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DA POSSIBILIDADE DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL
AMBIENTAL
WILKEN ALMEIDA ROBERT*
ADRIANO FERNANDES FERREIRA**
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo observar se é viável a internacionalização do direito penal
ambiental, tendo em vista a repercussão global de condutas lesivas ao meio ambiente que, no
âmbito dos Estados, frequentemente, não são devidamente reprimidas. Para tanto, buscou-se
traçar linhas gerais sobre o conceito de bem jurídico penal, investigando a posição ocupada
pelo bem jurídico meio ambiente no Direito Penal contemporâneo, ao mesmo tempo em que
se perquiriu os mecanismos de funcionamento do Direito Internacional Penal, sobretudo, no
âmbito do Tribunal Penal Internacional. Para o desenvolvimento da presente pesquisa,
trabalhou-se com o método dedutivo, sob uma abordagem qualitativa, por meio de ampla
revisão bibliográfica. Tudo isso para, finalmente, buscar responder o questionamento: Por que
internacionalizar o Direito Penal Ambiental? Conclui-se, assim, não só pela possibilidade,
mas pela necessidade de atribuição de competência ao Tribunal Penal Internacional, ou
mesmo a um tribunal internacional autônomo, para o fim de tutelar o meio ambiente, bem
jurídico complexo, que engloba não apenas o aspecto ecológico, mas a própria dignidade
humana e seus bens correlatos (vida, saúde, entre outros), e portanto, tão semelhante àqueles
já protegidos internacionalmente. O tema estudado é, destarte, de inegável relevância
acadêmico-científica por possibilitar à comunidade internacional dispor de importante
mecanismo para repressão e prevenção dos crimes ambientais praticados em todo o planeta,
reduzindo-se severamente a impunidade.
Palavras-chave: Crimes Ambientais; Direito Penal Ambiental; Direito Internacional Penal.
1. INTRODUÇÃO
A criação do Tribunal Penal Internacional consolidou em âmbito global o que por
muito tempo se defendeu: a internacionalização do Direito Penal, por meio da criação de uma
Corte Internacional para julgamento de crimes demasiadamente graves, que ferem a
humanidade como um todo.
Por certo, que a jurisdição deste Tribunal, como se verá, não é irrestrita, e
tampouco é unânime a sua aceitação pela doutrina ou mesmo por todos os Estados
contemporâneos. Todavia, inegável é a sua importância para garantia dos direitos humanos,
invioláveis e indisponíveis, como o são.
* Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, pós-graduando em Direito Público pela
Universidade Federal do Amazonas e pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá em
parceria com o Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS). Email: [email protected] **
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maringá (2001), mestrado em Direito pela Universidade
Gama Filho (2005), doutor em Ciências Jurídicas pela Universidad Castilha la Mancha, na Espanha. Professor
Adjunto II, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM – ministrando as das disciplinas de Direito
Internacional Público e Direito Internacional Privado. Coordenador da Pós-Graduação da Faculdade de Direito
da UFAM, Subchefe do Departamento de Direito Público. Representante Docente do Conselho Universitário da
UFAM. Membro da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação da UFAM e Membro da Câmara de Inovação
Tecnológica da UFAM. Email: [email protected]
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Neste contexto, dada equivalente relevância da questão atinente ao meio
ambiente, na qualidade de bem comum a todos os seres humanos, cuja agressão é capaz de
repercutir em âmbito global, podendo comprometer o direito ao equilíbrio ecológico ou
mesmo, em muitos casos, maculando direitos inerentes a dignidade humana, questiona-se se
não é o caso de se prevenir e reprimir por meio do Direito Internacional Penal crimes graves
praticados em face de tal bem jurídico.
O presente trabalho objetiva, assim, responder a tal proposição, não em definitivo,
mas ao menos de modo a indicar para a necessidade, possibilidade e viabilidade de se
internacionalizar o Direito Penal Ambiental.
Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo aplicado por meio de ampla revisão de
bibliografia, sobretudo da melhor doutrina do Direito Internacional, Direitos Humanos e
Direito Ambiental.
Neste sentido, será abordado no primeiro item a questão do bem jurídico tutelado
nos crimes ambientais, destacando sua abrangência e relevância. Em seguida, será investigada
a questão do funcionamento do Direito Internacional Penal, com especial destaque ao
funcionamento, competência e jurisdição do Tribunal Penal Internacional. E, ao fim, analisar-
se-á se possível e necessário coadunar competência do Direito Internacional Penal com a
tutela do meio ambiente equilibrado.
