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Convergência de Linguagens, Artes Visuais: Cinema, Vídeo, Teatro e Internet. Convergence of Languages, Visual Arts: Film, Video, Theatre and the Internet. Daniela Santos de Farias Mestranda em artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP Instituto de Artes - email:[email protected] RESUMO: No contexto contemporâneo percebemos que as artes visuais passam por um hibridismo de diferentes linguagens, onde há uma complexidade em sua composição, organização e realização. Este artigo tem o intuito de apresentar as novas manifestações de artes visuais criadas a partir da convergência de linguagem do cinema, do vídeo, do teatro e da internet. Estas manifestações criativas estão se comunicando através de tecnologias midiáticas, como, por exemplo, sites próprios, ou sites de distribuição e compartilhamento como o YouTube, ou simplesmente utilizando a internet banda-larga para efetivar esta hibridização criativa de um país para o outro, ou de uma esquina para a outra. Para que se tenha uma noção destas manifestações multimidiáticas da arte visual, serão apresentados trabalhos de artistas independentes, artistas que trabalham com a linguagem cinematográfica e finalmente artistas que utilizam a linguagem teatral. Como, por exemplo, Alexandre Carvalho e seu filme Fluidos, a Cia PHILA 7 com os seus projetos que agregam múltiplas linguagens e a Cia Teatro Para Alguém, que produz conteúdo em seu site próprio utilizando a linguagem do cinema, vídeo e teatro através da internet para um público diferenciado. Embora sejam utilizadas companhias teatrais este artigo se fixará nas obras e projetos realizados com o intuito de divulgar uma nova linguagem através da convergência da arte e da tecnologia. Palavras-chave: Convergência, cinema, vídeo, teatro, internet. ABSTRACT: In the contemporary context we find that the visual arts go through a hybridization of different languages, where there is complexity in their composition, organization and implementation. This article aims to present the new expressions of visual art created from the convergence of the language of cinema, video, theater and the internet. These creative expressions are communicating through media technologies, for example, own sites, or distributing and sharing sites like YouTube, or simply using the broadband Internet to effect this creative hybridization from one country to another, or from one corner to another. To get a sense of these expressions multimidiáticas of visual art works will be presented by independent artists, artists working with language film and finally artists who use the language of theater. How, for example, Alexandre Carvalho and his film Fluids, Cia PHILA 7 with their projects that add multiple languages and Cia Teatro To Someone, which produces its own website content using the language of film, video and theater over the internet for a different audience. Although theater companies used this article dwells on the works and projects undertaken with the aim of promoting a new language through the convergence of art and technology. Keywords: Convergence, film, video, theater, internet.

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Convergência de Linguagens, Artes Visuais: Cinema, Vídeo, Teatro e Internet. Convergence of Languages, Visual Arts: Film, Video, Theatre

and the Internet.

Daniela Santos de Farias Mestranda em artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

UNESP Instituto de Artes - email:[email protected] RESUMO:

No contexto contemporâneo percebemos que as artes visuais passam por um hibridismo de diferentes linguagens, onde há uma complexidade em sua composição, organização e realização. Este artigo tem o intuito de apresentar as novas manifestações de artes visuais criadas a partir da convergência de linguagem do cinema, do vídeo, do teatro e da internet. Estas manifestações criativas estão se comunicando através de tecnologias midiáticas, como, por exemplo, sites próprios, ou sites de distribuição e compartilhamento como o YouTube, ou simplesmente utilizando a internet banda-larga para efetivar esta hibridização criativa de um país para o outro, ou de uma esquina para a outra. Para que se tenha uma noção destas manifestações multimidiáticas da arte visual, serão apresentados trabalhos de artistas independentes, artistas que trabalham com a linguagem cinematográfica e finalmente artistas que utilizam a linguagem teatral. Como, por exemplo, Alexandre Carvalho e seu filme Fluidos, a Cia PHILA 7 com os seus projetos que agregam múltiplas linguagens e a Cia Teatro Para Alguém, que produz conteúdo em seu site próprio utilizando a linguagem do cinema, vídeo e teatro através da internet para um público diferenciado. Embora sejam utilizadas companhias teatrais este artigo se fixará nas obras e projetos realizados com o intuito de divulgar uma nova linguagem através da convergência da arte e da tecnologia.

