os traços diferenciais do seu re- pertório lexical. Com efeito, já a partir de Juvenal Galeno, po- eta de veia popular, com quem se inicia a literatura cearense propriamente dita, vamos encontrar a pre- ocupação com o registro dos nossos regionalismos lexicais, traduzida na aposição de notas ou glossári- os apendiculares, como forma de assegurar a inte- gral compreensão das suas produções de caráter nativista ou de cunho marcadamente telúrico. Procuraremos, nesta breve comunicação, re- senhar os produtos dessa metodologia, culminando com a etapa das coletas mais abrangentes, represen- tadas pelos Dicionários ou Vocabulários regionais de Florival Seraine (1958), Raimundo Girão (1967) e Tomé Cabral (Ia edição, 1972; 2 a edição, 1982). 1. A primeira resenha constante da nossa exposição data de 1865 e consiste num total de 215 notas apensas às Lendas e Canções Populares de Juvenal Galeno, 190 das quais são de natureza lexicográfica, isto é, destinam-se ao esclarecimento da significa- ção de termos regionais ainda não inscritos nos di- cionários gerais da língua até por aquela altura. 2. A seguir, por ordem cronológica, mencionamos o texto de José de Alencar, O Nosso Cancioneiro, cujo estabelecimento foi feito pela primeira vez em 1960, pela Editora Aguilar. Servimo-nos, para esta resenha, da edição preparada pela Professora cearense Maria Eurides Pitombeira, publicada pela PONTES EDITO- RES, de Campinas - São Paulo, em 1993. Nesse texto, José de Alencar, sempre atento e atila- do com relação aos problemas de ordem metalin- güística, tece comentários e aventa sugestões sobre a origem e significação de termos expressivos da nossa realidade regional cearense e nordestina, tais como: barbatão, famanaz, famaraz, oirama, poei- rama, espácio, aboiar, rabicho (adj.), bicó (grafado biquó), tropelão, todos de cunho popular e relati- vos ao universo rural da época batizada de "civili- zação do couro" por outro cearense ilustre e de fama nacional, o historiador maranguapense João Capistrano de Abreu. 3. No ano de 1878, sai a lume o romance de costu- mes cearenses Luizinha, da autoria de Araripe Júnior, incisivamente marcado pela linguagem regional, re- alizando com notória fortuna a conjunção artística de fundo e forma de par com a simbiose lingüística das palavras e coisas preconizada pela escola das "Wõrter und Sachen", de inspiração germânica. Ressalvando o particularismo da linguagem provinciana de que usava na feitura do seu romance, assim se refere o Autor, ao apresentar as suas "No- tas aos Capítulos", em número de 84: "Usamos no texto deste trabalho expressões e frases acaso des- conhecidas a pessoas que nunca estiveram em pro- Revista do GELNE vol 2 N'.1 2000 21

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I

Universidade Federal do Ceará

DIMENSIONAMENTO DASCONTRIBUIÇÕES LEXICOGRÁFICAS

DO PORTUGUÊS DO CEARÁ

Resumo

Constitui o presente artigo uma resenha ana-lítica dos principais levantamentos vocabulares le-vados a efeito por autores cearenses a partir da se-gunda metade do século passado até aos nossos dias.

Os trabalhos resenhados apresentam, na-turalmente, diferenças de nível, compreendendo,desde simples glossários ap endiculares ouaposições de notas, até copiosos vocabulários oudicionários. Faz-se, por fim, breve referência aofuturo Atlas Lingüístico do Estado do Ceará -ALECE - em fase final de composição.

Palavras-chave: glossário; vocabulário; dicio-nário; léxico.

Abstract

This paper intends to be a faithful analyticaccount of the chief le xical raising s made bycearense authors about regional speech words fromlhe first half of the mineteentli century to the presentlime. The included works reported are, of course, ofunequal levei, since simple appendicular vocabu-laries or short glossaries till large vocabularies ordictionaries or short glossaries till large vocabu-faries or dictionaries. A slight reference too is madeto lhe fu ture Linguistic Atlas of Ceara State - ALECEin the last stage of composition.

Keywords: glossary; vocabulry; dictionary; lexicon.

Desde muito cedo revelou-se atenta entre osestudiosos e homens de letras do Ceará a consciên-ia das peculiaridades lingüísticas que conferem ao

ecúmeno cearense os traços diferenciais do seu re-pertório lexical.

Com efeito, já a partir de Juvenal Galeno, po-eta de veia popular, com quem se inicia a literaturacearense propriamente dita, vamos encontrar a pre-ocupação com o registro dos nossos regionalismoslexicais, traduzida na aposição de notas ou glossári-os apendiculares, como forma de assegurar a inte-gral compreensão das suas produções de caráternativista ou de cunho marcadamente telúrico.

Procuraremos, nesta breve comunicação, re-senhar os produtos dessa metodologia, culminando

com a etapa das coletas mais abrangentes, represen-tadas pelos Dicionários ou Vocabulários regionaisde Florival Seraine (1958), Raimundo Girão (1967)e Tomé Cabral (Ia edição, 1972; 2a edição, 1982).

1. A primeira resenha constante da nossa exposiçãodata de 1865 e consiste num total de 215 notasapensas às Lendas e Canções Populares de JuvenalGaleno, 190 das quais são de natureza lexicográfica,isto é, destinam-se ao esclarecimento da significa-ção de termos regionais ainda não inscritos nos di-cionários gerais da língua até por aquela altura.