2. DA TUTELA PENAL DO BEM JURÍDICO “MEIO AMBIENTE”
Sabe-se que, atualmente, a função primordial do Direito Penal é a proteção de
bens jurídicos. Neste sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
O respeito aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente,
interesse de toda coletividade, sendo manifesta a legitimidade do Poder do Estado
para a imposição da resposta penal, cuja efetividade atende a uma necessidade
social (AgRg no REsp 887.240/MG, rel. Min. Hamilton Carvalhido. 6ª Turma, j.
26.04.2007).
No entanto, definir com precisão o que é bem jurídico não é missão fácil, uma vez
que tal conceito é formado por concepções valorativas de cunho axiológico, de modo que
Roxin (1987:61) debruçando sobre o tema afirmou: “não é uma varinha mágica através da
qual se pode separar desde logo, por meio de subsunção e dedução, a conduta punível [...].
Trata-se apenas de uma denominação daquilo que é lícito considerar digno de proteção na
perspectiva dos fins do Direito Penal”.
Assim, a noção de bem jurídico pressupõe uma valoração positiva acerca de
determinado objeto ou situação social e de sua importância para as pessoas e para a sociedade.
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Quando primeiro utilizou a expressão, Birnbaum, visava com ela a abranger um
conjunto de valores, de conteúdo liberal, que fosse apto a basear a punibilidade dos
comportamentos que os ofendessem. Tal noção “assumiu, num primeiro momento, conteúdo
individualista, identificando-se o bem jurídico com os interesses fundamentais do indivíduo
na sociedade, com destaque à vida, ao corpo, à liberdade e ao patrimônio” (BECHARA,
2009:17).
Para Johann Anselm Ritter von Feuerbach, no mesmo momento histórico,
voltando-se contra os conceitos teológicos característicos do absolutismo, passou a considerar
o delito não mais como pecado, mas um atentado a sociedade, conceituando bem jurídico,
simplesmente como “um direito subjetivo” (MALARÉE apud BECHARA, 2009:18).
Franz von Liszt, por sua vez, voltando-se contra o poder absoluto do Estado,
numa perspectiva naturalística-sociológica, determinou o delito a partir da tese de que o
direito existe por vontade humana e visa a proteção de situações reais. Assim, o bem jurídico
era nada mais que um bem juridicamente protegido (LISZT apud BECHARA, 1899:94).
Já na segunda metade do século XX, Claus Roxin (2006:18-19), já sob a luz de
um Funcionalismo Teleológico/Garantista, corrente que postula ser função do Direito Penal a
proteção de bens jurídicos sem macular direitos fundamentais, leciona:
[...] podem-se definir os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou
finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos
os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de
um sistema estatal que se baseia nestes objetivos.
Por fim, remontando à ideia de bem existencial, indispensável ao
desenvolvimento social, e aproximando o conceito de bem jurídico da realidade atual,
inclusive com expressa alusão ao “meio ambiente”, na concepção de Bianchini, Molina e
Gomes (2009:232),
[...] é o bem relevante para o indivíduo ou para a comunidade (quando comunitário
não se pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem
comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da
individualidade da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode
e deve ser protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade
sexual, o meio-ambiente etc. são bens existenciais de grande relevância para o
indivíduo.
Seja qual for o conceito adotado, o que se deve ter em mente, portanto, é que
somente são dignos de intervenção punitiva do Estado, e do próprio Direito Penal, aqueles
comportamentos que lesionem ou exponham a perigo estes valores ou interesses mais
relevantes para a sociedade. Tais bens jurídicos podem representar valores individuais (bens
jurídicos individuais) ou coletivos/difusos (bens jurídicos supraindividuais).
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Aqueles dizem respeito aos bens jurídicos tradicionais, cujos crimes tem sujeito
passivo bem definido, recaindo a conduta sobre pessoa(s) determinadas. É o caso dos crimes
contra a vida, dignidade sexual, patrimônio, entre outros.
Os bens jurídicos supraindividuais (ou transindividuais), por outro lado, são
aqueles valores de interesse não somente individuais, mas de uma coletividade enquanto tal. É
o que Marta Rodrigues de Assis Machado (2005:103) denomina “desmaterialização” do bem
jurídico, em consequência da denominada sociedade de risco em que hoje se vive:
Na perspectiva da teoria do bem jurídico, as conseqüências disso referem-se a uma
significativa mudança na compreensão do conceito de bem jurídico, consistente no
distanciamento da objetividade natural, bem como de seu eixo individual para focar
a intervenção penal na proteção dos bens jurídicos universais ou coletivos, de perfis
cada vez mais vagos e abstratos, o que visivelmente destoa das premissas clássicas
que dão o caráter concreto e antropocêntrico do bem a ser protegido. Trata-se do
denominado processo de desmaterialização do bem jurídico.
