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Contratos de Comunicação na Era da Interatividade: Uma Análise de Notícias e Informes Publicitários do site Campo Grande News1
Bruno Navarros2
Resumo: O artigo visa apresentar conceitos essenciais dos contratos discursivos na perspectiva do teórico francês Patrick Charaudeu, que serve de base para uma análise de notícias e informes publicitários do site Campo Grande News realizada para compor projeto de pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O projeto traz um breve histórico sobre a influência da publicidade no fazer jornalístico, divaga sobre o hibridismo existente nos meios de comunicação através de produtos como os Informes Publicitários e leva em consideração os lugares de pertinência (produção-produto-recepção) do que Charaudeau metaforicamente chama de "máquina midiática". Como proposta de estudo, a ser realizado, visa-se identificar em jornalistas e leitores do site Campo Grande News elementos considerados por ambas as partes essenciais a um texto informativo, para então correlacioná-los aos processos de produção e consumo de notícias e informes publicitários do veículo. Pretende-se consequentemente levantar questões sobre os reflexos da hibridização entre jornalismo e publicidade. Recorre-se aos procedimentos metodológicos da análise quantitativa do conteúdo publicado pelo Campo Grande News no site, de materiais compartilhados através de sua página na rede social Facebook; para então propor pesquisa qualitativa com jornalistas do site e leitores (extraídos a partir da interação com postagens) mediante entrevistas.
Palavras-chave: hibridização, contratos comunicativos, Informes Publicitários,
Jornalismo, Publicidade.
1 Artigo enviado na modalidade Comunicação Oral.
2 Graduado em Jornalismo; Especialista em Administração de Marketing em Propaganda; Mestrando em
Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected].
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1. INTRODUÇÃO
Ao explorar as interfaces entre os campos situacional e linguístico, e macro e
microssocial, o teórico francês Patrick Charaudeau propõe o conceito de contrato de
comunicação, que trata das trocas simbólicas embutidas nos discursos sociais e da relação
contratual implicitamente reconhecida entre os sujeitos enunciador (produtor de conteúdo) e
enunciatário (consumidor). A identidade dos parceiros, os objetivos, o assunto tratado e as
circunstâncias materiais se entrelaçam ao corpo e às estratégias de discurso utilizadas.
Aspectos circunstanciais e contextuais interagem, em uma espécie de rede de influências,
cujos atributos são condicionados ao reconhecimento recíproco dos interlocutores da
mensagem; ou seja, tanto de quem informa quanto daquele que é informado. Segundo o
teórico, "é o contrato de comunicação midiático que gera um espaço público de informação e
é em seu próprio quadro que se constrói a opinião pública". (CHARAUDEAU, 2006, p.115).
Figura 1 - Estrutura base do Contrato de Comunicação
Fonte: CHARAUDEAU, 2006, p.114
O autor contribui com um pensamento não só interdisciplinar bem como sistêmico, o
qual se leva a refletir quanto à Comunicação sob todos os seus elos, desde a construção
textual até a forma como o objeto informativo é interpretado pelo leitor. Este processo do
discurso informativo passa pelas influências das lógicas econômicas, tecnológicas e simbólicas
(articulação nomeada por Charaudeau de "máquina midiática"), que concomitantemente
fazem com que as partes envolvidas no processo comunicativo carreguem intencionalidades
que irão refletir tanto no material em si quanto no sentido produzido. O autor ilustra os
aspectos que envolvem os lugares de pertinência na relação contratual simbólica da cadeia
midiática, formados pela tríade produção-produto-recepção.
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Figura 2: Lugares de pertinência da “máquina midiática”
Fonte: CHARAUDEAU, 2003, p. 23
Na realidade contemporânea, materiais híbridos publicados com certa frequência nos
meios de comunicação, e cuja essência é ditada pela lógica econômica, têm se apropriado de
elementos característicos tanto do Jornalismo quanto da Publicidade. A intenção do
enunciador é criar um material com conteúdo informativo, de leitura agradável (ao utilizar
técnicas de construção de narrativas), e menos impositivas, como ocorre em peças
publicitárias tradicionais (ao evitar verbos no imperativo). Esta mutação gera um produto que
carrega um conflito ético e de finalidade.
