diário de guilhermina
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Uma viagem ao passadoTRANSCRIPT
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Guilhermina Botelho BaetaDiário
Capítulo I
Vou contar a vida de uma menina e dos seus ascendentes.
Começo por contar a vida do avô do pai da pequena.
Ele tinha o título de Dom, chamava-se D. João Francisco Botelho Moniz
Sequeira.Vivia numa aldeia chamada Patameira, na Freguesia de Dois
Portos, tinha o brasão na casa onde vivia.
Casou aos 18 anos, com uma menina chamada Mafalda, com 13
anos de idade.
Ficaram até ele ter 21 anos, um em casa de cada pai. Nesse
tempo os casamentos eram feitos por conveniência. Ele era Morgado,
dava-se o nome ao primeiro filho do casal. Só ele tinha direito à
herança dos pais. Ele teve três filhos. Um Jacinto, outro Silvério e outro
Inácio.
Viviam muito bem numa bonita residência de que era proprietário.
Um belo dia, um amigo vem-lhe pedir, para ele ser fiador de
uma avultada quantia que precisava. O que ele, de boa fé o fez.
Ser fiador é comprometer-se a pagar, essa dívida, se o outro não
pagasse.
De maneira, que o amigo teve qualquer azar e não pagou a dívida
que fez. Teve portanto que ser ele, D. João Francisco a pagá-la.
Certo é que ficou sem nada.
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Capítulo II
A vida dos filhos desse D. João Francisco Botelho Moniz Sequeira.
Em vista do pai ficar sem meios, para os filhos viverem bem,
como tinham vivido até ali, tiveram que se empregar.
O Silvério foi para Dois Portos, para casa de um senhor lavrador
que era amigo do pai e não tinha filhos. Ali esteve muito bem, e por
sua morte, deixou tudo ao Silvério. Portanto ficou muito bem. Esse
Silvério teve dois filhos, um Mário, outro Silvério. O Mário estudou
para advogado, teve uma vida muito boa, vivia em Lisboa, casou
mas não teve filhos, mas teve a infelicidade de ficar sem vista, por
qualquer doença.
O Silvério ficou na quinta em Dois Portos, a quinta que o
tal senhor tinha feito ao pai dele, por morte do pai, ficou ele com a
quinta.
Era bastante trabalhador, aumentou muito a casa e ficou com
fortuna. Nunca casou, por último vivia com uma senhora, a quem
deixou o que tinha. Também cegou, parece ter sido uma doença de
família.
Mas, o que é para admirar, é o que ele fazia sem ter vista,
fazia muitos utensílios para a lavoura. Fez uma bomba eléctrica para
tirar vinhos que era a admiração de todos. Percorria a casa e as
propriedades, sem auxílio de ninguém. Só faleceu no ano de 1974.
Assim foi a vida de Mário Botelho Moniz Sequeira e de Silvério
Botelho Moniz Sequeira.
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O Jacinto foi para Lisboa. Nesse tempo os transportes eram
feitos por carro e grandes galeras (que eram carroças grandes).
Havia então umas casas, para guardarem esses animais que as
puxavam, para lhes dar de comida e descansarem umas horas.
De maneira que o Jacinto Botelho Moniz Sequeira, foi pedir
trabalho numa dessas casas por ser o trabalho feito de noite. Tinha
vergonha de que o vissem a trabalhar.
A casa era uma dessas cocheiras, como já disse para os
animais descansarem, e o trabalho dele era limpá-las.
O dono tinha uma filha, que gostou do Jacinto e casou com
ele. Em pouco tampo ficou dono de tudo, foi muito feliz e teve dois
filhos e uma filha. Não sei o nome deles, só sei que um foi o General
Botelho Moniz, que foi muito falado. Até foi ministro. Os irmãos eram
também muito instruídos, foram portanto uma família de destaque.
O outro irmão Inácio Botelho Moniz Sequeira, foi para a
Cadriceira, freguesia do Turcifal, concelho de Torres Vedras.
Ali montou uma Padaria. Casou e teve 6 filhos: Nazareth, Maria das
Dores, António, Inácio, Jacinto e Ângelo.
Este Inácio, achava o nome muito comprido e começou a assi-
nar, só por Inácio Botelho. De maneira que os filhos também ficaram só
com o Botelho. Já não eram como os tios e primos, Moniz Sequeira.
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Capítulo III
Embora a vida desse Inácio fosse muito diferente da dos
seus irmãos, vivia bem.
Agora vou contar como era a aldeia onde nasceram esses 6 irmãos.
Chama-se Cadriciera, freguesia do Turcifal, concelho de
Torres Vedras.
Foi nesta aldeia, que se refugiou Diogo Lopes Pacheco, um
dos assassinos de Inês de Castro, onde começou a fazer uma casa.
Mas não a concluiu, teve que fugir para outra parte incerta.
Passado tempos, nesse mesmo local, fizeram um pequeno
convento para férias de padres. Tinha dependências para eles
viverem, uma boa igreja e uma capela, um pouquinho separada
desse convento. Isso ficava mesmo no fundo da Serra do Socorro.
Nessa serra, no cume há uma capela e várias casas, umas para
habitar pessoas que tomassem conta da capela, outras para confrarias.
Pois havia e ainda há, grandes romarias à Nossa Senhora do
Socorro. Também lhe chamam Nossa Senhora das Neves. É uma
serra muito alta com uma vista lindíssima.
As pessoas dessa aldeia eram muito civilizadas devido ao
convívio dos padres. Esse convento tinha o nome da Quinta de
Santo António, que era o padroeiro da igreja. Os padres tinham a
quinta num mimo. Tem uma mata que fica numa inclinação, já para a
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subida dessa dita serra. Essa mata tinha três ruas ensaibradas, com
flores de um lado do outro, compunha-se de árvores de várias
qualidades, mas havia um castanheiro enorme, onde eles tinham
uma grande sombra, mesas e bancos, onde passavam bocados a
ler.
A quinta tinha muita água, por isso tinham flores por todos
os lados, e muitos pomares, os maiores eram laranjeiras. Tem um
grande tanque, onde se recolhia a água e também onde se banhavam.
Estava todo a volta da quinta, protegida por arbustos que não
se conseguia ver nada lá para dentro.
Houve uma altura, em que eles (padres), fizeram na mata,
umas grandes escavações, onde descobriram um fóssil, ou seja,
uma árvore em pedra. Com todo o cuidado descobriram-na, sem
a estragarem nada. Tinha um comprimento e uma largura enorme.
Tinham-na muito protegida em toda a volta, para ninguém a estragar.
Estava classificada como a maior da Europa. Mais adiante falarei
mais sobre este assunto, que muito tenho ainda para dizer sobre a
Quinta de Santo António.
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Capítulo IV
Agora vou falar do pai dessa pequena .
Chamava-se Ângelo Custódio Botelho, neto, sobrinho e primo
dos tais Botelho Moniz Sequeira. Como já disse, eram 6 irmãos, 5
casaram e um ficou solteiro.
O António era o mais velho e ficou sempre com o irmão
Ângelo. O Jacinto foi viver para uma aldeia, chamada Vespeira, no
concelho de Sobral de Monte Agraço. Tinha negócio de vender e
comprar animais, principalmente bois para trabalho e para talhos.
Vivia bem, casou com uma senhora chamada Ana, muito baixinha,
quase anãzinha, mas muito activa. Quando saía com ela, levava-a a
cavalo, sentada à frente dele, parecia uma criança.
Teve 9 filhos: António, João, Jaime, Ângelo, Francisco,
Inácio, Maria, Cecília e Ana.
O Inácio, portanto tio deste, casou mas não teve filhos. Viveu
sempre na Cadriceira. O irmão Ângelo emprestou-lhe umas
propriedades para ela amanhar e vivia disso.
A Nazaré casou com um Senhor Capucho do Livramento,
concelho de Mafra. Era fogueteiro, vivia bem, teve oito filhos:
Caetano, Carlos, Jaime, Maria, Leonilde, Joana, Cecília e Francisco.
A Maria das Dores, casou com um Senhor Silva Pereira que
era negociante de vinhos e teve 3 filhas: Maria, Cecília e Ângela.
Vivam em Vila Franca do Rosário, numa boa casa. Tinham uma vida
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muito pomposa, vivam à grande. As meninas tinham cavalo para
montarem, com bastante pessoal para as servir. Por isso não ligavam
nada à família, por julgarem-se mais do que os outros, sentiam-se
superiores. Mas o pai era um bocado desorientado, que deu tudo em
decadência, ficaram sem nada.
A Ângela foi para casa do tio Ângelo, onde esteve bastantes
anos. Nunca casou.
A Cecília foi para Casal de Barbas, para casa de uma tia
solteira, irmã do pai. Tinha uma pequena propriedade.
Trabalhavam para costura e alugavam quartos no verão a
pessoas de Lisboa e faziam-lhes a comida. Por morte da tia, deixou
tudo a Cecília, e foi entretanto que a Ângela foi viver com a irmã e o
Tio Ângelo, ampliou-lhes muito a casa.
A Maria casou com um Senhor Franco, que era viajante, foi
viver para Lisboa e teve dois filhos, António e Maria das Dores.
Era assim a família Botelho.
Falta contar a vida de Ângelo Custódio Botelho, que vou
contar no quinto capítulo.
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Capítulo V
Falo agora da vida de Ângelo Custódio Botelho, neto,
sobrinho e primo da família Botelho Moniz Sequeira. E pai da miúda
que mais tarde falarei.
Viveu na aldeia da Cadriceira, freguesia do Turcifal, concelho
de Torres Vedras.
Ficou com a padaria do pai e abriu uma loja mista, onde
vendia de tudo um pouco. Eram assim as lojas das aldeias.
Casou aos 21 anos, com uma pequena, vizinha dele, filha de
um Senhor Trindade, chamada Lucinda, que tinha uma irmã Inácia
e um irmão Tomé. Estes não casaram. A Lucinda teve a infelicidade
de um ano depois morrer de parto e a criança também morreu.
Começou aqui a ter problemas o Senhor Ângelo. Como
não tinha filhos, os pais dela vieram buscar-lhe metade da casa,
a que ele tinha adquirido com bastante trabalho. Os pais dela tin-
ham algumas propriedades boas e assim ficaram com mais.
Morreram depois os pais da Lucinda. O irmão não tinha qualquer
actividade nenhuma e começou a fazer dívidas, que em pouco tampo
puseram-lhe tudo em praça para vender. As quais o Senhor Ângelo
comprou e assim ficou com as que já tinham sido dele, assim como
as do pai dela.
Ele dizia muitas vezes que há males que vêem por bem.
Casou novamente em segundas núpcias, aos 28 anos, com
uma menina de Santo Quintino, Freguesia de Sobral de Monte
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Agraço, que conheceu em casa de uma irmã, casada com um
Senhor Raposo que era amigo dele.
Essa menina era filha de um Senhor Lourenço, que era feitor
de uma casa muito grande no concelho de Sobral de Monte Agraço.
Tinha seis filhos: José, João, Maria Antónia, Gertrudes, Emília e
Guilhermina.
A Guilhermina era professora de meninas, e por isso estava
na Gozundeira, onde vivia a irmã Maria Antónia, casada com o tal
Senhor Raposo que tinha uma padaria.
O Senhor Ângelo casou com essa menina que tinha 23
anos e era muito bonita. Nesse tempo não era preciso ter curso de
professora para leccionar, bastava terem alguns conhecimentos e o
exame da 4ª classe.
Passado pouco tempo de casados, surgiu outro problema na
vida dele, Ângelo.
Isto que vou contar, era ainda ele viúvo. Como já disse tinha
uma loja e padaria, era uma pessoa muito activa. Ia muitas vezes de
noite à Ericeira, buscar peixe para vender na loja.
Ia de noite para estar em casa de manhã cedo. Uma
dessas noites, que ele saiu, houve um vizinho que bateu noutro,
mas ninguém viu, nem o próprio que apanhou soube quem era que
lhe bateu. Quando o Senhor Ângelo chegou da Ericeira, disseram-
-lhe – Olhe sabe!, esta noite bateram no Bolota (era assim que lhe
chamavam), mas ninguém sabe quem foi. Até que houve um, que
era mau e disse: “Ninguém sabe! Foi o Senhor Ângelo!.”
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O homem que tinha apanhado foi queixar-se à autoridade. Certo é
que o Senhor Ângelo foi chamado, e disse:” façam o que quiserem
que eu não fui” e contou onde tinha ido nessa noite.
Foi a queixa para tribunal, havia testemunhas que diziam que
ele realmente tinha ido para a Ericeira, mas a falsa testemnha cotinu-
ava a dizer que era ele. O próprio que lhe bateu, foi confessar
que tinha sido ele , chamava-se António Pedro, mas o tal falso dizia
que o Senhor Ângelo lhe pagava para dizer isso. De maneira que foi
castigado com 6 meses de prisão, mas o processo ficou arquivado.
O arquivo, nesse tempo, era na Igreja da Freguesia.
Como já disse, o Senhor Ângelo nessa altura era viúvo.
Passou-se uns anos, era novamente casado e teve um filho que
nasceu doentinho e com pouco tempo de nascido foi baptizá-lo.
Mas o prior da freguesia disse ter uns afazeres e não podia
baptizá-lo, o que a criança morreu dias depois. O pai foi queixar-se
ao patriarcado e o padre foi castigado, saiu da freguesia e o que
o substituiu foi dar volta ao arquivo onde estava o processo, e o
Senhor Ângelo foi parar à cadeia. Dizia então ele que foi mais um
dos males que veio por bem.
Ele tinha muitos amigos, passava lá o dia, mas vinha dormir
a casa, e foi lá que ainda arranjou muito mais amigos. Ao fim de
2 meses, a falsa testemunha foi confessar que tinha jurado falso,
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de maneira que o Doutor Juiz perguntou ao Senhor Ângelo, o que
queria que lhe fizesse. O que ele respondeu: “mande-o para casa,
que ele é um infeliz e eu tenho ainda que ajudar a matar a fome aos
filhos.”
E assim aconteceu, ele ficou tão bem visto com aquela
acção, que o Juiz e os advogados tinham muita consideração por
ele e quando saiam para outro concelho, mandavam sempre chamar
o Senhor Ângelo, para o apresentar aos colegas.
E foi daqui em diante, que começou a sua nova vida, a qual
conto no sexto capítulo.
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Capítulo VI
Depois do segundo casamento do Senhor Ângelo, como já
disse, em segundas núpcias, com Guilhermina das Dores Lourenço,
ele com 28 anos e ela com 23 anos, de quem teve 9 filhos.
Três morreram, e os seis vivos, eram:
Maria da Conceição Botelho, Lucinda da Boa Hora Botelho,
Ângelo Paulo Botelho, Guilhermina da Purificação Botelho, António
Domingos Botelho e José Fausto Botelho.
Todos eles eram tratados pelos diminutivos.
Portanto: Marquinhas, Lucindinha, Ângelinho, Guilhezinha,
Antoninho e Josézinho, e assim ficaram a ser tratados pela vida em
diante, por todas as pessoas que conheciam.
Tinham uns pais muito amigos, que nada lhes faltava.
Todos os filhos fizeram a 4ª classe, a escola ficava a 5 quilómetros
da aldeia, ia-se a cavalo em burros, sempre com um empregado da
casa levá-los. Muito poucas crianças desse tempo, dessa aldeia,
iam à escola. Praticamente só iam eles. O pai era proprietário, tinha
uma casa bem montada para a lavoura, adega para fabricar vinho,
montada naquele tempo com o melhor que havia, lagar de azeite
também bem montado, para moer a azeitona da casa, e mais tarde
também moía para fora, para quem lá aparecesse com azeitona.
Por fim tinha bastante movimento para alguns meses. Havia
uma casa que fazia de caldeira de destilação, para fazer do bagaço
da uva aguardente. Havia um celeiro para recolha dos cereais, uma
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dependência por cima da adega, separada com tulhas, para trigo,
milho, favas, centeio, cevada, ervilhas, tremoço, enfim, ele de tudo
amanhava. Tinha uma cocheira para cavalos, macho e burros, uma
abogaria para guardar bois, tinha sempre três juntas, ou seja, seis
bois para lavrarem as propriedades. Havia também o curral, para
as ovelhas, que tinha sempre para cima de 300 ovelhas e era lá em
casa que se fazia o queijo.
Ele tinha sempre compradores certos para o que
amanhasse, vinho, azeite, cereais, etc.
Vou contar um pormenor dele:
Andava sempre a cavalo num macho para percorrer as
propriedades, até por vezes estava a cavalo à frente dos homens que
estavam a trabalhar, mas o mais extraordinário, é que esse dito
macho não deixava que ninguém o montasse , a não ser o próprio
patrão, de contrário dava tantos pinotes que mais ninguém o
conseguia montar. Muitas vezes a senhora dele dizia-lhe: “qualquer
dia entras em casa a cavalo”. O macho até subia escadas com ele
em cima. O que é certo é que ele por brincadeira, um dia, entrou na
casa de jantar a cavalo no macho, o que todos acharam engraçado.
Ele era uma pessoa com muito bom espírito, sempre bem
disposto, lia muito bem, que todos gostavam muito de o ouvir ler.
Gostava de ir assistir a audiências para ouvir os debates dos
advogados, assim como gostava de ouvir sermões. Nesse tempo os
padres falavam muito dos púlpitos e quando ele soubesse que havia
um bom orador a falar, nunca faltava, mesmo que fosse em Lisboa.
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Quando chegava a casa contava aos filhos e a várias pessoas,
que parecia que não faltava uma palavra do que ele tinha ouvido.
Gostava imenso de se ouvir.
Tinha muitos afilhados. Os nomes que punha aos afilhados,
quando os pais lhe pediam que ele os pusesse, eram sempre,
Lucindas, Guilherminas, Ângelos e Jacintos. Quando ouviam estes
nomes, as pessoas perguntavam-lhes; ” és afilhada do Senhor
Ângelo da Cadriceira?”. E quase sempre batia certo.
Era muito esmoleiro, fazia bem a muita gente. Fazia sempre
adiafas. Adiafas, chamava-se quando se recolhia qualquer produto.
Por exemplo, acabavam-se as debulas. Mandava fazer uma
ceia para o pessoal e a todos dava um saco de trigo, Fazia isto em
todas as alturas das colheitas, quer fosse no trigo, no vinho, no
azeite, nas batatas. É isto o nome de adiafa.
Matava porcos, quase sempre três ao mesmo tempo,
para dar assaduras. Quer dizer bocados de carne, a várias pessoas.
Não faltava a um único vizinho daquela aldeia, uma assadura. O
que os filhos gostavam imenso, quando pequenos, de ir fazer essa
distribuição.
Convidava sempre muitos amigos para irem lá comer.
A cachola era um dos pratos que a senhora fazia muito bem feita.
Mas a seguir havia sempre mais pratos variados e doces ,era uma
festa.
Quando a senhora precisava de fazer compras, ia a Torres Vedras,
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ou ia a Lisboa. Como tinha muitos filhos, precisava sempre
de muitas coisas. Ele ia sempre com ela. E quando ela escolhia
qualquer tecido e pedia uns tantos metros, ele dizia sempre, deixe ir
a peça, fosse que tecido fosse, até de fazendas de fato de homem.
De maneira que havia sempre muita coisa lá em casa, e para que
não anda-se sempre a fazer iguais, ia-se dando também a outras
pessoas, porque as lojas ou armazéns onde eles compravam as
coisas, quer fosse em Torres Vedras ou Lisboa, era sempre em casa
de amigos ou compadres.
