diferentes abordagens terapeuticas em caes com parvovirose
TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA
Faculdade de Medicina Veterinria
DIFERENTES ABORDAGENS TERAPUTICAS EM CES COM PARVOVIROSE CARACTERIZAO DO USO DE ANTIBITICOS
MARIANA ORNELAS FERREIRA
CONSTITUIO DO JRI Presidente Doutor Virglio da Silva Almeida
ORIENTADORA Doutora Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza
Vogais Doutora Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza Doutora Berta Maria Fernandes Ferreira So Braz
2011
LISBOA
-
UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA
Faculdade de Medicina Veterinria
DIFERENTES ABORDAGENS TERAPUTICAS EM CES COM PARVOVIROSE CARACTERIZAO DO USO DE ANTIBITICOS
MARIANA ORNELAS FERREIRA
DISSERTAO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINRIA
CONSTITUIO DO JRI Presidente Doutor Virglio da Silva Almeida
ORIENTADORA Doutora Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza
Vogais Doutora Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza Doutora Berta Maria Fernandes Ferreira So Braz
2011
LISBOA
-
i
Aos meus pais e a todos os
que me acompanharam nesta levada.
As pessoas se esquecem do que ouvem,
lembram do que lem, porm, s aprendem,
de fato, aquilo que fazem
Ado Roberto da Silva
-
ii
-
iii
AGRADECIMENTOS
PROFESSORA DOUTORA MANUELA RODEIA POR ME TER ACEITADO NA FAMLIA AZEVET, ONDE
CRESCI PESSOALMENTE E PROFISSIONALMENTE. PELA PACINCIA, INCENTIVO E SABEDORIA
TRANSMITIDA AO LONGO DOS LTIMOS ANOS, E POR ACREDITAR NO MEU TRABALHO.
DR. HELENA GUERREIRO, PELOS ENSINAMENTOS, MAS TAMBM PELA AMIZADE E
PREOCUPAO DEMONSTRADA, PELO BOM HUMOR QUE NOS ALEGRA, E POR ACREDITAR NO
NOSSO SUCESSO.
DR. IVANA COIMBRA, PELA AMIZADE E COMPANHIA, PELA PARTILHA DE CONHECIMENTOS E
AJUDA. ADMIRO MUITO A SUA POSTURA CALMA E SEGURA, PRESENTE MESMO NAS SITUAES
MAIS COMPLICADAS.
AO DR. RUI LEMOS FERREIRA, POR TODOS OS ENSINAMENTOS QUE TRANSMITIU PACIENTEMENTE,
POR NOS INCUTIR O GOSTO PELA ECOGRAFIA E MOTIVAR A IR MAIS LONGE.
PAULA PEREIRA, PELA PACINCIA, E SLVIA LUS, PELA BOA DISPOSIO CONTAGIANTE,
VERDADEIRAS MES ADOPTIVAS QUE MUITO ME ENSINARAM, TANTO PROFISSIONALMENTE COMO
PELO EXEMPLO DE MULHERES QUE SO E QUE ADMIRO.
RITA FERRETE, AMIGA PRESENTE NOS MOMENTOS BONS E NOS MENOS FCEIS, PELA
COMPANHIA E APOIO, PELAS GARGALHADAS E BRINCADEIRAS.
DR. RAFAELA LALANDA, PELOS CONSELHOS E PELA GENTILEZA EM CEDER AS FOTOGRAFIAS
DE ESTGIO.
AO DR. LUS BORGES FERREIRA, PELA DISPONIBILIDADE E AJUDA.
AO PAQUINHO, POR ANIMAR OS NOSSOS DIAS E POR NOS FAZER RIR COM AS SUAS PERIPCIAS, E
FLY, POR CONTINUAR ESSE RDUO TRABALHO.
PROFESSORA DOUTORA CRISTINA VILELA, PELAS OPORTUNIDADES CONCEDIDAS E INCENTIVO
NA CONCRETIZAO DAS MESMAS.
D. ELISA DA BIBLIOTECA, PELA SIMPATIA E DISPONIBILIDADE PARA AJUDAR.
AO DIOGO BAPTISTA, PELA SUA PRECIOSA AJUDA E SEUS CONSELHOS, SEM OS QUAIS NO TERIA
CONSEGUIDO TERMINAR ESTE TRABALHO.
DULCE, POR SERES UMA AMIGA COM QUEM SEMPRE PUDE CONTAR, PELA GENEROSIDADE E
BOA DISPOSIO QUE ME ACOMPANHAM DESDE OS TEMPOS DE ANATOMIA.
GISELA, POR ME TERES ACOLHIDO COMO UMA IRM EM TUA CASA E PELAS INMERAS
SITUAES QUE ME APOIASTE E OUVISTE OS MEUS DESABAFOS, UMA DAS MELHORES AMIGAS
QUE J ENCONTREI.
MAN, PELA AMIZADE E PACINCIA PARA AS MINHAS PERGUNTAS INTERMINVEIS E NOS
TRABALHOS DE GRUPO, SEMPRE DISPOSTA A DAR SEM SE PREOCUPAR EM RECEBER.
MARGARIDA, PELA COMPANHIA AMIGA EM MUITAS PERIPCIAS, POR PARTILHARES O LADO
POSITIVO DA VIDA. O JOLIN NO PODIA TER ENCONTRADO MELHOR FAMLIA PARA SER FELIZ E
MIMADO.
MARTA, PELO TEU BOM HUMOR E PELA AMIZADE PACIENTE, COM QUEM APRENDI MUITO.
-
iv
SOFIA, PELA AMIZADE E COMPANHIA DIVERTIDA NO ESTGIO.
AOS MEUS AMIGOS LOURDES, TRINI, ELENA, CARLOS, AIRN E JUAN, E AOS PROFESSORES DA
UNIVERSIDADE CARDENAL HERRERA - CEU, PELA HOSPITALIDADE E PARTILHA DE
CONHECIMENTOS.
TATHI, AO RICARDO, AOS COLEGAS, RESIDENTES, ENFERMEIROS E PROFESSORES DA UNESP,
PELA AMIZADE E SABEDORIA TRANSMITIDA.
A TODOS OS MEUS AMIGOS, PELOS BONS MOMENTOS QUE RECORDO COM CARINHO.
MINHA PRIMA JOANA, MINHA MENTORA A TEMPO INTEIRO, SEMPRE PRESENTE AO LONGO
DESTES ANOS QUE NOS APROXIMOU COMO IRMS. PELA PACINCIA, PELA ORIENTAO E PELAS
PALAVRAS SBIAS E TRANQUILIZANTES QUANDO PRECISEI. POR TUDO O QUE FIZESTE POR MIM,
DESDE SESSES DE REIKI NAS VSPERAS DE EXAMES A LER UMA DISSERTAO SOBRE
PARVOVIROSE.
AOS MEUS PAIS, MAY E Z, PELA CONFIANA QUE DEPOSITAM EM MIM E POR ESTAREM SEMPRE
PRESENTES, LONGE DA VISTA MAS PERTO DO CORAO. POR TODA A EDUCAO E FILOSOFIA DE
VIDA QUE ME TRANSMITIRAM E QUE TANTO ME ORGULHO.
AO MEU IRMO ANDR, PELA AMIZADE E CUMPLICIDADE, PELO APOIO EM MUITOS MOMENTOS, E
POR TANTO ME ENSINAR NOS GRANDES COMO NOS PEQUENOS GESTOS.
MINHA AV CELESTE, PELO MUITO QUE ME ENSINOU E PELO ORGULHO DEMONSTRADO.
MINHA TIA LENA, PELA CUMPLICIDADE E CARINHO, PELA MOTIVAO E CONFIANA.
MINHA FAMLIA, PELO SUPORTE E PREOCUPAO CONSTANTE, SEM ESQUECER A FAMLIA
BARRETO, QUE CARINHOSAMENTE ME ADOPTOU E APOIOU AO LONGO DO MEU PERCURSO
ACADMICO.
FAMLIA GASPAR, POR ME TER ACOLHIDO E ME FAZER SENTIR EM FAMLIA.
AO SR. WALTER E SUA FAMLIA, PELO ACOLHIMENTO E ATENO DEMONSTRADA, PELOS
SBIOS CONSELHOS E ACOMPANHAMENTO.
FAMLIA BONADIO PELO CARINHO E HOSPITALIDADE, POR NOS FAZER SENTIR EM FAMLIA
QUANDO ESTAMOS LONGE DA NOSSA.
AO TOBIAS, MIA, PIAF, FARRUSCA, MILU, TUCHA E OUTROS AMIGOS FELPUDOS, PELA ALEGRIA
QUE NOS CONTAGIA E POR NOS ENSINAREM A APRECIAR A SIMPLICIDADE DA VIDA. AO
HOBBINHOS E FAJOCA, PELA COMPANHIA QUE FAZEM LENA E POR A AJUDAREM NAS
TRADUES PARA A SOBRINHA.
-
v
DIFERENTES ABORDAGENS TERAPUTICAS EM CES COM PARVOVIROSE CARACTERIZAO DO USO DE ANTIBITICOS
RESUMO
A PARVOVIROSE CANINA UMA IMPORTANTE CAUSA DE MORBILIDADE E MORTALIDADE EM
MEDICINA VETERINRIA. EMBORA O TRATAMENTO ADEQUADO SEJA FREQUENTEMENTE BEM-
SUCEDIDO, A TAXA DE SUCESSO TEM PERMANECIDO PRATICAMENTE INALTERADA AO LONGO DOS
ANOS, REFLECTINDO UMA CLARA NECESSIDADE DE TERAPUTICAS MAIS EFICAZES QUE DIMINUAM
A MORBILIDADE E O TEMPO DE HOSPITALIZAO, QUE AUMENTEM A TAXA DE SOBREVIVNCIA E
QUE REDUZAM O CUSTO DO TRATAMENTO, TORNANDO-O ECONOMICAMENTE MAIS VIVEL TANTO
PARA OS PROPRIETRIOS COMO PARA AS INSTITUIES PROTECTORAS.
A UTILIZAO DE DIFERENTES PROTOCOLOS DE ANTIBIOTERAPIA EM CES INTERNADOS COM
PARVOVIROSE FOI OBJECTO DE ESTUDO NO PRESENTE TRABALHO. FORAM ANALISADOS OS
DADOS REFERENTES A 240 CANDEOS INTERNADOS NA CLNICA VETERINRIA AZEVET, ENTRE
2000 E 2008. OS ANIMAIS FORAM DIVIDIDOS EM DIFERENTES GRUPOS DE ACORDO COM O
PROTOCOLO DE ANTIBIOTERAPIA INSTITUDO.
NO PRESENTE ESTUDO, NO FOI EVIDENCIADO O EFEITO DO GNERO, DA RAA, DA IDADE OU DO
MS DE OCORRNCIA DA DOENA, NA TAXA DE SOBREVIVNCIA DOS ANIMAIS AFECTADOS. OS
GRUPOS MAIS REPRESENTATIVOS FORAM COMPARADOS RELATIVAMENTE TAXA DE
SOBREVIVNCIA E DURAO DO INTERNAMENTO. O GRUPO QUE RECEBEU AMOXICILINA E
GENTAMICINA (AG) REGISTOU A TAXA DE SOBREVIVNCIA MAIS ELEVADA (95,5%), SEGUIDO PELO
GRUPO QUE RECEBEU ENROFLOXACINA (E, 90%). OS GRUPOS QUE RECEBERAM AMOXICILINA (A)
E CEFOXITINA E METRONIDAZOL (CM) REGISTARAM AS TAXAS DE SOBREVIVNCIA MAIS BAIXAS
(76,9% E 75%, RESPECTIVAMENTE). A ANLISE ESTATSTICA REVELA UMA DIFERENA
SIGNIFICATIVA (P=0,006) ENTRE ESTES GRUPOS. EM RELAO AO TEMPO DE INTERNAMENTO, A
DIFERENA ENCONTRADA ENTRE AS MEDIANAS DOS NMEROS DE DIAS DE HOSPITALIZAO NO
SIGNIFICATIVA (P=0,785).