2. A seguir, por ordem cronológica, mencionamos otexto de José de Alencar, O Nosso Cancioneiro, cujoestabelecimento foi feito pela primeira vez em 1960,pela Editora Aguilar. Servimo-nos, para esta resenha,da edição preparada pela Professora cearense MariaEurides Pitombeira, publicada pela PONTES EDITO-RES, de Campinas - São Paulo, em 1993.Nesse texto, José de Alencar, sempre atento e atila-do com relação aos problemas de ordem metalin-güística, tece comentários e aventa sugestões sobrea origem e significação de termos expressivos danossa realidade regional cearense e nordestina, taiscomo: barbatão, famanaz, famaraz, oirama, poei-rama, espácio, aboiar, rabicho (adj.), bicó (grafadobiquó), tropelão, todos de cunho popular e relati-vos ao universo rural da época batizada de "civili-zação do couro" por outro cearense ilustre e defama nacional, o historiador maranguapense JoãoCapistrano de Abreu.

3. No ano de 1878, sai a lume o romance de costu-mes cearenses Luizinha, da autoria de Araripe Júnior,incisivamente marcado pela linguagem regional, re-alizando com notória fortuna a conjunção artísticade fundo e forma de par com a simbiose lingüísticadas palavras e coisas preconizada pela escola das"Wõrter und Sachen", de inspiração germânica.

Ressalvando o particularismo da linguagemprovinciana de que usava na feitura do seu romance,assim se refere o Autor, ao apresentar as suas "No-tas aos Capítulos", em número de 84: "Usamos notexto deste trabalho expressões e frases acaso des-conhecidas a pessoas que nunca estiveram em pro-

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víncias do norte, e que são peculiares à linguagemempregada pelo povo que habita aquelas regiões. Paramelhor inteligência dos diálogos, registramos aquias mais notáveis com a respectiva significação."

4. O ano de 1887 assinala o aparecimento do Voca-bulário Indígena em uso na Província do Ceará, dePaulino Nogueira Borges da Fonseca, operoso ho-mem de letras e desembargador, responsável porextenso elenco de colaborações na Revista do Insti-tuto do Ceará de 1869 a 1905, três anos antes do seufalecimento em 15 de junho de 1908.O Vocabulário Indígena, de Paulino Nogueira, é oprimeiro trabalho lexicográfico de fôlego, levado acabo no Ceará. .Foi publicado na Revista Trimestraldo Instituto do Ceará, Ano I, 4° Trimestre de 1877,p. 209-432. Consta de 575 verbetes de desenvolvi-mento amplo, alguns dos quais estendendo-se porvárias páginas. Desse total, 113 são registros de no-mes próprios, a maioria topônimos, outros designa-ções de acidentes geográficos como rios, riachos,lagoas, serras, serrotes, etc.

5. Do ano de 1911, da autoria de João Brígido, jor-nalista e historiador, nascido em São João da Barra-Rio de Janeiro, mas radicado no Ceará desde a in-fância, possuímos um interessante trabalho, inti-tulado Glossário Cearense: Expressões, corruptela,gíria e tupi; accepções e phrases populares. Trata-sede um elenco de 422 verbetes, sucintamente defini-dos, dividido em duas partes. A primeira, com 388itens, ordenados de A a Z, e a segunda, um suple-mento designado APPENDICE, em que são acres-centados mais 38 itens, obedecendo ao mesmo cri-tério de definições, reduzidas quase à pura aposiçãode sinônimos.

Remata-se o referido Glossário com um"Nota Bene", em que adverte o Autor: - "Excluímostodos os termos populares que já forão apanhadospor Constancio, Lacerda e Aulete. Observamos queo populacho sempre pronuncia o 1! por Q, o ipor l:< eemprega sempre o x, nunca o ch.

6. 1912 é o ano da publicação de Terra de Sol, livro deestréia de Gustavo Barroso, obra emblemática da cul-tura cearense e que representa um marco miliário nãosó da nossa literatura, stricto sensu, mas também daprópria sociologia nordestina, ao lado de Heróis eBandidos (1917) e de Almas de Lama l:< Aço (1930).

Do ponto de vista lingüístico, desejamosacentuar a importância do materiallexicográfico iné-dito recolhido pelo Autor ao descrever a Natureza l:<Costumes do Norte, subtítulo do seu famoso estudode Sociologia sertaneja.

Ressaltemos que até à 5' edição, inclusive, oAutor se deu ao trabalho de sotopor ao seu texto, aolongo das suas 272 páginas (estou-me louvando na 3"edição, de 1930) notas explicativas ou definições su-cintas, totalizando um contingente de 108 verbetes, amaioria dos quais, com o tempo, se foram inscreven-do no registro dos dicionários gerais da língua.

Não há dúvida de que inúmeros vocábulosda língua portuguesa do Brasil devem a sua cartade cidade ao escri tor cearense a cuja obra es-tamos aludindo.

Abramos o Dicionário Brasileiro da LínguaPortuguêsa, de Macedo Soares, edição de 1954, noverbete "Quandu", acepção n° 2: Nome que no Cea-rá se dá ás palmeiras carnaúbas pouco desenvolvi-das. Cf. Terra de Sol, A(fonso) Taunay, Léxico deLacunas. No verbete "Pixuna" s.m., lê-se: Nomevulgar de um rato selvagem do Ceará. Cf. GustavoBarroso, Terra de Sol, p. 4. Leiamos a definição de"Mocozal"do chamado Dicionário Aurélio: "N.E.Lugar onde se vêem altas paredes de rochas cheiasde buracos, nos quais vivem mocós." Trata-se clara-mente de uma definição retrabalhada sobre a nota deGustavo Barroso na página 40 (3" edição) in verbis:"Altas paredes de rocha, esburacadas, onde habitammocós, que são uma espécie de preá".