Agora, vou ficar por aqui, para voltar a contar coisas
relacionadas com a Quinta de Santo António, como já tinha dito
no terceiro capítulo, que havia mais coisas a contar. Portanto vou
contar-lhes no sétimo capítulo.
Não quero deixar de dizer que o Senhor Ângelo tinha jurado que
nunca devia ser fiador de ninguém. Se lhe pedissem e ele tivesse
dinheiro, emprestava, mas fiador não. O filho Ângelo, precisou de
comprar uma camioneta e pediu ao pai para ele assinar umas letras
para essa compra.
Ele disse: “não faço isso, foi jura que fiz. Toma lá o dinheiro
que precisas”, e assim foi, deu-lhe o dinheiro que
precisava e ele comprou a camioneta.
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Capítulo VII
Quando da implantação da república, como sabem , os padres ficar-
am sem os conventos e tiveram que se ausentar. Portanto, o Con-
vento da Cadriceira, de que lhes falei, também ficou para o estado,
e o presidente do concelho foi ter com o Senhor Angelo para ele
ficar depositário. Quer dizer, era ele que tomava conta da quinta e
tinha as chaves do convento. Foi quando se viu bem como era bonito
e coisas importantes que lá tinha. As paredes das salas eram todas
com lambrim de azulejos muito bonitos. A parte de baixo era tudo
salas, cozinha e os refeitórios. Na parte de cima eram as camaratas,
essas muito simples. Passava-se por dentro para a igrega
que era muito bonita, também toda em azulejos, com imagens de
santos grandes em madeira, de grande valor. Em toda a volta tinha
uma galeria, tudo em pedra mármore. Numa dessas galerias havia
um oratório em pau santo, muito grande, onde os padres pelo natal,
faziam o presépio muito bem ornamentado.
Passado algum tempo, o governo foi vender todo o recheio
em leilão. Quando chegaram à altura da igreja, que também foi
desmantelada havia certas pessoas que brincavam com os santos.
Então o Senhor Ângelo foi falar com o Doutor Juiz e disse-lhe:
“Se o Senhor Doutro Juiz pusesse isto tudo num lote, não sucediam
estas brincadeiras”.
O Juiz cedeu e pôs tudo num lote. Embora estivesse muito
gente a assistir ao leilão, não houve ninguém que cobrisse a importancia
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em que ele saiu. Cobriu o Senhor Ângelo e ficou com tudo. Agora
havia o problema que não tinha casa para guardar aquelas coisas todas.
No Livramento havia o prior da freguesia que era também
amigo dele e disse-lhe: “se o Senhor quiser, eu ponho estas coisas à
guarda numa dependência da igreja”. O que ele aceitou com um documento
em como lá estavam à guarda. Mas passado pouco tempo o povo
daquela terra, vendo que eram coisas de valor, não mais deixaram lá
ir buscar nada e então o Senhor Ângelo teve que vender aquilo por
tuta e meia.
O governo fez daquele convento, um asilo para idosos.
Passado uns tempos, pensaram em fazer lá um colégio para
crianças, saíram os idosos. Mas tiveram que fazer umas grandes
obras, que levou tempo e gastaram lá muito dinheiro. Foi no tempo
de Afonso Costa. Em vistas de ser muito o dinheiro que apresentaram
na conta, mandaram lá ver as obras. Mas quando souberam isso,
largaram o fogo a tudo, ficou numas ruínas. Passado mais algum
tempo, o governo mandou por a quinta em praça. A qual o Senhor
Ângelo comprou.
Nessa altura já não parecia a mesma quinta de quando os
senhores padres a deixaram. As ruas da mata estavam cobertas de
eras e tudo o mais estava mal tratado.
Nessa altura já tinha casado a filha Lucinda com 19 anos,
com um rapaz do Carvalhal, freguesia do Turcifal, concelho de
Torras Vedras, José dos Santos Bernardes.
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A senhora e os outros filhos, gostavam muito da quinta. Ele
então reconstruiu, na terça parte dessas ruínas, uma casa para
irem viver. É uma boa casa, tem 4 quartos grandes todos com
janelas de sacada, com vista para a quinta, as próprias janelas do
convento, ainda com os respectivos amparos de ferro. Uma grande
sala com porta para o terraço na mesma direcção dos quartos. Casa
de jantar, também com porta para o terraço e cozinha, casa-de-
banho, casa de entrada com uma escada para o sótão, um corredor,
com uma casa interior, tudo casas grandes aproveitando as divisões
antigas.
Viviam lá muito bem, onde recebiam muita gente amiga e
faziam muitas festas familiares.
Havia muita água, mesmo em frente da casa de jantar havia
uma bica a correr uma belíssima água para beber e regava um
jardim que ali tem e corria para o tal tanque grande que lhes tinha
falado. Essa água pertencia à quinta e a nascente era na Serra do
Socorro. No Turcifal, que é a freguesia, não havia água. De maneira
que o Senhor Ângelo foi obrigado a vender essa água para lá,
embora a quinta tivesse outra nascente de muito boa água, ficaram
com pena daquela água, que estavam habituados a ver sempre correr
à frente da casa.
Agora falo do tal fóssil, da árvore em pedra. Quando comprou
a quinta já ela estava com bocados partidos, pois quem lá ia,
sempre queria levar um bocadinho.
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Nesse tempo, o governo soube que existia lá esse fóssil e foi lá
e protegeu-o melhor e pô-lo como Monumento Nacional. Ia então
muita gente lá vê-lo. Mas as gentes daquelas aldeias próximas,
pensando ser aquilo uma fortuna, foram lá de noite e partiram
muitos bocados para levarem. Quando a Câmara soube, mandou
lá a polícia para descobrir quem tinha sido. Mas como eram tantos e
de tanto lado, ficou tudo sem efeito.
Fica por aqui a história da vida de Ângelo Custódio Botelho.
Mais um pormenor esquecido. O leilão do recheio do convento da
Quinta de Santo António, foi mais do que um dia e um dos dias já
era de noite. Como o caminho para Torres Vedras era muito mau e
o transporte era de trem, o Senhor Ângelo disse ao Doutor Juiz e ao
Delegado: Como têm que voltar cá amanhã e o caminho é tão mau,
é melhor os senhores ficarem cá na minha casa. Eles ficaram e o
cocheiro também. E tudo se resolveu pelo melhor, camas, jantar,
pequeno almoço e almoço. Eles não podiam esquecer e diziam que
nunca pensaram que numa povoação tão pequena, houvesse gente
a receber tão bem as pessoas, e ficaram muito reconhecidos. Era
assim que o pai da tal pequena arranjava amigos.
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VIII Capítulo
A vida desta pequena
Lembrei-me em 1979 de escrever a vida d’uma pequena que
nasceu a 9 de Maio de 1903, com 2,700 kg. Devido a ser tão
pequenina, só foi baptizada aos seis meses de idade e nesse
mesmo dia foi para a Ericeira com os seus três irmãos, duas
meninas e um mano. Os seus pais levavam-nos sempre a passar
o mês de Outubro na Praia da Ericeira. Devido à sua pequenez, foi
tratada sempre com os maiores cuidados, e fez-se uma miúda normal.
Não sei porque razão foi sempre muito estimada por todos
com quem convivia. Eram seis irmãos: Maria, Lucinda, Ângelo,
Guilhermina, António e José.
Todos se tratavam por manos, e sempre amigos.
Entre a Lucinda e o Ângelo, havia por vezes umas birras.
Os castigos que a mãe lhes dava, era prende-los com uma linha,
aos pés da máquina da costura durante algum tempo. O qual eles
tinham todo o cuidado para não partirem a linha. Os castigos do pai,
era mandá-los sentar todos e não se levantarem sem ele mandar.
A maior parte das vezes, saía e não se lembrava mais das
ordens que tinha dado e era então a mãe que lhes dava licença para
se levantarem.
A tal pequena de quem falo é Guilhermina, mas como já
disse no sexto capítulo, eram tratados pelos diminutivos, portanto
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esta era a Guilhezinha, que assim sempre foi chamada. Nunca se
lembra de ter sido castigada por seus pais, os quais lhe diziam que
não se lembravam de lhe fazer observações por qualquer maldade.
Havia um pormenor dela. Quando estavam todos à mesa
nas refeições e se ouvisse qualquer coisa de estranho na rua, todos
se levantavam para ir ver, mas ela nunca saia da mesa sem acabar
a refeição. Então a mãe, por graça, dizia: “Estou descansada
porque os gatos nunca vão à mesa, porque fica lá sempre uma
guarda”.
Gostava muito de brincar com bonecas e caqueirinhos,
chamava-se nesse tempo, às loucinhas de barro.
A mão deitava muitas galinhas para terem pintos. Quando
eles eram muito pequeninos, que ainda não saiam debaixo da
galinha, ela gostava muito de os ter na mão, mas apertava-os tanto
que eles morriam. Ia então a chorar dizer à mãe que ele já não sabia
andar. Contavam-lhe essas coisas, por lhe acharem graça.
Diziam também que em muito pequenina, inventava histórias.
Uma delas, era dizer que se lembrava muito bem do casamento da
mãe e inventava peripécias que só parecia ter visto. E então por
várias vezes pediam-lhe para ela contar essa história, o que ela
dizia, lembro-me…, lembro-me que foi assim…, vinham a cavalo em
cavalos pela Serra abaixo e muita gente a acompanhar a cavalo em
burros…. E todos achavam imensa graça de ouvir ela dizer isto.
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IX Capítulo
Chegou a idade da escola, nessa altura já as irmãs tinham saído da
escola com a quarta classe. Nesse tempo as escolas não eram mistas.
Mas como a professora das meninas era muito amiga dos pais,
deixou ir para lá o irmão Ângelo, portanto já lá estava à mais de 1
ano quando ela entrou.
A escola era a 5 quilómetros da Cadriceira, a aldeia onde
vivia, iam a cavalo em burros e um empregado ia levá-los. Ficavam
então em casa da professora de segunda a quarta-feira, e de sexta
a sábado. A professora não tinha filhos e era muito amiga deles. Na
escola nunca foi castigada e muito amiga de todas as colegas.
A professora dava exemplos dessa menina às outras alunas, o
que ela se sentia envergonhada e não gostava que lhe desse
superioridade perante as outras.
Nesse tempo, nas escolas faziam-se trabalhos manuais,
rendas, tricô, costuras, etc.. A professora dava umas tarefas, ou seja,
um espaço de tempo para fazer qualquer desses trabalhos e quem o
fizesse em menos tempo, aumentava-lhes a nota. Pois essa menina,
acabava sempre antes do tempo marcado, mas nunca era a primeira
a apresentar o trabalho. A professora dizia: esta menina foi a primeira
a acabar e ainda fez mais qualquer coisa, não veio entregá-lo, mas
eu vi, e dava-lhe uma nota maior.
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Como já disse, o irmão Ângelo já lá andava à um ano, mas
ela adiantou-se e passou-lhe à frente nas lições. A professora, o
castigo que dava ao irmão, era quando ele tivesse mais erros do que
a irmã, fazia com que ele lhe beijasse a mão. O que a irmã chorava
e não queria, só queria os beijos na cara. Passado algum tempo veio
uma professora para a escola de rapazes e o irmão então saiu para
a outra escola. A professora da pequena chama-se Laurinda e a do
rapazes era Alexandrina, mais adiante contarei o que se passava com
estas professoras. A D. Laurinda, fazia uma comida muito bem feita
e a pequena pedia-lhe para a ensinar a fazer umas certas comidas
que ela gostava muito e a senhora ensinava-a de boa vontade. A
pequena quando ia a casa, pedia à mãe para a deixar fazer certa
comida, que embora a senhora lhe tenha ensinado, a mão deixava-a
fazer e por fim todos gostavam. Fazia também alguns doces, lembrava-
-se de uma sopa de feijão, engrossada com farinha de milho que era
uma delícia.
Há um outro pormenor que vou contar. Todos os irmãos eram
muito louros e de olhos azuis muito claros, ela era a única mais
morena e de olhos castanhos. Então o pai, chama-lhe sempre a
minha preta. Era um pai muito amigo, nunca se ia deitar sem ir beijar
todos os filhos que já dormiam.
A pequena tinha bronquite e por vezes muita tosse.
No caminho da escola, há uma quinta chamada Quinta do
Majapão, pertencia a uma Senhor Doutor Lucas, muito amigo dos
pais e médico da família. Ele estava lá muitas vezes, houve alturas
26
em que a pequena passava e ele a ouvi-la tossir. Mandava um
empregado ao caminho chamá-la e dizia-lhe: “a menina com essa
tosse não pode ir para a escola, eu mando-a pôr em casa e vai uma
das minhas filhas consigo, que eu depois vou lá buscá-la e medicá-la”
e assim era. Isto sucedeu várias vezes. Era uma das famílias com
quem conviviam muito, passavam muito tempo em casa uns dos
outros. Eles viviam em Torres Vedras, mas passavam muito tempo
na quinta, que fica a dois quilómetros da casa da pequena. Por isso
todos os dias se juntavam. Embora a casa fosse numa pequena
aldeia, era muito bem frequentada. Por muitos amigos que gostavam
imenso de lá estarem.
Ainda não disse, que a escola onde andavam, era no Turcifal,
sede de freguesia, concelho de Torres Vedras.
A D. Alexandrina, professora dos irmãos, era solteira.
A mãe da pequena, de quem falo, foi cumprimentá-la e disse-lhe
que gostaria que ela fosse ao sábado com os pequenos e passasse
lá também o domingo. O que ela aceitou pois não conhecia ninguém
no Turcifal, ela era de Lisboa, onde vivia toda a família. Gostou muito
de lá estar, que continuou a ir lá muitas vezes. Quando a família
dela a vinha visitar, levava-a sempre à Cadriceira para os apresentar
aos pais dos pequenos e assim se fez uma família muito convivida
e amiga. A Alexandrina tinha dois irmãos casados, uma Guilhermina
e um Manuel. A Guilhermina tinha três filhos, ainda se lembra que
um chamava-se Edilberto e outra Ivone, o outro não se lembra. Mas
tinham uma Celeste, que era enteada e andava na escola com a
27
pequena de quem estou falando. Eram muito amigas. Ela estava
sempre com a D. Alexandrina, a quem tratava por tia. Nas férias
passava muitos dias em casa da amiga.
Ela tinha um irmão, filho da madrasta, era marrequinho e
com 4 anos, ainda não andava. Nesse tempo era muito aconsehado,
banhos de mosto, que é o vinho acabado de espremer a uva e a
começar a fermentação.
Então, a mãe da tal Guilherzinha, disse-lhes para levarem
para lá o pequeno a fazer esses banhos. Foi então a avó com
ele. O que é certo é que ao fim de uns tantos banhos, o pequeno
começou a andar. Ficaram tão reconhecidos e amigos, que nunca
se esqueceram da família da Cadriceira. Ainda há mais episódios a
contar desta família, que direi mais adiante.
28
X Capítulo
Fez a quarta classe e não estudou mais. Já assim as irmãs
tinham feito o mesmo. Os pais tinham duas empregadas domésticas.
Era uma casa de lavoura com seis filhos, havia muito trabalho.
Mas quando as irmãs saíram da escola, a mãe que era uma boa
educadora, despediu uma das empregadas e pôs as filhas, uma
cada semana, nos serviços da casa, com as suas obrigações, e a
que melhor fizesse os trabalhos na sua semana, era recompensada.
Escusado será dizer que quando saiu da escola, quis ter as
mesmas obrigações das irmãs e então o trabalho foi dividido pe-
las três, uma nos quartos, outra nas roupas, e cozinha a auxiliar a
empregada, alternadamente uma cada semana. A tal pequena não
queria ficar mal perante as irmãs e não se negava a nada, mas tinha
sempre umas ideias diferentes das irmãs. Por exemplo, ia para o
jardim e por vezes até fazia umas paredezinhas com pedra, areia e
cal, que todos gostavam de ver aquele trabalho. O pai tinha quase
sempre permanente um carpinteiro em casa. Ela com os utensílios
dele, também fazia qualquer coisa em madeira, prateleiras, banquin-
hos. Também chegou a fazer casinhas para os coelhos e galinhas.
A mãe comprou-lhes uma boneca do tamanho de uma criança
de 3 anos, pouca mais ou menos, para elas fazerem todas as peças
de roupa, era para dar a crianças pobres desse tamanho.
Assim como faziam também em tricô e meias com 5 agulhas.
Mas a tal menina inventava sempre coisas diferentes que
29
todos achavam graça. E assim vestiram muitas crianças, tinham
sempre pano às ordens para fazerem o que quisessem, pois o pai
comprava sempre tudo às peças.
Houve uma altura em que a mãe foi a Lisboa, para casa da
irmã Maria Antónia, que vivia lá. Esteve lá uns dias a tratar da boca.
O irmão mais novo pediu-lhe se ela lhe fazia umas calças compridas.
Ela disse: “vou ver se sou capaz” e desmanchou uns calções dele e
cortou as calças compridas numa bombazina que lá havia.
Fê-las com os respectivos bolsos, não lhe faltando nada.
O irmão ficou muito contente e todos acharam muita graça,
pois nenhum ainda usava calças compridas. O pai quando viu o
pequeno com as calças, achou tanta graça e perguntou-lhe:
- Quem tas deu?.
- Foi a mana que fez!.
- O quê? A minha preta!.
Era assim que o pai a tratava, por ela ser a mais morena, e
deu-lhe muitos beijos, e disse: A mãe vai gostar muito quando vier
cá ver esse trabalho! E realmente gostou.
Depois disso, desmanchava camisas dos irmãos e fazia
também novas. O que gostava era de fazer tudo às escondidas,
fazia sempre surpresas.
Aos 12 anos, teve um ataque de reumático, que ficou tol-
hida na cama. O médico mandou-a ir para as Caldas da Rainha
para banhos. De maneira que a mãe foi com ela, durante três anos
seguidos. Curou-se e nunca mais teve reumático, assim como curou
30
também a bronquite. O que o médico ficou admirado, nunca pensou
que os banhos das Caldas, também curassem bronquites.
Quando estava nas Caldas da Rainha, os pais alugavam
uma casa e era a dona da casa que fazia a comida. Ainda se lembra
da casa, que ficava ao cimo do Jogo da Bola. Ia sempre ela e mais
dois irmãos, embora eles não precisassem de tratamentos. O pai ia
sempre ao sábado com os outros irmãos e passava lá o domingo.
A dona dessa casa foi mais uma amiga da família Botelho, e por
muitos anos.
Como já disse, os pais tinham famílias muito boas como
amigas, em Torres Vedras, na Ribaldeira, em Pêro Negro, no Turcifal
e em Lisboa.
O pai gostava sempre de fazer festa nos aniversários dos
filhos, que a mãe de muito boa vontade fazia e convidavam sempre
muitos amigos. Assim como também gostava que se fizesse festa no
aniversário dele. Então ela conta como era essa festa.
Como já disse, a Cadriceira é junto à Serra do Socorro, onde
em 5 de Agosto, há sempre uma grande romaria à festa de Nossa
Senhora do Socorro. Vão pagar promessas, há missa, procissão e
muita coisa a vender. Existem lá umas casas para as confrarias, com
cozinha para quem queira fazer comida, e duas salas grandes com
mesas.
Ora o pai dessa menina, fazia anos no dia 7 de Agosto. Aqui
representa a paciência e boa vontade da mãe. Era então lá que se
fazia a festa dos anos do pai. Para se levarem as coisas para lá,
31
era com burros e com carros de bois. O pessoal que trabalhava na
casa é que levava tudo lá para cima, não faltando nada. Toda a loiça
competente para servir vários pratos de comida e doces, vinhos e os
competentes copos. Não faltando o champanhe e as competentes
taças. Nesta festa chegou a juntar 130 pessoas, parece história,
mas é verdade.
