curso de direito constitucional - 9ª edição

1427

Upload: romulo-rodrigues

Post on 19-Oct-2015

166 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 1 2/3/2011 14:40:09

  • Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 2 2/3/2011 14:40:09

  • Andr Ramos TavaresDoutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP; Livre-Docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da USP; Professor dos Cursos de Mestrado e Graduao em Direito da

    PUC/SP; Professor dos Cursos de Doutorado, Mestrado e Graduao em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor do Programa de Doutorado em Direito Pblico da

    Universit di Bari Itlia; Professor Convidado da Universidade de Santiago de Compostela Espanha (2006); Visiting Research Scholar na Cardozo School of Law New York (2007);

    Visiting Foreign Professor na Fordham University New York; Pr-Reitor de Ps-Graduao Stricto Sensu da PUC/SP; Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais e

    Diretor da Escola Judiciria Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral.

    9 ediorevista e atualizada

    2011

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 3 2/3/2011 14:40:10

  • ISBN 978-85-02-11869-0

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Tavares, Andr RamosCurso de direito constitucional / Andr Ramos

    Tavares. 9. ed. rev. e atual. So Paulo : Saraiva, 2011.

    1. Direito constitucional I. Ttulo.

    10-13334 CDU-342

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Direito constitucional 342

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

    Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo PintoDiretor de produo editorial Luiz Roberto CuriaGerente de produo editorial Lgia AlvesEditor Jnatas Junqueira de MelloAssistente editorial Sirlene Miranda de SalesAssistente de produo editorial Clarissa Boraschi MariaPreparao de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt BressanArte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas

    Isabel Gomes CruzReviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati

    Marie NakagawaServios editoriais Carla Cristina Marques

    Elaine Cristina da SilvaCapa Ana DobnProduo grfica Marli RampimImpresso Acabamento

    Data de fechamento da edio: 18-1-2011

    Dvidas? Acesse www.saraivajur.com.br

    F il iais

    AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRERua Costa Azevedo, 56 CentroFone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 ManausBAHIA/SERGIPERua Agripino Drea, 23 BrotasFone: (71) 3381-5854 / 3381-5895Fax: (71) 3381-0959 SalvadorBAURU (SO PAULO)Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 CentroFone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 BauruCEAR/PIAU/MARANHOAv. Filomeno Gomes, 670 JacarecangaFone: (85) 3238-2323 / 3238-1384Fax: (85) 3238-1331 FortalezaDISTRITO FEDERALSIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e AbastecimentoFone: (61) 3344-2920 / 3344-2951Fax: (61) 3344-1709 BrasliaGOIS/TOCANTINSAv. Independncia, 5330 Setor AeroportoFone: (62) 3225-2882 / 3212-2806Fax: (62) 3224-3016 GoiniaMATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSORua 14 de Julho, 3148 CentroFone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo GrandeMINAS GERAISRua Alm Paraba, 449 LagoinhaFone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo HorizontePAR/AMAPTravessa Apinags, 186 Batista CamposFone: (91) 3222-9034 / 3224-9038Fax: (91) 3241-0499 BelmPARAN/SANTA CATARINARua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado VelhoFone/Fax: (41) 3332-4894 CuritibaPERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOASRua Corredor do Bispo, 185 Boa VistaFone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 RecifeRIBEIRO PRETO (SO PAULO)Av. Francisco Junqueira, 1255 CentroFone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro PretoRIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTORua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila IsabelFone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 Rio de JaneiroRIO GRANDE DO SULAv. A. J. Renner, 231 FarraposFone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto AlegreSO PAULOAv. Antrtica, 92 Barra FundaFone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo

    Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SPCEP 05413-909PABX: (11) 3613 3000SACJUR: 0800 055 7688De 2 a 6, das 8:30 s 19:[email protected]: www.saraivajur.com.br

    196.803.009.001

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 4 2/3/2011 14:40:10

  • Para Mait, com amor.

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 5 2/3/2011 14:40:10

  • Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 6 2/3/2011 14:40:10

  • 7Abreviaturas e siglas adotadas

    ADC Ao Declaratria de ConstitucionalidadeADCT Ato das Disposies Constitucionais TransitriasADI Ao Direta de Inconstitucionalidade GenricaADPF Arguio de Descumprimento de Preceito FundamentalAg. AgravoAGU Advogado-Geral da Unioart. artigoCC Cdigo CivilCDC Cdigo de Defesa do ConsumidorCf. ConfiraCF Constituio FederalCN Congresso NacionalCNJ Conselho Nacional de JustiaCPC Cdigo de Processo CivilCPI Comisso Parlamentar de InquritoDF Distrito FederalDJU Dirio de Justia da UnioEC Emenda ConstitucionalED Embargos de DeclaraoHC Habeas CorpusHD Habeas DataIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaIES Instituio de Ensino SuperiorInc. IncisoLA Lei da ArguioLC Lei ComplementarLICC Lei de Introduo ao Cdigo CivilLOM Lei Orgnica do MunicpioMI Mandado de InjunoMin. MinistroMP Medida ProvisriaMS Mandado de SeguranaOAB Ordem dos Advogados do BrasilPEC Proposta de Emenda Constitucional

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 7 2/3/2011 14:40:10

  • 8PGR Procurador-Geral da RepblicaRE Recurso ExtraordinrioRel. RelatorRISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal FederalRTJ Revista Trimestral de Jurisprudnciass. seguintesSTF Supremo Tribunal Federalt.a. traduo livre do autorTCU Tribunal de Contas da UnioTJ Tribunal de JustiaTSE Tribunal Superior Eleitoralv. Veja

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 8 2/3/2011 14:40:10

  • 9Sumrio

    Abreviaturas e siglas adotadas ...................................................................... 7Consideraes gerais sobre a obra .................................................................. 17

    Ttulo ITEORIA DA CONSTITUIO

    Captulo ICONSTITUCIONALISMO ......................................................................... 23

    Captulo IIDIREITO CONSTITUCIONAL .................................................................. 41

    Captulo IIIPODER CONSTITUINTE ........................................................................... 52

    Captulo IVCONSTITUIO ......................................................................................... 86

    Captulo VHERMENUTICA CONSTITUCIONAL .................................................. 101

    Captulo VIAPLICABILIDADE E EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 114

    Captulo VIIDO SISTEMA CONSTITUCIONAL .......................................................... 126

    Captulo VIIITEORIA DOS ATOS JURDICOS DE DIREITO PBLICO .................... 155

    Captulo IXTEORIA DA RECEPO ............................................................................ 197

    Captulo X

    TEORIA DA INCONSTITUCIONALIDADE ........................................... 215

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 9 2/3/2011 14:40:10

  • 10

    Ttulo IIA DEFESA DA CONSTITUIO

    Captulo XICLASSIFICAES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADEE TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS ........................................................ 247

    Captulo XIIJURISDIO CONSTITUCIONAL E PROCESSO CONSTITUCIO-NAL OBJETIVO ............................................................................................ 263

    Captulo XIIITCNICAS DE DECISO DOS TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS ... 286

    Ttulo IIIMEDIDAS PROCESSUAIS DE CONTROLE DA CONSTITU-

    CIONALI DADE BRASILEIRO

    Captulo XIV

    ASPECTOS HISTRICOS DO CONTROLE DA CONSTITUCIONA-LIDADE BRASILEIRO ................................................................................ 301

    Captulo XV

    DA ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUN-DAMENTAL ................................................................................................. 312

    Captulo XVI

    DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE GENRICA .. 330

    Captulo XVII

    DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMIS-SO ................................................................................................................ 338

    Captulo XVIII

    DA AO DECLARATRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ........... 347

    Captulo XIX

    DO RECURSO EXTRAORDINRIO ........................................................ 361

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 10 2/3/2011 14:40:10

  • 11

    Captulo XX

    DA SMULA VINCULANTE E DA RECLAMAO CONSTITU-CIONAL ........................................................................................................ 425

    Captulo XXI

    DO CONTROLE JUDICIAL ABSTRATO DE CONSTITUCIONA-LIDADE EM MBITO ESTADUAL E MUNICIPAL ............................... 457

    Ttulo IVDOS DIREITOS HUMANOS

    Captulo XXII

    EVOLUO E TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS ............ 485

    Captulo XXIII

    A PROTEO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ESUA CONSTITUCIONALIZAO .......................................................... 544

    Ttulo VDOS DIREITOS INDIVIDUAIS

    Captulo XXIV

    DIREITO VIDA ......................................................................................... 575

    Captulo XXV

    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................................... 584

    Captulo XXVI

    DIREITO IGUALDADE ........................................................................... 601

    Captulo XXVII

    DAS LIBERDADES PBLICAS ................................................................. 625

    Captulo XXVIII

    A GARANTIA DA LEGALIDADE E A ATIVIDADE REGULAMEN-TAR ................................................................................................................. 663

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 11 2/3/2011 14:40:10

  • 12

    Captulo XXIXDIREITO PRIVACIDADE ....................................................................... 675

    Captulo XXXDIREITO DE PROPRIEDADE .................................................................... 695

    Captulo XXXIDIREITO PRESUNO DE INOCNCIA E INDIVIDUALIZA-O DA PENA ............................................................................................ 722

    Captulo XXXIIDIREITO DE ACESSO AO JUDICIRIO.................................................. 730

    Captulo XXXIIIDIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ............................................ 740

    Captulo XXXIVPRINCPIO DA SEGURANA JURDICA............................................... 765

    Captulo XXXVCRITRIO DA PROPORCIONALIDADE ................................................ 772

    Captulo XXXVIDIREITOS DA NACIONALIDADE .......................................................... 790

    Captulo XXXVIIDIREITOS E PARTIDOS POLTICOS........................................................ 814

    Ttulo VIDOS DIREITOS SOCIAIS E COLETIVOS

    Captulo XXXVIIITEORIA GERAL DOS DIREITOS SOCIAIS ............................................. 837

    Captulo XXXIXDOS DIREITOS SOCIAIS INDIVIDUAIS DO TRABALHADOR ......... 846

    Captulo XLDOS DIREITOS SOCIAIS COLETIVOS DO TRABALHADOR ............ 850

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 12 2/3/2011 14:40:10

  • 13

    Captulo XLIDIREITO SADE...................................................................................... 854

    Captulo XLIIDIREITO PREVIDNCIA SOCIAL........................................................ 858

    Captulo XLIIIDIREITO ASSISTNCIA SOCIAL .......................................................... 872

    Captulo XLIVDIREITO EDUCAO E CULTURA ................................................ 876

    Captulo XLVDOS DIREITOS COLETIVOS ..................................................................... 891