Acrescente-se, a propósito, que grandeparte desse novo repertório lexical nordestino oucearense, já começara a ser lexicografado, por voltade 1938, pelos co-autores do Pequeno DicionárioBrasileiro da Língua Portuguesa, Hildebrando deLima e Gustavo Barroso, os dois, nordestinos,Hildebrando de Alagoas e Gustavo Barroso do Ceará,com revisão de mais dois nordestinos, Manuel Ban-deira, pernambucano e José Batista da Luz, cearense.

Digamos, a bem da verdade, que este dicio-nário, de matriz essencialmente nordestina, foi oembrião fecundo, e talvez muito mais que embrião,daquilo que veio a se tornar, em nossos dias, o maiscelebrado dos modernos dicionários da língua por-tuguesa, o Novo Dicionário da Língua Portuguesa,de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, outro nor-destino de Alagoas.

7. 1913: É dada à luz a obra poética de RodolfoTeófilo, Lira Rústica, com a paráfrase parentética"Cenas da Vida Sertaneja", publicada em Lisboa pelaTypographia da "A Editora Limitada".

Fica mais uma vez evidenciada a moti vaçãoda estratégia adotada pelos nossos autores regionaispara salvaguardar a inteireza da compreensão da suamensagem. Como as egurar a plena inteligibilidadeda sua poesia ertaneja, traduzida pelo expoente dotítulo Lira Rústica e reafirmada pela expressão subs-crita no parênte e "Cenas da vida sertaneja"? E nocaso presente om a agravante de ser a obra editadaem Portugal.

Ju tifi a- e. portanto, o recurso maisuma vez adot o: anexação de um Glossárioapendi ular. composto de 143 verbetes de cons-tituição medi men e de envolvida e definiçõesbem elabor

Tatu e Mané Xiquexique, otld:erCl:C-;C. bano ao escritor paulista

m rupês, caricaturava oorno protótipo do habi-ma generalização exal-

tada que obscurecia a verdadeira natureza do proble-ma da miséria que reduz o homem de qualquer latitu-de a um "urupê de pau podre que vegeta no sombrioda mata"ou a um farrapo humano destituído da suaondição humana.

Tomando a defesa do homem pobre do inte-nor nordestino, do caboclo das zonas rurais do Nor-de te, procura o criador de Mané Xiquexique reve-lar entre nós uma outra realidade psíquica, capaz defazer-nos acreditar na existência de outra latitudemoral nas figuras do Mané lavrador, do Mané vaquei-ro. do Mané jangadeiro e de tantos outros surpreen-dentes Manés a constituir uma positiva geografiahumana deste outro lado do Brasil.

Mas o principal para o nosso intento é acen-tuar a conformação do fundo e da' forma, a adaptaçãoda linguagem à mensagem, numa palavra, o empregodos regionalismos expressivos que caracterizam aobra como a tradução fiel da maneira de pensar e agirdos seus personagens-tipos.

E mais uma vez, para garantir uma bem su-edida comunicação aos leitores de outras latitudes

geográficas, políticas ou culturais, do imenso uni-verso da língua portuguesa, apelou o Autor para oexpediente consuetudinário: apôs ao seu ensaio umGlossário dos nossos termos regionais, como recur-so capaz de assegurar com plenitude a fidelidade doeu discurso apologético.

Constava o referido Glossário, em I" edi-ção, de 165 verbetes, reduzido na última (edição), a3", de 1969, a 43 apenas. Razão pela qual assim nosadverte o seu editor: "Do glossário organizado peloAutor foram excluídos os têrmos e expressões deuso corrente nos dias atuais e os catalogados nos di-cionários.

Na realidade, a comprovar a repercussão daobra, em breve tempo já se disseminava pelos dicio-nários da língua a consignação de termos cearensesou nordestinos chacelados pela abonação de ManéXiquexique de I1defonso Albano.

Como acabamos de ver, a obra data de 1919,e já em 1923, o Novo Vocabulário Nacional, deCarlos Teschauer, editado no Rio Grande do Sul,registrava inúmeros verbetes com a indicação danovíssima fonte objeto destes nossos comentári-os. Somente na letra A, deparamos: Aboio, açudebadejo, adjitorar, afuleimado, aluá, amucambado,animal sem fogo, aparro, aracambuz, arisco (s.m.),arrastar (= derrubar o boi), arrocho (da linguagemdos seringueiros), assuntar, aturar na vivença, ave-maria! E por aí além ...

9. De 1921 é o interessante opúsculo do ProfessorJosé Gonçalves Dias Sobreira intitulado Curiosida-des e Factos Notáveis do Ceará (128 páginas nume-radas), editado no Rio de Janeiro pela TypographiaDesembargador Lima Drummond. Quanto ao autor,trata-se de um famoso professor primário e telegra-fista, nascido no Crato, que cursou o seminário daPrainha, em Fortaleza, até a altura dos estudos teo-lógicos. É autor de várias obras didáticas, inclusive

de uma Simplificação da Grammatica Portugueza,de 1885, aprovada pela Secretaria da Instrução PÚ-blica do Ceará e de uma Geographia Especial doCeará, adotadas para servirem de compêndio pelasescolas do Estado.