Todo o pessoal que trabalhava na casa, nesse dia, também
comiam da boda e era feriado para eles. Na fogueira de Santo
António, também se fazia uma grande festa. Ia muita gente,
principalmente, de Torres Vedras e até havia fogo de vista. A mãe
mandava fazer alguideiradas de filhoses para toda a gente.
Esqueci-me de dizer que na festa dos anos do pai, o prior da
freguesia era também convidado e havia missa e tocava um tocador
de harmónio.
A respeito de inventar coisas, lembra-se deste pormenor; de
noite pensava o que havia de fazer. Havia muitas coisas e uma de-
las, foi esta: Tinha um chapéu de veludo de seda cor de cereja, que
tinha sido comprado em Lisboa, estava na montra de modelo e tinha
vindo de fora. Era realmente muito bonito e tinha sido comprado para o
casamento da irmã Lucinda., que casou com 19 anos.
Passado tempo, o chapéu, embora bonito, já estava muito
visto, pois naquele tempo quando se saía, ia-se sempre de chapéu.
Ela pensou em desmanchá-lo e fazer dele uma boina. Ele era de
abas, todas pregueadas, de maneira que tinha muito tecido. Certo é
que fez uma boina com uns apanhados que ficou muito bonito.
32
E quando todos a viram com ela, diziam que bonita boina, onde foi
que a comprou, nunca vimos uma boina assim. Quando dizia o que
tinha feito. Diziam logo: “Logo vi, isto só da Guilherzinha!”.
Uma das amigas Lucas, tinha um concerto com o Viana da
Mota, o professor de piano delas e pediu-lhe emprestada a boina, o
que ela emprestou com a melhor vontade. Tiveram uma mocidade
maravilhosa.
Em Torres Vedras tinham a família Lucas e a família Costa,
com quem tinham uma amizade como irmãos. As irmãs Costa até
tratavam o pai dela por pai Ângelo, que era compadre do pai Costa.
Passavam muitos dias em casa umas das outras, por vezes até
havia ciúmes, se estavam mais dias em casa duma, do que nas
outras.
No verão iam para Santa Cruz com a família Costa, onde
se divertiam imenso. Durante o ano, quando havia festas em
Torres Vedras, eram sempre convidadas a irem para lá, onde havia
um casino, o único que frequentavam.
Pelo Carnaval, faziam uns assaltos com grandes grupos
de famílias amigas, muito bem organizadas. Lembra-se que para
um desses assaltos, foi cedida uma sala nos Cucos, onde faziam
festas na época das termas. Também se lembra que as estradas
nesse tempo estavam cheias de buracos e para lá também havia
muitos.
O Senhor Ângelo mandou um carro de bois, cheio de molhos
de vides, para por nesses buracos para os carros conseguirem passar.
33
Nesse tempo a maioria dos carros, eram trens puxados por
cavalos. Por isto, devem calcular as festas que se faziam.
Em Pêro Negro, tinham a família Simões, também uma família
muito íntima, também compadres do pai Ângelo. Ali também faziam
festas muito boas, só entre famílias amigas. Na Ribaldeira, havia a
família Miranda, com quem nos visitávamos. No Turcifal, tínhamos a
família Abreu e mais outras, isto só para dizer que eram as principais
famílias da terra, com quem convivíamos.
Passaram-se alguns pormenores, dignos de descrever, mas
diz o que mais lhe vem à memória.
Como tem dito, o pai era muito obsequiador. Não ia ninguém
lá a casa, que ele não oferecesse comida. A mãe também estava
sempre pronta para receber. Tanto mais que era uma casa, que
não faltava nada, estava sempre prevenida. Havia sempre carne
de porco preparada para comer na banha, tinha galinhas, patos,
coelhos, cabritos, borregos sempre às ordens para matar em
qualquer altura, por isso nunca se atrapalhava. As filhas que tiveram
um bom exemplo e ajudavam a fazer de tudo.
À medida que vou escrevendo, vêm à memória coisas. Mais
uma!.
Em Torres Vedras a água era muito má. O pai como ia muito
a Torres, levava sempre água da Cadriceira, para vários amigos,
porque é uma água muito boa. Assim como iam muitos amigos lá
buscar água. O Doutor Juiz, por vezes ia lá, mas ia primeiro ao
Senhor Ângelo, que mandava um empregado encher as vasilhas e
34
ficava a conversar com ele. Um dia, eram horas de almoço e o pai
disse-lhe:
“O Senhor Doutor vai almoçar connosco?”. Ele aceitou.
A Mãe nesse dia ficou um bocado atrapalhada, pois tinha para o
almoço açorda com peixe frito e foi isso mesmo que foi para a mesa,
mas pediu desculpa do almoço que ia dar. O certo é que ele gostou
muito da açorda. Foi dizer à senhora dele que nunca tinha comido
uma açorda tão boa e gostava que ela pedisse a receita, o que ela
fez. Mas ali e segredo maior era o pão caseiro de que era feita a
açorda. Embora a mãe tivesse várias maneiras de fazer açorda,
realmente cozinhava muito bem.
Na Melroeira, também freguesia do Turcifal, havia uma
família de um Senhor Maximiano, também compadre do Senhor
Ângelo e muito amigo. Era moleiro, tinha moinhos e azenhas para
moer o cereal. Era uma boa casa, viviam muito bem e iam muito lá a
casa.
O senhor não sabia ler.
Um dia disse: eu queria dizer uma coisa, mas como não sei
escrever, peço a uma das meninas para escrever o que vou dizer.
E assim foi.
É o que aqui está escrito, o que ele nos disse:
35
Um jardim com três flores;
Eu aqui vim encontrar.
Respeitem sempre seus pais,
Que nada lhes há de faltar.
O respeito e a humildade,
Garante todo o valor.
De dentro se são de amor,
De modo amabilidade
D’olhos resplendor.
Amar os seus superiores,
Foram eles que lhe deram o ser.
Por isso gostam de ter,
No seu jardim três flores.
Imitem sempre sua mãe,
Que é de grandes valores.
Que são premiadas no bem,
Por isso goza de as ter,
No seu jardim três flores.
A Quinta do Calvel, no concelho de Torres Vedras,
pertencia a um Senhor António Agostinho, que era também
compadre do pai Ângelo, padrinho do irmão António.
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Tinha três filhas: Adelaide, Rosa e Maria.
Era uma das maiores casas do concelho.
A Maria casou com o Doutor Lucas, Adelaide casou com
Filipe de Vilhena e a Rosa com o Doutor Raul de Andrade. Toda esta
família era visita amiga da família Botelho e reuniam-se muitas
vezes. A iluminação era com lampiões a carbureto, pois tinha que
haver boas luzes para o lagar de azeite, que quando começava a
trabalhar, não parava de noite e de dia.
Havia nas Barras, concelho de Mafra, um Senhor Eduardo
Barros e Vasconcelos, íntimo amigo da casa. A Senhora era Dona
Sofia e tinha a idade do pai Ângelo, era muito espirituosa e acompahava
sempre a mocidade para toda a parte. Faziam-se piqueniques, a
cavalo ou em burros e ela ia sempre. E também organizavam
festas nas Barras e numa quinta que tinham chamada Póva, onde
se divertiam imenso.
Ao lerem isto, devem pensar!. Será possível que pudessem
receber tanta gente numa casa particular?. Sim, foi uma realidade. Ela
conta onde se reuniam para fazer os grandes banquetes. O lagar de
azeite era pegado à residência, tinha comunicação por dentro. Era então
aí que se improvisavam mesas à volta do moedor da azeitona,
que era muito grande. Fazia-se a mesa, portanto uma grande mesa
redonda e também se improvisavam os assentos.
Na verdade, havia muitos auxiliares. A tal prima Ângela, de
quem falou, que viveu há muitos anos e tinha menos quinze anos
do que o tio Ângelo. Era uma pessoa muito habilidosa, sabia fazer
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de tudo e receber muito bem as pessoas. Era então uma grande
auxiliar da mãe e tinha uma consideração imensa por esta tia. Por
vezes era também na adega que se faziam as patuscadas. Era
também ligada à casa, ligada por dentro. Como vêem havia espaço
para tudo e não havia frigoríficos, mas havia estufa, que era o forno
de cozer o pão, que conservava tudo quente, antes de ir para a
mesa.
Agora estava na altura do irmão Ângelo ir para a inspecção.
O pai, com os amigos que tinha, tinha todas as possibilidades de o
livrar, mas o Senhor Avelino Simões, que era o padrinho, disse:” eu
é que o quero livrar! “.
O Ângelinho foi à inspecção e ficou apurado!. Ora, o padrinho teve
um grande desgosto, como se deve calcular. Agora a ida dele para
a tropa. Assentou praça em Vila Franca de Xira e foi a mãe com
ele. Foram para uma pensão, onde ele ia dormir e comer, até ir
para Lisboa, o que o pai tratou logo e pouco tempo esteve em
Vila Franca. Veio para Lisboa para casa da tia Maria Antónia, onde
dormia e comia, nunca ficou nem dormiu no quartel. Começou a
ter convivência com os sargentos e começou então a ter muitas
licenças para ir a casa.
Houve uma altura em que houve uma parada militar em
Lisboa e mesmo nessa altura, teve licença para ir a casa. Ia e vinha
de comboio até Torres Vedras, onde estavam sempre à espera dele
com uma charrete. Na altura em que ele ia para o comboio, era já
de noite e encontrou um automóvel empanado. Parou e foi saber se
38
precisavam dalguma coisa. Qual foi o seu espanto, que deu com um
coronel e um capitão. Eles disseram-lhe:
“Estamos aflitos, pois não podemos faltar amanhã no
quartel e não podemos ir para a estação”.
Ele disse-lhes:
“Eu levo-os na charrete, também vou para o comboio!”.
Aceitaram, mas o Ângelinho teve que ir a pé pois a estrada
era muito má. Ele dizia ao irmão Antoninho:
“ Olha esse buraco! “.
Quando chegou à estação, como ele ia fardado, perguntaram-lhe:
“ Em que quartel estás?”.
Ele disse onde estava e disseram-lhe:
” À então já lá tens padrinhos, para estares aqui neste dia!”.
E perguntaram-lhe ainda se não haveria ali onde se comprasse tabaco.
Ele deu-lhes um maço de cigarros e não quis nada por ele. Mas,
ficou com um certo receio que eles o castigassem. O coronel contou
à senhora o que lhe tinha acontecido e ele disse: tens que mandar
saber quem é ele e manda-o cá a casa. Ele então mandou um praça
saber se lá estava um militar, que o tratavam por Angelinho e tinha
um irmão Antoninho, só isto ele sabia. Mas havia lá um militar que
era de uma aldeia perto, e disse:
“ Há, esse deve ser filho do Senhor Ângelo da Cadriceira” e
assim o encontraram e deram o recado. Ele com receio que fosse
castigado, escreveu à mãe para ir com ele, e assim foi.
Quando foram a casa do Coronel, ela agarrou-se a ele aos
39
beijos e entraram.
Eles disseram estarem muito reconhecidos com o que ele
tinha feito, Tinha ainda o maço de cigarros no cofre, como recordação
e disse: Eu livrava-te, mas como já te falta tão pouco tempo, acho
que já não vale a pena e deixar de ter de pagar a taxa militar e até lá
não te deve faltar nada, até queriam que ele fosse ficar a casa.
Depois disso, começou essa família a ir lá a casa, tinham
uma filha casada e um filho capitão. A filha tinha uma miúda que
chegou a estar lá dias ,gostava muito daqueles ares.
A tal Guilherzinha e a irmã Marquinhas, também iam lá passar
dias e gozavam muito com eles, passeavam. Foi nessa altura que
começaram a conhecer toda a Lisboa e arredores.
Levavam-nas aos teatros, cinemas e a óperas no Teatro de São
Carlos. Embora elas não apreciassem óperas, é digno de se ver o
teatro que é lindo, a assistência toda de gala. Nessa casa faziam
toilettes para levar lá e nunca ficaram mal vistas. Isto passou-se
muitos anos com esta intimidade, até que foram desaparecendo as
pessoas.
40
XI Capítulo
Aqui começa novo episódio.
O irmão Ângelo estabeleceu-se em Sintra, com um armazém de
vinhos, onde arranjou muitos amigos e os levava a casa dos pais.
Foi então que a tal Guilherzinha arranjou namoro com um amigo do
irmão, chamado Diogo Lopes Baeta, de Sintra.
Começou o namoro no dia 13 de Junho, dia de Santo António.
Como ele era de bastante longe, só lá ia de mês a mês.
Tinha de ir de comboio até Torres Vedras e depois alugava
um trem até à quinta, que fica a 10 quilómetros do comboio. Também
não havia muitos comboios, de maneira que tinha que ir a umas
horas para tomar uma refeição. E lá na aldeia não havia nada onde
ele pudesse ir comer.
Os pais da pequena, embora não concordando muito bem,
em vistas de serem namorados, pensaram que a única coisa que
tinham a fazer, era convidá-lo para a almoçar, ou jantar, conforme a
hora que fosse.
E assim foi, namoraram 4 anos e durante esse tempo, ela
fez o seu enxoval, que foi todo feito por ela. Até que chegou o dia do
pedido de casamento. Os irmãos não queriam pensar, que ela saísse
lá de casa. Faziam-lhe então muitas observações. Por exemplo:
“Olha que vais para muito longe!, não conheces lá ninguém!”
Ela dizia:
41
“Deixem lá, é este o meu destino!”
No dia do pedido, o pai disse aos empregados:
“Hoje, vai-me acontecer uma coisa, que eu preferia partir uma
perna. Então o que é Patrão?. Vou dar a minha querida Guilherzinha!”.
E por azar, nesse mesmo dia parte uma perna. Estava
tudo combinado, não houve possibilidade para adiar. E teve que
dar a filha mesmo na cama. Então, dizia ele com o seu bom humor:
“Eu não queria dar a minha filha, e tive de a dar e partir a
perna!”.
O casamento realizou-se no dia 13 de Março de 1933. No
almoço desse dia, estavam 13 pessoas à mesa. Houve alguém que
advertiu que estavam 13 pessoas à mesa, e ela adisse:
“Não pensem nisso que o 13 também dá felicidade”.
E para não ficar por aqui, no casamento iam 13 carros e o
carro dos noivos começava com o número 13.
E assim se realizou o casamento. Foram sempre muito felizes.
Tiveram 2 filhos, Jacinto e Diogo, com 13 meses de diferença um
do outro. Tratavam-se sempre e tratam-se sempre por irmãos. São
tratados pelos irmãos Baeta.
Portanto, esta aqui escrita a vida até ao casamento, daqui
para a frente, já todos sabem, já não vou ser eu a descrevê-la.
Casou em 1933, enviuvou em 1979, teve 46 anos felizes.
A não ser um pormenor, que achei extraordinário e por isso
também aqui fica escrito. Como já disse, começou o namoro a 13,
casou num dia 13, teve nesse dia ao almoço 13 pessoas à mesa,
42
no casamento iam 13 carros, o carro dos noivos começava com o
número 13. Os filhos têm 13 meses de diferença. Teve na família
13 pessoas: 2 filhos, 2 noras, 7 netos, pai e mãe, cá estão os 13. O
primeiro prédio que o marido comprou, tem o número 13 na porta.
Abriram o supermercado, por coincidência num dia 13. Ora vejam,
se não é digno de se dizer isto!.
Acabei este diário no dia 13 de Maio de 1981, no dia de
Nossa Senhora de Fátima e no dia do atentado ao Papa, na Praça
de São Pedro, com 3 tiros, que graças a deus, segundo dizem, está
livre de perigo.
Espero que quem leia este diário, que acreditam, que tudo
que aqui se diz é uma verdade.
E mais esta surpresa, nunca pensei que acabasse isto, neste
dia, e só agora reflecti.
Sintra, 13 de Maio de 1981
Guilhermina da Purificação Botelho Baeta
43
(Tivemos um vida muito feliz, durante 46 anos. Até que nos bateu
à porta, inesperadamente, uma grande infelicidade, a perda de um
neto com 17 anos, a 1 de Outubro de 1977. Acabou-se a verdadeira
alegria.
Passados 2 anos, a 17 de Abril de 1979, faleceu meu querido
marido subitamente. E assim fiquei, recordando apenas tudo).
Nota: A descendência dos irmãos Botelho.
Todos casaram e tiveram filhos, à excepção da irmã Marquinhas, que
viveu toda a sua vida na Quinta de Santo António. A irmã Lucinda
teve 5 filhos: José Manuel, Maria Clara, Maria da Conceição, Abel e
Maria das Dores. O irmão Ângelo teve uma filha: Maria Isabel.
A Guilherzinha teve dois filhos: Jacinto José e Diogo. O irmão
António teve um filho: Ângelo.
O irmão José teve 3 filhos: Maria Guilhermina, José Maria e Carlos
Manuel.
Os netos destes irmãos, foram ao todo 27 e os bisnetos, devem ser
já mais de 40.
44
Poesia
I
Porque partiste Diogo?
Quem me dera ir contigo!
A vida não tem sentido,
Quando se perde o maior amigo.
Ninguém morre por desgosto,
Isto é uma grande verdade!
Mas quando o amor está morto,
Já não há felicidade.
É muito difícil viver,
Com o desgosto que sinto!
E aos outros não quer fazer,
Mostra aquilo que sinto.
Deste-me uns bons filhos,
Noras, netos bons também.
Com eles não há sarilhos,
E não te esquecem também.
45
Partiste sem sofrimento!
Deus sabia que o merecias.
Na vida sofreste momentos,
Mas partiste como querias.
Tudo isto que digo,
Me sai do coração.
O pensamento contigo,
Não há separação.
O que se passou contigo,
Muito fica por dizer.
Foste um marido amigo,
Um pai melhor não pode haver.
Todos devem ter orgulho,
Foste um sogro ideal.
Sem haver um só barulho,
Como avô não há igual.
Deus te tenha num bom lugar,
O que peço todo o dia.
Quando vou rezar,
À Virgem Santa Maria.
46
II
O que fica dito!
Assim não me sinto só,
Com a ideia disfarçada.
Embora não fazendo óó,
Estou sempre acompanhada.
Comecei com um diário,
Falando da minha família.
Acho mesmo extraordinário,
Quando no fim isso lia.
Pois tudo foi verdade,
O que ali se escreveu.
Viveu-se essa realidade,
E nunca isso me esqueceu.
Depois disso não parava,
E deu-me para escrever.
Em quadras o que pensava,
O que à frente podem ler.
47
III
Quadras dedicadas ao António José
Quando me sinto isolada,
O pensamento não pára.
Pareço estar acompanhada,
Por alguém que me ampara.
O meu neto António José,
Que tudo e muito aprecia.
Disse-me com muita fé,
Continue, que eu assim queria.
Para ele eu vou dizer,
Não é poeta quem quer.
Nem aquele que o quer ser,
É o que aparece sem se saber.
À noite para adormecer,
O meu terço vou rezar.
O sono não quer aparecer,
Vem uma quadra em seu lugar.
48
Não sei o que me inspira,
Nem instrução eu tenho.
78 anos ninguém mos tira,
e sou pequena de tamanho.
É uma e vinte da noite,
Isto aqui eu digo.
Oh sono para onde foste,
Que não queres estar comigo.
Há coisas que aparecem na vida,
Sem ninguém as procurar.
E na verdade foi vivida,
E parece história a contar.
