conto - resgate - immortales - roxane norris

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Conto

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Page 1: Conto - Resgate - Immortales - Roxane Norris
Page 2: Conto - Resgate - Immortales - Roxane Norris

Um conto de Immortales

Resgate Roxane Norris

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Dedicatória

A todos meus amigos e leitores que se

apaixonaram por András; que ansiaram por

uma explicação para sua morte, por um

momento em que pudessem olhar os verdes

novamente.

Um beijo especial a Laura Truan, Luíza Cintra,

Ludmila Fukunaga, Carine Dresh Hoffmann,

Milla Felácio e Anny Luccard, se não fosse por

vocês, esse conto jamais seria escrito.

Obrigada por acreditarem em mim!

Roxane Norris

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França 1789...

Sentia-lhe os dedos delicados contornarem

seus músculos, arrepiarem-lhe a pele de forma intensa e única, como só ela saberia fazer. Seus fios escuros, como cortinas de ébano, escondiam-lhe os traços, que ele sabia de cor. Não precisava vê-la para que cada célula de seu corpo a reconhecesse e respondesse ao seu chamado.

A boca sensual corrompia-lhe a sanidade, na oferta do desejo que há muito não provava. Não importava se era sonho, loucura ou, simplesmente, delírio. Achava-se à beira da mortalidade, inundado de sentimentos incomuns a sua natureza ou, até mesmo, à humana. O medo do fim de sua existência lhe parecia uma mera formalidade a ser cumprida quando mais nada lhe restara de sua missão. Como um Protettori, fizera suas escolhas, acertadas ou não, mas cujo resultado mantivera seus filhos a salvo.

Quando pensava que Ania cresceria longe de seus olhos, não sentia o mesmo desespero de outrora. Naquela ocasião, vira ser ceifado

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de suas mãos, a possibilidade reter a vida de seu filho. O minuto, em que as patas de Mina demorara em percorrer a estrada ao redor da montanha, ditara a dor e o desespero, que jamais provara igual, de vê-los em cinzas. Cinzas como as paredes que o cercavam, as quais estava preso por grossas correntes.

Seus braços não ofereciam resistência a qualquer ataque. Apresentavam chagas dos drenos que vinha sofrendo, desde que se entregara para salvar Augustus. Soubera, quando a perdera, que sua imortalidade seria breve. Deixara de se importar em viver, abreviava sua existência em missões extenuantes e se negava a permanecer em Vaslui mais tempo que suas memórias permitissem a estadia, ao ponto de lhe assaltarem a alma e vir lhe cobrarem o preço por seus erros passados.

Ao menos até conhecer Elise, e ela lhe provar que poderia conviver com migalhas de sentimentos que não eram para ele. Tonara-se um mendigo imoral, um vampiro de sentimentos, mesquinho e soberbo por sua natureza tão efêmera. Não era digno dela, não da imortal que era, pois buscava sempre por Anna. Afundava-se em seus cabelos escuros, buscando-lhe o cheiro de cerejas, tão característico dela. Havia petulância demais no seu querer, cada vez que tomava-lhe o gosto na ponta da língua, sua urgência se transformava em desespero... Num grito

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guardado no fundo de sua alma, que não podia ser salva ou recomposta. Afundava-se num sentimento que lhe adormecia os sentidos e que bania para longe, cada vez mais, o homem que um dia fora.

Seu corpo estava quente e as pedras frias. A febre era como um flagelo permanente, alquebrando qualquer tentativa que pudesse sobreviver no cubículo escuro e úmido em que se encontrava. Lembrava-se bem da última vez que estivera no castelo de Frederick; contudo, estar ali de novo, não representava seus planos. Deixara aquele lugar perdido em suas memórias, na dor que jamais se calaria em seu peito. A dor incomum da perda, da impotência... Da falta dela.

As grades rangeram próximas, seus sentidos moribundos detectaram o perigo, mas nada do qual pudesse fugir. O miserável ser que era seu cárcere, arrastou-se para dentro da cela, oculto pelas sombras, sem ter a ciência de que lhe era indiferente sua presença. Suas presas não lhe provocavam dor, associavam-se à punição que impunha a si mesmo. Desejava a morte lenta e agonizante que a sede de um semelhante pudesse lhe trazer.

