cultura jovem

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30º Encontro Anual da ANPOCS 24 a 28 de outubro de 2006 ST02 - Culturas jovens urbanas e novas configurações subjetivas “Made in Japan”: Cultura pop nipônica como forma de socialização juvenil André Luiz Correia Lourenço

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Cultura Jovem

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  • 30 Encontro Anual da ANPOCS

    24 a 28 de outubro de 2006

    ST02 - Culturas jovens urbanas e novas configuraes subjetivas

    Made in Japan: Cultura pop nipnica como forma de socializao juvenil

    Andr Luiz Correia Loureno

  • Dentre as vrias tendncias que pululam nas metrpoles, uma tem crescido muito

    nos anos (se tornado alvo de ateno por parte de alguns pais): os aficionados pela cultura

    pop nipnica. Tendo maior ressonncia entre os jovens, que esto em um processo de

    construo da sua identidade (pessoal e social), essa preferncia traz alguma preocupao

    pelo seu exotismo.

    O seu carter congregacional reunindo nmero considervel de jovens

    freqentadores de eventos prprios onde h um saber juvenil desconhecido para seus

    responsveis e fervoroso manifestado pela sua caracterizao com roupas de

    personagens de desenhos animados, pela sua empolgao visvel na confraternizao e no

    domnio de um conhecimento de um universo da imaginao (parcialmente) fora do mundo

    real.

    Tal tendncia tem sido acusada, pela mdia de alienante, consumista, superficial,

    etc. Essa viso no d conta da realidade pois h possveis pontos positivos. Os grupos de

    aficionados aparecem como mais uma opo de socializao, originada em parte pela

    descoberta (real ou imaginada) de ideais, comportamentos, valores, etc., que ganham

    sentido dentro da viso de mundo de uma parcela da juventude brasileira.

    Esse projeto visa perceber como uma frao da juventude brasileira, com suas

    peculiaridades nacionais, se aproxima e se apropria de uma tradio aliengena, produto

    de uma tradio cultural consideravelmente diferente da nossa. Tal proposta importante

    para podermos entender dentro de uma preocupao mais antropolgica e interessada na

    dinmica das relaes sociais na construo da pessoa como uma manifestao de uma

    indstria cultural diversa da brasileira apropriada pela nossa juventude, colocando em

    questo assim temas atuais como os limites da agncia do jovem, a sua capacidade de

    interagir com novas tecnologias que lhe permitem ter acesso rpido e (independente?)

    esse material como a Internet, o processo de socializao e integrao ao universo jovem e,

    posteriormente, ao mundo adulto.

    Esse movimento faz parte de uma tendncia maior, a de uma aproximao do

    Oriente, ou melhor dizendo (apoiando-nos em Said) de uma determinada representao de

    parte do Oriente aqui se tratando mais especificamente do Japo. Apesar do fascnio

    proporcionado por esse Orientalismo, ele por si s no d conta do fenmeno; o fato de

  • muitos pais, por exemplo, verem tal aproximao/fascinao com reservas ou at mesmo

    desconfiana nos serve de alerta.

    Temos assim a confluncia de dois fluxos: o de um Orientalismo, relativamente

    difuso no Ocidente nesses ltimos cem anos, mas com uma ampliao crescente (horizontal

    e vertical) nos ltimos quarenta anos, e o da constituio de uma subcultura juvenil

    produzida e/ou veiculada pelos meios de comunicao de massa.

    Nas fronteiras desse universo centrado no Japo, temos (como j dissemos antes)

    outros grupos interagindo como Trekkers, Pottermanacos, fs de Star Wars, etc. que

    tambm ocupam espaos nesses eventos e que tem a calar viso de que aquele evento de

    anime uma arena de confluncia para todos os que, alm da conexo com o universo

    japons, possuem outros interesses.1

    Vemos assim, a importncia de reconhecermos (como Simmel) a existncia de

    diferentes mundos, a cultura pop nipnica sendo uma dentre vrios. Os jovens que esto

    imersos na mesma, tambm transitam entre outros. Est tudo em movimento (visvel at

    materialmente na prpria movimentao constante presente nos eventos anim), as

    fronteiras existem, mas so transpassveis. 2

    notrio o fato de vivermos, como em outros pases do Ocidente, em uma

    sociedade complexa marcada pela influncia da cultura de massa. Dentre as vrias

    manifestaes da mesma: cinema estadunidense, trance ingls, literatura hispnica, novelas

    venezuelanas, uma indstria cultural tem se destacado nos ltimos tempos. O fascnio

    crescente, por parte principalmente de jovens (que definiremos, para os fins desse ensaio

    e para esse momento inicial da pesquisa, como pessoas entre os 10 e 25 anos), pela cultura

    oriental mais especificamente a cultura pop nipnica, principalmente atravs dos anims

    1 "These choices are not made randomly. Research into consumer behavior and leisure indicates that choices are related; people who read Harper's or the New Yorker are also likely to prefer foreign movies and public television, to listen to classical (but not chamber) music, play tennis, choose contemporary furniture, and eat gourmet foods." (Gans, 1974: 68) 2 H a percepo de um trnsito constante, de estarmos navegando entre diferentes streams of culture existentes dentro, ou nas fronteiras, desse mundo nipnico.Essa variedade de influncias e manifestaes culturais, nos remete quase que diretamente Barth: Ao analisar o pluralismo cultural em algumas reas do Oriente Mdio, considerei esclarecedor pensar em termos de correntes (streams) de tradies culturais (...), cada uma delas exibindo uma agregao emprica de certos elementos e formando conjuntos de caractersticas coexistentes que tendem a persistir ao longo do tempo, ainda que na vida das populaes locais e regionais vrias dessas correntes possam misturar-se. (Barth 2000: 123)