A finalidade do contrato de comunicação midiática se acha numa tensão entre duas visadas, que correspondem, cada uma delas, a uma lógica particular: uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica comercial: captar as massas para sobreviver à concorrência (CHARAUDEAU, 2006, p.86).
Baseada neste cenário no qual fronteiras jornalísticas e publicitárias se entrelaçam
para construir um novo ponto no mapa da informação, esta proposta de projeto traz um
breve histórico sobre a influência da Publicidade no fazer jornalístico e propõe a análise de
fatores que envolvem os contratos comunicativos, em especial os casos nos quais
predominam discursos híbridos; com embasamento na perspectiva de Charaudeau.
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Visa-se em etapa posterior identificar em jornalistas que produzem os Informes
Publicitários e leitores do site Campo Grande News características consideradas por ambas as
partes essenciais a um texto noticioso, para então correlacioná-las aos processos de produção
e recepção de notícias e Informes Publicitários do veículo. Pretende-se ainda levantar
questões éticas sobre os reflexos da hibridização entre Jornalismo e Publicidade. Recorre-se
aos procedimentos metodológicos da análise quantitativa do conteúdo dos Informes
Publicitários do site, com comparação a notícias veiculadas na mesma editoria; e qualitativa
do discurso presente nestes materiais; sob a teoria discursiva de Charaudeau.
O primeiro passo da pesquisa será realizar um levantamento bibliográfico referente
aos temas "contratos de comunicação", "hibridização entre Jornalismo e Publicidade",
"discursos publicitário e jornalístico" e "deontologia jornalística"; tomando como ponto de
partida obras de autores como Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, Nilson Lage,
Ciro Marcondes de Lima e Wilson Gomes. Simultaneamente, será realizada uma pesquisa
exploratória para coletar a quantidade de Informes Publicitários veiculados no site Campo
Grande News. Sugere-se para a análise textual discursiva do conteúdo, a dinâmica da semana
construída, para não haver enviesamentos temáticos. Os Informes Publicitários serão
classificados por data, horário de postagem no site, título e editoria. Para efeito de
comparação com o conteúdo jornalístico, será escolhida a notícia de mesma editoria postada
no site imediatamente após cada Informe Publicitário.
A próxima etapa será definir tanto enunciadores quanto enunciatários, com o objetivo
de, na entrevista direta, identificar critérios e objetivos que envolvem desde o processo de
produção e veiculação dos materiais até a percepção do conteúdo pelos leitores. Os roteiros
semiestruturados para aplicar a técnica de entrevista serão preparados para identificar o
perfil e as preferências do jornalista e do leitor em relação às estruturas das notícias e dos
Informes Publicitários; no caso do público, almeja-se checar também o conhecimento sobre o
caráter comercial dos Informes Publicitários e qual a opinião sobre a credibilidade do
conteúdo e do veículo jornalístico que os veiculam.
Os jornalistas escolhidos serão aqueles que fazem parte da rotina produtiva de
matérias jornalísticas e de Informes Publicitários; já os leitores convidados serão os que
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interagirem no Facebook (por curtida, comentário ou compartilhamento) com os Informes
Publicitários; maneira considerada mais prática para localizar o enunciatário da mensagem.
2. ROTAS QUE SE CRUZAM
A partir do século XVII, tem-se registro dos primeiros anúncios em jornais. Jornalismo e
Publicidade começam a dividir espaço. No século XIX, com a Revolução Industrial, há a
massificação do consumo, quando essas duas formas de comunicação também passam por
mudanças consideradas revolucionárias. As técnicas tipográficas ganham novos inventos,
como as rotativas de Marinoni, em 1871, que possibilitam a produção de jornais em alta
escala – torna-se possível imprimir 95.000 páginas por hora (TRAQUINA, 2004, p.38).