OS RESULTADOS OBTIDOS PERMITIRAM CONCLUIR QUE EXISTE DIFERENA ENTRE OS
PROTOCOLOS DE ANTIBIOTERAPIA EM CES COM PARVOVIROSE RELATIVAMENTE TAXA DE
SOBREVIVNCIA. A AVALIAO DA EFICCIA DOS DIFERENTES PROTOCOLOS DENTRO DE CADA
ABORDAGEM TERAPUTICA RECOMENDADA NO TRATAMENTO DA PARVOVIROSE CANINA DEVE SER
OBJECTO DE NOVOS ESTUDOS.
Palavras-chave: ANTIBIOTERAPIA; TAXA DE SOBREVIVNCIA; HOSPITALIZAO; PARVOVIROSE;
CO.
-
vi
-
vii
DIFFERENT THERAPEUTIC APPROACHES IN DOGS WITH PARVOVIRAL ENTERITIS -
CHARACTERIZATION OF THE USE OF ANTIBIOTICS
ABSTRACT
THE CANINE PARVOVIRUS ENTERITIS REMAINS A MAJOR CAUSE OF MORBIDITY AND MORTALITY IN
VETERINARY MEDICINE. ALTHOUGH THE APPROPRIATE TREATMENT IS OFTEN SUCCESSFUL, THE
SURVIVAL RATE HAS REMAINED ESSENTIALLY UNCHANGED OVER THE YEARS, REFLECTING A NEED
FOR MORE EFFECTIVE THERAPIES THAT REDUCE THE MORBIDITY AND HOSPITALIZATION TIME,
INCREASE SURVIVAL RATE AND AT THE SAME TIME MAY ALSO REDUCE THE COST OF TREATMENT,
MAKING IT MORE ECONOMICALLY PROFITABLE FOR OWNERS AND SHELTERS.
THE USE OF DIFFERENT PROTOCOLS OF ANTIBIOTICS IN HOSPITALIZED DOGS WITH PARVOVIRUS
ENTERITIS HAS BEEN OBJECT OF INVESTIGATION IN THIS STUDY. MEDICAL RECORDS OF 240
HOSPITALIZED DOGS WITH CANINE PARVOVIRUS ENTERITIS THAT WERE ADMITTED TO AZEVET, A
LOCAL VETERINARY HOSPITAL, BETWEEN 2000 AND 2008 WERE ANALYZED. THE ANIMALS WERE
DIVIDED INTO DIFFERENT GROUPS ACCORDING TO THE PROTOCOL OF THE ANTIBIOTIC
ADMINISTERED.
NO EVIDENCE OF THE EFFECT OF GENDER, BREED, AGE, OR MONTH OF OCCURRENCE ON THE
SURVIVAL RATE WAS FOUND IN THE SAMPLE CHARACTERIZATION. THE MOST REPRESENTATIVE
GROUPS WERE COMPARED ON THEIR SURVIVAL RATE AND DURATION OF HOSPITALIZATION. THE
GROUP THAT RECEIVED AMOXICILLIN AND GENTAMICIN (AG) RECORDED THE HIGHEST SURVIVAL
RATE (95.5%), FOLLOWED BY THE GROUP THAT RECEIVED ENROFLOXACIN (E, 90%). THE
GROUPS THAT RECEIVED AMOXICILLIN (A) AND CEFOXITIN AND METRONIDAZOLE (CM) RECORDED
THE LOWEST SURVIVAL RATES (76.9% AND 75% RESPECTIVELY). STATISTICAL ANALYSIS
SHOWED A SIGNIFICANT DIFFERENCE (P=0.006) BETWEEN THESE GROUPS. REGARDING THE
DURATION OF HOSPITALIZATION, THE DIFFERENCE BETWEEN THE MEDIAN NUMBERS OF DAYS OF
HOSPITALIZATION WAS NOT SIGNIFICANT (P=0.785).
THE RESULTS SHOWED THAT THERE ARE DIFFERENCES BETWEEN THE PROTOCOLS OF
ANTIBIOTICS IN DOGS WITH PARVOVIRAL ENTERITIS ON THE SURVIVAL RATE. FURTHER
INVESTIGATION IS WARRANTED IN ORDER TO EVALUATE THE EFFECTIVENESS OF THE VARIOUS
PROTOCOLS OF THE DIFFERENT THERAPEUTIC APPROACHES RECOMMENDED IN THE TREATMENT
OF CANINE PARVOVIRAL ENTERITIS.
Keywords: ANTIBIOTIC THERAPY; SURVIVAL RATE; HOSPITALIZATION; PARVOVIRUS ENTERITIS;
DOGS.
-
viii
-
ix
NDICE GERAL
NDICE DE TABELAS ................................................................................................................. x NDICE DE FIGURAS .................................................................................................................. x NDICE DE GRFICOS .............................................................................................................. xi LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLOS .................................................................................... xii I. INTRODUO ................................................................................................................... 1 II. PARVOVIROSE CANINA .................................................................................................. 3
A. Etiologia e epidemiologia .............................................................................................. 3 1. Propriedades e evoluo do parvovrus canino ........................................................ 3 2. Distribuio e frequncia da parvovirose .................................................................. 4 3. Factores relacionados com a doena ....................................................................... 5 4. Preveno ................................................................................................................ 6
B. Fisiopatologia e diagnstico .......................................................................................... 7
1. Patognese .............................................................................................................. 7 2. Anamnese .............................................................................................................. 10 3. Apresentao clnica .............................................................................................. 11 4. Diagnsticos diferenciais e plano de diagnstico .................................................... 12
4.1. Exames complementares .................................................................................. 12 4.2. Diagnstico viral e deteco de anticorpos ........................................................ 15 4.3. Diagnstico post mortem ................................................................................... 16
5. Definio de spsis e outras complicaes associadas .......................................... 17 C. Prognstico e teraputica ............................................................................................ 18
1. Avaliao e comunicao do prognstico ............................................................... 18 2. Estratgia teraputica ............................................................................................. 19
2.1. Restaurao hemodinmica e electroltica ........................................................ 19 2.1.1. Volemia e equilbrio electroltico ................................................................... 20 2.1.2. Suporte onctico e oxigenao tecidular ...................................................... 23 2.1.3. Preveno da hipocalemia ........................................................................... 25 2.1.4. Controlo da glicemia..................................................................................... 26 2.1.5. Abordagem inicial contra a hipotenso refractria fluidoterapia ................. 26
2.2. Proteco antibacteriana ................................................................................... 27 2.2.1. Antibiticos beta-lactmicos ......................................................................... 29 2.2.2. Aminoglicosdeos ......................................................................................... 32 2.2.3. Fluoroquinolonas .......................................................................................... 33 2.2.4. Nitroimidazis............................................................................................... 34 2.2.5. Durao da antibioterapia ............................................................................ 35 2.2.6. Outras opes antibacterianas ..................................................................... 35
2.3. Recuperao da integridade gastrointestinal ..................................................... 36 2.3.1. Teraputica nutricional ................................................................................. 36 2.3.2. Controlo do vmito ....................................................................................... 39 2.3.3. Proteco da mucosa esofgica e gastrointestinal ....................................... 41
2.4. Teraputicas complementares ........................................................................... 42 2.4.1. Desparasitao ............................................................................................ 42 2.4.2. Maneio da dor .............................................................................................. 42 2.4.3. Imunoterapia ................................................................................................ 43 2.4.4. Corticoterapia ............................................................................................... 45 2.4.5. Heparinizao .............................................................................................. 46 2.4.6. Oxigenoterapia ............................................................................................. 47 2.4.7. Outras consideraes teraputicas .............................................................. 47
2.5. Monitorizao da doena e da teraputica ........................................................ 47
-
x
III. CARACTERIZAO DO USO DE ANTIBITICOS EM CES COM PARVOVIROSE .. 50 A. Objectivos ................................................................................................................... 50 B. Material e mtodos ...................................................................................................... 50 C. Resultados .................................................................................................................. 51
1. Caracterizao da amostra em estudo ................................................................... 51 2. Caracterizao do uso de antibiticos em ces internados com parvovirose .......... 54
D. Discusso ................................................................................................................... 57 E. Concluses ................................................................................................................. 63
IV. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 65 V. ANEXOS ......................................................................................................................... 81
A. Anexos da dissertao e estudo. ................................................................................. 81 1. Resumo da fluidoterapia e nutrio ........................................................................ 81 2. Resumo da medicao referida no presente trabalho ............................................. 82 3. Estimativa do custo dirio de medicao referida no presente trabalho .................. 83 4. Monitorizao de animais internados com parvovirose ........................................... 84 5. Imagens de casos de parvovirose da clnica Azevet ............................................... 85
B. Anexos referentes ao perodo de estgio .................................................................... 87 1. Descrio das actividades realizadas e relatrio da casustica observada durante o estgio curricular ........................................................................................................ 87
