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Cooperação Internacional em Saúde: a Estratégia do Círculo de Fogo (Abrasco – 2015)
A Evolução da Cooperação Internacional em Saúde no Pós-Segunda Guerra Mundial
Goiânia, 28 de julho de 2015
Um Roteiro
1. Capitalismo, saúde internacional e cooperação: uma questão mais que centenária;
2. O desenvolvimento e a cooperação internacional em saúde no imediato pós-Segunda Guerra;
3. A Cooperação em Saúde e os anos de ouro do desenvolvimento; e
4. A crise do desenvolvimento, a cooperação e a saúde global
“Trains to the stars” The BooK of Knowledge (1912)
A saúde internacional no século XIX1851 e a realização da Conferência Sanitária
Internacional de Paris.
A saúde através das fronteiras se torna um tema diplomático para os Estados nacionais europeus recém saídos das guerras napoleônicas e do ciclo revolucionário
Uma dezena de conferências sanitárias internacionais do longo século XIX
A Saúde Internacional nas Américas no XIX
A saúde internacional se institucionalizou mais rapidamente no continente americano
Alguns fatores para isso: Importância do fluxo imigratório para a região
Surtos epidêmicos de Febre Amarela em 1878, 1897
A eminência da abertura do Canal do Panamá
indiscutível liderança política, econômica e comercial dos EUA
Criação de uma Repartição Sanitária Internacional, em 1902, e que logo se tornaria Repartição Sanitária Pan-americana, ainda mais tarde Organização Sanitária Pan-americana e, por fim, Organização Pan-americana da Saúde
A Saúde Internacional no Século XX: as primeiras décadas
Criação de organismos internacionais: OPAS, 1902 Repartição Internacional de Higiene Pública, 1907 Organização de Saúde da Liga das Nações, 1922
Atuação de organizações filantrópicas Liga da Sociedades da Cruz Vermelha (1919) Comissão Internacional de Saúde da Fundação
Rockefeller (1913)
Ativa presença de entidades filantrópicas
O mundo no pós-Segunda GuerraOs sentimentos paradoxais: Os poderes destrutivos e criativos do homem
Uma ordem internacional em mudança – os custos da incerteza
Oportunidade e nova ordem – a construção do novo
Ciência e Tecnologia: os meios por excelência para a ação
A crise que origina a II Guerra sugere desafios de uma outra ordem: gerir as
sociedades O Estado de Bem-Estar:
Um acordo entre as classes
O Desenvolvimento e suas organizações:
Definindo os termos de uma nova ordem entre as nações
A criação de uma nova organização internacional de saúde: a OMS
O imediato pós-guerra: um efêmero clima de
conciliação e reforma. Enunciação de direitos Bem estar + Cooperação; Medicina Social + Biomedicina. Logo superado pela Guerra-Fria
Uma Organização Mundial de Saúde foi proposta na conferencia dos aliados (as Nações Unidas) em 1945 e efetivamente instituída em 1948
• Fazer frente aos problemas de saúde do pós-guerra;• Unificar trabalhos de atenção à saúde realizado por
agencias como a UNRRA (1943)e UNICEF (1946)
“A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”
“... constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano”
“ ... é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação entre os países”
O Desenvolvimento como questão
Um bom começo: o que é afinal o desenvolvimento?
Uma contribuição da Antropologia do Desenvolvimento
ESCOBAR, A. Encountering Development: The Making and Unmaking of the Third World. Princeton, Princeton University Press, 1995.
RIST, G. The History of Development: from Western Origins to Global Faith. Nova Deli: Academic Foudation, 2002.
EDELMAN, M.; HAUGERUD, A. The anthropology of development and globalization: from classical political economy to contemporary Neoliberalism. Malden, MA: Blackwell Publishing, Ltd. 2005
As circunstâncias da sua emergência:
Necessidade de renovar as relações norte-sul, no contexto de um sistema internacional em processo de acelerada transformação;Contexto crítico do término do conflito mundial de 1939-45;Retração política econômica da Europa ocidental e o desmantelamento dos seus impérios coloniais;Nova hegemonia dos Estados Unidos da América no mundo ocidental e consolidação da União Soviética como potência concorrente;A guerra fria como modus convivendi entre estas duas últimas. O desenvolvimento é orientado para a contenção das posições socialistas.
