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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA Cristiano Zago Damas Garlipp ESGRIMA EM CADEIRA DE RODAS NO BRASIL: HISTÓRICO E PERSPECTIVAS DA MODALIDADE Campinas 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Cristiano Zago Damas Garlipp

ESGRIMA EM CADEIRA DE RODAS NO BRASIL:

HISTÓRICO E PERSPECTIVAS DA MODALIDADE

Campinas

2016

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Cristiano Zago Damas Garlipp

ESGRIMA EM CADEIRA DE RODAS NO BRASIL:

HISTÓRICO E PERSPECTIVAS DA MODALIDADE

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física

da Universidade Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre

em Educação Física na área de Atividade Física

Adaptada.

Supervisor/Orientador: EDISON DUARTE

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE A VERSÃO FINAL

DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA PELO

ALUNO CRISTIANO ZAGO DAMAS GARLIPP, E ORIENTADA

PELO PROF. DR. EDISON DUARTE.

___________________________________________

Campinas

2016

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COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Edison Duarte

_____________________

Prof. Dr. Valber Lazaro Nazareth

_____________________

Prof. Dr. Paulo Cesar Montagner

_____________________

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a todos os profissionais de Educação Física e áreas afins

(Fisioterapia, Medicina, Nutrição) que se envolveram ou se envolvem com o esporte

adaptado, acreditando na superação de problemas diversos do ser humano, não importando

suas limitações, vendo sempre maneiras de superá-las.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que me dá forças e as armas certas para

continuar minha luta. Em seguida, à minha família inteira, em especial meus pais (Rubens

Cristiano e Maria Aparecida Garlipp) que de alguma maneira sempre acreditaram em mim.

Agradeço à toda ADEACAMP (Associação de Esportes Adaptados de Campinas)

por me dar a oportunidade de realizar o trabalho prático com a Esgrima em Cadeira de Rodas,

esporte que tanto amo. Em especial, agradeço aos atletas de Esgrima que fazem parte dessa

associação (Lenilson Tavares de Oliveira, Luciano Pereira, Leandro Fernandes Mazoni,

Eduardo Franco de Oliveira e Maicon Martins) e às pessoas especiais que compõem nossa

atual comissão técnica (Maicon Pereira, Amanda Pereira, Melise Salles, Thalita Cassetari,

Leidiane Lima e Monica Padilha). Cabe também um agradecimento especial ao atleta de

Rugby em Cadeira de Rodas e amigo Luís Fernando Sper Cavalli, por acreditar sempre no

potencial da Esgrima em Cadeira de Rodas e fazer questão de nossa presença em palestras e

eventos que demonstrem a existência do esporte adaptado para a população.

Não posso deixar de agradecer às pessoas especiais, que mesmo fora do círculo

acadêmico, me deram chances e oportunidades na vida, em especial ao Alexandre Cavour

Fontes e Vinícius Zanella, que me deram trabalho no “Bar do Nicola” quando eu mais

precisei. Agradeço pela força aos amigos que também trabalham no estabelecimento e com

conversas me ajudaram muito, mesmo sem saber que estavam fazendo. Em especial agradeço

ao Felipe Marques, Alexandre Catozzi e Rodrigo Ferraz.

Também agradeço ao Sauro Corsi por toda a força e perspectivas depositadas em

minha pessoa. Agradeço aos amigos que fiz ao longo da vida e que não se separam mesmo

distantes: Ricardo Martins da Rocha, Ricardo Pires de Camargo, Mateus Yuri Passos, Fellipe

Grillo Peternella, Fabio Junque e Yuji Rafael Vallim Hofstatter. Agradeço também à Patrícia

Paula Zardetto que é muito especial para mim e me deu muita força. À psicóloga e amiga do

SAPPE, Maria Lídia, por me injetar em cada sessão, doses de motivação para não desistir do

meu trabalho.

Por fim, agradeço ao Professor Gavião por acreditar e dar todo apoio à Esgrima

em Cadeira de Rodas e ao meu orientador e amigo, Professor Edison Duarte, que mesmo

frente a todas as situações de dificuldade, acreditou nesse trabalho e fez suas correções,

adaptações e sugestões para que este fosse terminado. A todos vocês, muito obrigado por

fazerem parte da minha vida.

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RESUMO

Esse trabalho é um estudo qualitativo e descritivo que dá um panorama sobre a Esgrima em

Cadeira de Rodas no Brasil. Tal modalidade esportiva é de recente implantação em nosso

país, tendo início no ano de 2002. Apesar de recente, o país já celebra importantes títulos,

sendo o de maior expressão de campeão paralímpico da modalidade, na categoria B, espada,

nos Jogos Paralímpicos de Londres, 2012. Para discorrer sobre o salto que se deu com a

modalidade, fez-se necessário fazer considerações históricas num primeiro momento sobre a

presença e evolução da Esgrima no mundo e no Brasil. Também foram realizadas

considerações em relação ao Comitê Paralímpico Brasileiro que desenvolve importante papel

em diversas modalidades no contexto paralímpico como um todo, sendo preciso compreender

sua evolução e suas estratégias de planejamento. Dentro do contexto da Esgrima em Cadeira

de Rodas no Brasil, foram realizadas três entrevistas: uma com o coordenador técnico da

modalidade no Comitê Paralímpico Brasileiro, uma com um técnico e a última com um atleta

pioneiro. O procedimento foi realizado a fim de elucidar importantes pontos sobre as

perspectivas desta modalidade no Brasil. Algumas direções são apontadas nesse trabalho, tais

como a necessidade de formação de profissionais capacitados a ensinar a Esgrima para

pessoas com deficiência, a importância do envolvimento da Universidade no esporte

paralímpico e o rumo que a modalidade tende a seguir para evoluir.

Palavras chave: Esgrima em Cadeira de Rodas; Esporte Paralímpico;

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ABSTRACT

This study is a qualitative and descriptive research which aims to realize a panorama about

Wheelchair Fencing in Brazil. Such sportive modality was recently implanted in our country,

the activities with such sport has begun in 2002. Despite it is recent the country already

celebrates important titles as the Paralympic Championship, the most expressive title in the

modality, Epee in the category B, during the London Paralympic Games, 2012. To discourse

about the path of the modality, it was necessary to make historic considerations. At first,

about the presence and evolution of Fencing around the World and then in Brazil.

Considerations in order to comprehend its evolution were also made related to the Brazilian

Paralympic Committee that develops an important role in several modalities in the Paralympic

context. Within Wheelchair Fencing context in Brazil, three interviews were made; one with

the technical coordinator of the modality in the Brazilian Paralympic Committee, one with a

coach and the last one with a pioneer athlete. This procedure was taken in order to elucidate

important spots about the perspectives of Wheelchair Fencing in Brazil. Some directions are

pointed in this study such as the need of proper professionals graduated and able to teach

Fencing for people with disability, the importance of the university’s involvement with the

Paralympic Sport and the path that the modality might follow in order to evolve.

Keywords: Wheelchair Fencing; Paralympic Sport

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Primeira apresentação de ECR para mulheres em Stoke Mandeville: 1955 ..15

Figura 02: Gravura da Idade Média sobre Esgrima. Gravura da idade...........................18

Figura 03: Distância ajustada para um jogo de ECR......................................................24

Figura 04: Lonato, Itália, 2003. Uma das primeiras delegações de ECR........................27

Figura 05: Conquista da medalha de ouro em Londres, 2012.........................................34

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LISTA DE QUADROS

Quadro de apresentação dos sujeitos ..............................................................................16

Quadro ............................................................................................................................36

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEP – Associação Brasileira de Esgrima Paraolímpica

ABRADECAR – Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas

ADEACAMP – Associação de Esportes Adaptados de Campinas

ADFP – Associação dos Deficientes Físicos do Paraná

AFA – Academia da Força Aérea

ASASEPODE - Associação de Servidores da Área de Segurança e Portadores de

Deficiência

AVE – Acidente Vascular Encefálico

CBE – Confederação Brasileira de Esgrima

CPB – Comitê Paralímpico Brasileiro

CPSP – Clube dos Paraplégicos de São Paulo

CVI – Centro Vida Independente

EC – Esgrima Convencional

ECP – Esporte Clube Pinheiros

ECR – Esgrima em Cadeira de Rodas

EsEFEx – Escola de Educação Física do Exército

FIE – Federação Internacional de Esgrima

IOC – International Olympic Committee

IPC – International Paralympic Committee

ISMGF – International Stoke Mandeville Games Federation

IWAS - International Wheelchair and Amputee Sports Federation

IWFC – International Wheelchair Fencing Committee

UFG – Universidade Federal de Goiás

UFPR – Universidade Federal do Paraná

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UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UFU – Universidade Federal de Uberlândia

UNIARARAS – Universidade de Araras

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UPE – União Paulista de Esgrima

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Sumário

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 14

2 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................ 15

3 OBJETIVOS ................................................................................................................ 15

3.1 Objetivo geral ........................................................................................................... 15

3.2 Objetivo específico ................................................................................................... 15

4 MÉTODO E MATERIAIS .......................................................................................... 16

4.1 Entrevistas ................................................................................................................ 16

4.2 Análise documental .................................................................................................. 17

5 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 18

5.1 Esgrima e seu desenvolvimento na Europa .............................................................. 19

5.2 A Esgrima no Brasil ................................................................................................. 20

5.3 Estruturação internacional da Esgrima em Cadeira de Rodas e institucionalização

como modalidade paralímpica ........................................................................................ 22

5.3.1 A implantação e desenvolvimento da Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil ... 25

6 O COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO E A ESGRIMA EM CADEIRA DE

RODAS ........................................................................................................................... 37

6.1 O CPB como órgão gestor da Esgrima em Cadeira de Rodas .................................. 39

7 O PANORAMA ATUAL DA ECR NO BRASIL ...................................................... 40

7.1 O processo de renovação .......................................................................................... 42

7.2 O papel da Universidade .......................................................................................... 46

7.3 A Esgrima em Cadeira de Rodas da Atualidade e suas Perspectivas ....................... 51

8 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 58

9 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 61

10 APÊNDICES ............................................................................................................. 62

APÊNDICE I: Entrevista com sujeito 1: coordenador técnico de ECR no CPB........... 62

APÊNDICE II: Entrevista com sujeito 2: técnico de esgrima em cadeira de rodas .......75

APÊNDICE III: Entrevista com sujeito 3: atleta de esgrima em cadeira de rodas .........77

APÊNDICE IV: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................................82

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1 INTRODUÇÃO

Segundo Nazareth (2009) a presença de pessoas com deficiência na Esgrima

é muito recente e se deu de forma semelhante a outros esportes que foram adaptados e

criados após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos e Europa para reabilitar e

reintegrar lesionados de guerra à sociedade. Antes desse período, não há registro da

prática de Esgrima por pessoas com deficiência.

O surgimento da Esgrima em Cadeira de Rodas (ECR), para pessoas com

deficiência, se dá a partir da adaptação da Esgrima Convencional (EC) sendo a primeira

apresentação da modalidade realizada em 1953 nos Jogos de Stoke Mandeville

(Inglaterra). Um papel chave foi desempenhado pelo médico alemão de origem judaica,

Ludwig Guttmann, diretor do hospital de Stoke Mandeville para a implantação e

desenvolvimento da esgrima em sua versão adaptada.

De forma gradual, a ECR se organizou institucionalmente até se tornar um

dos esportes do cronograma dos Jogos Paralímpicos. A ECR é uma modalidade presente

nos Jogos Paralímpicos atuais desde a sua primeira edição, realizada na cidade de

Roma, na Itália em 1960 (NAZARETH, 2009).

Não há muitos registros e fontes bibliográficas que apontem o desenrolar da

história da Esgrima em Cadeira de Rodas, tanto em nível nacional quanto internacional,

o que se tem, são alguns registros encontrados em alguns trabalhos recentes, como a

Tese de Doutorado de Nazareth (2009) e alguns temas encontrados em sites de

Federações e Associações ao redor do mundo. Algumas pesquisas sobre a ECR existem,

mas estas estabelecem relações diretas sobre o treinamento e desempenho dos atletas,

sendo que a literatura sobre a história da modalidade é escassa.

No Brasil a ECR teve início no ano de 2002. Os caminhos de financiamento

e desenvolvimento do esporte adaptado em nível internacional deram-se

primordialmente através de apoio a programas terapêuticos de recuperação e

reabilitação, incluindo principalmente hospitais e universidades. Na Inglaterra, em 1945

foi iniciado o primeiro programa de reabilitação através do esporte no hospital de Stoke

Mandeville, com o intuito de trabalhar o tronco, membros superiores e diminuir o tédio

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da internação hospitalar, tendo o esporte um papel terapêutico. Com o passar dos anos,

o esporte adaptado veio a adquirir feições competitivas, equiparadas ao convencional.

2 JUSTIFICATIVA

A ECR é recente em nosso país e as particularidades em termos de

organização, desenvolvimento e resultados obtidos por atletas, aliados ao fato de não

haverem registros sobre a história dessa evolução, justificam a presente pesquisa. Visa-

se resgatar o movimento realizado desde o início da ECR no Brasil, utilizando-se

análise documental (registros acadêmicos) e três entrevistas: uma com o profissional

que iniciou essa modalidade em nosso país e ainda acompanha de forma intensa esse

movimento; uma com um técnico que acompanhou o desenvolvimento da ECR de perto

e uma terceira entrevista com um atleta pioneiro da modalidade no Brasil.

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

Fazer o resgate histórico da ECR no Brasil.

3.2 Objetivo específico

Apontar, a partir da compreensão geral do atual estado da arte, como se desenrolou a

história da ECR no Brasil e estudar suas perspectivas.

Figura 01:

Primeira apresentação de ECR para

mulheres em Stoke Mandeville: 1955

Fonte: Google

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4 MÉTODO E MATERIAIS

Baseado em Thomas e Nelson (2012), o trabalho é uma pesquisa de caráter

qualitativo e descritivo. Assim sendo, a mesma “(...) busca compreender o significado

para os participantes de uma experiência em um ambiente específico”. Tal pesquisa se

pauta em observar, compreender e atribuir significado ao fenômeno que se estuda.

Foram utilizados dois procedimentos: Revisão de literatura e entrevista.

4.1 Entrevistas

As entrevistas foram concedidas de acordo com o Parecer do Comitê de

Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de

Campinas, com o número CAAE 43519415.0.0000.5404, tendo sido aprovado no dia

10/07/2015. Segue abaixo um quadro de apresentação dos sujeitos relacionados.

QUADRO DE APRESENTAÇÃO DOS SUJEITOS

NOME FUNÇÃO INSTITUIÇÃO

Sujeito 1 Coordenador Técnico CPB

Sujeito 2 Técnico ADFP

Sujeito 3 Atleta ADEACAMP

As entrevistas ocorreram através de contato via ferramenta Skype em tempo

real. As mesmas foram conduzidas de forma semiestruturada, a partir de um roteiro

prévio, mas de forma a permitir que os entrevistados tivessem liberdade para expor seus

pensamentos da maneira que julgassem ser a mais adequada. Os procedimentos foram

realizados com o coordenador técnico da modalidade, com um técnico e um atleta de

ECR do Brasil que já possuem mais de 10 anos de histórico de envolvimento com a

modalidade e acompanharam de perto o crescimento e desenvolvimento desse esporte e

suas atividades relacionadas no país, tanto em nível nacional quanto internacional.

Sendo assim, os sujeitos que foram relacionados para o estudo, são

indivíduos que exercem ainda papéis de protagonistas no desenvolvimento da ECR no

Brasil desde sua implantação até o presente momento.

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Tais sujeitos atendem ao recorte teórico em análise, levando-se em

consideração a relevância das indagações levantadas em relação à participação deles e

suas relações. São agentes históricos influenciados e influenciadores no decorrer da

história da ECR no Brasil.

Tal método foi utilizado com o objetivo de se conhecer melhor o passado

recente, situando a memória a partir do ponto de vista dos próprios participantes do

processo. Conforme Freitas (2002), a maior potencialidade da História Oral é a de

resgatar o indivíduo como um sujeito histórico frente aos acontecimentos.

Considerando a recente implantação da Esgrima em Cadeira de Rodas no

Brasil, que se deu em 2002 e ainda levando em conta que muitos atletas que iniciaram

suas atividades esportivas dentro da Esgrima naquela determinada época ainda se

encontram em atividade, foi dada importância ao resgate da visão dessas pessoas a partir

de suas próprias experiências dentro dos acontecimentos sociais dos quais participaram.

Para a realização das entrevistas, foi seguida a técnica de coleta e análise

para a utilização das informações obtidas. Primeiramente, foi definido o tema sobre o

passado da ECR e seu desenvolvimento no Brasil como norteador dos assuntos tratados

através das questões que tratam do propósito da pesquisa.

Diferentemente de uma entrevista estruturada, guiada por questionários com

questões idênticas para todos os participantes da pesquisa quando o objetivo é colher

dados uniformes que deverão passar por tratamentos estatísticos, nesse trabalho se

utilizou da entrevista semiestruturada. Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista

semiestruturada, apesar de seguir um roteiro prévio, não precisa se ater rigidamente ao

mesmo. É um tipo de entrevista que permite ao entrevistado depor sobre o tema

proposto a partir das informações que o mesmo já detém, sendo estas, as motivadoras

para sua realização.

Dessa maneira, utilizando a metodologia da entrevista semiestruturada,

buscou-se resgatar com fidedignidade o histórico da ECR no Brasil a partir da própria

óptica das pessoas que vivenciaram e ainda vivenciam todo esse movimento.

4.2 Análise documental

Na revisão de literatura, a fim de elucidar pontos sobre o caso da ECR

especificamente foi consultada a obra de Nazareth (2009), intitulada “Esgrima em

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cadeira de rodas: pedagogia de ensino a partir das dimensões e contexto da

modalidade”, na qual o autor situa a Esgrima em Cadeira de Rodas dentro das

perspectivas do praticante com deficiência.

Tal obra foi analisada através do prisma da análise documental. Segundo

Lüdke e André (1986), a análise documental se justifica na medida em que pode

complementar informações obtidas através de outras técnicas, como no caso das

entrevistas. Ainda, tem-se que os documentos não são apenas uma fonte de informação

contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre

o mesmo.

Sendo assim, buscou-se na presente metodologia, contemplar a análise de

discursos através da História Oral por entrevistas semiestruturadas, mas partindo

também de referências documentais, estas de caráter técnico (Teses e Dissertações) que

venham a dar o respaldo complementar necessário sobre os discursos apresentados

pelos indivíduos entrevistados em relação à história da ECR no Brasil.

5 REVISÃO DE LITERATURA

Através da revisão de literatura e das entrevistas concedidas pelas pessoas

envolvidas com a ECR, nesse trabalho, foram elucidados os pontos a seguir, em itens

respectivos quanto ao tema em questão. Para poder compreender a evolução da Esgrima

como modalidade esportiva é preciso conhecer integralmente seu desenvolvimento

original, que se deu como atividade bélica. Como a Esgrima a qual se refere se trata da

Esgrima ocidental, verificou-se sua evolução no continente europeu.

Figura 02:

Gravura da Idade Média sobre Esgrima.

Fonte: pt.wikipedia.org

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5.1 Esgrima e seu desenvolvimento na Europa

O trecho a seguir foi realizado a partir da tese de doutorado do Professor

Doutor Valber Lázaro Nazareth intitulada “Esgrima em cadeira de rodas: Pedagogia de

ensino a partir das dimensões e contexto da modalidade” (2009) e pontua a evolução da

Esgrima de uma forma cronológica na civilização ocidental.