A Publicidade direciona suas estratégias de persuasão com objetivo de venda para o
coletivo; compradores e vendedores desconhecidos, formados pela massa do proletariado. O
Jornalismo passa a ser tratado como uma atividade que deve gerar lucro e a notícia de
atualidade é sua mercadoria. No último quarto do século XIX, a Imprensa se estabelece como
pleno negócio e a produção jornalística, ao buscar uma forma de se sustentar, foca na
associação de elementos da publicidade ao produto informativo, com a produção e a
circulação de notícias financiadas em grande parte pelos anunciantes.
Mas, é a partir do final do século XX, quando o excesso de informação satura o
mercado e a concorrência torna-se intensa, que a informação recebe tratamento estético
cuidadoso, na intenção de reter a atenção do público por tempo suficiente para que a
mensagem publicitária ou jornalística seja transmitida. O Brasil também segue essa tendência
já consolidada então nos territórios norte-americano e europeu.
A partir da pós-modernidade, a publicidade começa a transpor os limites do jornalismo: a ordem é hibridizar a natureza persuasiva da publicidade, dissolvendo-a no espaço jornalístico, como se fora parte da própria natureza jornalística. É um exercício que inocula o interesse privado no espaço público da imprensa e investe de legitimidade o gene clandestino da lógica publicitária. (MARSHALL, 2003, p.119-120)
Remete-se também ao pensamento de Luiz Gonzaga Godoi Trigo, que aponta a
influência do mercado de bens e serviços na produção de informação e trata do conteúdo
ligado ao entretenimento como um objeto estratégico e visado pelas classes empresarial e
institucional para gerar no público prazer em consumir.
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Em uma sociedade cuja informação é uma mercadoria valiosa e os fluxos de circulação da informação são controlados por instituições e empresas ligadas aos mais diversos setores produtivos, existe uma intricada rede que agrupa em um mesmo fenômeno atividades que, na origem, são diferentes (esportes, notícias, arte, educação, lazer, turismo, ‘show-business’), mas que se articulam enquanto mercadorias destinadas a um consumo específico caracterizado pelo prazer. (TRIGO, 2003, p. 21-22).
3. INFORMES PUBLICITÁRIOS E A HIBRIDIZAÇÃO
O ambiente digital tem registrado crescente advento das relações comerciais3,
impulsionado pelo desenvolvimento de novas tecnologias para e-commerce e ferramentas
apuradas de métricas e monitoramento na web, que permitem às empresas conhecer melhor
hábitos de consumo e agir de acordo com estas preferências. A consequência é um esforço
maior das marcas em "conversar" com o público-alvo, principalmente através do Facebook4. O
Marketing de Conteúdo ganha cada dia mais importância na visão daqueles responsáveis por
definir as diretrizes de atuação comercial das empresas.
No meio jornalístico, debatem-se aspectos que envolvem a publicação dos Informes
Publicitários, pelo fato de o produto informativo se utilizar de artifícios do Jornalismo para
construir um texto de cunho comercial e que pretende convencer o leitor a consumir certo
produto ou serviço. José Antonio Martinuzzo define Informe Publicitário como:
Espaço publicitário, uma vez que é comprado junto às mídias jornalísticas, mas com conteúdo informativo. Geralmente, dialoga com padrões estéticos e estilísticos do veículo jornalístico, o que explica a identificação como 'informe publicitário'. É utilizado para garantir maior formalidade a publicações e posicionamentos organizacionais acerca de temas complexos ou mais densos. (MARTINUZZO, 2013, p.77).
Para Leandro Marshall (2003, p.123), mesmo que obedeça os princípios do jornalismo,
por estar corretamente identificada, "a publicidade acaba obtendo o bônus de uma notícia, já
3 O relatório WebShoppers 2015, elaborado pela E-bit, aponta crescimento de 24% no faturamento do comércio eletrônico brasileiro, que passou de R$ 28,8 bilhões em 2013 para R$ 35,8 bilhões em 2014. 4 A pesquisa "Brazil Digital Future in Focus 2014", da consultoria Comscore, aponta que brasileiros lideram o engajamento online, com usuários que navegam 29,7 horas por mês, sete a mais do que a média mundial. O Brasil possui a 5ª maior audiência do mundo: 68.1 milhões de visitantes únicos registrados em fevereiro de 2014, crescimento de 11% em comparação ao mesmo período de 2013. O Facebook lidera a categoria de Redes Sociais. Os brasileiros passam mais tempo navegando no Facebook do que mexicanos e argentinos passam online por mês. A publicidade digital cresce, com mais de 107.6 milhões de impressões em 2013 (display).