Palavras-chave: Convergência, cinema, vídeo, teatro, internet.

ABSTRACT:

In the contemporary context we find that the visual arts go through a hybridization of different languages, where there is complexity in their composition, organization and implementation. This article aims to present the new expressions of visual art created from the convergence of the language of cinema, video, theater and the internet. These creative expressions are communicating through media technologies, for example, own sites, or distributing and sharing sites like YouTube, or simply using the broadband Internet to effect this creative hybridization from one country to another, or from one corner to another. To get a sense of these expressions multimidiáticas of visual art works will be presented by independent artists, artists working with language film and finally artists who use the language of theater. How, for example, Alexandre Carvalho and his film Fluids, Cia PHILA 7 with their projects that add multiple languages and Cia Teatro To Someone, which produces its own website content using the language of film, video and theater over the internet for a different audience. Although theater companies used this article dwells on the works and projects undertaken with the aim of promoting a new language through the convergence of art and technology. Keywords: Convergence, film, video, theater, internet.

Introdução

Hoje cada vez mais percebemos que as artes visuais antigas e contemporâneas

estão em rota de colisão, através de artistas que constroem suas obras a partir da

convergência das linguagens. Este movimento convergente tem criado uma nova

estética com o uso da internet e de antenas de transmissão. Por exemplo, diretores

teatrais e diretores cinematográficos realizaram nos últimos cinco anos no Brasil

projetos artísticos que quebraram com o paradigma das artes visuais, e

conseqüentemente as inovações e avanços da convergência de linguagens possibilitaram

o surgimento de uma nova arte visual remixada entre o cinema, o vídeo, o teatro, as

artes plásticas e a internet.

Ao investigar a atual manifestação de hibridismo entre as múltiplas linguagens

visuais, mais especificamente a quebra de fronteiras entre o cinema, o vídeo, o teatro e a

internet, percebi um incomodo e a necessidade de pesquisar e compreender o papel que

as mídias contemporâneas representam para a cultura e as artes? E de que modo se dá a

convergência do cinema, vídeo, teatro e internet nas artes visuais? E o produto gerado

por esta convergência é entendido como arte? O virtual e o orgânico quebram fronteiras

na arte visual? Como se processa a compreensão dessa convergência entre o meio, o

artista e o público-receptor? A convergência de linguagem por si só pode ser

considerada como linguagem? As artes visuais remixadas são o futuro da comunicação

visual?

Arlindo Machado em 2002 já se manifestava favoravelmente ao surgimento de

novas linguagens visuais “Eu acho que é diferente. Por exemplo, quando surgiram os

impressionistas, os cubistas, que nós consideramos artistas hoje, eles não eram

considerados artistas no seu tempo. O que eles faziam não era diferente do que essas

pessoas, esses grupos fazem hoje.” (MACHADO, 2002: 205). Em seu livro Por que as

comunicações e as artes estão convergindo? Lucia Santaella Também se manifesta a

favor dessa convergência, “Embora as eras sejam seqüenciais, o surgimento de uma

nova era não leva a anterior ou as anteriores ao desaparecimento. Elas vão se

sobrepondo e se misturando na construção de uma malha cultural cada vez mais

complexa e densa.” (SANTAELLA, 2005: 9)

E para exemplificar e justificar estes argumentos artistas visuais independentes

como Regina Silveira, traz ao contexto contemporâneo obras que demonstram tal

convergência nas artes visuais. Como também artistas e pesquisadores do universo

cinematográfico, como, Godard, Peter Greenaway, Renata Pinheiro, Tony Berchmans

como também, grupos artísticos do universo teatral, como PHILA7 e Cia Teatro Para

Alguém que realizaram trabalhos e obras artísticas que evidenciam à efetiva

convergência da visualidade em diferentes artes. Todos estes artistas, pesquisadores e

pensadores contribuem para um novo status das artes visuais; uma arte que surge dentro

de um contexto contemporâneo complexo, tecnológico, extremamente rápido e global.