Quanto ao seu opúsculo, acima referido, pu-demos anotar alguns registros significativos de in-teresse para a abonação do vocabulário regional, taiscomo: oró, designação de uma leguminosa rasteira,que ele identifica com o jericó, embora se trate deduas espécies botânicas diferentes; pombal eavoante, dois itens que apresentam uma referênciacruzada. Com relação ao termo avoante, substitutivoeufêmico de pomba ou pomba-de-bando (era as-sim que se costumava chamá-Ias), traz-nos o Autoresta curiosa observação: "Na grande seca de 1845,a Câmara Municipal de Quixeramobim, vendo que onome dessas aves não lhes soava bem entendeu dereunir-se em sessão especial, e determinou, sobpena de prisão, que dali em diante fossem chama-das ... avoantes, nome pelo qual são elas hoje conhe-cidas, em todo (o) Ceará."

Seria interessante averiguar a veracidadedesta informação para estabelecer com precisão acronologia vocabular deste termo, cujo primeiroregistro, por nós colhido, encontra-se na obra deRodolfo Teófilo, História da Seca do Ceará, de1883, e já constitui uma retrodatação do Dicioná-rio Etimológico Nova Fronteira de A. G. Cunha,que lhe assinala o século XX como data de pri-meira ocorrência.

Prossigamos, no entanto, com a relação dosnossos itens regionais inseridos pelo Autor: gota-serena, p. 35; casa de oração, p. 41; cabeça d'água,p. 52; cachaci, p. 64 - termo até hoje não apanhadopelos lexicógrafos e nitidamente cunhado por ana-logia com cajuí e cuja definição nos fornece o au-tor no seguinte lanço: "Num Sábado os empregadostendo recolhido aos depósitos toda a aguardentedestilada, deixaram um vaso ao pé do alambique,operando o resto da destilação, a que chamamcachaci ou aguardente fraca." E ainda: ranço, p. 68,na acepção de travo ou travo r acre de certas frutasverdes, especialmente do caju. No Rio de Janeiro,por exemplo, se diz cica e não ranço do caju. Ob-servamos, en passant, que o benemérito ToméCabral, ao consignar o termo com a exata significa-ção que tem entre nós, oferece como abonação oseguinte exemplo do Prof. J.G.Dias Sobreira: "Nãotem (se, o cajuí) o ranço do caju comum; é, ao con-trário, bastante doce e saboroso." Ocorre, porém,que em Tomé Cabral, a citação, que vem entre as-pas, além de não exibir a autoria do exemplo, se apre-senta bastante corrompida. Ali se lê: "O caju nãotem o ranço do caju comum; é, ao contrário, bastan-te doce e saboroso." Isto, na 2" edição, pois na 1"não se encontra registrado o termo. Merecem aindacitados os vocábulos: banda-forra, p. 82; serrota, p.92; caretas (os -), p. 124 e aluá, p. 128.

10. Neste mesmo ano de 1921 inicia-se a seqüênciadas exitosas obras regionais de Leonardo Mota que

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por mais de tO anos se empenhou na investigação danossa cultura popular, do nosso folclore, da nossaparemiologia e da nossa linguagem regional, estudan-do-a, anotando-a e divulgando-a, não só em livros eartigos em revistas e jornais da terra, mas também empalestras e conferências pelo Brasil afora, merecen-do o honroso epíteto de caixeiro-viajante da culturapopular cearense, ou embaixador dos sertões.

A primeira das suas reveladoras produções foiCantadores (Poesia e Linguagem do Sertão Cea-rense) , de retumbante êxito editorial no Rio de Ja-neiro, com tiragem de 10.000 exemplares, em pou-co tempo esgotada pelo público brasileiro.

Seguindo mais uma vez o procedimento ha-bitual dos seus predecessores, anexa LeonardoMoia, ao seu livro de estréia um alentado Elucidáriode 733 verbetes, composto de lexias simples, com-postas e complexas, cuja finalidade assinala na ad-vertência de que faz preceder o seu rico repertó-rio: "Não foi intenção minha contribuir para a for-mação de um dicionário cacoépico, mas apenas lem-brar, com abundância de exemplos, o 'dialetocearense', ou 'fixar algum aspecto da dialetaçãoportuguesa no Ceará' - como talvez preferisse dizê-10 o Sr. Amadeu Amara\."

Tal qual acontecera com Mané Xiquexique,dois anos após a publicação da obra, já se transcre-vem nas páginas dos dicionários exemplos de mo-dismos cearenses recolhidos e divulgados por Leo-nardo Mota. Sirvam-nos de prova: Abuso, na acepçãode aborrecimento e abusar, igual a enjoar; a lexiaagüentar tempo, significando: ser capaz de enfrentarsérias dificuldades; apariado, curruptela de "apare-lhado", arranjado, quase rico; arremediado, remedi-ado; arranjado, quase rico; arremediado, remediado;arrepunar, repugnar, para nos atermos unicamente àletra A.

De 1925 é o aparecimento de Violeiros doNorte, a que o Autor, socorrendo-se da mesmametodologia, apendiculou um novo glossário sob adenominação de Modismos e Adagiário, constituí-do de 552 verbetes ou itens em que avulta a presençadas lexias compostas e complexas, preanunciadorada sua futura obra paremiológica.

