depois da teoria- um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo

Upload: julliana-biscaia

Post on 31-Oct-2015

62 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 175

    Resenha

  • 176

  • 177

    EAGLETON, Terry. Depois da Teoria: um olhar sobre osEstudos Culturais e o Ps-Modernismo. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2005. 301p.

    Alexandro Neundorf 131

    relativamente banal dizer hoje em dia que Jean-FranoisLyotard o pai do ps-modernismo na Frana e um dos maiorespensadores desse novo ismo no mundo. Porm, e cercado porcontrovrsias, Lyotard havia emprestado de Arnold Gehlen o conceitode grandes idias explicativas para construir sua conhecida teoriado fim dos metarrelatos, fundamento principal do ps-modernismo.

    No adentrando na discusso sobre se o ps-modernismo ou no uma poca, um perodo na histria, podemos apenascaracterizar os diversos autores que tratam sobre tal tema como:aqueles que, tal como Jrgen Habermas, vem-no como um desviona modernidade, ou que ento, simplesmente negam sua existncia;e aqueles que o aceitam, mesmo criticando-o.

    nesta ltima que se enquadra Terry Eagleton, professor deTeoria Cultural na Universidade de Manchester e que publicouinmeros livros, destacadamente Teoria da Literatura, A Idia deCultura, Ideologia e As Iluses do Ps-Modernismo.

    Neste Depois da Teoria, onde faz um balano dos EstudosCulturais desde a dcada de 1960 at 1990, Eagleton reclama, entreoutros pontos: que no podemos ficar sem teoria, que sem ela noh vida reflexiva, uma vez que teoria significa uma reflexorazoavelmente sistemtica sobre as premissas que nos orientam,ela permanece to indispensvel quanto sempre (p. 14); que aguerra ao terror teria reinstalado as metanarrativas, antes banidaspor Nietzsche, Heidegger e Derrida; e que o ps-modernismo seriaele mesmo uma metanarrativa. Perpassando essas idias centrais,ele desenvolve uma avaliao acerca das perdas e dos ganhos daTeoria Cultural, no s respondendo as crticas como tambmapresentando questes que ela foi negligente. Dessa forma, seuexame do atual momento histrico aponta para a necessidade deuma nova forma de pensar, para uma reflexo sobre as formas depertencimento e para a emergncia de uma maior sensibilidadepara as mudanas.

    Em seu primeiro captulo, A Poltica da Amnsia, o autor

  • 178

    procura demonstrar, ao mesmo tempo em que faz um balano domundo contemporneo, a situao em que se encontra grande partedos Estudos Culturais, ou seja, no s trivializando temas, antesimportantssimos, como a sexualidade e a cultura popular, comotambm esquecendo-se de um passado revolucionrio e coletivista.Nesse sentido, aponta que os estudos sobre a sexualidade, gnero,cultura popular, foram as maiores conquistas da Teoria Culturalnos anos 60 e 70, mas que agora esta idade de ouro j h muitopassou. Tais temas, agora do lugar a estudos sobre o FrenchKiss, ou sobre Friends, em um processo de banalizao acrtico.Outra importante contribuio da Teoria Cultural, os estudos ps-coloniais, agora esto alterando seu foco: dos estudos da classe-nao para a etnicidade, sendo que com isso, tambm fornecem apassagem de nfase do poltico para o cultural. O resultado de talmudana a despolitizao da questo ps-colonial e a inflao dopapel que a cultura exerce dentro dele.

    Em suma, Eagleton quer dizer que [...] o que se provoumais danoso, pelo menos at a emergncia do movimento anti-capitalista, foi ausncia de memrias de ao poltica coletiva eefetiva (p. 21). Em relao s revolues anticoloniais no terceiromundo do ps-guerra e aos movimentos pacifistas e estudantis dofinal dos anos 60 e incio dos 70, [...] muito da recente TeoriaCultural tem pouca memria de tudo isso (p. 27).