NDICE DE TABELAS Tabela 1 Critrios utilizados nas definies de infeco, spsis, inflamao e insuficincia orgnica em ces com parvovirose ...................................................................................... 17 Tabela 2 Parmetros de perfuso e objectivos teraputicos em caso de choque ............. 20 Tabela 3 Parmetros clnicos utilizados na avaliao do grau de desidratao (%) ......... 22 Tabela 4 Frmulas teis na fluidoterapia .......................................................................... 22 Tabela 5 Indicaes para o suplemento de potssio na fluidoterapia ............................... 26 Tabela 6 Associao entre a contagem de neutrfilos e o risco de infeco oportunista .. 29 Tabela 7 Frmulas para a nutrio parentrica perifrica (cateter intravenoso perifrico) e total (cateter intravenoso central) ......................................................................................... 39 Tabela 8 Organizao em grupos conforme o protocolo de antibioterapia adoptado ........ 51 Tabela 9 Distribuio de gneros dos casos de estudo face ao desfecho ........................ 51 Tabela 10 Distribuio dos casos por idades (meses) face ao desfecho .......................... 52 Tabela 11 Distribuio dos casos por raas (por ordem de frequncia) face ao desfecho 52 Tabela 12 Distribuio dos casos de estudo ao longo dos meses do ano, conforme o desfecho .............................................................................................................................. 52 Tabela 13 Resumo do estudo relativamente a caracterizao da amostra ....................... 53 Tabela 14 Distribuio dos ces nos grupos de antibioterapia, consoante o desfecho e a durao da hospitalizao ................................................................................................... 54 Tabela 15 Comparaes entre 4 dos grupos estudados (A, AG, CM e E) ........................ 54 Tabela 16 Distribuio dos casos de grupo consoante o ano e a sobrevivncia ............... 55 Tabela 17 Comparao entre os grupos de antibioterapia (A, AG, CM e E) relativamente durao da hospitalizao ................................................................................................... 57 Tabela 18 Relao entre os resultados obtidos e o custo dos protocolos de antibioterapia. ............................................................................................................................................ 57
NDICE DE FIGURAS Figura 1 Localizaes anatmicas para o acesso intra-sseo .......................................... 21 Figura 2 Representao esquemtica da patognese da infeco da E. coli enterotoxignica (A) e da enteropatognica (B) no co........................................................ 28 Figura 3 Principais relaes farmacocinticos-farmacodinmicos dos antimicrobianos .... 29
-
xi
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1 Distribuio dos casos de estudo ao longo dos anos (2001-2008), conforme o desfecho .............................................................................................................................. 53 Grfico 2 Frequncia da utilizao dos antibiticos mais utilizados em ces com parvovirose ao longo dos anos de estudo ............................................................................ 55 Grfico 3 Distribuio dos 240 casos de parvovirose canina pelo nmero dias de internamento, de acordo com o desfecho ............................................................................ 56 Grfico 4 Distribuio dos casos pelo nmero de dias em que ficaram internados. ......... 56 Grfico 5 Frequncias relativas das espcies animais observadas durante o estgio ..... 87 Grfico 6 Distribuio das consultas assistidas segundo a especialidade e a espcie animal (frequncia relativa) .................................................................................................. 88 Grfico 7 Distribuio das cirugias consoante o tipo de interveno e a espcie animal . 88
NDICE DE CASOS Caso 1 Cachorro com parvovirose e parasitismo intestinal (A e B) ................................... 85 Caso 2 Vmito (A) e diarreia sanguinolenta (B e C) numa cadela Labrador Retriever ...... 85 Caso 3 Hematemese num candeo adulto com parvovirose (A e B) ................................. 86 Caso 4 Cachorro com quadro ligeiro de parvovirose ........................................................ 86 Caso 5 Tumor mamrio ulcerado numa gata .................................................................... 89 Caso 6 Massa com aspecto de histiocitoma numa cadela de raa Cocker ....................... 89 Caso 7 Ndulo na terceira plpebra de um Rafeiro Alentejano ........................................ 89 Caso 8 Reaco alrgica num Labrador Retriever (A) e em pormenor (B) ....................... 89 Caso 9 Exoftalmia num co antes (A) e aps (B) resoluo cirrgica ............................... 90 Caso 10 Edema sublingual numa gata ............................................................................. 90 Caso 11 Dermatite alrgica picada da pulga num Pastor Alemo (A, B e C) ................. 90 Caso 12 Diarreia de cor esverdeada num co intoxicado com metaldedo (moluscicida) . 90 Caso 13 Cadela com ttano, aspecto de cavalo-de-pau ou postura de cavalete (A e B) .. 91 Caso 14 Boxer com baixo ndice corporal e ascite ........................................................... 91 Caso 15 Co com aumento do volume abdominal devido ao hiperadrenocorticismo........ 91 Caso 16 Gato com fractura em ramo verde do rdio e da ulna ......................................... 91 Caso 17 Candeo em mau estado geral (A) e com fractura exposta da tbia (B e C) ........ 92 Caso 18 Eviscerao traumtica numa cadela Cocker (A e B) ......................................... 92 Caso 19 Amputao do membro anterior esquerdo de um Labrador Retriever (A, B, C e D) ............................................................................................................................................ 92 Caso 20 Aspecto radiogrfico de fractura completa do mero direito num cachorro de 3 meses (A), sua reduo cirgica (B e C), aspecto radiogrfico ps-operatrio (D) e recobro do animal (E) ....................................................................................................................... 93 Caso 21 Caudectomia num gato (A, B e C) ...................................................................... 93 Caso 22 Co adulto (A) com apresentao de vmito bilioso (B), devido obstruo intestinal alta, e posterior enteretomia para remoo do corpo estranho (C e D) ................. 93 Caso 23 Plipo vaginal numa cadela (A), episiotomia para remoo do mesmo (B) e posterior deiscncia dos pontos (C) ..................................................................................... 94 Caso 24 Arara vermelha com alterao do comportamento ............................................. 94 Caso 25 Parafimose numa chinchila macho (A) e em pormenor (B) ................................. 94 Caso 26 Suspeita de dermatofitose em humano .............................................................. 94
-
xii
LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLOS% percentagem
< menor
= igual
> maior
diferente marca registada
euro A amoxicilina
Ac anticorpo
ADN cido desoxirribonucleico
ALT alanina aminotransferase
ARN cido ribonucleico
AT antitrombina
bpm batimentos por minuto
C cefoxitina
CID coagulao intravascular disseminada
cm centmetro
CMI concentrao mnima inibitria
CMV Canine minute virus
CPV Canine parvovirus (parvovrus canino)
CTZ chemoreceptor trigger zone (zona quimiorreceptora de gatilho)
dl decilitro
E enrofloxacina
E.U.A. Estados Unidos da Amrica
ELISA enzyme linked immunosorbent assay
FC frequncia cardaca
FR frequncia respiratria
FPV Feline panleukopenia virus (vrus da panleucopenia felina)
g grama
G gentamicina
Ga Gauge
gtt gotas
h hora
H0 hiptese nula
H20 gua
Ha hiptese alternativa
HEA hidroxietilamido
ICQ imunocitoqumica
IgG imunoglobulina G
IM intramuscular
INF. infeco
IO intra-ssea
IV intravenosa
kcal quilocalorias
KCl cloreto de potssio
kDa quilo Dalton
kg quilogramas
l litro
M metronidazol
Mx. mximo
mEq miliequivalente
mg miligrama
min minuto
mn. mnimo
ml mililitro
mm Hg milmetros de mercrio
mmol milimole
mOsm miliosmole
mU milhes de unidades
NaCl cloreto de sdio
NAC novos animais de companhia
ND no disponvel
NER necessidades energticas em repouso
NF no fraccionada
N. nmero
NS morreram
C graus Celsius
P peso
p valor de prova
PAM presso arterial mdia
PCR polymerase chain reaction
PDF produtos de degradao da fibrina
pg picograma
pH potencial de hidrognio
PO per os (oral)
PVC Presso venosa central
q. quaque (a cada)
rcG-CSF
recombinant canine granulocyte colony-stimulating factor (factor estimulante de colnias granulocticas recombinante canino)
rhG-CSF
recombinant human granulocyte colony-stimulating factor (factor estimulante de colnias granulocticas recombinante humano)
rpm respiraes por minuto
S sobreviveram
SC subcutnea
s segundo
SIMS sndrome de insuficincia multiorgnica sistmica
SNC sistema nervoso central
SRIS sndrome de resposta inflamatria sistmica
T Temperatura
TNF tumor necrosis factor (factor de necrose tumoral)
TP tempo de protrombina
TRC tempo de repleo capilar
TTPa tempo de tromboplastina parcial activada
Tx taxa
UI unidade internacional
alfa beta m nanmetro g micrograma l microlitro mol micromole
2 Qui-quadrado
-
1
I. INTRODUO
A PARVOVIROSE CANINA CONTINUA A SER UMA IMPORTANTE CAUSA DE MORBILIDADE EM
MEDICINA VETERINRIA, APESAR DA DISPONIBILIDADE DE VACINAS EFICAZES. O TRATAMENTO
ADEQUADO PODE RESULTAR NUMA ELEVADA TAXA DE SOBREVIVNCIA ENQUANTO QUE A SUA
AUSNCIA FREQUENTEMENTE FATAL (SAVIGNY, 2008). PRETENDE-SE COM O PRESENTE
TRABALHO ESTUDAR AS DIFERENTES ABORDAGENS TERAPUTICAS RECOMENDADAS NO
TRATAMENTO INTRA-HOSPITALAR DE CES AFECTADOS POR PARVOVIROSE.
O PARVOVRUS CANINO UM VRUS EMERGENTE, EM CONTNUA EVOLUO, ORIGINANDO NOVOS
TIPOS ANTIGNICOS QUE SE PROPAGAM PELA POPULAO CANINA. AS DIFERENTES VARIANTES
FORAM PROVAVELMENTE SELECCIONADAS EM CONSEQUNCIA DO APERFEIOAMENTO DA
LIGAO DA CPSIDE VIRAL AOS RECEPTORES DE TRANSFERRINA E CAPACIDADE DE INFECTAR
HOSPEDEIROS QUE, PARA OS MAIS RECENTES TIPOS ANTIGNICOS, INCLUI ESPCIES CANINAS E
FELINAS, TANTO DOMSTICAS COMO SELVAGENS (TRUYEN, 2006).
O VRUS INFECTA AS CLULAS QUE SE DIVIDEM RAPIDAMENTE, ESPECIALMENTE CLULAS
PROGENITORAS MIELIDES DA MEDULA SSEA E CLULAS DO EPITLIO INTESTINAL, O QUE
RESULTA NA SUA DESTRUIO, CAUSANDO UM QUADRO CLNICO CARACTERIZADO POR VMITO,
DIARREIA HEMORRGICA, DESIDRATAO E LEUCOPENIA. OS CACHORROS AT AOS 6 MESES DE
IDADE SO OS MAIS FREQUENTEMENTE AFECTADOS. A CONSCINCIA DA IMPORTNCIA DA
SINTOMATOLOGIA E DA HISTRIA PREGRESSA NA PARVOVIROSE CANINA FACILITA O
ENQUADRAMENTO DOS DIAGNSTICOS MAIS PROVVEIS DE MODO A EXECUTAR UM PLANO DE
EXAMES ADEQUADO AO ANIMAL DOENTE, NO SE PODENDO SER COMPLACENTE NA ANAMNESE E
NA TOMADA DE DECISES (PRITTIE, 2004). A DESIDRATAO GRAVE, A PERDA DE PROTENA, AS
DOENAS CONCOMITANTES E A INCAPACIDADE DE PRODUZIR UMA RESPOSTA IMUNOLGICA
EFICAZ, PODEM EVOLUIR RAPIDAMENTE E RESULTAR EM CHOQUE E MORTE (MCCAW & HOSKINS,
2006).
SEMPRE QUE POSSVEL, O PROGNSTICO DEVE SER COMUNICADO DE FORMA A SER
COMPREENDIDO, E O TRATAMENTO ACESSVEL AO PROPRIETRIO (SMITH, 2006). SE POR UM
LADO, A TAXA DE SOBREVIVNCIA ELEVADA QUANDO SE PODE OPTAR POR TERAPUTICAS
AGRESSIVAS, POR OUTRO, AS RESTRIES FINANCEIRAS LEVAM A QUE SEJAM ADOPTADOS
TRATAMENTOS COM MENOR PROBABILIDADE DE SUCESSO, OU QUE SE DECIDA PELA EUTANSIA
(MANN, BOON, WAGNER-MANN, RUBEN & HARRINGTON, 1998). ASSIM, EXISTE UMA CLARA
NECESSIDADE DE TERAPUTICAS EFICAZES QUE DIMINUAM A MORBILIDADE E A HOSPITALIZAO,
AUMENTEM A SOBREVIVNCIA E REDUZAM O CUSTO DO TRATAMENTO, TORNANDO-O
ECONOMICAMENTE MAIS VIVEL TANTO PARA OS PROPRIETRIOS COMO PARA AS INSTITUIES
QUE ABRIGAM ANIMAIS (SAVIGNY, 2008; MANN ET AL., 1998).
O PRINCIPAL OBJECTIVO DO TRATAMENTO DA PARVOVIROSE CANINA PROVIDENCIAR AS
CONDIES NECESSRIAS PARA A REPARAO DA MUCOSA AFECTADA E IMPEDIR O
DESENVOLVIMENTO DE DOENA SISTMICA, ATRAVS DE MEDIDAS QUE PERMITAM A
-
2
RESTAURAO DA PRESSO SANGUNEA E DA HIDRATAO (FLUIDOTERAPIA, VASOPRESSORES E
ANTIEMTICOS), A PROTECO ANTIBACTERIANA (ANTIBIOTERAPIA) E O SUPORTE LOCAL
(NUTRIO, INIBIDORES DA SECREO GSTRICA E CITOPROTECTORES). OUTRAS ABORDAGENS
TM SIDO ESTUDADAS, MAS OS RESULTADOS APRESENTADOS SO VARIVEIS OU
DECEPCIONANTES (PRITTIE, 2004; SAVIGNY & MACINTIRE, 2010).