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que os leitores, majoritariamente, não percebem o aviso de 'informe publicitário' e dão a
credibilidade de notícia ao texto".
Busca-se em Nilson Lage definição para a atividade do profissional de Jornalismo.
Jornalistas devem transformar, processar, codificar informações segundo padrões técnicos consensuais (sem o que as mensagens correriam o risco de não ser aceitas ou compreendidas) e obedecendo a valores éticos admitidos pela sociedade, embora não necessariamente por todos os grupos que a compõem. (LAGE, 1988, p.125).
Ao procurar referências sobre a utilização de elementos do Jornalismo na Publicidade
constata-se que o debate se estende por décadas, perdura e ganha corpo com a
transformação dos meios, indivíduo e sociedade, cada vez mais em rede, interativos. Evoca-se
o conceito de verdade, do qual o trabalho jornalístico busca constante aproximação.
Para Wilson Gomes (2009, p.61), verdadeiros "são os enunciados que descrevem
coisas e fatos e, assim, mostram, revelam como eles são". O autor conclui posteriormente que
"não há apenas fatos; não há tão somente interpretações. Há verdade e há perspectiva. O
importante é não perder de vista a tensão de convivência destes dois termos imprescindíveis.
Verdade na perspectiva, não verdade da perspectiva". (Idem, p.66).
Porém, a hibridização entre Jornalismo e Publicidade torna-se atrativa em um mercado
da Comunicação cada dia mais competitivo. O pensamento de quase meio século de Marshall
Mcluhan estimula a discussão, ao apontar que:
O homem ligado ao livro tem a ilusão de que a imprensa seria melhor sem os anúncios e sem a pressão dos anunciantes. As pesquisas têm espantado até os diretores de jornais ao revelarem que os olhos erráticos dos leitores de jornais se deliciam por igual com os anúncios e os textos noticiosos. (MCLUHAN, 1969, p.237).
O autor pondera que o que há de pejorativo nos conteúdos de cunho publicitário é o
fato de apresentarem sempre notícias positivas.
Patrick Charaudeau concebe as mídias em um complexo campo de poder, cuja
legitimação depende tanto do campo econômico, que busca a captação de um grande
público, quanto do campo da cidadania, no qual adquirem a legitimidade através da
construção de opinião pública que lhes garanta credibilidade.
Na tensão entre os polos de legitimidade e de captação, quanto mais as mídias tendem ao primeiro, cujas exigências são as da austeridade racionalizante, menos tocam o grande público; quanto mais tendem para a captação, cujas exigências são as da imaginação dramatizantes, menos credíveis serão. As mídias não ignoram isso,
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e seu jogo consiste em navegar entre esses dois polos aos sabor de sua ideologia e da natureza dos acontecimentos. (CHARAUDEAU, 2006, p.93).
O autor descreve expectativas recíprocas de ambas as partes ao explicar a relação
entre enunciador e enunciatário.
[...] toda troca linguageira se realiza num quadro de co-intencionalidade, cuja garantia são as restrições da situação de comunicação. O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. (2006, p. 68).
Sob um vértice normativo do impacto do conteúdo publicitário disfarçado de
Jornalismo, é comum afirmações em artigos e obras literárias de que estes modelos adotados
para a transmissão de conteúdo confundem o leitor.
Os publicitários veem na apresentação jornalística de seus anúncios, isto é, no desfiguramento do caráter de anúncio de sua publicidade (por meio da mistura da parte publicitária com a redacional), um aumento da eficiência propagandística desta. A qualidade da parte noticiosa que pode aumentar o poder do anúncio apresenta-se para os editores como fonte especial de lucros (MARCONDES FILHO, 1984, p. 72).