Segundo Nazareth (2009) não há conclusão na literatura em relação ao

período do surgimento da Esgrima na civilização. O que existe é um consenso de que tal

arte nasce na Antiguidade, com as primeiras espadas feitas de bronze, 2000 anos antes

de Cristo.

A história da Esgrima está relacionada ao contexto bélico, com o

desenvolvimento das guerras e também com o contexto sociocultural no qual tal arte

esteve inserida.

Assim, as lutas por conquistas territoriais, levaram aos seres humanos se

aperfeiçoaram no manejo de armas de corte e estocada. A maioria dos povos da

Antiguidade fazia uso das armas brancas, estas, consideradas qualquer arma cujo

princípio de utilização tenha corte, estocada ou ambos como mecanismo de ataque e

defesa. Como primeiros povos a treinarem guerreiros na Esgrima de forma sistemática,

podem ser citados os Espartanos, na Grécia e posteriormente os Romanos.

A atividade não consistia em esporte ou prática lúdica, a finalidade era

puramente bélica, sendo assim: a imagem da Esgrima era associada diretamente com a

imagem do guerreiro, ou seja, homens com condições físicas para lutar em batalhas.

Durante a Idade Média, a Esgrima se desenvolveu de acordo com as leis da

cavalaria, e sob o aval da Igreja; os duelos judiciais disseminaram-se com a ideia deste

ser uma espécie de julgamento divino. Em tal período, surgiram os Torneios, festas

feudais que representavam um simulacro de guerras com o objetivo de preparar os

cavaleiros para as batalhas.

Há raríssimas gravuras de pessoas com deficiência praticando a Esgrima na

Idade Média, geralmente anões, sempre surgindo na condição de bufões ou bobos da

corte (NAZARETH, 2009).

Somente a partir do século XV, durante o Renascimento, a Esgrima passa a

se desprender do passado rudimentar e dá lugar às ações técnicas e sistemáticas de seu

manejo.

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Paradoxalmente, a descoberta da pólvora e sua aplicação nos campos de

batalha não diminuiu imediatamente o papel da Esgrima como atividade bélica. Isso se

deve ao fato de as primeiras armas de fogo serem de difícil manuseio e pequeno poder

destrutivo, sendo assim, ainda se tornava vantajoso ter destreza no manuseio de armas

brancas.

As pesadas espadas da Idade Média foram abandonadas e substituídas pela

rapieira espanhola, mais leve e de melhor manejo, que se estabelece como a arma dos

duelos. Com o aperfeiçoamento do poderio bélico das armas de fogo, a Esgrima passa a

cair em desuso nesse campo, sendo as armas brancas utilizadas apenas em embates

corpo a corpo.

Em 1896, a Esgrima, foi incluída como modalidade esportiva na primeira

edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, mas ainda seria utilizada em batalha no

século XX: Destaca-se a chamada “Esgrima de baionetas”, utilizada durante a I Guerra

Mundial.

5.2 A Esgrima no Brasil

Mais uma vez, para pontuar a Esgrima no contexto do Brasil, tomou-se

como base a tese de doutorado de Nazareth (2009), desta vez sobre o desenvolvimento e

implantação da chamada “arte das armas brancas” em território nacional.

O período do Renascimento alimentou a expansão ultramarina dos Europeus

e, segundo Nazareth (2009) é por meio destes que chegam ao Brasil, a partir do século

XVI as primeiras armas brancas e de fogo (arcabuz e mosquete).

Segundo o mesmo autor, o elevado calor tropical e a falta de profissionais

de ensino de Esgrima nas terras então recém-descobertas desestimulavam o interesse

por tal arte.

Assim, nas novas terras, a prática de Esgrima limitava-se ao manuseio

básico das armas, em especial aos encarregados das defesas das capitanias hereditárias.

Com a fuga da Família Real e sua nobreza de Portugal para o Brasil em

1808, causada pela expansão napoleônica, foi trazida ao Brasil nas bagagens da Corte,

toda uma indumentária para a prática da Esgrima, uma vez que a prática de tal arte pela

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nobreza europeia era comum, porém, segundo o mesmo autor, tal fato não traria grandes

contribuições para a prática da Esgrima no Brasil.

Até ser proclamada a Independência do Brasil, no ano de 1822, a prática de

Esgrima é restrita a pequenos grupos de pessoas, mas com a gradativa estruturação das

forças armadas, a Esgrima, em conjunto com outras práticas tais como o hipismo e a

ginástica, veio a se desenvolver de forma sistematizada em tais instituições.

Por meio das escolas militares se tem as primeiras iniciativas do ensino da

Esgrima como disciplina educacional. Também no Rio de Janeiro, há o primeiro clube a

desenvolver a Esgrima no país, o Clube Ginástico Português. Este, fundado em 1868, no

dia 31 de outubro sob o alvará do Rei Dom Luís I e Decreto da Princesa Isabel, mais

tarde passou a se chamar Real Sociedade Clube Ginástico Português. Tal clube

concentrava a nova nobreza brasileira, oriunda de Portugal, oferecendo as primeiras

atividades físicas regulares, incluindo a Esgrima.

Em nível nacional, a relação da Esgrima com os militares ainda perdura por

mais tempo e até hoje, tais instituições possuem uma próxima relação com a

modalidade. A influência da instituição militar na Esgrima brasileira se torna decisiva

para a organização da modalidade nos anos seguintes, visto que, por meio dos militares,

chegaram ao Brasil os primeiros Mestres D’armas estrangeiros.

Segundo Nazareth (2009), em 1910, chegou ao Brasil o Mestre D’armas e

suboficial francês Delphin Balancier, para treinar os esgrimistas nacionais e formar os

primeiros profissionais de ensino da modalidade no país.

Em 1914, fundou-se a União Paulista de Esgrima (UPE), que em 1925 se

tornou a Federação Paulista de Esgrima, sendo a primeira instituição a coordenar as

ações da Esgrima em São Paulo. Em 1921, chegou também ao Brasil o militar francês e

Mestre D’Armas Capitão André Gauthier, com o objetivo de preparar a equipe que

representaria o Brasil nas Olimpíadas Sul-Americanas, que foram realizadas no Rio de

Janeiro no ano de 1922.

Com os bons resultados obtidos pelos esgrimistas brasileiros nas Olimpíadas

Sul-Americanas, a difusão da Esgrima entre os civis se ampliou, havendo interesse entre

estes pela prática da modalidade. Com as presenças dos Mestres D’Armas Gauthier e

Giovani Abita, conduzindo o ensino da Esgrima nacional, entre 1921 e 1924, o esporte

alavancou seu primeiro pico de desenvolvimento a partir de 1924, em clubes civis.

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Podem ser citados os clubes da cidade do Rio de Janeiro, Guanabara

(primeiro a fundar uma Sala D’Armas civil), o Opera Nazionale Dopolavoro, o

Flamengo Futebol Club, América Futebol Club e o Fluminense Futebol Club. Todos

esses clubes foram fundamentais na difusão e prática da Esgrima pelo meio civil.

Ainda, com destaque, pode ser citado o Club Ginástico Português, que

desde 1868 tinha a Esgrima presente entre as modalidades oferecidas.

No mês de janeiro de 1922, foi então criado pelo Ministério da Guerra o

Centro Militar de Educação Física, rebatizado em 1933 como Escola de Educação

Física do Exército – EsEFEx. Nesta escola, veio a ser instituído um curso de formação

de Mestre D’Armas, mantido até os dias atuais. Todo este movimento da Esgrima

nacional motivou sua reorganização institucional.

Já com a existência da Federação Paulista de Esgrima, em 1927, o Rio de

Janeiro instituiu a Federação Carioca de Esgrima. Também no ano de 1927, fundou-se o

órgão nacional que direcionaria todas as ações do esporte no país em anos posteriores: a

União Brasileira de Esgrima, que em 1941, recebeu a denominação de Confederação

Brasileira de Esgrima (CBE), mantendo esse nome até hoje.

Estabelecida a CBE, a mesma filiou-se à Federação Internacional de

Esgrima (FIE), que é a instituição internacional que controla as ações da Esgrima

convencional pelo mundo, sendo assim, no país, começaram oficialmente a serem

organizadas as primeiras provas nacionais.

Todos estes fatores irão contribuir para a conformação de uma imagem

estigmatizada em relação ao esporte ao longo dos anos: Tal imagem condiz com as

feições de um esporte no qual poucas pessoas teriam condições de realizar sua prática,

no caso, pessoas socialmente abastadas e ligadas às elites militares. Esse é o caso

também das pessoas com deficiência, que viriam a ter acesso a esse esporte somente a

partir do ano de 2002, já após 49 anos da primeira apresentação da Esgrima em Cadeira

de Rodas nos Jogos de Stoke Mandeville (Inglaterra) como um esporte adaptado.

5.3 Estruturação internacional da Esgrima em Cadeira de Rodas e

institucionalização como modalidade Paralímpica

Com o fim da segunda grande guerra e o retorno dos soldados aos seus

países de origem, com destaque especial para Europa e Estados Unidos, ocorreram

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movimentos em programas de reabilitação que viabilizaram o desenvolvimento do

esporte para ex-combatentes.

Inicialmente, a ECR começa a ser praticada no Departamento de Lesados

Medulares de Rockwood (Cardiff), Inglaterra, por um grupo de paralíticos sob a

orientação do Professor Reynolds (IWAS, 2010).

Nos jogos de Stoke Mandeville de 1954, a ECR foi apresentada.

(MARTÍNEZ, 1994; ADAMS et. al., 1985). De acordo com Martínez (1994), países que

detêm supremacia na Esgrima como Inglaterra, França e Itália, foram os pioneiros no

desenvolvimento da ECR. A primeira prova oficial do esporte foi no ano de 1955, em

Stoke Mandeville, sendo a arma de disputa somente o sabre.

Segundo Nazareth (2009), até o ano de 1955, não existiam regras muito

claras para a ECR e, em 1960, com a inclusão da ECR no programa das primeiras

Paralimpíadas, em Roma, foi proposto pela França um novo regulamento específico,

que seria adaptado a partir do regulamento da FIE, documento oficial que regulamenta

todas as regras referentes às generalidades comuns ao jogo de Esgrima convencional nas

suas três armas (espada, florete e sabre).

Ainda, segundo o mesmo autor, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio (1964),

foram realizadas pela primeira vez, provas com as três armas da Esgrima: Espada,

Florete e Sabre, sendo o Florete restrito aos iniciantes. Em 1968, com a realização dos

III Jogos Paralímpicos em Tel Aviv, Israel, as mulheres iniciaram sua participação na

competição com disputas de Florete.

No ano de 1972, nos Jogos Paralímpicos de Heidelberg, Alemanha, as

provas já passaram a ser realizadas, com homens e mulheres jogando Espada e Florete,

mas com o Sabre ainda disputado somente por homens.

A ECR não é um esporte controlado pela FIE, mas sim pelo International

Wheelchair Fencing Committee (IWFC), subordinado à International Wheelchair and

Amputee Sports Federation (IWAS), antiga International Stoke Mandeville Games

Federation (ISMGF). O IWFC foi criado na década de 1970, com a atribuição de

gerenciar todas as ações de organização da ECR, em especial na realização das

competições da modalidade pelo mundo (MARTÍNEZ, 1994).

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Encontra-se também na obra de Nazareth (2009), a informação de que o

Mestre D’Armas Leslie Veal, o primeiro presidente do IWFC, deu início à redação do

Regulamento Oficial da ECR.

De acordo com o autor citado a cima, numa fase posterior, o Mestre

D’Armas Theo Van Leeuwen, presidente do IWFC, de 1984 a 1992, em conjunto com

os Mestres D’Armas Brian Dickinson da Inglaterra e Vittorio Loi da Itália, em 1988,

propuseram novas mudanças ao Regulamento. Este Regulamento é vigente até hoje nas

competições oficiais do IWFC.

A Esgrima Paralímpica, reconhecida pela IWAS e International Paralympic

Committee (IPC), caracteriza-se como aquela organizada para ser praticada em cadeiras

de rodas e por pessoas com deficiência física. Num duelo de ECR, não há deslocamento

de cadeiras, o que ocorre é o ajuste de distância entre os atletas através de uma barra de

metal que liga os fixadores das cadeiras para que o jogo tenha início.

O fixador é um equipamento específico com travas laterais para as rodas e

uma fivela para frente da cadeira. Os primeiros fixadores foram produzidos pela Itália,

eram de material muito pesado e de difícil manejo. Os fixadores utilizados atualmente,

mais leves e resistentes, foram pela primeira vez apresentados nas Paralimpíadas de

Atenas (Grécia) em 2004.

Considerando o processo de evolução, devido aos diferentes tipos de

deficiências físicas dos praticantes da ECR, houve a necessidade de se elaborar um

sistema específico de classificação. Tal sistema, proposto pela médica alemã Rita

Figura 03:

Distância ajustada para um jogo de ECR.

Fonte: Cristiano Zago (Arquivo Pessoal).

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Strohm, foi aplicado pela primeira vez no campeonato europeu de Glasgow, no ano de

1987, sendo posteriormente alterado (NAZARETH, 2009).

O novo Sistema de Classificação Funcional foi introduzido nas

Paralimpíadas de Seul (Coréia do Sul) em 1988 e teve por mérito ampliar as

possibilidades participativas das pessoas com deficiência nesse esporte. Tal sistema

permitiu classificar os atletas em classes, de acordo com o nível de lesão e potencial de

execução motora no desempenho das ações de Esgrima, para então dividi-los nas três

categorias oficiais da ECR, a saber: A, B e C (IWAS, 2010).

Segundo Nazareth (2009), no que diz respeito à classificação funcional,

este, por não ser um elemento exclusivo da ECR, mas ser um sistema utilizado para

avaliar os atletas em todos os esportes paralímpicos há a necessidade de que os

profissionais ligados a tal área avancem em pesquisas, no sentido de aperfeiçoarem tal

método.

Segundo o mesmo autor, levando-se em conta as particularidades de cada

modalidade esportiva, muitas controvérsias têm surgido nesse campo, uma vez que não

há um sistema ideal e ótimo que avalie fidedignamente as capacidades funcionais e a

efetiva performance esportiva do atleta.

Abaixo, segue uma linha do tempo com a cronologia de eventos importantes

que fizeram parte da ECR no mundo.

5.3.1 A implantação e desenvolvimento da Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil

Apesar de as atividades da ECR no Brasil terem se iniciado de forma efetiva

no ano de 2002, a história da modalidade começou a se delinear já na década anterior,

1954: Primeira apresentação

da ECR

1955: Primeira

prova oficial de ECR

1960: Paralimpíadas de

Roma

1964: Jogos com as três armas

1968 :Jogos de Tel Aviv, participação

feminina

1972: Jogos de Heidelberg

1987: Europeu de Glasgow: Evento teste

1988: Jogos de Seul: Novo

Regulamento

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com a atleta Andréa de Mello. No início da década de 1990, após sofrer um acidente

vascular encefálico (AVE), tal atleta partiu aos Estados Unidos, em busca de

tratamento, vindo a viver e a praticar a ECR em solo norte-americano, mas competindo

pelo Brasil nas provas internacionais do IWFC.

A atleta representou o Brasil em três Paralimpíadas: Atlanta (1996), Sydney

(2000) e Atenas (2004), participando ainda de Copas do Mundo e dos Jogos Para-

panamericanos de Mar del Plata (2003), na Argentina, onde foi vice-campeã em florete,

na categoria B. Assim, pelo seu longo envolvimento com a ECR em nível mundial, tal

atleta firmou-se não somente como a primeira brasileira com deficiência a defender o

Brasil na modalidade, mas também como uma das pioneiras na América.

Havia então uma representante que jogava pelo Brasil nas provas

internacionais, porém, paradoxalmente, no próprio país não havia praticantes. Em

entrevista. O sujeito 1 comenta sobre a importância dessa atleta:

“Quando a gente fala de Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil, a gente

não pode esquecer-se da Andrea de Mello, na realidade a primeira

representante na Esgrima nos eventos internacionais. A única diferença, é

que eu separo a Esgrima em dois momentos: O primeiro momento que é com

a presença dela (Andrea) representando o Brasil e ela já vinha

representando o Brasil desde a Paralimpíada de Sydney, tá? E, só que ela

nunca treinou no Brasil. Ela sempre representou o Brasil morando nos

Estados Unidos.”

O começo das atividades da ECR em território nacional se deu muito mais

pelo interesse dos próprios praticantes com deficiência do que de pessoas envolvidas

com a Esgrima Convencional.

Até o ano de 2001, não há registro da prática de Esgrima por parte de

pessoas com deficiência no Brasil. Segundo Nazareth (2009), tal fato ocorre porque

tanto os profissionais do ensino de Esgrima e os próprios atletas da Esgrima

Convencional terem até tal momento, poucas informações a respeito da dimensão da

ECR no mundo e do universo das pessoas com deficiência dentro da prática esportiva.

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Dessa maneira, a ECR surge e se desenvolve no Brasil de uma forma

independente das estruturas da Esgrima Convencional (EC). O sujeito 1, coordenador

técnico da ECR no CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), reporta que:

Ӄ, em meados do ano 2000 eu comecei a buscar um pouco da Esgrima em

Cadeira de Rodas, ou seja, tentar entender um pouco como era a Esgrima

realmente, a Esgrima Paralímpica. Foi que nesse período eu saí do Brasil,

eu consultei as federações no Brasil da Esgrima Convencional, ninguém

sabia nada, alguns sabiam, já tinham visto fora, mas no Brasil efetivamente

não existia nada.”

Assim, no Brasil, o trabalho com a ECR se fez realizar a partir da própria

vontade de pessoas que se interessaram pelo potencial apresentado pela modalidade. Foi

um desenvolvimento que se deu de forma diferenciada do que se sucedeu em países

como a Inglaterra por exemplo. Segundo a International Wheelchair and Amputtee

Sports Federation (IWAS), o desenvolvimento da ECR em seus primórdios naquele

país, ainda na década de 1950, contou com o apoio da Associação Britânica de

Esgrimistas Amadores.

A primeira competição oficial, em Stoke Mandeville, contou com o apoio

dessa instituição na arbitragem e a competição de ECR foi amparada pelo senhor

Charles de Beaumon, campeão britânico de Esgrima e presidente de tal associação.

(IWAS, 2010). No Brasil, ainda hoje, poucas pessoas envolvidas com a Esgrima

Convencional também trabalham com a ECR.

Figura 04:

Lonato, Itália, 2003.

Uma das primeiras delegações de ECR.

Fonte: Eduardo Franco de Oliveira, Arquivo

Pessoal.

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Em uma investigação de mestrado, surgiu a primeira referência da Esgrima

para pessoas com deficiência no Brasil. Esta, de autoria de Valber Lázaro Nazareth,

intitulada “Proposta de Ensino Básico da Esgrima Para Adolescentes Surdos”, da

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no ano de 2001.

Tal obra buscava adequações pedagógicas de ensino e aprendizagem para

pessoas surdas. Em maio do ano seguinte (2002), no Simpósio SESC de Atividades

Motoras Adaptadas de São Carlos, interior de São Paulo, foi então ministrada a primeira

clínica no país com o intuito de divulgar a Esgrima no contexto das pessoas com

deficiência para os profissionais da Educação Física.