O treze para mim é tesouro,
Tem muito que se lhe diga.
Foi a treze que comecei o namoro,
Com quem fui sempre muito amiga.
Para dizer a verdade,
É sempre do meu contento.
Eu digo ao António José,
A treze foi o casamento.
49
Houve almoço concerteza,
Com muita naturalidade.
Alguém diz: há treze à mesa,
O treze dá felicidade.
Chegou a hora da partida,
Para se irem casar.
Treze carros na corrida,
Por isso não há azar.
Tudo isto se encontrava,
Sem ninguém o procurar.
No carro dos noivos, o número treze lá estava,
Para tudo bem acabar.
Ainda mais coisas apareceu,
Sempre na minha presença.
Dois filhos que Deus me deu,
Com treze meses de diferença.
Assim sempre continuei,
Com muita paz e amor.
Na família treze pessoas completei,
Que tudo agradeço a Deus Nosso Senhor.
50
Houve a compra de um prédio,
Como foi o negócio não importa.
Comprou-se não havia outro remédio,
Por fim, treze lá estava na porta.
O que é que todos dirão,
Depois disto acabado.
Eu digo com muita razão,
A treze abriu o supermercado.
Assim vou acabar,
Com o treze no final.
E a todos fazer lembrar,
Que isto foi tudo real.
51
IV
Viagem ao Gerês
Na viagem um lindo dia,
Parece que se escolheu.
Pois nada se previa,
Que a seguir todo o dia choveu.
Mas ninguém desanimou,
Todos estavam alerta.
Um passeio se organizou,
A São Bento da Porta Aberta.
No mesmo dia a chover,
Não estava nada desanimada.
Ainda fomos ver,
A Barragem da Caniçada.
O que eu faço vou dizer,
Que até mete dó.
Beber, dormir e comer,
E jogar o dominó.
52
A Deus vou agradecer,
Pela chuva acabar.
Para o parque poder ver,
Que tem coisas de encantar.
No parque Tude de Sousa,
O Rio Homem a passar.
Quedas de água, linda coisa.,
No lago, gaivotas para andar.
Um arvoredo de encantar,
Piscina boa para nadar.
Cavalos para montar,
Muitos bancos para descansar.
Embora muito visitado,
Só os banhistas podem entrar.
Sempre muito asseado,
É um regalo lá entrar.
Na mata nacional,
Lindas vistas pelo caminho.
Um arvoredo colossal,
Até à Barragem Vilarinho.
53
Tudo sito fomos ver,
Numa tarde inteira.
Contar tudo, não pode ser,
Fomos até à fronteira.
Aqui não há pássaros nem aves,
Mas há lindas miragens.
Fomos também a Chaves,
Sempre vendo barragens.
Devemos ter vaidade,
Disto tudo afinal.
Não há país na realidade,
Como o nosso Portugal.
54
V
Parabéns Ana Guilhermina
No dia 21 de Julho.
Estávamos no Gerês,
Quando nos diz o filho,
Foi uma menina que veio desta vez.
Deu-nos muita alegria,
Pois cinco meninos tínhamos,
Nem verdade nos parecia
O que pelo telefone ouvíamos.
A desejada menina,
Como se irá chamar,
É a Ana Guilhermina,
Que acaba de chegar.
Hoje venho dar parabéns,
Pelas catorze primaveras,
Pelo tamanho que tens
E também por estares de férias.
Praia da Maçãs, 21 de Julho de 1981
55
VI
O que eu fui
O que eu fui quero dizer,
Sem nada ignorar,
Embora pequena ser,
A tudo gostava de chegar.
Eu consegui por fim,
Ter um bom companheiro,
Eu sempre dizia sim,
Ele nunca dizia não.
Se me pedissem qualquer coisa,
Sempre fazia por o fazer,
Digo para que oiça,
Que o fazia com prazer.
Embora não fosse bem feito,
Fazia por imitar,
Nem para tudo tinha jeito,
Mas fazia por agradar.
56
Sempre gostei de ter,
Tudo no seu lugar,
Digo e podem crer,
Nunca fiz ninguém esperar.
Isto não é para me gabar,
Pois não quero ser diferente,
Nunca fui de me zangar,
Com ninguém da minha gente.
Nunca posso esquecer,
O meu querido companheiro,
Que hei-de sempre ter
No pensamento, o primeiro.
Os filhos dão-me carinho,
Que me é enternecedor,
Mas dou-lhes pelo mesmo caminho,
Uma mãe com muito amor.
Tenho uma família ideal,
Que me dá muito prazer,
Como ela não há igual,
No mundo que se está a viver.
57
Na verdade nunca pensei,
Que tivesse este jeito,
Como dizer não sei,
Como isto apareceu feito.
Foi em 1980 que tudo mudou,
No pensamento apareceu,
Isto que agora lhes dou,
Que não tinha e que nasceu.
Nunca me faltou nada,
Nem nunca fui exigente,
Sempre fui respeitada,
E conheci muita gente.
58
VII
As aldeias da minha freguesia
Vou ver qual a maneira,
De dizer o que eu queria,
Nasci na Cadriceira,
Turcifal minha freguesia.
Melroeira também é,
Que eu conheço muito bem,
Que fica quase ao pé,
Da freguesia também.
Casal de Barbas é perto,
Da mesma freguesia,
É mesmo muito certo,
Onde eu muito ia.
Povoação do Carvalhal,
Onde minha irmã vive,
É perto do Turcifal,
Onde muitas vezes estive.
59
Catefica tem que se passar,
Para ir aonde eu vivia,
E assim estou a pensar,
Nas aldeias da freguesia.
Passa-se à Mujedeira,
Onde também muito ia,
É perto da Cadriceira,
E da mesma freguesia.
Semineira havia padre,
E uma família amiga,
De quem meu pai era compadre,
É da freguesia, é preciso que se diga.
O lugar de Almeirinho,
É também da freguesia,
Uma lugar engraçadinho,
Onde boa gente vivia.
Têm nomes esquisitos,
Onde vive gente bela,
Têm belos recantos,
E todos têm capela.
60
Eu queria isto dizer,
E aqui ficaram escritos,
Para os netos saber,
Estes nomes esquisitos.
E era aqui afinal,
Que vivia a família Botelho,
Freguesia do Turcifal,
Torres Vedras o concelho.
VIII
61
Fado
Enquanto o sono não vem,
Vou desviar o pensamento,
Agora isto me vem,
O que escrevo neste momento.
Vou falar do fado,
Que muito tem a dizer,
Embora pouco falado,
Ninguém o deve esquecer.
A todos os nossos fadistas,
Não há defeitos a por,
Memso cantado em revistas,
Seja ele por quem for.
Ninguém diga o contrário,
Do que aqui fica dito,
Ora vejam o fado Hilário,
Como ele é bonito.
62
Para o que me havia de dar,
Quando estou acordada,
Para do fado falar,
Com a sua guitarrada.
Cantar o fado corrido,
Que é muito apreciado,
Ele será sempre querido,
Se ele for bem cantado.
Uns com vozes finas,
Outros com vozes roucas,
Era cantado em cantinas,
Em casa reais, e não poucas.
O fado é sempre apreciado,
Cantado em qualquer momento,
Até mesmo o fado falado,
Ou cantado ao sentimento.
O fado à desgarrada,
Que ao desafio é cantado,
Com a sua guitarrada,
É também de muito agrado.
63
E o fado fadista,
Com o seu boné ao lado,
E quando se bem vista,
Veja se não é engraçado.
Com ele se dizia,
A vida de muita gente,
Onde alegria não havia,
Mas cantavam lindamente.
Vão para vários países,
Os fadistas portugueses,
E se querem ser felizes,
É para onde vão muitas vezes.
A mocidade de agora,
Pouco ou nada é apreciado,
Do que se passou outrora,
Por isso não ligam ao fado.
A pouco e pouco desapareceu,
O lindo fado afinal,
Mas pouca gente esqueceu,
que é tradição de Portugal.
64
IX
Não nos devemos revoltar
Não nos devemos revoltar,
Com o que na vida aparece,
Temos que nos conformar,
Embora o que nunca esquece.
A vida foi sempre assim,
A todos que no mundo viveu,
Se olharem para mim,
Uma revoltada era eu.
Mas também não o quero ser,
Porque Deus assim o quer,
Tenho que me convencer,
Que isto acontece a qualquer.
Revoltar é pecado,
O que se faz sem pensar,
Se olharmos para o passado,
Muito temos que recordar.
65
Temos que nos conformar,
Com o que nos apareceu,
É o que se tem que passar,
Quem neste mundo nasceu.
Por isso eu disfarço bem,
E peço a Deus coragem,
Para assim viver também,
Nunca esquecendo a imagem.
Tenho muito a agradecer,
O que a Deus tenho pedido,
E não devo esquecer,
Que ele me tem ouvido.
66
X
No tempo da mocidade antiga
Havia boas orquestras,
Nas salas para se dançar,
Eram assim as nossas festas,
Para bom tempo passar.
Os rapazes iam buscar,
Com quem mais simpatizavam,
A conversar e a dança,
Era assim que se gostava.
O vira bem dançado,
Que bonito que ele é,
Quatro pares acompanhado,
Aos saltinhos e bate o pé.
Tudo ficava contente,
Quando uma valsa tocava,
Ia tudo de repente,
Buscar quem melhor dançava.
67
Os da terceira idade,
Com a mocidade dançava,
Era assim a igualdade,
Que a todos prazer dava.
Hoje nem pensar nisso,
Que ela possa ir lá ver,
Pois com este reboliço,
Que dores de cabeça ia ter.
É um barulho infernal,
Que ninguém pode falar,
E tudo acaba afinal,
Só pulos, pulos a dar.
Agora que diferença,
Ninguém anda ligado,
Faz pena ver esta dança,
Andar tudo separado.
A mocidade não tem culpa,
Do que está a acontecer,
Esta moda dupla,
que os tem posto a perder.
68
Basta querer avaliar,
Os professores d’ outrora,
Havia respeito a dar,
Muito ao contrario de agora.
Tudo movido a electricidade,
Numa corrida constante,
Até diz a mocidade,
O tempo passa num instante.
Os descobridores não tem fim,
Desde o produto do óleo,
Que saudades para mim,
da lenha, carvão e petróleo.
Dirão que disparate,
O que estou a dizer,
Mas para ir a qualquer parte,
Tem que andar a correr.
É isto chamado progresso,
Andar tudo neste jeito,
Quando virá o regresso,
De por todos terem respeito.
69
Na liberdade d’ outrora,
Tudo andava em segurança,
O que é que se vê agora,
Um pavor do velho à criança.
Não é preciso explicar,
Tudo, tim tim por tim tim,
Basta só pensar,
Onde chegará este fim.
Nos inventos que se cria,
Há coisas de admirar,
Mas nem tudo beneficia,
O conjunto familiar.
70
XI
A moda de 1981
Gostava de me pronunciar,
O que nesta época, apareceu,
Mas não sei como começar,
Porque quase tudo se perdeu.
Isto é um modo de dizer,
Não é para todo a gente,
Pois ainda há para ver,
Muita coisa decente.
Desapareceu o bom vestir,
E também o bem calçado,
Anda tudo que faz rir,
A comparar com o passado.
É mesmo muito agradável,
Esta linda moda nua,
É mesmo muito provável,
Que tudo nú ande na rua.
71
Na verdade é disparate,
Andar tudo bem vestido,
Ninguém dava valor à arte,
Do que tudo é vivido.
Ninguém deve dizer mal,
Disto que caiu do céu,
Pois mesmo no Carnaval,
Coisa assim apareceu.
Vaidade de andar mal vestido,
De cabelos despenteados,
Ainda não se tinha vivido,
D’olhos quase tapados.
É uma grande confusão,
Andar-se nesata briga,
Chega-se à conclusão,
Será rapaz ou rapariga.
Tudo isto é bonito,
Andar de qualquer maneira,
Já nimguém anda aflito,
Com falta de costureira.
72
Isto que fica escrito,
Nem tudo é direito,
No meio disto que dito,
Há muitos jovens com jeito.
Muita gente se eleva,
Aonde querem chegar,
Já andam como Adão e Eva,
Nas praias em certo lugar.
Concordam comigo, eu creio,
Que nem tudo isto é bonito,
Ma sé bonito, por ser feio,
Isto que aqui fica dito.
73
XII
Não se deve dizer mal
Você tem que dizer mal,
Dos que vivem do seu lado,
Pois se também tem igual,
Devia de estar calado.
Pense bem no que diz,
Para não se arrepender,
É o mesmo que eu fiz,
Quando pensei em dizer.
Se todos bem pensar,
Não havia desigualdade,
Muito se tinha que ganhar,
E havia mais felicidade.
Tudo sai da boca,
Não custa na da dizer mal,
Não havia tanta gente louca,
Se não fosse tudo igual.
74
Por isso pense bem,
Antes de criticar,
Para que também não tenha,
Outros de si, também a falar.
Este mundo é assim,
E sempre assim há-de ser,
Se olharem para mim,
Também me hei-de arrepender.
Por isso não diga mal,
Seja ele de quem for,
Todos devemos ser igual,
Não tenha defeitos a por.
A história da vida,
Tem muito que contar,
Se ela for bem vivida,
Muitos gostos tem a dar.
Todos nos temos defeitos,
Não há ninguém que não os tenha,
Da mesma massa são feitos,
Cozidos com a mesma lenha.
75
Por isso vamos pensar,
Em nunca dizer mal,
É muito de apreciar,
Para que tudo seja igual.
O treze está comigo,
Há-de estar aqui também,
Vou fazer o que digo,
Para acabar tudo bem.
Foi treze quadras que fiz,
Para falar do que digo,
Pois sempre fui feliz,
Quando o treze está comigo.
De tudo se diz mal,
Se pensar-mos hoje em dia,
E tudo fica igual,
Nunca havendo o que se queria.
76
XIII
O que eu vejo da minha janela
Eu vejo uma avenida,
De carros apinhada,
Com arvoredo que dá vida,
E não cabe lá mais nada.
Centro médico eu vejo,
Com muita clientela,
Tudo isto eu desejo,
Ver da minha janela.
Centro clínico adiante,
Banco Totta e Açores,
Tudo se vê em frente,
Também se vêem várias cores
Vê-se gente bem vestida,
E também bem calçada,
Gente quase despida,
Muita gente despenteada.
77
Tudo aqui se vê dela,
Prédios altos com graça,
Se vê desta janela,
Gente que vai para a praça.
É a principal avenida,
De Sintra para passar,
Anda tudo numa corrida,
Que ninguém pode parar.
Também se bem olhar,
Vê-se também ao longe,
Comboios a passar,
Como ainda os vi hoje.
Há muita coisa para ver,
Mas não se pode abusar,
Que dores de cabeça vai ter,
Quem sempre tiver a olhar.
Eu passo aqui o dia,
Quase sempre a tricotar,
Olhar sempre não podia,
Ver tanta coisa a andar.
78
Eu já estou habituada,
A estes barulhos ouvir,
Quem não está acostumada,
Quase sempre não pode dormir.
É preciso ter cautela,
E a persiana fechar,
Eu gosto da minha janela,
Mas é preciso descansar.
79
XIV
As flores
Seja uma flor qualquer,
Que seja muito mimosa,
É lindo o malmequer,
E tem uma beleza a rosa.
Todos deviam ter jardim,
Para a casa enriquecer,
Nem que fosse assim, assim,
Para a flor crescer.
Quando está em botão
E dia, a dia se vê abrir,
Parece um ilusão,
O que dali vai sair.
E se tiver muito aflita,
Para dar algum presente,
Dei-lhe um flor bonita,
Que ficará muito contente.
80
Quando se recebe uma flor,
É sempre muito apreciada,
Seja ela que cor for,
E também por quem é dada.
Até a flor selvagem,
Que nasce por acaso,
É linda essa miragem,
E se pode por num vaso.
Quando nasce uma criança,
É uma flor que nasceu,
Todos a têm na lembrança,
e nunca mais se esqueceu.
Só temos flores para dar,
Aos nossos entes queridos,
Que nos faz recordar,
Os que nunca são esquecidos.
Enquanto houver mundo,
Também há-de haver flores,
Se não iria tudo para o fundo,
E não havia mais amores.
81
Em todo o lado fica bem,
Uma flor que se veja,
Ora veja se ela tem,
Valor numa igreja.
Ali não deve faltar,
Essa linda flor,
A enfeitar o altar,
A Deus Nosso Senhor.
82
XV
O que é um dia sem sol
Um dia sem sol,
É triste como muitas coisas más,
Como uma mulher sem companheiro,
Como muitos filhos sem pais.
É como uma cama sem lençol,
Como uma linda flor que desaparece,
Não há nada mais lindo que o sol,
Que nos alegra e aquece.
O sol que tudo faz brilhar,
Sem ele tudo é cinzento,
Sem ele nada pode secar,
É o mais belo do firmamento.
O sol nunca entristece,
Dá alegria a toda a gente,
Um dia que a chuva aparece,
Já ninguém está contente.
83
XVI
Dedicado à Sra. D. Natália e Sr. Peres
Em Sintra há uma casa,
Que se encontra escondida,
Por onde ninguém passa,
Por isso, não é conhecida.
Por dentro é um amor,
O chão todo em tijoleira,
Uma sala que é um primor,
Com uma bonita lareira.
De valores está decorada,
Tudo com muito gosto,
Não faltando lá nada,
Um jardim d’ Inverno lá posto.
Dali não se ouve nada,
É um sossego profundo,
Livre da barulhada,
Que se vive neste mundo.
84
É linda, bem bonita,
Uma coisa muito boa,
Feliz de quem tem a habita,
De se livrar do barulho de Lisboa.
Nem todo o ano é habitada,
Fins de semana vêm passar,
Por isso é mais apreciada,
Para aqui virem descansar.
Pelas vistas que tem,
Que de todo o lado encerra,
Ali se está muito bem,
Olhando a linda serra.
Muito tinha que dizer,
Desta casa portuguesa,
Mas só quero fazer saber,
que é mesmo uma beleza.
Para lá chegar,
É um caminho estreito,
Não tem nada que enganar,
É ao fim, do lado direito.
85
Rodeada de verdura,
Fetos, plantas, malmequeres,
Dela é possuidora,
D. Natália e Sr. Peres.
Desejo-lhes do coração,
Paz, saúde e amor,
Pois muito dignos são,
Desse grande valor.
Senhor Peres me perguntou,
Que poesias tinha feito,
Agora estas lhes dou,
Embora com pouco jeito.
86
XVII
Um pedido da Sra. D. Júlia para uma companheira do Grupo da Bíblia
Sagrada que fez 80 anos em 1981.
O grupo da Bíblia Sagrada,
Os parabéns lhe vem dar,
E será sempre estimada,
Enquanto connosco andar.
Muito teria que nos contar,
Durante os anos que tem,
Mas o que lhe vamos desejar,
É que Deus a acompanhe também.
No mundo nem tudo é risonho,
Mas esta é uma linda idade,
E as vezes parece um sonho,
Chegar a esta realidade.
Vamos todos pedir,
A Deus Nosso Senhor,
Para esta data se repetir,
com muita paz e amor.
87
Nunca devemos esquecer,
Esta boa camarada,
E só temos que agradecer,
Tudo isto, à Bíblia Sagrada.
88
XVIII
Frases dos animais
Palra pega o papagaio,
E cacareja a galinha,
Os ternos pombos arrolam,
Geme a rola inocentinha.
Relincha o nobre cavalo,
Os elefantes dão urros,
A tímida ovelha bale,
Zurrar é próprio dos burros.