De acordo com Leandro Marshall (2003, p.122), o “jornalismo cor-de-rosa”, aquele
influenciado por elementos do discurso publicitário, pode ser identificado em 25 variações ou
gêneros. Um deles é o Desfiguramento: “publicidade paga, disfarçada de notícia, com
identificação de Informe Publicitário”.
Uma pesquisa5 divulgada em julho de 2014 pela empresa de marketing e conteúdo
Contently mostra que 54% dos consumidores norte-americanos não confiam no conteúdo
patrocinado; outros 59% acreditam que um veículo jornalístico perde a credibilidade quando
publica um conteúdo patrocinado por uma marca. A Contently entrevistou 542 usuários de
internet entre 18 e 65 anos nos Estados Unidos, de diferentes classes sociais, e constatou
ainda que 48% dos entrevistados acreditam que 'Conteúdo Patrocinado' significa que "um
anunciante paga para o artigo ser criado e teve influência sobre o conteúdo"; porém, mais de
metade (52%) acha que isso significa algo diferente. O estudo também revela que quanto
5 LAZAUSKAS, Joe. Study: Sponsored Content Has a Trust Problem. Disponível em <http://contently.com/strategist/2014/07/09/study-sponsored-content-has-a-trust-problem-2/>. Acesso em: 21 nov. 2014.
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maior o nível educacional dos consumidores, mais eles declaram se sentir enganados quando
se deparam com uma reportagem patrocinada.
É justamente a análise destes contratos comunicativos estabelecidos entre quem
produz e aqueles que recebem a mensagem contida nos Informes Publicitários do site Campo
Grande News a que se propõe este projeto de pesquisa; com o objetivo de se aprofundar na
observação dos três lugares de pertinência da cadeia midiática, descrita por Charaudeau:
condições de produção (instância de enunciação); construção do discurso propriamente dito;
e condições de interpretação (instância de recepção).
Segundo dados do Alexa Analytics6, serviço gerenciado pela Amazon, que analisa e
elabora rankings dos sites mais acessados do mundo com base na ferramenta, o site Campo
Grande News é o mais acessado de Mato Grosso do Sul, com média de 111.230 mil visitantes
diários únicos e 627.272 mil páginas visualizadas. De acordo com a Pesquisa Brasileira de
Mídia7 2015, no estado, 44% por cento da população acessa à internet todos os dias.
Fato é que, em um cenário em que a publicidade tradicional já dá indícios de ter
saturado o público em geral8, constantemente profissionais da área buscam novas
alternativas para levar a mensagem publicitária de forma mais informativa e provocar maior
engajamento do público-alvo.
4. INTERATIVIDADE
O pesquisador dinamarquês Jens F. Jensen define interatividade como “uma medida
do potencial de habilidade de uma mídia permitir que o usuário exerça influência sobre o
conteúdo ou a forma da comunicação mediada" (JENSEN, 2008, p.201, tradução nossa).
6 Alexa Analitycs. http://www.alexa.com/siteinfo/campograndenews.com.br. Acesso em 10 de outubro de 2014.
7 Presidência da República, Secretaria de Comunicação Social (SECOM), 2014. Pesquisa Brasileira de Mídia
2015. <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-
atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>.
8 Vale destacar que um outro modelo adotado atualmente por grandes veículos como o The New York Times é o da "Publicidade Nativa", na qual uma equipe de jornalistas, geralmente não integrante da redação, produz materiais relacionados a temas de interesse das empresas patrocinadoras, mas que não necessariamente as citam no texto (diferenciando-se por estes aspectos do Informe Publicitário). Há os dizeres "Patrocinado por" na matéria acompanhados da logomarca da empresa patrocinadora. .
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A evolução tecnológica, com máquinas gradativamente mais potentes, softwares
inteligentes e maior velocidade na transmissão de sinal da internet, somados ao
fortalecimento das redes sociais, elimina barreiras e torna a comunicação mais rápida, com
interações instantâneas. "A nova mídia é interativa. Ao contrário da mídia tradicional onde a
ordem de apresentação era fixa, o usuário pode agora interagir com o objeto da mídia"
(MANOVICH, 2001, p.66, tradução nossa). Ao encontro deste pensamento, Santaella (2004,
p.160) afirma que “a comunicação interativa pressupõe que haja intercâmbio e mútua
influência do emissor e do receptor na produção de mensagens transmitidas”.