  • (desenhos animados) e os mangs (revistas em quadrinhos) tem ganho destaque

    progressivo.3

    Essa paixo pela cultura pop nipnica tem seu ponto alto nas convenes de otakus

    (otaku, fala-se ota-ku, com o final tendo sonoridade prxima a qu), categoria nativa um

    tanto discutvel pois no tem, para todos o mesmo significado, os aficionados por cultura

    pop nipnica.4

    Essas convenes, chamadas (pelos prprios otakus) de eventos (para diferenciar

    do conceito de evento, doravante chamaremos essas reunies de aficionados de eventos

    anime [utilizamos a grafia anime e no anim, que a grafia mais prxima da pronncia,

    por ser assim que a utilizada para efeitos de divulgao]), so loci de recepo, de

    exibio de anims; de expresso da especificidade de grupos e da identidade de

    indivduos, atravs dos desfiles de cosplayers, pessoas caracterizadas de personagens do

    universo anim, animek (karaok de animesongs, canes dos desenhos e seriados); de

    criao, com oficinas de desenho, divulgao de djinshis (fanzines) e de venda, com

    camisetas customizadas com elementos anim, vdeos de sries/OVAs (Original Vdeo

    Animation, especiais feitos direto para o mercado de vdeo), etc. 5

    O ponto alto das reunies a apresentao de cosplayers. Essas caracterizaes de

    personagens, reproduzindo roupas e maneirismos so ovacionados pelo pblico majoritria,

    mas no exclusivamente jovem. As reunies so loci de recepo (exibio de animes),

    expresso (cosplay, karaok de animesongs, canes dos desenhos e seriados) e criao

    3 Esse culto aos heris e histrias japoneses se reverte na confeco ou compra de objetos diversos: adesivos Hello Kitty, cadernos Dragon Ball, bonecos Pokemon, decks (baralhos) Yu-Gi-Oh, etc. presentes em muitas lojas, bem como no comrcio informal. A escolha da cultura nipnica como fonte de smbolos (conceito utilizado no sentido vulgar), visvel no uso de kanjis (ideogramas) em desenhos, tatuagens, etc., na freqncia a cursos de japons, bem como no aumento do nmero de mangs publicados em portugus. 4 Esse conceito tem um sentido um tanto pejorativo no Japo; aqui muitos no o vem assim e se referirem a si mesmos como otaku (sendo que h os que desconhecem essa denominao, principalmente os iniciantes) embora alguns guardem certa reserva Otaku sem noo. (como falou um dos nativos em uma conversa de um grupo em uma lanchonete paulista) o que d a entender que h quem atribua o termo aqueles que vivem exclusivamente em funo do interesse pela cultura pop nipnica. 5 Observaes feitas nos seguintes eventos e locais: @nime RIO IV (26 e 27//07/2003) [Casa do Minho], Anime Paradise II (20 e 21/09/2003) [Colgio Marista So Jos], Anime Center Festival (11 e 12/10/2003), cursos de japons da UERJ (outubro de 2003) e no Instituto Cultural Brasil-Japo (08 at 12/2003), Anime Dreams (21 a 23/01/2005) [Colgio Marista Arquidiocesano So Paulo], Anime Center Vero (26 e 27/02/2005) [Clube Amrica], Anime Center UERJ (09/04/2005), Anime Paradise V (23 e 24/04/2005) [Colgio Marista So Jos], Anime Friends (14 a 17/07/2005), Anime Center Vero (11-12/01/2006), Carioca Anime (13/05/2006) e Anime Friends (13 a 16/07/2006).

  • (oficinas de desenho e de garage kits, bonecos e/ou maquetes) alm de venda de bens

    artesanais (camisetas, vdeos, etc) e industriais mangs.

    Os participantes usam identificaes da sua afinidade (bottons, camisas com

    desenhos, etc.) sendo acessveis a qualquer pergunta sobre a mesma sentem orgulho em

    poder demonstrar seus conhecimentos. O interesse pela lngua japonesa evidente e uma

    justificativa o contato direto com a cultura que produziu todos esses bens muitos

    sonham em ir ao Japo. Agem de forma natural, fazendo sem pudor, o que considerado

    ridculo por aqueles de fora do seu meio onde as pessoas se reencontram sempre nos

    vrios eventos, sendo conhecidas e reconhecidas.

    Podemos, dessa forma, destacar alguns motivos para o interesse em se pesquisar os

    chamados otakus:

    1) Descobrir como um produto da indstria cultural, gerado por meios de comunicao de

    massa de uma sociedade consideravelmente diversa da nossa, se tornou quase que o

    centro de toda uma cultura da qual os otakus so especialistas.6

    2) O fato de essa cultura ser tida como de pouco valor; os anims, mangs, etc., sequer so

    vistos pela populao em geral como manifestaes artsticas aqueles que os cultuam

    so considerados figuras exticas, cmicas (o que no os impede de continuar seu

    culto).

    3) O interesse pelos otakus tambm vlido para determinar se esse fenmeno pode servir

    para a compreenso de como comunho de interesses entre aficionados implica na

    constituio de uma socializao perifrica, criada em funo de um referencial cultural

    no-ocidental.

    Qualquer pessoa que v pela primeira vez um evento anime poder ter a impresso

    de estar entrando em um mundo extico. Um dos aspectos mais impressionantes o fato do

    universo da cultura pop nipnica conseguir agregar grupos to diversos como gticos,

    emos, metaleiros, ringers (fs do livros e dos filmes referentes obra de Tolkien, O

    Senhor dos Anis), etc.