A cabra salta no combro,
Berra o cão, ruge o leão,
O gato mia, uiva o lobo,
Também uiva e ladra o cão.
Serrenha a sagaz raposa,
Marotinha, muito matreira,
No campo cantam as aves,
Mas pia o mocho arroteia.
89
A fala foi dada ao homem,
Rei de todos os animais,
Nas frases se encontram rimas,
As vozes dos principais.
90
GALERIA DE FOTOSGALERIA DE FOTOS
91
bisavós Botelho,
bodas de ouro Bisavó Guilhermina
Ericeira 1903 - irmã Lucinda com
3 anos, avó Guilhermina com
6 meses, irmã Marquinhas com
4 anos e o irmão Ângelo com
1 ano
92
Avó
93
Avó e Marquinhas
Casamento dos avós, na
Quinta de Santo António da Cadriceira 13 de Março de 1933
94
Diogo e Jacinto
Cadriceira
Praia das Maçãs com
Dorinhas 1946
Ericeira, Praia-do-Sul com:
Ângelo, Diogo, Jacinto, dois
amigos e Carlos Manuel.
95
Sintra,terraço da casa com;
Cêcê, Dorinhas, Diogo e
Jacinto
Em Carvalhal,
da esquerda para direita;
o da espingarda(?),
Dorinhas, Cêcê,
Maria Isabel e João
António Baeta Soares
e em baixo Diogo
e Jacinto.
Gerês, anos 60
96
Um Passeeio ao
Gerês, anos 50
97
Ambos se casaram na
Igreja Santa Maria de Sintra
Casamento do Jacinto
a 7 de Setembro de 1958
98
Casa
men
to d
o D
iogo
a 2
7 de
Mai
o de
196
2
Da
esq.
par
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a, b
isav
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linda
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rinho
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quin
has,
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um
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vida
do. E
m b
aixo
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dro
e Jo
sé
99
Avós 1965
100
Aniversário do Avô em 1978
Os avós
101
Os primos na
Igreja Santa Maria Madalena
em Turcifal 1980
Encontro da família Botelho
102
103
O meu Diário de Viagens falando com os meus filhos.
I
Uma viagem a Espanha e França, feita por Diogo Lopes
Baeta, Guilhermina Botelho Baeta, Senhor Arlindo Simões, sua
esposa e filho.
Partimos de Sintra no dia 5 de Abril de 1949, às 5 horas
da manhã, num carro de aluguer, guiado pelo Senhor Parracho.
Chegámos ao barco em Vila Franca de Xira, às 6 horas e 20
minutos. Chegámos a Estremoz às 9 e meia, sempre muito bem
dispostos. Até aqui 213 km.
Entrámos na Fronteira espanhola às 11 horas. Passámos
Badajoz, Cáceres, onde almoçamos regaladamente e sempre muito
satisfeitos. Plasencia, uma pequena vila com Praça de Touros,
aqui tomamos cerveja. Bejor, Valajera, Guiguilo, Belenâ, aldeias
bastantes feias. Chegamos a Salamanca às 7 horas da tarde,
fomos a casa da afilhada do Sr. Simões, senhores muito simpáticos.
Telefonamos para casa a dar notícias, jantámos e dormimos no
Hotel Pasage, muito bom e gostamos da comida.
DIÁRIO DE VIAGENSDIÁRIO DE VIAGENS
104
Dia 6 de Abril
Visitámos a Catedral de Salamanca, é imponente, a Grande
Praça é também muito bonita, é um quadrado todo em arcadas e
todo cheio de estabelecimentos muito bons. É tudo muito grande e
realmente bonito. Desta praça vai-se para o hotel onde ficámos, por
uma passagem que parece um túnel todo envidraçado, e também
com estabelecimentos à direita e à esquerda.
Há a universidade, muito grande também. Nesta cidade
comprei uns sapatos, para andar bem. O calçado é pior do que o
nosso.
Partimos às 10 horas da manhã em direcção à fronteira
Francesa. A primeira povoação é Lanizal, com uma grande Igreja,
mas a povoação é muito feia, tudo absolutamente preto. Vila Calaejos,
Lacorona, Simanca, tudo feio.
Valadolide, cidade importante, é pitoresca e mimosa, tem
fábricas e grandes instalações eléctricas. Venta de Banhos, cidade
pequena, Vitoldo e depois entrámos na grande capital de Burgos,
eram 2 da tarde, almoçámos com muito apetite. A Catedral de Burgos
é muito maior do que a de Salamanca, mas noutro estilo. Andámos
pela cidade que não tem nada de espantar.
De Portugal aqui são 586 km, de Salamanca a Burgos 241 km.
105
Saímos de Burgos às 4 da tarde. As povoações que passámos,
Monestério, Biviesca, Cubo da Burelas, Santa Maria Riba, Rodena,
Logronã, esta uma vila em ruínas. Até aqui os campos muito feios,
sem arvoredo e muito pouco cultivados. Nesta região, vê-se uma
serra cheia de tocas, onde fica gente, que até faz medo. Na serra
apenas se vêem uns buracos, onde eles entram, mas são muitos.
Todas estas aldeias continuam a ser muito feias.
À saída de Logronã, é muito bonita a estrada, é pelo meio
de duas serras de rochas, altíssimas, passa também a linha
férrea ao lado da estrada. São 4 quilómetros sempre no meio
dessas serras altíssimas, as quais são separadas só pela estrada e
linha férrea, parece um canal, de noite deve meter respeito.
Miranda do Ebro, cidade boazinha, Ribavelosa, Dorminô,
vilas feias. Cidade de Vitória, uma importante cidade e com aspecto
bonito, limpa com grandes prédios e estabelecimentos muito bons.
É uma cidade construída de novo e nela passa um rio pelo meio.
Fizemos algumas compras. Foi onde o Senhor Simões comprou
o casaco para o Senhor Parracho (e isto é uma história!). Fomos
a um café, tomamos o que nos apeteceu, eu tomei chá, que não
sendo bom me soube muito bem. Partimos em direcção a S. Sebastian
passando em Salvaterra, Assusua, Vila Franca de Oria, uma
cidade também bonita, Amesqueta, Folosa, cidade pequena, e
Irrura. Chegada a S. Sebastian às 8 horas e 15 minutos, até aqui a
Senhora Simões, dormiu bem.
106
Esta cidade é que nos deixou deslumbrados, é muito bonita e muito
grande, a praia é também muito linda e grande, o mar sai entre duas
serras que faz lembrar o nosso São Martinho do Porto, mas duma
grandeza muitíssimo maior, que só visto, não sei descrever o que
se vê. Isto é em configuração duma concha e em toda a volta são
esplanadas, hotéis e restaurantes, tudo com muito bom gosto. Tem
hotéis lindíssimos à beira mar. Ficámos no Hotel Biarritz, um lindo
hotel museu, com várias salas de estar mobiladas com estilos
diferentes, uma linda sala de jantar, tudo com muito luxo e rico.
A sala onde estávamos tem 58 relógios de estilos diferentes, eu
estava a ver e ao mesmo tempo com a curiosidade de contar os
relógios, que o senhor do hotel percebeu e veio dizer-me:
“ Tem interesse em saber? São 58. O mais curioso é que
quando dá as horas, as luzes dos lustres vão-se apagando conforme
vai chegando a meia noite, apenas ficam uns apliques acesos”.
Jantámos muito bem e demos um passeio pela cidade que
é muito bonita, tem um rio que passa pelo meio que também dá um
bonito efeito. Dormimos muito bem, nuns belos quartos.
Dia 7 de Abril
Saímos de S. Sebastian às 10 horas da manhã em direcção
à fronteira francesa. Continua a ser muito bonito, vêem-se fábricas
de papel. Renteria, Irun, povoações já muito melhores. Chagámos
107
à fronteira às 10h e 35m. O que separa a Espanha da França é um
rio. Demo-nos muito bem com os espanhóis, percebemo-los muito
bem, agora já temos que ouvir os franceses, que agora estamos a
zero, a respeito de os perceber (mas não nos atrapalhamos).
Entrámos na fronteira às 11 horas da manhã. S. Jean de
Luz, a estrada é sempre à beira mar, mas não há praias, há umas
paredes no mar de quando em quando, para quebrar a força das
águas, que faz um efeito bonito, parecem umas cascatas. Até
Baiona é sempre à beira mar. Almoçámos em Biarritz às 2 horas,
à beira mar e com apetite. Esta praia é maior do que a
de S. Sebastian, mas nada mais bonita. A cidade é bonita
mas relativamente pequena, tem bons estabelecimentos mas as
avenidas não são grande coisa.
Estas paisagens são sempre planas mas com bastante
arvoredo.
Baiona tem um grande rio que atravessa o meio da cidade
que é bastante boa. Temos uma aldeia bastante pobre, neste
momento temos andado sempre no meio de um arvoredo intenso,
dezenas de quilómetros e não consegui ver o fim, tanto da direita
como da esquerda. A maioria são pinhais. É muito interessante ver
junto às paredes das escolas tudo cheio de bicicletas de vários
tamanhos, como é tudo muito plano e grandes rectas, as crianças
vêm todas de bicicletas para as escolas.
108
Os pinhais são todos lavrados e semeados de tojo, que nesta altura
estão floridos e dá um efeito bonito.
Andámos 104 km sempre no meio de floresta. Larhi uma
pequena povoação, Laboer, Fatence, tudo pobre. Entrada em
Bordéus às 4 horas da tarde, uma cidade idêntica à do Porto, mas
as ruas estreitas. Tem um grande rio pelo meio com umas pontes,
mas as do nosso Porto são mais bonitas. A principal avenida tem
um grande arco bonito. É uma grande cidade muito plana. Aqui à
nossa chegada, assistimos a uma festa dos estudantes, que foi
um verdadeiro delírio. O comércio fechou todo à passagem deles,
e o trânsito parou. Nós já estávamos no hotel e chegámos à porta
para ver. Os rapazes vinham nus, apenas com tangas e todos
completamente mascarados, que pareciam autênticos pretos
bravos, espalhavam por cima das pessoas um pó branco que a
família Simões ainda apanhou pó. Nós por acaso escapámos, mas
apanhei um susto com um berro que um deu junto de mim. Parecia
gente doida com um acompanhamento muito grande.
Ficámos no Hotel de La Madeleine, muito bonzinho, quarto
com casa-de-banho, a comida também gostámos. Até aqui não
temos que dizer nada mal da comida.
109
Dia 8 de Abril
Partimos de Bordéus às 8h. e 40m. em direcção a
Angouleme, passamos por uma ponte metálica, sobre o Rio Dordonha,
a ponte tem um quilómetro e outra com a linha férrea. É uma região
muito vinhateira e mimosa, não se vê um palmo de terra sem ser
cultivado, a maior parte com vinhas. De Bordéus a Angouleme são
sempre vinhas. Angouleme é uma boa cidade, tem muitas fábricas e
faz lembrar Braga. Tem uma parte muito alta, de onde se vê uma
linda vista toda em redor. Tem uma catedral pequena mas muito
bonita. Tem outra muito grande em estilo Românico, fundada em
1110, uma das mais belas realizações românicas, restaurada em
1130. A cidade é muito grande, uma parte velha que é no plano mais
alto, mais a baixo a parte nova.
Vamos em direcção a Paris, sempre as mesmas rectas,
não nos sentimos nada maçados. São grandes as distâncias en-
tre aldeias. Por enquanto, até aqui não temos visto nada destruído
pela guerra. Chaunay, deve ser uma freguesia pobre. Valeza, Vivone,
Crotelle, Potien, todas povoações distantes umas das outras. Esta
região é de cimenteiras e produz trigo a perder de vista. Tudo plano
e a mesma paisagem. Chagada a Poitiers às 11 h. da manhã. Esta
cidade é grande, a principal avenida tem 2 quilómetros de
comprimento, mas é mais pequena do que Bordéus, mas mais
bonita e limpa.
110
Nesta cidade já se começam a ver ruínas da guerra. Agora
vamos em direcção a Tours, continuam as mesmas planícies e
cimenteiras. Lacheria, Chatelroux, cidade que não tem nada estragado.
Saumur, Lance, Lesorens, Porte de Peiles. Atravessámos muitos rios.
Tours, cidade grande, muito bombardeada. Já está muito restaurada.
A ponte sobre o Rio Loire também foi destruída. Há 3 pontes sobre
este rio, vimos nesta cidade, freiras em bicicletas.
Vamos em direcção a Blois, esta região é de pomares que
também se perdem de vista durante muitos quilómetros. O Rio
Loire acompanha a estrada durante muito tempo. As povoações à
margem do rio são pobres, mas o efeito é bonito por ter o rio em
frente. Até Orleans, sempre à beira do rio e tudo pomares. Amboise,
uma povoação grande toda em chalets muito bonitos. De Tours a
Blois, 46 km, sempre à beira rio e pomares. Entrámos em Blois às
5 h. da tarde, é uma cidade fora do vulgar. É toda em vivendas e
casas apalaçadas. Não há prédios de andares. Daqui a Paris são
150 km. Aqui também não se vê nada estragado. Suevens, Banle,
estas povoações já são melhores. Entrámos em Orleans às 6h. e
30m. da tarde. Esta cidade foi muito destruída e ainda não se vê
nada reconstruído. É uma grande cidade e fomos aqui recebidos
pela família do Adão. Foram muito amáveis, deram-nos de jantar, onde
estivemos umas horas numa grande animação, parecia que
estávamos com a nossa família. Ficamos num hotel, mas não tão
bom como temos tido até aqui.
111
Dia 9 de Abril
Partimos às 8h. e 30m. para Paris, depois de tomar num restau-
rante o café com o filho do Senhor Adão. Estas povoações em redor
de Paris são pobres, as paisagens são bonitas e mais variadas. Ar-
pajom, Linos a 26 km de Paris, Lange, Jamlau uma vila muito bem
fornecida de carne. A 15 km de Paris, os bairros que circundam são
grandes mas feios.
Entrámos nas Portas de Orleans, que é uma avenida de
Paris com 10 km, sempre mais ou menos a mesma coisa. Houve
bombardeamentos. Entrámos na Praça 25 de Agosto, grande movi-
mento, as avenidas são enormes. Atravessámos o Rio Sena, parece
estarmos numa ilha, tornámos a atravessar o rio, tudo muito grande.
A Torre S. Jaques rodeada por um jardim. Chegámos ao hotel que é
em frente da Gare do Norte, às 11 h. da manhã. Arrumámos as nos-
sas coisas no quarto, fomos almoçar a um restaurante fora do hotel.
Vimos o que pudemos, andamos no metro e à noite saímos de táxi
até certo ponto da cidade. À meia noite estávamos perdidos, sem
saber de que lado ficava o hotel, mas arranjámos um táxi que nos
entendeu e nos levou ao hotel.
Depois de estarmos deitados, apareceu o Jinho, sentimos uma
grande alegria e ele também.
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113
114
Dia 10 de Abril
Primeiro passeio a Versalhes, é lindíssimo. O palácio tem
a configuração do de Queluz, mas muitíssimo maior, assim como
o parque. Há outro museu, o Trianon, com os aposentos de Maria
Antonieta. Almoçámos em Versalhes, onde encontrámos uma
excursão de estudantes portugueses de Lisboa, achámos imensa
graça. Trocámos impressões com eles sobre várias coisas.
Passámos por um túnel todo em azulejos brancos e iluminado,
com um quilómetro. Passeamos por uma grande parte da cidade de
automóvel, porque só assim se pode avaliar o que isto é de grandeza.
À noite fomos ao Bal Fabarin, uma casa de espectáculos, a
melhor de Paris. Vimos maravilhas que parecíamos que estávamos
a sonhar, que não era realidade!
Dia 11 de Abril
O Sacre Couer, de onde se tem uma vista linda sobre a
cidade, tem uma placa em mármore em reconhecimento à providência,
por terem caído à sua volta na última guerra, 16 bombas e nenhuma
ter atingido a catedral. Faz lembrar Braga, pois tem uma escadaria
e elevador.
Subimos à Torre Eiffel, onde tiramos fotografias. A vista é
115
surpreendente. A toda a volta se vê a cidade que a vista não
consegue alcançar o fim. Tomámos lá no restaurante alguma coisa.
O dia estava lindo, cheio de sol, o que pelos vistos não é normal.
Andamos a ver a cidade de carro, há estabelecimentos lindos,
casas de modas muito bonitas. As pessoas andam muito simples,
nada de saias compridas, tudo pela barriga da perna. Predominam
as boinas iguais aos casacos (por acaso eu estou bem com a minha
boina igual ao casaco). Acabou o dia e não nos deitámos tarde,
para descansarmos.
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Dia 12 de Abril
Dia destinado só a fazer compras e ver estabelecimentos. Fomos
ao Louvre, Printemps e La Fayette. São tão grandes que não sei
como compará-los. O género do Chiado e Grandela, mas muitas
vezes maior. Comprei dois vestidos de seda natural, uns lenços,
uma forma para bolos e assados.
À noite fomos ao Teatro Follies Bergére, vimos a personagem
Josefina. A peça era a vida de Napoleão. Tenho a certeza que não
mais tornaremos a ver coisa igual.
Dia 13 de Abril
Vimos Notre Dame, catedral de estilo gótico. Na praça tem a
estátua do Rei Carlos Magno. Fomos ver os Inválidos, mandado
fazer pelo Napoleão para os inválidos da guerra. Hoje é um
museu de armas e é onde está o túmulo de Napoleão, numa grande
imponência. Tem o avião Vieux Charles que abateu na guerra de
1917, 19 aviões. Tem também o primeiro automóvel que apareceu.
Mais uma volta pela cidade e acabou o dia.
Dia 14 de Abril
Veio o Senhor Adão ter connosco, fomos almoçar a um restaurante
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num 5º andar, mas desde o primeiro é tudo restaurantes muito
“chiques”. Vimos vários estabelecimentos de vários géneros, tudo
enorme.
Dia 15 de Abril
Visita ao Museu do Louvre com pinturas e esculturas dos artistas
mais célebres. Mas se estivéssemos 8 dias não conseguíamos ver
tudo, cansávamo-nos e não víamos quase nada. Fomos ao Museu
Grévin com figuras de cera que pareciam autênticas pessoas.
Tem várias coisas que nos divertiu.
Dia 16 de Abril
Último dia em Paris, visitámos o mercado que gostámos muito de
ver. Há de tudo e já arranjado, que é só cozinhar, desde a carne,
o peixe, os vegetais e frutos. Findou muito bem o dia, deixando
muitas recordações.
Dia 17 de Abril
Partimos às 6 da manhã, saímos por outro lado da cidade, mas
continua-se a ver tudo mais ou menos igual à outra parte que já
passámos. Há aldeias pequenas ou cidades. Chateauroux, cidade
onde tomámos alguma coisa, dizem ser aqui o coração da França.
118
Agora só se vêem elevações, já não é uma zona tão plana nem com
muito arvoredo. Muito parece ter sido largado o fogo. Entrámos em
Limoges a 375 km de Paris. Almoçámos nesta cidade, que é bonita.
Há uma pequena aldeia próxima, onde os alemães estiveram e
meteram 70 crianças numa igreja e largaram-lhe o fogo.
Fizeram agora dali um cemitério para essas crianças e não
vive lá ninguém, acabaram com essa aldeia para não se lembrarem.
Vêem-se constantemente cruzes, que indicam ter morrido aqui
muita gente. Todas as povoações e cidades muito bombardeadas,
mas também já muito reconstruídas.
