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História, imagem e narrativas N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895 http://www.historiaimagem.com.br 194 Medo, terrorismo de Estado e as ditaduras civil-militares de segurança nacional do Cone Sul CORRADI, Juan E.; FAGEN, Patricia Weiss; GARRETÓN, Manuel Antonio (eds.). Fear at the edge: state terror and resistance in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1992. 301 p. Caroline Silveira Bauer Doutoranda em História pela UFRGS [email protected] Fear at the edge: state terror and resistance in Latin America [Medo ao limite: Estado terrorista e resistência na América Latina] é uma obra coletiva publicada em 1992, tendo como editores Juan Corradi, professor de Sociologia na New York University, Patricia Weiss Fagen, membro da United Nations High Commission for Refugees in El Salvador e Manuel Antonio Garretón, membro da Latin America Faculty of Social Sciences em Santiago, Chile. A obra possui um inegável destaque na historiografia sobre as ditaduras civil- militares de segurança nacional do Cone Sul, tanto pelas inovações teórico- metodológicas, debates e discussões, quanto pela pesquisa empírica de seus autores. Uma das principais contribuições dos autores foi abordar o medo sob uma perspectiva política, investigando a chamada “cultura do medo”, prática aplicada sistematicamente pelo terrorismo de Estado implantado na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai nas décadas de 1960 a 1980. Esta abordagem foi característica da produção historiográfica do final dos anos 1980, que procurou novos enfoques para ampliar os limites de análise empregados naquela conjuntura, dominada pelos estudos das transições políticas. As pesquisas relacionadas à reflexão acerca do medo e do terror transcenderam a lógica estritamente política que predominava nos estudos elaborados naquela década ao enfocar aspectos mais subjetivos – porém, sob uma perspectiva política – das sociedades que experimentaram os regimes de terror de Estado.

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medo, terrorismo, história

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  • Histria, imagem e narrativas No 4, ano 2, abril/2007 ISSN 1808-9895

    http://www.historiaimagem.com.br 194

    Medo, terrorismo de Estado e as ditaduras civil-militares de segurana nacional do Cone Sul CORRADI, Juan E.; FAGEN, Patricia Weiss; GARRETN, Manuel Antonio (eds.). Fear at the edge: state terror and resistance in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1992. 301 p.

    Caroline Silveira Bauer Doutoranda em Histria pela UFRGS

    [email protected]

    Fear at the edge: state terror and resistance in Latin America [Medo ao limite:

    Estado terrorista e resistncia na Amrica Latina] uma obra coletiva publicada em

    1992, tendo como editores Juan Corradi, professor de Sociologia na New York

    University, Patricia Weiss Fagen, membro da United Nations High Commission for

    Refugees in El Salvador e Manuel Antonio Garretn, membro da Latin America Faculty

    of Social Sciences em Santiago, Chile.

    A obra possui um inegvel destaque na historiografia sobre as ditaduras civil-

    militares de segurana nacional do Cone Sul, tanto pelas inovaes terico-

    metodolgicas, debates e discusses, quanto pela pesquisa emprica de seus autores.

    Uma das principais contribuies dos autores foi abordar o medo sob uma perspectiva

    poltica, investigando a chamada cultura do medo, prtica aplicada sistematicamente

    pelo terrorismo de Estado implantado na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai nas dcadas

    de 1960 a 1980. Esta abordagem foi caracterstica da produo historiogrfica do final

    dos anos 1980, que procurou novos enfoques para ampliar os limites de anlise

    empregados naquela conjuntura, dominada pelos estudos das transies polticas. As

    pesquisas relacionadas reflexo acerca do medo e do terror transcenderam a lgica

    estritamente poltica que predominava nos estudos elaborados naquela dcada ao

    enfocar aspectos mais subjetivos porm, sob uma perspectiva poltica das

    sociedades que experimentaram os regimes de terror de Estado.

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    Os autores constatam que a cultura do medo , paradoxalmente, um fenmeno

    que no foi sistematicamente estudado pelos pases do Cone Sul, j que este um dos

    principais legados dos das ditaduras instauradas nas dcadas de 1960 e 1970. A

    existncia desta lacuna levou os autores a analisarem os aspectos sociais, psicolgicos e

    ideolgicos dos regimes de segurana nacional, atravs de uma abordagem

    multidisciplinar, com contribuies de especialistas das reas da Sociologia, da Cincia

    Poltica, Psicologia, Letras, Educao, Comunicao e Direitos Humanos.