    Ttulo VIIDAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

    Captulo XLVITEORIA GERAL DAS GARANTIAS ........................................................ 897

    Captulo XLVIIDO HABEAS CORPUS ........................................................................... 906

    Captulo XLVIIIMANDADO DE SEGURANA INDIVIDUAL ....................................... 911

    Captulo XLIXMANDADO DE SEGURANA COLETIVO ........................................... 950

    Captulo LAO POPULAR ........................................................................................ 961

    Captulo LIMANDADO DE INJUNO ..................................................................... 1018

    Captulo LIIHABEAS DATA ........................................................................................ 1029

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 13 2/3/2011 14:40:10

  • 14

    Ttulo VIIIESTADO E PODER: REPARTIO E FUNCIONAMENTO

    Captulo LIII

    ESTADO: CIDADANIA, REPBLICA, DEMOCRACIA E JUSTIASOCIAL .......................................................................................................... 1039

    Captulo LIV

    ESTADO: SOBERANIA E PERSPECTIVAS .............................................. 1067

    Captulo LV

    O ESTADO UNITRIO ............................................................................... 1082

    Captulo LVI

    ORIGEM DO ESTADO FEDERAL E DIREITO COMPARADO ............ 1085

    Captulo LVII

    CONCEITO E TIPOLOGIAS ...................................................................... 1098

    Captulo LVIII

    CARACTERSTICAS DO ESTADO FEDERAL........................................ 1104

    Captulo LIX

    FEDERALISMO NO BRASIL ..................................................................... 1110

    Captulo LX

    DA UNIO.................................................................................................... 1118

    Captulo LXI

    DOS ESTADOS ............................................................................................. 1122

    Captulo LXII

    DOS MUNICPIOS ...................................................................................... 1129

    Captulo LXIII

    DO DISTRITO FEDERAL E DE BRASLIA .............................................. 1146

    Captulo LXIVDA REPARTIO DE COMPETNCIAS NO BRASIL .......................... 1151

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 14 2/3/2011 14:40:10

  • 15

    Captulo LXVDA INTERVENO, DO ESTADO DE DEFESA E DO ESTADO DESTIO .............................................................................................................. 1184

    Captulo LXVITEORIA DO PODER E DIVISO DE FUNES ESTATAIS ................ 1196

    Captulo LXVIIDO PODER JUDICIRIO ........................................................................... 1206

    Captulo LXVIIIDO PODER LEGISLATIVO ........................................................................ 1239

    Captulo LXIXDAS LEIS ....................................................................................................... 1260

    Captulo LXXDO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO ........................................ 1274

    Captulo LXXIDO PODER EXECUTIVO ........................................................................... 1318

    Captulo LXXIIDA ADMINISTRAO PBLICA ............................................................ 1331

    Captulo LXXIIIDAS FINANAS PBLICAS ..................................................................... 1359

    Captulo LXXIVDAS FUNES ESSENCIAIS JUSTIA ............................................... 1365

    ndice geral ...................................................................................................... 1373

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 15 2/3/2011 14:40:11

  • Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 16 2/3/2011 14:40:11

  • 17

    Consideraes gerais sobre a obra

    A presente obra pretende apresentar, desde sua primeira edio, uma caracterstica singular. O aprofundamento teortico-constitucional na maior parte das matrias, a incluso das mais atuais discusses doutrinrias e a abordagem crtica, seja quanto prpria doutrina (especialmente a tradicio-nal), seja quanto jurisprudncia nacional, elementos presentes no decorrer de toda a obra, constituem sua preocupao desde o primeiro momento.

    Infelizmente muito se reproduz e pouco de inovador se produz no contexto das sociedades de massa, cujo estgio avanado j alcanou o ensino universitrio e tcnico. Enquanto diversos manuais parecem girar em torno de um eixo central bastante simples, qual seja, a abordagem des-critiva, acrtica e muitas vezes sem suporte terico (e at mesmo com con-fuses tericas alarmantes), perfil que no estimula nem o raciocnio nem a reflexo, procurei distan ciar-me desse contexto. Escrever para atender a uma demanda cega do mercado editorial seria desonestidade ou, pelo menos, descom promisso intelectual, se a obra pretende trabalhar de maneira con-sistente e crtica tanto as diversas concepes tericas quanto os problemas concretos e reais da prtica constitucional brasileira.

    Esta obra, nessa linha, no segue estruturas arcaicas que refletem (in-conscientemente) pensamentos e escolas ultrapassadas s quais se filiam seus autores. No repete temas incoerentes nem olvida outros que so es-senciais no pensamento terico contemporneo, como ainda ocorre na lite-ratura nacional mais divulgada.

    Creio que a superao dos manuais de estilo meramente descritivo seja impositiva para o aprimoramento acadmico. certo que obras desse modelo atendem a um apelo especfico do mercado, mas jamais podero ser consideradas como academicamente engajadas, porque imprestveis para a boa formao das chamadas carreiras jurdicas. S podero ser con-venientemente utilizadas com a conscientizao, por parte de todos os in-teressados, da funo especfica e restrita qual podem servir, cons-cientizao que envolve, numa reciprocidade, educao e ensino de melhor qualidade. Seu papel o de comporem um compndio que sistematize e atualize as referncias jurisprudenciais, sem qualquer outra preocu pao.

    Ademais, diversas obras de Direito Constitucional, no Brasil, quando direcionadas para os estudos de graduao, incorporam e aprofundam par-

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 17 2/3/2011 14:40:11

  • 18

    te dos estudos que cabem s disciplinas de Direito Tributrio, de Direito Admi nistrativo, de Direito Penal, de Direito Processual e de Direito Eco-nmico. Em boa medida, isso decorre do fenmeno da constitucionalizao do Direito (fenmeno que, contudo, no se reduz a essa incorporao). Independentemente da pertinncia em realizar essa extravagante abordagem, nota-se um ntido prejuzo no aprofundamento e na discusso da teoria da Constituio, dos fundamentos da disciplina e dos principais institutos constitucionais, uma vez que boa parte do espao (ainda reduzido) que deveria ser prprio do Direito Constitucional destinado quelas outras disciplinas.

    Nem a incompletude nem a explicitao (e eventual crtica) de teses de matiz diverso significam um descompromisso com a evoluo cientfica do estudo do Direito Constitucional ou um sincretismo metodolgico ilgico ou inaceitvel. Pelo contrrio, so formas adequadas para o enrique-cimento dos estudos constitucionais por significarem um alto grau de com-prometimento e honestidade acadmicos.

    Complementando esse panorama, verifica-se que o corpo docente, no Brasil, oferece sinais claros de uma qualificao cada vez maior, capaz de superar a miopia, a imaturidade e o descaso que nitidamente muitos autores e operadores do Direito ostentam perante a Constituio, e pelas carreiras e pesquisas acadmicas como singulares e exigentes de um compromisso verdadeiro.

    Partindo dessas consideraes, nesta obra, pretendo realizar uma cons-tante atualizao temtica e doutrinria, o que envolve a incorporao e discusso das mais recentes teorias constitucionais, sob os mais variados assuntos, produzidas no Brasil e no estrangeiro. Eviden temente que, a cada edio, realizada, tambm, a (rdua) tarefa de atualizao do Direito Constitucional brasileiro, constantemente surpreendido em sua (terica) serenidade por emendas constitucionais dotadas de uma particular fria transformadora. Essa assuada anuncia que, na prtica brasileira, muda-se a Constituio com a mesma intensidade com que se mudam as leis comuns, obrigando muitos de nossos melhores autores a submeterem suas excelen-tes obras mutabilidade prpria da Constituio brasileira. Esta obra tambm no consegue escapar dessa realidade, altamente mutvel, na medida em que procura realizar, alm do aspecto terico, um estudo especfico da ordem constitucional brasileira.

    A apresentao e crtica de uma nova teoria ou tese no to simples como a atualizao de uma regra constitucional modificada por emenda (para muitos basta, aqui, reproduzir o novo texto normativo), o

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 18 2/3/2011 14:40:11

  • 19

    que faz com que, muitas vezes, um longo perodo (para absoro e refle-xo) anteceda uma atualizao doutrinria e temtica, que constitui a principal proposta dos estudos que se seguem. Nesse sentido, a mudana de alguns dispositivos constitucionais, absolutamente secundrios em termos de concepo de Direito, embora no seja ignorada ao longo das novas edies, no capaz de ferir de morte a obra.

    Assim, na segunda edio foi realizada uma grande ampliao dos estudos federativos, com a criao de diversos novos captulos dentro do ltimo Ttulo da obra (Ttulo VIII), com especial ateno para o estudo dogmtico das entidades federativas no Brasil, significado de sua autono-mia e respectiva partilha de competncias. Mas tambm foram realizadas pequenas mudanas, por vezes acrscimos pontuais, em diversos outros temas, especialmente quanto: Constituio, privacidade, ao acesso Justia, ao devido processo legal, legalidade, ao declaratria de constitucionalidade e arguio de descumprimento de preceito funda-mental, dentre outros.

    Na terceira edio houve uma especial preocupao no apresentar e desenvolver temas mais contemporneos na literatura constitucional brasi-leira: funes da Constituio, vinculao dos particulares a direitos funda-mentais, dignidade da pessoa humana, aes afirmativas. Alm destes, foi retomada e ampliada a discusso em torno de temas mais tradicionais: his-trico e evoluo dos direitos fundamentais, eficcia das normas constitu-cionais, privacidade e liberdade de expresso, comisses parlamentares de inqurito e tribunais de contas. Alguns esclarecimentos foram feitos no mbito da teoria da incons titucionalidade e da inexistncia dos atos jurdi-cos de Direito Pblico.

    Na quarta edio foi incorporada a discusso em torno da regra legal, e sua inconstitucionalidade, que determinou a proibio de progresso de regime penal para o crime hediondo, com especial nfase para a deciso do STF. Em virtude de nova emenda constitucional, aparece tambm a discus-so em torno da chamada verticalizao partidria. Algumas explicitaes foram inseridas na parte destinada teoria da incons titucionalidade, da inexistncia e da recepo dos atos normativos de Direito Pblico, assim como quanto ao critrio da proporcionalidade como diretriz geral. No m-bito do constitucio nalismo, foram feitas algumas incorporaes tericas de relevncia para a melhor compreenso desse fenmeno. Em virtude de al-terao nas leis processuais, foi realizada uma explicao quanto ao regime atual do recurso extraordinrio. As classificaes do controle de constitu-

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 19 2/3/2011 14:40:11

  • 20

    cionalidade foram ampliadas a partir de modelos pouco usuais na literatura nacional, mas de grande alcance para a compre enso do significado desse fenmeno. Minha tese acerca das funes fundamentais dos Tribunais Constitucionais foi, ainda que muito sinteticamente, incorporada. Novidades jurisprudenciais quanto ao instituto ptrio da arguio de descumprimento de preceito fundamental so apresentadas e discutidas.