São exemplos de delitos ofensivos à bens jurídicos supraindividuais: os crimes
contra ordem econômica, crimes contra a ordem tributária, crimes contra a organização de
trabalho, crimes contra as relações de consumo e, por óbvio, os crimes contra o meio
ambiente, todos, via de regra, considerados pela doutrina como de “perigo abstrato”.
2.1. O BEM JURÍDICO MEIO AMBIENTE E O DIREITO PENAL AMBIENTAL
Na sociedade hodierna, também denominada, como se viu, sociedade de risco, os
agravamentos dos reflexos em âmbito universal dos danos causados pelo homem, oriundos do
processo de desenvolvimento tecnológico, marcado pelo imediatismo e irresponsabilidade dos
agentes, tornam imperiosa necessidade de tutela dos bens jurídicos ambientais.
O Direito Penal procura, assim, uma fórmula capaz de assegurar uma efetiva
tutela a bens jurídicos coletivos lesados ou ameaçados de lesão, de modo que o processo de
criação de uma tipologia criminal adequada à tutela de bens jurídicos de relevância social
deve ser considerado mens legis da Constituição Federal de 1988, decorrente da concepção de
Estado de Direito democrático.
O bem jurídico supraindividual “meio ambiente” se traduz, neste contexto, como
direito de terceira geração, direito à fraternidade, direito de todos os cidadãos (difuso), por
isso considerado também um bem jurídico universal. Isso é o que se verifica, por exemplo, na
classificação de Paulo Affonso Leme Machado (2007:118):
O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo.
O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo
tempo “transindividual”. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de
interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma
coletividade indeterminada.
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Não por acaso, o artigo 225, em conjunto com o artigo 170, VI, ambos da
Constituição Federal de 1988, preveem que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, entendido como um bem essencial à qualidade de vida,
atribuindo ao poder público e a coletividade a defesa deste ambiente, esta realizada mediante
tratamento diferenciado, conforme o impacto causado em decorrência de produtos e serviços
realizados neste espaço.
O texto Constitucional, contudo, não conceitua meio ambiente, remetendo à
norma infraconstitucional essa competência. Assim sendo, no Brasil, o conceito legal que se
utiliza é o do inciso I, do art. 3º, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº
6.938/81), o qual preceitua ser meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas”. É o que também se denomina “macrobem ambiental”, o qual não se confunde
com os recursos ambientais em si (“microbem ambiental”): “a atmosfera, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da
biosfera, a fauna e a flora” (art. 3º, V, da Lei nº 6.938/81).
Em âmbito internacional, o conceito de meio ambiente é encontrado no Princípio
n.º 2 da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
realizada em Estocolmo no ano de 1972, como sendo
a união dos recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a
fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem
ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma
cuidadosa planificação ou ordenamento.
.Na mais moderna doutrina, por sua vez, tem ganhado relevo cada vez maior a
tutela do meio ambiente, tal como se observa do seguinte assentamento:
[...] não se pode definir o meio ambiente sem considerar a interação existente entre
homem e natureza. Não mais prevalece o antropocentrismo clássico, a partir do
qual o meio ambiente era tido como objeto de satisfação das necessidades do
homem. O meio ambiente deve ser pensado como valor autônomo, como um dos
polos das relação de interdependência homem-natureza, já que o homem faz parte
da natureza e sem ela não teria condições materiais de sobrevivência. (PILATI,
2011:31)
Tem-se, destarte, que o valor atribuído atualmente ao meio ambiente é
incomparável, já que a preservação da natureza é elemento essencial para continuidade da
vida humana (direito à vida e direito à saúde), de modo que sua destruição sabidamente
implica em uma série de efeitos negativos ao homem, tais como o aquecimento global, perda
da potabilidade da água, infertilidade do solo, poluição atmosférica redução da
biodiversidade, etc.
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A respeito, José Afonso da Silva (2002:821) leciona:
[...] é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações
como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como
as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas,
a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em
jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental
no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a
qualidade da vida humana.
Logo, percebe-se a íntima relação do bem jurídico meio ambiente com aquele
considerado o mais importante dos bens jurídicos, a vida, de modo que imprescindível para a
proteção e preservação da dignidade humana de todos, fundamento do Estado Brasileiro (art.
1º, III, da CF/88), a manutenção do equilíbrio ambiental. Tutelar o meio ambiente é, assim,
tutelar a saúde, a vida e a dignidade humana.