Cerrou seus rubros, que vieram à tona por instinto primitivo de sua espécie ao ser provado em sangue. Sentia os espasmos de ser sorvido, sacudindo-lhe as entranhas, mas o prazer que viria com ele, toldava-lhe os

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pensamentos com as imagens dela. Seus cabelos ondulando ao redor de seu rosto, novamente um delírio da febre... Do sangue que secava em suas veias. Escorregou a boca pelo corpo curvilíneo, no qual sua sede era sempre saciada. Arranhando-lhe em presas e pressa, a carne clara. Tão sua, tão tenra, cujo gosto virara pó entre seus lábios com o passar dos anos, com a ausência das cerejas. Imaginava-se provando-a uma vez mais , fino gosto de vida que lhe preenchia a essência.

Seria esse, seu vislumbre da morte? Os braços macios de Alena? Voltara para casa e entregava-lhe a alma que sempre lhe pertencera. Perdia-se novamente na angústia de cobri-la com seu corpo, sobre um corpo etéreo, como toda Vaslui a sua volta. Imagens diáfanas do lugar a que pertencia; do sonho que nunca cansara de viver. Suas saias corriam pelos campos, rodopiando a música que se escondia em seus lábios; que vibrava nas cordas dos bandolins entre seus dedos. O sorriso límpido que floreava seus traços, que envolvia em braços, o ventre ligeiramente arredondado. Tão pleno e cheio de vida.

Sempre viveria de um sonho... Do passado que nenhum registro mortal ou imortal diria ser seu. Fora proibido de revelá-lo no exato momento em que os perdera, em honra de sua família. Em honra de Vaslui. Em honra da mulher que o destruíra como homem; como imortal e... irmão. A esta altura, desejava que

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Elise lesse a carta e soubesse o quanto a amara no curto espaço em que lhe fora permitida uma redenção por seus erros. Uma redenção que ele não buscara, mas que se vira impelido a realizar. Ela lhe dera a certeza de que algo de bom ainda havia para ser feito; que haviam bons motivos para a luta, mesmo que não a trouxesse de volta.

No último segundo, em que seu sangue preencheu a boca daquele infeliz, a alma de András escureceu... E aquele vazio se tornou sua companhia na linha tênue que o separava da sua realidade física. Uma dormência o impediu de acordar e seu corpo, inerte, tombou para frente entre as correntes.

O barulho de patas de cavalos e rodas

invadiram seus sentidos, seus olhos verdes buscaram a claridade que, imediatamente, o cegou; fazendo-o se encolher entre os múltiplos fardos ao seu entorno. Logo descobriu, que além da visão, seu olfato os repudiava sob o insistente odor de carniça. Mas onde, raios, estava? Tinha certeza de que a morte em nada tinha a ver com sua situação, ainda que o houvesse visitado recentemente. Contudo, era fato, que mesmo diante de sua repulsa, não tinha forças para se erguer contra aqueles cadáveres. Lutava, ainda, pela sobrevivência, e lhe faltava a percepção de porque o queriam vivo. Era algo que, nem mesmo ele, concebia. Deixou, pois,

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que o cansaço o envenenasse uma vez mais e desmaiou.

Era noite quando suas veias latejaram. O gosto férreo atiçava-lhe o imortal e ele abriu os verdes instantaneamente, como se um sopro de vida invadisse seus pulmões, enchendo-os quando a respiração quase lhe faltava. Um par de olhos castanhos intensos o fitava enquanto ele se via agarrado, sôfrego, as suas veias do braço. — Não podia correr o risco de tirá-lo do

castelo enquanto não fosse declarado legalmente morto... Uma estranha ocorrência para um imortal, eu diria — A voz não saía dos lábios do jovem que o encarava, tão somente invadia-lhe a mente sem permissão e lhe impingia uma pergunta única: quantas vezes já o bebera, para que uma ligação mental, como aquela, se estabelecesse entre ele? Em consciência, nenhuma. — Esta é a terceira vez que me bebe. — Sorriu-lhe o louro.