Os Pensadores do Cinema, do Vídeo, do Teatro e da Convergência

A arte não é mais a mesma e a formação do artista se modificou. Há diferentes

expressividades de linguagem nas artes visuais, principalmente em sua composição e

construção. Segundo Regina Silveira (2002: 203) “os meios digitais transformaram

todos os modos de concepção, de organização e realização das artes.” Mas para

contextualizar o tema deste artigo chamo a se pronunciar Sergei Eisenstein, em seu livro

A Forma do Filme.

Neste livro Eisenstein demonstra toda sua genialidade em relação à linguagem

cinematográfica. O cinema para Eisenstein era fragmentário e passível de inter-relações

com outras artes, como ele dizia, (2002:16) “e que arte não está próxima do cinema?”

microscopicamente podemos revelar cada fragmento da visualidade como a

expressividade de diferentes campos artísticos, por exemplo, o cinema com o teatro e a

fotografia. Cinema uma arte que permite a hibridização de todas as artes visuais, através

da montagem,

Quando Eisenstein escreveu o livro O Sentido do Filme também ressaltou

críticas, as quais se referiam à linguagem cinematográfica. O cinema era considerado

uma meia arte, ou não?! “Ainda hoje, em certos meios intelectuais, há uma controvérsia

sobre se o cinema seria uma arte ou um meio de comunicação de massa. Ora, ele é as

duas coisas ao mesmo tempo, se não for ainda outras mais.” (MACHADO, 2002:28)

Arlindo estava certo o cinema é “ainda outras coisas mais”, através da

vertiginosa convergência das linguagens visuais temos hoje o chamado cinema pós-

midiático que trouxe suas experiências do cinema dos anos 70 e 80 quando Godard

usava o vídeo para escrever seus roteiros. Estes roteiros eram documentos que às vezes

ficavam prontos depois do filme lançado. Seus roteiros-vídeos ressaltavam a essência de

seus filmes, pois Godard dizia que era preciso “ver um roteiro, ou seja, ver como se

passa do invisível para o visível”. (GODARD, 2004: 323)

E este cinema que utilizava vários elementos híbridos da arte como, a pintura, o

teatro, o vídeo são características de outro grande cineasta, como, Peter Greenaway. Um

exemplo, dessa fantástica direção está no filme O Livro de Cabeceira de 1996, onde

podemos apreciar sua não linearidade e ao mesmo tempo o hibridismo na linguagem

visual com o uso da linguagem do videoclipe, em algumas cenas deste filme são

representadas por janelas que se assemelham a lupas sobreposta ampliando o olhar de

cada quadro. Através da mescla das mídias Greenaway amplia o contato com outras

linguagens visuais, e assim proporcionando ao público-espectador uma nova visão, uma

visão convergente.

Há um momento em que a arte de vanguarda não precisa mais

de palco nem de um espaço privilegiado para atuar, e pode,

então, atuar na grande mídia. Não me interessa se você é artista

ou não, você não precisa denominar o seu trabalho. Você faz

uma coisa que é de primeira, de primeira qualidade.

(GROSSMANN, 2002:207)

Manovich já havia iniciado este pensamento a partir de uma linguagem visual.

Portanto, temos a liberdade para pesquisar novas manifestações artísticas e seus

desafios em diferentes leituras, linguagens e apresentações. O pós-dramático de

Lehmann aponta para um destes caminhos, por exemplo, o hibridismo no teatro. Um

teatro heterogêneo, composto por linguagens, formas e signos compartilhados. Um novo

modo de compreender as experiências da convergência através dos processos criativos,

e não pelos resultados.

A dramaturgia visual no pós-dramático se expande e se transforma em uma arte

visual que possui significados próprios, onde o espaço cênico se liberta do texto, e

assim, a visualidade se hibridiza com a tecnologia midiática contemporânea. “Pós-

dramático significa a ruptura do distanciamento contemplativo, no qual a razão filtra a

emoção para melhor atribuir-lhe um sentido.” (COELHO, 2010: 191)

E como não poderiam faltar os estudos de Henry Jenkins com o livro Cultura da

Convergência. Segundo Jenkins (2009:28) “(...) a convergência ocorre dentro do

cérebro (...) e cada um de nós constrói a própria metodologia pessoal, a partir de

padrões e fragmentos de informações extraídos de fluxos midiáticos. (...) a convergência

coletiva pode ser vista como fonte alternativa de poder midiático. Estamos apreendendo

usar este poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência.”