O desenvolvimento, a partir de finais da Segunda Guerra Mundial, um é conjunto articulado e dinâmico de crenças, valores, normas gerais, formas de conhecimento, prescrições de ordem prática e intervenções na realidade, que definiram os termos das relações entre os países considerados desenvolvidos e aqueles que, a partir de então, passavam a conformar o chamado terceiro mundo.
O desenvolvimento tanto se constitui, quanto se expressa, por meio de seus ‘aparatos do desenvolvimento’:conhecimentos;métodos, técnicas, e tecnologias;instituições e outros arranjos societários
Tais aparatos simultaneamente estabelecem necessidades e definem os modos e formas de atendê-las. Atuam no sentido identificar e resolver problemas da relação subdesenvolvimento/desenvolvimento.
Organizações Internacionais, suas políticas e instrumentos são parte do seu aparato
Seus principais objetivos e seus métodos:
Promover, pela via da transferência de capitais e tecnologias um futuro de maior equilíbrio na distribuição da riqueza e melhorias na de vida de populações até então ‘vitimadas pelo atraso’.
Para tanto, seria preciso adotar de intervenções modernizadoras, nos mais diversos âmbitos da vida social.
Racionalidade econômica: estabelecer conexões entre – para citar apenas um dos diversos âmbitos possíveis - saúde, adoecimento e produtividade do trabalho
É típica dessa racionalidade a adoção das técnicas de planejamento
Uma cronologia do desenvolvimento:O imediato pós-guerra e a década de 1950 é
o período de incubação dos aparatos do desenvolvimento.
O período compreendido pelas décadas de 1960 e 1970 corresponderiam ao período áureo, de plena vigência
O final da década de 1970 e os anos 1980 são marcados pela crise do desenvolvimento, parte de uma crise sistêmica mais geral
Aliança para o Progresso: diplomacia e o desenvolvimento na América Latina: os anos
sessenta
Um trecho do discurso de lançamento “Nunca na longa história do nosso hemisfério esse
sonho esteve tão perto de se realizar e jamais esteve tão ameaçado. O gênio dos nossos cientistas nos deram os instrumentos para trazer abundância para nossa terra, fortaleza para nossa indústria e conhecimento para o nosso povo. Pela primeira vez nós temos a capacidade de romper as amarras remanescentes da pobreza e da ignorância – para libertar nosso povo para a realização espiritual e intelectual que sempre foi o objetivo da nossa civilização. No entanto, neste momento de máxima oportunidade, enfrentamos as mesmas forças que puseram em perigo a América ao longo de sua história -- as forças alienígenas, mais uma vez, tentam impor os despotismos do Velho Mundo sobre o povo do Novo "
Síntese das Metas da Aliança
12 metas principais:(1) crescimento substancial e - diríamos hoje - sustentado da renda per capita e distribuição mais equitativa desse desenvolvimento; (2) melhor distribuição de renda, maior poupança e nível de investimentos; (3) diversificação das estruturas econômicas nacionais com mudanças na pauta de comércio exterior; (4) aceleração do processo de industrialização “racional”; (5) aumento da produtividade na agricultura e suas condições de armazenagem, transporte e distribuição; (6) realização de programas de reforma agrária, segundo as “particularidades de cada país”, complementados por linhas de crédito e assistência técnica, com regimes de posse e trabalho dignos;
(7) eliminação do analfabetismo entre os adultos até 1970, modernização e ampliação do ensino secundário, técnico e superior, aumentando a capacidade para a pesquisa pura e aplicada; (8) aumento, em um mínimo de cinco anos, da esperança de vida ao nascer, e elevação da capacidade de aprender e produzir, através do melhoramento da saúde: (9) construção, em número adequado, de moradias de baixo custo, com qualidade; (10) manutenção da estabilidade dos preços; (11) promoção e fortalecimento dos acordos de integração econômica, inclusive com vistas à criação de um mercado comum latino-americano; e, por fim: (12) promoção de programas cooperativos, evitando-se as flutuações excessivas das rendas provenientes de exportações primárias, e adoção de medidas necessárias para facilitar o acesso das exportações latino-americanas aos mercados internacionais (OEA, 1961).