    O medo que afetou diretamente as sociedades do Cone Sul, segundo os editores,

    originava-se da violncia estatal generalizada, da eroso dos valores pbicos e sociais e

    do constante sentimento de dvida, incerteza e insegurana que se tornara cotidiano.

    Como resultado da aplicao sistemtica do medo pelos regimes de terror, tinha-se a

    imobilidade da sociedade civil, paralisada devido incapacidade de prognosticar o que

    era ou no permitido por esses governos, pois o poder poltico fora arbitraria e

    brutalmente exercido.

    Atravs das experincias coletivas dos pases do Cone Sul, o livro busca

    contribuir a uma abordagem poltica e sociolgica do medo. A implementao do terror,

    caractersticas das ditaduras que dominaram a regio, resultou em nveis sem

    precedentes de insegurana entre os cidados desses quatro pases. A descrio da

    intensidade e profundidade e das mltiplas expresses desta insegurana e as aes de

    oposio e resistncias levadas a cabo para a superao dos efeitos penetrantes do medo

    so alguns dos aspectos levados em considerao pelos autores.

    Os captulos que compe esta obra coletiva so resultado de uma trajetria de

    pesquisa bastante extensa, iniciada em 1980 com o patrocnio da Social Science

    Research Council (SSRC) de Nova Iorque. Nos anos subseqentes, pesquisadores latino

    e norte-americanos e ativistas de direitos humanos apresentaram e discutiram artigos

    que descreviam as dinmicas do Estado terrorista, a natureza do medo poltico e os

    esforos da sociedade civil em contabilizar os efeitos do terror e do medo.

    Concomitantemente iniciativa do SSRC, estudantes e pesquisadores do Cone Sul

    passaram a desenvolver estudos tericos e empricos sobre o impacto do autoritarismo

    nessas sociedades. Com o crescente interesse regional em explorar estas temticas, foi

    realizada a conferncia internacional Cultura do Medo em Buenos Aires em junho de

    1985, cujos textos finais apresentados neste evento so os captulos que formam este

    livro.

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    Uma das primeiras constataes ao final do evento foi que a complexidade e as

    mltiplas possibilidades de anlise do tema cultura do medo requereriam o abandono

    das abordagens clssicas da cincia poltica e da sociologia sobre as ditaduras militares

    e o autoritarismo, pois os golpes e os regimes instaurados nos anos 1960 e 1970 no

    possuem precedentes histricos. Devido ao ineditismo das ditaduras de segurana

    nacional, novas consideraes terico-metodolgicas foram desenvolvidas no mbito

    das cincias humanas para analisar as caractersticas desse perodo. A problemtica do

    medo abriu novas perspectivas sobre a poltica e sobre as relaes entre Estado e

    Sociedade, assim como sobre o poder e a dominao, e elucidou a estrutura institucional

    do medo, suas formas de produo e superao na sociedade, a psicologia social do

    medo e seus efeitos nas vtimas e nos perpetradores.

    Para abranger o maior nmero possvel de perspectivas, o livro foi dividido em

    quatro partes: a primeira parte destina-se definio e caracterizao da cultura do

    medo; a parte dois examina as diversas formas de implantao do medo nos pases do

    Cone Sul; a terceira parte analisa as diferenas e similitudes entre as manifestaes do

    medo e as condies em que o medo foi combatido e eliminado; a parte quatro,

    encerrando o livro, discute os legados e as seqelas polticos, sociais, econmicos e

    culturais do medo na sociedade.

    A parte I, Fear and Authoritarianism [Medo e autoritarismo], composta pelos

    artigos Fear in Military Regimes: An Overview [Medo em Regimes Militares: Uma

    viso geral] do cientista poltico Manuel Antonio Garretn e Some People Die of Fear:

    Fear as a Political Problem [Algumas Pessoas Morrem por Medo: o Medo como um

    Problema Poltico] do socilogo Norbert Lechner. Nestes estudos, o medo abordado

    sob uma perspectiva poltica, relacionado s caractersticas peculiares das ditaduras de

    segurana nacional do Cone Sul das dcadas de 1960 e 1970.