Alguns críticos até cogitaram na hipótese de que as novas mídias iriam substituir

as antigas, mas esta hipótese foi derrubada com a chegada da convergência, onde as

artes e as mídias antigas foram retomadas e chamadas a se inter-relacionar com as novas

tecnologias midiáticas. Segundo Jenkins (2009:31) “a convergência, é nesse sentido, um

conceito antigo assumindo novos significados.”

Novas tecnologias estavam distantes, os meios de comunicação dispersas e as

artes visuais cada uma em seu lugar. Por isso várias forças se reuniram e começaram a

derrubar as fronteiras, assim, diversas manifestações artísticas começaram a distribuir

seus conteúdos por vários canais e adotando formas diferentes de recepção. Um bom

exemplo desta distribuição e recepção de conteúdos é o YouTube que foi criado para

ser um site onde a produção e distribuição de trabalhos que utilizavam mídias

alternativas fossem divulgados e compartilhados gratuitamente. Através deste site

ocorreu uma ruptura com a cultura e a mídia de massa.

No entanto, temos de compreender o YouTube como parte de

uma organização maior. Em primeiro lugar, o YouTube

representa o encontro entre uma série de comunidades

alternativas diversas, cada uma delas produzindo mídia

independente há algum tempo, mas agora reunidas por esse

portal compartilhado. Ao fornecer um canal de distribuição de

conteúdo de mídia amador e simiprofissional, o YouTube

estimula novas atividades de expressão. (JENKINS, 2009:348)

Com o advento de canais de distribuição as barreiras se romperam, e assim,

contemplamos hoje o surgimento e o fluxo de criativas idéias que proporcionam novos

pensamentos e comportamentos, por parte tanto do artista como do espectador.

A Quebra de Paradigma nas Artes Visuais.

Artistas de diferentes áreas vêm justamente reunir linguagens distintas em uma

linguagem emergente, que proporciona infinitas visualidades. Observamos

recentemente manifestações artísticas que não possuem parâmetros ou precedentes.

Uma linguagem que utiliza a projeção de vídeos, performances, linguagem

cinematográfica, linguagem teatral, artes plásticas, e todas reunidas e remixadas através

da internet.

Como definir uma manifestação artística emergente que em sua essência é

hibrida? Para responder a essa pergunta trago a vocês a Cia PHILA7, a Cia Teatro para

Alguém e o conceito de Cinema Vivo de Alexandre Carvalho.

Cia PHILA7

A Cia Phila7 foi fundada em 2005, com o objetivo de pesquisar novas

linguagens e diferentes mídias. Uma companhia que utiliza em suas peças teatrais a

tecnologia com o intuito de desenvolver novos caminhos para as artes cênicas. Formada

por um núcleo composto por Rubens Velloso, Marcos Azevedo, Mirella Brandi, Beto

Matos e Marisa Riccitelli Sant´Ana.

A Phila7 realizou em 2006 o projeto Play on Earth, que conseguiu unir a

linguagem teatral, a linguagem do vídeo, a linguagem do cinema, e a internet como

meio convergente destas linguagens, e assim, trazendo ao público um espaço que ao

mesmo tempo era único e múltiplo.

O dono da proposta o britânico Jullian Smith resolveu fazer uma performance

global, possibilitando a mistura de relações presenciais e virtuais com companhias de

diferentes continentes. A primeira montagem do projeto aconteceu simultaneamente em

São Paulo, Newcastle e Cingapura.

O diretor da Cia. Phila7, Rubens Velloso1 (2006) afirma que "A idéia é que tela

e palco espelhem uma coisa só". Os atores usaram pouca a palavra (cada um em sua

língua), a história era fragmentada, uma dramaturgia apoiada em movimentos e gestos.

________ 1 Rubens Velloso em depoimento sobre o projeto Play on Earth São Paulo Cia PHILA7. Disponível em http://www.gag.art.br/cia_phila_7/

I.Projeto Play on Earth São Paulo

Foram usadas três telas sobrepostas em cada local, onde aconteceram em cada

tela projeções dos três países simultaneamente. De acordo com Velloso, este projeto

possuía uma trama que englobava questões conceituais sobre sinapse, virtualidade e

realidade. No presencial cada elenco pode realizar improvisos em paralelo ao que se via

no vídeo.