A audiência está ávida por opinar e participar do processo de produção de conteúdo e
não só ser um mero espectador9. A maioria das empresas jornalísticas se incorpora às redes
sociais, em especial ao Facebook, com canal oficial para divulgação do conteúdo do site. Este
cenário oportuniza ao profissional da área de Comunição ter maior percepção sobre como o
material publicado repercute entre o público, além de permitir diálogo permanente com o
leitor. Este ambiente em rede possibilita a formação de comunidades virtuais e promove
maior proximidade entre fontes, profissionais e leitores; e, na maioria das vezes, é local para
expor opiniões e debater pontos de vistas distintos.
Em geral entende-se que comunidade virtual, segundo a argumentação de Rheingold, é uma rede eletrônica autodefinida de comunicações interativas e organizadas ao redor de interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria meta. Tais comunidades podem ser relativamente formalizadas, como no caso dos fóruns patrocinados ou sistemas de BBS ou formadas por redes sociais que se conectam à rede para enviar e receber mensagens no padrão de horário escolhido (com atraso ou em tempo real (CASTELLS, 1999, p.443)
Ao divagar sobre o caso de Netville, subúrbio de Toronto, onde um estudo identificou
maior interesse por parte dos moradores usuários de internet pelas relações sociais e para as
notícias locais, Castells (2003, p.102) observa que "a Internet parece ter um efeito positivo
sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação".
Segundo o autor, nesta nova noção de espaço, físico e virtual se influenciam, "lançando as
9 Em sua obra Cultura da Convergência, Jenkins (2008) trata sobre os conceitos de Inteligência coletiva (nova forma de consumo; fonte de poder que se dá por processo conjunto) e Cultura participativa (comportamento do consumidor midiático contemporâneo, distante da condição receptor passivo). Os consumidores aprendem a utilizar diferentes tecnologias para ter controle sobre o fluxo da mídia e interagir com outros consumidores. Eles ocupam espaços e exigem o direito de participar da produção do conteúdo.
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bases para a emergência de novas formas de socialização, novos estilos de vida e novas
formas de organização social" (CARDOSO apud CASTELLS, 2003, p.110).
O formato digital abre uma gama de possibilidades interativas e permite, no mínimo,
que o profissional tenha como base os comentários da rede social para, hipoteticamente,
corrigir erros em dados divulgados ou de escrita. Ademais, estabelece nova dinâmica aos
contratos comunicativos, principalmente nas condições de produção, ao permitir que o
jornalista elabore textos com base nestes feedbacks e interações do público leitor.
Uma postagem de Informe Publicitário pela página do Campo Grande News no
Facebook torna-se prova da participação ativa do leitor e também serve para exemplificar o
que presume-se ser uma desarmonia entre os efeitos propostos (e esperados) pelo
comunicador e os efeitos produzidos nos leitores. Ao elaborar o texto sobre um restaurante, o
profissional faz uso do termo "periferia", que carrega significado pejorativo, com o objetivo de
destaca o fato de o estabelecimento vender frutos do mar fora da área central.
Figura 02 - Comentários sobre o termo "periferia" em postagem na página do Campo Grande News.
(Fonte: www.facebook.com/cgnews. Acessado em 06/04/2015 e editado para fins deste artigo)
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Baseado nos diferentes tipos de interatividade expostos por Pierre Lévy (1999, p.83),
sugere-se que o ambiente virtual representado pela página do site Campo Grande News no
Facebook funciona como dispositivo de comunição que promove o diálogo entre vários
participantes. Ora é suporte para debates realizados pela comunidade virtual, que interage
através dos comentários (interrupção e reorientação do fluxo informacional em tempo real);
ora permite a implicação do participante na mensagem, que influencia na construção do
conteúdo (comunicação no mundo virtual, negociação contínua dos participantes sobre suas
imagens e a imagem de sua situação comum).