A antibioterapia um aspecto teraputico imprescindvel no tratamento desta doena, e a
limitada margem para erro obriga cobertura dos agentes mais provavelmente envolvidos
(Willard, 2009). Que se tenha conhecimento no existe nenhum estudo sobre a influncia da
antibioterapia no processo clnico da parvovirose canina. Assim, este trabalho teve o
objectivo de comparar a taxa de sobrevivncia e a durao da hospitalizao entre os
diferentes protocolos de antibioterapia em 240 ces com parvovirose.
-
3
II. PARVOVIROSE CANINA
A. ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
1. Propriedades e evoluo do parvovrus canino
A famlia Parvoviridae caracteriza-se por no possuir envelope e apresentar dimenses
muito reduzidas (com 18 a 26 m de dimetro). O genoma, constitudo por uma molcula
linear de ADN simples, engloba aproximadamente 5000 bases (Berns & Parrish, 2007).
A maioria dos parvovrus autnoma, no requerendo a co-infeco com um vrus auxiliar
para resultar numa infeco produtiva. Contudo, para ocorrer replicao viral, necessita da
clula hospedeira na fase S da mitose, aquando da replicao do ADN, infectando clulas
em diviso rpida presentes em tecidos com ndices mitticos elevados (Smith-Carr,
Macintire & Swango, 1997; Murphy, Gibbs, Horzinek & Studdert, 1999).
Os sintomas tpicos da parvovirose canina foram reportados pela primeira vez em 1977, no
Texas, E.U.A. (Eugster & Nairn, 1977 citado por Mech & Goyal, 1995). Mas foi s em 1978
que uma pandemia, caracterizada por casos de miocardite fatal nos neonatos e
gastroenterite hemorrgica nos mais velhos, se abateu sobre a populao canina mundial e
matou milhares de ces (Appel, Cooper, Greisen & Carmichael, 1978; Kelly, 1978).
O agente patognico identificado foi denominado parvovrus canino tipo 2 (Canine
parvovirus type 2, CPV-2), para diferenciar do parvovrus canino tipo 1 (Canine parvovirus
type 1, CPV-1), isolado em 1967 na Alemanha a partir de fezes de ces militares saudveis
(Binn, Lazar, Eddy & Kajima, 1970; Lamm & Rezabeck, 2008). O CPV-1, oficialmente
reconhecido como Canine minute virus (CMV), tem sido identificado como causa pouco
frequente de infeces gastrointestinais e respiratrias em cachorros (International
Committee on Taxonomy of Viruses, 2009; McCaw & Hoskins, 2006).
Embora o CPV-2 (ou CPV) e o CMV pertenam ambos subfamlia Parvovirinae, exibem
caractersticas genticas e antignicas diferentes. Actualmente, o CPV no considerado
uma espcie, mas sim um subgrupo da espcie Feline panleukopenia virus (FPV, vrus da
panleucopenia felina), pertencente ao gnero Parvovirus. Por outro lado, o CMV uma
espcie do gnero Bocavirus, filogeneticamente mais prximo do parvovrus bovino (E.
Lefkowitz, comunicao pessoal, Novembro 19, 2009; Berns & Parrish, 2007).
Analisando o relgio molecular, Shackelton e seus colegas estimam que o vrus CPV-2
tenha emergido pelo menos 10 anos antes de ter sido descrito pela primeira vez em 1978,
mantendo-se na populao canina por muitos anos e acumulando mutaes benficas sob
forte seleco positiva (Shackelton, Parrish, Truyen & Holmes, 2005).
Entre 1979 e 1981, o vrus original CPV-2 foi substitudo por um novo tipo antignico,
denominado por CPV-2a, e alguns anos mais tarde, entre 1983 e 1984, uma nova mutao
deu lugar a outra variante, CPV-2b, que rapidamente se disseminou pelo mundo (Parrish et
al., 1991). Uma variante antignica identificada em Itlia no ano 2001, mas em circulao na
Alemanha desde 1996, tem sido reconhecida como CPV-2c (Buonavoglia et al., 2001;
-
4
Decaro et al., 2007a; Martella et al., 2004; Prez et al., 2007; Cavalli et al., 2008; Moon et
al., 2008; Decaro et al., 2009b).
A protena viral VP2, a principal constituinte da cpside do CPV, induz a produo de
anticorpos (Ac) no hospedeiro (Doki et al., 2006). Apesar de apresentar o genoma com
ADN, o CPV possui uma elevada taxa de substituio de nucletidos, semelhante
observada nos vrus ARN, e a forte presso de seleco sobre o gene responsvel pela VP2
favorece a contnua evoluo do vrus (Decaro et al., 2007a; Decaro et al., 2009a). Os novos
tipos antignicos foram provavelmente seleccionados devido ao aperfeioamento da adeso
da cpside aos receptores transferrina, uma vez que exibem adeses mais eficazes que o
vrus original (Hueffer & Parrish, 2003; Truyen, 2006).
Na ordem Carnivora, membros de seis famlias so susceptveis infeco pelas variantes
do CPV: Canidae (co, lobo e raposas), Felidae (gato, tigre siberiano e chita), Mustelidae
(fuinha e vison), Ursidae (urso-pardo e panda), Procyonidae (guaxinim) e Viverridae (gineta)
(Marsilio et al., 1997; Steinel, Munson, van Vuuren & Truyen, 2000; Steinel, Parrish, Bloom &
Truyen, 2001; Frlich et al., 2005; Loeffler et al., 2007; Santos, Almendra & Tavares, 2009).
O co (Canis lupus familiaris) parece ser o principal hospedeiro, mas as variantes 2a, 2b e
2c do CPV adquiriram a capacidade de infectar o gato (Felis silvestris catus), vantagem que
a estirpe original (CPV-2) no possua, e de provocar doena clnica com sintomatologia
semelhante causada pelo FPV (Truyen, Evermann, Vieler & Parrish, 1996).
Na fauna selvagem, a mortalidade provocada pelo CPV pode ter como consequncia a
diminuio da competio pelo alimento, reduzindo o nmero de mortes por outras causas,
como fome e conflitos internos. No entanto, as populaes susceptveis podem ver o seu
nmero de indivduos reduzir por aco do CPV (Mech, Goyal, Paul & Newton, 2008).
A variedade de hospedeiros do CPV parece estar naturalmente limitada aos carnvoros,
embora os receptores de transferrina humanos possam ser usados pelo CPV para infectar
clulas humanas, mas no h provas de que os humanos sejam infectados por este vrus;
provvel que muitos outros factores impeam a infeco do CPV de forma eficiente (Parker,
Murphy, Wang & Parrish, 2001).
2. Distribuio e frequncia da parvovirose
O agente da parvovirose canina ubquo e apresenta uma distribuio mundial. Embora o
vrus original (CPV-2) tenha desaparecido na populao canina, ainda utilizado nas
vacinas comerciais (Cavalli et al., 2008). As variantes ulteriores (2a, 2b e 2c) apresentam
uma distribuio mundial muito varivel, no cabendo neste estudo a sua anlise em
detalhe (Decaro et al., 2007; Kapil et al., 2007; Meers, Kyaw-Tanner, Bensink &
Zwijnenberg, 2007; Calderon et al., 2009).
Uma anlise da dinmica populacional actual do CPV revelou, escala global, populaes
virais subdivididas no espao, de tamanho constante e com pouca movimentao entre os
-
5
pases. Esta migrao limitada contrasta com a disseminao global do vrus observada na
fase inicial da pandemia do CPV-2, mas corresponde natureza mais endmica das
infeces actuais (Hoelzer, Shackelton, Parrish & Holmes, 2008).
As doenas como a parvovirose canina, com um curso agudo, tm uma incidncia
geralmente superior prevalncia (Evermann, Sellon & Sykes, 2006). Estima-se que, s nos
E.U.A., mais de um milho de ces seja afectado anualmente pela parvovirose (Otto,
Jackson, Rogell, Prior & Ammons, 2001).
3. Factores relacionados com a doena
No que diz respeito ao hospedeiro, os factores mais crticos so a idade e o estado
imunitrio, j que a maioria dos animais adultos apresenta imunidade devido infeco
natural ou vacinao. Quando a infeco ocorre em ces adultos, muitas vezes
subclnica. Por outro lado, os cachorros com menos de 6 meses so a populao de maior
risco (Smith-Carr et al., 1997).
Existem vrios factores predisponentes para a infeco por parvovrus em cachorros,
nomeadamente a falta de imunidade protectora, o parasitismo intestinal, as condies
ambientais insalubres e o factor stress (Smith-Carr et al., 1997). Como a replicao do CPV
ocorre selectivamente em clulas em diviso, qualquer agente (parasitas, bactrias ou vrus)
que provoque a leso das vilosidades intestinais, estimula a mitose dos tecidos e facilita a
replicao do CPV, causando consequentemente uma forma mais grave da doena (Appel,
1988). A incidncia da doena aumenta por altura do desmame (4-8 semanas de vida).
Nesta idade, os entercitos das criptas intestinais tm maior ndice mittico devido a
alteraes da flora bacteriana e da dieta, sendo consequentemente mais propensos a
leses causadas pelo vrus (Houston, Ribble & Head, 1996; Hoskins, 2001).
O ttulo de Ac maternos apresentado pelo neonato varia com a quantidade de colostro
ingerido nas primeiras 72 horas de vida, com o ttulo srico da cadela no parto, uma vez que
o ttulo de Ac do colostro corresponde a 50% do ttulo da progenitora, e com o tamanho da
ninhada (Pollock & Carmichael, 1982; Smith-Carr et al., 1997). Normalmente entre as 10 e
as 14 semanas de idade, os Ac maternos diminuem para nveis no protectores, embora
ainda bloqueiem a resposta imunolgica vacina (Greene & Schultz, 2006).
Determinadas raas parecem ser mais susceptveis infeco e ao desenvolvimento da
doena, particularmente o Rottweiler e o Dobermann Pinscher (Gilckman, Domanski,
Patronek & Visintainer, 1985; Houston et al., 1996; Nemzek, Agrodnia & Hauptman, 2007).
A altura mais provvel para a admisso hospitalar de ces com parvovirose parece ser
durante os meses de Vero. nesta poca do ano que os canis recolhem mais animais
abandonados e, por outro lado, o clima ameno convida os donos a passear os ces em
espaos pblicos com maior risco. A combinao destes factores pode favorecer a
disseminao do vrus (Houston et al., 1996; Rosenthal, 2009).
-
6
O contgio resulta normalmente do contacto com fezes contaminadas no ambiente,
ocorrendo a transmisso por via oro-nasal. A persistncia do CPV no meio ambiente
atribuda sua resistncia e sua disseminao por animais durante o perodo de
incubao, isto , entre os 4 e os 14 dias aps a infeco, ou pelos subclinicamente
infectados, em que a excreo viral normalmente se inicia no 3 dia, e dura no mximo 14
dias (Smith-Carr et al., 1997; Savigny, 2008). Esta capacidade do vrus propicia o encontro
de hospedeiros susceptveis, o que tpico de agentes altamente infecciosos, capazes de
induzir uma forte resposta imunitria e que precisam de um nmero constante de
hospedeiros para garantir o sucesso da replicao (Evermann et al., 2006).