Em 2008, o espetáculo “What´s Wrong with the World?” da série Play on Earth,

também foi um espetáculo ao vivo entre Brasil (Rio de Janeiro) e Inglaterra (Londres).

II - Espetáculo “What´s Wrong with the World?

A presença física do corpo que se relaciona com o virtual sempre foi o foco central da

Cia Phila7, que também experimentou relações de hibridismo de diversas linguagens

artísticas até chegar à concepção de espetáculos onde a internet converte efetivamente

palco presencial em palcos virtuais.

Rubens Velloso2 (2006) complementa: “ainda estamos imersos em elementos de

teatro, cinema e de videoarte, mas estamos caminhando para uma nova dramaturgia,

exclusiva para os novos meios. Continuamos longe de encontrar essa nova relação, mas

já damos um grande salto.”

A companhia Phila7 tem um perfil de pesquisadora, pois investiga as

possibilidades de construção de novas linguagens, que incorporadas às estéticas

anteriores e também a globalização da informação em rede, passam a compor novos

parâmetros para uma poética contemporânea.

Cia Teatro Para Alguém.

A atriz e diretora Renata Jesion, o fotógrafo Nelson Kao e o ator e jornalista

Lucas Pretti, juntos criaram em 2008, o Projeto Teatro Para Alguém - um teatro

realizado para a internet, mais especificamente para um público que possuísse um

comportamento diferenciado.

Esta companhia tem o objetivo de produzir e distribuir espetáculos ao vivo e de

graça via internet. Como também atrair novos públicos para opinarem sobre as

produções e em conjunto criarem uma nova estética, e assim, incentivar a utilização de

novas tecnologias para fins artísticos.

III - Projeto Teatro Para Alguém.

Renata Jesion3 ressalta “a arte que fazemos é hibrida, por isso, consideramos o

rótulo, isso não é teatro uma discussão simplista e superada”.

_____________

2 Rubens Velloso em depoimento sobre o projeto Play on Earth São Paulo Cia PHILA7. Disponível em http://www.gag.art.br/cia_phila_7/ 3 Renata Jesion em depoimento sobre o projeto Teatro Para Alguém. Disponível em: Site Teatro Para Alguém. http://www.teatroparaalguem.com.br/quem-somos/

O Manifesto binário4 da Companhia La Fura dels Baus ressalta bem este

contexto desta nova estética artística.

Teatro digital é a soma entre atores, 0 e 1 se movimentando na internet. A ação de dois atores em dois tempos e espaços diferentes correspondem a tempos infinitos e espaços virtuais. (…) O teatro digital é a linguagem binária sendo usada para conectar o orgânico com o inorgânico, o material com o virtual, o ator real com o avatar, a plateia presente com usuários de internet, o palco físico com o ciberespaço.

Este teatro digital logo se tornou um centro de experimentações de novas

linguagens, como, por exemplo, o hibridismo das artes cênicas, cinema, vídeo,

performance e internet. Segundo Lucia Santaella (2005:68) “uma nova estética precisa

emergir: uma estética que transponha sem temor as fronteiras que a tradição interpôs

entre os caminhos da ciência e os da arte.”

Cinema Vivo

Alexandre Carvalho realizou em 2009 o primeiro longa-metragem gravado ao

vivo. O roteiro se baseava no desenvolvimento de três histórias, três situações que

tinham em comum a tecnologia que distanciava as relações humanas, e assim criavam

tumultuadas e melancólicas realidades virtuais.

IV - Fluidos – o filme

______ 4 Manifesto binário da Companhia La Fura dels Baus. Disponível em: www.lafura.com/entrada/eng/manifest.htm

As histórias aconteciam em plena noite paulistana e com um detalhe, elas não se

cruzavam e muito menos se esbarravam. Este filme foi transmitido via antena em tempo

real para uma ilha de edição, que o lançava imediatamente para a tela do cinema. Foi

necessário apenas uma tela e um projetor numa sala de cinema comum, para que

surgisse um cinema vivo diante dos olhos de um público sedento por novidades. Do

lado de fora da sala de cinema o público teve a oportunidade de assistir e interagir com

o filme atuando como figurantes.