    Na quinta edio foi retomado o assunto da proibio de progresso do regime de cumprimento da pena, especialmente para explorar as mudan-as que essa deciso provocou no no Direito Constitucional penal, mas no modelo brasileiro de controle da constitucionalidade (particularmente a questo dos efeitos erga omnes das decises proferidas em controle difuso-concreto pelo STF). Nessa sequncia, a ideia de uma objetivizao do processo de controle difuso-concreto de constitu cionalidade foi sistemati-zada. Foram acrescentadas algumas referncias ao projeto de lei que pre-tende regulamentar a smula vinculante, a algumas decises recentes do STF em sede de habeas corpus e ampliada a discusso em torno do pro-cesso objetivo. Em virtude da Proposta de Emenda Constituio n. 415/2005 foram inseridas novas referncias constitucionais no mbito da educao e temas correlatos. Por fim, foi realizado um desenvolvimento mais amplo no que tange s funes do Ministrio Pblico (problemati-zando algumas delas) e apresentado com maior riqueza de detalhes o tema da advocacia.

    Na sexta edio diversos temas tiveram de ser revisitados, tendo em vista o impacto produzido por emendas constitucionais, leis disciplinadoras de institutos constitucionais e, em particular, a jurisprudncia do STF, embora tambm uma evoluo conceitual, em alguns casos, tenha sido o fator determinante. Essa edio trabalha de maneira crtica os seguintes temas: i) Lei da smula vinculante; ii) Lei da repercusso geral do RE; iii) reclamao constitucional por descumprimento de smula; iv) julgamento em bloco no STF e objetivizao do processo comum; v) ADPF e subsidiariedade; vi) a rediscusso acerca do papel das resolues do Se-nado Federal no controle difuso-concreto de constitucionalidade; vii) a declarao de inconstitu ciona lidade por arrastamento; viii) a proporcio-nalidade e a teoria da inconstitucio na lidade; ix) a mutao constitucional informal e a ideia de referncia ao Parlamento; x) a proporcionalidade e a garantia de legalidade; xi) a regra da congruncia no processo objetivo; xii) a nova roupagem do mandado de injuno; xiii) a infidelidade parti-dria e suas consequncias; xiv) a CPI e as minorias partidrias; xv) o usucapio urbano.

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 20 2/3/2011 14:40:11

  • 21

    Na stima edio dei seguimento necessria reviso de inmeros temas, tendo em vista o impacto produzido por novas teorias, novas emen-das constitucionais, novas leis disciplinadoras de institutos constitucionais e, em particular, a jurisprudncia do STF. Esta nova edio incorpora, de maneira crtica, comentrios acerca dos seguintes temas: i) democracia; ii) repblica; iii) justia social; iv) criminalizao de condutas como determi-nao constitucional para a tutela plena de direitos fundamentais; v) o di-reito fundamental educao; vi) a liberdade de religio e a neutralidade do Estado; vii) recentes smulas vinculantes editadas pelo STF; viii) o chamado presidencialismo de coalizo e seu significado atual; ix) a centra-lidade das comisses parlamentares no processo legislativo brasileiro; x) a linha sucessria do poder em mbito municipal; xi) o sentido da ao direta de inconstitucionalidade por omisso, especialmente a partir da nova jurisprudncia do STF sobre o tema das omisses inconstitucionais; xii) a jurisprudncia do STF sobre a diviso entre competncias privativas da Unio e competncias concorrentes com os Estados; xiii) a jurisprudncia do STF sobre o critrio a ser utilizado para indicar a extenso da capacida-de legislativa de cada entidade federativa dentro do condomnio legislativo; xiv) a jurisprudncia do STF acerca da repercusso geral no mbito do re-curso extraordinrio e o uso do mecanismo do Plenrio virtual.

    Na oitava edio da obra foram realizadas algumas reformulaes conceituais, verticalizao de estudos j presentes em edies anteriores e ampliaes temticas: i) direito privacidade; ii) direito imagem; iii) foro competente para julgamento de ministros; iv) competncias implcitas e seus fundamentos; v) obrigao geral implcita de simetria; vi) novas s-mulas vinculantes. E foram realizadas as necessrias atualizaes, especial-mente em face de novas normas ou prticas: vii) Lei do mandado de segu-rana; viii) Resoluo 388 da Presidncia do STF; ix) EC 58/09; x) novo regime de trancamento de pauta das medidas provisrias no votadas dentro do prazo pelo Congresso Nacional; xi) Nova Lei da ao direta de incons-titucionalidade por omisso; e xii) recentes emendas constitucionais (Emen-das 59 a 62, tratando de educao, servidores de ex-territrio federal, CNJ e precatrios). Procurei tambm antecipar algumas discusses, em virtude de importantes projetos de lei que se encontram em tramitao, especial-mente em virtude dos chamados xiii) Pactos Republicanos, que tambm analisei com destaque. Assim, inclui a discusso sobre as propostas de al-terao xiv) da ADPF.

    Nesta nona edio realizei atualizaes pontuais e algumas reflexes sobre o alcance sistmico de mudanas implementadas pela legislao e

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 21 2/3/2011 14:40:11

  • 22

    pela jurisprudncia ou smulas vinculantes adotadas pelo Supremo Tribunal Federal. Recordo, em especial, comentrios sobre i) o critrio fixado pelo Supremo para fins de desempate no controle de constitucionalidade; ii) a deciso pela validade ampla e irrestrita da Lei da Anistia, no Brasil; iii) a deciso acerca da Lei de Biossegurana e sua constitucionalidade e reper-cusso em temas essenciais como o direito vida, dignidade, cincia e, inclusive, quanto ao constitucionalismo; iv) a aplicao imediata da chama-da Lei Ficha Limpa; e v) a evoluo quanto judicializao dos direitos constitucionais sociais. Tambm foram incorporadas as mudanas norma-tivas mais significativas para o estudo constitucional, como i) a Lei que alterou o processo do RE; ii) as novas smulas vinculantes; iii) a obrigato-riedade do ajuizamento eletrnico de determinadas classes de aes peran-te o STF.

    Curso de Direito Constitucional - 0001-0022.indd 22 2/3/2011 14:40:11

  • 23

    Ttulo I

    Teoria da constituio

    Captulo I

    CONSTITUCIONALISMO

    1. NOTA INTRODUTRIA

    O termo constitucionalismo costuma gerar polmica em funo das diversas acepes assumidas pelo vocbulo ao longo do tempo.

    Pode-se identificar pelo menos quatro sentidos para o constituciona-lismo. Numa primeira acepo, emprega-se a referncia ao movimento poltico-social com origens histricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrrio1. Numa segunda acepo, identificado com a imposio de que haja cartas constitucionais escritas2. Tem-se utili-zado, numa terceira concepo possvel, para indicar os propsitos mais latentes e atuais da funo e posio das constituies nas diversas socie-dades3. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo reduzido evoluo histrico-constitucional de um determinado Estado.

    Gomes Canotilho adverte que no h um nico constitucionalismo, mas vrios, como o constitucionalismo do modelo ingls, o de matiz norte-ame-ricana e o de referncia francesa, por exemplo. Prefere, contudo, falar em diversos movimentos constitucionais j aqui adotando a ideia de que o constitucionalismo um movimento poltico, social e cultural com cora-es nacionais, o que lhe permite construir uma noo comum mnima para o termo constitucionalismo. A dificuldade para obter uma definio preci-sa de constitucionalismo reconhecida em autores como Rosenfeld, decor-rendo de inmeros outros fatores, e no apenas da diversidade com que empregado. Assim, pondera niCola matteuCCi que o termo bastante re-cente no vocabulrio poltico italiano e o seu uso no est ainda totalmente consolidado4. Pode-se alinhavar, contudo, como o principal, a falta de um

    1. Esse o sentido indicado por Zagrebelsky (Diritto Costituzionale, v. 1, p. 99).2. A esse respeito, muito bem pondera Karl Loewenstein que a existncia de uma constituio

    escrita no se identifica com o constitucionalismo (Teora de la Constitucin, p. 154).3. Numa posio mais extrema, dentro dessa concepo, encontra-se Dromi (La Reforma Constitu-

    cional: El Constitucionalismo del por-venir, in El Derecho Pblico de Finales de Siglo, p. 107 e s.).4. Dicionrio de Poltica, p. 246.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 23 2/3/2011 14:44:31

  • 24

    desenvolvimento mais slido do termo. Realmente, ressente-se a doutrina de um estudo mais acurado, pois comumente abandona sua abordagem ou lhe dedica ponderaes superficiais. Acrescente-se a circunstncia de que o pr-prio termo constituio (cujo significado essencial para a compreenso do constitucionalismo) padece de grande insuficincia significativa, reinando diversas concepes acerca de seu preciso contedo5. Sua historicidade acaba, muitas vezes, por impedir a construo de uma definio generalizante, que pudesse abarcar as diversas realidades histricas atuais e passadas.

    2. CONCeITO pRelImINAR

    Para MatteuCCi o constitucionalismo representa as instituies (ou tcnicas) que devem estar contempladas nos diversos regimes polticos, e que, portanto, acabam variando de poca para poca, cujo objetivo ltimo deve ser o ideal das liberdades do cidado6.

    Para Gomes Canotilho o constitucionalismo exprime tambm uma ideologia: o liberalismo constitucionalismo; governo das leis e no dos homens (Mc Ilwain). A ideia constitucional deixa de ser apenas a limitao do poder e a garantia de direitos individuais para se converter numa ideo-logia, abarcando os vrios domnios da vida poltica, econmica e social (ideologia liberal ou burguesa)7.

    KaRl Loewenstein aproxima o constitucionalismo ao que se poderia denominar ideia-fora, socialmente relevante, uma nova crena liberal que se instaurou entre os governados. Afirma, nesse sentido, que a histria do constitucionalismo no seno a busca pelo homem poltico das limitaes do poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforo de estabelecer uma justificao espiritual, moral ou tica da autoridade, em lugar da submisso cega facilidade da autoridade existente. (...) Em um sentido ontolgico, dever-se- considerar como o telos de toda constituio a criao de instituies para limitar e controlar o poder poltico8.