Pessoas, animais e fmites podem contribuir para a propagao do vrus. Este pode
percorrer grandes distncias no plo do animal infectado; o comrcio de animais favorece a
disseminao entre os continentes (Rosenthal, 2009).
4. Preveno
Um co com uma histria sugestiva de parvovirose deve ser isolado de outros ces e gatos,
e as superfcies contaminadas devem ser desinfectadas, de modo a evitar a propagao da
doena (Macintire & Smith-Carr, 1997). Os parvovrus so extremamente estveis e
resistentes s influncias ambientais adversas durante meses ou at anos, suportando uma
ampla variedade de pH, temperaturas e desinfectantes, podendo ser inactivados por
hipoclorito de sdio, formalina e luz solar (Kennedy, Mellon, Caldwell & Potgieter, 1995;
Smith-Carr et al., 1997). No entanto, mais importante que uma boa higienizao para
prevenir a infeco pelo vrus, assegurar uma imunizao individual e eficaz (Prittie, 2004).
A vacinao adequada da me essencial para proteger a ninhada, mas tambm a
principal causa de insucesso na vacinao dos cachorros, conforme j referido
anteriormente. A forma mais eficaz para contornar o efeito dos Ac maternos a utilizao de
vacinas com vrus vivo modificado (CPV-2 ou CPV-2b), ttulo elevado (entre 103 e 107,5) e
baixo nmero de passagens (Greene & Schultz, 2006; Day, Horzinek & Schultz, 2010).
A utilizao de vacinas atenuadas, com o vrus vivo modificado, em cachorros com menos
de 5 semanas pode provocar leses nas clulas em diviso rpida, como as do miocrdio.
Estas vacinas tambm no so recomendadas em imunodeprimidos e em cadelas
gestantes, na medida em que a doena pode desenvolver-se nos primeiros e provocar
aborto ou malformaes fetais nas ltimas (Greene & Schultz, 2006).
O calendrio de vacinao actualmente recomendado comea a partir da 8-9 semana de
idade, com reforos a cada 3 a 4 semanas, at s 14-16 semanas (Day et al., 2010). Os
ces com mais de 16 semanas devem receber duas doses, com um intervalo de 3 a 4
semanas. A revacinao deve ser efectuada um ano aps o final da primovacinao, e as
seguintes devem ser administradas de 3 em 3 anos, ou consoante os ttulos serolgicos
(Day et al., 2010).
-
7
O CPV vacinal excretado no causa doena em cachorros susceptveis com mais de 4
semanas, uma vez que a estirpe vacinal muito estvel, podendo at imuniz-los. Contudo,
pode causar miocardite em animais mais jovens (Day et al., 2010). Apesar de nunca se ter
demonstrado a reverso da virulncia da estirpe vacinal, recentemente foi testemunhada a
sua recombinao com uma variante natural (Mochizuki, Ohsima, Une & Yachi, 2008).
Embora as vacinas com CPV-2 ainda sejam eficazes na proteco contra as variantes, tm
sido reportadas falhas na imunizao de ces adultos. Tal situao pode explicar-se pelo
declnio fisiolgico da imunidade protectora, ou pelo aumento da virulncia ou do tropismo
inerente de algumas estirpes (Decaro et al., 2008; Larson & Schultz, 2008).
A utilizao profiltica de imunoglobulinas pode ser benfica em neonatos sem acesso a
colostro. Porm, as reaces alrgicas e o atraso da resposta imunitria vacinao so
alguns inconvenientes provveis desta prtica (Greene & Schultz, 2006).
B. FISIOPATOLOGIA E DIAGNSTICO
1. Patognese
A informao disponvel sobre a patologia da parvovirose canina baseia-se em trabalhos
iniciais com o CPV-2 original. No entanto, os resultados de alguns estudos mais recentes
indicam que as variantes antignicas posteriores apresentam uma maior virulncia e so
capazes de provocar doena mais grave (Truyen, 2006; Decaro et al., 2005). A ligao do
parvovrus ao receptor da transferrina, presente nas clulas em diviso activa, ajuda a
compreender o mecanismo particular da infeco pelo parvovrus. Este pode causar
infeces agudas, persistentes ou latentes, conforme a imunocompetncia e a fase de
desenvolvimento do hospedeiro (Hueffer et al., 2003; Truyen, 2006).
Aps a exposio, o vrus inicia a sua replicao no tecido linfide da orofaringe, sendo
depois transportado pela circulao sangunea at ao timo e aos linfonodos mesentricos
(McCaw & Hoskins, 2006). O vrus ento conduzido para outros tecidos com ndices
elevados de mitose, onde se multiplica. Os animais podem manifestar anorexia e febre
ligeira durante a viremia, que normalmente ocorre entre o 1 e o 5 dia ps-infeco, mas
recuperam desta breve fase antes de progredir para a doena clnica que surge entre 4 e 14
dias aps a exposio (Cohn et al., 1999; McCaw & Hoskins, 2006).
Tropismo tecidular
Aps a infeco, o parvovrus pode ser encontrado no miocrdio, no epitlio intestinal, na
medula ssea e no tecido linfide, sobretudo linfonodos, timo e bao. Pode tambm ser
detectado nos pulmes, fgado, rins e pele, embora com menos frequncia (McCaw &
Hoskins, 2006). A taxa de renovao celular dos tecidos linfides e intestinal parece ser o
principal factor que determina a gravidade da doena causada pelo CPV (Smith-Carr et al.,
1997).
-
8
No gato, semelhana do FPV, o CPV apresenta tropismo para o cerebelo e pode causar
hipoplasia cerebelar (Url, Truyen, Rebel-Bauder, Weissenbck & Schmidt, 2003). O
envolvimento do sistema nervoso central (SNC) ainda no foi esclarecido no co; estudos
recentes detectaram o genoma e o ARN mensageiro do CPV no SNC (Decaro et al., 2007b;
Elia et al., 2007). A parvovirose canina pode ter repercues no SNC indirectamente,
atravs da presena de hipoglicemia e do desequilbrio electroltico. Tambm o consumo de
factores da coagulao, em consequncia da hemorragia gastrointestinal e da coagulao
intravascular disseminada (CID), pode causar hemorragias ao nvel do SNC (McCaw &
Hoskins, 2006).
Forma Cardaca
A insuficincia cardaca desenvolve-se em cachorros infectados no tero, quando as
progenitoras apresentam nveis insuficientes de Ac, ou em cachorros com menos de 8
semanas privados de colostro. A exposio ao vrus pode ser causa de infertilidade
infecciosa na cadela, por resultar em aborto ou nascimento de nados-mortos (McCaw &
Hoskins, 2006).
No co, a diviso rpida dos cardiomicitos persiste durante as 2 primeiras semanas de
vida, ocorrendo hipertrofia celular no desenvolvimento posterior do corao, embora a
sntese de ADN e a cintica nuclear persistam at s 8 semanas (Bishop & Hine, 1975). Os
sinais de insuficincia cardaca manifestam-se mais tarde, acabando os animais por morrer
subitamente ou devido ao desenvolvimento de edema pulmonar. Por vezes, a nica
evidncia de doena cardaca encontrada na necropsia. Graas eficcia da vacinao
das mes, esta forma clnica reduziu drasticamente (Macintire & Smith-Carr, 1997).
Forma entrica
O epitlio das criptas intestinais, responsvel pela regenerao e diferenciao celular das
vilosidades, destrudo aquando da viremia e no devido aco directa do vrus no lmen
intestinal. A atrofia e a necrose das vilosidades causam a inevitvel perda da capacidade de
absoro e alteram a impermeabilidade intestinal, resultando em diarreia. Como a
renovao celular rpida, apenas 1 a 3 dias, h evidncias de regenerao intestinal,
mesmo nos casos fatais. A doena pode ter um desenvolvimento mais rpido e grave em
animais que apresentam a barreira intestinal comprometida por aco de outros agentes
(Savigny, 2008).
O aumento da permeabilidade resulta na perda de protenas, electrlitos e clulas de
defesa, e propicia a passagem de bactrias do lmen intestinal para a corrente sangunea,
principalmente de bactrias Gram-negativas e anaerbias (McCaw & Hoskins, 2006).
-
9
A estimulao do nervo vago e dos aferentes simpticos viscerais, induzida pela inflamao
e distenso gastrointestinal, e a libertao de mediadores associados endotoxina e s
citocinas, contribuem para a activao local e central do vmito (Mantione & Otto, 2005).
Aco na medula ssea
A imunodeficincia relativa, secundria destruio dos precursores medulares dos
leuccitos, facilita a invaso viral do tracto gastrointestinal. Curiosamente, o CPV poupa os
precursores hematopoiticos para destruir nas fases posteriores. A leso da medula ssea,
que tambm pode ocorrer aps a spsis, caracterizada por graves alteraes
degenerativas nas clulas precursoras hematopoticas e por reas multifocais de necrose
(Savigny, 2008; Bonagura & Twedt, 2009).
Produo de Anticorpos
A resposta humoral local, embora detectvel, no considerada protectora. a resposta
humoral sistmica que inactiva o vrus na circulao sangunea e confere proteco
imunitria. Quando os sinais clnicos surgem, os Ac sistmicos so geralmente detectveis.
A celeridade da resposta imunitria pode limitar a magnitude e a durao da viremia, e
resultar em quadros clnicos simples e com recuperao rpida. A imunidade duradoura e
completa, provavelmente para toda a vida do animal (Savigny, 2008; Day et al., 2010).
A ligao local dos Ac ao vrus til na medida que diminui a excreo do vrus nas fezes
(Savigny, 2008; McCaw & Hoskins, 2006). A microscopia electrnica pode revelar
complexos imunes aps a fase de excreo, resultantes da ligao entre os Ac e o vrus,
cujo potencial infeccioso ainda no foi estudado (Smith-Carr et al., 1997).
Invaginao como complicao da parvovirose
Uma possvel consequncia da parvovirose canina a invaginao que consiste na
introduo de um segmento intestinal no lmen do segmento adjacente relaxado, na
sequncia da alterao da motilidade intestinal. Qualquer segmento pode ser atingido,
embora a juno ileocecoclica seja a mais frequentemente afectada. A obstruo
progressiva conduz desvitalizao intestinal e contaminao da cavidade abdominal. Em
75% dos casos de invaginao, os animais afectados tm menos de 1 ano, devendo-se
suspeitar de invaginao quando os cachorros apresentam melena ou hematoquesia,
episdios de vmito refractrios teraputica, dor abdominal e uma massa palpvel
cilndrica (relatada em 53% dos casos). A gravidade dos sinais clnicos depende da
localizao, do grau de ocluso (parcial ou total), da integridade vascular e da durao da
obstruo intestinal (Barreau, 2008).
-
10
Complicaes sistmicas da parvovirose
A morbilidade e a mortalidade associadas parvovirose no so necessariamente causadas
pela gastroenterite viral. A translocao bacteriana, a absoro de toxinas, e as
consequentes resposta inflamatria sistmica e insuficincia multiorgnica sistmica,
contribuem significativamente para a patognese da parvovirose canina (Prittie, 2004). Os
sinais clnicos ligeiros apresentados por ces gnotobiticos infectados com CPV e as leses
pulmonares, hepticas e cardacas causadas por bactrias entricas em ces com
parvovirose corroboram a importncia da aco bacteriana. O agente mais documentado a
Escherichia coli, mas outras bactrias tm tambm sido implicadas: Clostridium perfringens,
Campylobacter spp., Klebsiella spp, Enterobacter spp. e Bacteroides spp. (Krakowka, Olsen,
Axthelm, Rice & Winters, 1982; Isogai et al., 1989; Turk et al., 1990; Turk et al., 1992;
Sandstedt & Wierup, 1981; Kreeger, Jeraj & Manning, 1984).