Alexandre Carvalho5 (2009) revela que, Fluidos pressupõe a

"inclusão cultural" na acepção do termo: A arte invadindo o

bairro, tal qual o bairro invadindo a arte, transformando tudo em

uma coisa só. A improvisação, necessária é parte integrante do

“ao vivo”, bem como a adaptação a qualquer horário, espaço

físico ou condição climática, faz com que cada apresentação

seja uma experiência única.

Os atores se sentiram realizando uma peça teatral, a equipe de produção se

sentiu realizando uma transmissão de TV, os espectadores que estavam na sala de

cinema tiveram a sensação de estarem assistindo uma exibição cinematográfica, e

finalmente para o diretor, o filme Fluidos era tudo isso vivo e hibridizado.

A Incorporação de uma Linguagem

Percebemos que estamos vivenciando um novo contexto contemporâneo, novas

narrativas que exploram múltiplas experiências de linguagens apresentadas não

linearmente, e que convergem em um formato hibrido, e através desta hibridização há a

constatação da emergência de uma estética ainda pouco explorada.

O processo de incorporação de uma linguagem produzida por meios técnicos ao panteão das artes é sempre gradativo. Foi somente após o surgimento e sedimentação da linguagem cinematográfica que se começou a cogitar sobre o estatuto artístico da fotografia. Quando a televisão começou invadir os nossos lares o cinema foi galgando os degraus de sétima arte. Em oposição à comercialização da televisão, o vídeo passou a se consagrar como a forma otimizada da arte audiovisual.

__________ 5 Alexandre Carvalho em depoimento sobre o filme Fluidos. Disponível em: http://www.cinevivo.com.br/

No momento em que o cinema e vídeo se tornaram indiscutivelmente aceitas como arte, os artistas começaram a explorar as novas fronteiras da arte computacional, hoje, os caminhos labirínticos da arte das redes, da vida digital, do universo digital. (SANTAELLA, 2002:9; 10)

A incorporação dessa nova linguagem faz com que, as fronteiras que limitavam

a criatividade dos cineastas, dos dramaturgos e dos videoartistas sejam demolidas. Não

precisamos mais rotular uma obra de arte, a discussão não é mais essa, o que importa

agora é explorar e expandir a arte através da convergência de linguagens distintas, e

assim, poder invadir mundos desconhecidos.

E o público alvo dessa nova estética tem um perfil multidisciplinar e sem preconceitos,

porque, segundo Santaella (2005, 7) “alimentar o separatismo conduz a severas perdas

tanto para o lado da arte quanto para o da comunicação. Por que perde a arte? Porque

fica limitada pelo olhar conservador que leva em consideração exclusivamente a

tradição de sua face artesanal”.

Considerações Finais

Após a apresentação deste panorama contemporâneo que exemplifica as

transformações ocorridas na forma de composição, organização e realização das artes

visuais com a através da convergência de linguagens, percebemos que estamos

aprendendo a retirar os “rótulos” da individualidade, e repensar no hibridismo de

diferentes tipos de estéticas, como forma de desenvolvimento de uma terceira.

Essa terceira estética, por sua vez, chega munida de poderes que poderão

revolucionar as idéias, o pensamento, o comportamento e a criatividade artística tanto

por parte do produtor da arte quanto do receptor, que nesse momento especifico também

se hibridiza em sua relação com a obra, pois, ele passa a ser ao mesmo tempo

construtor, executor, emissor e receptor deste projeto artístico. “Lembrem-se disto: a

convergência refere-se a um processo, não a um ponto final.” (JENKINS, 2009: 43)

E pensando na convergência como processo; percebemos que os exemplos

apresentados neste artigo são representantes desse momento de elevação de status, onde

a ação do artista, e a maneira com que ele utiliza uma ferramenta reformulam toda a

tradição da construção e desenvolvimento das artes visuais, como também a sua

recepção em novos territórios e públicos diferenciados.