Seus rubros escureceram, ainda que não o soltasse de imediato. Sim, agora percebia seus cabelos; apesar de que a relevância disso era minúscula em relação ao fato dele se empenhar em ser seu salvador.

András recuou por instinto, mesmo que seu corpo imortal necessitasse muito mais do que aquilo que tomara. — Onde estamos?

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— Bem... — O jovem se ergueu, baixando a manga da camisa. — Difícil de determinar. Em algum ponto das montanhas, a leste de Bavária. Por mais que eu tente decorar os nomes das localidades, sempre as confundo. Basta que saiba que é seguro.

András se recostou na cabeceira da cama, respirando fundo e limpou a boca com as costas da mão. — Você não é amigo de Derek. — Não, não sou um Protettori. E, creio que

você não o seja mais também. Afinal, está morto. — Estou? — András o encarou

atentamente. — Ah, está. — O jovem se afastou, indo até

a porta. — Ou eu não teria sido pago para dar fim ao seu corpo. É difícil entrar em Thorn sem autorização da Ordem, mas Carl está morto e querem apenas se livrar dos corpos. Você deu sorte. — Ele puxou um pequeno punhal de suas costas e começou a afiá-lo. — E você é o cara que faz o trabalho sujo...

— ponderou András. — Não, esse cara teve alguns problemas

perto da fortaleza. — Manteve seu semblante voltado ao fio do punhal. — Eu, apenas, o substitui. — Parece providencial demais — constatou

o Valuescu, observando o ir e vir da lâmina. — Você tem um nome? — Ighor — disse simplesmente.

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— Também te pagaram para se livrar do homem?

Os castanhos se voltaram até seus verdes. — Não sou a melhor pessoa para te

responder isso. — Mas me deu seu sangue e, a julgar pela

maneira que me sinto, é tão imortal como eu. O louro devolveu o punhal as suas costas. — Escute, fiz o que deveria ser feito. Isso é

tudo o que tenho para te contar. — Colocou a mão na tranca da porta. — Apenas descanse, não tente bancar mais o herói. Você já teve seus dias de glória.

E, antes que András dissesse algo mais, a porta se cerrou diante de sua saída. Não era como se já não tivesse passado por situações piores, mas não gostava da forma como as coisas estavam sendo conduzidas. Haviam lhe resgatado, mas desconhecia o propósito e o arquiteto de tal empreendimento. E tal como pensara, Derek seguira suas ordens, já que o jovem desconhecia quem ele era.

Havia o fato incontestável de que o menino era um imortal, mas a que família pertenceria? Não fazia a mínima ideia de quanto tempo permanecera preso, ou ainda, se os clãs haviam se reunido; e, tampouco, estava em condições de deixar aquela alcova. Se já escapara de um destino incerto, poderia esperar mais algum tempo para conhecer seu salvador e suas reais intenções. Como Protettori já sobrevivera a situações piores e,

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incontestavelmente, mesmo que um imortal, o rapaz era ainda um menino. Não poderia ser difícil arrancar-lhe algo no tempo que necessitava para se restabelecer. Era lhe grato por salvá-lo de qualquer forma.

Recostou-se na cabeceira da cama e, em poucos minutos, o cansaço venceu sua razão, mas, com ele, vieram flashes de uma memória que não era sua.

A mulher estava de frente para o menino, vestia uma calça justa e corpete de couro sob a blusa de linho alva, e empunhava na sua direção, uma espada. — Vamos Ighor... Levante a ponta!

Concentre-se! — ordenava. — Agora invista! O menino, com um sorriso nos lábios, fez

conforme o ordenado, mas o ataque desajeitado foi interrompido pelo movimento perfeito da mulher, que lançou a espada dele há metros de distância. — Já lhe disse que a postura é tudo. O garoto se empertigou e voltou a sua

posição, com a espada em punho. Num único movimento, colocou-a contra a parede.

Os olhos castanhos, que encontraram os do menino, deixaram András sem respirar e ele acordou, tossindo. O quarto imerso no breu, mas ainda que parecesse que estava sozinho, as notas doces do ar a sua volta negava-lhe esta impressão.