A Saúde e a Aliança
O ‘Plano Decenal de Saúde Pública da Aliança para o Progresso’
Abraham Horwitz (1959-1974) e o protagonismo
da OPAS – A Saúde e a Riqueza
O Plano Decenal de Saúde Pública - detalhado pela
Conferência de Ministros da Saúde (Washington, em 1963)
planos nacionais decenais de saúde, apoiados em órgãos especializados de planejamento e acompanhamento em cada ministério e em dados estatísticos consistentes;
atenção especial à formação e capacitação de recursos humanos, com base em diagnósticos prévios - quantitativos de trabalhadores necessários, nos níveis superior, técnico e auxiliar – ênfase nos médicos;
realizar a qualificação dos trabalhadores já em serviço e a formação progressiva de novos contingentes;
aperfeiçoamento da administração dos serviços de saúde, com a integração das ações preventivas e curativas;
adequada proteção à saúde nos empreendimentos industriais, agrícolas e de urbanização;
continuidade das ações já em andamento - doenças transmissíveis, saneamento, nutrição, saúde da mulher e da criança - a agenda da Opas no pós-guerra.
fornecer serviços de água e esgoto a 70% da população urbana e a 50 % da população rural;
reduzir a mortalidade infantil à metade das taxas então vigentes;
erradicar a malária e a varíola. melhorar a alimentação e a nutrição dos grupos
mais vulneráveis”
Posições em disputa1- Reformismo “liberal” norte-americano x Elites da AL
a) Conservadorasb) Desenvolvimentistas +/- nacionalistasc) “de esquerda”
2 – Políticas sociais X Industrialização3 – Conseradorismo em economia e segurança nacional norte-americana X Desenvolvimento e “construção nacional” no terceiro mundo (teorias da modernização)4 - Democracia + Assistência ao Desenvolvimento X Contra-insurgência + Autoritarismo modernizador
Mudando de Conjuntura: rumo aos anos setenta
A transição para a década de 1970 - Um ambiente que indicava o fortalecimento das posições à esquerda e dos países do terceiro mundo em geral: ‘Crise de hegemonia dos EUA’
1. A Revolução Cultural chinesa e a resistência
vietnamita ao avanço dos EUA; 2. Em 1968 as grandes marchas estudantis, na
Europa e América Latina; 3. Nos EUA: os movimentos pacifistas e
contraculturais, assim como a radicalização do movimento negro;
2. Em 1971, os Estados Unidos romperam unilateralmente os acordos de Bretton Woods e desvalorizaram a sua moeda;
3. Movimento de crítica à atuação das grandes companhias multinacionais, que repercutiu até no interior das Nações Unidas;
4. Em 1973, o primeiro “Choque do Petróleo” em resposta ao desfecho do conflito militar árabe-israelense;
5. Em 1974, a Revolução dos Cravos, em Portugal, pôs fim às guerras coloniais na África de língua portuguesa.
6. Em 1975, em abril, as tropas do Vietnam do Norte eliminaram os últimos focos de resistência e ocupavam definitivamente Saigon.
1974 Assembléia Geral das Nações Unidas, de maio
de 1974, aprovou uma declaração por uma Nova Ordem Econômica Internacional (Noei)
Por um novo modelo de desenvolvimento, baseado em uma crescente cooperação e solidariedade entre os países em desenvolvimento; seu crescimento acelerado rumo a patamares mais equitativos de desenvolvimento.
Emergência da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento - CTPD
Tratamento preferencial aos países em desenvolvimento;
Redefinição dos termos das trocas internacionais
Busca de auto-suficiência coletiva; e Adoção de tecnologias apropriadas, tanto no que concerne às necessidades locais dos países, quanto às possibilidades de sua apropriação sustentada
A parcela da saúde• 1972, a Opas realizou a III Reunião Especial de
Ministros de Saúde - O Plano Decenal de Saúde para as Américas
• Afirmação da saúde como direito social • Saúde e não mais apenas Saúde Pública• Agenda da expansão dos serviços de saúde -
universalidade do atendimento como meta - articulação entre os diferentes níveis de complexidade.
Necessidade de uma maior integração entre a universidade e os serviços de saúde - a integração docente-assistencial;
Formação de equipes de saúde - enfermeiras, de técnicos e pessoal auxiliar.