    Temos assim uma mirade de grupos juvenis que compartilham, entre outros

    interesses, o gosto pela cultura pop nipnica e o fato de terem encontrado em manifestaes

    6 Isso nos permitir compreender porque o culto otaku contradiz a imagem geral de que a atual cultura de massa, implica um abandono ou diminuio do da cultura escrita. Os otakus, possuem interesse crescente por obras escritas pela cultura que os fascina, estando dispostos a superar a difcil barreira da lngua japonesa

  • artsticas tidas como perifricas ou de somenos importncia um loci com o qual puderam se

    identificar. Podemos ver assim (...) o poder que o entretenimento tem de inspirar a

    construo de agrupamentos sociais e oferecer um sentimento de enquadramento a jovens

    que se sentem deslocados no mund ou mal compreendidos por ele. (JONES, 234)

    Logo, apesar de casos um tanto espordicos de referncias muito obscuras que

    poucos podem conhecer, a maioria dos cosplayers se guia pela moda, vestindo de

    personagens que esto atualmente nos meios de comunicao (como os de Naruto e de

    Ragnarok). Sendo assim, a possibilidade de uma apresentao ser bem sucedida, na medida

    em que dependa da capacidade do pblico de identificar de quem se trata o cosplay,

    consideravelmente alta, pois as pessoas que freqentam esses eventos compartilham de um

    background mnimo comum (embora com variedades de nfase e de profundidade).

    H uma gramtica bsica nos eventos anime e nesse estgio da pesquisa j foi

    possvel perceber a existncia de instncias permanentes (que acontecem durante todo o

    tempo do mesmo): animek, exibio, stands (para venda de produtos), games ligados a

    anim bem como o pump (onde se simulam passos de dana em uma mquina); ao lado

    disso, temos, em diferentes espaos e com horrios bem definidos outras atividades como

    quiz (jogo de perguntas tendo o universo da cultura pop nipnica como referncia

    principal), palestras, desfiles/apresentaes/teatro cosplay, show musical, animedaiko

    (dana de msicas do universo anime ao som de tambores japoneses com coreografias

    inspiradas em gestos dos personagens), etc.

    A maior ou menor presena desses elementos varia de acordo com as dimenses e

    importncia do evento visando poder abranger o amplo expectro de interesses diversos que

    mantm ligao com o universo da cultura pop nipnica no Anime Friends desse ano, por

    exemplo, houve a participao do grupo de heavy-metal Massacration, surgido no

    programa Hermes e Renato da MTV, como pardia dos grupos de metal.

    Alm dessa dimenso macro a importncia da repetio tambm se manifesta nos

    cosplayers pois, aps assistir meia dzia de Sakuras e Kakashis de Naruto, de Sailors

    de Sailor Moon, de Yusukes de Yu-Yu Hakusho ( exceo de Naruto, todos j exibidos

    ou em exibio na televiso brasileira), podemos perceber como, para garantir a

    identificao do personagem, os cosplayers se utilizam mutatis mutandi dos mesmos

    elementos. A ritual sequence when performed in full tends to be very repetitive;

  • whatever the message may be that is supposed to be conveyed, the redundancy factor is

    very high. (Leach 2000:159).

    Essa prtica acaba sendo socialmente positiva porque h uma entrada constante de

    novos aficionados atravs de amigos, principalmente, e eles apesar de terem conhecimento

    mnimo desse universo, aps alguns eventos j so capazes de se situar melhor nos

    mesmos, tendo uma viso mais clara do que eles tratam. Leach estava atento ao isso ao

    dizer que: In any ritual performance some of the actors are likely to be novices but the

    majority will have participated in the same kind of ritual many times before; indeed the

    stability of the form of the ritual through time is dependent on the fact that it is familiar to

    most of the actors. (Leach 2000: 163).

    A cultura pop nipnica tambm no homognea, existindo diferentes leituras de

    acordo com os diferentes interesses dos indivduos. Importncia das escolhas feitas pelos

    agentes, nos levando a pensar sobre as diferentes preferncias existentes e os diferentes

    perfis de otakus. Isso coloca em questo a idia do valor arbitrrio do signo pois se nos

    lembrarmos do caso havaiano, as mesmas trocas possuam sentidos diferentes por se darem

    com indivduos de posies sociais diferentes (capites-chefes, marinheiros-nativos,

    marinheiros-mulheres, etc.) com culturas diferentes. Essa lembrana nos faz retornar a

    preocupao com o sentido do signo em um certo momento. O que hentai (mang/anim

    pornogrfico)? Hentai um conceito, mas ele s compreensvel ao ser inserido no real; o

    mang Love Junkies hentai ou ero-comedy como afirma sua editora? Mangs e anims

    so violentos? As respostas variam de acordo com a viso do produtor/emissor e com o

    referencial do receptor.

    Com isso, a palavra participa da natureza das coisas. As palavras (em certas

    situaes) criam a realidade: aquela coisa roxa (um cosplayer que para uma pessoa ao

    meu lado era irreconhecvel) s passou a ser um EVA (um rob gigante do anim/manga

    Non Gnesis Evangelion) quando foi apresentado. Como o universo vasto, necessrio

    explicar, anunciar, identificar ao se apresentar um personagem menor de um anim pouco

    conhecido, ao ser nomeado (existindo ou no, estando correto ou no) ele passa a existir

    para o pblico.7

    7 Para evitar esse tipo de incidente h normas que exigem que o cosplayer, ao fazer inscrio pela internet envie uma imagem do personagem.

  • Nas exibies de cosplay, quase to importante quanto a caracterizao do cosplayer,

    quanto as intervenes dos apresentadores fundamental reconhecermos a importncia da situao.

    Nas primeiras apresentaes, nos primeiros dias (quando o "evento anime" est mais vazio) a

    presena de pessoas assistindo menor e aprpria situao dos participantes no palco se torna

    menos impactante e mais tmida; nos ltimos dias, quando a rea cosplay est lotada, a maior

    presena do pblico cria um contexto mais favorvel para apresentaes mais exuberantes (bem

    como a receptividade para performances mais limitadas mais cida) Assim: Speaking generally,

    it is always necessary that the circumstances in which the words are uttered should be in some way,

    or ways, appropriate, and it is very commonly necessary that either the speaker himself or other

    persons should also perform certain other actions, whether 'physical' or 'mental' or even acts of

    uttering further words. (Austin 1986: 28)

    A questo da performance correta nos coloca um ponto importante pois, a escolha

    para a realizao do cosplay livre. Um homem de 20 anos pode se caracterizar como uma

    menina de nove e, teoricamente, se sua caracterizao estiver perfeita, ser premiado.