Brive, chegámos às 6 e meia, 484 km de Paris. Ficámos no
Hotel Bordeaux, fez anos a Senhora Simões, fizemos-lhe saúdes
e os franceses que estavam associaram-se à festa. Esta cidade
assemelha-se à Vila de Sintra.
Dia 18 de Abril
Saímos às 7,30 da manhã em direcção a Toulouse. Em
Suillae tomámos o café, nesta terra houve o desembarque dos
americanos. Disseram-nos que tinham matado muita gente.
Chegámos a Toulouse ao meio-dia. Almoçámos. Esta cidade
foi ocupada pelos alemães e os americanos vieram expulsá-los, já
se pode imaginar o que deveria ter sido.
Estamos a 905 km de Paris. Chegámos a Carcassonne às
4 horas da tarde, agora vamos sempre à beira mar, é muito bonito.
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Entrámos em Perpignan, uma boa cidade onde os alemães estiveram
3 anos. Encontrámos aqui 2 portugueses naturalizados que nos
acompanharam durante o tempo que cá estivemos e contaram-nos os
horrores que aqui se deram. Ficámos num hotel bonzinho, é cidade
de turismo, tem praias. Até aqui atravessámos o maciço central da
França.
Dia 19 de Abril
Partimos em direcção a Espanha, atravessámos os Pirinéus,
tomámos o café em Boulon a 15 km da Fronteira, ainda em França,
tirámos fotografias. Entrámos na fronteira espanhola às 9,40 da
tarde. Esta região é mais mimosa, mas as povoações são uma
miséria, estamos a 60 km de Barcelona. Continuámos à beira-mar,
vêem-se muitas praias e muitos hotéis, pensões e casas para alugar.
San Vicent, uma parte nova com prédios feitos há pouco.
Esta zona é muito povoada e a estrada é bela. Badalona, uma vila
com eléctricos, tudo à beira-mar. Entrada em Barcelona às 2 da
tarde, uma cidade muito boa, mas como há pouco tempo deixámos
Paris, não conseguimos gostar disto. No entanto é grande e tem
coisas bonitas.
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Dia 20 de Abril
Saímos às 8 da manhã em direcção a Valencia, esta região
é de pomares, predomina a laranja, muitos quilómetros sem se ver
o fim. É muito bonita esta parte onde vamos durante muito tempo
sempre com laranjais. Andam na apanha e um espanhol deu-nos
uma porção que nos soube muito bem. Entrámos em Valencia às 6
e meia da tarde. É uma cidade bonita.
Saímos às 8 e meia em direcção a Madrid dia 21, uma região
diferente, vinhas e pequenas povoações. Andámos 70 km sem
encontrar onde pudéssemos tomar o café.
A 106 km de Valência descemos uma serra toda em
ziguezague e subimos outra no mesmo sentido. É muito bonito,
quando vamos a descer, ver a outra que temos de subir. Montilha,
há uma boa pousada onde almoçámos muito bem. 104 km de
Madrid, agora estamos numa área de planície cultivada de cereais.
A 8 km de Madrid há autobuses. Chegámos a Madrid, gostámos
muito, passeámos, vimos o que mais valia a pena ver e fomos ao
teatro.
Dia 22 de Abril
Fizemos compras, vimos o que pudemos.
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Dia 23 de Abril
Partimos às 6 da manhã com destino a Portugal.
Na pousada de Oropesa, tomámos o café muito bem
servido. 149 km de Madrid, chegámos a Mérida às 12,30 h., almoçámos
também numa pousada, entrámos em Portugal às 6 e meia da
tarde.
E assim foi a nossa inesquecível viagem, correndo tudo muito bem
e sempre bem dispostos.
II
Uma viagem a Sevilha feita por Diogo Lopes Baeta, Guilhermina
Botelho Baeta, João Câncio Soares e Deolinda Baeta Soares
Saímos de Sintra no dia 15 de Março de 1961 às 8,20 da manhã.
Começou com uma pequena arrelia, foi ter pensado que
tinha deixado em casa e minha carteira. Fui até Lisboa sempre a
pensar nisso, mas quando chegámos a Lisboa, saímos do carro que
precisava afinar qualquer coisa, a mala estava atrás da da Deolinda.
Estivemos então duas horas à espera que o carro se arranjasse.
Saímos de Lisboa às 11 horas, fomos almoçar a Setúbal às 2 horas.
123
Chegámos à fronteira às 5 e meia da tarde e a Aracena às 8,30 h.
. Jantámo, demos uma volta e fomo-nos deitar. O Hotel foi o
Gran-Via.
No dia 16 vimos as Grutas de Aracena. Gostámos imenso, saímos
às 10 horas e chegámos a Sevilha às 11,30 h.
Demos uma volta antes do almoço. Almoçamos no Restaurante
Las Maravilhas. O almoço foi muito bom – Arroz à Valenciana que
estava uma maravilha. Fomos dar uma volta de tipóia ao Bairro de
Santa Cruz, muito típico. Vimos a Catedral que é muito rica, vimos
vários estabelecimentos, compramos algumas coisas. Fomos ficar
ao Hotel Inglaterra, onde jantámos e almoçamos no dia 17. Visitámos
o cemitério para o ver o mausoléu do Jozélito. Vimos também o
Museu do Alcazar, que é muito importante.
O guia do palácio foi muito simpático, no fim quis-nos dar
umas flores, a mim deu-me uma rosa toda a desfolhar-se, à Deolinda
um ramo de flor de laranjeira com as folhas todas ratadas, o que
nós agradecemos perdidas de riso
Demos mais uma volta pela cidade e findou tudo muito satisfeito.
Chagámos a casa no dia 17 de Março às 8 da tarde e encontrámos
toda a família de saúde graças a Deus.
124
III
Uma viagem à Ilha da Madeira por Diogo Lopes Baeta e
Guilhermina Botelho Baeta
Os nossos companheiros foram o Senhor Baeta da Malveira e D. Celeste.
Partimos de Sintra no dia 12 de Julho de 1962, embarcámos no
paquete Santa Maria às 4,30h. da tarde. O barco partiu às 6 ho-
ras, jantámos às 7,30h. muito bem e muito bem dispostos, embora
se sentisse uns pequenos balanço. Chegámos no dia 13 a Vigo e
às 7 e meia da manhã desembarcámos às 9 horas para ir visitar
Vigo. Fomos almoçar ao barco e saímos novamente para ver a
parte comercial. Comprámos algumas coisas e entrámos às 6,30h.
da tarde no barco. O jantar foi às 8 e foi nessa altura que o barco
começou a sair e começou-se a sentir bastante balanço.
Quando nos levantámos da mesa, parecia tudo a andar aos tombos,
foi quando o pai se sentiu enjoado e vomitou. Fomos para a cama e
dormiu-se bem com aqueles balanços.
De manhã e pai levantou-se mas não pode, eu fui buscar o
primeiro almoço que depois de comer ficou bem. Eu senti-me sem-
pre bem, mas houve muita gente mal disposta.
Chegámos ao Funchal às 8 da manhã. A vista desde Porto
125
Santo à Madeira é muito bonita vista do barco.
Agora descrever a Madeira não é possível, só se vendo!
É duma grande beleza!
Estivemos 4 dias e visitámos a ilha toda, que se vê bem
nestas dias. E como não tínhamos transporte de barco senão 2 dias
depois, resolvemos vir de avião, que gostámos imenso apenas 2,20
horas da Madeira a Lisboa.
Tudo correu muito bem, deu-se a coincidência nessa altura, o
Presidente Américo Tomás fazer uma visita oficial lá, de maneira
que a ilha estava toda arranjada como se fosse o fim de ano, por
isso tivemos imensa sorte.
126
IV
Uma viagem aos Açores, feita por Diogo Lopes Baeta e
Guilhermina Botelho Baeta
Os companheiros foram, Sr. António Paulo e D. Maria Rodrigues, sua
esposa, Sr. António Nunes e D. Heloísa, sua esposa, Sr. José
Parreiras e D. Helena Nunes, sua esposa.
Partimos de Sintra no dia 9 de Julho de 1970, às 8,30 h. da
manhã. Entrámos no Angra do Heroísmo às 10 h, o barco começou
a deslocar-se às 12,10h.. O dia está bastante enevoado, fomos
almoçar à 1 da tarde já com sol. O barco andou às voltas em frente
de Cascais, até às 3 horas, segundo dizem para acertar agulhas,
fazem isto 3 vezes por ano. No entanto gostámos pois estávamos a
ver a terra dum lado, como do outro, que é muito bonito. Foi então
que começou a andar definitivamente. Disseram nessa altura, pelos
auto-falantes que a viagem era de 18 horas até São Miguel. O mar
está uma maravilha, nem parece que vamos em cima d’água. Os
beliches são muito bons, estamos muito bem entregues ao chefe
da cozinha, Senhor Valério, e ao comissário, Sr. Barros, que são
conhecidos do nosso grupo. Jantámos às 7 horas muito bem servi-
dos, o criado de mesa foi-nos apresentado, e já se vê que tudo cor-
reu bem. Fomos ao cinema e tudo dormiu bem.
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Dia 10 de Junho
O dia começou enevoado, depois voltou o sol, mas às 8 da
noite ficou novamente enevoado, mas parece-nos que estamos num
hotel à beira mar, não dá nenhum balanço. Passou-se o dia muito
bem. Na primeira noite atrasámos os relógios uma hora e na
segunda, outra hora, portanto temos 2 horas atrasadas de Lisboa.
Dia 11 de Junho
Sábado, passámos todo o dia muito bem dispostos, o mar
sempre a mesma mansidão. À um hora começamos a avistar a Ilha
de São Miguel. É muito bonita a vista da ilha de barco.
Chegámos ao cais às 4 horas, desembarcámos às 5 e meia. Fomos
dar uma volta de táxi à cidade de Ponta Delgada, onde o barco
estava atracado. Demos mais uma volta a pé a ver estabelecimentos,
que tem bastantes, fomos à praça que está aberta até às 7 da tarde,
é grande mas quase toda descoberta. Jantámos no Restaurante
Bom Apetite, fomos bem servidos. Regressamos ao barco, onde
vamos dormir.
Dia 12 de Junho
Saímos para visitar a ilha às 9,15 horas da manhã, um
bonito dia, fomos de táxi em excursão organizada pelo barco.
128
Primeira freguesia, Feijão de Baixo, tem muitas estufas de
ananases, tem uma bonita igreja, tem grandes quintas com bons
palácios. Isto praticamente é só meia dúzia de grandes. Vamos em
direcção à Ribeira Grande. Também se vai vendo mais quintas, uma
é a da Duquesa Jacques Correia, bem boa, com uma grande casa
apalaçada. Toda a estrada, tanto de um lado como do outro, é tudo
com hortenses, estão em flor e o efeito é lindo. Pico da Serra, há
em volta umas serras mesmo em pico. Ribeira Seca, onde há muita
seca do tabaco (idêntica à seca do bacalhau). Ribeira Grande, uma
grande povoação, sempre tudo muito cultivado.
Todas as terras cultivadas são rodeadas de hortenses azuis
e brancas. É o que divide as terras. Isto vê-se numa grande extensão
que dá um lindo panorama. Vê-se também muita plantação de chá,
são umas arvorezinhas. Lagoa do Fogo, tem uma vista maravilhosa.
Todos estes nomes são de freguesias, não há aldeias. Vamos em
direcção às Furnas, aqui há a cultura do tabaco e chicória, e muito
gado vacum.
Miradouro de Sta. Iria, Porto Formoso, passamos à Fábrica do
chá Gorriana, Pico do Ferro, Vale das Furnas, é uma maravilha
inexplicável. As furnas são uns poços de água a ferver e há uma
parte que deita muito fumo e sente-se um grande barulho por baixo
da terra que não tem água. Há pessoas que levam para ali comida
para cozinhar e põem-se os tachos em cima da terra e ferve em
poucos minutos, assim cozinham. O parque das furnas é também
129
muito bonito e grande, é muito bem tratado, tem umas piscinas
com água nascente quente. A água é férrea, por isso é totalmente
amarela. A água passa pelos tais poços que lhes falei. O parque
pertence ao Hotel Turismo, chamado Terra Nostra, um novo hotel,
grande onde almoçamos e serviam muito bem. Nunca esquecerei o
bom queijo e ananás que lá comemos, que delícia. Toda esta volta
das Furnas é muito bonita. Do barco aqui foram 60 km sempre no
meio dum jardim de hortenses.
Freguesia Ponte da Graça, Vila Franca, aqui foi a primeira
capital dos Açores. Ribeira Seca, também com muitas estufas de
ananases. Tem uma igreja que data de 1760, foi o que ficou em pé
com o terramoto. Água do Alto, plantação e secas de tabaco, água
de Pau, Talhada, aqui há uma praia com areia preta.
Passamos pelo Aeroporto em direcção às Sete Cidades. Esta região
é onde se vê mais gado vacum em grande quantidade, nunca saem
do pasto, ali são mungidas e têm os filhos. Nada têm para se
abrigarem. Não se vê nada seco, tudo tem vegetação, sempre as
mesmas hortenses. Agora a maior parte é milho, batata e também
há vinha, chá e tabaco. É uma cultura bonita.
Chegamos às Sete Cidades, não sei explicar esta maravilha
que se vê. É uma grande cratera, onde dentro dela se vêem duas
enormes lagoas, uma com água azul, outra com água verde, que
se distingue perfeitamente as cores. Essas lagoas são divididas
130
por uma estrada e em todo a volta das lagoas à estrada por onde
andam automóveis e ainda daquela mesma cratera há mais cinco
crateras. Mas estas já estão amanhadas, isto é lindíssimo, a vista é
de um ponto altíssimo onde estamos.
Assim acabou a visita à Ilha de São Miguel. Chegamos ao
barco às 6 e meia da tarde onde estava um senhor conhecido que
quis que fossemos jantar com ele ao Hotel Baía. Regressamos ao
barco onde dormimos bem.
Dia 13 de Junho
Partida do barco às 8 e meia da noite em direcção ao Faial,
às 6 da manhã já se avistava ao longe a Ilha Terceira. Mas daqui
a quatro horas é que chegamos à Ilha do Faial. Desde as 6 horas
da manhã que vamos sempre à beira da Ilha do Pico que é muito
comprida e vê-se muito bem, as povoações, a terra e a pedra que
é toda preta, não se vê terra nem pedra castanha, é tudo queimado
pelo vulcão. Estou ao pé de uma senhora que é do Pico, e está a
explicar-me tudo. Tem o nome do Pico, porque tem uma serra que
acaba mesmo num pico com altura de 2.345 metros. Aqui cai neve,
na Ilha de São Miguel nunca cai. Há bastante pesca à baleia e
também ao atum. Já se vêem junto ao barco, alguns barcos de
pesca, tem bastante cultura de vinha e fruta de toda a qualidade.
Estamos já a ver ao longe a Ilha do Faial.
131
Às 9,35h. vê-se lindamente a cidade da Horta. É bastante bonita
vista do barco. Vêem-se 3 grandes montes separados, todos
cultivados com terreno encarniçado. O Faial é a mais pequena dos
Açores, atracámos às 10,30h. vamos sair nuns barcos pequenos.
Chegámos ao Faial, capital cidade da Horta, tem uns
estabelecimentos bons, fomos almoçar ao restaurante João do Talho
que é o único, fazem uns bons bifes, a carne é muito boa mas o
restaurante em si é muito bera. Todos os turistas que aqui vêem, vão
quase todos comer aos barcos. Está um grande barco Holandês com
turistas que trazem uns barcos para irem para terra muito engraça-
dos, parecem uns automóveis. Vamos ver a ilha, primeira freguesia
Feteira, era de 50 mil habitantes, muitos têm imigrado, só tem 17 mil.
Castelo Branco, Lamego, Serra do Capelo, Arieiro, Varadouro, uma
parte de terra que entra pelo mar, tem umas termas com balneários muito
bem arranjados, boas águas para o reumático e pele.
132
Também junto à praia uma esplanada. A areia é preta porque aqui
houve um vulcão em 1772. Vamos agora em direcção ao vulcão
dos Capelinhos que foi em 1957, foi uma coisa extraordinária. Fez
duas grandes elevações que ligam à terra. Tem aqui uma casa que
mostra todas as fotografias, desde que começou até acabar, com
datas de todos os dias seguidos e sempre diferentes.
Toda a aldeia e arredores desapareceram, agora já só tem
casinhas novas. Devia ser uma coisa impressionante, mas bonita ao
mesmo tempo.
Monte da Praia, Praia do Norte construída em 1968, Costa
Brava, Cedros, Ribeira Furada, isto são pequenas aldeias, nesta
última tem uma enormíssima cratera que em 1958 deu o sinal do
vulcão e que se vê ao meio de outra elevação de terra. Em volta há
uma grande área que não pode lá ir ninguém, porque engole tudo.
Miradouro de Espalamanca, uma vista bonita, vê-se bem a Ilha do
Pico que fica em frente.
Vai-se da cidade da Horta em barquinhos pois é muito perto, avista-se
também daqui a Ilha das Flores e a de Santa Maria, mas muito ao
longe. Monte da Guia tem um castelo, Monte Queimado, uma aldeia
com casas novas, fomos à Igreja Matriz que é riquíssima, tem 10
altares. O altar-mor é em talha dourada lindo. Um altar com a frente
trabalhada em prata que é uma beleza, com umas grandes
lanternas de prata em todos.
133
Também são todos atapetados com lindas tapeçarias, toda a igreja
é em azulejos azuis e brancos, com dois púlpitos lindos muito
trabalhados, ficámos encantados de ver isto tudo.
Embarcámos para a Ilha Terceira às 5 horas da tarde, vamos durante
3 horas no meio da Ilha do Pico e de S. Jorge, qualquer delas muito
grandes e vêem-se muito bem. Passam d’uma para a outra em
barcos pequenos. Tanto uma como outra tem fábricas de conserva
e muito gado. O barco carregou no Faial, gado, manteiga e queijo.
Dia 14 de Junho
Desembarcámos na Ilha Terceira às 7 e meia da manhã,
o barco fica ao largo, vamos nuns barcos como os cacilheiros. Na
ilha, vista de barco, vê-se muito arvoredo, há uma serra que parece
a de Sintra. Cidade de Angra do Heroísmo, capital da ilha, tem boas
avenidas, passámos à Rua de Lisboa, Rua da República, Rua Rio
de Janeiro, estas são as principais. Tem um monumento ao En-
genheiro Arantes e Oliveira, tem vários cinemas, chega a haver 15
espectáculos por dia. Tem uma praia com 15 km de comprimento,
tem umas lareiras para as pessoas fazerem comida, com balneári-
os. É muito frequentada pelos americanos. Tem um monte chamado
Monte Brasil que entra pelo mar, uns 700 metros. Tem 2 ilhéus. O
monte é todo arborizado conde está o quartel militar. À noite tudo
iluminado dá um efeito bonito.
134
A ilha tem aproximadamente 90 mil habitantes, e tudo vive
bem, tem gente muito rica, tem umas bonitas vivendas. Ninguém
casa sem primeiro ter uma casa própria. Todas as freguesias são
as melhores que temos visto. Em todas as Ilhas o povo é muito
simpático. Porto de São Mateus, um porto de pesca, o maior dos
Açores. São Sebastião, porto onde entraram os castelhanos, dizem
ainda haver descendência deles. Nesta região, há muito gado
bravo, há 4 praças de touros, são uns redondéis.
Há proprietários que dizem vender 500 cabeças de gado por
dia (o que nos parece muito).
São Sebastião foi a antiga capital de Portugal e todas as freguesias têm
casas de espectáculos.