Na postagem de uma notícia que faz parte de série sobre a temática de diversidade
sexual, verifica-se o debate entre leitores do veículo; uma leitora e colaboradora (possui
coluna no site, mas não está no "Expediente") rebate comentários contestadores à pauta.
Figura 03 - Interação e debate de ideias em postagem na página do Campo Grande News.
(Fonte: www.facebook.com/cgnews. Acessado em 06/04/2015 e editado para fins deste artigo)
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Na última reportagem da mesma série, um personagem, que escreve em primeira
pessoa e assume assim papel de articulista, responde a alguns questionamentos dos leitores
em relação à escolha do tema que se transformou em uma sequência de notícias. A matéria
começa com texto introdutório feito por um jornalista do site, que explica que as perguntas
escolhidos foram feitas com frequência pelos leitores.
Figura 04 - Trecho da última matéria da série "Saindo do Armário" no site Campo Grande News.
(Fonte: www.campograndenews.com.br)
Já postagem feita por um leitor em sua página pessoal na rede social Facebook é
utilizada para demonstrar a confusão que pode ser causada pelo hibridismo em produtos
informativos. O caráter comercial do Informe Publicitário publicado no site Campo Grande
News é contestado pelo leitor, que obtém resposta de uma das jornalistas da empresa.
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Figura 01 - Postagem de leitor no Facebook com resposta de jornalista.
(Fonte: www.facebook.com. Editado para fins deste artigo)
Tais evidências justificam a importância dos estudos das relações entre enunciador e
enunciatário pela perspectiva dos contratos comunicativos, que refletem na elaboração do
produto informativo.
5. PESQUISA QUANTITATIVA
Observa-se que os Informes Publicitários são publicados atualmente com maior
frequência no site Campo Grande News, com espaço de destaque; inseridos em formato
quase idêntico às matérias jornalísticas, à exceção da identificação no lugar do nome do
repórter e através de tarja na imagem.
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Figura 03 - Comparativo Notícia/Informe Publicitário no 'Lado B'
(Fonte: www.campograndenews.com.br)
Figura 04 - Comparativo Notícia/Informe Publicitário em editoria do site
(Fonte: www.campograndenews.com.br)
Através de uma pesquisa feita pela ferramenta de busca do próprio site Campo Grande
News, constata-se que, desde 2011, os Informes Publicitários apresentam aumento
considerável nas inserções a cada ano.
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Tabela 01 - Informes Publicitários do Campo Grande News, por ano e editoria.
(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo
Grande News)
Percebe-se que os Informes Publicitários têm crescimento considerável a partir de
2013 e se consolidam como produto comercial do site em 2014, quando são produzidos 128
materiais; o que representa aumento de 132% em inserções quando comparado ao ano
anterior. Até o mês de março de 2015 já estão publicados 60 Informes Publicitários, ou seja,
quase a metade do total realizado no ano de 2014; o que reforça a percepção de que este tipo
de conteúdo ganha maior notoriedade como estratégia para captação de recursos financeiros
por parte do veículo de comunicação.
Fica evidenciado no levantamento quantitativo que as editorias com maior número de
inserções de Informes Publicitários são 'Empregos', 'Consumo' e 'Sabor' (estas duas últimas,
integrantes do canal "Lado B"). Os gráficos abaixo mostram, respectivamente, a evolução da
quantidade de Informes Publicitários nestas editorias durante os últimos anos e o total
produzido até agora, com um comparativo entre a quantidade de notícias e de Informes
Publicitários publicados em 2015 no site Campo Grande News.
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Gráfico 01 - Quantidade de Informes Publicitários nas editorias com maior frequência de publicação
(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo
Grande News)
Gráfico 02 - Comparativo entre Notícias e Informes Publicitários publicados de janeiro a março de 2015 nas três editorias com maior frequência de publicação
(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo
Grande News)
Na editoria 'Consumo', 21,3% do conteúdo em 2015, de janeiro a março, são formados por
Informes Publicitários. Em 'Sabor' alcança 15,3%, enquanto na editoria 'Empregos' o
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percentual é de 7,4%;. Conclui-se que, nas duas editorias ligadas ao canal "Lado B", os
Informes Publicitários representam número expressivo do conteúdo do site.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na pesquisa sobre os Informes Publicitários do site Campo Grande News é possível
identificar a ascensão das inserções deste tipo de conteúdo; crescimento acentuado em 2014
e nos primeiros meses de 2015. O formato híbrido de informação mescla recursos jornalísticos
e publicitários e se consolida como ferramenta comercial deste que é o site com maior
número de acessos do estado de Mato Grosso do Sul.