    Entretanto, o que percebemos que, para o pblico em geral, a conexo entre cosplayer e

    personagem tem que ser evidente. Nos casos em que o primeiro no claramente

    identificvel com o segundo, a audincia reage considerando a performance equivocada o

    que pode resultar em ironia, deboche, etc. 8

    Vemos assim que essa presena oriental percebida por esses jovens de uma forma

    bem diferente de momentos anteriores em que intelectuais e artistas ocidentais se

    identificaram com manifestaes da dita alta cultura oriental (filosofia, arquitetura, etc.) ou

    com as tradies populares do Oriente (rituais, vestimentas, alimentos da populao em

    geral). Os jovens tm se identificado, em sua maioria, com a releitura que os meios de

    comunicao de massa fazem desse patrimnio oriental.

    Mais do que um (suposto) Oriente real, os jovens ocidentais tm contato com uma

    verso do mesmo adaptada ou constituda para ser veiculada como produto cultural a ser

    comercializado. Essa cultura pop, no deixa de possuir sua autenticidade posto que remonta

    a referncias especficas do Oriente mas est longe de se constituir o que nos seus pases de

    8 Com isso percebemos que, mesmo entre os chamados deslocados h a construo de um novo deslocamento havendo a reproduo, em menor escala, da excluso que muitos sofreram os homossexuais, aficionados por mangs e/ou animes com temtica de homoerotismo masculino, e os emos, jovens sensveis adeptos do emotional hardcore so alvos recorrentes (bem como os tidos como sendo desprovidos de atributos estticos).

  • origem seria considerada como sua manifestao artstica ou cultural mais pura as

    tradies construdas como patrimnio original possuem uma complexidade que no pode

    ser plenamente compartilhada pelas jovens geraes e/ou jovens estrangeiros que a

    conhecem a no ser que possuam um conhecimento prvio que lhes permita interagir com

    as mesmas (esse papel desempenhado pela sua verso vulgarizada, para consumo).

    Temos, portanto, a interao de um jovem brasileiro com uma cultura

    consideravelmente diversa da nossa e, mesmo assim, h um certo grau de identificao. Foi

    a partir da constatao de tal fato, e da vivncia da nossa pesquisa, que percebemos a

    possibilidade de trabalharmos, partindo dessa oposio-interao entre hierarquia e

    indivduo dentro da literatura de samurais, caracterstica do Japo, e compararmos alguns

    de seus pressupostos com a viso que temos da especificidade da cultura brasileira.

    Estamos conscientes de que a oposio Holismo-Individualismo polmica,

    devendo ser utilizada mais como uma referncia do que como uma realidade rgida. A

    relao entre indivduo e todo complexa havendo uma diversidade interna, uma variedade

    temporal, etc. a sociedade brasileira vivida por Joaquim Nabuco no a mesma vivida

    por Caio Prado Junior, Raymundo Faoro ou Roberto DaMatta. Dentro de um mundo

    caracterizado por diversos e diferentes fluxos de pessoas, produtos, etc. no podemos ter

    uma viso monoltica e homogeneizante. claro que para que haja uma vida comum

    necessria a existncia de cdigos comuns, mas levando em conta que h uma pluralidade.

    Imersos nessa pluralidade de informaes e prticas, temos indivduos em

    construo/interao e devemos estar atentos complexidade dos mesmos, forma como

    se relacionam, como se apropriam dos diferentes referenciais disponveis, com os quais se

    identificam.

    Para isso tivemos que buscar determinar os significados compartilhados pelos atores

    sociais no nosso caso, os jovens aficionados pela cultura pop nipnica e tentar ver como

    so aplicados e qual o grau de commitment desses atores para com os mesmos. Pudemos

    perceber, por exemplo, que o grau de comprometimento que entre os otakus varivel,

    existindo desde aqueles que se referem sua preferncia pelos produtos da indstria

    cultural nipnica devido s suas (supostas) qualidades morais como exaltao de valores

    como amizade, solidariedade, etc. ideais com fortes cores holsticas queles que se

    aproximaram dessa manifestao cultural devido s suas caractersticas formais traos

  • fortes no desenho, cores vivas, etc.9

    Alm disso, tambm h graus variveis na forma como esses fs atuam socialmente,

    existindo aqueles que transformam isso numa forma de vida trabalhando na

    confeco/comercializao de material ligado a esse universo (DVDs de sries, CDs de

    msica, bottons, etc.), aqueles que se vestem ocasionalmente como os seus personagens

    preferidos (cosplayers), bem como h os que so consumidores ocasionais ou apenas

    admiradores afetuosos mas com um maior distanciamento.10

    Logo, ao mesmo tempo em que nos preocupamos com a heterogeneidade dos atores

    sociais envolvidos, temos claro que existe uma cultura comum (com conhecimentos e

    informaes bastante especficos), que existem redes de significados, mas que elas tm uma

    interao, por vezes no facilmente relacionvel, com a prtica da vida social.

    Dessa forma, para compreendermos as aes desses jovens, devemos conhecer os

    valores que os guiam e uma possvel chave para isso pode ser encontrada nas suas

    preferncias dentro da diversidade de material oferecida pela cultura de massa em geral e

    pela cultura pop nipnica em particular. Nesse ponto fundamental a referncia a Simmel

    que destacou que quanto maior o nmero de grupos dos quais algum fizer parte, maior a

    possibilidade de desenvolver uma ao individual, porque a vinculao/identificao com

    um s grupo menor.