A bacteriemia no necessria para o desenvolvimento da spsis. A endotoxemia
resultante da destruio de bactrias Gram-negativas induz a libertao de citocinas pr-
inflamatrias na circulao, o que resulta em vasodilatao perifrica, aumento da
permeabilidade capilar, depresso da funo cardaca e activao da cascata de
coagulao. Os ces com parvovirose tm valores de endotoxina mensurveis em
circulao (Otto, Drobatz & Soter, 1997; Bellhorn & Macintire, 2004). A hipovolemia causada
pela diarreia, vmito e anorexia, e a spsis associada ao CPV, bactrias e endotoxina,
podem resultar em choque, culminando com a morte do animal (Prittie, 2004).
A coagulao intravascular disseminada (CID) outra complicao possvel na parvovirose
canina. A formao difusa de microtrombos, resultante da coagulao intravascular
excessiva, pode conduzir inactivao e ao consumo excessivo de plaquetas e factores de
coagulao. Paradoxalmente, podem ocorrer hemorragias numa fase posterior. A leso
endotelial vascular (devido ao cateterismo venoso), as alteraes do fluxo sanguneo
(resultantes da hipovolemia e da hipotenso) e a hipercoagulabilidade (enteropatia com
perda de protena, nomeadamente a antitrombina [AT]) so factores que predispem ao
desenvolvimento da CID (Otto, Rieser, Brooks & Russel, 2000; Macintire, 2008a).
2. Anamnese
Ainda que os sinais clnicos da parvovirose canina possam ser frequentemente ligeiros e
autolimitantes, o desenvolvimento de doena fulminante e morte ocorre em muitos
cachorros infectados (Prittie, 2004). Uma anlise histrica cuidadosa permite identificar
factores de risco, como a idade (a parvovirose afecta cachorros principalmente entre 6
semanas e 6 meses), o incumprimento do calendrio de vacinao e da desparasitao
adequada, os hbitos dirios (como frequentar jardins pblicos), e a possvel exposio ao
vrus (contacto com outro animal diagnosticado com parvovirose) (Marks, 2008).
-
11
O interrogatrio permite obter a descrio qualitativa e quantitativa dos sintomas e a
evoluo do quadro clnico. Um exemplo que prova a importncia da anamnese o clculo
da desidratao, pois um animal pode estar desidratado sem que o exame fsico o detecte,
uma vez que a perda aguda de fluidos pode no dar tempo para que ocorram mudanas
fsicas no compartimento intersticial (Tonozzi, Rudloff & Kirby, 2009).
A anorexia, a depresso, a letargia e a febre (possivelmente devido viremia ou
instalao da doena) so os primeiros sintomas da parvovirose, que nem sempre so
detectados pelo proprietrio. Os sinais gastrointestinais desenvolvem-se rapidamente nas
24 a 48 horas seguintes. O vmito, acompanhado ou no de diarreia (apenas 60% dos ces
exibe diarreia antes da primeira consulta), constitui o principal estmulo iatrotrpico. A
diarreia pode ser de natureza mucide ou hemorrgica, e apresenta um odor prfido
caracterstico. A hematemese tambm pode surgir com aspecto de borras de caf
(Savigny & Macintire, 2007; Castillo & Ramos, 2009). A perda de peso, praticamente
inevitvel, pode ser reportada pelo proprietrio no momento da consulta, dependendo da
durao do quadro clnico (Chan, 2005).
3. Apresentao clnica
Na consulta, o animal pode apresentar alterao do estado mental, desde a depresso a
coma, dependendo da gravidade da doena; a diminuio do nvel de conscincia pode
sugerir envolvimento cerebral e estar associada a um pior prognstico (Rivera, 2003).
Podem ser observadas tentativas de deglutir, devido nusea. O perneo e a cauda podem
apresentar indcios de diarreia recente e fornecer informaes quanto sua natureza
(Savigny & Macintire, 2007).
O exame fsico deve averiguar a presena de febre ou hipotermia, desidratao, fraqueza,
letargia e edemas (Savigny & Macintire, 2007; Marks, 2008). importante caracterizar o
pulso arterial, uma vez que a taquisfigmia num pulso fraco indica hipotenso. As mucosas
podem apresentar palidez, indicativo de anemia, ou hiperemia, devido a vasodilatao
perifrica resultante da spsis, e tambm diminuio da humidade que um sinal de
desidratao. O tempo de repleo capilar pode estar aumentado em consequncia da
hipovolemia ou diminudo devido spsis (DeClue, 2010).
Podem ser encontrados diferentes graus de desidratao em funo da gravidade da
gastroenterite (Castillo & Ramos, 2009). O rcio elevado entre a rea de superfcie e o
volume corporal, a maior percentagem de fluido extracelular e a baixa capacidade da pele
em conservar gua, predispem os animais mais jovens para a desidratao (Hoskins,
2001). A incapacidade em concentrar a urina, devido imaturidade renal presente at s 12
semanas, aproximadamente, pode agravar a desidratao (Macintire, 2008b). Nos animais
ligeiramente desidratados, isto , com menos de 4-5%, a desidratao pode ser difcil de
-
12
detectar. Por outro lado, os animais com nusea podem apresentar mucosas orais hmidas,
apesar da desidratao (Devey, 2010).
Na auscultao possvel detectar taquicardia e sopro cardaco sistlico, devido
hipovolemia. Nos animais infectados at s 8 semanas, a insuficincia cardaca congestiva
desenvolve-se muitas vezes de forma silenciosa, e termina com a morte sbita dos
cachorros, semanas ou meses aps a infeco. Os sinais de insuficincia cardaca podem
ser acompanhados ou no por sinais entricos (McCaw & Hoskins, 2006). A observao de
sinais respiratrios, como taquipneia e dispneia pode indicar dor, edema pulmonar,
hipoxemia devido hipoperfuso, ou simplesmente medo ou excitao (McCaw & Hoskins,
2006; Savigny & Macintire, 2007).
Deve efectuar-se uma palpao cuidadosa de modo a detectar a presena de dor abdominal
e/ou de massa intestinal que pode indicar invaginao (Marks, 2008).
4. Diagnsticos diferenciais e plano de diagnstico
Outras causas de gastroenterite devem ser descartadas, porque os sinais no so
exclusivos de parvovirose e podem ocorrer outras doenas concomitantemente. A ingesto
de xenobiticos, a presena de corpo estranho gastrointestinal, a invaginao e a presena
de parasitas intestinais so diagnsticos diferenciais que devem ser investigados, mas que
no invalidam a coexistncia com a parvovirose (Savigny & Macintire, 2007).
Quando um cachorro vem consulta com histria e sinais clnicos sugestivos de
parvovirose, deve efectuar-se um teste rpido para a deteco de antignio fecal (Macintire
& Smith-Carr, 1997). Outros exames complementares devem ser realizados de modo a
auxiliar no diagnstico, avaliar a gravidade da doena, indicar um prognstico e direccionar
a teraputica. O painel mnimo deve incluir um hemograma completo e a anlise de alguns
parmetros bioqumicos (Savigny & Macintire, 2007).
4.1. Exames complementares
Hemograma
Sendo a leucopenia caracterstica da parvovirose, so frequentemente encontrados valores
entre 500 e 2000 clulas/l no pico da doena, embora possam atingir-se os 100 clulas/l
(Appel et al., 1978). A reduo mais significativa ocorre na fraco de neutrfilos, precedida
pela linfopenia devido necrose de tecido linfide (Savigny & Macintire, 2007). A
neutropenia resulta da aco directa do vrus nos precursores medulares e indirecta atravs
da perda intestinal. A baixa contagem de neutrfilos coincide com a gravidade da
sintomatologia, aproximadamente 7-8 dias ps-infeco. A elevao do nmero de
neutrfilos e a recuperao clnica so normalmente simultneas (8-12 dias ps-infeco)
(Cohn et al., 1999; Savigny, 2008).
-
13
Os animais peditricos apresentam baixos valores de hematcrito, situando-se entre 28% e
40% em cachorros com menos de 6 meses de idade. O hemograma pode revelar anemia,
consequncia da perda gastrointestinal, da leso medular e da anorexia (Savigny &
Macintire, 2007). A policitemia ou os valores normais por vezes encontrados, podem ocultar
a anemia presente; os valores das protenas totais e dos electrlitos devem ser verificados
para detectar possvel hemoconcentrao (Castillo & Ramos, 2009). O parasitismo intestinal
pode agravar a anemia existente (Macintire & Smith-Carr, 1997). Na CID, os filamentos de
fibrina na microcirculao podem fragmentar os eritrcitos e originar esquizcitos. Na
parvovirose canina tambm pode ocorrer trombocitopenia (Savigny & Macintire, 2007).
Anlise bioqumica sangunea
As reservas limitadas de glicognio, os sistemas enzimticos imaturos e as exigncias
metablicas elevadas restringem a euglicemia nos animais jovens; se a estes factores
somarmos a anorexia, o vmito e a diarreia, o risco de hipoglicemia aumenta
consideravelmente (Savigny & Macintire, 2007). A hipoglicemia encontra-se ainda
directamente relacionada com o desenvolvimento de spsis (Prittie, 2004).
A hipoglicemia pode explicar alguns sintomas observados no exame fsico, como a fraqueza
muscular, a alterao do estado mental e a incapacidade de manter a temperatura corporal
(Macintire, 2006). O aumento da concentrao de glucagon e a libertao de corpos
cetnicos, que so substncias nauseantes, associados aos efeitos directos da hipoglicemia
a nvel cerebral, incluindo no centro do vmito, induzem o vmito, fomentando um ciclo
vicioso (D. Campion, comunicao pessoal, Outubro 21, 2009; DiBartola, 2010).
A hipoproteinemia, em particular a hipoalbuminemia, resulta da perda intestinal, da anorexia,
do catabolismo proteico e da produo de protenas de fase aguda. Os intervalos de
referncia para ces com menos de 6 meses de idade so: protenas totais 3,8-5,3 g/dl;
albumina 2,2-3,5 g/dl; globulinas 2,0-5,0 g/dl (Savigny & Macintire, 2007). Quando o valor
das protenas totais ou da albumina inferior a 3,5 g/dl ou a 1,5 g/dl, respectivamente, pode
ocorrer o desenvolvimento de edemas (Macintire, 2006).
Os nveis elevados de ureia e creatinina so indicativos de insuficincia pr-renal, causada
pela hipoperfuso. A elevada actividade das enzimas hepticas, fosfatase alcalina srica e
alanina transaminase, tambm pode ocorrer na sequncia da hipovolemia (Macintire &
Smith-Carr, 1997; Savigny & Macintire, 2007).
Ionograma
A hipocalemia, em consequncia da perda gastrointestinal e da diminuio da ingesto,
pode causar fraqueza muscular, arritmias cardacas e leus paraltico. Quando a
concentrao do potssio plasmtico inferior a 2-3 mEq/l, o animal pode desenvolver leso
muscular ou mesmo rabdomilise. A hipocalemia diminui ainda a resposta renal aco da
-
14
hormona anti-diurtica, o que promove a poliria e agrava a desidratao (DiBartola & de
Morais, 2006; Feldman, 2010). A concentrao de potssio plasmtico nem sempre reflecte
o nvel de potssio total no organismo. Os ces com parvovirose podem apresentar
hipercalemia, devido redistribuio do potssio causada pela acidose metablica, pela
desidratao e/ou pela destruio celular (Benitah, 2010). Tambm podem ocorrer a
hiponatremia e a hipocloremia, devendo as mesmas ser monitorizadas (Macintire & Smith-
Carr, 1997).