Nesta senda, por óbvio que um bem jurídico de tamanha relevância, não poderia
ser protegido apenas pelo Direito Administrativo e Civil, fazendo-se necessária a intervenção
do Direito Penal, mesmo que subsidiaria e fragmentariamente1, para tutelar o equilíbrio
ambiental.
Sobre a importância da tutela penal do meio ambiente (Cruz, 2008:168-169):
[...] a finalidade da tutela do meio ambiente é eminentemente a prevenção de danos
e, sendo assim, também a proteção penal da qualidade ambiente deve se informar
por essa idéia, traduzindo-se a criminalização de condutas danosas a este bem
jurídico em um valioso instrumento destinado a evitar práticas que vem a atingi-lo.
[...] Esta responsabilidade ambiental tem pro objeto a tutela preventiva, reparatória
e repressiva (nessa ordem necessariamente) do bem ambiental e se caracteriza pro
enfocar o problema da tutela ao meio ambiente de forma global, com incidência de
princípios referentes a responsabilidade civil, penal e administrativa [...].
Este panorama, deu ensejo, no Brasil, a criação de uma Lei de Crimes
Ambientais, a Lei nº 9.605/98, a qual bem conseguiu delinear a tipicidade das principais
condutas incriminadoras lesivas ao meio ambiente, estabelecendo como potenciais sujeitos
ativos dos crimes contra o meio ambiente, pessoas físicas e pessoas jurídicas, e como sujeito
passivo toda a coletividade, ao passo que comina sanções como forma de “frear” futuras
infrações cometidas.
A referida norma é, desta feita, um marco para o Direito Penal Ambiental
brasileiro, uma vez que, com seus 82 artigos, atualiza toda a legislação criminal ambiental até
então vigente, tais como o Código Florestal, Estatuto da Terra, Código de Mineração, etc.,
revogando muitos dispositivos anteriormente aplicados, aplicando novas penalidades,
1 Em atenção ao princípio da intervenção mínima, segundo Rogério Sanches Cunha (2016, p. 69-70) “o Direito
Penal só deve ser aplicado quanto estritamente necessário, de modo que sua intervenção fica condicionada ao
fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou
perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário)”.
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reforçando outras já existentes e impondo mais celeridade aos crimes de menor potencial
ofensivo por meio da expressa possibilidade de aplicação da Lei dos Juizados Especiais (Lei
nº 9.099/95).
Em síntese, pode-se afirmar que o Direito Penal Ambiental é uma realidade no
âmbito do Estado brasileiro. Todavia, o que se questiona é, se esta tutela é suficiente para
proteção de bem jurídico de tamanha relevância. Deveria tal tutela se estender para além dos
territórios soberanos? Este é o questionamento que se tentará responder nos tópicos seguintes.
3. DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL
Em síntese, o Direito Internacional Penal é o ramo do Direito Internacional
Público que representa um “complexo de normas penais visando à repressão das infrações que
constituem violações do direito internacional” (DOTTI, 2004:109). É, assim, um conjunto de
normas internacionais (tratados, convenções, costumes, etc) que delineiam tipificações,
incluindo preceito primário e secundário, ao mesmo tempo que normatizam a persecução,
julgamento e execução penal de crimes internacionais.
O Direito Internacional Penal atual, entretanto, pode ser observado ainda em sua
forma embrionária, sem devida aderência dos Estados. Em virtude de inexistir ainda um
Código Internacional Penal, e em razão de, em cada Estado, haver um direito penal interno,
muitos negam, ou mesmo ignoram, sua existência, sob a afirmação de que o direito interno
decorrente da soberania nacional já trata das condutas e fixas as correspondentes penas.
Contudo, a história vem mostrando o contrário. A utilização do instituto da
extradição, bem como critérios de extraterritorialidade demonstram que o direito penal
ultrapassou fronteiras e vai gradativamente se internacionalizando. É realidade, inclusive,
como se sabe, uma Corte Internacional, em pleno funcionamento, instituída especificamente
para o julgamento de crimes internacionais.
3.1. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Em 17 de junho de 1998, após ser ratificado por 60 (sessenta) nações, foi firmado
o Estatuto de Roma, criando, no seu art. 1º, o Tribunal Penal Internacional (TPI), instituição
permanente, com sede em Haia na Holanda, dotada de personalidade jurídica internacional, e
que faz parte do sistema da ONU, embora possua independência interna.