    Como outras manifestaes da cultura de massa, como o funk, o rock, etc. a cultura

    por nipnica com seu universo habitado por anims, tokusatsus, mangs shojo, shonen,

    yaoi, animesongs, j-pop, jogos, etc. permite o desenvolvimento de uma variedade de

    aes sociais, abrindo diferentes caminhos para que os indivduos escolham aqueles com os

    quais mais se identificam. E, como ressaltara Simmel, quanto maior a pluralidade de grupos

    maior a possibilidade de circulao entre eles; quanto maior a possibilidade de interaes,

    maiores so as trocas, demonstrando que quanto maior a socializao maior a

    9 O crescimento da busca pelos produtos de tal indstria cultural evidenciado pelo grande afluxo de jovens ao Anime Friends, considerado (pelos nativos) o maior evento de anim/mang da Amrica Latina, vide o trecho de reportagem do site Anime Network: Domingo, dia 17/07/2005, quarto e ultimo (sic) dia de Anime Friends e so (sic) para no perder o costume tinha muita, mais (sic) muita fila mesmo, mais (sic) finalmente o evento abriu as (sic) 10 horas da manha (sic) e a fila com mais de 3 mil pessoas comeou a andar rapidamente, so (sic) par (sic) alembrar (sic) chegamos na fila as (sic) 8h30 da manha (sic). Grifo nosso. 10 Por no constituir um universo particular independente da sociedade, a cultura pop nipnica (no Brasil) pode ser pensada como uma cultura parcial, nos termos de Gans: The partial cultures are part-time versions of the total cultures, supported by people who maintain their economic position and social status in mainstream society, participating in them only on evenings and weekends." (Gans 1974: 96).

  • individualizao.11

    Mais do que a descoberta de valores orientais com os quais ns nos identificamos, o

    que existiria seria o fato de vermos (o de querermos ver) no Oriente ideais que j foram

    hegemnicos no Ocidente, mas que atualmente poderiam ser considerados valores

    perifricos. Esses valores seriam encontrados por uma parcela da nossa juventude nos

    produtos da cultura pop nipnica que, apesar de ser considerada como extica, lhes propicia

    uma identificao com valores semelhantes aos que aqui estariam perdidos.12

    Acreditamos que sendo o Brasil um pas de colonizao ibrica, ele ainda mantm

    na sua estrutura social e cultural elementos que guardam relao com uma sociedade

    patriarcal hierarquizada que caracterizou a maior parte da nossa histria. Esses valores tm

    sido continuamente corrodos pela modernizao pela qual o pas tem passado nos ltimos

    cem anos. Esse processo tambm foi acelerado nos ltimos trinta anos pela intensificao

    da divulgao dos ideais individualistas atravs dos meios de comunicao de massa e

    pelas transformaes no mundo do trabalho.

    notria a pretensa existncia de certa forma de ser prpria do brasileiro, sendo

    interessante destacar que renomados autores, de diferentes tendncias, fizeram afirmaes

    bastante semelhantes a respeito dessa pretensa natureza do brasileiro. As opinies oscilam

    desde a mais elevada autocrtica at o mais alto ufanismo. Qualidades tpicas do

    brasileiro como a hospitalidade, o carter pacfico, etc. convivem pari passu com defeitos

    como a preguia, indolncia, indiferena, passividade, corrupo, etc.

    Para o poltico Joaquim Nabuco, a relutncia do brasileiro em trabalhar por salrio

    estaria relacionada escravido. Foi a isso que a escravido, como causa infalvel de

    corrupo social, e pelo seu terrvel contgio, reduziu a nossa poltica. O povo como que

    11 Quanto maior a heterogeneidade, variedade de produtos culturais, maior a possibilidade de nos apropriarmos de diferentes elementos de diferentes mundos para a construo da nossa individualidade. A cultura de massa oferece, uma diversidade de elementos para a nossa diferenciao, bem como o desenvolvimento dos meios de comunicao (telefone, internet, icq, msn, skype, etc.) aumentam a facilidade de contato (embora no necessariamente no aumentem a proximidade/intimidade) com quem compartilha preferncias conosco. 12 Portanto, a postura de se considerar a cultura de massa produzida pelo Japo como algo de somenos importncia, com objetivos meramente consumistas e com caractersticas fora da nossa realidade, simplista; claro que h a preocupao com o lucro (venda de chaveiros, estojos, vdeos, marcas, estilo de vesturio, etc.), porm como destacara Simmel, ao falar de alguns dos produtos da cultura de massa: (...) they may be incomplete and unimportant with respect to objective, technical, specialized spheres of life, but contribute perfectly to what our being needs for the harmony of its elements, to that mysterious unity that transcends all specific needs and forces. (Simmel 1971: 232)

  • sente um prazer cruel em escolher o pior, isto , em rebaixar-se a si mesmo, por ter

    conscincia de que uma multido heterognea, sem disciplina a que se sujeite, sem fim

    que se proponha. (Nabuco: 2000: 136)

    Por outro lado, para o historiador Capistrano de Abreu, ao analisar a situao do

    Brasil no incio do sculo XIX e discutir a respeito da possibilidade de independncia,

    tambm ficava evidente a incapacidade do povo brasileiro de assumir posturas ativas. No

    se inquiria, porm, o meio de conseguir tal independncia vagamente conhecida, to avessa

    a ndole do povo a questes prticas e concretas. Preferiam divagar sobre o que se faria

    depois de conquist-la por um modo qualquer, por um modo qualquer, por uma srie de

    sucessos imprevistos, como afinal sucedeu. Sempre a mesma mandrice intelectual de

    Bequimo e dos Mascates! (Abreu 2000: 242)