A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE –estratégia para a Saúde para Todos no
Ano 2000.
A Conferencia e a Declaração de Alma-Ata Antecedentes:- Fracasso dos programas verticais – erradicação da malária- Experiências bem sucedidas de saúde comunitária Comissão Médica Cristã / Unesco / OMS Programa Popular de Saúde na China – “Médicos de pés
descalços” - Surgimento de uma literatura crítica a uma excessiva
“medicalização” (Illich, I. Medical nemesis (1976)/McKeown, T. The Role of Medicine: Dream, mirage or nemesis (1976) Lalonde Report (1974)
A agenda de Alma AtaReorientação das ações de saúde - abordagem
integral da saúde – promoção, prevenção e cura hierarquização da atenção; c/ participação
Adoção de tecnologias apropriadas, adequadas às realidades locais,
Capacitação de pessoal leigo e valorização dos saberes populares,
Ênfase nas relações entre saúde e desenvolvimento –ação de saúde não é uma intervenção tópica, progressiva melhora das condições de vida.
Intersetorialidade, contemplando questões pertinentes à educação popular, à habitação e saneamento, e ao desenvolvimento social sustentado, entre outros temas.
treinamento de pessoal leigo - valorização dos saberes populares;
Adoção de tecnologias apropriadas – adequadas às realidades locais, consistentes cientificamente e sustentáveis em termos econômicos;
Atenção para a intersetorialidade – Saúde + Educação + Educação popular + Habitação + Saneamento + Cultura. Por um desenvolvimento socialmente sustentado.
Um debate presente saúde para pobres X porta de entrada para uma atenção integral e hierarquizada, ‘preferivelmente’ universal e pública.
As críticas de primeira hora:Em um cenário de crise, a meta de Saúde para
Todos no Ano 2000 e a estratégia de uma atenção primária integral passarama ser criticadas como irrealistas
Ganham corpo as teses da medicina simplificada dirigida para populações pobres. - Um debate central
Sob a liderança de instituições como a Fundação Rockefeller, o Banco Mundial, a Unicef e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento, formulou-se a Atenção Primária Seletiva (GOBI - growth monitoring; oral rehydration; breast-feeding ;immunization)
ALMA-ATA: um começo ou o começo do fim?Uma última aposta na saúde como um direito?
Saúde Global & GlobalizaçãoO Contexto geopolítico:
Emergência de governos conservadores: Thatcher; R. Reagan & G. Bush pai a partir de 1980
Derrubada do Muro de Berlim e Dissolução da União Soviética (1991).
Anos de ajuste neo-liberal - Consenso de Washington: 1980 – acordo entre o Banco Mundial e agências internacionais sobre os países em desenvolvimento (redução de déficits; aumento de tarifas, privatizações, diminuição de recursos e emrcado para as áreas sociais)
Um sentido mais presente de interdependência e aspirações por uma governança global
Um novo cenário institucional da SaúdeEmergência do Banco Mundial como ator relevante
e da agências de cooperação dos paises centrais: + competição
Aumento da presença de organizações não governamentais
Perda de poder relativo da OMS como agência multilateral – recursos extra-orçamentários – PPPs (
Descentralização da cooperação em saúde: presença maior de entes infra-estatais
Tempos de ‘evidência e avaliação’A questão da coordenação, da governança
Em um cenário com novos temas críticos:
Depois da AIDS (1981) maior preocupação com doenças emergentes e re-emergentes:
Colera, TB MDR, Ebola, peste, Dengue, Creutzfeldt-Jacob Disease (vaca loca, 1996) SARS, H1N1
Atenção para o Bioterrorismo, após o 11 de setembro de 2001Crescente mercado global de medicamentos e
imunobiológicos
A Saúde como foco de atenção estratégica por parte dos Estados – Saúde e Economia
Uma Diplomacia da Saúde em novos termos
“. . . the world didn’t have to eliminate poverty in order to eliminate smallpox and we don’t have to eliminate poverty before we reduce malaria. We do need to produce and deliver a vaccine . . .’
(Gates 2005, apud Birn, The stages of international (global) health..., 2009).
Um modelo esgotado?
Fernando A. Pires-AlvesObservatório História e Saúde - Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz