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CONVIVENDO E APRENDENDO
COM O VIOLÃO E AS CANÇÕES
Marcos Cuca
INTRODUÇÃO
A prática do violão acompanhando canções é uma ação cultural
vivenciada em múltiplos contextos sociais e em diversos períodos
históricos da humanidade.
Este livro apresenta uma perspectiva sobre este fazer e tem como foco
o processo de iniciação, desde os exercícios básicos até a execução
das primeiras composições.
O COMEÇO: “INVENTO EM MIM, O SONHADOR”
O dia que pela primeira vez tive a sensação de tocar o violão
acompanhando uma canção, remete a uma dessas buscas de menino
investigando o que tinha para se fazer dentro de casa e meio sem querer
acabei encontrando num quarto o instrumento junto de uma letra
cifrada para a execução.
Sobre a primeira vez que consegui tocar o violão e cantar uma canção,
além de verificar a contribuição de alguns conhecimentos prévios
desenvolvidos nos contextos culturais que tinha experimentado até
aquele momento, é preciso reconhecer que a convergência favorável
do potencial genético, da oportunidade, do interesse e da motivação,
também se fizeram presentes.
“SONHAR, MAIS UM SONHO IMPOSSÍVEL”
Oficina de Violão da Casa de Cultura Cine Santana, SJC - 2014
Vivemos hoje o paradigma de muitos estarem aptos a alcançarem a
capacidade de executar o violão acompanhando canções. Isso é
extremamente revolucionário, tanto para os que se julgavam
incapazes, quanto para os crentes em missões divinas ou que se
identificam como a última estrela da constelação musical.
Apesar da perspectiva inclusiva, há uma persistente ausência de
garantia de sucesso na iniciação à prática do violão e do canto e isso
sinaliza duas medidas que podem ser assumidas pelo aprendiz. A
primeira é desconfiar de métodos e educadores que prometem
resultados do tipo: “Aprenda a tocar em quatro meses” ou “Toque fácil”.
A segunda é a de fazer o máximo para não desistir diante dos obstáculos
surgidos.
A iniciação ao violão acompanhando canções tem a influência de
variáveis como: o potencial genético, os contextos culturais, a força
motivadora dos resultados alcançados, o exercício da profissão de
educador, a autoaprendizagem, o uso de diferentes métodos e a prática
inserida nas diversas instâncias da vida.
CONTEXTOS CULTURAIS: “GELEIA GERAL”
Na perspectiva da iniciação ao violão acompanhando canções os
contextos culturais abrangem a diversidade de lugares onde esta prática
se insere, os instantes singulares desta aprendizagem e as inúmeras
situações e períodos onde experiências musicais são vivenciadas pelos
aprendizes.
Cada instrumento, cada aprendiz, cada lugar e cada situação, são
contextos culturais vivos, pulsam os instantes e as transformações, se
ajustam sempre de forma diferente num espaço-tempo imprevisível, às
vezes assustador, sem muito controle e que exige maior atenção sobre o
todo e o individual.
A convivência com a diversidade de aprendizes e seus diferentes
contextos culturais, tem sido e ainda é o maior desafio da minha
experiência profissional com a música. A exclusão é o botão mais
simples de acionarmos quando algo não sai com o devido
encantamento que buscamos.
EDUCADOR: “TE QUERO VER, TE QUERO SER, ALMA”
Foto: André Luiz de Toledo
Muito além de um mediador, como dizem por aí, sou também um sujeito
interagindo a procura da melodia correta, dos acordes soando melhor, da letra
perdida, da forma adequada, dos ritmos se alinhando à pulsação do
sentimento.
A adesão à proposta inclusiva pressupõe, por parte do educador, a aceitação
da enorme dificuldade de conviver com a diversidade humana. Requer a
opção pela diversidade e impõe o desafio de não colonizar os aprendizes.
AUTOAPRENDIZAGEM: ”EU SOU MEU GUIA”
Desde os seus primórdios a competência para a execução do violão e do
canto foi adquirida por meio de transmissões difusas, ocorridas em diversos
contextos culturais, sem contar com rigidez de planejamento e principalmente
sem ter um profissional formalizado para o seu desenvolvimento e
aprimoramento.