    Essas vises muito extremamente contundentes a respeito do nosso suposto carter

    nacional so consideravelmente recorrentes, marcando autores das mais diferentes

    tendncias. Caio Prado Junior, especialista em histria econmica e com influncia do

    marxismo, via na indolncia indgena e na escravido elementos que teriam conseqncias

    na nossa nacionalidade, pois: De tudo isto resultar para a colnia, em conjunto, um tom

    geral de inrcia. Paira na atmosfera em que a populao se move, ou antes 'descansa', um

    vrus generalizado de preguia, de moleza que a todos, com raras excees, atinge. (Prado

    Junior 2000: 360)

    Esse negativismo tambm compartilhado por Raymundo Faoro, autor

    weberiano, que ao analisar um revoltado comentrio de um estadunidense que traz uma

    viso do Brasil como decadente, com elites corruptas e povo passivo, nos fala que: No

    exagero das cores, filtra-se uma conseqncia: o povo quer a proteo do Estado,

    parasitando-o, enquanto o Estado mantm a menoridade popular, sobre ela imperando. No

    plano psicolgico, a dualidade oscila entre a decepo e o engodo. (Faoro 2000: 375-

    376).13

    13 Em oposio a este criticismo, temos o ufanismo um tanto ingnuo (e um tanto exagerado) de Affonso Celso, que capaz de nos listar uma srie de qualidades tpicas do brasileiro em geral como: 1) Sentimento de independncia, levado at indisciplina. 2) Hospitalidade. (...). 3) Afeio ordem, paz, ao melhoramento. 4) Pacincia e resignao. 5) Doura, longanimidade, desinteresse. 6) Escrpulo no cumprimento das obrigaes. Julgar-se-ia desairado quem, no interior, alegasse prescrio de dvida. 7) Esprito extremo de caridade. (...) 8) Acessibilidade que degenera, s vezes, em imitao do estrangeiro. 9) Tolerncia; ausncia de preconceitos de raa, cor, religio, posio, decaindo mesmo em promiscuidade. 10) Honradez no desempenho de funes pblicas ou particulares." (Celso 1997: 156)

  • Essa permanente descrena e desesperana para com o Brasil atual podem ser

    interessantes para entendermos o fascnio que a cultura pop nipnica exerce sobre uma

    parcela da juventude brasileira, levando-nos a reconhecer uma maior capacidade de

    agncia dos jovens, pois as pessoas no aceitam algo por aceitar, h motivos, interesses

    para isso; a percepo de tal fato nos obriga a problematizar a questo da coerncia e

    consistncia dos sistemas culturais.

    Isso explicaria a atrao que os jovens que consomem esse material tm pelos

    samurais, smbolos do Japo. Alguns textos fundamentais relativos reflexo dos samurais

    sobre si mesmos e sobre seu papel na sociedade tm sido editados mais recentemente no

    Brasil, bem como cada vez mais temos edies de mangas com os mais diferentes tipos de

    guerreiros nipnicos porm a referncia ao samurai, aquele que serve, sempre viva.

    Atravs dessas obras, seno pela sua leitura direta mas pela sua vulgarizao

    atravs de anims e mangs, muitos dos valores tradicionais japoneses so veiculados e

    atingem o pblico jovem brasileiro, sequioso de ideais e modelos slidos. Poderamos citar

    alguns pensamentos a ttulo de ilustrao:

    Estude a estratgia no decorrer dos anos e conquiste o esprito do guerreiro.

    Hoje a vitria sobre o voc de ontem; amanh ser a sua vitria sobre

    homens inferiores. (Musashi 2000: 79)

    Todos ns desejamos viver. E, na maioria das vezes, construmos nossa

    lgica de acordo com o que gostamos. Mas no atingir nosso objetivo e

    continuar a viver covardia. (Yamamoto 2004: 28)

    Para o Bushido, so essenciais estas trs qualidades: Lealdade, Boa

    Conduta e Valor. (Yuzan 2004: 31)

    Os valores presentes nos trechos citados acima remetem a elevados padres morais

    e ticos, padres esses que os desmandos recentes da histria brasileira fazem crer aos

    jovens estejam perdidos. Est claro para ns que a afirmao de tais ideais no signifique a

    sua real prtica na sociedade japonesa do passado ou do presente. Entretanto, eles aparecem

    como referncia e permitem ao jovem brasileiro construir uma imagem do Japo que lhe

  • seja mais interessante. 14

    A existncia de uma aproximao com uma cultura, em princpio to diversa da

    nossa, vista como possuindo forte nfase no coletivo, nos coloca o problema de como

    entendermos esse fascnio que jovens brasileiros, de um pas que se pensa como

    pertencente a uma civilizao ocidental individualista, podem encontrar interesse por uma

    cultura com caractersticas prximas de um Holismo la Dumont. Falamos em

    caractersticas prximas de um Holismo porque, apesar de comumente pensarmos no

    Japo como um pas onde a individualidade no desenvolvida, est claro que ela existe;

    entretanto, ela no to enfatizada a ponto de se tornar um elemento desagregador das

    relaes sociais.15

    Talvez a cultura nipnica no seja diretamente/facilmente integrvel com a cultura

    brasileira, porm isso no a impediria de se coadunar melhor com ethos especficos, como o

    da juventude, mais ligada com questes que so trabalhadas pela indstria cultural nipnica

    violncia, sexualidade, temas importantes para jovens passando por transformaes

    fsicas/sociais; a valorizao de ideais como honra, companheirismo, fortes no idealismo

    juvenil.16

    Assim, ao mesmo tempo em que encontramos jovens vivenciando de forma mais

    intensa a fugacidade, transitoriedade e relativismo (que, por vezes, beira o niilismo) do

    mundo contemporneo, tambm encontramos outros, mais localizveis circa vinte anos,

    que possuem uma viso mais crtica e questionadora. Apesar da aparente distncia entre

    essas duas tendncias presentes dentro do pblico de animes e mangs, elas convivem de