A ilha é muito plana e muito fértil em trigo, milho, batata,
feijão, fruta, vinho, menos ananases. Também tem algum tabaco e
chá, mas muito menos do que em São Miguel. Aqui também não
têm hortenses como em São Miguel. No Faial também há bastantes
hortenses e fazem muitas touradas, a da Praia da Vitória é a maior.
Tem um seminário Padre Damião, tem a Casa do Gaiato, tem a
casa de saúde dos loucos, hospital bom. A ilha tem 75 km por 76
km. Santa Rita, onde está a Base Aérea das Lajes, uma grandeza,
tem parte portuguesa e parte americana. A parte americana
é deslumbrante, ali há de tudo em grande, hotéis, casas de
espectáculos, campo de jogos, parques para crianças, mas muitos,
pois ali vivem milhares de americanos, tudo muito bem arranjados
135
com um gosto extraordinário. Tudo ajardinado e limpo que é um
gosto.
A parte portuguesa também está bem arranjada, mas é uma
miniatura. Tem uma central eléctrica só para eles. O campo hoje
tem 17 aviões pousados, mas tem chegado a ter 100. Há fora disso,
um bairro português com muitas vivendas onde vivem também
americanos, que pagam 800$00 por vivenda, é o que sei explicar,
porque isto só visto. Fomos visitar estabelecimentos, tem muitos
de chineses, compramos uns bonés de palha para os miúdos. Aqui
a produção de leite é de 130 mil litros diários. Há uma parte com
transmissora feita pelos ingleses em 1943, é muito grande, hoje já é
de Portugal.
Assim acabamos de ver a ilha. O barco carregou mais gado, queijo
e manteiga. Tem sido uma viagem maravilhosa, o mar sempre o
melhor possível. Partimos da Terceira ao meio dia, chegámos a
Ponta Delgada às 7 da tarde, está aqui no porto de mar um barco
alemão de passageiros, e outro inglês, um barco de guerra
americano e um submarino também americano.
Assim findou a nossa viagem aos Açores que muito gostámos.
Novamente até Lisboa o mar o mais calmo possível, o que não é
sempre assim.
136
V
Uma viagem no Cruzeiro Príncipe Perfeito, a Itália, Grécia e
Jugoslávia
Guilhermina e Diogo
Partida de Sintra no dia 31 de Julho de 1971
Saímos de Sintra à 1,30h., partida do barco às 5,20h.
Comecei por querer conhecer quem eram as minhas companheiras de
camarote, tive imensa sorte. Uma senhora advogada ainda bastante
nova Ruth Garcez, muito simpática. Duas irmãs do Porto, Celeste de
20 anos e Conceição de 16 anos, muito gentis.
Tivemos às 6 da tarde uns aperitivos e bebidas à descrição. Jantar
às 8,30h., muito bem servido, salmonetes, frango assado, doce, fruta,
sorvete, e chá, café ou leite, no bar à escolha. Às 11 da noite
estávamos a passar Sagres, e às 11,30h em frente a Portimão. Já
estávamos a assistir ao conjunto João Paulo, tudo muito divertido, o
baile foi na sala da nossa classe, os da 1ª classe vieram assistir e o
pai deu o lugar à Senhora de Jorge de Mello.
137
Dia 1 de Agosto
Levantei-me às 6,30h da manhã para tomar o meu banho
sossegadamente, tornei a deitar-me, fui tomar o pequeno-almoço às
8 horas. Havia várias coisas, o pai comeu salsichas com arroz e chá,
eu tomei leite com café e brioches com doce de maçã. Nessa altura
via-se o Estreito de Gibraltar, avista-se muito bem Ceuta, com o
binóculo vêem-se grandes arranha céus, vêem-se a serra que dizem
ter uma bela auto-estrada .
Ceuta da parte direita, da esquerda Gibraltar, mas só se vê a serra
sem povoados. Às 10 horas fomos à missa, a seguir servem no
convés, e nas salas, um consomê como aperitivo, mas nós não
tomamos pois o pequeno almoço é muito bem servido que não há
vontade, embora a maior parte o tomasse. O mar uma maravilha,
não dá o mais pequeno balanço.
Às 3 horas, avista-se Proença, Alicante, Almeria , isto em Espanha é
só serra, está um ar quente, mas dentro das salas muito fresquinho.
Às 10 da noite, orquestra, dança e cinema, às 11 e meia, oferecem
sandes, bolos com fartura, acabou o dia muito bem e tudo muito bem
disposto.
138
Dia 2 de Agosto
Começou o dia muito quente, mas dentro do barco sempre
muito fresco. Às 8 e meia pequeno almoço, depois no convés a
apanhar banhos de sol e de piscina, às 11 sempre o mesmo caldo.
À 1 hora o almoço sempre muito bom, levo os menus de
todos os dias para verem. Às 4 horas passamos em frente à Sardenha,
avistam-se bem as povoações.
Veio um barco de recreio, com um senhor e duas
senhoras, junto do nosso, a dizerem-nos adeus, o que nós
retribuímos. Esta ilha é já italiana. Às 10 da noite um arraial à
portuguesa, muito engraçado, muito bem ornamentado e iluminado,
com vários bares oferecendo muita comida variada e à portuguesa,
não faltando a sardinha assada, a orquestra tocando e cantando canções
bem portuguesas, parece que estamos num arraial de Santo António,
não faltando o ar quente das fogueiras. Tudo dança, roídas e cantam,
são 3 convés cheios de cadeiras onde estamos sentados, bem se vê
que ainda estão muitos de pé, pois não há espaço para mais de mil
pessoas.
Mais um dia que passou, maravilhosamente parecendo estar-mos
num hotel à beira mar.
139
Dia 3 de Agosto
Á meia noite, os relógios adiantaram 1 hora, às 6 e meia da
manhã já se avista Nápoles, vê-se uma grande esquadra americana,
contém 12 barcos de guerra, um porta aviões e um submarino.
Atracamos às 8 da manhã.
A nossa estação marítima e porto de mar são maiores e
mais bonita.
Saímos do barco às 8,30 para visitar Nápoles, a primeira
pessoa que cumprimentamos conhecida foi a Senhora Jorge de
Mello. Fomos de autocarro em direcção às Ruínas de Herculano.
A primeira praça com uma estátua de um Rei Francês. Nápoles, a
terceira cidade de Itália, com 1.027.000 habitantes foi 150 vezes
bombardeada. O porto de mar, dizem ser o segundo da Europa,
construído pelos gregos 60 anos antes de Cristo.
A auto-estrada do sul tem 550 km, é toda à beira mar com
muitas fábricas. A auto-estrada do norte tem 800 km. Região
vulcânica em 1684 estava a 70 metros do mar, em 1779 com um
vulcão em actividade, passou a 12.000 metros do mar, esteve em
descanso e em 1864, activado novamente fez três grandes elevações
e suturou a cidade, onde hoje está construída outra nova cidade. Há
250 anos foi Nápoles dos espanhóis. Vêem-se ainda muitas casas
bombardeadas.
Fomos ver à beira mar, uma indústria de corais feitos com
140
conchas do mar. é interessante ver estas coisas maravilhosas que
fazem, mas tudo muito caro. Há um monumento feito ao Rei de
Itália, Vítor Emanuel II, em 1889. Palácio do Tribunal feito em 1800,
bonita arquitectura. Em Agosto, o centro de Nápoles, está sempre
em festa, em memória ao Rei César Augusto. Uma bonita Catedral
construída em 1300, reconstruída em 1600, estilo Gótico. Aqui há
500 igrejas e bastantes colinas. Um museu arqueológico feito em
1500. As ruínas de Herculano são muito grandes, cansámo-nos
bastante andar lá dentro. As de Conímbriga são uma miniaturazinha
destas.
A cidade vista dos miradouros é lindíssima, deve ser duas
vezes a nossa Lisboa. Tem um estádio que leva 100 mil pessoas.
A vista do miradouro Ocácio é linda. Só agora achámos a cidade
maravilhosa, porque quando andámos pelas avenidas não achámos
nada de espantar, pelo contrário, tem prédios ainda muito bombardea-
dos, a parte nova é mais ou menos o nosso Areeiro, mas tudo muito
sujo, parece que aqui não há varredores em parte nenhuma.
Há um miradouro com vários binóculos para se ver Capri. Há
o Castelo Santa Luzia. O Palácio real do Rei Humberto, construído
em 1600. Praça de Carlos I de Espanha. Teatro D. Carlos II.
Findou a visita a Nápoles, fomos jantar ao “Hotel” Príncipe
Perfeito, que é o que melhor e mais barato, nos serve. O barco às
10 horas da noite passou perto da Ilha de Capri muito bonita, ainda
141
houve baile e cinema, mas estávamos maçados e fomos deitar. Às
11 horas anunciaram que o barco às 5 da manhã passava o Estreito
de Messina, o mar continua o melhor possível. Agora vamos no Mar
Jónico, vamos em direcção à Grécia.
De Lisboa a Nápoles 3 dias.
O Fernando Rodrigues, também vem com a senhora, agora
está empregado nesta companhia de navegação, no serviço de
abastecimentos, mas vai em férias, tem estado connosco, vai no
camarote nº 4, disse-nos que querendo qualquer coisa, é só
telefonar para ele.
O autocarro da excursão era muito bom, com ar condicionado
e televisão, a temperatura é de 40º, mas temos suportado bem.
142
Dia 4 de Agosto
Começou agradável sem fazer muito calor, passou-se muito
bem o dia parecendo que o barco está parado, houve vários jogos
entre eles: corrida de cavalos, e televisão. À noite conjunto João
Paulo, baile animado e cinema. Acabou o dia muitíssimo bem. O
barco às 11,45 h. passou o Cabo Matapan.
Dia 5 de Agosto
Às 6 da manhã avistou umas montanhas da Grécia. Às 7 h.
vê-se já muito povoado, grandes barcos de guerra, aviões e porta-aviões
no Porto de Mar do Pireu. Às 8,30h. saída do barco, estamos na
capital Atenas.
Foi o centro artístico e cultural mais importante do mundo
grego. O rápido desenvolvimento de Atenas foi devido à sua
situação geográfica que fez parte da ática. Maravilhosa cidade
com 4.000 anos de história, dominada pelo rochedo sagrado
da Acrópole, coroada pelo Parthénon, o templo tantas vezes
considerado como a maior obra de arquitectura do homem.
Cintagame, a cidade perto do cais Acrópole, um monte muito
grande, todo em pedra mármore, tem uma vista surpreendente todo
em redor e tem 135 metros de altitude. As ruínas são todas em
mármore e alabastro, foram construídas 150 anos antes de Cristo,
143
em 490, os turcos evadiram e destruíram a chamada cidade do
Ouro. Em 66 depois de Cristo, a cidade tinha 3 milhões de
habitantes, 50 milhões antes da guerra, hoje é de 8 milhões. Os
turcos fugiram e foi reconstruída pelo Rei Crescoples, patrono da
cidade, onde lhe fizeram um túmulo em mármore trabalhado por 60
mil libras.
Vê-se o estádio que leva 70 mil pessoas. Catedral Matropole
em alabastro. O maior armazém de modas é Rainha Sofia. Atenas é
uma cidade muito grande, toda praticamente nova e há muita construção
a fazer. Não há arranha céus porque têm muito terreno para
construção. O terreno é muito pobre para culturas, apenas se dão
bem as oliveiras. Têm muitas fábricas, quase todas à beira mar e
fora da cidade. É muito limpa, superior a Nápoles.
Fomos a Corinto, distante de Atenas 87 quilómetros, tem auto-estrada
144
com portagem sempre à beira mar, as praias nenhumas têm areia,
só rochas. Vêem-se pequenas vivendas, mas pobres. É nesta parte
que se vêem olivais e alguns pomares. A vinha de Corinto é daqui e
é daqui que vai a passa de corinto para todos os países.
Corinto é uma cidade nova, em 1926 houve um terramoto
que destruiu tudo, depois construíram esta. O canal de Corinto tem
194 metros de altura, 6 quilómetros de comprimento, foi começado
em 1882 e acabado em 1893, A norte o Mar Jónico, a sul o Mar
Egeu.
Nesta parte, os Alemães evadiram e destruíram toda a parte
dos bosques para fazerem as suas bases, e esta parte ficou sem
água pois destruíram as nascentes. Há montanhas de mármore
branco, há uma parte de onde sai a matéria prima para o alumínio,
que vai daqui para todo o mundo.
Por cima do canal passa uma estrada e caminho de ferro.
Há muito poucas escolas, há muita gente que não sabe ler, é um
pouco como o nosso povo e são simpáticos. Esta parte de Corinto
foi começada 400 anos antes de Cristo. Em 1443 um Senhor
Constantino Vicente fez uma cidade, dando-lhe o nome de Louro
D’ouro, com porto de mar. Vê-se uma serra chamada também Mon-
te Corinto, com 1.060 metros de altura, tem em cima uma muralha
que se vê muito bem. Há uma fábrica de cigarrilhas.
145
A nossa guia é uma grega muito bonita e simpática, que
fala Espanhol, percebe-se muito bem. Neste caminho há uma parte
arborizada onde fazem numa certa época, uma festa e vêm as
especialidades de vinho que há na Grécia, e oferecem a toda a
gente que ali vai. Findou esta viagem muito bem, o barco partiu à
meia noite.
Dia 6 de Agosto
Começou-se muito cedo a ver terra jugoslava, apenas serra.
Embora a temperatura bastante alta, suporta-se bem. Saímos do
Mar Egeu, estamos no Mar Adriático, passámos em frente da Costa
da Albânia. Às 8 e 45 minutos o eclipse da lua, total.
Dia 7 de Agosto
Entrámos na Jugoslávia, foi a primeira vez que um paquete
português visitou a Jugoslávia. A cidade é Dubrovnick, cidade
fundada na idade média, deve sobretudo o seu desenvolvimento
à instalação dos fugitivos do Epidauro. As belezas naturais
de Dubrovnick transformaram esta terra, num moderno centro de
turismo, onde afluem gentes de todas as partes do mundo.
Natureza privilegiada, mar calmo de um azul belo e diferente, é
uma jóia natural do Adriático, é a cidade mais pitoresca das costas da
Dalmácia.
146
As suas antigas fortificações de rocha maciça, erguem-se
directamente sobre o mar e quase encerram a velha cidade.
A primeira coisa que salta à vista, no conjunto das edificações, é uma
grande torre de relógio oval dentro das muralhas protectoras da velha
e típica cidade.
A região comunal de Dubrovnik conta à volta de 60.000
habitantes, sendo interessante referir que a velha cidade tem
apenas 6.000. Saímos à meia noite.
Dia 8 de Agosto
Chegada Split. É o porto mais importante da costa do
Adriático, foi a principal capital de Roma em 1145. Hoje uma parte
é turística. Há um canal feito pelos Russos, este bocado é bonito,
onde tem esplanadas, toma-se banho mas não tem praia, mas está
147
tudo bem arranjado. Tem porto aéreo, muitas fábricas, a principal
indústria é o cimento e matérias plásticas. Faroz, Icha, Viz, Coestra,
Sitria, estes nomes são de povoações, tudo feio, as casas de pedra
à vista. Findou esta visita.
O barco saiu às 7 e meia da noite, às 24 horas, adianta-se 1 hora
aos relógios. Vamos em direcção a Veneza. Começamos a entrar o
canal de Veneza às 8 horas da manhã.
Dia 9 de Agosto
Veneza tem aproximadamente 330.000 habitantes, é uma
das mais extraordinárias cidades do mundo, mais de cem ilhas formam
a cidade de Veneza, que são entre si ligadas por 400 pontes.
É fácil e extremamente agradável passear num verdadeiro
labirinto de pontes e arcadas, que nos levam aos vários locais da
cidade, a qual se divide em seis bairros: Cannaregio, Castello,
Dorsoduro, San Marco, Santcroge e San Paolo.
O meio de transporte é o vaporeto e as gôndolas. As casas e
os palácios com decorações do século X, é portanto uma beleza.
O canal de Veneza é muito bonito, todo sinalizado para os
barcos entrarem. Parecem estradas na água, foi preciso 4
rebocadores para atracar o Príncipe Perfeito, 2 da direita e 2 da
148
esquerda, parecia ir aos ziguezagues até atracar.
As pontes que ligam as ilhas são em mármore branco muito
trabalhadas. Vimos maravilhas que nem consigo explicar de tanta
beleza. San Marco é a sala de visitas, o chão é em embutidos de
várias cores. Isto tudo com turismo, vêem-se trajes de todo o
mundo, vêem-se estabelecimentos de tarar, como dizem agora.
O maior comércio é o de vidros, fomos ver uma fábrica de cristais que
gostamos muito, tudo muito caro. Isto foi visto da parte da manhã,
fomos almoçar ao Hotel Príncipe Perfeito, o que nos serve mais
em conta. Da parte da tarde fomos a Pádua, de barco como os
queira, é meia hora de barco, mas sempre a ver prédios e palácios
lindos.
Esta parte é muito grande e vê-se um movimento extraordinário,
nesta estrada onde vamos tem linha férrea que nos acompanhou
149
durante muito tempo. As estradas parecem um labirinto, tem alturas
que se vêem 3 andares delas. Muitas vivendas com jardins, tanto de
um lado como do outro, muito arvoredo. Tudo muito plano. Cidade
de Strá, muito grande e bonita, fomos ver aqui um palácio do século
XVIII, Pisani.
Palácio de repouso de toda uma família de destaque, tem 140
quartos, tem o chão em embutidos, uns de mármore, outros de
madrepérola e também em marfim. Pelo chão podem avaliar o
que são as paredes e tectos. Tem uma cama onde dormiu Napoleão,
toda em rendilhados, estilo Rócócó. Também aqui veio para férias,
Vasco da Gama, Vítor Emanuel II, que vinha à caça e era Rei de
Sabóia, Hitler também aqui dormiu, e vários que não consegui fixar
os nomes. Tem uma sala de baile, em toda a volta com uma galeria
150
riquíssima, onde estavam as orquestras, que faziam oitenta sons,
isto tudo dourado. Na casa de banho há uma banheira enterrada
no chão, com 4 degraus para entrar. Tem um grande parque com
lago, há um palácio com arcadas muito bonito, era onde ficavam os
cavalos. Também há uns poços onde recolhiam a água da chuva,
pois não tinham outra.
Esta parte é muito rica em cultura de todo o género.
É in teressante que todas as propr iedades são d iv id idas por
arvorez inhas.
Desta cidade Strá a Pádua são 14 km, tudo mais ou menos igual,
muito bonito. Vimos em Pádua a Catedral de Santo António. Pádua
é uma cidade muito antiga romana 123 anos antes de Cristo, foi
nesta cidade que Santo António pregou durante uns anos. João
XXIII foi aqui arcebispo 6 anos. Também tem aqui uma memória. A
Catedral de Santo António é grandiosa, não sei explicar, mas trouxe
um livro que explica. O altar de Santo António, tem estas iniciais
S.A.C.R. VM- RP-PA-PO.
A c idade tem uma a rqu i tec tu ra an t i ga em mármore
t raba lhado .
Voltámos para Veneza por uma auto-estrada com portagem.
Chegámos ao Príncipe Perfeito às 7 e 30h., fomos jantar. Saímos
novamente para ver mais uma vez esta maravilha à noite, que nos
deixou deslumbrados.
151
Está classificada como a melhor do mundo. Dentro destas pequenas
ilhas há umas ruas estreitinhas que quase tocamos com os braços
abertos, de lado a lado. Ali há bons hotéis e grandes estabelecimentos,
compramos algumas coisas, pois é de perder a cabeça, de tudo
quanto se vê, mas como sabem somos bastante seguros nesse
aspecto. E assim acabou esta visita, que nos deixou deslumbrados
e com pena que não pudéssemos estar mais tempo.