Essa tríade - arte, tecnologia e convergência possui um caminho próspero no

contexto contemporâneo. Penso que não estamos distantes ou perto dessa quebra de

paradigma nas artes visuais, mais sim, estamos dentro do próprio. E por estarmos dentro

dele, ainda relatamos a complexidade de algumas pessoas em entender que esta arte

visual expandida não se estabelece através de uma linguagem; a coletividade e o

hibridismo de várias linguagens é quem fornece os parâmetros de sua existência

artística.

Os trabalhos realizados pela Cia Phila7, pela Cia Teatro Para Alguém e o filme

Fluidos do cineasta Alexandre Carvalho vieram para abrir as portas das artes, pois não

nos referimos a nenhuma estética em especial, mas a todas elas juntas e remixadas.

Portanto, a percepção deste movimento convergente da arte e da tecnologia no contexto

contemporâneo é apenas o começo, pois já vivenciamos e participamos direta ou

indiretamente de uma nova classificação de linguagem, uma linguagem multimidiática.

Notas do autor

Daniela Santos de Farias

Possui graduação em Comunicação e Multimeios pela Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo. Tem experiência em Multimeios, com ênfase em direção de arte, atuando

principalmente nos seguintes temas: produção e direção de vídeo, construção de roteiro

audiovisual, cenografia, design digital e artes plásticas. Atualmente é mestranda em

artes visuais pela UNESP- IA, campus de São Paulo, bolsista CAPES e integrante desde

2010 do grupo de pesquisa GIIP também da UNESP.

Agradecimentos

Aproveitando este momento para registrar meus agradecimentos a CAPES por financiar

parcialmente o projeto de mestrado através da concessão de bolsas de estudos, ao qual

se originou este artigo.

Referencias Bibliográficas:

BeRCHMANS, Tony: A música do filme: tudo o que você gostaria de saber sobre a música de cinema: São Paulo. Editora Escrituras. 2006 BARROS, Anna, SANTELLA, Lúcia. Mídias e Artes; os desafios da arte no início do século xx. São Paulo: Editora Marco, 2002. DUBOIS, Philippe.Cinema, Vídeo, Godard. SP: Cosac Naify, 2004 EISENSTEIN, Sergei. A Forma do filme. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990. EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990. FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia – Para uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio D’agua, 1998. GUINSBURG,J e FERNANDES, Silvia (ORGS) - COELHO,Sergio Salvia. O Pós-dramático. São Paulo: Perspectiva, 2010. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência: São Paulo: Editora Aleph, 2009. MACHADO, Arlindo: Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2007. MACHADO, Arlindo: Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Editora Brasiliense,2009. SANTAELLA. Lúcia. Matrizes da linguagem pensamento. São Paulo: Iluminuras, 2001. SANTAELLA. Lúcia: Por que as Comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005.

Artigos em meio eletrônico:

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OLIVEIRA, A.; KATZ, H.; FERREIRA, J.; BAMBOZZI, L.; GROSSMANN, M.; PEREIRA, M.; SILVEIRA, R.; MACHADO, A. Arte e mídia: os meios como modo de produção artística na cultura. Galáxia, Brasil, v. 2, n. 4, 2002. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/galaxia/article/view/1318/1090. Acessado em 21 jan. 2011.

REGIS, S. Percepção, linguagem e pensamento. Galáxia, Brasil, v. 2, n. 3, 2007. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/galaxia/article/view/1304/1074. Acessado em 21 jan. 2011.

SILVA, A. Semiótica e audiovisualidades: ensaio sobre a natureza do fenômeno audiovisual. Revista Fronteiras - Estudos Midiáticos, Brasil, v. 9, n. 3, 2008. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/fronteiras/article/view/6069/5532. Acessado em 21 jan. 2011

Fotografias:

1 .Projeto Play on Earth São Paulo Cia PHILA7. Disponível em http://www.gag.art.br/cia_phila_7/

2. Espetáculo “What´s Wrong with the World?. Cia PHILA7”. Disponível em http://www.gag.art.br/cia_phila_7/

3. Site Teatro Para Alguém.. Disponível em http://www.teatroparaalguem.com.br/quem-somos/

4. Filme Fluidos. Disponivel em: http://www.cinevivo.com.br/