    14 Nesse ponto podemos nos remeter s discusses sobre como o Ocidente criou o Oriente (Said, 1990) e tambm o Japo (Benedict, 2002), bem como s reflexes de Levi-Strauss sobre as tentativas (fracassadas) de Asdiwal de viver uma vida diferente (Levi-Strauss, 1976) choque da realidade que os otakus brasileiros praticamente no correm posto que o Japo um mundo consideravelmente difcil para ser acessado diretamente e colocar em conflito as crenas construdas a partir do que l produzido. 15 The individual cannot act out of self-interest that violates the consensus of the group. The usual alternatives are to suppress personal desires, to modify one's preferences in acceptable ways, or to leave the group altogether. (Smith 1983: 90) 16 Nesse sentido mais amplo e abstrato, dois itens tjogtjog quando sua coincidncia forma um padro coerente que d a cada um significado e um valor que eles no tm em si mesmo. (Geertz 1978: 147). Assim, produtos da indstria cultural nipnica que, em princpio, foram concebidos para um universo cultural especfico, podem encontrar ressonncia entre jovens brasileiros inseridos em uma tradio cultural e dinmica social diferente, porm em busca de valores semelhantes (ao menos na viso deles) aos presentes nas manifestaes artsticas da cultura pop nipnica.

  • maneira amistosa. Elas conseguem encontrar dentro da enorme diversidade desse universo

    obras que correspondem aos seus diferentes interesses.17

    Da mesma forma que a questo do valor importante, sendo mencionada por

    muitos nativos, sendo evidente certo fascnio por um holismo nipnico, tambm existem

    aficionadas que no aparentam manter uma conexo to estreita com esses ideais. Esses se

    aproximam muito de outros aspectos da cultura nipnica, aparentemente diversos dos

    nossos, que podem ser mais bem entendidos se partirmos das idias de realismo grotesco

    de Bakhtin. Ao descrever o espao do riso, do corpo, da reproduo, da morte, etc. como

    caracterizando uma forma de realismo que se preocupa em perceber o corpo no como belo

    ou feio, mas apenas como um corpo qualquer, Bakhtin nos abriu uma porta fundamental. 18

    Essa chave interpretativa se tornou ainda mais explcita pelo fato dele destacar que o

    realismo grotesco se manifesta em eventos coletivos (como as reunies de otakus); para

    alguns participantes com maior vivncia (maior conhecimento do universo anim, mais

    idade e/ou uma interioridade mais desenvolvida), para os quais o apelo desse produto

    cultural, torna-se uma viagem interior ligada ao obscuro, soturno, prxima do realismo

    grotesco romntico. 19

    Dessa forma, torna-se mais compreensvel o motivo pelo qual o trao distorcido da

    aparncia dos personagens (lembrando que o termo mang pode ser traduzido como

    desenho irresponsvel), com personagens retratados de uma forma bem fora do

    naturalismo possa ser atraente para uma parcela da juventude brasileira. O que nos obriga a

    aceitar que no adianta expor o jovem a produtos culturais de forma totalmente

    desvinculada da sua realidade; se estes produtos no forem disponibilizados com uma

    linguagem acessvel que possa ser entendida e assim assimilada para completar esse

    indivduo em formao. Isso nos permitiria entender como muitos jovens acabam tendo

    acesso a valores nipnicos atravs da linguagem grotesca dos anims/mangs.

    17 Several studies have shown that peole choose media content to fit individual and group requirements, rather than adapting their life to what the media prescribe or glorify. (Gans 1974: 32) 18 A presena de uma violncia e de uma sexualidade expostas de forma diferente da caracterstica das manifestaes artsticas do Ocidente abre caminho para o interesse do jovem, um ser em mutao fsica e social, por essa forma (para ns grotesca) de representao, pois: A imagem grotesca caracteriza um fenmeno de transformao, de metamorfose ainda incompleta, no estgio da morte e do nascimento, do crescimento e da evoluo. (Bakhtin 1987: 21) 19 Na realidade, o grotesco, inclusive o romntico, oferece a possibilidade de um mundo totalmente diferente, de uma ordem mundial distinta, de uma outra estrutura da vida. (Bakhtin 1987: 42).

  • Os aficionados mais jovens, preocupados com as transformaes fsicas

    caractersticas da puberdade, esto mais voltados para obras vistas como sendo de contedo

    mais superficial anims e mangs violentos ou com fortes toques de sensualidade.

    Por outro lado, os aficionados mais maduros, preocupados com as questes relativas

    sua identidade, esto mais atentos a valores, ideais, etc. h maior interesse por anims e

    mangs que lidam com questes e/ou relacionamentos (tanto masculinos quanto

    femininos).

    Logo, o fato da indstria cultural japonesa ser extremamente segmentada, tanto em

    termos de forma quanto de contedo, possibilita uma oferta variada de bens culturais que

    podem ser consumidos. Obras mais carnavalescas (no sentido bakhtiniano) cativam mais o

    segmento mais infantil do pblico otaku, enquanto que os anims e mangs com

    problemticas mais prementes so preferidos pela frao mais adulta desse mesmo

    pblico.20

    Com isso, podemos perceber que a motivaes diferentes que, no entanto, no se

    contradizem: podemos ter em um mesmo evento tanto aficionados por animes e mangs

    marcados simplesmente pelo divertimento escapista ou pelo trao forte e pela temtica

    violenta ou sexualizada quanto jovens interessados em mergulhar na cultura nipnica

    devido s representaes que a cultura de massa veicula da mesma, buscando encontrar

    nela valores de amizade, honra, companheirismo, etc.21

    Portanto, o meio por onde transitam os aficionados pela cultura pop nipnica

    oferece uma grande variedade de possibilidades de ser usufrudo. Ele pode servir para a

    mera diverso como para o enriquecimento cultural. Contudo, mais do que isso, ele um

    mundo capaz de possibilitar diferentes possibilidades de diverso, principalmente uma que

    foi mencionada mais de uma vez por mais de um de nossos informantes: conhecer gente.