    5. No obstante tratar-se de realidade presente em todos os Estados.6. Dicionrio de Poltica, p. 247-8. O renomado autor italiano assevera que Constitucionalismo

    no hoje termo neutro de uso meramente descritivo, dado que engloba em seu significado o valor que antes estava implcito nas palavras Constituio e constitucional (um complexo de concepes polticas e valores morais), procurando separar as solues contingentes (por exemplo, a monarquia constitucio-nal) daquelas que foram sempre suas caractersticas permanentes. Prope-se, ento, a trabalhar os diversos conceitos e pocas a ele relacionados, para concluir, enfim, que hoje o Constitucionalismo no outra coisa seno o modo concreto como se aplica e realiza o sistema democrtico representativo (p. 257).

    7. Direito Constitucional, 5. ed., ampl., p. 66.8. Teora de la Constitucin, p. 150-1. Tambm Segundo Linares Quintana acompanha o pensamen-

    to de Loewenstein (Tratado de Interpretacin Constitucional, p. 274).

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 24 2/3/2011 14:44:31

  • 25

    Fica absolutamente ntida, pois, a apresentao do constitucionalismo como movimento que, embora de grande alcance jurdico, apresenta feies sociolgicas inegveis. O aspecto jurdico revela-se pela pregao de um sistema dotado de um corpo normativo mximo, que se encontra acima dos prprios governantes a Constituio. O aspecto sociolgico est na mo-vimentao social que confere a base de sustentao dessa limitao do poder, impedindo que os governantes passem a fazer valer seus prprios interesses e regras na conduo do Estado. O aspecto ideolgico est no tom garantstico (como decorrncia da limitao do poder) pregado pelo constitucionalismo.

    louis henkin pretendeu catalogar as principais exigncias para se reconhecer o constitucionalismo:

    1) soberania popular para o constitucionalismo atual (we the peo-ple);

    2) supremacia e imperatividade da Constituio, limitando e estabele-cendo o Governo;

    3) sistema democrtico e governo representativo, mesmo em tempos de emergncia nacional;

    4) governo limitado, separao de poderes e cheks and balances, con-trole civil dos militares, governo das leis e judicial control, assim como um Judicirio independente;

    5) direitos civis respeitados e assegurados pelo governo, geralmente aqueles indicados na Declarao Universal. Os direitos podem ser limitados, mas essas limitaes devem ter limites;

    6) instituies que monitorem e assegurem o respeito Constituio;7) respeito pelo self-determination, o direito de escolha poltica livre.

    3. ReTROspeCTO hIsTRICO

    3.1. Constitucionalismo antigo

    3.1.1. O movimento hebreu

    O constitucionalismo, como movimento que pretende assegurar deter-minada organizao do Estado, encontra suas notas iniciais na Antiguidade clssica.

    errneo supor que o constitucionalismo surgiu apenas com o adven-to das revolues modernas, que instauraram a democracia e afastaram os regimes absolutistas at ento existentes.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 25 2/3/2011 14:44:31

  • 26

    Foi KaRl Loewenstein9 quem identificou o nascimento desse movi-mento entre os hebreus, que, j em seu Estado teocrtico, criaram limites ao poder poltico, por meio da imposio da chamada lei do Senhor.

    Embora se trate de um movimento bastante tmido se comparado a seu atual estgio de desenvolvimento, preciso aceitar que aos hebreus se deve a primeira apario do constitucionalismo.

    3.1.2. As Cidades-Estado gregas

    Mais tarde, no sculo V a.C., viriam os gregos com as Cidades-Estado. Tais ncleos polticos configuraram o primeiro caso real de democracia constitucional.

    A Cidade-Estado grega representou o incio de uma racionalizao do poder, e at hoje constitui o nico exemplo concreto de regime constitucio-nal de identidade plena entre governantes e governados, uma vez que se tratava de uma democracia direta. Alm disso, o regime constitucional grego estabelecia diferentes funes estatais, distribudas entre diferentes detentores de cargos pblicos, que eram escolhidos por sorteio, para tempo determinado, sendo permitido o acesso a esses cargos a qualquer cidado.

    No entanto, tal fase do constitucionalismo foi interrompida por longo perodo de concentrao e abuso de poder, que tomou conta de todo o mun-do. Ento, como que num movimento cclico contnuo, esses prematuros regimes constitucionais e democrticos so afastados para, em seu lugar, reerguerem-se os regimes despticos, que no atendem a qualquer diploma legal.

    importante advertir que as constituies das Cidades-Estado, espe-cificamente na obra de aRistteles, eram pensadas no como um funda-mento do poder, mas sim assinalando a identidade da comunidade poltica.

    3.2. Constitucionalismo e Idade mdia

    Durante vrios sculos na Idade Mdia os homens viveram sob a tu-tela de regimes absolutistas, no seio dos quais ficava vedada qualquer forma participativa, e nenhum limite poderia ser imposto aos governantes. Estes eram compreendidos como verdadeiras reencarnaes do soberano ou en-tidades divinas, enviados de Deus para cumprir a funo de comandar o povo e, portanto, todo o aparelho estatal, o que poderiam fazer de acordo

    9. Sobre o fenmeno constitucional hebreu que aqui se relata, cf. Karl Loewenstein, Teora de la Constitucin, p. 154.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 26 2/3/2011 14:44:31

  • 27

    com sua vontade, livres de quaisquer limitaes. Suas decises eram con-sideradas acima das leis, ou seja, seus atos no se submetiam ao controle jurdico.

    Contudo, ainda na Idade Mdia que o constitucionalismo reaparece como movimento de conquista de liberdades individuais, como bem o de-monstra a apario de uma Magna Carta. No se limitou a impor balizas para a atuao soberana, mas tambm representou o resgate de certos valores, como garantir direitos individuais em contraposio opresso estatal.

    Na Idade Mdia inicia-se, pois, o esboo de uma lei fundamental. Primeiro, significou a consagrao de um conjunto de princpios, normas e prticas adotadas nas relaes religiosas e comunitrias, especialmente entre as classes sociais e o soberano. Anota Canotilho que: A ideia da lei fundamental como lei suprema limitativa dos poderes soberanos vir a ser particularmente salientada pelos monarcas franceses e reconduzida velha distino do sculo VI entre lois de royaume e lois du roi. Estas ltimas eram feitas pelo rei e, por conseguinte, a ele competia modific-las ou re-vog-las; as primeiras eram leis fundamentais da sociedade, uma espcie de lex terrae e de direito natural que o rei devia respeitar10.

    3.2.1. O desenvolvimento britnico das instituies constitucionais

    na Inglaterra que surgem aquelas inquietaes dentro da Idade Mdia que culminam no ressurgimento do constitucionalismo. Nesse pas, apesar da tradio consuetudinria de seu Direito, nasceram os primeiros diplomas constitucionais, ainda na Idade Mdia11. Compreende-se essa etapa da evo-luo constitucional como uma fase de pr-constitucionalismo.

    Identifica-se o constitucionalismo britnico, em seus primrdios, por volta de 1215, com a concesso da Magna Carta, e, em fase posterior, ini-ciada em princpios do sculo XVII, pela luta entre o Rei e o Parlamento, com a Petition of Rights, de 1628, as revolues de 1648 e 1688 e o Bill of Rights, de 168912.

    A Petition of Rights, de 1628, caracterizava-se como documento en-gajado com as liberdades pblicas.

    Constata-se que a Inglaterra, apesar dos rompantes revolucionrios, desenvolve um longo, lento e progressivo processo de construo das ins-

    10. Direito Constitucional, p. 61-2, original grifado.11. Contudo, iniciando-se o constitucionalismo ingls na Idade Mdia, sua fase mais rica apresenta-

    se j na modernidade.12. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 5. ed., t. 1, p. 122; e Marcello Cerqueira, A

    Constituio na Histria: Origem e Reforma, p. 22.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 27 2/3/2011 14:44:32

  • 28

    tituies constitucionais13, formando, por fim, uma Monarquia Constitucio-nal, em contraposio Monarquia Absolutista anteriormente vigente. Tal mudana pode ser tomada como o renascimento do constitucionalismo, trazendo consigo a alterao da fonte do poder estatal, que passa das mos do monarca (que possua um poder fundado em sua prpria imagem, com-preendido como ilimitado) para o Texto Constitucional. Segundo os estudos de Nuno PiaRRa, a doutrina da separao dos poderes remonta Antigui-dade greco-romana mas, concretamente, a teoria da constituio mista, adverte PiaRRa, que constitui a raiz histrica remota da doutrina. Na parte que envolve a garantia da liberdade individual, a doutrina de origem mo-derna, tendo nascido mais precisamente na Inglaterra do sculo XVII. Esta, pois, sua raiz histrica prxima14.

    Em verdade, o poder decorre, diretamente, da Carta escrita, mas me-diatamente o povo que se apresenta como seu titular. O monarca, at ento livre de limitaes e impedimentos, passa a ter sua conduta balizada pelos ditames constitucionais. Os sditos, por sua vez, so erigidos, paulatina-mente, condio de cidados.

    O direito constitucional ingls constituiu um modelo poltico-jurdico nico em sua poca, que contemplava o Poder Real, a aristocracia e os comuns. Formou-se, ento, um sistema de governo misto, que no se iden-tificava nem com as monarquias absolutas, nem com as repblicas aristo-crticas, nem com os regimes puramente democrticos, j experimentados poca15.

    Compreende-se como Constituio mista aquela Carta Poltica que vigorou em determinada poca histrica de molde a proporcionar s diver-sas classes sociais ento existentes a participao equilibrada no exerccio do poder. A sociedade de ento, dividida que se encontrava em estamentos, imps a ideia de que todos estes deveriam ter acesso ao poder, que no deveria restar nas mos de uma nica parcela da sociedade16.

    13. Marcello Cerqueira: ... no correta a afirmao de que o constitucionalismo ingls unica-mente obra de lenta e gradual evoluo. A transio da monarquia absoluta para um regime constitu-cional foi consequncia, tambm na Inglaterra, de uma violenta crise de natureza revolucionria. A revoluo inglesa no foi menos sangrenta e rica em incidentes do que a revoluo francesa, sobre a qual iria exercer enorme influncia (A Constituio na Histria, cit., p. 18-9).

    14. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 18.15. Sobre o tema, vide: Santi Romano, Princpios de Direito Constitucional Geral, p. 42-55; Jorge

    Miranda, Manual de Direito Constitucional, 5. ed., t. 1, p. 126.16. Como vai sublinhar Piarra: A partir do momento em que o princpio democrtico se torna

    fundamento de legitimidade exclusivo do poder poltico-estadual, deixa de poder ser contedo do princpio da separao dos poderes o equilbrio institucional de foras polticas mais ou menos autge-nas ou de pretendentes ao poder dotados de legitimidade prprias, como em Montesquieu (A Separa-o dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 232).