    Garretn inicia seu captulo propondo um esquema de anlise da natureza e do

    desenvolvimento do medo nas ditaduras do Cone Sul. Este esquema fornece distines

    entre as vrias formas de medo (por exemplo, as provenientes da certeza e do

    desconhecido) e entre as vtimas do medo (os vencidos e os vencedores). O autor aplica

    estas distines s vrias fases pelas quais as ditaduras do Cone Sul passaram: um

    perodo inicial de represso predominante; uma fase transformacional; um momento de

    crise; uma fase terminal; e um perodo de transio para um regime no-autoritrio. Em

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    cada caso, as formas predominantes de medo e de resistncia ao medo so examinadas.

    Garretn tambm discute o legado do medo e os passos dados para superar este legado.

    No outro artigo, Lechner aponta que o medo est intimamente ligado ordem e

    que, nesta conjuntura, a diversidade latino-americana passou a ser percebida como

    desordem e no como pluralidade de concepes e valores. Como conseqncia, gerou-

    se uma cultura do medo assentada na concepo do outro onipresente como

    instaurador da desordem (diversidade), para quem foi direcionado toda a ameaa social.

    Desta forma, o autoritarismo passa a ser aceito, tolerado, pois prope resolver as

    diferenas atravs da manipulao deste medo. O objeto das ditaduras militares ao

    fomentar este medo do outro buscar, forosamente, uma integrao da sociedade,

    atravs da eliminao da contestao e da crtica.

    A segunda parte, Constructing Cultures of Fear [Construindo Culturas do

    medo], agrupa os trabalhos de Patricia Weiss Fagen (Repression and State Security

    [Represso e Segurana de Estado]); de Sofia Salimovich, Elizabeth Lira e Eugenia

    Weinstein (Victims of Fear: The Social Psychology of Repression [Vtimas do Medo: a

    Psicologia Social da Represso]); de Juan Rial (Makers and Guardians of Fear:

    Controlled Terror in Uruguay [Perpetradores e Guardies do Medo: o Terror

    Controlado no Uruguai]); e de Jean Franco (Gender, Death, and Resistance: Facing the

    Ethical Vacuum [Gnero, Morte e Resistncia: Confrontando o Vcuo tico]). Baseado

    nos esquemas analticos desenvolvidos na primeira parte do livro, a parte II examina as

    especificidades de criao e difuso do medo em cada uma das ditaduras do Cone Sul e

    o impacto nas vtimas e nos perpetradores do terror.

    O artigo de Patricia Weiss Fagen analisa os aparatos repressivos argentino,

    brasileiro, chileno e uruguaio. A autora descreve as justificativas fornecidas pelos

    militares para a tomada do Estado e para o exerccio arbitrrio do poder poltico, como,

    por exemplo, a constatao de que a nao enfrentava uma guerra contra um inimigo

    ideolgico metaforicamente comparado a um cncer, que destruiria a sociedade caso

    no fosse extirpado. Este tipo de justificativa foi utilizado para legitimar a intensa

    represso aos inimigos desses regimes. Fagen analisa a ideologia e a prtica da guerra

    interna travada pelas ditaduras militares do Cone Sul, apresentando as mudanas nas

    instituies do Estado e a exposio da sociedade civil represso estatal, enfatizando

    as foras de segurana militares e os aparatos de segurana.

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    Sofia Salimovich, Elizabeth Lira e Eugenia Weinstein analisaram a experincia

    da Fundacin de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas, uma organizao que vem

    trabalhando com ex-exilados e vtimas de tortura no Chile. As autoras exploram as

    dimenses culturais e psicolgicas do medo em situaes repressivas como a vivida no

    Chile aps o golpe de Estado de 1973, descrevendo a gnese do medo, oriunda das

    prticas (ou do conhecimento das prticas) de seqestro, tortura e exlio. Ao longo do

    texto, so estudados os traumas psicolgicos desenvolvidos pelas vtimas, que perdem a

    habilidade de enfrentar a realidade e perdem, tambm, a noo entre os limites da

    imaginao e da realidade. As pesquisadoras concluem que as mudanas ocorridas na

    sociedade chilena por ocasio da implantao do terror provocaram uma inibio no

    desenvolvimento das relaes interpessoais, aumentando o sentimento de insegurana e

    mudando os valores sociais.