    Nos eventos possvel encontrar pessoas de idades variadas, desde crianas a

    quarentes. Existem atrativos para todos, devido a profunda segmentao e profundidade

    da indstria cultural japonesa. Para termos uma idia melhor da complexidade de elementos

    20 Com isso, diferentes gostos e preocupaes so satisfeitos. Para os mais jovens, forma vibrante com contedo (tido como) descartvel; j para os mais velhos, forma razovel (no mnimo, excelente se possvel) com contedo (considerado como) consistente. 21 Vale lembrar aqui o mote da maioria das histrias publicadas pela revista japonesa Shonen Jump, referncia no mercado dos mangs: Amizade, esforo e triunfo. Esse slogan simples tem sido mostrado de considervel apelo para uma diversidade de jovens no Japo e pelo mundo.

  • fornecidos pela indstria cultural japonesa podemos citar o fenmeno Pokmon, que se

    tornou um grande smbolo da cultura pop nipnica.22

    Temos dessa forma, uma grande variedade de bens culturais que podem ser

    apropriados por diferentes grupos de jovens de maneiras diversas. Apesar das

    peculiaridades internas que caracterizam cada um dos segmentos envolvidos com os

    supracitados produtos da cultura de massa, h uma relativa unidade que os perpassa.

    Essa gama de possibilidades de interao com esse material oriental, bem como a

    variedade de formas como pode ser lido (como entretenimento escapista ou como

    divulgao cultural) abre alternativas para diferentes perfis de interessados. Tal foto traz a

    possibilidade de universos de interao diversos como objetivos prprios. Podem se reunir

    amigos de uma academia, jogadores de cardgames de Yu-Gi-Oh, espectadores de animes,

    leitores de mangs, interessados na lngua japonesa, etc.

    O grau de adeso nesses grupos pode ser maior ou menor sendo mais intenso entre

    os que compartilham interesses mais particulares e mais prximos, sendo mais diludo nas

    suas fronteiras externas. Esse aspecto faz com que apesar dos diferentes grupos terem suas

    especificidades, eles mantenham uma relativa margem de elementos comuns: as referncias

    orientais diludas de forma razoavelmente uniforme entre as suas vrias manifestaes

    permitindo-lhes um dilogo mnimo.23

    Temos assim um universo comunicacional marcado pela contemporaneidade e pela

    agncia juvenil. O jovem pode, dentro dos limites do que lhe oferecido pelos meios de

    comunicao de massa, escolher o que mais lhe apraz, buscar aqueles que possuem

    interesses semelhantes. Por isso podemos perceber, apesar da diversidade interna certas

    recorrncias como um vesturio semelhante e referncias mnimas compartilhadas por

    todos. Boa parte dessas referncias conseguida atravs da convivncia direta com os

    amigos mais prximos, indiretamente com amigos virtuais ou via publicaes especficas

    ou atravs da Internet.

    22 No auge da moda, era tambm um mundo imaginrio surpreendentemente consistente que englobava tudo, em que desenhos animados, cards colecionveis, jogos eletrnicos e de computador, gibis, brinquedos e tudo que tipo de mercadoria se interligavam com unidade visual e temtica perfeita. (JONES, 245-246) 23 A importncia de haver uma base comum de interesses, evidencia agncia do jovem posto que ele atua ativamente na busca de pessoas que se tenham desejos, gostos, etc. semelhantes. Esse exerccio da individualidade na amizade dava-se tanto pelas relaes pessoais quanto pela nfase na afinidade, na aproximao entre amigos pelo que tinham em comum, e no por suas diferenas. (REZENDE, 146)

  • Progressivamente tomamos conhecimento de que prticas, anteriormente vistas

    como alienantes e geradoras de isolamento social podem propiciar condies de

    socializao. O hbito comum entre jovens de se divertir com jogos eletrnicos tem sido

    alvo constante da acusao de isolar os seus adeptos.

    Essa representao do praticante de jogos eletrnicos como um ser recluso, esttico

    diante da televiso ou do computador, embora possa corresponder a parte desse universo,

    no representa a maioria. O ato de jogar videogames est se transformando, cada vez mais,

    em uma atividade social. Quem joga conversa e troca e-mails, sem parar, a respeito das

    estratgias e dos atalhos que descobriram, organiza torneios na comunidade, troca revistas

    sobre o assunto e convida os amigos para ir sua casa ver o jogo novo que comprou.

    (JONES, 190)

    A socializao aqui desenvolvida no , necessariamente, densa posto que ela busca

    muito mais um contato do que obrigatoriamente uma intimidade. O que temos aqui uma

    srie de pessoas que querem simplesmente se divertir trocando opinies, discutindo, etc a

    respeito de prticas, objetos, temas que gostam o que no exclui a possibilidade de uma

    amizade mais profunda.24

    Com isso, pretendemos acenar aqui com a possibilidade dessa arena aberta PELOS

    PRPRIOS jovens aficionados pela cultura pop nipnica estar se configurando como mais

    um universo possvel para trocas, interaes. Diferentemente de outras arenas

    tradicionalmente tidas como fundamentais (famlia, escola, trabalho, etc.), o universo

    anime foi criado por aqueles que nele convivem.

    Pode-se argumentar, utilizando at mesmo as informaes aqui presentes, que esse

    mundo um mundo como qualquer outro onde as diferenas existem ainda que

    diminudas pelo compartilhamento de referncias comuns. O que no se pode esquecer

    que um mundo prioritariamente de jovens, por jovens e para jovens esse novo mundo tem

    que ser conhecido.

    24 Esse tipo de relao nos remete s joking relations trabalhadas por Radcliffe-Brown (RADCLIFFE-BROWN, 1989)

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