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 28 2/3/2011 14:44:32

  • 29

    Por isso, a qualificao de uma constituio como mista depende, em ltima anlise, da diversidade de provenincia social dos titulares dos cargos pblicos e da diversidade de formas de provimento17.

    A inspirao dessa forma de governo est na filosofia do meio-termo, ideal da tica aristotlica. Nessa linha de pensamento, Nuno PiaRRa escla-rece: A Constituio mista atende, antes de mais, s desigualdades e diver-sidades existentes na sociedade com o objectivo de as compor na orgnica constitucional de tal maneira que nenhuma classe adquira a preponderncia sobre a outra. Neste sentido, constituio mista no mais do que um 18. A doutrina aristotlica pretende a aproximao econmico-social das diversas classes.

    Por isso, a contribuio da doutrina da Constituio mista, em seu modelo aristotlico, teoria da separao dos poderes, de montesquieu, foi a agregao a esta da ideia de equilbrio das classes sociais por meio de sua participao no exerccio do poder poltico. Isso, contudo, s se deu em fase j avanada da doutrina de montesquieu19.

    Partindo da experincia da repblica romana, em diversas fases, Pol-bio e CCeRo teorizaram a Constituio mista. Para Polbio, Seria imposs-vel dizer com certeza (da constituio da repblica romana) se era aristot-lica, democrtica ou monrquica (...) pois, quando se tem em conta o poder dos cnsules, a forma de governo revela-se inequivocamente monrquica, quando se tem em conta o do senado, aristocrtica, e quando se tem em conta o poder do povo, a forma de governo indubitavelmente democrtica. Tratar-se-ia, pois, de uma constituio equilibrada. E CCeRo, a esse respei-to, pondera que melhor a constituio que composta equilibradamente por todas as trs (boas) formas de governo (...). Esta constituio apresenta, em primeiro lugar, uma certa igualdade de direitos de que os homens livres no podem prescindir por muito tempo, e, em segundo lugar, estvel20.

    A ideia de Polbio era a de que, ao separar os interesses das diversas classes em nvel orgnico-institucional (fazendo corresponder a cada uma um poder autnomo), todos permaneceriam nos limites constitucionalmen-te prescritos, para assim evitar a fiscalizao dos demais poderes sociais. Ao dar nfase ao equilbrio do poder, o modelo polibiano abstrai do desiderato

    17. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 34.18. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 35 (a

    expresso em destaque foi retirada de Ernest Barker).19. Cf. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 36.20. Os trechos de Ccero e Polbio foram captados da seleo efetuada por Nuno Piarra, A Separa-

    o dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 37.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 29 2/3/2011 14:44:32

  • 30

    aristotlico de (...) se obter uma maior aproximao econmico-social das classes21. E isso porque, enquanto no modelo aristotlico todas as classes teriam acesso a todos os poderes, o modelo polibiano parte de uma socieda-de j pr-dividida, sendo assegurado a cada classe o acesso apenas ao rgo que lhe predeterminado, importando preservar esse equilbrio natural.

    A doutrina da separao dos poderes surgiu, pela primeira vez, na Inglaterra do sculo XVII, muito ligada ideia da rule of law22. Esta, por sua vez, associou-se a pretenso antiabsolutista da poca. Desde o scu-lo XV se concebia, na Inglaterra, toscamente, diga-se desde logo, uma classificao das funes estatais. Assim que se distinguia entre o poder governativo (gubernaculum), cujo titular principal era o rei, e o poder ju-risdicional (jurisdictio), realizado pelos juzes, pelo sistema da common law. Mas, como muito bem enfoca o tema Nuno PiaRRa, a dicotomia funo legislativa-funo executiva no se pretendia originariamente, nem uma descrio analtico-emprica exaustiva das funes estaduais, nem, muito menos, uma teoria cientfica destas, pelo que no ser de estranhar o malogro da tentativa posterior de sua converso numa teoria global das funes do Estado. Naquele contexto, apenas visava servir de base pres-crio de que as leis no sejam feitas por quem, simultaneamente, tenha poder para as aplicar23.

    Anote-se que a noo de funo executiva, at princpios do sculo XVIII, foi empregada em sentido diferente do que atualmente possui, de-signando a atual funo jurisdicional. Isso porque poca o impacto do Estado sobre o indivduo comum se processava, fundamentalmente, atravs dos tribunais e dos funcionrios de polcia24.

    Verificada a pouca eficcia de atribuir ao mesmo rgo a tarefa tanto de criar a lei como de atuar de acordo com ela, fazendo-a igualmente atu-ante, e de forma imparcial, aos casos concretos, que a separao entre a funo legislativa e a executiva imps-se como condio para o desenvol-vimento vlido da rule of law. Se quem estivesse vinculado aos ditames da lei pudesse tambm alter-los, a arbitrariedade seria desde logo sentida. Da a ideia de separao orgnico-funcional.

    Foi por meados do sculo XVII que parlamento e poder executivo, de um lado, e Rei ou governo e poder executivo, de outro, passaram a ser em-pregados indistintamente como expresses sinnimas.

    21. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 39.22. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 44.23. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 50.24. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 50.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 30 2/3/2011 14:44:32

  • 31

    A separao entre poder legislativo e executivo, tomando em conta a qualidade poltica dos seus titulares, remonta obra de MaRslio de Pdua, Defensor Pacis, de 1324, segundo a qual o poder legislativo, como poder supremo, competiria ao povo, que o poderia delegar a uma assembleia de representantes, e o poder executivo competiria ao prncipe, que no teria qualquer participao no primeiro.

    A separao orgnico-funcional assim estabelecida significava, pois, ausncia de interferncias das funes de um sobre o outro poder. Contra-punha-se, nessa medida, monarquia absolutista, ao exigir do soberano a submisso s leis provenientes dos representantes da vontade popular. Quando se restaurou em 1660 a monarquia mista, de forma alguma se su-primiu a doutrina da separao dos poderes. Muito pelo contrrio, passaram a ficar associadas ambas as ideias na teoria constitucional inglesa. Foi des-sa mistura ideolgica que nasceu aquela que veio a ser a teoria constitu-cional inglesa tpica do sculo XVIII, considerada ora como variante da doutrina da separao dos poderes ora como variante da doutrina da monar-quia mista: a doutrina da balana dos poderes (balance of powers ou balan-ced constitution)25.

    A monarquia mista partia da ideia de uma sociedade pr-constituda, na qual as diversas potncias poltico-sociais, a saber, rei, nobreza e povo, estavam distribudas em estamentos ou ordens. A cada uma corresponderia um poder.

    A transposio de regimes na Inglaterra se deve ao prprio continu-smo observado no comportamento ingls. A Inglaterra, diferentemente da Frana, no buscava desfazer o sistema antigo e fundar um novo, mas to somente preservar o sistema com o necessrio ajuste s novas demandas por Justia. JoRGe MiRanda afirma que O que distingue, sobretudo, a Re-voluo inglesa de 1688 (Glorious Revolution) da que um sculo mais tarde ensanguentaria a Frana est em que aquela se insere numa linha de continuidade, ao passo que a francesa tenta reconstruir a arquitetura toda do Estado desde o comeo. A Revoluo inglesa, na linha das primeiras cartas de direitos, no pretende seno confirmar, consagrar, reforar direitos, garantias e privilgios. A Revoluo francesa destri o que vem a encontrar para estabelecer outros, de novo.

    O autor aponta, ainda, com propriedade, um fator histrico que surge como prprio do fenmeno ora descrito: Em Inglaterra, a Realeza que ataca o Parlamento que, em nome da tradio, defende e se defende; em Frana, o Rei remete-se ao papel de quem, sem foras nem convico para

    25. Nuno Piarra, A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitucional, p. 60.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 31 2/3/2011 14:44:32

  • 32

    resistir, tenta obter um adiamento numa liquidao inevitvel26. Some-se a isso que a nobreza inglesa, diante do surgimento da classe comerciante (o terceiro estado a que se refere Sieys), acaba por aburguesar-se tambm, fazendo coro com essa classe para conquistar mais poder ao parlamento, que viria a ser composto exatamente pelas duas classes: a dos Lordes e a dos Comuns. , portanto, em virtude desse no sufocamento do terceiro Estado que decorrem o continusmo e a gradao das mudanas constitu-cionais inglesas, ao contrrio da francesa, que, diante da opresso impingi-da classe plebeia, acabou por estourar numa sangrenta revoluo que vi-sava pr fim a tudo o que estava ali presente.

    possvel afirmar que a Inglaterra, a despeito de ter sido inovadora no acabamento de um texto constitucional, nunca criou uma Constituio escrita no modelo difundido a partir dos Estados Unidos, sendo certo que seus institutos de natureza constitucional permanecem assentados em tra-dies e costumes do povo.

    3.3. Constitucionalismo moderno

    Mais recentemente, sente-se uma retomada da concepo constitucio-nalista, com seu revigoramento e desenvolvimento de novos ideais.

    nessa retomada que se passa a exigir, alm dos ideais j expostos anteriormente, uma mais acentuada definio do papel do Estado. Eviden-temente que se consagra a conteno do poder. NiCola MatteuCCi assevera: O princpio da primazia da lei, a afirmao de que todo poder poltico tem de ser legalmente limitado, a maior contribuio da Idade Mdia para a histria do Constitucionalismo. Contudo, na Idade Mdia, ele foi um simples princpio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um instituto legtimo que controlasse, baseando-se no direito, o exerccio do poder poltico e garantisse aos cidados o respeito lei por parte dos rgos do Governo. A descoberta e aplicao concreta desses meios prpria, pelo contrrio, do Constitucionalismo moderno27.

    O instrumento idealizado para a realizao das modernas concepes do constitucionalismo foi traduzido na consubstanciao escrita das normas constitucionais. Com a consagrao de textos escritos, adota-se um modelo que, obviamente, caracteriza-se: a) pela publicidade, permitindo o amplo conhecimento da estrutura do poder e garantia de direitos; b) pela clareza, por ser um documento unificado, que afasta as incertezas e dvidas sobre

    26. Manual de Direito Constitucional, 5. ed., t. 1, p. 124.27. Dicionrio de Poltica, p. 255, 2 col.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 32 2/3/2011 14:44:32

  • 33

    os direitos e os limites do poder; c) pela segurana, justamente por propor-cionar a clareza necessria compreenso do poder. Essa ideia , em suas linhas gerais, subscrita por Gomes Canotilho28.

    Sinteticamente, tem-se que o constitucionalismo moderno revela-se na ideia bsica de registrar por escrito o documento fundamental do povo.

    Esse contedo constitucional traduzia, por certo, os termos do antigo contrato social de Rousseau, que, nesse momento, deixava a condio de fico de teoria poltica para tornar-se o diploma jurdico de maior relevn-cia dentro dos ordenamentos estatais.

    Assim, desde que haja uma diviso do poder, o que fatalmente impli-car sua limitao e controle, estar-se- em harmonia com uma das princi-pais exigncias do constitucionalismo. Tal orientao, contudo, poder no estar consubstanciada num documento escrito, mas sim arraigada na prti-ca diuturna de uma comunidade, podendo-se, em tais circunstncias, admi-tir uma Constituio em sentido material-substancial.

    Nesta linha de consideraes, tem-se que a consagrao da primeira Constituio escrita no coincidiu, cronologicamente, com o surgimento de ideias, institutos e valores caros ao constitucionalismo. Contudo, o consti-tucionalismo como reconhecido e praticado na atualidade haure seus elementos fundadores do constitucionalismo norte-americano do final do sc. XVIII, ou seja, tem na formao deste, ainda hoje, suas principais bases. Mas se pode e se deve falar de desenvolvimento desse constitucionalismo original, em seus principais institutos, como a supremacia da Constituio escrita e a Justia Constitucional, cujo sentido atual, embora no abandone o sentido original, experimentou uma sensvel ampliao (caso das funes fundamentais da Justia Constitucional para alm de um simples controle de constitucionalidade das leis e o caso da interpretao conforme a Cons-tituio e da constitucionalizao do Direito como paradigmticos dessa nova percepo de antigos institutos e conceitos).

    A valorizao do documento constitucional escrito toma substncia nesta nova fase, denominada constitucionalismo moderno, que tem seu desencadeamento determinado pela criao das constituies dos Estados americanos, pela edio da Constituio norte-americana de 1787 e pela Revoluo Francesa, em 178929.

    28. Direito Constitucional, p. 66-7.29. Consoante Lewandowski: interessante sublinhar que o objetivo que presidiu elaborao

    das primeiras constituies e que ainda permanece o mesmo para as atuais, consistia, basicamente, na conteno do poder e na defesa dos direitos individuais (Enrique Ricardo Lewandowski, Proteo dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional, p. 53).

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 33 2/3/2011 14:44:32

  • 34

    A Constituio escrita, de outra parte, em sua origem, como se nota, teve cunho acentuadamente revolucionrio, tanto por fora do processo desencadeado nos Estados Unidos como tambm pela ocorrncia na Frana. Essa nota acaba por se projetar como uma das grandes caractersticas das Constituies, que o rompimento com a ordem jurdica at ento vigente. Tal prtica tomou posto nos Estados Unidos da Amrica do Norte quando, diante da independncia das Treze Colnias, o Congresso de Filadlfia, em 15 de maio de 1776, props aos Estados federados a formulao de suas prprias constituies. A edio de tais diplomas representou o incio do sistema de constituies escritas, que at hoje uma tendncia amplamen-te praticada. Vale relembrar, com NiCola MatteuCCi30, neste passo, as de-cises das cortes judicirias inglesas no sculo XVII, quando proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento.

    No territrio americano foram proclamadas, ainda, as Fundamental Orders of Connecticut, de 1639, o mais antigo de uma srie de documentos (convenants) entre os colonos, e que j contm a ideia de ordenao da sociedade poltica. Costuma-se indicar o Agreement of the People (1647-1649) como a primeira tentativa de Constituio escrita. J o Instrument of Government apontado como a primeira efetiva Constituio escrita, em-bora j com o cunho autoritrio da poca31.

    , portanto, a partir desse momento que ganha fora o constituciona-lismo moderno, espalhando sua doutrina por toda a Europa a partir dos fins do sculo XVIII. Foi na Frana que houve o estopim europeu para a cor-rida constitucionalista, inaugurando-se uma nova etapa na ordem social do velho mundo. A revoluo francesa derruba a monarquia e a nobreza, castas dominantes at ento, para impor uma Constituio escrita, com a preocu-pao de assegurar amplamente seus ideais de libert, egalit e fraternit.

    A primeira Constituio francesa, de durao bastante efmera, teve como fonte de inspirao o constitucionalismo ingls. Na realidade, pode-se mesmo concluir que o referido constitucionalismo no trouxe qualquer resultado poca, em vista do surgimento reacionrio de um movimento doutrinrio em defesa dos ideais monrquicos absolutistas, que teve em Bodin seu lder de maior expresso. Assim que o constitucionalismo ingls somente veio a firmar-se na doutrina francesa por ocasio da edio do Esprit des Lois, de ChaRles de Montesquieu, em 1748, que dedicou um captulo de sua obra ao sistema constitucional ingls. Alm desta, as diver-

    30. Dicionrio de Poltica, p. 255, 2 col.31. Cf. Canotilho, Direito Constitucional, p. 63-4.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 34 2/3/2011 14:44:32

  • 35

    sas obras que foram surgindo acerca desse especfico tema reacenderam a influncia do constitucionalismo ingls, incutindo-o na Frana e espraiando--o pelo restante da Europa.

    Mas, diante da dificuldade encontrada pelos franceses em compreender a particular lgica do sistema esparso e costumeiro do direito constitucional ingls, de fontes diversas e incertas, acabaram por preferir a captao do direito ingls de forma indireta e miraram-se nas cartas norte-americanas. Tais diplomas eram mais precisos, pois decorriam de um sistema escrito consolidado num documento, muito embora tambm tivessem como fonte inspiradora o sistema ingls32.

    De qualquer forma, com a ecloso da Revoluo Francesa que o constitucionalismo ganha foros de evidncia e espalha-se pelo continente europeu.

    Em 1789 editada a Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado e em 1791 edita-se a primeira Constituio formal europeia, surgida na trilha da americana, a saber, a francesa, que teve referida Decla-rao como prembulo. A partir dela, comearam a surgir constituies por toda a Europa e, da, para os outros continentes.

    No que toca s influncias advindas dos sistemas americano e francs, importante salientar a peculiaridade do desenvolvimento constitucional destes pases. Os Estados americanos, quando decidiram escrever suas cons-tituies, estavam bastante influenciados, tambm, pela doutrina francesa que fomentava a Revoluo, em especial Montesquieu. Dessa forma, quan-do a Frana tomou aquelas Cartas como modelo, estava fazendo quase que uma retroalimentao, ou reimportao. Isto posto, fica clara a complicao em separar quais institutos tm razes francesas e quais apresentam razes americanas, visto que se trata quase que de uma parceria doutrinria.

    possvel detectar, muito sucintamente, alguns institutos que nasceram desses regimes, como aponta Santi Romano: (a) universalizao dos direi-tos individuais concebidos como limitaes ao poder do soberano, atribudos apenas aos cidados, passam a ser direitos de todos os homens; (b) diviso dos poderes; (c) princpio da soberania nacional a soberania deixa de ser um poder pessoal do prncipe para tornar-se um atributo da Nao e, aps, do Estado; (d) o princpio da igualdade que se traduz na mudana mais importante de todas, permitindo o estabelecimento de

    32. Santi Romano chega a afirmar que o direito americano serviu como trmites entre o direito constitucional ingls e aquele dos vrios Estados continentais da Europa (Princpios de Direito Cons-titucional Geral, p. 49-50).

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 35 2/3/2011 14:44:32

  • 36

    novas instituies polticas.Os ideais constitucionalistas consagrados na Amrica do Norte espraia-

    ram-se por toda a Amrica, na medida em que as colnias conseguiam destacar-se de Portugal e Espanha.

    Alis, o constitucionalismo alcana foros de movimento mundial, consagrando-se em praticamente todos os Estados contemporneos, salvo o caso da Inglaterra e, em certa medida, o caso dos Estados teocrticos ou religiosos, nos quais vigora uma ideia de suprainfraordenao atrelada aos postulados religiosos, como o Direito muulmano, que se insere na cultura do islamismo.

    Por fim, as ideias iniciais de contrato social so abandonadas em fun-o do prprio constitucionalismo, capaz de fundamentar e justificar o exerccio do poder em sociedade.

    Hobbes, em seu Leviat, LoCke, em seu Tratado do Governo Civil, e Rousseau, no seu Contrato Social, desenvolveram concepes consoante as quais a sociedade se governa com base em um pacto, uma conveno, um estatuto bsico.

    Ora, a ideia de formao de um texto constitucional tributria, num momento inicial, das denominadas teorias contratualistas, que justificavam a agremiao do homem em sociedade justamente com base na formulao de um pacto fundamental, que nada mais do que um contrato social, no modelo ento forjado. Certamente que a Constituio escrita poderia ser compreendida como a resultante daqueles modelos hipotticos, ou seja, como a realizao prtica do contrato social idealizado pelos mencionados filsofos. No mais se justificam, contudo, aquelas teorias, luz do consti-tucionalismo atual, que atingiu um grau de maturidade e independncia suficiente para se legitimar a si mesmo, sem a necessidade de socorrer-se daquelas fices contratuais anteriormente elaboradas. O constitucionalismo, pois, exala uma energia, uma firmeza e uma estabilidade que o tm susten-tado at os dias de hoje. 3.4. Constitucionalismo contemporneo: o atual processo evolutivo

    Em todas as suas fases sucessivas, o constitucionalismo apresentou um trao constante, desde o incio, que a limitao do governo pelo Direito, as denominadas limitaes constitucionais33. Essa a nota mais antiga e, ao mesmo tempo, a mais recente, no constitucionalismo. Ope-se, desde

    33. Nesse sentido: Charles Mc Ilwain, Constitucionalismo Antiguo y Moderno, p. 37.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 36 2/3/2011 14:44:32

  • 37

    sua origem, ao governo arbitrrio. Mas o contedo preciso dessa limitao algo que vem desenvolvendo gradativa (mas significativa) caminhada, podendo-se, doravante, incluir algumas notas decorrentes do processo his-trico atual.

    Para DRomi, o futuro do constitucionalismo deve estar influenciado at identificar-se com a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuida-de, a participao, a integrao e a universalizao34.

    Importa salientar, aqui, o constitucionalismo da verdade. Nesta refe-rncia existem duas categorias de normas a serem analisadas. Uma parce-la, que constituda de normas que jamais passam de programticas e so praticamente inalcanveis pela maioria dos Estados; e uma outra sorte de normas que no so implementadas por simples falta de motivao poltica dos administradores e governantes responsveis.