A modalidade da autoaprendizagem é um universo amplo, complexo e nas
últimas décadas ainda conta com as novas tecnologias, o que abre outras
possibilidades de interação e aquisição de habilidades por meio de diferentes
caminhos.
MOTIVAÇÃO: “VRUM, VRUM, VRUM, VRUM”
Violão e voz são pulsos de vida e a motivação para sua prática está no próprio
aprendiz e no seu outro, na força impulsionadora do mundo de dentro e de
fora.
Para tornar constante a motivação que impulsiona a aprendizagem, além da
convivência em contextos culturais favoráveis, é preciso que a tarefa proposta
não seja algo fácil demais e nem além do que o aprendiz é capaz de realizar
naquele momento.
MÉTODOS: “SE ORIENTE RAPAZ”
Foto disponível em:<http://pt.clipart.me/>
O método é sem dúvida a mais intrigante das variáveis que compõem a iniciação
e pode influenciar decisivamente na prática do violão acompanhando canções.
Sua essência se constrói no caminho e este ninguém pode atravessar pelo outro.
Mesmo considerando a dimensão da multiplicidade de caminhos, é possível
constatar que os métodos de iniciação ao violão acompanhando canções
possuem uma base constituída de:
Conteúdos interpretativos, procedimentais e atitudinais;
Organização e afetos.
Sugestão de um caminho para iniciantes no acompanhamento das primeiras
canções.
O aprendiz deverá ser capaz de:
Reconhecer as partes que constituem o violão, tais como: as madeiras utilizadas,
tarrachas, como é feita a afinação, o braço, os trastos e as divisões em casas, o
tampo, a boca e os leques internos, rastilho, cavaletes, o tamanho do instrumento,
a colocação, os tipos e nome das cordas, a sua manutenção e os cuidados na
forma de guardar.
Tocar e cantar com postura adequada, observando: apoio dos pés, colocação do
violão sobre as pernas, local de assento para execução, posicionamento da
coluna vertebral, da cabeça, dos braços e dos dedos das mãos, descontrair a
musculatura corporal e respirar de forma a conseguir sustentar a pronuncia e
entonação das palavras.
Executar a digitação de ambas as mãos realizando e memorizando o sentido dos
toques nas cordas, o espaçamento e a forma de apertar os dedos nas casas,
organizando e coordenando os movimentos de modo a atingir uma razoável
qualidade sonora.
Continua
Distinguir e ajustar a afinação do instrumento, cantar em entonação vocal compatível
com a tonalidade de execução no violão, realizando contornos, extensões,
sustentações e divisões melódicas aplicadas ao repertório escolhido para está etapa
da aprendizagem.
Memorizar a posição dos dedos para a execução de acordes maiores e menores sem
pestana e trocar de um para outro em sequências harmônicas com dois, três ou até
quatro acordes.
Executar padrões de ritmo com toques num único sentido e alternado para baixo e
para cima, distinguindo pulsos fortes e fracos, utilizando o polegar e os dedos
indicador, médio e anular, juntos ou individualmente.
Tocar e cantar repertório de canções adequadas a esta etapa do aprendizado,
integrando: postura do corpo e do violão, movimento das mãos, entonação vocal,
afinação do instrumento, gosto pessoal e apreciação de novos discursos musicais.
Avaliar e valorizar as capacidades adquiridas, tanto no instante da prática, quanto
num período maior de treinamento e potencializar positivamente as dificuldades a
serem ultrapassadas em relação aos conteúdos teóricos e práticos em
desenvolvimento.
PRÁTICA: “CADA UM DE NÓS COMPÕE A SUA HISTÓRIA”
Oficina de Violão da Casa de Cultura Cine Santana, SJC - 2016
Um importante aspecto quando nos referimos a prática inicial do violão
acompanhando canções, diz respeito a constatação e aceitação do que é
básico nesta convivência, o aprendiz não deve se enganar, sem muitas horas de
treinamento não é possível atingir resultados positivos.
Além das ocupações técnicas diretamente influentes na execução do violão e
do canto, não dá para considerar esta prática sem a compreensão de seu
pertencimento à dimensão da vida humana, sujeitas, portanto, aos movimentos
de expansão e resistência, característicos de cada existência.