No mesmo ano, iniciou-se no Departamento de Fisioterapia do Centro

Universitário Hermínio Ometto da Universidade de Araras (UNIARARAS), em Araras,

interior de São Paulo, o primeiro trabalho prático com a ECR no Brasil. Com o decorrer

dos trabalhos, veio a surgir entre esse grupo, o interesse de ampliar as aulas para o

treinamento competitivo. Dessa maneira, houve a necessidade de se buscar informações

mais amplas para o desenvolvimento dessa modalidade no país. O sujeito 1 recorda que:

“Só foi a partir do ano 2000, com o trabalho com os cadeirantes lá na

UNIARARAS, que efetivamente a Esgrima começou a ser praticada aqui no

Brasil. Aí nós começamos o primeiro trabalho com Esgrima em Cadeira de

Rodas. É, o nome do pessoal, pra você ter uma ideia dos atletas, era o

Nivaldo Menin... Aí, é aí nós tínhamos o Eduardo Franco de Oliveira, o

Edilá José dos Santos, Amilton José dos Santos. Esse foi o grupo aí que a

gente começou trabalhando com a Esgrima em cadeira de Rodas no início.

É, tinha também o senhor Eduardo Rabelo, que era outro rapaz que também

praticava a Esgrima com a gente”.

Naquela época, a associação nacional reconhecida pela IWAS, para dirigir

os esportes em cadeira de rodas, era a Associação Brasileira de Desportos em Cadeira

de Rodas (ABRADECAR). Com ciência da existência do novo grupo de praticantes de

Araras, tal instituição buscou dinamizar em nível nacional as atividades da modalidade.

A ABRADECAR nomeou então um coordenador técnico ainda em 2002,

com o objetivo de gerenciar as ações da ECR no país. O sujeito 1 recorda que:

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“... a Esgrima, por ser um esporte da IWAS, quem representava a Esgrima

até 2005, quando o Comitê Paralímpico assumiu a Esgrima, é... Final de

2006 desculpa... é era a ABRADECAR, Associação Brasileira de Esporte em

Cadeira de Rodas. A ABRADECAR representava todos os esportes da IWAS

no Brasil”.

Em relação ao aspecto da gestão da Esgrima em Cadeira de Rodas, na época

então realizada pela ABRADECAR, o sujeito 3 recorda:

“Participei de quatro torneios internacionais. Em 2003 a entidade que fazia

a gestão da esgrima era a ABRADECAR (associação brasileira de desportos

em cadeira de rodas) o presidente era o Sr. Ciraldo Reis, e neste ano

participei do meu primeiro campeonato internacional, a copa do mundo de

Lonato na Itália, fui eu o Amilton o Edilá e a Andrea de Mello que mora nos

Estados Unidos (N.Y.), nesta competição quem tivesse melhor resultado teria

chances de ir para copa do mundo de Varsóvia, Polônia e eu fiquei como o

melhor colocado do time nesta competição sendo o atleta masculino

convocado para representar o Brasil na copa do mundo de Varsóvia em

2003 também.”

Assim, teve início o trabalho de desenvolvimento da ECR no país, sendo

uma das primeiras medidas a serem tomadas a aquisição de um par de fixadores de

cadeira de rodas, uma vez que não havia nenhum no Brasil.

Tendo em vista o alto custo desse material, no início do ano de 2003, foi

oficialmente solicitado ao IWFC o empréstimo de um destes equipamentos. O material

foi concedido sob a condição de os atletas brasileiros manterem um fluxo constante de

participações nas provas do calendário internacional.

Em maio de 2003, pela primeira vez é enviada uma delegação brasileira a

uma competição internacional: a Copa do Mundo de Lonato (Itália). Ainda em 2003, os

esgrimistas brasileiros participaram da Copa do Mundo de Varsóvia (Polônia) e dos II

Jogos Para-panamericanos de Mar Del Plata (Argentina), sendo a última mediante

convocação do CPB.

Durante a realização dos Jogos Para-panamericanos na Argentina, fora

realizado um Seminário de Técnicos, em Buenos Aires, com a presença de dois técnicos

brasileiros e outro de Classificadores, na cidade de Mar Del Plata. No ano de 2004, foi

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organizada uma clínica de ECR para os profissionais que marcaram presença nos IX

Jogos Paradesportivos Regionais, da Região Centro Oeste, organizados pela

ABRADECAR, em Goiânia – GO.

Também nesse mesmo ano, ocorreu o I Seminário Internacional de Esgrima

em Cadeira de Rodas no Brasil. O evento contou com a presença de dois palestrantes

internacionais e quatro nacionais, na Academia da Força Aérea. Inscreveram-se mais de

vinte profissionais ligados à EC, da área de Educação Física e da Atividade Motora

Adaptada.

Nesse mesmo ano de 2004, os esgrimistas brasileiros participaram de mais

duas provas internacionais, sendo novamente a Copa do Mundo de Varsóvia (Polônia) e

os Jogos Paralímpicos de Atenas, tendo participado desses Jogos, somente a atleta

Andréa de Mello.

Neste período, novos grupos de praticantes se formaram no Brasil, o

primeiro em Porto Alegre, na Associação de Servidores da Área de Segurança e

Portadores de Deficiência (ASASEPODE) e em seguida, a Associação dos Deficientes

Físicos do Paraná (ADFP), na cidade de Curitiba e na capital paulista, no Clube dos

Paraplégicos de São Paulo (CPSP).

Ainda no ano de 2004, com a organização da ASASEPODE, foi realizado

na cidade de Porto Alegre o I Campeonato Aberto de ECR, sendo realizado novamente

na mesma cidade no ano de 2005. No ano de 2005, foi realizado o I Campeonato

brasileiro de ECR e a competição de ECR nos Jogos Mundiais em Cadeira de Rodas e

Amputados da IWAS, ambos no Rio de Janeiro. O sujeito 3 presentes nestes Jogos,

recorda que:

“Em 2005 o Comitê Paralímpico Brasileiro já fazia a gestão da esgrima e

participei do Mundial de Modalidades no Rio de Janeiro, (eram os mesmos

atletas das copas do mundo).”

Em 2006, foi realizado o II Campeonato Brasileiro de ECR, na Academia

da Força Aérea (AFA), em Pirassununga, no interior de São Paulo, contando com sete

atletas de três associações nacionais. Em novembro do mesmo ano a Associação

Brasileira de Esgrima Paraolímpica (ABEP) teve sua fundação em São Paulo.

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O projeto inicial dessa instituição era obter junto à IWAS, seu

reconhecimento internacional para a coordenação da ECR no Brasil, mas os objetivos

da ABEP não se realizaram, pois a ABRADECAR, ao se desvincular da IWAS em 2005

tem o CPB como órgão que assume os programas da ABRADECAR, inclusive a

coordenação da ECR. A esse respeito, sobre a desvinculação da ABRADECAR da

IWAS, sujeito 1 relata:

“... por diversos problemas nessa associação, do ponto de vista de

representação das modalidades da IWAS, foi em 2005, a IWAS foi

desvinculada... A ABRADECAR foi desvinculada da IWAS. E a partir de

então, o Comitê Paralímpico assumiu as modalidades da IWAS, no caso a

Esgrima, né? Mas até então a gente não tinha quase apoio nenhum. A

ABRADECAR, o que ela fazia era o mesmo processo. Como ela representava

as modalidades, quando tinha algum evento internacional ela solicitava fazer

um projeto, mandava esse projeto pro Ministério dos Esportes, pro Comitê

Paralímpico, se fosse aprovado, esse recurso saía, nós viajávamos e a

ABRADECAR prestava contas. Foi justamente aí que a ABRADECAR

acabou tendo problema. Porque houve muitos problemas nessa relação de

prestação de contas não só da Esgrima como de outras modalidades

representativas pela ABRADECAR também”.

Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer a importância da

ABRADECAR para o processo de representação da ECR no Brasil. Ao longo de sua

existência. O sujeito 1 aponta que:

“A ABRADECAR, a gente não pode desmerecer, ela foi uma associação

representativa no Brasil de extrema importância ao longo da história dela. A

gente não pode misturar gestões, mas com o trabalho da associação ao

longo da existência dela e eu sei que a ABRADECAR, não só pra Esgrima,

pra outros esportes que ela representava, ela foi uma associação bastante

forte e trabalhou muito. Foi mais nesse período final aí entre 2005, 2006,

que houve até o processo de transição da Esgrima pro Comitê Paralímpico,

que efetivamente a ABRADECAR começou a ter problemas com essa questão

da prestação de contas, enfim... Não é uma área que eu estive envolvido,

entendeu? Eu falo mais do que nós sentimos no contexto da Esgrima...”.

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Por meio da ABEP, foram ainda realizados dois eventos em 2006: No

Esporte Clube Pinheiros em São Paulo, uma clínica de treinamento e uma competição

amistosa entre os esgrimistas de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Após tal evento,

devido ao fato da ABEP não ter conseguido obter reconhecimento internacional frente à

IWAS, os seus trabalhos não progridem, o que levou a mesma a encerrar suas atividades

no primeiro semestre de 2007.

O ano de 2007, pode-se dizer que foi iniciado com um novo ciclo diretivo

da ECR no Brasil, após dois anos sem a participação brasileira em provas

internacionais, uma delegação com sete elementos viajou mais uma vez à Polônia a fim

de competir na Copa do Mundo de Varsóvia.

Também foi enviado junto dessa delegação, um profissional especializado

para acompanhar a classificação funcional da competição. Segundo o relato do atleta

Eduardo Oliveira, o baixo quórum de atletas nas competições nacionais, inviabilizava a

alocação dos atletas em categorias, inclusive, com apenas uma participante do sexo

feminino, sendo assim, a mesma disputava as provas junto com os homens. O sujeito 3

recorda em sua fala que:

“No início, só eu o Amilton e o Edilá éramos classificados funcionalmente,

minha classificação foi em 2003 na copa do mundo de Lonato (Itália) como

categoria A4, jogávamos todos misturados aqui no Brasil, não tinha

categorias específicas de acordo com o grau de limitações dos atletas, e a

Daiane jogava no meio dos homens só tinha ela de menina no grupo.”

Dessa maneira, o Brasil, visando aproximar-se mais fielmente das provas de

ECR disputadas no exterior, com um profissional enviado para acompanhar o processo

de classificação funcional dos atletas, iniciou em 2007 a alocação dos atletas por

categorias também nas provas nacionais da modalidade. A esse respeito, o sujeito 3

recorda:

“A partir de 2007 começou a divisão por categorias nos campeonatos

nacionais, para mim o primeiro campeonato valendo as divisões de

categoria foi em 2008.”

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Em janeiro do ano de 2008, tentando obter uma vaga para os Jogos

Paralímpicos de Pequim, o Brasil se fez representar com uma delegação de três

componentes na Copa do Mundo de Malchower, na Alemanha.

Em fevereiro do mesmo ano, por meio do Centro Vida Independente (CVI)

foi realizada na cidade de Maringá (PR) uma clínica de ECR para mais de cinquenta

pessoas.

Em novembro de 2008, também no Paraná, Curitiba, foi então realizado o

IV Campeonato Brasileiro da modalidade. Foi também realizado durante o evento o I

Estágio de Treinamento e Capacitação de Ensino de ECR para os profissionais e atletas.

O técnico de Esgrima, sujeito 2 se recorda de ter tomado nessa época seu primeiro

contato com a ECR:

“Tomei contato com a ECR através de um Curso de capacitação em Esgrima

em Cadeira de Rodas para técnicos de Esgrima convencional, organizado

pelo CPB na minha cidade, Curitiba.”

Nesse estágio aconteceu também um curso de formação de classificadores

funcionais, em que quatro brasileiros foram titulados como classificadores regionais e

um internacional.

Por ocasião desses eventos, foram adquiridos junto à Federação Francesa de

Handisport, cinco novos fixadores, o que deu ao país, condições de sediar uma

competição de nível internacional. Pode-se dizer que isso marca o fim do primeiro salto

evolutivo da ECR no Brasil. Dessa maneira, a ECR no Brasil continuou a evoluir.

No ano de 2011, em Campinas (interior de São Paulo), mais uma associação

adotou a ECR como uma de suas modalidades: A Associação de Esportes Adaptados de

Campinas (ADEACAMP). Com um corpo de recursos humanos compostos por alunos

de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, a

ADEACAMP fez sua estreia no Campeonato Brasileiro de 2011, realizado na Cidade de

Porto Alegre, com três atletas, cada um de uma categoria: A, B e C.

No mesmo ano, o Brasil sediou um evento Internacional de ECR: O

Campeonato Regional das Américas, nas dependências da Faculdade de Educação

Física da UNICAMP, com atletas de cinco países marcando presença, a saber:

Argentina, Brasil, Canadá, Chile e Estados Unidos. Neste evento ocorreu um curso de

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classificação da modalidade com participantes da Coréia do Sul, Argentina e Brasil. O

curso foi ministrado por um classificador brasileiro.

A história da ECR no Brasil teve um primeiro salto, impulsionado de 2002

(apesar de se contar com a presença de Andrea de Mello desde 1996, nenhuma ação

concreta existiu em território nacional até tal momento) até 2011, período em que se

buscou implantar a modalidade, competições começaram a ser organizadas e houve

preparo e aperfeiçoamento de profissionais referentes principalmente à questão de

arbitragem e capacitação de classificadores funcionais.

Pode-se dizer que atualmente, o Brasil se encontra no segundo salto de

evolução da modalidade, que já demonstrou resultados de competência internacional

tendo como prova disso a conquista da medalha de ouro em espada, na categoria B, nos

Jogos Paralímpicos de Londres em 2012. No ano de 2016, novamente o país foi palco

de competições internacionais de ECR: O Campeonato Regional das Américas,

realizado em São Paulo, capital e as Paralimpíadas, realizadas no Rio de Janeiro.

A seguir, está destacado um quadro com todos os campeonatos de ECR

realizados no Brasil desde o ano de 2004. Pelo quadro, nota-se que desde o ano de 2004,

foram realizadas 32 competições em território nacional.

Tal fato evidencia que a organização das competições se dá de maneira

sistemática a partir do ano de 2009, visando manter os atletas brasileiros da modalidade

sempre treinando para as competições nacionais. Desde o ano de 2009, contam-se três

competições nacionais anuais: Duas Copas e um Campeonato Brasileiro. Tais

competições se mostram muito importantes para os atletas nacionais, uma vez que a

Figura 05:

Conquista da medalha de ouro em

Londres, 2012

Fonte: www.gettyimages.co.uk

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escolha dos atletas que virão a compor a seleção nacional da modalidade se dá mediante

à sua classificação no ranking nacional.

Outro fato importante é a elegibilidade para participar do programa bolsa-

atleta: Somente os três primeiros colocados do ranking nacional possuem o direito a

pleitear tal benefício. Evidencia-se também, nesse período de 2011 a 2016, a realização

de três campeonatos internacionais: O Regional das Américas, realizado no país em

2011 e 2016 e as Paralimpíadas, demonstrando o comprometimento dos membros

envolvidos em tornar o país uma referência internacional, com capacidade e

competência para realizar tais competições.

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QUADRO COM CAMPEONATOS REALIZADOS EM TERRITÓRIO

NACIONAL DESDE 2004

ANO CAMPEONATO

2004 I Campeonato Aberto de ECR

2005 I Campeonato Brasileiro

2005 Jogos Mundiais em Cadeira de Rodas

2006 II Campeonato Brasileiro

2006 Campeonato Amistoso - ABEP

2007 III Campeonato Brasileiro

2008 IV Campeonato Brasileiro

2009 I Copa do Brasil

2009 II Copa do Brasil

2009 Campeonato Brasileiro

2010 I Copa do Brasil

2010 II Copa do Brasil

2010 Campeonato Brasileiro

2011 I Copa do Brasil

2011 Regional das Américas

2011 Campeonato Brasileiro

2012 I Copa do Brasil

2012 II Copa do Brasil

2012 Campeonato Brasileiro

2013 I Copa do Brasil

2013 II Copa do Brasil

2013 Campeonato Brasileiro

2014 I Copa do Brasil

2014 II Copa do Brasil

2014 Campeonato Brasileiro

2015 I Copa do Brasil

2015 II Copa do Brasil

2015 Campeonato Brasileiro

2016 I Copa do Brasil

2016 Regional das Américas

2016 Paralimpíadas Rio-2016

2016 Campeonato Brasileiro

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6 O COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO E A ESGRIMA EM CADEIRA DE

RODAS

É preciso saber quais são os principais tipos de trabalhos para a promoção

desse esporte, assim, levar em conta quais são as perspectivas depositadas no mesmo, se

faz necessário. Segundo Miranda (2011), na atual gestão do CPB, o seu presidente

demonstrou preocupação em dar atenção não somente às modalidades que

historicamente sempre deram bons resultados traduzidos em medalhas (atletismo e

natação, por exemplo).

Há uma preocupação em buscar apoiar modalidades consideradas menos

expressivas que estas, tais como a ECR. Isso, vislumbrando que esse esporte já forneceu

uma medalha de ouro para o país em 2012, nas Paralimpíadas de Londres, surgindo

assim o desejo em se apoiar mais modalidades, pois estas podem contribuir no

incremento do país no quadro de medalhas. Sobre esse aspecto, o sujeito 1 ressalta que:

“Bom, eu posso dizer pra você que a Esgrima em Cadeira de Rodas, ela

existe pelo apoio do Comitê Paralímpico. O Comitê Paralímpico, até pela

seriedade dele, até pela forma como ele trabalha, realmente no sentido de

promoção da modalidade pela primeira vez nós tivemos condições de todos

os recursos serem revertidos pra modalidade de forma sistemática, de forma

realmente coerente. Foi então que o Comitê, até pela sua estrutura

estabeleceu uma coordenação aonde eu assumi como coordenador da

modalidade e... Claro, isso se desmembra em outros colegas que vem me

apoiando no próprio Comitê... Então o Comitê foi fundamental pra evolução

da Esgrima em cadeira de Rodas, não só da Esgrima, mas em todos os

esportes que pertencem à IWAS”.

O apoio à Esgrima e demais modalidades, se manifestou também pelo

projeto de se fazer uma excelente campanha dentro de casa nos Jogos Paralímpicos de

2016, mas, conforme o atual presidente, não apenas isso, visto que o apoio se dá

mediante um projeto a ser alcançado em período de longo prazo. Dessa maneira, a

atuação do CPB se faz notar segundo a observação do sujeito 1:

“Quem realmente quis aí assumir os esportes da IWAS, claro inclusive a

Esgrima foi o antigo presidente, o Vital. Depois aí o Andrews assumindo, eu

notei que a preocupação do Andrews não foi só com a Esgrima, mas sim dar

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um grande apoio a todas as modalidades que não tinham tanta expressão

como as demais, que trazem mais medalhas pro Comitê como o atletismo,

natação... E eu acho que os dois presidentes, tanto o Vital e agora o Andrew

Parsons foram fundamentais para que nós pudéssemos é... Evoluir com a

modalidade”.

Tal visão em longo prazo e a preocupação em aperfeiçoar resultados

provenientes de outras modalidades esportivas, vem ao encontro do conceito de gestão

empresarial que foi adotado pelo CPB (MIRANDA, 2011). Como numa empresa, é

preciso fazer com que os setores menos produtivos sejam aprimorados, do contrário,

corre-se o risco do “estacionamento” num mesmo patamar. A Esgrima é uma das

modalidades não tão expressivas, pois diferente de modalidades paraolímpicas que

tradicionalmente rendem medalhas em competições, como a natação e o atletismo, o

país ainda possui somente uma medalha paraolímpica na modalidade.

Aliado a isso, diferentemente da natação e do atletismo, competições em

que os atletas podem disputar diversas provas e incrementar ainda mais o quadro de

medalhas, por sua própria natureza esportiva, é esperado que o atleta de Esgrima possa

render menos medalhas do que as outras modalidades já citadas.