Como prova de seu aproveitamentolexicográfico apontamos a sua inserção na biblio-grafia referencial do novo Dicionário da Língua Por-tuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, aolado de A "Padaria Espiritual", Cantadores, No Tem-llli de Lampião e Sertão Alegre.

Em 1928, é dado à estampa Sertão Alegre, namesma linha de pesquisa e divulgaçào das palavras ecoisas do Ceará, pondo sempre em alto relevo a "gaiaciência" dos nossos violeiros e poetas populares. Nãofugindo ao esquema das obras anteriores, encerra-se o livro com extenso rol constitutivo do apêndiceintitulado: Linguagem Popular, que totaliza o mon-tante de 716 verbetes, em que predominam as lexiascompostas.

Com o livro No Tempo de Lampião, de 1930,fecha-se o ciclo das obras de pesquisa e registro das

nossas peculiaridade regionais levadas a cabo peloilustre cearense, filho de Pedra Branca, "no coraçãogeográfico do Ceará". Remata o trabalho final donosso Autor um elenco de 86 verbetes, intitulado"Apelidos Sertanejos", constituído integralmente delexias compostas, algumas dos quais mereceram ahonra do registro lexicográfico, como: mão de gen-gibre, venta de bezerro novo, cara de bolacha doce,olho de vaca laçada, venta de telha emborcada, todasde notável precisão icástica e, por isso mesmo, con-sideradas dignas de consignação por parte do Dicio-nário AURÉLIO, que as inscreve com a indicaçãodiatópica CE, i.e., privativa ou característica do Ce-ará. Porém, ainda não se exaure aqui, de todo, a con-tribuição lexicográfica de Leonardo Mota, se con-siderarmos o estatuto de item lexical conferido hojepela Lingüística moderna às configurações fixas re-presentadas pelos espécimes parerniológicos, a sa-ber, os adágios, os provérbios, as máximas. osanexins, os ditos e outras modalidades de "discursorepetido", como os denomina Coseriu, em oposiçàoà elaboração lingüística realizada pela técnica livrede composição discursiva.

Nessa conformidade, tem pertinência acres-centar aqui a obra paremiológica do folcloristacearense, intitulada Adagiário Brasileiro, de publi-cação póstuma, que reúne milhares de provérbios,ditados, parêmias, expressões idiomáticas, colo-quialismos e modismos regionais, como mais umtítulo representativo da sua atividade no campo dalexicografia cearense.

E como temos procedido em todo o decor-rer desta exposição, vamos, uma vez mais, assinalar.a título de encarecimento do valor do trabalho cita-do, a sua repercussão em outras obras, como atesta-do da sua importância no universo das produçõeslexicográficas. Com efeito o reconhecimento dovalor documental da obra do nosso ilustreconterrâneo comprova-se pela inclusão do seu nomeno índice de autores que compõem o elenco biblio-gráfico do Dicionário de Sentenças Gregas e Lati-nas, de Renzo Tosi, um dos maiores e mais autoriza-dos repositórios da paremiologia clássica produzi-dos na atualidade. A obra foi editada no Brasil pelaMartins Fontes, com tradução de Ivone CastilhoBenedetti.

11. Chegamos ao ano de 1931, em que se assinala apublicação de Português da Europa e Português daAmérica, da autoria de Clóvis Monteiro glóriafilológica do Brasil e do Ceará, ao lado dos nomesigualmente gloriosos de Heráclito Graça e de FaustoBarreto, expoentes máximos, à sua época, da com-petência e da dedicação no campo dos estudos dalíngua portuguesa.

Desta primeira obra de Clóvis Monteiro que-remos acentuar, relativamente a esta nossa partici-pação, a importância do capítulo IV: Os nomes co-muns, de procedência indígena. mais correntes noNorte do Brasil. Soma 212 verbetes a resenhavocabular estudada pelo filólogo cearense, destacan-

do-se particularmente alguns que apresentam senti-do especial, ou revestem forma distinta na geografialingüística do Ceará. São eles: Biboca - cuja signifi-cação genérica é "buraco, escavação feita no terrenopelas enxurradas, mas que, no Ceará, segundo o re-paro do Autor, significa "morada humilde, casebre."Em seguida apresenta a etimologia indígena da pala-vra: yby . terra, boca, fenda, rasgão; Cará - A propó-sito da variante Acará informa: não é corrente noCeará; Cuité ou Coité - Esclarece que "no Ceará é acúia polida e pintada." A restrição é pertinente, por-quanto, nas demais regiões do Brasil o termo é sinô-nimo de "cuieira", que é o nome da planta produtoradas cuias; Imbuá - Considera corruptela de ambuá edefine-a: Nome dado, no Ceará, a um miriápodequilognata (sic), que tem a particularidade de enros-car-se e ficar imóvel, por algum tempo, quando selhe toca. Definição perfeita que, infelizmente, nãofoi reproduzida pelos dicionários e que descreve comperfeição esse tipo de centopéia; Tapioca - Particu-lariza a significação do termo entre nós, anotando:"No Ceará, espécie de beiju feito dessa massa (i.e.de mandioca); Umari - Planta legumisosa (Geofroyaspinosa). (...) Entre o povo, no Ceará, também se dizmanzeira.