    A pesquisa de Juan Rial sobre o caso uruguaio aborda trs questes: a

    vulnerabilidade da sociedade uruguaia imposio do autoritarismo, a poltica das

    prises em massa e os mecanismos de ao desenvolvidos contra a cultura do medo. A

    prtica repressiva do encarceramento em grande escala da populao foi uma das

    especificidades da ditadura uruguaia. Diferentemente de outros regimes, os prisioneiros

    polticos no eram assassinados ou desaparecidos, mas permaneciam anos detidos em

    condies precrias, com o claro objetivo de destruir a personalidade do preso. Esta

    tcnica fazia parte de uma estratgia mais ampla, que objetivava disseminar a apreenso

    e a insegurana na populao. O sucesso do regime uruguaio neste aspecto foi

    significativo: aps o perodo ditatorial, a sociedade encontrava-se silenciada, atomizada

    e sem esperana.

    Finalizando a segunda parte, o artigo de Jean Franco insere as experincias

    ditatoriais do Cone Sul das dcadas de 1960 a 1980 dentro do escopo do que a autora

    caracteriza como um vcuo tico da sociedade ps-moderna. Primeiramente, Franco

    desenvolve o argumento de que os mtodos de controle social atuais, baseados no

    extermnio, extrapolaram os limites da experimentao cientfica. A autora prossegue

    analisando as aes das vtimas e dos perpetradores da violncia como manifestaes de

    diferenciao de gnero. Atravs de testemunhos sobre a priso e tortura na Argentina,

    Chile e Uruguai, examina a resistncia dos movimentos de mes e familiares, expondo

    que a luta das mes, fundamentada em uma tica de sobrevivncia, transformou estes

    movimentos em organizaes muito fortes.

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    A parte III, Resources, Strategies, and Constraints: Fighting Fear [Recursos,

    Estratgias e Restries: Combatendo o Medo], rene os artigos Resistance to Fear in

    Chile: The Experience of the Vicara de la Solidaridad [Resistncia ao Medo no Chile:

    A experincia da Vicara de la Solidaridad] de Hugo Fruhling; Fear of the State, Fear of

    Society: On the Opposition Protests in Chile [Medo do Estado, Medo da Sociedade: A

    respeito dos Protestos de Oposio no Chile] de Javier Martnez; Testimonial Literature

    an the Armed Struggle in Brazil [Literatura testemunhal e a luta armada no Brasil] de

    Joan Dassin; Cultures of Fear, Cultures of Resistance: The New Labor Movement in

    Brazil [Culturas do Medo, Culturas de Resistncia: o Novo Movimento Operrio no

    Brasil] de Maria Helena Moreira Alves; Youth, Politics, and Dictatorship in Uruguay

    [Juventude, Poltica e Ditadura no Uruguai] de Carina Perelli; Strategies of the Literary

    Imagination [Estratgias da Imaginao Literria] de Beatriz Sarlo; e Beyond Fear:

    Forms of Justice and Compensation [Alm do Medo: Formas de Justia e

    Compensao] de Emilio Mignone. A terceira parte deste livro busca responder s

    questes que os autores da obra coletiva consideram mais importantes, que se

    relacionam temtica da resistncia ao medo. A imunidade ao medo gerado pelo

    terrorismo de Estado, os processos psicolgicos que levam ao controle do medo, a

    criao de ncleos de resistncia nas esferas pblica e privada e, finalmente, os tipos de

    resistncia que se desenvolveram so algumas das temticas encontradas no conjunto

    desses artigos. A principal concluso dos autores desta parte que a resistncia a

    regimes autoritrios que utilizam o medo como forma de dominao poltica no uma

    ocorrncia espordica ou excepcional, mas uma prtica cotidiana.

    O trabalho de Hugo Fruhling explicita como duas organizaes de direitos

    humanos chilenas constituram-se para prover alguma forma de oposio e resistncia

    ao regime de Pinochet. Funcionando sob o auspcio da Igreja Catlica, estas

    organizaes criaram espaos institucionais de proteo s vtimas da ditadura,

    fornecendo assistncia legal e material e fomentando a resistncia. Estes grupos,

    segundo o autor, tiveram um papel determinante no questionamento legitimidade da

    ditadura chilena e na reorganizao da atividade poltica no Chile durante o perodo de

    redemocratizao.