Apesar disso, o esporte demonstra potencial para crescer e agregar valor,

este traduzido em medalhas para o Comitê. Sendo assim, são realizados três eventos

nacionais patrocinados pelo CPB anualmente: A I Copa do Brasil, II Copa do Brasil e

Campeonato Brasileiro de ECR, competições que visam à participação de todos os

atletas nacionais da modalidade e estabelecem um ranking nacional, a partir do qual são

selecionados os atletas que integrarão a seleção brasileira de ECR.

Além dessas competições nacionais, a nível internacional, o CPB também é

responsável por fornecer aos atletas da seleção passagens para a delegação em

competições internacionais, o que, segundo o sujeito 1, “gera um custo muito alto”.

A Esgrima é considerada uma modalidade relativamente pequena dentro de

todas as demais abarcadas pelo Comitê, mas sua evolução em termos de organização e

em número de atletas que estão praticando a modalidade atualmente foram indícios

muito significativos que levam a crer no potencial dessa modalidade pelo CPB, apesar

de ainda carecer de muito trabalho a ser realizado para um crescimento mais efetivo,

como a capacitação de profissionais.

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6.1 O CPB como órgão gestor da Esgrima em Cadeira de Rodas

Atualmente, todas as ações da Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil são

geridas pelo CPB. O órgão atua como confederação nacional da modalidade,

organizando e financiando as competições e eventos.

O Comitê também atua como mediador entre os atletas e o Ministério dos

Esportes para concessão de bolsas, tais como a bolsa-atleta, sendo um importante elo e

até mesmo pilar que liga, move e sustenta toda a estrutura de ação da Esgrima em

Cadeira de Rodas no Brasil. Sobre esse aspecto, o sujeito 1 lembra que:

“É a ABRADECAR, efetivamente, ela, ela é desfiliada da IWAS no final de

2006. E a partir daí, 2007, efetivamente o Comitê Paralímpico assume a

Esgrima. Na realidade, a IWAS, é... Consulta o CPB, se o CPB teria

condições de tá, é... Abraçando a Esgrima em Cadeira de Rodas e os demais

esportes da IWAS e o CPB sinalizou que sim, que teria condições, a partir

daí então, o CPB abraçou a Esgrima em Cadeira de Rodas”.

O CPB realiza ainda a importante função de existir como uma Confederação

de alguns esportes, inclusive a ECR. Sobre esse aspecto, o sujeito 1 ressalta que:

“O próprio CPB já começou a notar que cedo ou tarde alguma coisa teria

que ser feita. Porque a ABRADECAR também estava tendo problema

inclusive com a IWAS na questão de, é... Não sei se prestação de contas ou

de pagamento. Foi que a própria IWAS depois consultou o Comitê se o CPB

teria condições de assumir a modalidade. Não teve nenhum processo que

intermediasse isso não. Foi aí que o CPB assumiu todos os esportes da IWAS

no Brasil. E até então, continua sendo associação representativa. Pode-se

considerar hoje que o CPB é uma confederação dessas modalidades que são

é, de gestão direta do Comitê. O Comitê trabalha nessa função, que

teoricamente não teria que ser. As associações, internacionalmente, os

esportes paralímpicos, internacionalmente, tá caminhando muito pro que

ocorre no convencional: Terem suas federações internacionais e essas serem

as associações de representação.”

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7 O PANORAMA ATUAL DA ECR NO BRASIL

Pode-se dizer que se vive um bom momento para a Esgrima em Cadeira de

Rodas no Brasil. No que diz respeito às competições nacionais, três eventos são

realizados anualmente. Até o ano de 2013, as disputas se davam nas categorias A, B e

C, masculino e feminino com as armas florete e espada. No ano de 2014 foi adicionado

o sabre como arma nas competições, o que levou às competições a ficarem mais

completas.

O Brasil é um país que vem se destacando e se tornando referência no

continente americano como um todo, não só no que se refere à organização de

campeonatos, mas a nível internacional, em outros setores de atuação da Esgrima, como

o sujeito 1 observa:

“Do ponto de vista de organização, dos profissionais que tão envolvidos

com a Esgrima, é... De atletas, com seus treinamentos, né? E acima de tudo o

envolvimento do Brasil, dos profissionais do Brasil hoje internacionalmente.

Hoje nós temos o Professor Edison Duarte que já é um dos melhores

classificadores do mundo na Esgrima e já foi até convidado pra assumir o

departamento de classificação funcional da IWAS. Atualmente nós temos o

mestre, professor Eduardo Romão Gomes que é o chefe da arbitragem da

IWAS na Esgrima, né? É... Eu hoje também trabalho dentro de uma

comissão, é... Da comissão de esportes da IWAS, já fui membro executivo da

Federação Internacional de Esgrima em Cadeira de Rodas, ou seja: A

Esgrima brasileira em Cadeira de Rodas tá se fazendo representar! Não só

na gestão, mas no desenvolvimento da modalidade, na América Latina e...

Na América de uma maneira geral.”

Sobre o aspecto de gestão e competência das pessoas envolvidas em termos

de organização da ECR, o Brasil vem demonstrando ser um destaque no cenário

internacional que compreende a modalidade. Esportivamente, o país ainda necessita de

maior desenvolvimento para aumentar a projeção internacional, ainda que no continente

americano, o país já se firme como uma referência a ser seguida.

No entanto, a representação que a Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil

possui no exterior, ainda não condiz como um elemento que o figure como uma “grande

potência” desse esporte em âmbito internacional, mesmo com a conquista da medalha

de ouro em Londres, 2012, na categoria B, na espada.

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Associações que têm em seu seio o trabalho com pessoas com deficiência

através do esporte têm adotado a prática da Esgrima em sua versão adaptada, mas ainda

são poucas e se mantêm concentradas nas regiões sul e sudeste. Um dos maiores

desafios a ser enfrentado na atualidade é a capacitação de profissionais aptos a ensinar a

Esgrima para pessoas com deficiência, como nos informa o sujeito 1:

“Eu vejo assim, é como eu já falei, eu vejo um futuro bastante promissor pra

Esgrima. Porém, esse futuro promissor, ele tá muito atrelado a essa questão

da formação realmente de profissionais pra tá atuando em locais aonde não

tem Esgrima. Acima de tudo, sair do grande erro... Que ocorreu na Esgrima

convencional de centralizar a Esgrima somente na região Centro-Oeste e Sul

do Brasil e nunca ter investido no desenvolvimento da modalidade em outras

regiões. Mas pra que você possa fazer isso, caímos naquela questão: Se você

não tem quem vá lá, ensine e claro, sem ter ao menos o apoio inicial de

alguma associação e assim por diante... É muito difícil. Então, eu vejo com

bons olhos a evolução da Esgrima no Brasil se nós caminharmos nesse

sentido”.

Atualmente, existem cinco associações que trabalham com a Esgrima em

Cadeira de Rodas no Brasil: três na região sudeste: Associação de Esportes Adaptados

de Campinas (ADEACAMP) e Esporte Clube Pinheiros (ECP) no estado de São Paulo e

Ação com Esporte (ACE) em Minas Gerais. Duas na região sul, a Associação dos

Deficientes Físicos do Paraná (ADFP), no Paraná e a Associação dos Servidores da

Área de Segurança Portadores de Deficiência (ASASEPODE), no Rio Grande do Sul.

Assim, o desafio a ser transposto se configura em capacitar profissionais

aptos ao ensino de Esgrima para pessoas com deficiência e levar tais profissionais para

outras instituições do país que já venham trabalhando com o esporte para a pessoa com

deficiência. As associações desempenham um papel muito importante para dar apoio e

sustentação aos atletas praticantes dessa modalidade. A esse respeito, sujeito 3,

atualmente atleta da ADEACAMP, tece algumas considerações:

“Em 2011, fui para o campeonato Brasileiro em Porto Alegre sem equipe

(...) não tive nenhum suporte técnico na competição, fazia tudo sozinho, e foi

aí que conheci o Luiz que era o técnico da Adeacamp, ou melhor, eu já o

conhecia devido um estágio que ele fez com o pessoal do CPB, mestre Jean

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da França, e como eu estava sem equipe, ele me convidou para fazer parte

da Adeacamp, o que me deixou muito feliz (...) fazer parte de uma equipe

multidisciplinar completa. É essencial o vínculo com uma entidade que nos

represente assim como nós também a representamos e a defendemos (...) sem

uma associação não temos como caminhar, acredito que um depende do

outro, para que o sucesso aconteça para ambas as partes.”

Em relação a pertencer a uma associação ou clube que atue como entidade

representativa dos atletas, o sujeito 3 pontua a importância da obtenção de “suporte

técnico”, sendo esse fator, de grande relevância para que os atletas possam vir a atuar

com tranquilidade nas competições.

Partindo de tal premissa, que consiste no ponto de vista de um atleta

veterano da modalidade e a partir também das considerações feitas pelo Professor

Valber Nazareth, pode-se concluir que o sucesso que venha a garantir o surgimento de

mais atletas da modalidade no país, passa diretamente pelo processo de surgimento de

novas associações ou da adoção da ECR por parte de associações já existentes que

trabalham com o desporto adaptado. Isso possui grande implicação e influência nos

processos de renovação, assunto que será abordado no item subsequente.

7.1 O processo de renovação

Para que um determinado esporte possa continuar competitivo com o

decorrer do tempo, é preciso que haja um processo de renovação constante. Tanto de

atletas quanto de técnicos e profissionais capacitados a manter e avançar na qualidade

do trabalho que já vem sendo desenvolvido. Sobre esse aspecto, o sujeito 1 tece algumas

considerações a respeito:

“Eu sinto que a Esgrima no momento realmente tá passando por um

processo de renovação, é... É uma renovação que vai ser um pouco dolorosa

porque não é tão fácil achar um “Jovane”, então, agora que vai entrar o

nosso projeto de formação efetiva de profissionais e de, é... Ampliar os

espaços de prática pra que nós possamos ter mais gente, ou seja: São dois

caminhos. Nós vamos ampliar o número de pessoas praticando Esgrima em

Cadeira de Rodas pra que a gente possa ter mais gente e isso, não que isso

seja o único elemento... Mas ele vai criar um ambiente que nós vamos

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conseguir tirar bons atletas. Segundo é a capacitação de profissionais que é

o nosso “tendão de Aquiles” hoje ainda... Nós temos poucos profissionais de

Esgrima, é... Somente esgrimistas, técnicos por experiência na Esgrima

atuando na Esgrima em Cadeira de Rodas”.

Um dos pontos de questionamento a se levantar reside no fato de poucos

profissionais de Esgrima atuarem na Esgrima em Cadeira de Rodas. Isso se deve a uma

série de fatores que serão explicados na fala a seguir. Um desses fatores no qual o

desenvolvimento da modalidade esbarra é o financeiro: A Esgrima em Cadeira de Rodas

não é uma modalidade na qual os profissionais que atuam conseguem adquirir

rendimentos financeiros. Se por um lado, faz-se louvável a dedicação para com um

trabalho em que a remuneração não é o objetivo final, por outro, a prática do ensino da

modalidade acaba por adquirir contornos amadores e um caráter que se situa muito mais

próximo a um âmbito de caridade do que do trabalho profissional e dedicação integral

que o esporte de alto rendimento exige.

“Ainda hoje, a Esgrima em Cadeira de Rodas, àqueles que trabalham com a

Esgrima no Brasil, não é uma modalidade de profissão. É muito mais um

trabalho ainda voluntariado. E sim a Esgrima convencional pra aqueles que

são técnicos é a modalidade em que as pessoas ganham dinheiro, tem o seu

salário... Então nós precisamos, é... Primeiro aos poucos formar o nosso

corpo de profissionais pelo Brasil que trabalham em associações com

pessoas com deficiência e aí sim eles vão poder se dedicar somente á

Esgrima em Cadeira de Rodas. Então, é um processo de renovação em todas

as áreas, não só na área de formação, mas também entre os próprios atletas,

né? Tá tendo uma renovação aí, devagar, pouco, mas tá tendo né? Com a

chegada de gente nova. Então eu acho que é um momento que a gente tem

que olhar com bons olhos e não achar que é um momento ruim pra

Esgrima”.

Na fala de o sujeito 1, são apontados alguns elementos que trazem à tona a

questão da preocupação com a renovação. Tal renovação, inicialmente, implica em

aceitar atletas menos experientes, pois é o percurso natural de todos os esportes, mas

não apenas isso implica também em “garimpar” talentos esportivos.

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Essa é uma questão que se demonstra relevante ao se considerar o atual

estágio de desenvolvimento da Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil. Para que isso

aconteça, é necessário ampliar o número de profissionais capacitados a ensinar a

Esgrima para daí então ter o número de atletas ampliado.

Segundo o sujeito 1, um dos caminhos a ser trilhado, é já formar a pessoa

que trabalha com o desporto para pessoas com deficiência para atuarem com a Esgrima

em Cadeira de Rodas. Isso pelo motivo de que o esporte para o deficiente físico implica

numa série de percalços os quais a pessoa que vem do esporte convencional não está

familiarizada, sendo uma questão relevante para o bom andamento de um programa de

treinamento para atletas de Esgrima em Cadeira de Rodas.

Além disso, há também o fato de que, atualmente, os mestres de Esgrima

convencional que atuam na ECR, o fazem de uma forma voluntariada. Uma vez que o

profissionalismo de fato está muito mais atrelado à Esgrima Convencional, deixando a

prática da Esgrima em Cadeira de Rodas e seu ensino num plano, não necessariamente

menos competente, mas encaixando-se muito mais numa perspectiva de trabalho

voluntário, assistencialista de certa maneira. Tal fato materializa-se em sua fala:

“O quantitativo de profissionais que trabalham com a Esgrima

(convencional) é extremamente pequeno. Então, se esses que já trabalham

com a Esgrima Convencional são poucos, imagina aqueles que têm interesse

em trabalhar com a Esgrima em Cadeira de Rodas. Daí a razão que eu acho

que é mais fácil formar o profissional que já atua com o pessoal com

deficiência, né? Não só no sentido de tá formando ele pra trabalhar com a

esgrima, mas trazer um profissional que por trabalhar com a pessoa com

deficiência, por estudar a deficiência, por se envolver com a deficiência, o

compromisso dele e as demandas de conhecimento, é diferente de um

profissional que vem do desporto convencional. Meu ponto de vista! Eu

entendo que esse profissional, uma vez capacitado, ele tem condições de

produzir um trabalho bem melhor”.

Em síntese, vista a atual situação no que diz respeito ao ensino da Esgrima

para a pessoa com deficiência, há a ideia da formação profissional de um corpo de

pessoas capacitadas para atuar especificamente com o deficiente físico.

Dada a situação colocada em pauta, a ideia é estimular pessoas que já

possuam conhecimento sobre as demandas que um atleta deficiente possui e capacitá-las

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no conhecimento e entendimento da Esgrima para que estas possam ser capazes de

formarem novos atletas.

Para que um trabalho como esse possa se efetivar, é preciso surgir nas

associações que já trabalham com o desporto para o deficiente, o desejo de se trabalhar

com a ECR como mais uma modalidade esportiva possível de ser oferecida às pessoas

com deficiência interessadas em praticá-la. Sobre essa questão, o sujeito 1 comenta que:

“Olha, o Comitê na verdade, ainda... Ainda ele tem muito mais uma função

de, é... Dar o suporte do ponto de vista financeiro e de gestão, OK? E é

claro: Também de capacitação, de uma forma um pouco tímida ainda. Muito

mais na capacitação de profissionais pra atuar, como árbitros, como

classificador... De técnico, ainda a gente tá estruturando, é uma coisa mais

complicada, mas ainda o berço da formação da Esgrima são as associações.

Aquelas que existem, né? É... Já faz um bom tempo que não surgem

associações novas na Esgrima em Cadeira de Rodas, isso é um pouco

preocupante”.

O CPB, em sua função de órgão gestor da Esgrima em Cadeira de Rodas,

vem dando o suporte financeiro no sentido de organizar as competições nacionais e

arcar com as despesas de tais eventos, sendo responsável também pelo pagamento de

pessoal como árbitros e “staffs” e com os custos de hospedagem dos atletas e suas

respectivas comissões técnicas.

Há um trabalho de capacitação profissional, mas mais no sentido da

formação de árbitros e classificadores, elementos essenciais para a condução de uma

competição de Esgrima.

A formação de técnicos ainda não se efetivou, porém, para que isso

aconteça, parece ser necessário que despertem em mais associações pelo país, o desejo

manifesto de se trabalhar com a ECR.

Novas associações de Esgrima em Cadeira de Rodas não têm surgido no

Brasil, o que causa um pouco de preocupação, mas novos atletas, mesmo que de uma

maneira ainda um pouco tímida, estão surgindo nas associações existentes que já

trabalham com a modalidade, o que pode ser notado com o aumento do número de

atletas participantes nas competições de ECR nacionais, como aponta Nazareth:

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“... a Esgrima, nós chegamos agora no Campeonato Brasileiro que teve esse

ano (2015) aonde nós tivemos em torno de 42, 43 atletas participando dessa

competição. O nível ainda não é um nível altíssimo. Com exceção aí do

Jovane e os atletas de seleção nacional, mas... O caminho tá sendo muito

bem feito”!

Com essa fala do sujeito 1, observa-se que há um aumento dos praticantes

de ECR e há um processo de renovação, mas o caminho, apesar de estar sendo bem

trilhado, ainda passa por questões relacionadas ao aumento do número não apenas de

atletas, mas dos profissionais interessados em se envolverem com o ensino da

modalidade para as pessoas com deficiência.

Dessa maneira, não se pode depender unicamente da Esgrima já existente,

ou se corre o risco da modalidade permanecer estacionada onde se encontra na

atualidade se um processo de renovação não se der de maneira efetiva e coerente.

7.2 O papel da Universidade

Sabe-se que a Universidade e a comunidade acadêmica vêm já com um

longo histórico de envolvimento com o esporte paralímpico. Notando a importância da

ciência e da tecnologia para o desenvolvimento desse tipo de manifestação esportiva, o

CPB criou a Academia Paralímpica Brasileira. Com a Esgrima, o envolvimento se deu

anteriormente à criação da Academia Paralímpica, tendo em seus alicerces iniciais a

UNICAMP como um pivô no desenvolvimento de estudos nesse sentido. Dessa

maneira, o sujeito 1 recorda que:

“Olha, a UNICAMP, como eu disse pra você, foi o berço de tudo. Os nossos

primeiros trabalhos começaram aí, justamente com um trabalho com surdos

e que... O que é interessante, é que a partir daí, muitos estudos começaram a

surgir a partir de outros pesquisadores que se interessaram pela Esgrima e

se envolveram com a Esgrima. A ciência, não só pra Esgrima, mas pra

qualquer esporte, é fundamental pro desenvolvimento de várias áreas dentro

da modalidade (...) até pra ter condições de conhecer melhor o esporte,

poder conduzir um melhor esporte em todas as áreas que ele pode atuar, ao

mesmo tempo, capacitar profissional, você precisa ter essas ferramentas de

conhecimento. Isso só se produz por meio da ciência”.

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Inicialmente, os trabalhos acadêmicos relacionados com a Esgrima e a

pessoa com deficiência se deram no campo da pedagogia de ensino. Primeiramente com

a proposta de Nazareth para o ensino da Esgrima para adolescentes surdos e,

posteriormente, a perspectiva de pedagogia da ECR para pessoas com deficiência física.

A partir desse “pontapé inicial”, surgiram outros estudos sobre a ECR na

comunidade acadêmica. Tais estudos possuem a função de alinhar a ciência para o

maior aproveitamento esportivo no desempenho dos atletas. Além dos estudos

desenvolvidos na área da Esgrima, a Universidade também vem desempenhando um

importante papel no sentido de se dar apoio às iniciativas da ECR, como o sujeito 1

relata:

“Em 2004 nós fizemos o primeiro curso e esse sim, com um apoio imenso da

UNICAMP, que ainda a Esgrima pertencia à ABRADECAR e a

ABRADECAR na época deu muito pouco apoio, então foi a UNICAMP, a

Academia da Força Aérea, que agora é onde eu trabalho que a gente

conseguiu montar o primeiro curso de formação, de capacitação dos

técnicos de Esgrima. Nós conseguimos naquela época, trazer boa parte dos

técnicos que trabalham com a Esgrima no Brasil pra ficar uma semana com

a gente na Academia, se reciclando sobre o trabalho com o pessoal com

deficiência”...

O apoio da Universidade se deu na medida em que foram passados para os

técnicos que já trabalhavam com a Esgrima convencional, conhecimentos particulares

que são pertinentes às pessoas com deficiência, dessa maneira, o envolvimento da

Universidade com o meio da Esgrima em Cadeira de Rodas demonstra-se não ficar

restrito à produção de conhecimento científico teórico, mas também há um engajamento

prático no sentido de fazer com que a modalidade se desenvolva. Indo ao encontro nesse

sentido, o sujeito 1 comenta que:

“O grande problema é que, ao menos na Esgrima convencional, ela, ela

sempre teve muito afastada da academia... Da universidade... Ainda na

Esgrima convencional, ah... Os trabalhos, eles são profissionais, mas não

estão próximos da ciência. Diferente da Esgrima em Cadeira de Rodas que

eu acho que, por ter trilhado esse caminho e ter o apoio de... De professores,

acadêmicos, é... Nos deu condição de criar um melhor planejamento pro

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desenvolvimento da modalidade no Brasil. Ou seja, ao invés de pensar já lá

na frente em medalha, em conquista, enfim... Por meio justamente de

conhecer, ter o apoio de profissionais, de acadêmicos... De começar a

trabalhar a base primeiro, a formação profissional, enfim... Seguir os

caminhos que vão dar sustentação pra um futuro promissor, né? A

UNICAMP foi fundamental nesse sentido sim”.

A atuação da Universidade na ECR se dá por meio do entendimento de que

primeiramente é necessário trabalhar com a base de formação, o que ocorre com a

atualização de conhecimentos específicos sobre a deficiência e suas implicações no

treinamento desportivo.

Não basta ensinar para o atleta as técnicas de manejo que envolvem o jogo

de Esgrima, é preciso antes ter o conhecimento sobre as demandas que são pertinentes

ao atleta com deficiência. O trabalho desenvolvido se dá numa perspectiva voltada para

o longo prazo.

A respeito da implantação e desenvolvimento da ECR no Paraná, o técnico

o sujeito 2 faz algumas considerações a esse respeito afirmando que a modalidade pôde

chegar à ADFP da seguinte maneira:

“O interesse partiu do professor Darlan. Através do Professor Darlan

Ciesielski, apesar de nunca ter feito esgrima, após um curso de capacitação

iniciou com a modalidade na ADFP, associação em que ele trabalha. O

trabalho iniciou do zero.”

Não se pode pensar em pódio, medalhas, sem antes realizar um trabalho de

base bem feito. Além da UNICAMP, a UNIARARAS também desempenhou seu papel

para com a ECR, como comenta o sujeito 1:

“A UNIARARAS, eu falo da UNIARARAS porque lá foi um polo inicial da

Esgrima. Muita gente não sabe, mas o primeiro grupo foi lá. Depois que

começou a surgir em outros lugares gradativamente.”

A UNIARARAS teve grande importância no sentido de ser o primeiro polo

do Brasil a oferecer a Esgrima em Cadeira de Rodas para pessoas com deficiência,

dentro desse aspecto, o sujeito 1 ainda relata que:

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“... eu comecei, eu dava aula no ano 2000 na UNIARARAS. Que é a

universidade aqui de Araras, no curso de Educação Física e comecei

também a oferecer um curso paralelo no departamento de fisioterapia de

Esgrima pra pessoas com deficiência física. E aí eu comecei os primeiros

trabalhos lá com um grupo de deficientes físicos. E a partir daí foi o

primeiro passo nosso pra o desenvolvimento da Esgrima de maneira efetiva

aí nesse, nesse período”.

O sujeito 3, se recorda também da importância da universidade em seu

início na modalidade:

“Conheci (a Esgrima) no projeto de extensão com atividades físicas

adaptadas que veio da Unicamp para Uniararas, através do mestre Válber

Nazareth (meu professor, mestre, e primeiro técnico). Fiquei sabendo da

modalidade através de minha fisioterapeuta, me tornei atleta após o acidente

de trânsito.”

No Paraná, o sujeito 2 também se recorda que a ECR teve início a partir do

interesse do Professor Darlan Ciesielski, da UFPR (Universidade Federal do Paraná):

“No início, com o professor Darlan houve apoio da UFPR, quando eu entrei

na ADFP prestando trabalho voluntário, levei os atletas para a academia em

que trabalhava AMK - Academia Mestre Kato de Esgrima.”

As instituições universitárias desempenharam um papel fundamental para o

desenvolvimento da ECR no Brasil: Seja por meio de estudos acadêmicos em relação à

modalidade ou por meio do seu apoio às atividades práticas, como o curso de formação

apoiado pela UNICAMP em 2004 ou o trabalho paralelo desenvolvido por Nazareth na

UNIARARAS com o grupo de deficientes que se tornou o embrião do tipo de Esgrima

que é praticada por deficientes no Brasil e o apoio da UFPR no Paraná. Acima de tudo,

o sujeito 1 vem a dar grande destaque à importância da UNICAMP em todo esse

processo:

“Uma das coisas que foi realmente significante, pra evolução da Esgrima,

foi que a gente não pode esquecer que a Esgrima, de maneira efetiva, ela

começa na UNICAMP. Primeiro começou com os estudos, meu e do

Professor Edison lá... Depois ela foi se estruturando como realmente um

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elemento de prática e desenvolvimento. Então é... Na realidade a UNICAMP

foi o pé fundamental disso também e principalmente com a formação de

profissionais, primeiro o Professor Edison como classificador funcional.

Faltava e ainda falta pra nós, profissionais, é... Que possam atuar dentro da

Esgrima em Cadeira de Rodas. Hoje ainda nós somos dependentes da

Esgrima convencional em muitos aspectos. Mas a UNICAMP realmente foi

importantíssima nesse processo inicial e acima de tudo o Professor Edison

Duarte, que sempre deu muito apoio aí, nos estudos relacionados à

Esgrima”.

A UNICAMP desempenhou ainda papel fundamental com a estruturação de

seu projeto de extensão “Esgrima em Cadeira de Rodas”, na Faculdade de Educação

Física, contando com alunos de graduação e pós-graduação na comissão técnica e

atletas com deficiência da cidade de Campinas, região e proximidades que lá podem

praticar e aprender a Esgrima de forma gratuita. Em parceria com a ADEACAMP, os

trabalhos desenvolvidos dentro da UNICAMP com a ECR, denotam muito do esperado

na fala de Nazareth: Uma associação que já vinha desenvolvendo trabalhos com o

esporte paralímpico, que se envolveu com a Esgrima e acabou por revelar atletas com

talento.

Aliado a isso, ressaltando a importância da ciência aliada ao treinamento

desportivo, comentada por Nazareth anteriormente, podem ser verificados os bons

resultados alcançados pela equipe em diversas competições. Em relação ao vínculo da

ADEACAMP com a UNICAMP, o atleta o sujeito 3, também faz suas considerações:

“(...) fazer parte de uma associação vinculada a Unicamp é um privilégio, é

uma entidade de reconhecimento internacional.”

Além disso, o Campeonato Regional das Américas realizou-se no ano de

2011 nas dependências da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Considera-se

que, nesses aspectos todos, tanto no empenho a estudos científicos e à aplicação prática,

seja no que se refere à transferência de conhecimentos sobre a deficiência para os

técnicos que já trabalham com a Esgrima Convencional ou colocando projetos em

prática, reside a importância de se alinhar a Universidade com o esporte paralímpico,

nesse caso, com a Esgrima.

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Assim podem ser feitas maiores projeções a longo prazo de onde tal esporte

se encontra atualmente e onde se almeja chegar. Ações nesse sentido vêm sendo

tomadas por parte das universidades, como, por exemplo, o curso de Esgrima em

Cadeira de Rodas ministrado em 2013 na UFG (Universidade Federal de Goiás),

voltado para profissionais de educação física a fim de ganharem mais conhecimento

sobre a respectiva modalidade.

Clínicas e Workshops também vêm sendo realizados, como o mini curso de

Esgrima em Cadeira de Rodas realizado em 2015 no IV Congresso Paralímpico

Internacional, realizado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) em

Florianópolis.

7.3 A Esgrima em Cadeira de Rodas na Atualidade e suas Perspectivas

A ECR no Brasil tem se desenvolvido, ainda que não seja em um nível

técnico tão elevado como o de potências tais como França e Polônia, o pico de

desenvolvimento alcançado nesses quase 15 anos de atividades (vinte se contarmos com

a presença da atleta Andrea de Mello) foi o suficiente para transformar o país numa

referência da modalidade ao menos no continente americano.

Segundo a fala do sujeito 1, embora haja uma grande evolução em amplos

sentidos na ECR do Brasil, é preciso ainda que muito trabalho, em especial de base, seja

realizado para que o Brasil consiga manter o patamar que atingiu e ainda mais se quiser

vir a superar o que já foi conquistado.

Mas sem dúvidas, a medalha de ouro conquistada nos Jogos Paralímpicos de

Londres trouxe benefícios para a modalidade em diversos sentidos, inclusive em maior

atenção no que tange a recursos provenientes do próprio CPB:

“Pra nós entrarmos entre os melhores do mundo, vamos ter que fazer muita

coisa pra poder evoluir. Claro! Houve mais investimento. Os investimentos,

principalmente de apoio ao atleta, isso ocorreu, a modalidade passou a

receber até um pouco mais de recursos do que recebia antes, mas ainda não

é suficiente para que nós possamos é, avançar de maneira efetiva... Hoje o

esporte de alto rendimento envolve grandes somas pra que você possa

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dinamizar todas as possibilidades. Pra ampliar, não só desenvolver, mas

também, é... Criar um ambiente pra possíveis medalhas de forma efetiva”.

Segundo Nazareth relata, há possibilidades de que um ambiente seja criado

para que mais medalhas venham a ser conquistadas, mas mesmo as somas que a

modalidade acabou recebendo após a conquista da medalha paralímpica, ainda não são

suficientes para a promoção desse ambiente.

Mais uma vez, recai sobre a estrutura de base o que parece ser o caminho

para que novos atletas tenham a oportunidade de despontar. Além disso, o sujeito 1

aponta novos desafios, como despontar um atleta na categoria A, considerada a mais

forte da ECR:

“O Jovane é da categoria B, A categoria B, é uma categoria forte. Mas... O

grande desafio nosso agora é conseguir brilhar na categoria A. Que é o top

da Esgrima em cadeira de Rodas... E aí a Esgrima nossa, no Brasil, tá

realmente muitos anos-luz atrás, tem que trabalhar muito pra um dia estar

entre os melhores da categoria A”.

A meta de se colocar um atleta que desponte na categoria A, a mais forte da

ECR pode parecer algo difícil de ser atingido. Na realidade, não é com facilidade que se

encontra uma “combinação de ouro”, na qual se encaixem o talento esportivo, a

predisposição biológica, orgânica e outros fatores.

Mas tal combinação só será potencializada se realmente a ECR começar a se

expandir. Na fala do sujeito 1, mais uma vez é denotada a preocupação em se formar

profissionais capacitados e aptos para ensinar a Esgrima para pessoas com deficiência

com competência:

“Sem profissional de Esgrima capacitado, que saiba ensinar Esgrima,

atuando nos lugares aonde tenham pessoas com deficiência, nós não vamos

evoluir. É muito difícil, isso também... É muito difícil você levar o esgrimista

aos espaços aonde tem sala d’armas. Até tem. Vamos lá... Se a gente

comparasse o Brasil com a França, só em Paris você tem mais de 30 salas

d’armas, é diferente... No Brasil tem pouquíssimos lugares, os lugares onde

tem sala d’armas são extremamente fechados. Alguns, inclusive, só pra quem

é realmente sócio... Então, o caminho é o inverso. Ao mesmo tempo também,

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levar o técnico de Esgrima, que depende da Esgrima convencional, trabalha

num clube, pra ficar indo em associações... É um ou outro que a gente

consegue fazer isso, Da geração que eu conheço... Dessa geração atual,

agora... Eu acho que somente dois faziam isso. Os demais é difícil, ele não

consegue, então é... Se não formar profissionais, bons profissionais em

associações pelo Brasil que já tenham desporto paralímpico e lá desenvolver

a modalidade... Mesmo que ela não seja num primeiro momento de alto

nível, é... Eu tenho plena certeza que esse é o caminho pra gente poder

evoluir”.

A Esgrima é um esporte que possui algumas demandas específicas para que

sua prática possa prosseguir de maneira satisfatória numa sessão de treinos. O local

mais adequado para sua prática é a chamada “Sala D’armas”, locais em que há espaços

e equipamentos adequados. Uma das grandes dificuldades encontradas no Brasil é a

falta desses espaços e, os mesmos, quando existem, são restritos muitas vezes para um

reduzido número de pessoas. Muitas vezes em clubes, onde a modalidade é oferecida

apenas para associados.

Enxergando dessa maneira, há uma complicação em se pensar levar o

praticante de ECR, com deficiência para a Sala D’armas, mesmo porque as que existem

são muito poucas.

O caminho proposto por Nazareth é o sentido “inverso”, ou seja: Ao invés

de levar o esgrimista deficiente às salas d’armas, onde existe a prática da Esgrima, levar

a Esgrima até a pessoa com deficiência e esse processo só se dá mediante a capacitação

e a formação de profissionais competentes ao ensino de ECR que já lidam com pessoas

com deficiência.

Atualmente, o que acontece em algumas associações é o oposto. Na ADFP,

foram os atletas que foram levados para a Sala D’Armas. Como observado

anteriormente pelo depoimento do sujeito 2. Mas corroborando com a fala do sujeito 1,

ele comenta sobre a natureza voluntária de seu trabalho com os atletas da ADFP:

“Eu trabalhei por quatro anos como um voluntário, no último ano recebia

uma ajuda de custo.”

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Além disso, a proposta é fazer com que a ECR trilhe um caminho rumo à

nacionalização de equipamentos para que sua prática possa ser mais disseminada. Isso

implica na fabricação de equipamentos próprios da modalidade no Brasil, para que os

custos dessa prática esportiva possam se tornar mais sustentáveis, dessa maneira, o

sujeito 1 ressalta que:

“Aliado a isso, claro, aí... Aí sim, a fabricação de equipamentos no Brasil.

Pra que a gente possa não depender tanto de material de fora, como

fixador... A cadeira, que já é fabricada aqui, enfim... Quanto mais a gente

fazer com que isso seja um produto nacional, vai facilitar muito pra prática

das pessoas da Esgrima. E desmistificar essa ideia de que a Esgrima é um

esporte de elite e que você primeiro precisa ter dinheiro pra fazer a

Esgrima... Não é bem assim”.

Sobre as dificuldades encontradas pela questão financeira, o sujeito 2

também argumenta que:

“As maiores dificuldades não estão ligadas ao treinamento em si, mas sim às

instalações e equipamentos. Poucos locais têm acessibilidade e as cadeiras

de rodas específicas para esgrima e o fixador são materiais caros.”

Ainda perpetua também a ideia de que a Esgrima é um esporte elitista e que

somente pessoas bem abastadas financeiramente têm plena condição de realizar tal

prática esportiva.

Sem dúvida, o investimento inicial na Esgrima é dispendioso

financeiramente, mas uma vez adquirido o material, os gastos não são exorbitantes. Um

dos desafios se configura em levar a Esgrima para outros espaços e, de certa maneira,

fazer com que a ECR tenha uma independência relativa da Esgrima convencional, como

o sujeito 1 remete em sua fala:

“Não basta somente fazer competição, organizar campeonatos e depender da

Esgrima que existe hoje, é... Você precisa abrir outros polos. Sempre falo

que a Esgrima (em Cadeira de Rodas) no Brasil, ela ainda hoje, ela é aquilo

que deu pra conseguir a partir da Esgrima já existente, que é a Esgrima

convencional. Tirando, é... Se você pensar, a Esgrima em Cadeira de Rodas,

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com exceção da ADEACAMP, da associação, é... Eu acho que só a

ADEACAMP e a ASASEPODE. Que são associações que surgiram

independentes da Esgrima convencional e aí sim foi em busca de um espaço

de Esgrima convencional pra conseguir transferência de conhecimento e

apoio, ainda os demais estão ligados a clubes, associações que já têm

Esgrima convencional. O grande desafio agora é levar Esgrima pra outros

espaços”.

Os “outros espaços” aos quais o sujeito 1 se refere, são Associações, Clubes

que de alguma maneira trabalham com pessoas com deficiência e podem buscar na ECR

mais um caminho para a busca de um esporte adaptado.

O obstáculo a ser transposto é grande, mas não impossível de ser superado,

podendo ser citados os exemplos de associações como a ADEACAMP e a

ASASEPODE, que eram associações nas quais já se desenvolviam programas

envolvendo o esporte adaptado, mas não possuíam Esgrima como uma de suas

modalidades, vindo a adotarem tal prática esportiva com sucesso.

Além do desafio de se levar a Esgrima para outros espaços, além dos já

existentes na atualidade, tem-se também o desafio de aumentar o número de

competições nacionais. O sujeito 1 considera extremamente baixo o número de

competições de ECR existentes no Brasil, somente três anuais. Sobre essa questão,

Nazareth tece as seguintes considerações a esse respeito:

“A ideia é aumentar! Nós não aumentamos ainda porque hoje, a Esgrima,

ela é quase 99%... Ela é 99% subsidiada pelo Comitê. Hoje ainda o Comitê

subsidia quase tudo do atleta. O atleta hoje o que ele paga de maneira geral:

O material dele na sala dele, porque isso é o mínimo que ele tem que fazer. E

pra participar das competições ele paga unicamente a passagem. Diferente

da Esgrima convencional onde o atleta paga tudo (...). Pra aumentar mais

uma competição e isso é muito importante que haja, pra você ter uma ideia,

comparado com outros países como Polônia, França... Eles têm o dobro do

que nós temos de competição e um pouco mais, ao longo do ano. É... Isso

envolve custos! O problema não é que nós não queremos: É que dada a

situação de hoje ainda o Comitê subsidiar muito os praticantes da Esgrima

pra participar dos eventos nacionais, aumentar mais um evento envolve mais

uma demanda de custo que hoje os recursos da modalidade, não têm

condições de abraçar”.

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O mesmo ressalta que a ECR ainda depende do modelo paraolímpico de

gestão. Nesse modelo, a modalidade fica submetida às possibilidades oferecidas pelo

Comitê Paralímpico. Não é algo negativo, pois nas atuais conjunturas, com poucos

atletas ainda competindo em relação aos demais países, faz-se necessário que haja uma

instituição com bases sólidas para que a modalidade tenha força em se fazer por

representar. Mas, se a modalidade crescer mais, é possível de se pensar que no futuro, a

mesma caminhe para um modelo tradicional de gestão e representação. A questão do

aumento do número de competições é considerado algo importante a ser destacado,

porém, o fato concreto na atualidade é que não há ainda possibilidades de se formar uma

Confederação Nacional de ECR e tal esporte, ainda está dependente da tutela que o CPB

é capaz de oferecer para resguardar a modalidade. O sujeito 1 complementa:

“Porque, senão, nós temos que lembrar que os recursos, eles tem que ser é...

Suficientes não só pra arcar com a organização dos eventos nacionais, mas

também subsidiar aí a participação dos atletas na equipe nacional nos

eventos internacionais. Isso é um custo muito alto”.

Considerando tal aspecto, o futuro provável da ECR será o de estabelecer

uma Confederação da modalidade que possa ter autonomia em relação ao CPB. Essa é

uma das perspectivas acerca da modalidade em relação ao formato atual e ao formato

que se almeja atingir. Ponderando sobre isso, o sujeito 1 aponta que, provavelmente

ainda levará algum tempo para acontecer:

“A Esgrima hoje, ela pertence ao Comitê Paralímpico. E quem representa a

IWAS, é o Comitê Paralímpico. Mas, eu acho que conforme a Esgrima

evoluir, não só a Esgrima como outros esportes, mesmo internacionalmente,

a tendência é caminhar pras suas federações internacionais e por

consequência a sua federação nacional e assim por diante... Como existe na

Esgrima convencional. A Esgrima convencional, ela não tá dentro do Comitê

Olímpico Brasileiro. Ela tem uma Confederação Brasileira de Esgrima.

Muito provavelmente, a Esgrima em Cadeira de Rodas também, isso não vai

ser tão cedo, isso vai demorar. O dia que ela tiver realmente autonomia e

estrutura pra isso, provavelmente também vai partir pra uma federação...

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Confederação nacional e ela vai tá conectada com as federações estaduais e

assim sucessivamente”.

Na fala do mesmo, nota-se que no atual patamar da ECR do Brasil, o

estabelecimento de uma Confederação Nacional de ECR ainda não se demonstrou

viável Isso ocorre basicamente por dois fatores, o número ainda relativamente baixo de

praticantes e de associações quando comparado a países como França e Polônia, mas se

a modalidade continuar a crescer, esse provavelmente será um dos caminhos a ser

trilhado pela ECR no Brasil. Segundo Ivan Schwantes, técnico do Paraná, já existe uma

Federação Paranaense de ECR.

No estado, já existe uma competição estadual também, esse já pode ser um

indício do futuro da modalidade apontado pelo sujeito 1. Não menos importante, é

preciso pensar em como se dará o futuro da modalidade após os Jogos Paralímpicos de

2016. O país sediou os Jogos em 2016 e houve muito esforço por parte do CPB em

investir para que o Brasil fizesse uma excelente campanha dentro de casa.

Nessa edição dos Jogos Paralímpicos, a ECR brasileira não obteve nenhuma

medalha. Tal fato abre questionamentos sobre o futuro de modalidades como a ECR

após a realização do evento. A esse respeito, o sujeito 1 pondera que:

“Bom, a perspectiva não é só pra Esgrima, eu acho que pra toda modalidade

esportiva. É... Se até então a gente teve um apoio relativo... Eu acho que

após os Jogos Paralímpicos. É... Os recursos, eles vão ficar mais escassos.

Isso é uma questão não só da Esgrima em si, mas de maneira geral, envolve

o país, envolve todas as modalidades esportivas. Mas, é... Isso não impede de

nós continuarmos o trabalho que eu acabei de falar, que é a porta do

desenvolvimento da modalidade, se não fizer isso, eu acho muito difícil a

Esgrima crescer, que é investir realmente na capacitação de profissionais

que é o nosso grande problema”.

Segundo a fala do mesmo, como coordenador técnico da modalidade dentro

do CPB, a perspectiva é de que o montante de recursos fique um pouco mais escasso

após a realização dos jogos. Mas tal fato não significa em “parar com o trabalho”.

Independente do montante de recursos continuarem no mesmo patamar ou

se tornar mais “escasso”, é preciso que se formem profissionais aptos ao ensino de

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Esgrima para pessoas com deficiência, do contrário, o risco que se corre é o de a

modalidade permanecer estacionada no patamar em que se encontra atualmente.

Dessa maneira, após os Jogos, para que a modalidade consiga continuar seu

desenvolvimento, se faz necessário que haja maiores investimentos no sentido de formar

tais profissionais, interessados na Esgrima e comprometidos com a pessoa com

deficiência. Esse parece ser o caminho que converge para a direção que se pretende

seguir em relação à ECR no Brasil.

8 CONCLUSÃO

A Esgrima em Cadeira de Rodas é uma modalidade que vem crescendo no

Brasil, muito se conquistou desde sua implantação no país em 2002, com o início das

atividades regulares. Em termos de organização, no que se refere aos formatos das

competições, há um profissionalismo relativo. Há um Diretório Técnico, um corpo de

arbitragem coeso e classificadores funcionais para os atletas com deficiência e “staffs”

de equipe de apoio nas competições. Estes recebem remuneração do CPB inclusive para

atuarem em suas funções designadas.

Por outro lado, nas equipes que participam da competição, a atuação dos

técnicos ainda é voluntária, as atividades dos técnicos se dão de forma semiprofissional.

Em relação aos atletas, a prática da maioria se dá com características amadoras. Alguns

são beneficiários do programa bolsa-atleta, mas somente os três melhores do ranking

nacional possuem tal direito. Outros recebem ajuda de custo através de “patrocínios”

informais, mas a grande maioria arca com suas despesas a partir de seus próprios

recursos individuais.

Também se observa que, desde que o esporte foi assumido integralmente

pelo Comitê Paralímpico Brasileiro, que o pico de crescimento da modalidade parece ter

chegado a um ponto que aparenta ser estacionário.

A continuidade do sucesso de um esporte de alto rendimento se faz

mediante a renovação, o CPB vem trabalhando para que isso aconteça, nesse momento,

a partir da capacitação de profissionais de arbitragem e classificação, mas ainda não

houve manifestação concreta para que se formem técnicos especialistas na Esgrima em

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Cadeira de Rodas, que foi apontado nesse trabalho como o principal déficit sofrido pela

modalidade atualmente.

Outro ponto a ser destacado é que não houve surgimento nos últimos quatro

anos de novas Associações de Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil, o que é um fator

de preocupação. Isso decorre principalmente pela falta de profissionais capazes de

promover o ensino da Esgrima para pessoas com deficiência.

Por outro lado, o Comitê Paralímpico Brasileiro, em quanto instituição

responsável pelo esporte paralímpico no país, como administrador direto da Esgrima em

Cadeira de Rodas, vem atuando de forma a promover e financiar os campeonatos

nacionais da modalidade e custear a manutenção de uma seleção nacional, bem como as

atividades dessa seleção em eventos internacionais (Copas do Mundo, Grand Prix e

Campeonatos Mundiais).

O apoio dado à Esgrima em Cadeira de Rodas pelo Comitê Paralímpico

Brasileiro parece estar de acordo com sua visão em dar suporte às modalidades tidas

como “menos expressivas” em relação a outras tais como o atletismo e a natação.

Esperou-se um bom resultado no que se refere aos Jogos Paralímpicos de 2016, o que na

ECR, infelizmente não aconteceu, pois desde o resultado positivo de Londres, em 2012,

as expectativas eram de que o país conseguisse ao menos uma medalha.

Isso também denota que o país não pode estacionar na dependência de

apenas um atleta que apresenta um nível técnico superior aos demais. É preciso que haja

um trabalho conjunto também com outros setores da sociedade civil para que o país

possa avançar mais na modalidade.

Um desses caminhos parece estar diretamente ligado com a Universidade,

através da produção de conhecimento científico que possa ser revertido em favor do

esporte de alto rendimento, é possível incrementar o desempenho dos atletas. Após os

Jogos de 2016, a tendência é que os recursos venham fiquem mais escassos.

Tendo em mente tal situação, para que o esporte continue a crescer, será

necessária a movimentação por parte de setores acadêmicos em diversos sentidos: Tanto

na promoção do conhecimento científico para o proveito esportivo quanto na prática nos

diversos sentidos em que isso possa acontecer: Formação e capacitação de profissionais

aptos a trabalharem com a Esgrima em Cadeira de Rodas, desenvolvimento de projetos

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de extensão que envolvam a modalidade em questão e quaisquer demais áreas de

intervenção que se possa atuar.

De maneira geral, considerando que a Esgrima em cadeira de Rodas

começou as atividades no Brasil há menos de 15 anos, pode-se ponderar que o balanço

do que já foi conquistado até o momento é muito positivo. O maior desafio que se

apresenta a todos os envolvidos com essa modalidade (atletas, técnicos e gestores) é não

apenas conseguir manter o que já foi conquistado, mas tornar possível o avanço e a

continuidade da evolução desse esporte no país.

Isso deve ser traduzido em números, tanto no aumento de atletas praticantes

quanto no número de associações e clubes pelo Brasil que venham a adotar a

modalidade. Mas para isso, o que se apresenta como fundamental é o processo de

formação de profissionais aptos ao ensino da Esgrima para pessoas com deficiência.

Para que isso aconteça, deverá coexistir o envolvimento de todas as partes

interessadas na evolução desse esporte, em especial: O CPB, a Universidade e claro, as

associações e clubes que já trabalham com o esporte para a pessoa com deficiência. Para

que a modalidade avance e não se estacione no patamar que se conseguiu atingir, esse

parece ser o caminho a ser seguido.

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10 APÊNDICES

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APÊNDICE I

ENTREVISTA COM SUJEITO 1: COORDENADOR TÉCNICO DE ECR NO

CPB

Quando a Esgrima em Cadeira de Rodas começou efetivamente no Brasil e quais

foram os primeiros atletas?

Bom, a Esgrima em Cadeira de Rodas, ela começou no Brasil a partir do ano 2000, tá?

É, eu um pouco antes disso, pelo menos uns dois anos antes eu já vinha fazendo uns

trabalhos com a Esgrima destinada pra crianças surdas na APAE aqui de Pirassununga,

é, e esse trabalho continuou e inclusive acabou virando meu estudo de mestrado, certo?

É, em meados do ano 2000 eu comecei a buscar um pouco da Esgrima em Cadeira de

Rodas, ou seja, tentar entender um pouco como era a Esgrima realmente, a Esgrima

Paralímpica. Foi que nesse período eu saí do Brasil, eu consultei as federações no Brasil

da Esgrima convencional, ninguém sabia nada, alguns sabiam, já tinham visto fora, mas

no Brasil efetivamente não existia nada. É... Aí o primeiro passo disso foi que eu

comecei, eu dava aula no ano 2000 na Uniararas, né? Que é a universidade aqui de

Araras, no curso de Educação Física e comecei também a oferecer um curso paralelo no

departamento de fisioterapia de Esgrima pra pessoas com deficiência física. E aí eu

comecei os primeiros trabalhos lá com um grupo de deficientes físicos. E a partir daí foi

o primeiro passo nosso pra o desenvolvimento da Esgrima de maneira efetiva aí nesse,

nesse período. Já o nome das pessoas eu posso te dar em alguns minutos, eu tenho que

buscar aqui. O que mais você precisa?

Quantos eram os atletas que deram o pontapé inicial na Esgrima em Cadeira de

Rodas.

Então, inicialmente, o grupo, era um grupo bastante pequeno, tá? Não era muito grande

não. Ele era formado somente por quatro é... Esgrimistas, né? A partir daí ele foi

crescendo. Na realidade o nosso trabalho, quando eu comecei a Esgrima em cadeira de

Rodas, ele começou mais como um estudo experimental, depois que ele acabou se

desenvolvendo. Quando a gente fala de Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil, a gente

não pode esquecer da Andrea de Mello, na realidade a primeira representante na

Esgrima nos eventos internacionais. A única diferença, é que eu separo a Esgrima em

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dois momentos: O primeiro momento que é com a presença dela (Andrea)

representando o Brasil e ela já vinha representando o Brasil desde a Paralimpíada de

Sydney, tá? E, só que ela nunca treinou no Brasil. Ela sempre representou o Brasil

morando nos Estados Unidos, a Andrea de Mello. Só foi a partir do ano 2000, com o

trabalho com os cadeirantes lá na Uniararas, que efetivamente a Esgrima começou a ser

praticada aqui no Brasil. Aí nós começamos o primeiro trabalho com Esgrima em

Cadeira de Rodas, né? É, o nome do pessoal, pra você ter uma ideia dos atletas, eram o

Nivaldo Menin, tá? Aí, é aí nós tínhamos o Eduardo Franco de Oliveira, o Edilá José

dos Santos, Amilton José dos Santos. Esse foi o grupo aí que a gente começou

trabalhando com a Esgrima em cadeira de Rodas no início, tá? É, tinha também o

senhor Eduardo Rabelo, que era outro rapaz que também praticava a Esgrima com a

gente.

E no início, quais foram os principais financiadores da modalidade? Se é que teve

algum assim que abraçou a causa e pensou em financiar de fato.

A Esgrima de maneira geral, ela começou do nada, né? Nós começamos um trabalho

nosso particular. Quem investia no início eram os próprios esgrimistas mesmo. O que

existia do ponto de vista representativo no Brasil, é que a Esgrima, por ser um esporte

da IWAS, quem representava a Esgrima até 2005, quando o Comitê Paralímpico

assumiu a Esgrima, é... Final de 2006 desculpa... Né, é, era a ABRADECAR,

Associação Brasileira de Esporte em Cadeira de Rodas. A ABRADECAR representava

todos os esportes da IWAS no Brasil. Porém, por diversos problemas nessa associação,

do ponto de vista de representação das modalidades da IWAS, foi em 2005, a IWAS foi

desvinculada... Ahh... A ABRADECAR foi desvinculada da IWAS. E a partir de então,

o Comitê Paralímpico assumiu as modalidades da IWAS, no caso a Esgrima, né? Mas

até então a gente não tinha quase apoio nenhum. A ABRADECAR, o que ela fazia era o

mesmo processo. Como ela representava as modalidades, quando tinha algum evento

internacional ela solicitava fazer um projeto, mandava esse projeto pro Ministério dos

Esportes, pro Comitê Paralímpico, se fosse aprovado, esse recurso saía, nós viajávamos

e a ABRADECAR prestava contas. Foi justamente aí que a ABRADECAR acabou

tendo problema, né? Porque houve muitos problemas nessa relação de prestação de

contas não só da Esgrima como de outras modalidades representativas pela

ABRADECAR também.

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Acho que você já respondeu sem querer a outra pergunta. Que é qual foi a

importância da ABRADECAR como instituição pra modalidade da Esgrima.

A ABRADECAR, a gente não pode desmerecer, ela foi uma associação representativa

no Brasil de extrema importância ao longo da história dela, né? A gente não pode

misturar gestões, mas com o trabalho da associação ao longo da existência dela e eu sei

que a ABRADECAR, não só pra Esgrima, pra outros esportes que ela representava, ela

foi uma associação bastante forte e trabalhou muito, né? Foi mais nesse período final aí

entre 2005, 2006, que houve até o processo de transição da Esgrima pro Comitê

Paralímpico, que efetivamente a ABRADECAR começou a ter problemas com essa

questão da prestação de contas, enfim... Não é uma área que eu estive envolvido,

entendeu? Eu falo mais do que nós sentimos no contexto da Esgrima... Tá? É, a

ABRADECAR, efetivamente, ela, ela é desfiliada da IWAS no final de 2006. E a partir

daí, 2007, efetivamente o Comitê Paralímpico assume a Esgrima. Na realidade, a

IWAS, é... Consulta o CPB, se o CPB teria condições de tá, é... Abraçando a Esgrima

em Cadeira de Rodas e os demais esportes da IWAS e o CPB sinalizou que sim, que

teria condições, a partir daí então, o CPB abraçou a Esgrima em Cadeira de Rodas.

Então foi assim que se deu a ligação da Esgrima em Cadeira de Rodas com o CPB?

E qual foi o elo entre o órgão? O CPB propriamente dito e a Esgrima? Teve

alguma instituição que serviu como uma ligação entre a Esgrima em Cadeira de

Rodas e o CPB?

Não. Na realidade o próprio CPB já não tava, já vinha... Já não tava muito feliz com a

representação da ABRADECAR nos esportes que a ABRADECAR representava, né?

Eu não lembro agora, mas eu acho que a ABRADECAR, ela foi perdendo mais eu acho

que o Arco e Flecha ainda, o Rugby também que fazia parte da ABRADECAR né? E a

Esgrima. É... E como a ABRADECAR tinha que prestar contas pro CPB e o CPB por

sua vez ao Ministério dos Esportes dos custos dos eventos da ABRADECAR. É... E isso

já não vinha acontecendo de uma forma muito coerente... O próprio CPB já começou a

notar que cedo ou tarde alguma coisa teria que ser feita, né? Porque a ABRADECAR

também tava tendo problema inclusive com a IWAS na questão de, é... Não sei se

prestação de contas ou de pagamento. Foi que a própria IWAS depois consultou o

Comitê se o CPB teria condições de assumir a modalidade. Não teve nenhum processo

que intermediasse isso não. Foi aí que o CPB assumiu todos os esportes da IWAS, né?

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No Brasil. E até então, continua sendo associação representativa. Pode-se considerar

hoje que o CPB é uma confederação dessas modalidades que são é, de gestão direta do

comitê, né? O comitê trabalha nessa função, que teoricamente não teria que ser, né? As

associações, internacionalmente, os esportes paralímpicos, internacionalmente, tá

caminhando muito pro que ocorre no convencional: Terem suas federações

internacionais e essas serem as associações de representação.

Assim sendo, qual foi a importância do papel do CPB para a Esgrima em cadeira

de Rodas?

Bom, eu posso dizer pra você que a Esgrima em Cadeira de Rodas, ela existe pelo apoio

do Comitê Paralímpico. O Comitê Paralímpico, até pela seriedade dele, até pela forma

como ele trabalha, realmente no sentido de promoção da modalidade pela primeira vez

nós tivemos condições de todos os recursos serem revertidos pra modalidade de forma

sistemática, de forma realmente coerente. Foi então que o Comitê, até pela sua estrutura

estabeleceu uma coordenação aonde eu assumi como coordenador da modalidade e...

Claro, isso se desmembra em outros colegas que vem me apoiando no próprio Comitê...

Então o Comitê foi fundamental pra evolução da Esgrima em cadeira de Rodas, não só

da Esgrima, mas em todos os esportes que pertencem à IWAS. Ele estabeleceu

organização de gestão, de organização dos recursos das modalidades, é... Tudo isso

realmente favoreceu pra que a gente pudesse evoluir de forma mais coerente. A

modalidade tá crescendo... Há muita coisa a ser feita ainda, porque... Alguns problemas,

eles não são diretamente ligados à essa questão do apoio do Comitê e sim de estrutura,

de equipamentos e de capacitação de profissionais, é um processo a longo prazo, isso

tem que ocorrer por outras vias. Não basta somente fazer competição, organizar

campeonatos e depender da Esgrima que existe hoje, é... Você precisa abrir outros

polos. Sempre falo que a Esgrima no Brasil, ela ainda hoje, ela é aquilo que deu pra

conseguir a partir da Esgrima já existente, que é a Esgrima convencional. Tirando, é...

Se você pensar, a Esgrima em Cadeira de Rodas, com exceção da ADEACAMP, da

associação, é... Eu acho que só a ADEACAMP e a ASASEPODE, né? Que são

associações que surgiram independentes da Esgrima convencional e aí sim foi em busca

de um espaço de Esgrima convencional pra conseguir transferência de conhecimento e

apoio, ainda os demais estão ligados a clubes, associações que já têm Esgrima

convencional. O grande desafio agora é levar Esgrima pra outros espaços.

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Eu queria saber também quem foi o responsável dentro do CPB por estabelecer a

modalidade como uma dessas aí administradas diretamente pelo próprio Comitê.