No ano da graça de 1933 registra-se o famo-so concurso para a cátedra do Colégio Pedro Il, emque Clóvis Monteiro comete a ousadia de apresentara julgamento uma tese em que procura estudar um"COI'PUS" representativo da linguagem popular doNordeste, para desagrado e conseqüente atitude deimpugnação e veemente manifestação de hostilida-de por parte de um dos integrantes da banca exami-nadora, o celebrado mestre José Oiticica, de tempe-ramento ouriçado, a quem Clóvis Monteiro teria devencer e convencer de que o tema do seu estudo eratambém merecedor da atenção despreconceituosados verdadeiros estudiosos da ciência da linguagem.

Na verdade, A Linguagem dos Cantadores,fruto da análise serena e competente do materialbateado pela atividade incansável de LeonardoMota, veio fortalecer o respeito devido aos estudosdialetais no Brasil, cujos primeiros passos haviamsido auspiciosamente dados com a bem sucedidaestréia representada, alguns anos antes, pelo notá-vel ensaio de Amadeu Amaral, O Dialeto Caipira,dado à luz em 1920.

Para o nosso objetivo estrito, levamos emconsideração o teor do capítulo intitulado "À mar-gem do Vocabulário", composto de 50 verbetes cons-tituídos pelas formas e expressões que representamaspectos marginais em relação ao "uso literário doBrasil e de Portugal". Ou mais precisamente, comoacentua o Autor da obra: "o que se me antolha pecu-liar ao português falado no nordeste."

Mencionemos ainda, da produção de ClóvisMonteiro, a sua obra de 1958, Fundamentos Clássi-cos do Português do Brasil, cujo capítulo V, deno-minado Apêndice, se constitui de um estudo sob arubrica "Regionalismos Lexicais" em que o Autorarrola 126 verbetes propiciadores de um estudo

contrastivo entre termos cearenses e sul-rio-grandenses de significação idêntica ou coincidente,algumas vezes com pequenas diferenças de formaou de aplicação.

Lembremos, a propósito, que as charqueadasdo Rio Grande do Sul resultaram de uma transu-mância de criadores de gado cearenses para aquelasplagas. Recordemos também que a conquista do Acrepelos cearenses foi comandada pelo gaúcho Pláci-do de Castro e que o Ceará já foi administrado porum filho dos pampas (Em 1888, era o Ceará gover-nado pelo senador Gaúcho Henrique d' Á vila - cf. L.Mota, Violeiros do Norte, 2. ed., p. 181)

12. Retomemos agora a 1934 para assinalar a pre-sença marcante de Martinz de Aguiar no que se re-fere ao estudo do vocabulário. Com efeito, data des-se ano a contribuição do filólogo cearense intituladaOs Sinais de Galvão, inserta na Revista do Institutodo Ceará, tomo XLVII, p. 29-37. Consta a referidacontribuição de uma seqüência de 16 itens em queestuda a nomenclatura popular das característicashipológicas, positivas ou negativas, ou seja, os fa-mosos sinais de Galvão.

Em Notas e Estudos de Português, de 1942,trata o saudoso mestre, em 11 dos 30 tópicos quecompõem o sumário da obra, de tecer considera-ções em torno de particularidades do léxico diale-tal cearense. Mereceram sua especial atenção ostermos: Parabenizar, cauã ou cõã, pezunho, aciolino,ensolarado, a locução corrio sem falta, milhar (s.f.),teimoso (s.m.) ou mané-teimoso equivalente ao ter-mo de origem chinesa "pussá", segundo o Mestre, eque não se encontra consignado por nenhum dicio-nário da língua, com tal acepção. Ao mané-teimosodo Ceará corresponde hoje a designação de joão-teimoso ou simplesmente teimoso (s.m.) e joão-paulino, dependendo da região do país. Trata aindados topônimos Russas, Juazeiro e Ceará.

E por fim, em Notas de Português de Filintoe Odorico, de 1955, volta o ilustre filólogo a inse-rir no seu trabalho referências especiais ao nossovocabulário popular. São 11 anotações pontuais emtorno dos itens: Pichano ou Bichano, patota oubatota, p. 94; capado (s.rn., p. 55); bisaco, p. 62;mangofar, p. 146; mascara (paroxítona), p. 169;bebemoração, p. 188; lubim, p. 189; calculo/me-dida calculada, p. 230; cloretilo, p. 354; babau(s.m.), p. 423.

13. Gostaríamos de citar também, imprimindo a estacitação, igualmente, um caráter de homenagem, aodistinto folclorista Ctarlos) Nery Camelo, o seuinteressante trabalho, Alma do Nordeste, fruto deextensa peregrinação por mais de 300 municípiosda região, taquigrafando a linguagem popular.

Encerra o livro um elenco de 31 verbeteselucidativos das nossas peculiaridades regionais.14. À margem da literatura propriamente dita ou dostextos paraliterários, houvemos por bem referir aqui

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nesta resenha dois trabalhos de natureza científicano campo da botânica.

O primeiro, de 1863, é de autoria de ThomazPompeo de Sousa Brasil. Trata-se do Capítulo 11, doseu monumental Ensaio Estatístico da Província doCeará, dedicado ao Reino Vegetal. Nesse capítulo, oAutor apresenta um estudo sobre cerca de 400 plan-tas da região nordestina, particularizando 225 espé-cimes de "plantas medicinais, de marcenaria, deconstrução naval e civil, de cordoaria, tinturaria,floríferas, alimentícias" que "nascem e crescem es-pontaneamente, ou são facilmente aclimatadas nestaprovíncia", segundo suas próprias palavras. Cumpreassinalar que inúmeros itens que integram o referi-do elenco ainda não mereceram a contemplação dosdicionários ou vocabulários gerais da língua.