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— Como se sente? — a voz suave envolveu-o, remetendo-o a um passado enterrado. — Morto. Ele pode sentir o leve sorriso que

estampava o rosto dela. — Não valeria o risco, se fosse para tê-lo

morto. — Não valia à pena estar vivo, se fosse

para vê-la morrer de novo. Silêncio. — Isso é passado... — ela determinou em

passos arrastados para longe da cama. — Não o culpo por ter acreditado no teatro de Frederick. Ele sempre foi bom com isso. Fez meu pai acreditar que Robert o traíra... E os fez acreditar no contrário. Por que não, na minha morte? — E os vi... em cinzas. — Viu o que deveria ver, para que pudesse

ficar vivo. — Do que está falando? — Estou falando do sacrifício que fiz para

mantê-lo vivo. Quando Robert morreu e Oliver sumiu, você era tudo que restava dos Valuescu. E Frèderick não descansaria até vê-lo morto. Eu estava fraca demais para lutar ao seu lado e decidida a não abrir mão do meu filho. Concordei com cada palavra que ele sugeriu. Cada mísera palavra... Consenti cada toque que ele me deu.

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Odiava-se e odiava Frèderick pelo que os fez sofrer. — Por que, quando Frèderick morreu, não

me procurou? — Carl não me deixaria partir com seu

sobrinho. Jurou cuidar da criança como se fosse sua — a voz dela se tornou pesarosa. — Eu tentei procurá-lo uma vez, mas soube que havia se casado com uma Alena... — Anna... — Por que deu meu nome a ela? — Porque você nunca me deixou... Nunca

saiu dos meus pensamentos. Os dias são penosos quando se ama; quando não se esquece; quando não se perdoa... — Eu tenho que ir... Já cumpri minha dívida,

deve se recuperar mais um pouco antes de partir.

Ela deixou no ar, em meio à escuridão. O leve farfalhar do vestido indicava que ela iria partir. — Espere... — O aroma de cerejas levou-o

diretamente a ela. Segurou-a pelo pulso, sentindo-lhe a pulsação descompassada. — A criança, está viva?

Ela não respondeu e o baque do corpo contra a madeira atrás deles foi inevitável. Impôs-lhe a virilidade de seus músculos, a força recém-adquirida, contra a fragilidade que havia em cada centímetro da imortal que ela era diante dele.

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— Se eu gritar, não terá a mesma sorte desta vez... — Diz que não me culpa, mas me esconde

a verdade. — Eu deixei você partir a muito tempo

András, essa é toda a verdade. Ela cerrou os castanhos, absorvendo cheiro

de menta, tão conhecido de seus sentidos. — Então devia ter me deixado morrer

naquele calabouço... Eu já havia aceitado meu destino. Por que, Alena, quis me salvar? Para me condenar a uma meia existência novamente? Eu já tive bastante dela por muito tempo!

Ele a soltou, ouvindo a respiração dela entrecortada. Em seguida, a tranca da porta foi destravada. — Leve-o com você. — Levar quem? — As mãos passaram

rápidas pelos cabelos louros. — Ighor. Não houve um dia, em que não

perguntasse por você. A luz que invadiu o quarto pela fresta da

porta, contornou-lhe a silhueta esguia. Por segundos, os verdes ficaram presos a ela. A cada detalhe que o tempo não mudara, mas que a escuridão tentava esconder. — E você contou algo a ele? — O coração

lhe soava como um bumbo intermitente. — Eu lhe contei o quanto o amei... A porta se fechou, ainda que ele corresse

até ela e a impedisse de bater, mas não havia

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nada no corredor além do cheiro doce de cerejas.

Há uma semana haviam deixado a

estalagem, na pequena porção dos Cárpatos, ao sul da Polônia. Conhecia aquelas cadeias montanhosas como poucos, se algo havia mudado ao seu entorno, o mesmo não acontecia ao clima lá no alto, nem a sua posição geográfica. O cavalo sob seu corpo não era como Mina, que também reconheceria o terreno, mas estava se portando muito bem diante das léguas que cobria, a galope.