“MEU MELHOR AMIGO É MEU VIOLÃO”
Ter conseguido tocar o violão acompanhando canções foi, para mim, uma
conquista difícil e demorada, mas trouxe e ainda traz uma enorme satisfação.
É interessante constatar que depois de algumas décadas ainda manifesto
uma vontade parecida com a do começo, misturando a dor do que ainda
falta à alegria de estar de alguma forma manifestando sensações. Caetano
tem razão quando canta: “Como é bom poder tocar um instrumento”.
Eu tive o meu primeiro violão ainda na juventude e depois de quase três
décadas, apesar de nossos machucados decorrentes do tempo, ele continua
pulsando forte junto de mim. Sinto que pelo andar dos acontecimentos vamos
permanente nessa convivência, fazendo valer aquele sugestivo refrão de
Chico Buarque: "Meu melhor amigo é meu violão".
Quando dizem por aí que a voz do violão tem uma particular magia, deve
haver um sentido de verdade. Existem momentos em que até parece não
ter como viver sem essa forma tão singular de perceber a realidade. Não se
trata de procedimento para fuga do cotidiano e sim de aprofundamento
na maneira como o mundo pode ser apresentado e representado por
cada ser humano.
“CANTO EM QUALQUER CANTO”
Imagens disponíveis em: <http://www.vozecantoporfaninineves.com/>
Cantar é desenhar formas do impalpável, contornos que sobem e descem
para além das molduras, movimentos que viram e reviram, avançam por
outros espaços, por lugares rasos e profundos de onde estamos. É curioso
como este fazer, muitas vezes gratuito, pode se apresentar mais do que
necessário, indispensável a ponto de, quase sem pensar, entoarmos uma
melodia simplesmente porque é bom.
A canção diz e silencia, meio palavra, nem só melodia, parte emoção,
outra compreende, acelera, as vezes prende, não tem quantas e nem
onde, acontece, é fonte.
A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?
Tornar-se um músico profissional não é a grande motivação da maioria dos
aprendizes que iniciam a prática do violão acompanhando canções. Mesmo
considerando essa realidade, que curiosamente também foi a minha, tem
alguns que depois de certo tempo acabam prosseguindo na sua formação e
à medida que vão se envolvendo com a área, como no meu caso,
constroem um caminho que os leva ao exercício da profissão.
Uma obviedade às vezes esquecida é a de que sem o começo não tem
meio e nem fim. Nesta perspectiva, a iniciação ao violão acompanhando
canções foi fundamental para minhas convivências e aprendizagens e sem
a vitalidade deste processo, jamais teria atingido estágios de
aprimoramento e considerações para novos momentos.
O universo da aprendizagem musical é muito amplo e diversificado. Minha
perspectiva, neste momento, foi apresentar algumas interpretações que
pudessem dar algum sentido ao meu exercício cotidiano e possibilitasse
saborear o doce amargo das escolhas preteridas. Depois de percorrer
todo este caminho, o desafio permanece grande e intransferível.
Os versos e suas canções:
“Invento em mim, o sonhador”. Cais - Milton Nascimento e Ronaldo
Bastos, 1972.
“Sonhar, mais um sonho impossível”. Sonho Impossível - J. Duran / M.
Leigh, versão de Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972.
“Geleia Geral” - Gilberto Gil, 1968.
“Te quero ver, te quero ser, Alma”. Ânima - Milton Nascimento e Zé
Renato, 1982
“Eu sou meu guia” - Lenine e Bráulio Tavares, 1999.
“Vrum, vrum, vrum, vrum”. Vrum - Luiz Tatit, 1985.
“Se oriente rapaz”. Oriente - Gilberto Gil, 1972.
“Cada um de nós compõe a sua história”. Tocando em Frente - Almir
Sater e Renato Teixeira, 1990.
“Como é bom poder tocar um instrumento”. Força Estranha - Caetano
Veloso, 1978.
“Meu melhor amigo é meu violão”. Meu Refrão - Chico Buarque, 1966.
“Canto em qualquer canto” - Ná Ozzetti e Itamar Assumpção, 1999.
“A que será que se destina”. Cajuína - Caetano Veloso, 1979.