15. Noventa anos mais tarde, na esteira de TomásPompeu, o botânico e agrônomo cearense, Prof."Renato Braga, publica o seu notável dicionário dePlantas do Nordeste, especialmente do Ceará, Ia.edição, 1953 enriquecendo sobremaneira a lexi-cografia botânica da nossa terra e de toda a regiãonordestina.

Vale ressaltar, de maneira especial, a perma-nente atenção dada pelo Autor às denominações po-pulares dos espécimes estudados e a sua preocupa-ção constante com a onomasiologia diatópica, ofe-recendo as variantes designativas das plantas nos di-versos locais por onde se extende o seu habitat. Sir-va-nos de exemplo, o que nos informa a respeito daplanta herbácea Canudo: "Cresce em toda a Américatropical. Da Amazônia ao Espírito Santo, Minas Ge-rais e Mato Grosso. Mata--cabra e Canudo-de-la-glli! são outras denominações cearenses desta plan-ta. Algodão-bravo, no Pará; Algodão-do-pantanal,em Mato Grosso.

Consta o aludido Dicionário de 1433 lemas,devendo-se considerar, como acabamos de enfatizar,a amplificação de itens lexicais, por meio da qual pro-cura o seu Autor dar-nos conta das designações alter-nativas de cunho popular ou de interesse diatópico.Alguns lemas chegam a apresentar até uma dezenadessas variantes sinonímicas. Para Viuvinha, v.g. o úl-timo verbete da obra, encontram-se anotados os se-guintes sinônimos populares: Capela-de-viúva, cho-rão-de-viúva, coroa-de-viúva, toucado-de -viúva,cipó-azul, flor-azul, flor-de-são-rniguel, flor-de-viúva, grinalda-de-viúva, toucado e cinamomo.

Chegamos, finalmente, à etapa de maturaçãoda consciência da nossa identidade lingüística, emcuja decorrência foram bateados e explorados osnossos grandes e pequenos textos, anteriormentecomentados e resenhados, com vista à elaboraçãoexaustiva do nosso léxico regional.

16. O reconhecimento dessa necessidade se confi-gura pela primeira vez na obra pioneira de FlorivalSeraine, de 1958, o seu prestantíssimo Dicionáriode Termos Populares (Registrados no Ceará), cujaNota Preliminar confirma a nossa assertiva: "As

obras de que mais nos servimos foram Cantadores,Sertão Alegre, Cancioneiro do Norte (corrija-se:Violeiros do Norte), No Tempo de Lampião, da au-toria de Leonardo Mota; D. Guidinha do Poço, deOliveira Paiva; Terra de Sol e Ao Som da Viola, deGustavo Barroso; (...) Plantas do Nordeste, especi-almente do Ceará, da lavra de Renato Braga, etc."

Deixamos de incluir na nossa resenha a re-ferência ao Glossário de D. Guidinha do Poço, porter sido este organizado tardiamente, dadas as pe-ripécias que envolveram a publicação póstuma dofamoso romance de Oliveira Paiva. O referido ro-mance, como se sabe, foi escrito por volta de 1892,tendo sido dado à estampa somente em 1952. OGlossário que o acompanha foi organizado porAmérico Facó, e consta de 516 verbetes ampla-mente desenvolvidos.

O Dicionário de Florival Seraine, na Ia edi-ção, consta de 4524 verbetes, muitos dos quais comsubentradas de termos compostos ou expressõesfraseológicas que concorrem, evidentemente, parauma apreciável amplificação dos itens lexicais com-putados apenas pelo lema ou entrada principal.

Em 1991, em 2a edição, revista, ampliada emelhorada pelo Autor, como se lê na respectiva fo-lha de rosto, reaparece a obra com a informação pres-tada pela Nota Preliminar de que "Na presente tira-gem deste livro ocorre o averbamento de inúmerostermos que não constam da Ia edição, bem assim, oacréscimo de algumas definições e modos expres-sivos a verbetes que já aí se encontravam.

A maior novidade, porém, introduzida peloAutor foi a inclusão de pequenos textos exern-plificativos do lema definido, grafado em transcri-ção fonética própria, seguindo o que talvez se pu-desse chamar de "método fonotípico", segundo secostumava proceder por volta de fins do século pas-sado e inícios deste, antes da invenção e aplicaçãodo Alfabético Fonético Internacional.

Não creio que tenha sido feliz esta inovaçãoacrescida ao trabalho lexicográfico do nossodicionarista.

Com respeito às expressões fraseológicasapresentadas no corpo dos verbetes, gostaria de cha-mar a atenção para o fato de que a grande maioria co-incide quase perfeitamente na forma e na definiçãocom as que foram inventariadas por Antenor Nascen-tes no seu "corpus" constitutivo do Tesouro daFraseologia Brasileira, cuja Ia edição data de 1944.

17. A Florival Seraine segue-se Raimundo Girão,grande polígrafo cearense, que nos deu em 1967, oseu prestimoso Vocabulário popular cearense, cons-tituído de 3065 verbetes.

Trata-se de obra bastante diferente da de seuantecessor, tanto na orientação como na execução.Descarta a inclusão de termos pertinentes à flora e àfauna, fortemente representados no Dicionário deFlorival, só os admitindo nos casos em que se te-nham convertido em expressão derivada, distancia-dos do significado próprio original.

Adota a prática de abonações, citando, comprecisão, autor, obra, página e edição, privilegiandoos grandes textos representativos da literatura regio-nal, de que já fizemos reiterada menção. Fornece ain-da a etimologia da maioria dos termos inventariados,como último elemento de composição dos verbetes.

18. Chegamos, por fim, a 1972 com a obra mais alen-tada da lexicografia cearense: O Dicionário de Ter-mos e Expressões Populares, de Tomé Cabral, gran-de benemérito dos estudos da linguagem popular doCeará, no campo da pesquisa dialetológica.

Mesmo não sendo possuidor de uma forma-ção lingüística especializada, conseguiu realizar umaobra magistral, dotando a nossa bibliografialexicográfica do mais importante e mais abrangentetrabalho de coleta vocabular até hoje realizado noBrasil. A primeira edição da obra se compõe de umrepertório de 10.876 verbetes que incluem acategorização gramatical do termo, a definição, for-mas variantes e, na grande maioria dos casos, abona-ção precisa e fiel, para cuja consulta nos fornece ricabibliografia de apoio, composta de 147 títulos, re-duzidos, para comodidade dos consulentes, a um sis-tema de siglas trilíteras (ou quadrilíteras, em algunspouquíssimos casos).

Dez anos depois da I" edição, ressurge a obraem 1982, em 2" edição, com o título Novo Dicioná-rio de Termos e Expressões Populares, com plenajustificativa para o acréscimo do adjetivo Novo.

Na verdade, reaparece o dicionário locupleta-do com mais cerca de 8.000 verbetes, enriquecendo-se também a bibliografia com mais 178 novos títulos.

Outro dado importante que veio contribuirpara a configuração do novo perfil do Dicionário foia adjunção de material abonatório extraído da litera-tura de cordel, em referência à qual organizou tam-bém o Autor uma bem cuidada bibliografia quetotaliza 292 exemplares de livretos de cordel, repre-sentados, para efeito de consulta, por um cômodosistema de siglas lí~ero-numéricas, à semelhança doque adotara para a I" edição da obra.

Epílogo

Queremos, finalmente, para concluir a nossaresenha, dando plena conta e satisfação do que anun-ciamos no nosso resumo, mencionar dois trabalho,representativos da nova metodologia de pesquisa,implantada com o advento do ensino da Lingüísticanos cursos de letras das Universidades brasileiras.

O primeiro, de pequeno tomo, constitutivo deuma Dissertação de Mestrado, é da autoria do Prof.Antônio Luciano Pontes, e intitula-se O Léxico daCultura e Insdustrialização do Caju em Pacajus-CE.Trata-se de trabalho realizado sob a orientação daOra. Maria Auxiliadora Bezerra, do Centro de Ciên-cias Humanas, Letras e Artes da Universidade daParaíba, no ano de 1985.

O produto final, em termos de material lexi-cográfico, materializou-se na elaboração de um glos-

sário constituído pelo total de 335 termos referen-tes ao campo e subcampos lexicais objeto da pes-quisa projetada. Seria de desejar que trabalhos se-melhantes continuassem a ser feitos em outrasáreas de atividades características da vida econômi-ca e social do Estado, v.g., a cultura da carnaúba, doalgodão, da oiticica, a exploração da pesca da lagos-ta e de tantos outros aspectos do nosso universocultural ainda não abordados, ou não tematizados demaneira plenamente satisfatória.

O segundo trabalho, este de grande enverga-dura, é o Atlas Lingüístico do Estado do Ceará, pro-jetado e elaborado por uma equipe de pesquisado-res do Núcleo de Pesquisa Lingüística do Departa-mento de Letras Vernáculas da UFC - NUPEL - eque, ao fim de doze anos de paciente dedicação dosseus colaboradores bem como do meritório patro-cínio de órgãos e entidades comprometidos, encon-tra-se hoje em fase final de elaboração.

Com efeito, projetado, em última delibera-ção, para ser editado em três volumes pela Impren-sa Universitária do Ceará, estamos procedendo àrevisão do último volume da obra, constituído peloGlossário, seguindo a sistemática adotada pelos de-mais Atlas Lingüísticos.

Queremos ressaltar que o nosso Glossárioserá o mais rico dos que até hoje se fizeram comoexpressão demonstrativa dos diversos "corpora"lexicais levantados pelas obras congêneres publi-cadas no Brasil. Totaliza 936 verbetes que instru-mentalizam os seguintes dados informativos: (1) Ainscrição do lema; (2) A transcrição fonética; (3) Acategorização gramatical; (4) O número do quesito,que remete ao questionário utilizado para elicitaçãodas respostas; (5) O número da carta lexical e dacarta fonética; (6) A classificação dos informantes,identificados como informante Q, a saber, analfabeto,e informante 1, igual a informante alfabetizado.

Defendemos a tese de que os Atlas Lin-güísticos, pela fidedignidade das informaçõestraduzidas no registro dos dados carto.gráficos, de-vem funcionar como legítimas fontes subsidiáriasda lexicografia, razão pela qual incluímos nesta re-senha das colaborações lexicográficas do Portuguêsdo Ceará o nosso ansiosamente esperado ATLASLINGÜÍSTICO DO ESTÁDO DO CEARÁ, que ha-verá de perfilar-se como um marco histórico dosestudos lingüísticos em nossa terra.

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