Possui jurisdição, podendo exercer suas funções e prerrogativas, de acordo com o
disposto no art. 4.2 do Estatuto, no território de qualquer Estado-Parte e, mediante acordo
especial, no território de qualquer outro Estado.
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O Estatuto de Roma veda ainda a figura das reservas (art. 120), a fim de evitar que
os países com menor interesse em cumprir seus termos pretendam, por exemplo, se eximir do
dever de entrega de seus nacionais ao Tribunal, sob alegação de que tal ato violaria a
proibição constitucional de extradição de nacionais. Tal vedação, assim, no entender de
Mazzuoli (2011:838-839) mostra-se como ferramenta para a atividade e funcionamento da
Corte.
O referido Estatuto foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 4.388, de 25 de
setembro de 2002, passando a vigorar no país em 1º de setembro de 2002, nos termos do
artigo 126 do Decreto Legislativo 112/2002, implicando assim na submissão do Brasil à
jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Submissão esta, aliás, que por força da Emenda
Constitucional 45, de 2004, ganha status constitucional, sendo incluído o §4° ao art. 5° da
Constituição Federal, dispondo, in verbis, que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.
Deve-se destacar que o Tribunal Penal Internacional apenas julga crimes
cometidos após a sua instauração (não é um Tribunal ad hoc) e tem jurisdição subsidiária à
jurisdição dos Estados, (MAZZUOLI, 2009:89). Além disso, é regido pelo Princípio da
Complementariedade, positivado no art. 1º do Estatuto, segundo o qual a jurisdição do TPI
terá caráter excepcional e complementar, sendo exercida somente no caso de incapacidade ou
falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição primária
(PIOVESAN, 2008:223-224).
Assim sendo, os Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes
previstos no Estatuto do Tribunal ficando condicionada à incapacidade ou omissão do sistema
judicial interno para funcionar (ACCIOLY, 2011:852-853).
Pelo exposto, em que pese às discussões em torno da legitimidade, nomenclatura e
natureza jurídica do direito internacional penal, o fato é que este hoje existe e possui eficácia,
principalmente, em decorrência da institucionalização do Tribunal Penal Internacional, fruto
do ligame de nações soberanas que cedem parte desta soberania, bem como de seu jus
puniendi, para que uma Corte Internacional Penal, atuante na tutela dos direitos humanos,
surgisse.
3.2. DO OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL
Segundo Alexandre Pereira da Silva (2013:62), “o que confere autonomia a uma
disciplina em relação às demais é exatamente o fato de ela possuir um objeto específico de
estudo”.
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Assim, tem-se que o Direito Internacional Penal, ao mesmo tempo que combina
princípios do direito internacional público e recepciona regras do direito penal tradicional,
também tem um objeto próprio de estudo, limitado e preciso. Ademais, possui ainda
princípios e características próprias, os quais guiam a hermenêutica de suas regras jurídicas.
Tal objeto, conforme leciona Carlos Eduardo Japiassú (2008:75), “abrange a
proteção penal da comunidade internacional e a dos bens jurídicos supranacionais, através da
repressão aos crimes internacionais próprios”.
No mesmo sentido, afirma Alexandre Pereira da Silva (2013:63) que,
reconhecendo que os graves crimes constituem uma ameaça para a paz, a
segurança e o bem-estar da humanidade, proteger a sociedade internacional dessas
sérias violações significa implantar a proteção penal de bens jurídicos
supranacionais, na ótica da Política e do Direito. Se essa proteção significa ser
global, as considerações passam a ser da pertinência da Política Internacional e do
Direito Internacional, o que acaba por ser qualificado de Direito Internacional
Penal.
Neste passo, sobre os crimes internacionais, merece ser destacado inicialmente
que estes podem ser caracterizados em dois planos: o crime em sentido estrito, ou de jus
cogens, que consiste em uma norma – seja esta de fonte convencional ou de fonte
consuetudinária – que protege valor considerado essencial em toda a comunidade
internacional e, por isso, estipula punição diretamente a indivíduos, (por exemplo, os crimes
contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra etc); os crimes internacionais lato sensu, ou
transnacionais, previstos em tratados ou costumes internacionais, cuja persecução e punição
incumbe a jurisdições nacionais (p. ex. o tráfico de drogas e a corrupção).
Para os fins do presente trabalho, interessam sobretudo os crimes internacionais
em sentido estrito, pela sua tipificação internacional e pelo seu processamento e julgamento
por uma Corte Penal Internacional autônoma, o Tribunal Penal Internacional.
Nesta senda, o TPI, como já se afirmou, foi criado originalmente para o
julgamento de crimes que se caracterizam principalmente pela hostilidade e pela violência do
homem contra o próprio homem, o qual utilizando de poder bélico e de seus interesses
internos agride o outro e coloca a Dignidade da Pessoa Humana e a comunidade internacional
em risco. Logo, o Estatuto de Roma não abarca em sua previsão típica e abstrata os crimes
massificados que maculam bens jurídicos individuais, mas sim, os que se destacam em âmbito
internacional pelo seu elevado grau de agressividade e violência, conforme prevê o preâmbulo
do próprio Estatuto:
[...] Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz,
à segurança e ao bem-estar da humanidade,
Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade
internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve
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ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do
reforço da cooperação internacional,
Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim
para a prevenção de tais crimes,[...]
Neste diapasão, observa-se que a agressão ao bem jurídico é elevada a um
patamar tão alto que as ofensas consumadas em determinado Estado são consideradas graves
a ponto de ofender a Dignidade Humana de pessoas em todo o planeta, de modo que todos,
indistintamente, são prejudicados por tal lesão. Assim, o Estatuto de Roma trouxe em seu art.
5° um rol de delitos considerados como lesivos à humanidade, atribuindo a competência ao
Tribunal Penal Internacional para a sua persecução penal:
Artigo 5º. Crimes da Competência do Tribunal
1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a
comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o
Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de guerra;
d) O crime de agressão.
Impossível não constatar, o nível de abstração do acima colacionado rol de
delitos, ainda que os dispositivos seguintes prevejam de forma individualizada cada uma das
condutas ali enumeradas, fazendo-se necessária uma interpretação aguçada do operador do
direito, pois, a inobservância dos limites destes tipos penais poderá facilmente estende-los a
crimes que não são de sua competência ou classificá-lo como figuras atípicas.
Tal carga de abstração, contudo, não foi acidental, mas premeditada pelos Estados
signatários, a fim de que os delitos previstos neste instrumento normativo internacional
possam se amoldar e enquadrar as mais distintas espécies de condutas lesivas à vida, à saúde e
à dignidade humana.
Isto é o que aponta Maria Leonor Assunção (2000:31-40). Confira-se:
Projectando as normas definidoras destes crimes no plano da teoria do bem
jurídico, tão cara à doutrina penal dominante em países europeus nos quais
Portugal se inclui, pode afirmar-se que se cumpriu, no essencial, a finalidade de
concretização das condutas ofensivas dos valores ou bens a proteger, ainda que as
sucessivas, mas inevitáveis, remissões para diplomas internacionais como as
Convenções de Genebra e a utilização de expressões vagas abertas à significação
possam estimular a discricionariedade do aplicador na sua interpretação, pese
embora, a expressa proibição da analogia incriminatória.
Dentre os delitos enumerados no art. 5º, o primeiro tipificado pelo Estatuto de
Roma é o denominado genocídio, um tipo penal complexo, que abarca em seu conteúdo 05
(cinco) condutas tidas como lesivas e propensas a destruição de grupos nacionais, étnicos,
raciais e religiosos. Leia-se o teor do art. 6° do referido Estatuto:
Artigo 6º. Crime de Genocídio. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por
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"genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou
religioso, enquanto tal:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua
destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
Destaque-se que, segundo o caput do art. 6°, somente será considerado genocídio
o delito que tenha a intenção de ceifar a existência ou a identidade de determinado grupo, mas
não necessariamente todas as condutas de genocídio – observando às alíneas que seguem –
decorrem de lesões a integridade física da pessoa. A consumação do referido crime, complexo
como é, pode ocorrer tanto pela ofensa física quanto moral, bem como por outros
procedimentos tendentes a extinguir a continuidade dos grupos mencionados no próprio
dispositivo.
Em seguida, têm-se os crimes contra a humanidade, tipificados no art. 7° da
referida norma internacional, os quais consistem basicamente em condutas relacionadas a
ataques sistemáticos e generalizados contra a sociedade civil e, portanto, não armada e não
integrante de organização paramilitar. Neste sentido, a dicção da alínea “a”, do item n,° 2 do
art. 7°:
a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que
envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1º contra uma população
civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar
esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
Assim, consistem tais crimes no uso da força contra a população de determinada
sociedade juridicamente organizada, em que as autoridades políticas permanecem inertes,
permitindo que tais condutas se consumem por meio de homicídios, extermínios, escravidão,
deportações, prisões, torturas, agressões sexuais, perseguição de grupos, desaparecimento
forçado, enfim, todas os núcleos elencados nas alíneas do aludido art. 7°.