Ah, quem foi o que permitiu isso? Olha, Foi... Quem realmente quis aí assumir os

esportes da IWAS, claro inclusive a Esgrima foi o antigo presidente, o Vital, né? Depois

aí o Andrews assumindo, eu notei que a preocupação do Andrews não foi só com a

Esgrima, mas sim dar um grande apoio a todas as modalidades que não tinham tanta

expressão como as demais, que trazem mais medalhas pro Comitê como o atletismo,

natação... E eu acho que os dois presidentes, tanto o Vital e agora o Andrew Parsons

foram fundamentais para que nós pudéssemos é... Evoluir com a modalidade. Tem uma

pessoa que aprece muito pouco no meio de tudo isso, né? Mas é o... O, uma pessoa que

realmente entende objetivos do Comitê Paralímpico e sempre apoiou muito a Esgrima

também, que é o “Tubiba”. O “Tubiba” é o, ele é o coordenador geral dentro do Comitê,

o “Tubiba”, ele é o Edson Alves Rocha, tá O “Tubiba”. Ele é o que tá por trás de toda a

coordenação das modalidades do Comitê. Então ele tem uma noção muito ampla das

necessidades de cada modalidade e ele sempre trabalhou muito pra evolução de todas as

modalidades, inclusive a Esgrima. Então, essas três pessoas foram fundamentais, o

Vital, o Andrew e o “Tubiba”. Eles trabalharam pra isso. Uma das coisas que foi

realmente significante, pra evolução da Esgrima, foi que a gente não pode esquecer que

a Esgrima, de maneira efetiva, ela começa na UNICAMP, né? Primeiro começou com

os estudos, meu e do Professor Edison lá... Depois ela foi se estruturando como

realmente um elemento de prática e desenvolvimento. Então é... Na realidade a

UNICAMP foi o pé fundamental disso também e principalmente com a formação de

profissionais, primeiro o Professor Edison como classificador funcional, né? Faltava e

ainda falta pra nós, profissionais, é... Que possam atuar dentro da Esgrima em Cadeira

de Rodas. Hoje ainda nós somos dependentes da Esgrima convencional em muitos

aspectos, né? Mas a UNICAMP realmente foi importantíssima nesse processo inicial e

acima de tudo o Professor Edison Duarte, que sempre deu muito apoio aí, nos estudos

relacionados à Esgrima.

Bom, pode-se considerar que houve um grande salto de evolução em relação aos

primeiros anos de Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil? Se sim como é que se

deu essa evolução?

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Eu acho que deu um grande salto sim, porque é... Nós fizemos pelo menos nesse

período que a Esgrima no Brasil existe, nós conseguimos, é... Fazer o serviço de casa

bem feitinho. Porque pra mim era muito claro desde o início. O primeiro passo para a

Esgrima evoluir no Brasil, pelo menos num primeiro momento era levar a Esgrima no

seio da Esgrima convencional. Por que eu tô querendo dizer isso? Quando eu comecei

em 2000 lá a Esgrima em cadeira de Rodas, naquela época, ninguém tinha noção do que

era Esgrima com cadeira de rodas no contexto da Esgrima convencional. Muitos

inclusive é... Não só não conheciam, mas também quando você falava de Esgrima em

cadeira de Rodas, eles tinham uma visão muito equivocada, tinham uma visão

assistencialista, que não via a Esgrima em cadeira de Rodas como importante, porque ...

Era um esporte, só pra ajudar as pessoas e não era isso. Esse paradigma foi mudando a

partir dos cursos que nós realizamos. Em 2004 nós fizemos o primeiro curso e esse sim,

com um apoio imenso da UNICAMP, que ainda a Esgrima pertencia à ABRADECAR e

a ABRADECAR na época deu muito pouco apoio, então foi a UNICAMP, a Academia

da Força Aérea, que agora é onde eu trabalho que a gente conseguiu montar o primeiro

curso de formação, de capacitação dos técnicos de Esgrima. Nós conseguimos naquela

época, trazer boa parte dos técnicos que trabalham com a Esgrima no Brasil pra ficar

uma semana com a gente na Academia, se reciclando sobre o trabalho com o pessoal

com deficiência e depois o grande curso que nós demos em 2008, já em Curitiba, que

nós conseguimos trazer vários mestres do Brasil, técnicos, treinadores, que ficaram

também conosco uma semana trabalhando num processo de reciclagem da Esgrima

convencional pra Esgrima em cadeira de Rodas. .A Partir daí, foi um estopim, porque aí

Esgrima entrou nas Salas D’Armas do Brasil, que já não são poucas. Mas foi

fundamental pra evolução da Esgrima pelo menos nesse primeiro momento, tá? Pra

culminar aí inclusive na medalha do Jovane que nós conseguimos em Londres em 2012.

Você falou bastante do papel da UNICAMP e do início da Esgrima em Cadeira de

Rodas na Uniararas. Queria que você comentasse um pouco sobre o papel e a

importância da universidade no desenvolvimento dessa modalidade. Quais

instituições mais se destacaram nesse meio?

Olha, a UNICAMP, como eu disse pra você, foi o berço de tudo, né? Os nossos

primeiros trabalhos começaram aí, justamente com um trabalho com surdos e que... O

que é interessante, é que a partir daí, muitos estudos começaram a surgir a partir de

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outros pesquisadores que se interessaram pela Esgrima e se envolveram com a Esgrima,

né? A ciência, não só pra Esgrima, mas pra qualquer esporte, é fundamental pro

desenvolvimento de várias áreas dentro da modalidade. Seja na área pedagógica, seja na

área científica de treinamento, enfim, seja na área de gestão... Se você não tiver essas

ferramentas, até pra ter condições de conhecer melhor o esporte, poder conduzir um

melhor esporte em todas as áreas que ele pode atuar, ao mesmo tempo capacitar

profissionais, você precisa ter essas ferramentas de conhecimento. Isso só se produz por

meio da ciência. O grande problema é que, ao menos na Esgrima convencional, ela, ela

sempre teve muito afastada da academia, né? Da universidade... Ainda na Esgrima

convencional, ah... Os trabalhos, eles são profissionais, mas não estão próximos da

ciência. Diferente da Esgrima em Cadeira de Rodas que eu acho que, por ter trilhado

esse caminho e ter o apoio de... De professores, acadêmicos, é... Nos deu condição de

criar um melhor planejamento pro desenvolvimento da modalidade no Brasil. Ou seja,

ao invés de pensar já lá na frente em medalha, em conquista, enfim... Por meio

justamente de conhecer, ter o apoio de profissionais, de acadêmicos... De começar a

trabalhar a base primeiro, a formação profissional, enfim... Seguir os caminhos que vão

dar sustentação pra um futuro promissor, né? A UNICAMP foi fundamental nesse

sentido sim. A Uniararas, eu falo da Uniararas porque lá foi um polo inicial da Esgrima,

né? Muita gente não sabe, mas o primeiro grupo foi lá. Depois que começou a surgir em

outros lugares gradativamente, né? É... Foi assim que nós começamos. O problema

agora é que nós temos um grande desafio, né? É... Hoje, a Esgrima, ela... Ela cresceu

num primeiro momento mas agora ela tá começando a estacionar porque ela está restrita

aos lugares que ela sempre esteve, de maneira geral concentra onde está a Esgrima

convencional. O grande desafio agora, é levar Esgrima pra outros lugares aonde tem

associações com pessoas com deficiência mas não tem Esgrima. E o pior: Não tem o

profissional que ensina Esgrima. É aí que vem a parte de formar esses profissionais, pra

que a Esgrima possa chegar em outras capitais... Coisa que a Esgrima convencional

nunca investiu e por isso fez ela ficar estacionada somente às capitais da região sudeste

e sul.

Após a conquista da medalha de ouro em Londres, teve mais investimentos e

aumento de perspectivas de medalhas aí pra nossa Esgrima?

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Olha, é... eu e o nosso técnico nacional, César Leiria, a gente fala a seguinte frase: “A

medalha do Jovane, ela não representa a realidade da Esgrima brasileira.” Por que nós

estamos querendo dizer isso? Que nós... A medalha do jovane é um conjunto de fatores

que deram certo e ao mesmo tempo a sorte imensa de ter encontrado um atleta com

uma... Com um talento absurdo. Do ponto de vista não só de estrutura orgânica, enfim,

biológica... Mas também é... Todas as... É... O momento de apoio que nós tivemos. Isso

culminou realmente, potencializou as chances do Jovane conseguir a medalha dele em

Londres, né? Nós fizemos um planejamento muito bem feito também... Potencializou as

chances dele. Porém, daqui pra frente, é... Pra nós entrarmos entre os melhores do

mundo, vamos ter que fazer muita coisa pra poder evoluir. Claro! Houve mais

investimento, né? Os investimentos, principalmente de apoio ao atleta, isso ocorreu, a

modalidade passou a receber até um pouco mais de recursos do que recebia antes, mas

ainda não é suficiente para que nós possamos é, avançar de maneira efetiva... Hoje o

esporte de alto rendimento envolve grandes somas pra que você possa dinamizar todas

as possibilidades, né? Pra ampliar, não só desenvolver, mas também, é... Criar um

ambiente pra possíveis medalhas de forma efetiva. O Jovane é da categoria B, A

categoria B, é uma categoria forte. Mas... O grande desafio nosso agora é conseguir

brilhar na categoria A. Que é o top da Esgrima em cadeira de Rodas... E aí a Esgrima

nossa, no Brasil, tá realmente muitos anos-luz atrás, tem que trabalhar muito pra um dia

estar entre os melhores da categoria A.

Eu queria saber se o CPB vem trabalhando pra angariar novos atletas e se tá

havendo um processo aí de renovação de atletas. Como está isso?

Olha, por parte do Comitê eu noto que o Comitê vem trabalhando sim. Vem trabalhando

no sentido de cada vez mais conseguir até mais apoio, mais recursos pra modalidade,

né? É... O problema é que a Esgrima é uma modalidade pequena diante das demais

modalidades que têm dentro do Comitê. Então, administrar tudo isso muitas vezes não

é, não é tão fácil assim. Eu sinto que a Esgrima no momento realmente tá passando por

um processo de renovação, é... É uma renovação que vai ser um pouco dolorosa porque

não é tão fácil achar um “Jovane”, então, agora que vai entrar o nosso projeto de

formação efetiva de profissionais e de, é... Ampliar os espaços de prática pra que nós

possamos ter mais gente, ou seja: São dois caminhos. Nós vamos ampliar o número de

pessoas praticando Esgrima em cadeira de Rodas pra que a gente possa ter mais gente e

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isso, não que isso seja o único elemento... Mas ele vai criar um ambiente que nós vamos

conseguir tirar bons atletas. Segundo é a capacitação de profissionais que é o nosso

“tendão de Aquiles” hoje ainda... Nós temos poucos profissionais de Esgrima, é...

Somente esgrimistas, técnicos por experiência na Esgrima atuando na Esgrima em

Cadeira de Rodas. Ainda hoje, a Esgrima em cadeira de Rodas, àqueles que trabalham

com a Esgrima no Brasil, não é uma modalidade de é... De profissão e de trabalho. É

muito mais um trabalho ainda voluntariado. E sim a Esgrima convencional pra aqueles

que são técnicos é a modalidade em que as pessoas ganham dinheiro, tem o seu salário...

Então nós precisamos, é... Primeiro aos poucos formar o nosso corpo de profissionais

pelo Brasil que trabalham em associações com deficiência e aí sim eles vão poder se

dedicar somente á Esgrima em Cadeira de Rodas. Então, é um processo de renovação

em todas as áreas, não só na área de formação, mas também entre os próprios atletas,

né? Tá tendo uma renovação aí, devagar, pouco, mas tá tendo né? Com a chegada de

gente nova. Então eu acho que é um momento que a gente tem que olhar com bons

olhos e não achar que é um momento ruim pra Esgrima.

Bom, a gente sabe que o processo de formação de um atleta de ponta é bem longo e

trabalhoso. Queria saber se o CPB vem trabalhando nesse sentido ou se esse

processo se dá mediante as associações e os clubes que já desenvolvem a

modalidade?

Olha, o Comitê na verdade, ainda... Ainda ele tem muito mais uma função de, é... Dar o

suporte do ponto de vista financeiro e de gestão, OK? E é claro: Também de

capacitação, de uma forma um pouco tímida ainda. Muito mais na capacitação de

profissionais pra atuar, como árbitros, como classificador... De técnico, ainda a gente tá

estruturando, é uma coisa mais complicada, mas ainda o berço da formação da Esgrima

são as associações. Aquelas que existem, né? É... Já faz um bom tempo que não surgem

associações novas na Esgrima em Cadeira de Rodas, isso é um pouco preocupante. Mas

não tem, como eu falei, nós não temos treinadores pra atuarem nas associações. O

grande problema aí não é nem tanto a Esgrima em Cadeira de Rodas. É que, mesmo no

Brasil, é... O quantitativo de profissionais que trabalham com a Esgrima é extremamente

pequeno. Então, se esses que já trabalham com a esgrima convencional são poucos,

imagina aqueles que têm interesse em trabalhar com a Esgrima em cadeira de Rodas.

Daí a razão que eu acho que é mais fácil formar o profissional que já atua com o pessoal

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com deficiência, né? Não só no sentido de tá formando ele pra trabalhar com a esgrima,

mas trazer um profissional que por trabalhar com a pessoa com deficiência, por estudar

a deficiência, por se envolver com a deficiência, o compromisso dele e as demandas de

conhecimento, é diferente de um profissional que vem do desporto convencional. Meu

ponto de vista! Eu entendo que esse profissional, uma vez capacitado, ele tem condições

de produzir um trabalho bem melhor.

Há perspectivas de conseguir manter esses formatos de competição realizados

anualmente ou se tem pretensão de realizar mais um campeonato nacional, além

das duas Copas e do Campeonato Brasileiro?

A ideia é aumentar! Nós não aumentamos ainda porque hoje, a Esgrima, ela é quase

99%... Ela é 99% subsidiada pelo Comitê. Hoje ainda o Comitê subsidia quase tudo do

atleta, né? O atleta hoje o que ele paga de maneira geral: O material dele na sala dele,

porque isso é o mínimo que ele tem que fazer. E pra participar das competições ele paga

unicamente a passagem, né? Diferente da Esgrima convencional onde o atleta paga

tudo: Paga inscrição, paga todo o processo de viagem dele... Tem alguns clubes que

apoiam, mas de maneira geral, o atleta subsidia tudo. Pra aumentar mais uma

competição e isso é muito importante que haja, pra você ter uma ideia, comparado com

outros países como Polônia, França... Eles têm o dobro do que nós temos de competição

e um pouco mais, ao longo do ano, né? É... Isso envolve custos! O problema não é que

nós não queremos: É que dada a situação de hoje ainda o Comitê subsidiar muito os

praticantes da Esgrima pra participar dos eventos nacionais, aumentar mais um evento

envolve mais uma demanda de custo que hoje os recursos da modalidade, não têm

condições de abraçar. Porque, senão, nós temos que lembrar que os recursos, eles tem

que ser é... Suficientes não só pra arcar com a organização dos eventos nacionais, mas

também subsidiar aí a participação dos atletas na equipe nacional nos eventos

internacionais. Isso é um custo muito alto.

Como última pergunta, eu gostaria de saber, quais são as perspectivas para o

futuro da Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil após a realização dos Jogos de

2016?

Bom, a perspectiva não é só pra Esgrima, eu acho que pra toda modalidade esportiva,

né? É... Se até então a gente teve um apoio relativo... Eu acho que após os Jogos

Paralímpicos, né? É... Os recursos, eles vão ficar mais escassos. Isso é uma questão não

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só da Esgrima em si, mas de maneira geral, envolve o país, envolve todas as

modalidades esportivas. Mas, é... Isso não impede de nós continuarmos o trabalho que

eu acabei de falar, que é a porta do desenvolvimento da modalidade, se não fizer isso,

eu acho muito difícil a Esgrima crescer, que é investir realmente na capacitação de

profissionais que é o nosso grande problema. Sem profissional de Esgrima capacitado,

que saiba ensinar Esgrima, atuando nos lugares aonde tenham pessoas com deficiência,

nós não vamos evoluir. É muito difícil, isso também... É muito difícil você levar o

esgrimista aos espaços aonde tem sala d’armas. Até tem, né? Vamos lá... Se a gente

comparasse o Brasil com a França, só em Paris você tem mais de 30 salas d’armas, é

diferente... No Brasil tem pouquíssimos lugares, os lugares onde tem sala d’armas são

extremamente fechados, né? Alguns, inclusive, só pra quem é realmente sócio... Então,

o caminho é o inverso, né? Ao mesmo tempo também, levar o técnico de Esgrima, que

depende da Esgrima convencional, trabalha num clube, pra ficar indo em associações...

É um ou outro que a gente consegue fazer isso, né? Da geração que eu conheço... Dessa

geração atual, agora... Eu acho que somente dois faziam isso. Os demais é difícil, ele

não consegue, então é... Se não formar profissionais, bons profissionais em associações

pelo Brasil que já tenham desporto Paralímpico e lá desenvolver a modalidade... Mesmo

que ela não seja num primeiro momento de alto nível, é... Eu tenho plena certeza que

esse é o caminho pra gente poder evoluir. Aliado a isso, claro, aí... Aí sim, a fabricação

de equipamentos no Brasil, né? Pra que a gente possa não depender tanto de material de

fora, como fixador... A cadeira, que já é fabricada aqui, enfim... Quanto mais a gente

fazer com que isso seja um produto nacional, vai facilitar muito pra prática das pessoas

da Esgrima. E desmistificar essa ideia de que a Esgrima é um esporte de elite e que você

primeiro precisa ter dinheiro pra fazer a Esgrima... Não é bem assim.

Entendi. Chegamos ao final de nossa entrevista. Queria que você fizesse só agora,

algumas considerações sobre o que a gente alcançou até aqui e o que nós

pretendemos alcançar e como alcançar esse objetivo de se formar mais

profissionais e dessa maneira tentar expandir pras associações que ainda não têm

Esgrima, mas trabalham com esporte paralímpico, a introdução da Esgrima em

Cadeira de Rodas.

Eu vejo assim, é como eu já falei, eu vejo um futuro bastante promissor pra Esgrima.

Porém, esse futuro promissor, ele tá muito atrelado a essa questão da formação

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realmente de profissionais pra tá atuando em locais aonde não tem Esgrima. Acima de

tudo, sair do grande erro, né? Que ocorreu na Esgrima convencional de centralizar a

Esgrima somente na região Centro-Oeste e Sul do Brasil e nunca ter investido no

desenvolvimento da modalidade em outras regiões. Mas pra que você possa fazer isso,

caímos naquela questão: Se você não tem quem vá lá, ensine e claro, sem ter ao menos

o apoio inicial de alguma associação e assim por diante... É muito difícil. Então, eu vejo

com bons olhos a evolução da Esgrima no Brasil se nós caminharmos nesse sentido.

Uma outra coisa que é importante falar: A Esgrima hoje, ela pertence ao Comitê

Paralímpico, né? E quem representa a IWAS, é o Comitê Paralímpico. Mas, eu acho que

conforme a Esgrima evoluir, não só a Esgrima como outros esportes, mesmo

internacionalmente, a tendência é caminhar pras suas federações internacionais e por

consequência a sua federação nacional e assim por diante... Como existe na Esgrima

convencional, né? A Esgrima convencional, ela não tá dentro do Comitê Olímpico

Brasileiro. Ela tem uma Confederação Brasileira de Esgrima. Muito provavelmente, a

Esgrima em Cadeira de Rodas também, isso não vai ser tão cedo, isso vai demorar, né?