Ao contrário de revistas e jornais impressos, que na diagramação de página buscam
diferenciar a propaganda da linha editorial, a coleta de Informes Publicitários no site Campo
Grande News e posterior comparação com notícias publicadas nas respectivas editorias revela
que esta distinção neste veículo online está restrita à identificação com as palavras "Informe
Publicitário" abaixo do título da matéria e também à tarja com os mesmos dizeres em uma
das fotos do material. É necessário em estudos futuros saber se a diferenciação mais
contundente não ocorre por complexidade em modificar o layout de páginas internas do site
ou por conveniência, com intencionalidade de gerar conteúdo semelhante ao jornalístico.
Ainda é uma tarefa desafiadora para os veículos de comunicação encontrar modelos
comerciais que não conflitem com a ética jornalística, principalmente quando se propõem,
através de formatos híbridos de comunicação, a vender um produto ou serviço ao mesmo
tempo em que levam informação ao público. Na realidade dos meios online, na qual está
saturada a cada dia a disposição do leitor para clicar em banners de site, modelo de
Publicidade que tradicionalmente era responsável pela maior parte das receitas, profissionais
das áreas ligadas ao marketing têm buscado e testado outras soluções. Desponta-se como
estratégia recente associar à marca do patrocinador conteúdo relevante por meio de
narrativas, dados e contextualização, para promover a interação com o público e tentar ao
mesmo tempo entender melhor suas necessidades.
No caso do Campo Grande News, a constatação é de que o Informe Publicitário
aparece como alternativa para geração de receita, já que a incidência é crescente ao longo
dos últimos meses. Os materiais com maior número de inserção encontram-se nas editorias
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de ´Consumo´, ´Sabor´ e ´Empregos´, com dicas de serviços para usufruir na cidade,
estabelecimentos para se conhecer; entre outros. Seja no layout semelhante, quase gêmeo,
ou nos títulos e no corpo de texto, os informes e as notícias convivem de maneira
harmoniosa, principalmente nestas três editorias cuja finalidade é aguçar a vontade de
consumir, seja um bem material (calçados, alimentação, etc) ou conhecimento, no caso da
oferta de cursos de aperfeiçoamento profissional.
Quanto à utilização das redes sociais, a página do site no Facebook desponta como
ambiente para promover a interatividade, além de ser elemento aos jornalistas que desejam
conhecer melhor o público e aprender com suas opiniões sobre o conteúdo compartilhado.
Esta relação pode interferir diretamente na construção dos contratos comunicativos ao
permitir maior diálogo entre as pontas da cadeia informativa e potencialmente serve para
avaliar e qualificar tanto a produção de notícias quanto a de Informes Publicitários.
Este artigo marca o início de uma pesquisa em nível de pós-graduação sobre os
Informes Publicitários no site Campo Grande News; torna-se um ensaio que se propõe a partir
de então à maior análise e levantamento de questões sobre o uso de conteúdos híbridos no
meio digital, do processo envolvido na elaboração deste produto que agrega elementos do
Jornalismo e da Publicidade e, principalmente, dos contratos de comunicação que se
estabelecem entre enunciador (quem escreve o texto; muitas vezes, jornalistas do veículo que
produzem notícias para as mesmas editorias) e enunciatário (o público leitor).
No contexto atual, no qual debatem-se temas como consumismo, geração de
conhecimento na internet, cultura participativa e também os modelos de negócio para a
sobrevivência dos veículos jornalísticos, analisar e problematizar a forma como a mensagem
publicitária hibridizada é produzida e chega ao público, além da relação entre produtores de
conteúdo e leitores, torna-se relevante; com presença necessária em trabalhos científicos.
7. REFERÊNCIAS
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