Os crimes de guerra, por sua vez, estão descritos no art. 8° do Estatuto, e versam
acerca das condutas praticadas em prol de consumar um plano ou uma política em larga
escala, que se caracteriza pelas várias formas de violência, desde o estupro e da escravidão,
até mesmo ao homicídio, dirigidas às denominadas vítimas de guerra.
Sobre o conceito de vítimas de guerra, sintetiza Hugo Rogério Grokskreutz
(2014:22), com base no disposto na Convenção de Genebra (1949) e no Decreto nº
42.121/1957, que a inseriu no ordenamento brasileiro, como sendo: “todas àquelas pessoas
que não fazem parte do ambiente hostil, próprio de conflitos desta natureza, como as pessoas
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desarmadas, os feridos, os membros de organizações de saúde, e até mesmo os presos de
guerra”.
Por fim, os denominados crimes de agressão previstos na alínea “d” do art. 5° do
Estatuto de Roma, limitaram-se tão somente a esta previsão, não sendo
conceituados/explicados, como os demais delitos do rol do referido artigo aqui apontados. Tal
omissão legislativa dos Estados decorre da falta de consenso em torno da definição sobre tal
delito instituto, sendo, portanto, até o momento, um conceito vazio, e impossível de ser
aplicado em atenção ao princípio da estrita legalidade (GROKSKREUTZ, 2014:22).
Destarte, analisando-se as condutas tipificadas pelo art. 5° do Estatuto de Roma é
possível constatar que a intenção dos Estados organizados ao criar o Tribunal Penal
Internacional, ou mesmo o próprio Direito Internacional Penal foi, sobretudo, criar uma Corte
Internacional capaz de assegurar direitos humanos com a atenção que lhe são devidos, uma
vez que resguardar tais bens jurídicos é tutelar a dignidade da pessoa humana em si, que, pela
sua importância, é de interesse universal/internacional. Cada um dos tipos penais analisados,
assim, protege direitos humanos e fundamentais, que certamente já são previstos na maioria
dos ordenamentos jurídicos e dos tratados internacionais de direitos humanos.
4. POR QUE INTERNACIONALIZAR O DIREITO PENAL AMBIENTAL?
Neste cenário, por tudo que até aqui se discorreu, é possível verificar algumas
semelhanças dos valores protegidos pelo Tribunal Penal Internacional, com o bem jurídico
(ou os bens jurídicos) protegido(s) nos crimes tipificados contra o meio ambiente. Por essa
razão o presente item dedicar-se-á a investigar se possível a inserção de crimes ambientais no
bojo da competência do Direito Internacional Penal e o porquê de fazê-lo.
Ao analisar as condutas tipificadas no art. 5° do Estatuto de Roma, constata-se
que o intuito dos Estados signatários foi organizar uma Corte Internacional que fosse capaz de
salvaguardar os direitos humanos com a atenção que lhe são devidos, dada a envergadura de
tais bens jurídicos, os quais não podem ficar à mercê de interesses de uns poucos em
contraposição do interesse universal/internacional, corolários da Dignidade da Pessoa
Humana. Aliás, observando os tipos penais do Estatuto, extrai-se que praticamente todos se
consumam quando violam direitos humanos e direitos fundamentais, que já são objeto de
tutela dos ordenamentos jurídicos dos Estados, assim como de diversos outros tratados
internacionais.
A aspiração do Tribunal Penal Internacional é, contudo, tutelar os bens jurídicos
de maior importância tanto para os Estados, como para a Ordem Mundial, protegendo-se, em
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última instância, a Dignidade da Pessoa Humana em todos os seus ângulos, como a saúde,
integridade física, moral e a própria vida dos seres humanos.
Neste sentido, diante da similitude de valores, se começa a defender a inserção de
condutas lesivas ao meio ambiente no bojo do Estatuto de Roma, como um forma de garantia,
já que, na concepção de Araújo (2007:280) “a atividade de garantia seria criada apenas
quando uma jurisdição internacional surgisse acima das jurisdições nacionais, na defesa dos
cidadãos contra os próprios Estados”.
Propõe-se, com isso, que na omissão do Estado em tipificar, processar e julgar
graves condutas lesivas ao meio ambiente, se permitir ao Tribunal Penal Internacional a
inserção de suas forças com o propósito de proteger o bem jurídico ambiental e assim proteger
a sociedade internacional como um todo.
Nesta direção, conclui Grokskreutz (2014:23) que,
por se tratar de um bem jurídico que inquestionavelmente figura como uma conditio
sine qua non para a vida dos seres humanos, nada mais adequado do que atribuir a
maior Corte Internacional penal já existente à competência complementar para
julgar os crimes contrários a estes bens jurídicos.