    As primeiras precisam ser erradicadas dos corpos constitucionais, podendo figurar, no mximo, apenas como objetivos a serem alcanados a longo prazo, e no como declaraes de realidades utpicas, como se bas-tasse a mera declarao jurdica para transformar-se o ferro em ouro. As segundas precisam ser cobradas do Poder Pblico com mais fora, o que envolve, em muitos casos, a participao da sociedade na gesto das verbas pblicas e a atuao de organismos de controle e cobrana, como o Minis-trio Pblico, na preservao da ordem jurdica e consecuo do interesse pblico vertido nas clusulas constitucionais.35

    De outra parte, o constitucionalismo da continuidade, a que igualmen-te se refere DRomi, est baseado no pressuposto de que muito perigoso em nosso tempo conceber Constituies que produzam uma ruptura da lgica dos antecedentes, uma descontinuidade com todo o sistema prece-dente36. De qualquer forma, possvel identificar nessa construo de DRomi algo que j se vislumbra na teoria desenvolvida por nelson saldanha, ao bipartir o que a doutrina denomina poder constituinte originrio em originrio propriamente dito e institudo, sendo este ltimo o poder consti-tuinte inserido numa continuidade histrica.

    Cumpre registrar, ainda, um constitucionalismo fraternal, referido pelo

    34. La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del por-venir. La Reforma de la Constitu-cin, in El Derecho Pblico de Finales de Siglo, p. 108. No mesmo sentido: Andr Ramos Tavares e Celso Bastos (As Tendncias do Direito Pblico no Limiar de um Novo Milnio, p. 53-8).

    35. Andr Ramos Tavares, na obra conjunta com Celso Ribeiro Bastos (As Tendncias do Direito Pblico no Limiar de um Novo Milnio, p. 58).

    36. Jos Roberto Dromi, La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del por-venir. La Reforma de la Constitucin, in El Derecho Pblico de Finales de Siglo, p. 113.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 37 2/3/2011 14:44:32

  • 38

    STF no julgamento da ADI 3510, a traduzir verdadeira comunho de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefcio da sade.

    3.4.1. Constitucionalismo globalizado

    Em outra perspectiva, poder-se-ia contextualizar, atualmente, o cons-titucionalismo no fenmeno mais amplo da globalizao.

    No obstante as discusses que rodeiam o tema da globalizao, e as crticas ideolgicas que lhe so dirigidas pelos mais diversos grupos sociais, impe-se reconhecer a magnitude e a presena cada vez mais cons-tante da integrao econmica e cultural dos povos no mundo atual. Prova disso foram os acontecimentos do atentado terrorista de 11 de setembro e a crise hipotecria e financeira norte-americana.

    Nessa reconhecida busca por maior integrao insere-se uma tentativa de ampliao dos ideais e princpios jurdicos adotados pelo Ocidente, de maneira que todos os povos reconheam sua universalidade.

    Assim, a exigncia de democracias, no modelo norte-americano, de Estados que garantam e respeitem eles prprios os direitos humanos j consagrados, incluindo a liberdade de religio, bem como outros tantos princpios, foi disseminada como verdadeiro dogma, do qual no se pode desviar qualquer pas. Ora, em sntese, tem-se uma fase final do constitucionalismo, que justamente a de propagar-se e al-canar todas as naes, unificando os ideais humanos a serem consagra-dos juridicamente.

    Parte desse movimento deve receber destaque e estudo mais acurado, porque tem se mostrado como um movimento que se fortalece na atualida-de e que pode indicar o desenvolvimento de uma nova fase desse constitu-cionalismo sem fronteiras. o caso do uso de material e referncias de Direito legislado e de jurisprudncia estrangeira pelos Parlamentos e Judi-cirios nacionais. Dentro desse movimento tem-se o uso de jurisprudncia constitucional estrangeira pela Justia Constitucional nacional, de maneira a estabelecer, em alguns casos, um verdadeiro dilogo entre cortes (com uma global community of courts), como prope o ilustre pensador italiano Giuseppe de VeRGottini em sua mais recente obra, na qual adverte para a circunstncia de que nem sempre h dilogo efetivo.

    Nada obstante a existncia deste sentimento otimista, quase que utpi-co, coroado com a criao da Unio Europeia e a gestao de sua Constitui-

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 38 2/3/2011 14:44:32

  • 39

    37. E, nesse sentido, cumpre consignar a pontual lembrana, da lavra de Alexandre Pagliarini, de que, muito embora ainda haja, na Europa, uma prevalncia hierrquica das Cartas Magnas, no mbito interno, muitas Constituies tm sido modificadas para comportar a realidade comunitria suprana-cional. Algo que, mais do que externar a sucumbncia da Lei Magna s contingncias poltico-histri-cas da integrao europeia, equivale, mais ou menos, a uma invaso consentida, com o perdo do tom jocoso (Constituio e Direito Internacional Cedncias Possveis no Brasil e no Mundo Globali-zado, p. 237-8).

    38. The Attack on Human Rights, Foreign Affairs, v. 80, n. 6, nov./dez. 2001, p. 102.

    o37, no se pode olvidar que a fase final do constitucionalismo se encon-tra em um rduo comeo, repleto de srios e perigosos obstculos, tais como os que erigem os pases do Oriente (vide terrorismo), os quais vislumbram, nessa tentativa de unificar os ideais humanos, o exerccio sagaz do impe-rialismo moral ocidental, na expresso utilizada por iGnatieff38.

    Referncias bibliogrficas

    BASTOS, Celso Ribeiro & TAVARES, Andr Ramos. As Tendncias do Direito Pblico no Limiar de um Novo Milnio. So Paulo: Saraiva, 2000.

    BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de Poltica. 2. ed. Braslia: Editora Universidade de Braslia. Bibliografia: 246-258.

    CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Livr. Almedina.CERQUEIRA, Marcello. A Constituio na Histria: Origem e Reforma. Rio de

    Janeiro: Revan, 1993.DORSEN, Norman, ROSENFELD, Michel, SAJ, Andrs & BAES, Susanne.

    Comparative Constitutionalism: Cases and Materials. St. Paul: Thomson West Group, 2003.

    DROMI, Jos Roberto. La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del por-venir. In: El Derecho Pblico de Finales de Siglo: Una Perpectiva Iberoamericana. Madrid: Fundacin BBV, 1997. Bibliografia: 107-16.

    IGNATIEFF, Michael. The Attack on Human Rights. Foreign Affairs, v. 80, n. 6, nov./dez. 2001. Bibliografia: 102-16.

    LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteo dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

    LOEWENSTEIN, Karl. Teora de la Constitucin. Traduo por Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona: Ed. Ariel, 1970 (Biblioteca de Ciencia Poltica).

    McILWAIN, Charles Howard. Constitucionalismo Antiguo y Moderno. Traduo por Juan Jos Solozbal Echavarra. Madrid: Centro de Estudios Constitucio-nales, 1991.

    MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Ed. t.1.

    PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. Constituio e Direito Internacional Ce-dncias Possveis no Brasil e no Mundo Globalizado. Rio de Janeiro: Foren-

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 39 2/3/2011 14:44:32

  • 40

    se, 2004.PIARRA, Nuno. A Separao dos Poderes como Doutrina e Princpio Constitu-

    cional. Um Contributo para o Estudo das Suas Origens e Evoluo. Coimbra: Coimbra Ed., 1989.

    QUINTANA, Segundo V. Linares. Tratado de Interpretacin Constitucional. Bue-nos Aires: Abeledo-Perrot, 1998.

    ROMANO, Santi. Princpios de Direito Constitucional Geral. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

    SIEYS, Emmanuel. Quest-ce que le Tiers Etat?. Frana: Quadrige/Presses Uni-versitaires de France, 1982.

    SILVEIRA, Alessandra. Beethoven e o Tratado de Lisboa (A propsito do actual estdio da integrao europeia). In: Revista Brasileira de Estudos Constitu-cionais. Belo Horizonte: Ed. Frum, ano 2, n. 5, p. 51-66, jan./mar. 2008.

    TAVARES, Andr Ramos. Modelos de Uso da Jurisprudncia Constitucional Es-trangeira pela Justia Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Cons-titucionais. So Paulo. Editora Frum, ano 3, n. 12, out./dez. 2009.

    VERGOTTINI, Giuseppe. Oltre Il Dialogo tra Le Corti: Giudici, Diritto Straniero, Comparazione. Bologna: Il Mulino, 2010.

    ZAGREBELSKY, Gustavo. Diritto Costituzionale: Il Sistema delle Fonti del Diritto. 1. ed. [1988]. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1998. v. 1.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 40 2/3/2011 14:44:33

  • 41

    Captulo II

    DIREITO CONSTITUCIONAL

    1. CONCeITO De DIReITO CONsTITUCIONAl

    O Direito Constitucional apresenta-se situado, na clssica dicotomia jurdica entre Direito Pblico e Privado, como um dos ramos daquele pri-meiro. Essa tese clssica imprestvel na atualidade, como se demonstrar a seguir, tendo em vista a supremacia da Constituio e a constitucionali-zao do Direito.

    Vocaciona-se estruturao do Poder, fornecendo-lhe os contornos de atuao e limites de sua atividade, tendo sido, desde o final do sculo XX, o bero natural da positivao dos direitos humanos.

    Pragmaticamente, o Direito Constitucional (escrito) identifica-se como um conjunto normativo especial: a Constituio do Estado, suas leis constitucionais (no Brasil, chamadas de Emendas Constituio) e a juris-prudncia constitucional definitiva (prolatada pelo Supremo Tribunal Fede-ral, no Brasil, e por tribunais constitucionais, na maioria dos pases da Europa).

    A Constituio (positivada de um pas) considerada como um con-junto normativo fundamental, adquirindo, por isso, cada um de seus precei-tos a caracterstica da superioridade absoluta, ou seja, da supremacia, em relao s demais normas de um mesmo ordenamento jurdico estatal. Essa a nota especial qual se fez referncia acima.

    A estrutura escalonada do Direito apresenta como pice a Constituio, base a partir da qual todas as demais normas se desenvolvem e auferem sua validade ltima dentro do sistema.

    Diz-se que h um sistema quando as normas se reconduzem a uma nica fonte de produo1, mais ainda quando o Direito se reconduz, for-mal e procedimentalmente a uma idntica norma fundamental2.

    1. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5. ed., 1991, p. 48.2. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5. ed., 1991, p. 49.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 41 2/3/2011 14:44:33

  • 42

    1.1. polmica doutrinria

    No obstante a definio acima oferecida, o certo que so diversas e dspares as concepes apresentadas pelos autores sobre o que seja exata-mente o Direito Constitucional.