Urianlise
A urianlise permite avaliar a capacidade de concentrar a urina, principalmente em animais
com menos de 12 semanas e/ou na presena de hipocalemia. Uma densidade urinria
superior a 1,035 indica hipoperfuso renal, que pode comprometer o funcionamento renal
futuro (Savigny & Macintire, 2007). Koutinas et al. (1998) observaram que cachorros com
parvovirose apresentavam maior risco de desenvolverem bacteriria assintomtica,
provavelmente por contaminao por via ascendente, embora a bacteriemia no possa ser
excluda. As infeces subclnicas no tratadas do tracto urinrio podem conduzir a
infeces crnicas.
Provas de coagulao
O diagnstico precoce de CID pode ser um desafio por no se encontrar estabelecido um
exame definitivo. Contudo, os resultados de vrias provas podem ser avaliados em conjunto,
de modo a determinar se um doente em risco apresenta hipercoagulabilidade, fase inicial da
CID, ou hipocoagulabilidade, fase tardia. O nmero de plaquetas vai diminuindo
progressivamente, assim como os nveis de AT. Existe risco elevado de trombose quando a
actividade da AT inferior a 75%. Os valores de fibrinognio, muitas vezes aumentados na
fase inicial, diminuem com o desenvolvimento da CID (Macintire, 2008a).
Por conveno, a evidncia de CID deve apresentar trs das seguintes alteraes: aumento
do tempo de protrombina (TP), aumento do tempo de tromboplastina parcial activada
(TTPa), trombocitopenia, diminuio do fibrinognio, aumento dos produtos de degradao
da fibrina (PDF) e dos dmeros-D, sendo estes ltimos fragmentos especficos da rede de
fibrina que circulam no sangue durante alguns dias. Estas alteraes traduzem o aumento
do tempo de coagulao e a tendncia para hemorragias (Macintire, 2008a). A
tromboelastografia revelou o estado de hipercoagulabilidade em ces com parvovirose, que
tambm apresentaram aumento do TPPa, hiperfibrinogenemia e diminuio da AT (Otto et
al., 2000).
-
15
Gasometria arterial
A acidose metablica pode resultar da perda intestinal de bicarbonato e da acumulao de
lactato resultante da hipoperfuso. Num estudo concluiu-se que a acidose metablica nos
ces com parvovirose facilmente compensada (compensao respiratria) ou corrigida.
Contudo, os autores admitem que a desidratao grave, tributria para a acidose metablica
na fisiopatologia da diarreia, no foi encontrada em nenhum dos doentes (Nappert, Dunphy,
Ruben & Mann, 2002). As perdas gstricas de cloro e hidrognio causadas pelo vmito
contrapem a perda intestinal de bicarbonato (Brown & Otto, 2008).
Ecografia e radiografia
A principal utilidade destes exames complementares no diagnstico de invaginao e de
corpos estranhos que podem mimetizar o quadro clnico de parvovirose. Na ecografia
abdominal, a invaginao muitas vezes reconhecida quando se visualiza a duplicao da
parede intestinal, ao contrrio da simples enterite que, apesar do espessamento da parede,
mantm as camadas normais. A radiografia abdominal pode indicar sinais de gastroenterite,
como distenso das ansas intestinais com contedo lquido ou gasoso; uma dilatao
significativa pode ser sugestiva de invaginao (Savigny & Macintire, 2007).
4.2. Diagnstico viral e deteco de anticorpos
A deteco viral nas fezes, recorrendo a testes baseados na tcnica de ELISA (enzyme
linked immunosorbent assay), permite a rpida adopo de medidas preventivas e
teraputicas, e tem normalmente um custo acessvel para o proprietrio (McCaw & Hoskins,
2006). A interpretao dos resultados obtidos deve ser crtica, j que a especificidade
elevada (92 100%) no impede que ocorram resultados falso-positivos em animais
vacinados nos 12 dias anteriores realizao do teste. Por outro lado, cachorros com
resultados positivos, enquanto cumprem o calendrio de vacinao, no devem ser
excludos dada a possibilidade de imunizao insuficiente (McCaw & Hoskins, 2006;
Schmitz, Coenen, Knig, Thiel & Neiger, 2009). Os resultados falso-negativos traduzem a
baixa sensibilidade (16 a 26%) dos testes rpidos, podendo ocorrer numa fase inicial da
doena, da excreo do vrus no intestino, ou numa fase avanada, devido aco dos Ac.
Se os sinais clnicos forem consistentes com o diagnstico de parvovirose, o tratamento
deve ser institudo e o teste pode ser novamente realizado 24 a 48 horas depois (Savigny &
Macintire, 2007; Schmitz et al., 2009). A capacidade dos testes rpidos na deteco das
variantes mais recentes (CPV-2c) tem sido questionada. Decaro et al. (2009a)
demonstraram que a deteco do CPV-2c no significativamente diferente da das outras
variantes, CPV-2a e CPV-2b.
-
16
Os testes desenvolvidos com base em PCR (polymerase chain reaction) so mtodos
promissores, que associam rapidez, elevada sensibilidade e diferenciao das variantes. O
isolamento do vrus, a microscopia electrnica e a imunocitoqumica (ICQ) no so viveis
na rotina clnica (McCaw & Hoskins, 2006; Radford, 2008).
Actualmente, a deteco de Ac usada na avaliao da proteco vacinal, sobretudo em
raas susceptveis. Os laboratrios de diagnstico utilizam a inibio da hemaglutinao, a
seroneutralizao ou o mtodo ELISA para a deteco de Ac contra o CPV (McCaw &
Hoskins, 2006; Radford, 2008). A ausncia de Ac no incio da infeco (fase de latncia
durante 3 a 4 dias), a durao da resposta humoral e a indiferenciao entre os Ac vacinais
e os maternos so factores a considerar (McCaw & Hoskins, 2006; Radford, 2008).
A distino entre o diagnstico da doena e a deteco da infeco outra forma de
abordar o diagnstico. O resultado de um teste pode ser positivo para infeco, mas ser
falso para a doena, como nos testes PCR. Inversamente, a deteco do vrus nas fezes
pelo mtodo ELISA uma boa forma de detectar a doena, mas no suficientemente
sensvel para detectar o vrus num portador assintomtico (McCaw & Hoskins, 2006).
4.3. Diagnstico post mortem
Ao contrrio das leses macroscpicas no especficas da parvovirose, o exame histolgico
muitas vezes definitivo. A imunofluorescncia ou a ICQ podem auxiliar na identificao do
vrus nos tecidos (Macintire & Smith-Carr, 1997; McCaw & Hoskins, 2006). A lngua, por ser
menos sensvel que o intestino s alteraes ps-morte, constitui um excelente local para a
recolha de amostras (McKnight, Maes, Wise & Kiupel, 2007).
As leses caractersticas de enterite hemorrgica difusa surgem primeiro no duodeno distal,
atingindo o jejuno numa fase posterior. A serosa intestinal pode apresentar hemorragias, e o
lmen pode reter contedo aquoso e hemorrgico. A nvel microscpico, podem ser
observadas incluses intranucleares basfilas e atrofia das vilosidades. Geralmente h
evidncia de regenerao intestinal, mesmo nos casos mais graves (Macintire & Smith-Carr,
1997; McCaw & Hoskins, 2006).
Os linfonodos normalmente esto aumentados e edemaciados, apresentando por vezes
petquias no crtex. Nos cachorros, pode ser observada a atrofia do timo e a necrose dos
tecidos linfides (placas de Peyer, linfonodos e bao). A medula ssea apresenta hipoplasia
mielide e eritride, e depleo dos megacaricitos, mas possvel observar hiperplasia
celular na recuperao (Macintire & Smith-Carr, 1997; McCaw & Hoskins, 2006). A
miocardite no supurativa pode ser encontrada em animais muito jovens, com infiltraes
celulares, edema e hemorragias, e tambm podem ser observadas incluses intranucleares
nos cardiomicitos. O pulmo pode apresentar edema pulmonar, em consequncia da
infeco cardaca ou da hipoproteinemia (McCaw & Hoskins, 2006; Lamm & Rezabeck,
2008; Bonagura & Twedt, 2009).
-
17
5. Definio de spsis e outras complicaes associadas
A fisiopatologia da spsis, uma reconhecida causa de mortalidade e morbilidade, ainda no
claramente compreendida, pelo que a sua definio continua em evoluo,
comprometendo a reprodutibilidade dos resultados nos estudos (Otto, 2007). Yilmaz &
Senturk (2007) basearam-se em determinados critrios (tabela 1) para classificar os ces
com parvovirose. A definio de spsis implica a presena de uma infeco acompanhada
de sndrome da resposta inflamatria sistmica (SRIS) definida como a presena de duas ou
mais das variveis gerais e inflamatrias. A spsis grave implica a presena de spsis e de,
pelo menos, trs alteraes orgnicas (sndrome da insuficincia multiorgnica sistmica
[SIMS]) (Yilmaz & Senturk, 2007). O choque sptico resulta da spsis grave com hipotenso
refractria fluidoterapia e requer teraputica vasopressora (DeLaforcade, 2010).
Tabela 1 Critrios utilizados nas definies de infeco, spsis, inflamao e insuficincia orgnica em ces com parvovirose
Critrios Definio
1. Agentes I N F
S P S I S
S P S I S
G R A V E
Parvovrus canino (CPV)
2. Variveis gerais
S R I S
Temperatura
Hipotermia (< 37 C) ou
Febre (> 39,3 C)
Taquicardia (> 160 bpm)
Taquipneia (> 30 rpm)
Alterao do estado mental (depresso)
3. Variveis inflamatrias
Leucograma
Leucopenia (< 5500 clulas/l) ou
Leucocitose (> 12500 clulas /l)
Neutropenia (< 3000 clulas/l)
Plaquetas
Trombocitopenia (< 170 plaquetas/l)
TNF- plasmtico (> 40 pg/ml)
4. Variveis hemodinmicas
S I
M S
Hipotenso (PAM < 70 mm Hg)*
Tempo de repleo capilar (> 2s)
Pulso perifrico fraco
5. Variveis de insuficincia orgnica
Heptica
ALT > 50 UI/l
Cardaca
Isoenzima cardaca da creatinina cinase > 150 UI/l
Renal
Ureia > 15 mmol/l
Creatinina > 140 mol/l
INF infeco; TNF tumor necrosis factor (factor de necrose tumoral); PAM presso arterial mdia (*por mtodo no invasivo); ALT alanina transaminase; bpm batimentos cardacos por minutos; rpm respiraes por minuto. Adaptado de Yilmaz & Senturk, 2007.
-
18
C. PROGNSTICO E TERAPUTICA
1. Avaliao e comunicao do prognstico
O prognstico uma previso da evoluo de uma doena, com ou sem tratamento,
devendo ser transmitido ao proprietrio as probabilidades de uma evoluo desfavorvel,
bem como favorvel. Ao comunicar o prognstico, o mdico veterinrio deve fornecer factos
e nmeros que ajudem o cliente a decidir, incluindo as opes teraputicas disponveis, os
tempos de referncia, os riscos de reaces indesejveis relacionados com o tratamento, a
natureza do benefcio alcanvel e o custo (Smith, 2006).