Converge o argentino, Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, um dos precursores
da ideia internacionalização do Direito Penal Ambiental, formulando as seguintes questões:
Qual a diferença entre o assassinato de milhares de civis em um ataque no
Afeganistão e a matança de milhares de pessoas por contaminação da água? Ou,
qual a diferença entre a fome causada pelos conflitos tribais na África e a fome
causada pela destruição do solo e uso indevido da terra? (PÉREZ ESQUIVEL,
2009:21)
Na proposta de Pérez Esquivel (2009:21), nada mais justo do que submeter ao
mesmo Tribunal Penal Internacional de Haia, por meio da criação de uma Câmara especial
para o julgamento deste tipo de delito, ou mesmo instituindo uma Corte própria para a
matéria. Ademais, quanto à possibilidade de se macular soberania dos Estados, aponta o
professor, que o meio ambiente está associado a valores e qualidade de vida, argumentando
que a soberania alimentar e a soberania dos estados se equivalem sob o prisma da visão
humanitária, não podendo um prevalecer sobre o outro, tendo as fronteiras, neste caso,
importância secundária.
Ora, de fato, as lesões ao meio ambiente não encontram barreiras territoriais e não
respeitam a soberania dos Estados. Tal limitação, contudo, muitas vezes impede que os
Estados e seus cidadãos, direta ou indiretamente prejudicados por estes delitos, e que não
estão adstritos ao mesmo território, possam iniciar a persecução penal e julgar o responsável
pela conduta.
Amoldam-se assim, tais condutas, ao conceito de crime internacional de
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Del’Olmo (2006:139): “a violação de uma obrigação tão essencial para a comunidade
internacional em seu conjunto que o tornaria punível por todos os Estados”.
Nada mais correto, desta feita, que a união de todos os Estados soberanos para
combater e incriminar tais delitos poderá ser uma das alternativas em prol de salvaguardar a
vida humana digna, que somente pode existir em um meio ambiente equilibrado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem-se, ao fim da presente pesquisa, que comumente os Estados não reprimem
com a devida proporcionalidade os crimes ambientais praticados em seu território soberano,
sobretudo aqueles mais graves, que afetam um número indeterminado de pessoas, muitas
vezes além de suas fronteiras.
Isto implica em uma impunidade sistemática, uma vez que, em tese, os indivíduos
e Estados afetados não têm a quem recorrer para reprimir as condutas danosas praticadas e
prevenir que novos delitos ocorram.
Ao mesmo tempo, nas hipóteses de crimes ambientais que repercutem em
territórios de mais de um Estado, temerário que os responsáveis sejam processados e julgados
em duas distintas jurisdições, sob pena de dupla ou múltipla condenação, em clara ofensa ao
princípio do ne bis in idem.
Além disso, deve-se ter em mente que tutelar o meio ambiente não significa
apenas proteger recursos naturais, tais como fauna, flora, solo, recursos hídricos, etc.
(microbem ambiental), mas, muito além disso, proteger a própria dignidade humana e seus
bens jurídicos correlatos: vida, saúde, entre outros.
Vale lembrar, por oportuno, que a internacionalização do Direito Penal muito
preocupou estudiosos do tema, a pretexto de se ferir soberania dos Estados, sendo questionada
até hoje a competência do Tribunal Penal Internacional. Todavia, não se pode negar
atualmente a importância de se ter um mecanismo de controle penal supra-estatal para os
crimes que repercutem contra toda a humanidade.
É, frise-se, justamente o caso dos crimes ambientais, conforme se verificou no
presente artigo, demandando que a comunidade internacional se una em prol da tutela penal
do meio ambiente e, por via de consequência, da própria vida humana, assim como em
determinado momento histórico se uniu para punir crimes relacionados à violência armada em
grande escala contra coletividades de seres humanos.
Por tudo isso, e ainda por razões outras que o presente trabalho não conseguiu
abordar – até porque não tem a pretensão de esgotar o tema, mas, ao contrário, incitar
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discussões a respeito da problemática –, é que, ao desfecho do presente estudo, conclui-se
pela necessidade de atribuição de competência ao Tribunal Penal Internacional, dada a
similitude do bem jurídico com aqueles que este já tutela, ou mesmo que seja instituído um
tribunal ambiental internacional autônomo, para o fim de resguardar o bem jurídico meio
ambiente, quando este é maculado de forma extremamente gravosa, tipificando, processando,
julgando, reprimindo e prevenindo-se os crimes ambientais internacionais.
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