    Para Esmein, ter-se-ia a parte fundamental do Direito Pblico que tem por objeto determinar a forma do Estado, a forma e os rgos do Governo e os limites dos direitos do Estado3.

    Para MaRCello Caetano, o Direito Constitucional, tambm designado, indistintamente, Direito Poltico pelo autor, seria o conjunto de normas jurdicas que regula a estrutura do Estado, designa as suas funes e define as atribuies e os limites dos supremos rgos do poder poltico4.

    Para Pontes de MiRanda, Direito Constitucional a parte do Direito Pblico que fixa os fundamentos estruturais do Estado5.

    MeiRelles TeixeiRa conceitua Direito Constitucional como o conjun-to de princpios e normas que regulam a prpria existncia do Estado mo-derno, na sua estrutura e no seu funcionamento, o modo de exerccio e os limites de sua soberania, seus fins e interesses fundamentais, e do Estado brasileiro, em particular6.

    1.2. Direito Constitucional positivo, cincia dogmtico-concreta e cincia teortico-abstrata do Direito Constitucional

    MaRCello Caetano adverte que h o Direito Constitucional de um pas, normas vigentes em dada sociedade poltica, e h a Cincia do Direi-to Constitucional (mas que por brevidade usualmente designada pelo mesmo modo que o ramo de direito objectivo) que a disciplina cientfica que se ocupa do conhecimento, sistematizao e crtica das normas consti-tucionais7.

    Pode-se identificar o referido Direito Constitucional de que fala MaRCello Caetano com o conjunto de normas positivamente existentes em determinado Estado, em dado momento histrico. , v. g., no momen-to atual, no Estado brasileiro, a Constituio de 1988 com todas as suas emendas.

    3. Apud Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, p. 1.4. Manual de Cincia Poltica e de Direito Constitucional, 4. ed., p. 31.5. Comentrios Constituio de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, t. 1, p. 169.6. Curso de Direito Constitucional, p. 3.7. Manual de Cincia Poltica e de Direito Constitucional, 4. ed., p. 31, original grifado, grafia

    original.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 42 2/3/2011 14:44:33

  • 43

    J a cincia do Direito Constitucional pode ser desdobrada em duas cincias com pressupostos diferentes. Assim, em primeiro, pode haver a chamada anlise dogmtica de um Direito Constitucional historicamente concreto. De outra parte, pode haver uma cincia voltada para os conceitos teortico-constitucionais abstratos, com a teoria pura, desgarrada de ele-mentos circunstanciais.

    Canotilho, trilhando essa linha de consideraes, bem atenta para a distino de anlises que as duas possibilidades podem encetar. Assim, para esse autor: O estudo do direito constitucional pode fazer-se a partir de duas posies metodologicamente diferentes. Ou se adopta uma perspectiva dogmtico-constitucional, voltada para o estudo de um ramo do direito pertencente a uma ordem jurdico concreta doutrina do direito constitu-cional; ou se procura uma viso teortico-constitucional, interessada prin-cipalmente na fixao, preciso e aplicao de conceitos de direito consti-tucional, desenvolvidos a partir de uma construo teortica e no com base numa constituio jurdico positiva teoria da constituio8.

    O estudo de um especfico ordenamento jurdico-constitucional, con-tudo, no pode ser levado a efeito revelia dos estudos abstratos da teoria da Constituio9. De outra parte, a mera referncia teoria, desvinculada de estudos concretos, sem qualquer conotao pragmtica, est praticamen-te despida de maior interesse. A teoria tem, igualmente, de amoldar-se realidade, acompanhando-a e construindo novos institutos que correspondam aos anseios da sociedade.

    Justifica-se, aqui, com as premissas metodolgicas acima assinaladas, o estudo terico-pragmtico que se levar a efeito. Do ponto de vista con-creto, a Constituio brasileira ser sempre o paradigma da anlise, sem se descurar de recursos do Direito comparado.

    2. meTODOlOGIA DO DIReITO CONsTITUCIONAlO estudo adequado do Direito Constitucional envolve uma cincia

    prpria, o que implica, no caso, um conjunto de mtodos de trabalho ade-quados10 ao objeto da cincia.

    A metdica do Direito Constitucional responsvel por oferecer as ferramentas metodolgicas por meio das quais ser possvel ao intrprete e aplicador da Constituio levar a efeito adequadamente suas atividades.

    8. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6. ed., p. 131.9. Nesse mesmo sentido: J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6. ed., p. 132.10. A adequabilidade ressaltada por J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6. ed., p. 132.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 43 2/3/2011 14:44:33

  • 44

    Essa denominada metodologia do Direito Constitucional responsvel por identificar os procedimentos e rotinas de interpretao da Carta Cons-titucional, assim como por analisar suas normas, do ponto de vista de sua eficcia e cumprimento.

    FRiedRiCh MlleR adverte, contudo, que Metdicas jurdicas no fornecem cincia jurdica e s suas disciplinas setoriais um catlogo de tcnicas de trabalho inquestionavelmente confiveis nem um sistema de hipteses de trabalho que podem ser aplicadas genericamente e devem ser tratadas canonicamente. (...) Mtodos de prtica jurdica e teorias dogm-ticas sempre so meros recursos auxiliares do trabalho jurdico. (...) a met-dica jurdica deve empreender a tentativa de uma conscientizao [Selbst-verstndigung] dos operadores jurdicos acerca da fundamentabilidade, da defensabilidade e da admissibilidade das suas formas de trabalho11.

    De qualquer sorte, como bem aponta MlleR, apenas a cincia jurdi-ca e a jurisprudncia tm empreendido esforos para oferecer seus proces-sos decisrios, seus mtodos, de maneira que apenas por seu estudo que se obter rico material de anlise dessa problemtica.

    2.1. Direito Constitucional comparado

    A cincia do Direito Constitucional comparado promove o estudo comparativo de diversas constituies e sistemas jurdicos12. Por meio desse estudo permite-se alcanar o referido Direito Constitucional geral.

    3. FONTes DO DIReITO CONsTITUCIONAl

    3.1. Fontes tradicionais

    Toma-se, aqui, o termo fontes no sentido de jus cognoscendi, ou seja, os modos de elaborao e de revelao da norma jurdica.

    H fontes diretas (imediatas) e fontes indiretas (mediatas). Fontes imediatas do Direito Constitucional so a Constituio, as leis, os decretos e regulamentos de contedo constitucional. Fontes mediatas so os costumes, a jurisprudncia, a doutrina, os princpios gerais de Direito, as convices sociais vigentes, a ideia de justia e outras manifestaes.3.2. Direito Constitucional material e formal

    Tendo como critrio a matria, tanto o Direito Constitucional (positivo) como a Constituio propriamente dita so conceituados a partir de seu

    11. Mtodos de Trabalho do Direito Constitucional, p. 21-2.12. J. H. Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, p. 8.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 44 2/3/2011 14:44:33

  • 45

    contedo. Significam, nesse sentido, a maneira de ser de qualquer Estado. Se h um Estado, logo se segue que estar organizado de algum modo. O Direito Constitucional (positivo), ou seja, a Constituio, exatamente, do ponto de vista material, esse modo de ser do Estado, a estrutura do Estado13. Tal contedo, portanto, variar de Estado para Estado, suscitando acirrada polmica sobre seus exatos contornos, seus limites mximos.

    Pelo enfoque formal, o Direito Constitucional ser o conjunto de todas as normas, independentemente de seu contedo, reunidas em documento solene (procedimentalmente falando).3.3. Direito Constitucional adjetivo

    A Constituio, alm de seu contedo, com as regras de estruturao do Poder e a declarao de direitos humanos e deveres de toda pessoa, carrega consigo elementos prprios de sua aplicabilidade. Assim so con-siderados o prembulo (no integrante do texto normativo propriamente dito), o ato de promulgao, de publicao, de aplicao material propria-mente dita e, ainda, o processo de sua modificao. Quanto a este ltimo, se certo que a maior parte encontra-se estabelecida expressamente na Constituio, h aspectos do trmite que no foram normatizados constitu-cionalmente, muitos dos quais permanecem como praxe legislativa.

    MeiRelles TeixeiRa14 denomina tais elementos adjetivos, preferindo a autores que os identificam como enunciativo-formais.

    3.4. Direito Constitucional geral e particular

    Consoante Santi Romano, h vrios significados de Direito Consti-tucional geral.

    Numa primeira acepo, Direito Constitucional geral pode ser, filoso-ficamente falando, um Direito Pblico ideal, no positivado.

    Numa segunda acepo, Direito Constitucional geral, sob a influncia do Direito puro, seria a parte da doutrina preocupada com as formas jurdi-cas puras, a priori. Essa conceituao ainda remanesce distante de um as-pecto positivo.

    Numa terceira e ltima acepo, o Direito Constitucional geral seria uma srie de princpios, institutos que permeiam todos os direitos positivos dos mais diversos Estados. So os aspectos comuns que se reduzem a uma unidade harmnica. Consoante MeiRelles TeixeiRa: Construdo na base de

    13. Nesse sentido: Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional, p. 4.14. Curso de Direito Constitucional, p. 6.

    Curso de Direito Constitucional - 0023-0246.indd 45 2/3/2011 14:44:33

  • 46

    diversos ordenamentos jurdicos positivos dos Estados civilizados, repre-sentaria o modo comum e essencial, supranacional, de organizao jurdi-co-estatal no mundo moderno, um como que patrimnio comum de orga-nizao poltica e jurdica do mundo civilizado15.

    O interesse do Direito Constitucional geral revela-se na manipulao dos conceitos e institutos essenciais, fornecendo seguro norte para o estu-dioso dos mais diversos ordenamentos constitucionais positivados no mun-do. So as categorias mximas, tpicas desse setor jurdico, universais, que modelam a figura do Estado atual.

    Por oposio, o Direito Constitucional particular est relacionado, necessariamente, a determinado ordenamento constitucional. Preocupa-se, nesse sentido, em examinar as leis constitucionais de um pas, a elas limi-tando sua anlise e sistematizao. Identifica-se, pois, com a ideia j assi-nalada de Direito Constitucional positivo.

    4. DIReITO CONsTITUCIONAl COmO BAse-pICe e NO COmO RAmO DO DIReITO

    4.1. Tronco do Direito (pblico e privado)

    preciso considerar que, atualmente, a diviso entre pblico e privado no pode ser tomada em sentido absoluto.

    O Direito Constitucional costuma ser inserido como ramo do Direito Pblico, juntamente com o Direito Administrativo, Internaciona