Na parvovirose canina, a ausncia de teraputica ou a teraputica desadequada e/ou
insuficiente pode corresponder a baixas taxas de sobrevivncia (9% ou inferior, modelo
experimental) (Njenga, Nyaga, Buoro & Gathumbi, 1990 citado por Otto et al., 2001; Martin
et al., 2002). No entanto, estes valores podem aumentar significativamente para 64-100%,
se for instituda uma teraputica adequada (Glickman et al., 1985; Rewerts, McCaw, Cohn,
Wagner-Mann & Harrington, 1998; Yilmaz & Senturk, 2007; Savigny, 2008). Os cuidados
prestados em hospitais universitrios podem ser associados a taxas de sobrevivncia de 79-
100% (Mann et al., 1998; Otto et al., 2001; Rewerts et al., 1998), contrastando com as taxas
de 67-82% em pequenas clnicas locais (Otto et al., 2001; DeMari, Maynard, Eun & Lebreux,
2003). A diferena parece resultar da vigilncia permanente (24 horas) nos hospitais
escolares, bem como a possibilidade de teraputicas mais intensivas, tais como a
transfuso de plasma ou a fluidoterapia com colides (Otto et al., 2001). Assim, os
resultados presenciados em centros de referncia podem no representar os observados na
clnica privada (Smith, 2006).
Embora a teraputica da parvovirose seja frequentemente bem-sucedida, a taxa de sucesso
tem permanecido praticamente inalterada ao longo dos anos, e muitos ces continuam a
morrer de complicaes ou a serem submetidos a eutansia devido aos custos financeiros
previstos (Otto et al., 2001). Um estudo da Universidade de Missouri, Columbia (E.U.A),
encontrou uma taxa de mortalidade de 21%, sem incluir os ces vtimas de eutansia (Mann
et al., 1998).
A idade, a ausncia de vmitos, a leucopenia acompanhada de linfopenia e eosinopenia, os
nveis elevados de cortisol e diminudos de tiroxina, as concentraes baixas de colesterol
total e de lipoprotenas de alta densidade e os nveis elevados de lactato, podem prever uma
evoluo desfavorvel na parvovirose canina, sem considerar o desenvolvimento de spsis
e de CID (McCaw, Harrington & Jones, 1996; Frazo, 2008; Goddard, Leisewitz,
Christopher, Duncan & Becker, 2008; Schoeman, Goddard & Herrtage, 2007; Yilmaz &
Senturk, 2007; Stevenson et al., 2007).
-
19
Embora no tenham sido estudados indicadores do perodo de recuperao, a presena de
sinais clnicos ligeiros (como diarreia no copiosa e no sanguinolenta), a recuperao do
apetite e uma contagem de neutrfilos normal, reflectem a recuperao da doena (Savigny
& Macintire, 2007). A gravidade e a durao dos sinais clnicos variam individualmente. Os
cachorros que sobrevivem aos primeiros 3 ou 4 dias normalmente recuperam rapidamente,
geralmente numa 1 semana, nos casos simples. Os casos mais graves podem requerer
hospitalizao mais prolongada, devido ao desenvolvimento de spsis ou de outras
complicaes (McCaw & Hoskins, 2006).
2. Estratgia teraputica
Dada a ausncia de teraputica antiviral eficaz, o tratamento da gastroenterite por CPV o
mesmo de uma enterite infecciosa aguda sem causa especfica. O plano teraputico visa o
restabelecimento do volume sanguneo circulante e do equilbrio electroltico, a preveno
ou minimizao de infeces bacterianas secundrias, e o alvio de sintomas
gastrointestinais (Willard, 2009). Estratgias incorrectas podem comprometer a
sobrevivncia do animal. A fluidoterapia inadequada (a sobrecarga de volume to
prejudicial como a carncia), o no reconhecimento de spsis ou de choque e a presena de
doena concomitante no identificada, como parasitismo ou invaginao, so alguns dos
erros mais comuns (Willard, 2009). A escolha da via de administrao deve ter em
considerao a frequncia do vmito e as alteraes inerentes doena, como o tempo de
esvaziamento gstrico e a presena de vasoconstrio em animais desidratados, sendo de
evitar na maioria dos casos, a via oral (per os [PO]) e a subcutnea (SC) (Prittie, 2004).
2.1. Restaurao hemodinmica e electroltica
A fluidoterapia um dos aspectos mais importantes da interveno mdica, sendo
fundamental saber reconhecer se o dfice de fluidos compromete: o transporte de sangue
para os tecidos (perfuso) ou o suporte do tecido e os processos intracelulares (hidratao)
ou ambos, uma vez que os dfices de perfuso tm um carcter mais urgente que os de
desidratao. Aps a avaliao dos parmetros que reflectem o estado hemodinmico do
animal (tabela 2), deve ser delineado um plano, estabelecendo metas e prazos a cumprir,
seleccionando as caractersticas, a via e a velocidade da fluidoterapia, e adoptando medidas
de controlo (Tonozzi et al., 2009). A velocidade provavelmente mais relevante que o tipo
de fluido a ministrar (Devey, 2010).
-
20
Tabela 2 Parmetros de perfuso e objectivos teraputicos em caso de choque
Normal Choque
(fase inicial) Choque
(fase intermdia) Choque
(fase avanada) Objectivos
teraputicos
Nvel de conscincia Alerta Alerta Ligeira depresso Depresso marcada
a coma Alerta
Cor das mucosa Rosada Normal,
plida ou hipermica
Plidas Muito plida Rosadas
TRC s 1 - 2 < 1 > 2 > 2 < 2
Classificao do pulso Forte Forte Fraco Muito fraco ou ausente
Restabelecer pulso
FC bpm 60 - 120 Normal ou 60-160
FR rpm 12 - 36 Normal ou 20-40
Temperatura rectal C 37,5 39,2 N ou Normal ou
T rectal - T digital C 3 - 6 N 4
PAM mm Hg 80 - 100 N ou Normal ou 80-100
PVC cm H20 0 - 2 N ou 5-8
Dbito urinrio ml/kg/h 1 -2 N ou 1-2
Lactato mmol/dl < 2 N ou Normal ou < 2.5
TRC tempo de repleo capilar; FC frequncia cardaca; FR frequncia respiratria; T temperatura; PAM presso arterial mdia; PVC presso venosa central. Adaptado de Tonozzi et al., 2009; Hammond & Holm, 2009; Devey, 2010; Boller & Otto, 2010.
2.1.1. Volemia e equilbrio electroltico
a. Caractersticas e vias de administrao das solues cristalides
As solues equilibradas de electrlitos so as mais indicadas no restabelecimento da
volemia, j que mimetizam as concentraes sanguneas de electrlitos, so isotnicas e, se
necessrio, podem ser administradas rapidamente de modo a substituir as perdas hdricas
agudas. Os animais com diarreia profusa podem beneficiar de solues de substituio
alcalinizantes, dada a possibilidade de acidose metablica. O lactato de Ringer rene ambas
as condies, ao contrrio da soluo salina a 0,9% desprovida de potssio (Macintire &
Smith-Carr, 1997; Tams, 2007). Alguns dos cristalides comercializados, com gluconato ou
acetato, tm a vantagem de no sobrecarregarem o metabolismo heptico e no
contriburem para o aumento dos nveis de lactato (Tams, 2007).
As solues hipertnicas, como NaCl 7,5%, no so aconselhadas em animais desidratados
(Macintire & Smith-Carr, 1997). O rpido consumo da dextrose presente nas solues de
manuteno diminui a tonicidade, tornando estas solues inadequadas no tratamento da
parvovirose, sob risco de causar edemas (Devey, 2010).
O acesso vascular essencial para a administrao de grandes volumes de fluidos, sendo
prefervel cateteres intravenosos (IV) curtos e com o maior calibre possvel (18 a 20 Ga para
animais de pequeno porte). Deve ser colocado pelo menos um cateter numa veia perifrica
(ceflica ou safena lateral), por ser mais rapidamente exequvel; um cateter central pode ser
colocado na veia jugular externa (Silverstein, 2003).
A via intra-ssea (IO) deve ser considerada em animais peditricos, ou perante colapso
circulatrio (figura 1). A fossa trocantrica do fmur o local normalmente escolhido para a
colocao temporria de uma agulha ou um cateter (3,8 cm e 20 Ga), devendo este acesso
ser substitudo por uma via intravenosa o mais breve possvel (Savigny & Macintire, 2007).
-
21
Crista tibial
Figura 1 Localizaes anatmicas para o acesso intra-sseo
Adaptado de Bateman, Buffington & Holloway, 2006.
Os inconvenientes da hipodermclise (SC) que podem agravar o quadro dos animais
doentes so a ineficcia na restaurao da perfuso em tempo til, o desenvolvimento de
infeces locais e a induo de hipotermia (Prittie, 2004; Savigny & Macintire, 2007). No
entanto, esta via pode ser praticada em casos clnicos ligeiros (Prittie 2004).
b. Volume e velocidade de administrao
Nos ces em choque, deve ser instituda uma fluidoterapia agressiva; a dose mxima de
choque (90 ml/kg/h) pode ser dividida em vrios bolus endovenosos ou administrada em
infuso contnua (Savigny & Macintire, 2007; Boller & Otto, 2010). O primeiro bolus pode
variar entre 22,5 e 30 ml/kg (um tero a um quarto da dose mxima de choque) e ser
administrado durante 5 a 15 minutos. Uma alternativa para os animais peditricos a
administrao de um bolus de 30 ml/kg, durante 5-10 minutos, seguido da dose 80-120
ml/kg/dia (Macintire, 2008b).
A reavaliao do animal aps cada administrao permite determinar a eficcia da
fluidoterapia na resoluo da hipoperfuso, e decidir se so necessrios bolus adicionais.
Se o animal reagir favoravelmente, a desidratao deve ento ser corrigida (Savigny &
Macintire, 2007). Os ces desidratados, mas sem sinais de hipoperfuso, necessitam repor
e manter o equilbrio hdrico. O dfice hdrico deve ser calculado com base na estimativa do
grau de desidratao (tabela 3), e corrigido num curto espao de tempo, entre 2 a 6 horas, o
mais tardar em 12 a 24 horas (Prittie, 2004; Savigny & Macintire, 2007).
Fossa trocantrica
-
22
Tabela 3 Parmetros clnicos utilizados na avaliao do grau de desidratao (%)
4 - 6% 6 - 8% 8 - 10% 10 - 12% > 12%
Mucosas secas
Perda de humidade da pele
Persistncia da prega de pele
Aumento do hematcrito e protenas totais
Retraco do globo ocular (hipoperfuso ligeira)
Opacidade da crnea (hipoperfuso moderada)
Sinais de hipoperfuso
Adaptado de Tonozzi et al., 2009 e Brown & Otto, 2008.
Tradicionalmente, considera-se que 40 a 60 ml/kg/dia ou 2 ml/kg/h restauram as perdas
hdricas fisiolgicas, sem considerar a idade ou o tamanho do animal. No entanto, estes
clculos subestimam o volume adequado em animais de pequenos porte e sobrestimam nos
maiores. A aplicao de uma frmula no clculo do volume de manuteno permite uma
abordagem mais correcta. Como os cachorros tm necessidades hdricas superiores, de
120 a 200 ml/kg/dia, recomenda-se a duplicao da dose de adulto (Devey, 2010).
Durante a reidratao, a fluidoterapia deve ser reajustada preferencialmente de hora a hora
(Savigny & Macintire, 2007). A fluidoterapia deficiente, frequente na prtica clnica, constitui
uma das causas de insucesso teraputico na parvovirose, sendo a omisso das perdas em
curso um dos erros mais comuns. A simples pesagem dos resguardos permite controlar
algumas das perdas associadas ao vmito e diarreia; a febre outra das causas que pode
aumentar as necessidades hdricas (Tams, 2007; Devey, 2010).
O volume total administrado deve abranger o dfice de hidratao, as necessidades de