O dia que ela tiver realmente autonomia e estrutura pra isso, provavelmente também vai

partir pra uma federação... Confederação nacional e ela vai tá conectada com as

federações estaduais e assim sucessivamente. Mas enfim, o primeiro passo foi dado, a

Esgrima, nós chegamos agora no Campeonato Brasileiro que teve esse ano (2015)

aonde nós tivemos em torno de 42, 43 atletas participando dessa competição. O nível

ainda não é um nível altíssimo, né? Com exceção aí do Jovane e os atletas de seleção

nacional, mas, é... O caminho tá sendo muito bem feito! Do ponto de vista de

organização, dos profissionais que tão envolvidos com a Esgrima, é... De atletas, com

seus treinamentos, né? E acima de tudo o envolvimento do Brasil, dos profissionais do

Brasil hoje internacionalmente. Hoje nós temos o Professor Edison Duarte que já é um

dos melhores classificadores do mundo na Esgrima e já foi até convidado pra assumir o

departamento de classificação funcional da IWAS. Atualmente nós temos o mestre,

professor Eduardo Romão Gomes que é o chefe da arbitragem da IWAS na Esgrima,

né? É... Eu hoje também trabalho dentro de uma comissão, é... Da comissão de esportes

da IWAS, já fui membro executivo da Federação Internacional de Esgrima em Cadeira

de Rodas, ou seja: A Esgrima brasileira em Cadeira de Rodas tá se fazendo representar!

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Não só na gestão, mas no desenvolvimento da modalidade, na América Latina e... Na

América de uma maneira geral.

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APÊNDICE II

ENTREVISTA COM SUJEITO 2: TÉCNICO DE ESGRIMA EM CADEIRA DE

RODAS

O senhor já vinha de uma trajetória na Esgrima antes de se envolver com a

Esgrima em Cadeira de Rodas. Como se deu o primeiro contato com a modalidade

na sua versão adaptada?

Através de um Curso de capacitação em Esgrima em Cadeira de Rodas para técnicos de

Esgrima convencional, organizado pelo CPB na minha cidade, Curitiba.

Basicamente as regras da Esgrima em Cadeira de Rodas são as mesmas da

modalidade convencional. Considerando a situação das pessoas com deficiência,

quais foram os maiores desafios ao se trabalhar com esse público?

As maiores dificuldades não estão ligadas ao treinamento em si, mas sim às instalações

e equipamentos. Poucos locais têm acessibilidade e as cadeiras de rodas específicas para

esgrima e o fixador são materiais caros.

Em especial, em Curitiba, a ADFP já desenvolvia atividades com o esporte

adaptado, como a Esgrima em Cadeira de Rodas chegou nesta associação?

Através do Professor Darlan Ciesielski, apesar de nunca ter feito esgrima, após um

curso de capacitação iniciou com a modalidade na ADFP, associação em que ele

trabalha.

De quem partiu o interesse por essa modalidade esportiva? Foi um movimento

interno da associação ou o interesse partiu dos próprios atletas?

O interesse partiu do professor Darlan.

Antes da modalidade se estabelecer na ADFP, alguns desses atletas já possuía

alguma experiência na Esgrima ou o trabalho se iniciou do zero?

O trabalho iniciou do zero.

Houve ajuda e parceria com sala d’armas já existente em Curitiba?

No início, com o professor Darlan houve apoio da UFPR, quando eu entrei na ADFP

prestando trabalho voluntário, levei os atletas para a academia em que trabalhava AMK

- Academia Mestre Kato de Esgrima.

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Quanto aos materiais para os atletas da ADFP, gostaria de saber se em relação a

isso, a própria associação forneceu os primeiros conjuntos (armas, coletes,

máscaras, cadeiras) ou desde o início, os materiais ficaram por conta dos próprios

atletas?

No início o material foi emprestado pela UFPR.

Dentro da ADFP, quais foram os primeiros atletas a participarem da Esgrima em

Cadeira de Rodas?

Roseli Lemos, Rodrigo Massarutt e Ana Lu Pinheiro.

Em relação aos treinadores, como se dá o trabalho realizado com os atletas? É um

tipo de trabalho voluntário ou existe remuneração?

Eu trabalhei por quatro anos como um voluntário, no último ano recebia uma ajuda de

custo.

Dentro das atuais conjunturas, tendo como foco o estado do Paraná, já é possível

pensar em constituir uma federação estadual da modalidade?

Já existe uma Federação Estadual.

Muitos atletas da ADFP se destacaram nacionalmente ao longo desses anos.

Técnicos também, o senhor mesmo faz parte da comissão técnica do Comitê

Paralímpico Brasileiro. Para finalizar, a que se devem esses resultados e como você

vê as futuras projeções da associação?

Acredito que os resultados positivos são reflexos de vários fatores que contribuíram

para isso: profissionais capacitados, aumento do número de atletas na base, abertura das

salas d'armas de esgrima convencional para os atletas paralímpicos (menor segregação,

maior integração e cooperação nos treinos), aquisição de equipamentos apropriados

(alguns emprestados pelo CPB), investimento do CPB em capacitação dos profissionais,

participação da Seleção em Competições internacionais.

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APÊNDICE III

ENTREVISTA COM SUJEITO 3: ATLETA DE ESGRIMA EM CADEIRA DE

RODAS

O senhor foi um dos atletas pioneiros dentro dessa modalidade no Brasil, praticada

por pessoas com deficiência física. Gostaria que falasse um pouco sobre sua vida

antes e após o acidente.

Sofri um acidente de trânsito em junho de 1996, nesta época eu já trabalhava na Nestlé

Brasil em Araras onde estou até o momento. Antes da fatalidade que provocou a

amputação de meu ante pé direito, praticava vários esportes uns de forma amadora e

outros como hobby, os principais eram: futebol, natação, basquete, tênis de mêsa e

maratonas. Após o acidente, foi muito difícil cair a ficha de que estava com um pé

amputado, não correria mais, não jogaria mais os campeonatos amadores de futebol, (e

sabendo que meu nível de amputação é muito complicado, não tem uma boa adaptação

com próteses), mas a natação eu sabia que poderia continuar, e isso já me dava alguma

esperança, pois longe do esporte tudo iria perder o colorido na vida.

Foi em minha reabilitação que tive o privilégio de ser convidado por uma pessoa

próxima de minha família (Maria José Morsoletto), fisioterapeuta e irmã de meu

cunhado, a conhecer um projeto de extensão da Unicamp onde fui apresentado a

esgrima paralímpica, (ano de 1999), sendo que já gostava muito deste esporte pois já

conhecia a esgrima convencional por ter um cunhado que hoje é aposentado da AFA,

foi lá que tive o primeiro contato com a esgrima vendo as competições militares e

também foi a primeira sala d’armas que conheci. #(curiosidade):Minha mãe falava que

quando eu tinha uns 4 anos de idade, todos os dias eu fazia uma espada de madeira, com

prego e tampas de latas, tinha uma capa do zorro e uma máscara que ela mesmo fez pra

mim, a prova disso foi que depois de muitos anos quando eu já estava com 16 anos ela

me mostrou um feixe amarrado com uma fita vermelha, com muitas espadas feitas por

mim na infância também tem uma foto muito antiga onde eu estava prendendo um

bandido que era meu avô (eu estava com a capa, a máscara e espada como sempre)

enfim, as espadas faziam parte da minha vida, concluo que a esgrima sempre foi uma

grande paixão da minha vida, assim como o violão e a música.

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O acidente que sofri, levou uma parte de meu corpo muito importante, sem dúvida, faz

muita falta, mas em contrapartida, trouxe para minha vida uma grande paixão, a esgrima

podendo ser praticada de verdade.

Fale um pouco sobre como conheceu a Esgrima. Como ficou sabendo da

modalidade e como se tornou atleta?

Conheci no projeto de extensão com atividades físicas adaptadas que veio da Unicamp

para Uniararas, através do mestre Válber Nazareth (meu professor, mestre, e primeiro

técnico). Fiquei sabendo da modalidade através de minha fisioterapeuta, me tornei atleta

após o acidente de trânsito. ( a resposta está mais detalhada no item anterior).

Em qual ano os treinamentos começaram de fato com os materiais e quais foram

as primeiras competições nacionais? Aonde foram e quantos atletas havia em

média?

Em 2002/2003, antes não tínhamos material nenhum. A primeira competição nacional,

foi em 2005 em Porto Alegre, contava com 11 atletas: eu, Edilás, Amilton, Emanuel e

Rabello, (S.P), Paulo Emílio (Recife), Maurício, Lauro, André, Timóteo e Daiane (RS).

Mas de São Paulo só participou eu e o Amilton. No mesmo ano tivemos o mundial de

modalidades no Rio de Janeiro (competição que antecedeu o pan-americano). Em média

eram 10 atletas nessa época.

No início, os atletas praticantes eram poucos e a ECR tem um critério de

classificação funcional de acordo com a deficiência dos atletas, alocando-os em

diferentes categorias. Como funcionavam as competições nesse sentido, dado o

baixo quórum de participantes?

No início, só eu o Amilton e o Edilás éramos classificados funcionalmente, minha

classificação foi em 2003 na copa do mundo de Lonato (Itália) como categoria A4,

jogávamos todos misturados aqui no Brasil, não tinha categorias específicas de acordo

com o grau de limitações dos atletas, e a Daiane jogava no meio dos homens só tinha ela

de menina no grupo.

Após alguns anos na Esgrima, o senhor foi convocado pelo CPB a compor a seleção

brasileira de ECR. Em quantos torneios internacionais o senhor esteve? Quais

foram e aonde foram?

Participei de quatro torneios internacionais. Em 2003 a entidade que fazia a gestão da

esgrima era a ABRADECAR (associação brasileira de desportos em cadeira de rodas) o

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presidente era o sr. Ciraldo Reis, e neste ano participei do meu primeiro campeonato

internacional, a copa do mundo de Lonato na Itália, fomos eu o Amilton o Edilas e a

Andrea de Mello que mora nos Estados Unidos (N.Y.), nesta competição quem tivesse

melhor resultado teria chances de ir para copa do mundo de Varsóvia Polônia e eu

fiquei melhor colocado do time nesta competição sendo o atleta masculino convocado

para representar o Brasil na copa do mundo de Varsóvia em 2003 também. Em 2005 o

Comitê Paralímpico Brasileiro já fazia a gestão da esgrima e participei do Mundial de

Modalidades no Rio de Janeiro,(eram os mesmos atletas das copas do mundo), e em

2007 fui novamente para a copa do mundo de Varsóvia na Polônia.

No sul do Brasil, especificamente no Paraná (Curitiba) Rio Grande do Sul (Porto

Alegre) a ECR surgiu em associações como a ASASEPODE e a ADFP. No início

das competições nacionais, o senhor representava alguma associação/entidade do

estado de São Paulo ou competia por si mesmo, como pessoa física?

No início eu representava o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) e o treinador

era o Marcos Cardoso do ECP (Esporte Clube Pinheiros). Lembrando que as duas

primeiras copas do mundo eu representava a Uniararas ano de 2003.

Após alguns anos, com o aumento do número de praticantes, a ECR no Brasil

passou a contar com a organização das competições pautada também no critério

de classificação funcional, separando assim os atletas em categoria A, B e C. O

senhor se lembra qual foi o primeiro campeonato que isso aconteceu?

A partir de 2007 começou a divisão por categorias nos campeonatos nacionais, para

mim o primeiro campeonato valendo as divisões de categoria foi em 2008.

Após 2011, o senhor entrou para a ADEACAMP, sua atual associação, como se

deu sua entrada na equipe?

Em 2011, fui para o campeonato Brasileiro em Porto Alegre sem equipe, o CPSP fez

minha inscrição, mas não tive nenhum suporte técnico na competição, fazia tudo

sozinho, e foi aí que conheci o Luiz que era o técnico da Adeacamp, ou melhor, eu já o

conhecia devido um estágio que ele fez com o pessoal do CPB, mestre Jean da França, e

como eu estava sem equipe, ele me convidou para fazer parte da Adeacamp, o que me

deixou muito feliz, pois voltaria fazer parte de uma equipe multidisciplinar completa.

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Como o senhor vê a importância de um atleta em estar vinculado à uma associação

e qual a relevância da ADEACAMP em sua vida de atleta (Quais papéis

desempenha, como ajuda)?

É essencial o vínculo com uma entidade que nos represente assim como nós também a

representamos e a defendemos, sempre gostei de vestir uma farda e defender um time

com objetividade e sem uma associação não temos como caminhar, acredito que um

depende do outro, para que o sucesso aconteça para ambas partes. A ADEACAMP tem

um papel de grande relevância em minha vida, primeiro que vejo isto como uma outra

família que faço parte e com muito orgulho, e carinho, lá somos primeiramente amigos

que se apoiam, não só dentro da arena, mas no cotidiano da vida também, eu ganhei

grandes amigos dentro desta associação e isto não tem preço para mim. Infelizmente

meu trabalho secular não permite estar presente como deveria, isso é que me chateia um

pouco, mas sei que logo poderei me dedicar muito mais e consequentemente agregar

maiores valores tanto para mim quanto para a associação, já estou agendando com a

previdência social a minha entrada da aposentadoria por tempo de trabalho, isso é que

me anima muito. Segundo que fazer parte de uma associação vinculada a Unicamp é um

privilégio, é uma entidade de reconhecimento internacional, todo mundo conhece ou já

ouviu falar, tem muita credibilidade.

Por fim, para encerrar, gostaria que comentasse um pouco sobre, na perspectiva

de um atleta, como vê a evolução da ECR no Brasil considerando o ponto de

partida e o patamar no qual a modalidade se encontra hoje. Como vê a ECR no

Brasil em mais alguns anos (considerando até Tóquio 2020)?

É muito prazeroso ver onde a ECR chegou, posso dizer isto porque fiz parte da

concepção da modalidade, nasci junto com ela no país, isto ninguém pode tirar de mim,

a história já foi escrita e sou muito feliz por fazer parte dela, faço de tudo para divulgar

a esgrima por onde passo, ontem (dia 09/11/2016) tive mais um sonho realizado e a

responsável por isso é a esgrima, fui homenageado pela comissão interna de prevenção

de acidentes no trabalho (CIPA) onde trabalho (Nestlé), pois estamos passando pela

semana da SIPAT – semana interna de prevenção de acidentes no trabalho, e mais uma

vez a esgrima se fez presente, desta vez foi em uma atividade feita por uma empresa

terceira contratada que é especializada em eventos deste tipo, então teve uma atividade

chamada Olimpíada da Segurança, onde tivemos vários esportes adaptados sendo

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apresentados fazendo link com a prevenção de acidentes. Antes deste evento começar,

fui surpreendido pelo organizador que antes mesmo de passar a palavra ao gerente Geral

da fábrica, me anunciou como um colaborador que é campeão brasileiro paraolímpico

de esgrima, e com uma réplica perfeita da tocha olímpica pediu que eu fizesse uma

pequena condução da mesma pelo local onde acontecia o evento, fiquei muito feliz,

simbolicamente foi um sonho realizado, claro que não foi nas olimpíadas, mas tive

oportunidade de citar com muito orgulho os amigos que conheço e que conduziram a

tocha pelo nosso país, também aproveitei para dizer que estava fazendo um treinamento

para que em 2020 eu já tenha experiência para conduzir o fogo olímpico representando

a esgrima, sei que é muito pretencioso, mas: “sonho que se sonha só, é só um sonho que

se sonha só” mas “sonho que se sonham juntos é REALIDADE”, e por aqui, não só

minha família de sangue, mas todos colegas sonham juntos comigo a realização de mais

esta proeza, e porque não? 50% de não eu já tenho, os outro 50% de sim, cabe a mim

correr atrás, e é o que estou fazendo.

Vejo que o Brasil tem muita coisa boa para apresentar em 2020, tenho certeza que

iremos surpreender e inspirar muitos que estão ao nosso lado.

Obrigado amigo, técnico, parceiro, e grande mestre: Cris.

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APÊNDICE IV

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Esgrima em cadeira de rodas no Brasil: histórico e perspectivas da modalidade

CAAE: 43519415.0.0000.5404

Esse é um termo de consentimento livre e esclarecido, parte do projeto de pesquisa de

mestrado intitulado “Esgrima em cadeira de rodas no Brasil: histórico e perspectivas da

modalidade”, realizado pelo aluno Cristiano Zago Damas Garlipp, orientado pelo

Professor Doutor Edison Duarte, da Faculdade de Educação Física da Universidade

Estadual de Campinas. Este documento será feito em duas vias e lhe assegura direitos e

deveres como participante voluntário da pesquisa realizada. Uma das vias ficará em seu

poder e a outra com o pesquisador. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando

para esclarecer suas dúvidas. Se houverem perguntas antes ou mesmo depois de assiná-

lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e

consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não

quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum

tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e Objetivos

A pesquisa se justifica pelo momento propício ao esporte vivenciado pelo Brasil, com a

realização dos jogos olímpicos e paralímpicos em 2016, pensa-se viver um momento

ímpar na história do país para a Esgrima em Cadeira de Rodas. Esse trabalho possui o

objetivo de realizar um resgate histórico da modalidade no país e elucidar pontos

importantes na atualidade, apontando direções para que o esporte continue a evoluir.

Procedimentos

Participando dessa pesquisa, você está convidado a dar seu depoimento através de

entrevista para relatar suas experiências durante seu envolvimento com a Esgrima em

Cadeira de Rodas no Brasil. A entrevista será rápida e não deverá durar mais do que

quinze minutos. A mesma será gravada e transcrita, mantendo sua identidade em sigilo

caso assim desejara, sendo esta armazenada pelo tempo de seis meses e tendo como

destino final a transcrição integral para a dissertação de mestrado para constar nesse

documento.

Desconfortos e Riscos

Não estão previstos procedimentos que venham a causar desconfortos e riscos de ordem

física, uma vez que o único procedimento para coleta de dados se dará mediante

entrevistas. O único risco previsto ou desconforto se refere às perguntas durante a

entrevista que, no caso, pode ser interrompida por você se julgar que esta gera algum

desconforto. Quanto ao sigilo de informações, os dados serão unicamente utilizados

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para fins acadêmicos, sem nenhuma identificação que possibilite a terceiros obterem

dados como número de cédula de identidade ou CPF, por exemplo.

Benefícios

Não haverá benefício direto pela participação na pesquisa de ordem material ou

financeira. Tal trabalho tem o objetivo de verificar o desenvolvimento histórico da

Esgrima em Cadeira de Rodas no Brasil, utilizando-se para isso, informações de fontes

acadêmicas que possam ser corroboradas com o depoimento de pessoas como você, que

estão acompanhando o desenrolar e a evolução desse esporte no Brasil há mais de uma

década.

Sigilo e Privacidade

Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo caso assim desejar e

nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de

pesquisadores.

Ressarcimento

Caso necessário, haverá ressarcimento de gastos em relação ao transporte e alimentação

e acomodação.

Contato

Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com Cristiano Zago

Damas Garlipp, Avenida Érico Veríssimo, 701, Cidade Universitária Zeferino Vaz,

Barão Geraldo, Campinas/SP. CEP: 13.083-851. TEL: (19) 991397236; E-Mail:

[email protected]

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação no estudo, você pode

entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): Rua:

Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-

8936; fax (19) 3521-7187; e-mail: [email protected]

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Consentimento livre e esclarecido:

Após ter tido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,

benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito

participar:

Nome do(a) participante:

________________________________________________________

_______________________________________________________

Data: ____/_____/______.

(Assinatura do participante)

__________________

Responsabilidade do Pesquisador:

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares

na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento

ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto

foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa

exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o

consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data:

____/_____/______.

(Assinatura do pesquisador)

______________________