    O estudo dos movimentos de protesto no Chile por Javier Martnez enfatiza os

    processos pelos quais o medo dominado por grupos de opositores, isto , examina a

    cultura, a estrutura social e as personalidades daqueles que so imunes ao medo

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    aplicado pelo Estado. A pesquisa emprica de Martnez sofre uma grande influncia do

    modelo terico desenvolvido por Juan Corradi no captulo de encerramento do livro.

    Joan Dassin e Beatriz Sarlo elucidam em seus estudos a importncia da literatura

    como um indcio das transformaes sociais ocasionadas pela implantao do medo em

    uma sociedade. A Literatura torna-se, assim, objeto de estudo e evidncia de aplicao

    de uma cultura do medo em determinada sociedade. Questes relativas oposio entre

    discursos oficiais, extra-oficiais e de oposio, mudana no papel social dos autores,

    relao entre autor e leitor, o impacto da censura e da auto-censura, anlise da

    literatura produzida no exlio, s conseqncias do terror na literatura e, por fim, s

    implicaes em envolver-se com atividades culturas de protesto so algumas das

    temticas trabalhadas pelas autoras.

    Focalizando os metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema, em So

    Paulo, Maria Helena Moreira Alves descreve como um setor da sociedade brasileira

    superou a desarticulao e o medo no processo de construo de um movimento

    operrio durante o perodo de redemocratizao. Ao longo da ditadura brasileira, os

    metalrgicos, assim como os demais trabalhadores sindicalizados, tiveram seus direitos

    trabalhistas cerceados e foram proibidos de reunirem-se em suas associaes e de

    realizarem greves. A autora enfatiza dois fatores decisrios na manuteno da coeso

    entre os metalrgicos no combate desigual contra o regime e contra os empresrios: a

    legitimidade social que a realizao de greves possua na conjuntura e o compromisso

    com a democracia participativa e com o sindicato.

    Carina Perelli analisa em seu artigo a trajetria poltica dos estudantes

    secundaristas uruguaios a partir da rearticulao de uma oposio poltica no Uruguai.

    Identificando trs geraes de atores: os adultos autistas, os jovens marranos e os

    adolescentes da contracultura, Perelli descreve os meios que eles encontraram para

    preservar ou criar formas de oposio. De acordo com a autora, a ordem dos militares

    de eliminar o pensamento contestatrio do perodo anterior ao processo de autoritarismo

    e sua inabilidade em fornecer subsdios para a criao de uma nova mentalidade,

    contriburam para a organizao estudantil, que passou de uma oposio clandestina a

    uma forma de militncia poltica organizada.

    Encerrando a penltima parte do livro, o captulo de Emilio Mignone aborda a

    questo da justia e da compensao na Argentina sob duas perspectivas: uma,

    macroestrutural, que enfoca as contradies e falhas na aplicao do medo pelo Estado

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    e, outra, um estudo da resistncia visto de baixo, onde se confluem os pequenos desafios

    e os grandes movimentos de protesto. Em momentos como os vividos pela sociedade

    argentina onde houve o juzo s juntas militares que as esperanas em um poder e em

    preceitos democrticos so renovadas.

    Encerrando a obra, a parte IV, A look ahead [Um olhar frente], composta do

    captulo Toward Societies without Fear [Rumo a Sociedades sem Medo] de Juan

    Corradi, reflete sobre a inevitabilidade e os recorrentes ciclos de medo na sociedade,

    suas razes ideolgicas, e as formas de organizao social que so construdas sobre e

    contra o medo. Alm disso, o autor aborda as questes sensveis com as quais as

    democracias que sucedem os regimes autoritrios tm que lidar. Para o autor, h uma

    necessidade de estabelecer um corte simblico entre o passado e o presente, como forma

    ritualstica de renovao. No entanto, esta medida pode-se tornar uma nova fonte de

    insegurana, pois o medo em relao ao passado pode transformar-se em nova fonte de

    insegurana. A tenso entre punio e reconciliao presente nos debates sobre justia e

    compensao leva as sociedades a refletirem sobre o prprio conceito de democracia.

    A partir da publicao de Fear at the edge: state terror and resistance in Latin

    America em 1992, a obra tornou-se referncia obrigatria para os pesquisadores das

    ditaduras de segurana nacional do Cone Sul. As contribuies relativas

    multidisciplinaridade e o fornecimento de aparatos terico-conceituais proporcionaro,

    ainda, uma srie de novas abordagens a temticas j estudadas e abriro um campo de

    possibilidades de estudos de questes inditas.