A partida do barco foi às 24,30h. em direcção a Messina,
não saímos do convés enquanto não saiu o piloto, é muito bonito
ver as balizas todas iluminadas, e todas as ilhas também iluminadas.
Dia 10 de Agosto
Deixei parar o relógio, levantei-me às 11 horas e as minhas
companheiras também. Às 5 da tarde houve um baile dentro da
piscina, de Hippies.
Às 6 e meia via-se a cidade de Brindisi as 11 km do barco, via-se
também com o binóculo. Às 9 da noite avista-se o bico da bota,
estamos no Mar Adriático. Fomos ao cinema, houve baile, mas não
fomos e assim findou o dia.
152
Dia 11 de Agosto
Começamos a entrar no canal de Messina às 7 e 30 da manhã.
Ilha Sicília, é a maior do Mediterrâneo com 25.707 km2. As suas
montanhas setentrionais são o prolongamento dos Apeninos que
dividem a península italiana. Messina, a capital da província mãe,
com 220.000 habitantes, é uma cidade totalmente reconstruída depois
do terrível terramoto de 28 de Dezembro de 1908, que igualmente
destruiu Reggio e outras localidades vizinhas.
Era a antiga Zangle, depois chamada Messina pelos Gregos
que a ocuparam até ao século V. Conquistada pelos cartagineses,
foi libertada e reedificada por Dionísio. Em 1674 caiu sob o domínio
espanhol.
Em 1860 foi novamente libertada por Garibaldi, é a pátria do célebre
pintor Antonello, o mais famoso arquitecto do século XVIII.
Na última guerra foi quase totalmente destruída pelos
bombardeamentos aéreos, e nos anos seguintes rapidamente construída.
Messina possui um belo porto de mar, as ruas da cidade são largas
e geralmente direitas, com edifícios baixos e construídos à prova dos
tremores de terra.
A Praça Cairoli é o centro da cidade, e daí partem as artérias
mais importantes. Fomos a Taormina, a 27 km do centro, por uma
auto-estrada cheia de pontes e túneis sempre à beira mar, com uma
bela vista, praias com areia preta, muito turismo.
153
Passámos por 23 túneis todos iluminados e muito cumpridos, o
maior tem 1.600 metros. A auto-estrada da ida é separada da vinda,
mas com os mesmos túneis num plano mais baixo. Chegámos a
Taormina no cume de uma serra, a 300 metros do nível do mar, uma
cidade com bons hotéis, muitos estabelecimentos e boas vivendas.
No ponto mais alto fica o antigo teatro grego, é o monumento
mais célebre, tem a configuração de uma praça de touros todo em
tijolo, ainda hoje lá dão espectáculos ao ar livre. Tem uma vista
linda, avistando-se um monte com 1.800 metros de altura onde há
dois meses terminou um vulcão. Vê-se outro com a 3.200 metros do
primeiro vulcão isto é difícil de explicar, o que se vê levo em fotografias.
154
VI
Uma viagem a Londres e Escócia
Feita por Diogo e Guilhermina e Casal Rezina
Partida do Aeroporto às 7.45h. da tarde do dia 15 de Agosto
de 1974. Ás 8 horas serviram-nos o jantar a bordo, vamos por cima
do Atlântico, há ainda bastante sol por cima das nuvens, é bonito,
tudo muito branco. Chegámos ao aeroporto de Londres às 10 menos
um quarto da noite. Fomos de autocarro até ao hotel, onde chegámos
à meia-noite, o Hotel Parque Plaza de 1ª, muito bom. Todo o trajecto
até aqui através de muitas vivendas todas mais ou menos iguais, e
com pouca iluminação.
No dia seguinte, tomámos o pequeno almoço, bem servido, e
partimos de autocarro às 8,20 horas em direcção à Escócia. Todos os
arredores da cidade, são vivendas de 1º andar em tijolo à vista, com
jardins, todas iguais, isto durante muito tempo. A rua do hotel onde
ficámos, é Lancaster Gate.
A 1ª cidade que parámos para almoçar Oxford, uma grande
cidade universitária, tem 33 universidades muito grandes e muito
155
bonitas, todas em pedra trabalhada. Aqui as casas são todas
novamente em tijolo à vista. Os postos de gasolina nesta zona, são
enormes, têm gasolina de todas as companhias, no mesmo posto,
têm toalhetes e muitas cabinas, nalgumas cabinas têm bancadinhas
para lavar bebés, e restaurantes Coventry.
Uma cidade industrial onde se fez o maior material da guerra
de 1914. Têm umas avenidas enormes e dá um efeito bonito as casas
todas iguais de 1º andar, em tijolo tudo da mesma cor, dizem ser a
única cidade no mundo deste género, tem a fábrica do automóvel Jaguar.
Vimos a catedral que foi bombardeada pelos alemães em
1940, completamente destruída, devia ser lindíssima e grande,
fizeram uma ao lado em estilo moderno, também muito grande mas
sem arquitectura nenhuma. Todo o mundo deu para a fazer, tem 125
metros de altura e foi inaugurada em 1960. Nesta cidade só se vêm 4
arranha-céus, com 20 andares mas fora da cidade, só para escritórios.
Tem um parque, chamado Parque Memorial, muito grande com
campo para todos os jogos e diversões para crianças. Tem memoriais
de todas as entidades que morreram na guerra. Tem 6 quilómetros e
aqui se preparam para os jogos olímpicos.
Stratford, outra cidade grande, os prédios também de um
andar em tijolo, mas as frentes acabam todas em bico com uma
grande janela com cortinas bonitas, tudo igual, fora da cidade há
156
muitas vivendas com telhado em colmo, visitámos várias casas onde
viviam os primitivos, mobiladas e com louças dessa época. Há um
rio onde andam barcos com turistas, há vários parques nesta zona,
onde se vê imensa gente, pois hoje é domingo. Há também vários
restaurantes à beira rio. À saída da cidade, há um bonito palácio
onde o De Gaulle e o Churchil passaram algum tempo, escrevendo
as suas memórias.
Oxford é a 1ª cidade universitária de Inglaterra, ao longe vê-se uma
torre com 647 pés, que dá mensagens para toda a Europa.
O autocarro era verdadeiramente internacional, pois levava portugueses,
espanhóis, ingleses, irlandeses, dinamarqueses, israelitas, sul-africanos,
japoneses, indianos.
Esta parte tem muita construção de auto estradas. Gostava de dizer
todos os nomes das cidades e povoações que passámos, mas como
não sei falar inglês não sei dizer bem, por isso digo como estão es-
critas, portanto, passamos por Barnet, Hatfield, Herteford, Royston,
Cambrigde, esta é uma cidade, visitamos a catedral do século XIII.
Hoje é protestante. Tem universidades, dizem ser a segunda cidade
universitária de Inglaterra, com 100 mil habitantes. Muito industrial, é
atravessada pelo Rio Use, onde fazem desporto. Este rio passa tam-
bém em York. Aqui 250 mil americanos morreram durante a guerra
de 1945, pois os alemães deitaram-lhes os aviões a baixo. Isto é
157
tudo muito plano, só com campos para culturas, muitas sementeiras
em extensões enormíssimas, há muitas ovelhas e vacas, mas não há
arvoredo. Isto tudo durante muitos quilómetros.
Ketering, tem aqui um monumento a 200 mil francesas que
morreram na guerra de Napoleão, tem uma grande fábrica, que foi
desenhada e mandada construir por Hitler.
Almoçamos num bonito restaurante dinamarquês na cidade
de Stamford, visitámos a catedral, as centrais eléctricas são poderosas
e há campo de corrida de cavalos.
158
York, grande cidade romana que está rodeada por umas
muralhas. Aqui ficámos no Hotel Viking, bonito à beira do Use, que
atravessa toda a cidade, tem imensos barcos de recreio e também de
transportes. De Londres a esta cidade 500 km. Continua sempre a
mesma região plana e as casas sempre em tijolo, de 1 ou 2 andares
e a mesma arquitectura. As diferenças de cidade para cidade são os
feitios das janelas, todas com cortinas muito bonitas, faz lembrar a
Holanda.
Vêem-se alguns arranha céus dispersos fora da cidade, só
para escritórios. Os únicos edifícios grandes são catedrais e edifícios
públicos. Saímos de York às 9 horas da manhã. Durban uma outra
cidade fica numa elevação grande. Visitámos a Catedral que dizem
ser a mais importantes da Grã-Bretanha, é do século XII, há também
em frente dela um Castelo do mesmo século. Continuámos durante
muitos quilómetros a ver grandes relvados com muitas vacas e
também muitas povoações com vivendas iguais em tijolo. Passámos
por um túnel com uns quilómetros, tem subidas, descidas e curvas,
só para aqui entrar paga-se portagem, pois tínhamos passado por
uma grande rede de auto-estradas sem se pagar nada.
Morpett, aqui almoçámos num bom restaurante e temos sido
sempre bem servidos. Vamos agora entrar na parte da Escócia.
Já se vê o Mar do Norte. Coldstream, foi a última cidade antes da
Escócia, tem porto de mar e uma ponte que parece o aqueduto das
159
nossas águas livres, por onde passa o comboio.
É muito alto e cumprido, o mar entra por ela é bastante bonita
esta parte, 3 km depois, entrámos finalmente na Escócia, vamos à
beira mar onde passa também o comboio. Há praias e parques de
campismo. A paisagem é já muito diferente, é muito acidentada, vê-se
muita serra e bastante arvoredo. As casas já são muito diferentes, são
em pedra lascada, mas também todas iguais e só de um piso com
jardins. Os telhados são todos pretos, as chaminés dão-lhe graça.
Chegada a Edimburgo, capital da Escócia. É difícil explicar
esta vista. Os prédios são todos em pedra mas está tudo preto,
mesmo o preto carvão. As janelas e portas saltam à vista, pois são
quase todas brancas. Há prédios grandes, mas o muito é o 4º andar.
160
Têm grandes edifícios, o hotel onde ficámos é o George Hotel, todo
em pedra com uma arquitectura muito trabalhada. Também está todo
preto, por dentro é luxuoso, as salas com muitos dourados nas paredes
e tectos. Uns bons quartos onde repousamos muito bem.
Esta cidade é de 1868, toda a Escócia tem 5 milhões de hab-
itantes, a capital tem 1 milhão. A arquitectura é mais ou menos igual,
o que lhe dá um grande efeito de beleza são as chaminés e os telhados
que acabam todos em bico com uma janela no cimo. Por serem
as avenidas assim todas iguais, dá um efeito bonito. Fizemos uma
excursão de camioneta por toda a cidade. Fomos a um ponto mais
alto ver o pôr-do-sol, é lindo o sol bate na cidade que parece fogo o
sol a bater nos vidros. Levam ali as excursões para ver aquele efeito,
que é realmente bonito. E o sítio é também bonito e como fica num
grande alto, vê-se toda a cidade. Tem um grande porto de mar, tem
uma ponte que antes de haver a nossa Ponte Salazar, era ela a 1ª
da Europa, agora é a nossa. Também têm outra ao lado onde passa
o comboio. Têm grandes campos de sequeiro e de golfe, o maior da
Europa.
Vimos também o palácio onde a Rainha vai passar algum tempo.
Saímos da Escócia às 10 horas em direcção a Biggar. Viemos
pelo Norte, agora vamos pelo sul. Esta parte é muito acidentada,
completamente diferente de onde viemos. Nesta região vêem-se
muitas ovelhas e também vacas. 250 quilómetros depois, novamente
161
entrada na Inglaterra, passamos pela parte dos lagos, por 30, o maior
é o Windermede, tem 7 quilómetros e uma profundidade que permitia
andar paquetes. Tem muitos barcos, é a praia desta gente! Como é
domingo está imensa gente. Só aqui é que vimos polícias. Almoçamos
num restaurante em frente ao lago que tem o mesmo nome. É um
bonito restaurante, mas como este há muitos. Isto é muito bonito,
muito arvoredo e relvados. Há também muitas vivendas, mas também
em pedra lascada. Durante muito tempo vimos as mesmas casas em
pedra. Lokerbie, daqui vê-se o mar da Irlanda, muito ao longe. Tem-
se visto por muitas partes, grandes e altos fornos, são importantes.
Passámos por cima do canal Isbur, vamos a subir imenso. Vê-se um
radar, o maior da Grã-Bretanha.
Chegámos a Buxton às 5 horas da tarde, uma boa cidade,
fica no ponto mais alto de Inglaterra, a 1800 metros do nível do mar.
Ficámos aqui em Buxton num bom hotel, que aliás têm sido sempre
de 1ª, este tem grandes salas e a gente média inglesa, vem para
aqui passar a noite, dançam, e então assistimos a isso e gostámos
imenso, nunca tinha visto dançar tão bem, gente de meia idade, mas
dançavam que era uma maravilha, divertimo-nos e dançámos também.
No dia seguinte partimos em direcção a Londres, passando
então pelo centro da velha Inglaterra. Vou ver se consigo dizer o
nome das terras por onde passámos: Port Leck, Cheadile, Ultocheter,
Burton-upon, Trente, Coventry, nesta visitámos a Catedral.
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A 30 quilómetros de Londres, começa-se a ver muitas pontes para
peões que atravessam auto-estradas. Agora começa-se a ver
novamente as vivendas em tijolo, quase todas com jardins. Os
ingleses não gostam de morar em andares, porque gostam muito de
ter animais e todos têm a sua casa própria. É difícil de encontrar casa
para arrendar, há quartos que alugam por vezes para 3 ou 4
pessoas, pois são muito caros. Chegámos a Londres às 6 da tarde,
ao mesmo Hotel Parque Plaza.
No dia seguinte fomos de autocarro visitar a cidade, passámos
à beira do Rio Tamisa, durante bastante tempo, tem 14 pontes, uma
que atravessámos foi construída há 800 anos. Visitámos a Catedral
de São Paulo, a cúpula tem 200 metros de altura, foi destruída em
grande parte na altura da guerra de 1914. Hoje está reconstruída e
é muito bonita. Há uma ponte que abre para passarem os barcos,
vê-se o cruzador, o maior da segunda grande guerra mundial, está
como museu. A torre de Londres era uma fortaleza, também hoje
é museu. Nessa torre há uma história de corvos , quando a fizeram
apareceram uns corvos que eles trataram muito bem e ficaram lá viver
e todos tinham nome. Ainda hoje conservam lá os corvos e quando
morre algum, vem nos jornais, morreu o corvo João, por exemplo, e
vai muita gente assistir ao funeral, que é lá dentro da torre e logo
arranjam outro para o lugar daquele. Anunciam a hora do funeral,
bem entendido.
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Há uma parte da cidade onde há bancos, bolsa, agência de seguros
e todos os empregados usam chapéu de coco, casaca e chapéu-de-
chuva ou bengala, é típico e engraçado ver aquela gente toda a sair
dos empregos, com aqueles trajos. Como já disse isto é só numa
parte da cidade. Visitámos o Castelo de Windsor, onde a rainha
passa algum tempo e o Palácio Hampton Court.
No aeroporto de Windsor, de minuto a minuto parte um avião.
Admira-me como a rainha se sente ali bem com aquele barulho.
Vimos a Catedral onde casou a princesa Margarida e a princesa
Ana, só por fora, porque tinham há pouco tempo deitado ali uma
bomba, não nos deixaram ver. Andámos muito pela cidade, vimos
muitas coisas. À noite fomos ver Picadilly, onde estão os hippies de
noite e de dia, é uma miséria. Vimos estabelecimentos deles, vimos
museus que não se pode explicar o que lá se vê.
Assim acabou a nossa viagem, na maior ordem e bem-dispostos,
sem termos a mais pequena dificuldade.
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Os magníficos azulejos da Quinta de Santo António da Cadriceira
Segundo José Meco no livro “Azulejo em
Portugal”, de 1989, os painéis de az-
ulejos da Quinta de Santo António da
Cadriceira, são, a par dos existentes
no Palácio dos Marqueses de Fron-
teira, em São Domingos de Benfica, dos
mais representativos dos finais do Século
XVII em Portugal (cerca de 1669 *).
São de grande qualidade em termos de manufactura, são dos mais impor-
tantes da sua época e são muitíssimo curiosos quanto ao seu tema. Os dois
painéis hoje conhecidos e que se encontram no Museu Nacional do Azulejo
(Convento da Madre Deus em Lisboa) e no Museu de Torres Vedras, são
policromos e a sua temática é figurativa, de notável ironia, tema que à época
se dominava de “macacarias” ou “singeries” (da tradução francesa de
macaco “singe”), alguns com base em desenhos ou histórias de influência
estrangeira. Este tipo de representações figurativas e profanas destinavam-se a
palácios e espaços da arquitectura civil, apresentam composições despretensiosas
à maneira de banda desenhada, de intenção caricatural e irónica, que ocul-
tavam por vezes alguma crítica mordaz à sociedade da época.
Estes painéis demonstram uma grande evolução quanto à representação
perspéctica do espaço, a qual, é de certa maneira, precursora das grandes
composições de azulejos do Século XVIII.
Casamento da Galinha
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Deixaram de ser simples regis-
tos isolados e ganharam grande
autonomia por si só, sem serem submissos aos espaços arqui-
tectónicos para os quais estavam
destinados.
Estas características e a evolução
das técnicas dos respectivos
pintores são próprias do período de 1660 a 1680, época auge da azulejaria
policroma em Portugal. Estes aspectos levam também a datar, com alguma
certeza, o período do
Século XVII em que foram
realizados. Os painéis
de contorno carregado e
realizado a manganês, são
preenchidos com diversos
materiais cromáticos que
a pintura azulejar dis-
punha na época, desprezando os verdes de cobre e os roxos de manganês,
os quais vêm depois a ser muito utilizados pelos mestres de azulejaria do
esplendor joanino do barroco. Por todas estas razões os painéis da Quinta
de Santo António da Cadriceira são considerados, pelos especialistas,
como espectaculares para a sua época, sendo notório o seu efeito visual e a
sua temática muito curiosa e de grande raridade.
Caça ao Leopardo
Singeries
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* Em 1669 os painéis do Palácio dos Marqueses de Fronteira já estavam
aplicados e os da Quinta de Santo António são seus contemporâneos, o que
leva também a supor com alguma exactidão, a respectiva época.
Nota: os painéis da Quinta de Santo António da Cadriceira estiveram
expostos com enorme destaque na exposição “Europália” em 1991 em
Bruxelas.
Bibliografia:
Meco, José – “Azulejaria Portuguesa”, Bertrand Editora, 1985;
Meco, José – “O Azulejo em Portugal”, Publicações Alfa, Lisboa, 1989;
Livro da Europália
… - O Museu Nacional do Azulejo, Publicações …, 1991.
Sobre o tronco fóssil da Quinta de Santo António da Cadriceira:
Talvez o mais imponente achado paleobotânico em Portugal seja o tronco
fóssil de “Protopodocarpoxylon teixeirae” descoberto na Quinta de Santo
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António da Cadriceira, considerado por vários cientistas como uma
espécie nova para a ciência. Este fóssil possui 20 m de comprimento e 1,30 m
de diâmetro, tendo sido considerado na época um dos maiores troncos
silicificados encontrados em termos mundiais. Apesar de reconhecido no
Plano Director Municipal de Torres Vedras e incluído no seu Inventário
Municipal do Património, de existir um projecto de musealização elaborado
com o Museu Nacional de História Natural, o fóssil encontra-se enterrado
desde que foi estudado na década de 40.
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