das representaÇÕes sociais ao construcionismo social
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O GIRO LINGUÍSTICO: CRÍTICAS À TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Mário Henrique da Mata MartinsDisciplina de História da Psicologia
A virada lingüística (Faraco, 2003) ou giro lingüístico (Ibañez, 2004) designou uma
requalificação dos estudos sobre linguagem nas ciências humanas e sociais e a atribuição de
importância significativa deste fenômeno para os objetos mesmos das disciplinas e para a
formação dos elementos e processos estudados por elas. É necessário salientar que o giro
lingüístico não foi um evento pontual e historicamente demarcado, mas um conjunto de
eventos e transformações nas ciências humanas e sociais que possibilitaram no tempo longo a
compreensão da linguagem como produtora de realidades.
De acordo com Ibañez (2004), a dupla ruptura que põe em movimento o giro
lingüístico ocorre no início do século XX, quando Ferdinand de Saussere instaura os alicerces
da lingüística moderna e o estudo da língua “por ela mesma”, em oposição à filologia e o
estudo comparativo entre línguas, e quando começa a se criticar a concepção de que as idéias
são constitutivas do mundo, menção típica da filosofia da consciência que se inaugurou
séculos antes e teve em René Descartes seu momento de prestígio. Com o giro lingüístico, o
olhar da filosofia começa então a se voltar para fora do campo das “idéias”, para o mundo
objetivado das produções discursivas e dos enunciados (Ibañez, 2004).
Os precursores dessa proposta foram Gottlob Frege (1848 -1925) e Bertrand Russel
(1872-1970), cujas principais premissas eram o deslocamento dos estudos das idéias para o
estudo dos enunciados lingüísticos, públicos e objetivados com a finalidade de compreender
sua lógica estrutural e a correspondência das palavras com o mundo. Outro grande nome do
giro lingüístico foi Ludwig Wittgenstein (1889-1951) cuja obra inicial intitulada Tratado
Lógico-Filosófico, (publicada em alemão em 1921), influenciou os pensadores do Círculo de
Viena, que estavam convencidos de que a linguagem comum era um instrumento insuficiente
e fraco para lidar com assuntos filosóficos, sendo apenas a linguagem rebuscada dos
enunciados filosóficos e científicos passíveis de estudo. A essa vertente denominava-se
filosofia analítica.
Entretanto o próprio Wittgenstein abandonou muito cedo a concepção de que seria
possível construir uma linguagem ideal em virtude da fragilidade da distinção entre
enunciados analíticos e sintéticos. Foi então que passou a observar o uso da linguagem no
cotidiano, tentando compreender suas regras e modos de funcionamento. Não tinha por
objetivo, apontar e corrigir suas imperfeições ou reduzi-la a uma função descritiva e
representacionista do mundo: a linguagem não é mais um veículo para expressar idéias mas
uma produtora de realidades.
Nesse contexto, grupos de diversos países reorganizaram seus estudos em torno da
linguagem enquanto prática social. A exemplo disso, temos o Círculo de Bakhtin, composto
por Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev. Assim como nos
estudos do Círculo de Viena, Bakhtin e seus companheiros, enfocando de modo particular
questões literárias, do marxismo e do freudismo, confluíram a partir de meados de 1925-1926
para estudos nos quais a linguagem era compreendida em sua produção cotidiana, por seus
registros cotidianos, abandonando a lógica da filosofia da consciência, assim como fizeram
Wittgenstein e demais companheiros de trabalho (Faraco, 2003).
O Giro lingüístico possibilitou, por meio da requalificação da linguagem,
questionamentos e reformulações de teorias e metodologias. No ensejo dessa discussão,
começaram a emergir críticas, por exemplo, a Teoria das Representações Sociais (TRS),
especificamente no que se concebia enquanto “representação” e “universo simbólico
compartilhado”.
A noção de representação social, cunhada pelo psicólogo social Serge Moscovici na
segunda metade do século XX, assumiu um papel importante para diversos campos de estudo,
como a Antropologia, a Sociologia, a Psicanálise e a Psicologia do Desenvolvimento. De
forma geral, essa expressão faz referência a um universo simbólico e compartilhado de idéias
que possibilitam a ação no cotidiano e sustentam, institucionalizam e concretizam práticas
sociais (Spink, 1996).
O social é definido na TRS como a possibilidade de compartilhamento de idéias em
um determinado grupo. A ênfase na possibilidade de compartilhar idéias exacerba o consenso
e dirime as diferenças e os conflitos. Finda-se por cristalizar idéias em uma estrutura e
marginalizar as diferenças, obscurecendo a polissemia da vida social. Da mesma forma, a
ênfase na idéia de representação indicava um modelo no qual se acessaria a realidade, de fato,
uma realidade verdadeira instituída. Não é possível representar algo que esteja fora dos
contextos de produção, que esteja na “realidade exterior”. Fazendo uma crítica à alusão do
mito da caverna, não existe um universo externo no qual brilha o sol da verdade e um
conjunto de humanos pitorescos algemados às correntes da ignorância. A realidade está em
constante produção (Spink, 1996).
Essa é a principal premissa do movimento do Construcionismo Social, um outro efeito
do Giro Linguístico. Esse movimento propõe “explicar os processos por meio dos quais as
pessoas descrevem, explicam, ou de outro modo, dão conta do mundo em que vivem,
inclusive, a si mesmas” (Gergen, 1985, p. 266). O Construcionismo Social foi um dos
movimentos que se posicionou contra as idéias de representações apresentadas pela TRS.
REFERÊNCIAS NAS NORMAS DA APA
Gergen, K.J (1985). The social constructionist movement in modern psychology, American
Psychologist.
Faraco, C. A. (2003). Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin.
Curitiba: Criar Edições.
Ibáñez, T. (2004) O “giro lingüístico”. In: Iñiguez, L. (org.), Manual de análise do discurso
em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes.
Spink, M. J. (1996) Representações Sociais: questionando o estado da arte. Psicologia &
Sociedade, v. 8, nº 2, jul./ dez.