    Em Ascenso e Queda da Teoria, a premissa motriz se dacom a noo de que as idias culturais mudam com o mundosobre o qual refletem (p. 43). A pergunta que se faz como aTeoria Cultural, em suas formas mais familiares (de 1965 a 1980),se relacionou com o contexto histrico especfico dos anos 1960 a1980, ou em outras palavras, a Teoria Cultural teria que prestarcontas sobre si mesma. Seria no nico momento do ps-guerra emque a extrema esquerda assumira um papel de certa preponderncia,na medida em que diversos movimentos afloravam mundialmente(rebelies estudantis, campanhas anti-guerra e anti-nuclear, frentesde libertao nacional, surgimento do feminismo, etc.), que a TeoriaCultural e suas idias estariam ancoradas. Na verdade, seria ocontexto em que ela poderia florescer, pois uma nova sensibilidadeda sociedade estava tomando forma, assim requerendo uma novapostura terica, ou ao menos, um rapprochement das matrizesque ela herdava.

    Porm, se tradicionalmente a idia de cultura significava

  • 179

    quase o oposto do capitalismo, ao longo dos anos 60 e 70 iniciava-se uma incorporao desenfreada por outras coisas, o que acabavapor descaracteriz-la. Para Eagleton, aquilo que, durante algumtempo, havia sacudido a complacncia da classe mdia foi logocooptado por ela (p. 49). assim que inicia-se o movimento dequeda, quando a teoria entra em descompasso com a realidade (qual reflete); quando desgarra-se do seu momento de origem;quando, ao radicalizar o marxismo (no qual referencia-se), terminapor sair totalmente do poltico.

    proporo que os grandes negcios se tornavam culturais,cada vez mais baseados em imagem, embalagem e apresentao,a indstria da cultura tornou-se um grande negcio (p.69). Dessaforma, e no auge dos Estudos Culturais, a cultura parecia cada vezmais imiscuda poltica nas palavras de Eagleton, era a polticacultural que havia nascido. Era nesse sentido que no mais seobjetivava subverter a ordem poltica, mas garantir um espaocultural dentro dele. Se na dcada de 60 a cultura passa a serimportante para o capitalismo, na dcada de 90 quase indistinguveldele, e isso, realmente, parte do que queremos dizer com ps-modernismo (p. 78), como afirma o autor. Nessa passagem dosanos 60 para os 90, a teoria voltou-se mais para o essencial epragmtico. Dessa forma, tambm comparando a Teoria Culturalcom o Modernismo, Eagleton aborda seu terceiro captulo: OCaminho para o Ps-Modernismo.

    A seguir, apresenta as Perdas e Ganhos da Teoria Culturalao longo do perodo do final dos anos 60 at o hodierno. Passandopor uma defesa da prpria noo de teoria, Eagleton mostra que[...] ela nos libertou da idia de que haja uma nica maneira corretade interpretar uma obra de arte (p. 136) por exemplo, assim comoela nos convenceu de que h muitas coisas implicadas na feiturade uma obra de arte alm do autor (p. 138). Tambm proporcionoua ligao entre a cultura e o poder, pois se ela resiste ao poder, ,em si mesma, uma forma irresistvel dele (p. 142). No entanto,em seu balano crtico, o autor aponta que em relao a inmerostemas a Teoria Cultural teria sido no s acanhada, silenciosa ereticente, como embaraada, dogmtica e superficial.

    No quinto captulo, Verdade, Virtude e Objetividade, expeuma defesa dessas noes ante o ataque dos ps-modernistas.Para tanto, assinala a improcedncia de algumas acusaesdisparadas contra aqueles que defendem a importncia da busca

  • 180

    da verdade. Essas acusaes apontam que tal noo seria prpriade dogmticos e fanticos. Para Eagleton, porm, todas as verdadesso estabelecidas a partir de pontos de vista especficos (p. 150),ou seja, no esto deslocadas do tempo e do espao; so histricasportanto. E a importncia da busca pela verdade ainda a marcade qualquer trabalho que almeje a chancela de cincia.

    Quando trata da Moralidade em seu sexto captulo, Eagletondiz que, apelos moralidade, como apelos psicologia, tm sido,com muita freqncia, uma maneira de evitar a discusso poltica(p. 196). E, em Revoluo, Fundamentos e Fundamentalismo(captulo 7) e A Morte, o Mal e o No-Ser (captulo 8), Eagletonfaz um balano do atual momento mundial e procura refletir acercados fundamentos, no s do fundamentalismo, como tambm daguerra ao terror.

    Resenha recebida em 27/09/2007Resenha aceita em 27/11/2007