Ao seu encalço, vinha Ighor, com quem ainda não conseguira conversar. As palavras eram difíceis demais, complicadas e, até mesmo, soberbas. Tinha sido muito mais fácil se apresentar e se portar como pai de Pietro, isso porque, o vira nascer e, de alguma forma, completava-lhe a alma como seu filho perdido. Todo aquele sentimento, encerrado há anos em sua alma, havia encontrado um destino no filho de Edmund, mas o que dizer agora ao jovem que também procurava se ausentar em palavras?

Estavam próximos ao castelo de Vlad quando, enfim, achou algo que pudesse lhe dizer. — Foi exatamente aqui, que descobri que a

amava. Os castanhos de Ighor se uniram aos seus

verdes.

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— Sabe que não precisa fazer isso. Houve um momento de silêncio, onde só o

vento assobiava em seus ouvidos. — Esperei tempo demais para conhecê-lo.

Na verdade, eu os julgava perdidos. Sua mãe deve ter lhe contado...

Sem esperar que o jovem lhe desse uma resposta, colocou a montaria em movimento. A noite teria nevasca e precisavam se resguardar em Brasov. O pequeno povoado, que surgira do acampamento formado pelos ciganos, sobressaiu a sua frente, envolto numa neblina densa. Escorregando pelas vielas, viu quando uma pequena fresta se abriu na porta de umas das casas, e dela fez-se presente uma senhora. Seus cabelos eram brancos e formavam uma grossa trança que descia pelo ombro sobre um manto azul. — Nona? — ele a reconheceu, assim bem

como seu cavalo, que trotou rápido até ela. — Demorou a voltar... Valuescu — sugeriu,

acariciando o focinho do cavalo, que parecia familiarizado com ela. Os olhos escuros desviaram para o jovem que vinha logo atrás. — Fico feliz que o tenha trazido consigo, mas sinto falta de minha neta...

András desviou os olhos para o filho que apeava, e num sopro respondeu-a: — Talvez minha demora não a recompense

de todo. A mão da senhora, entretanto, fechou-se

sobre seu ombro.

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— Não perca as esperanças. Se, demorou muito para voltar, é porque tem um motivo para estar aqui. — Voltou-se para a porta. — Venha tomar um chá...

Naquela noite, quando se deitou, o conforto do chá quente se misturou às lembranças que estavam tão vivas em sua mente. Lembrava-se da fenda e da primeira vez que a tocou como homem. De como os olhos dela brilhavam na noite e a altivez de seu caráter, que tornara-o um vassalo de suas emoções. Guiado pelos ciúmes, pelo desejo de posse, pela vontade quase histérica de tê-la para si. Em nada isso havia mudado... Mesmo ali, distante do mundo real, senti-a entre seus dedos, tocando-lhe a pele, provando-lhe os lábios.

Sua respiração era uma nota a menos, falseante e quase sufocada pela insanidade incontida de querê-la. Seus músculos estavam crispados, seu corpo inteiro formigava e, em desespero, abriu os olhos no escuro que o cercava. — Por que insiste nisso? — bronqueou, a

respiração quente dela ao encontro de seu rosto. — Eu pedi que o levasse com você... Só ele... — era um resfolego desmedido. — Porque eu nunca soube manter minhas

promessas. Então, quanto mais me quiser longe, mais perto estarei.

A boca se misturou a dele, assim com menta às cerejas no ar. Desfez o nó que

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prendia seus cabelos e deixou que os fios sedosos permeassem seus dedos. Deitou-a no colchão, cobriu-a com a própria pele, despejando-lhe beijos e carinhos a cada mínima curva de seu corpo. Abandonava-se ao desejo lento, que lhe comprometia a razão, tanto, e tão imensamente, que seria incapaz de negar-lhe qualquer coisa.

Mordia-lhe a orelha, arranhava-lhe a garganta para desaguar no vale de seus seios. Molhava-os, como gêmeos que eram, um a um, ambos como um só. Únicos. Partes de uma perfeição que era só sua, pertencia-lhe em carne e sangue. Sublinhava-lhe o ventre, inundava-lhe as coxas e prenunciava sua presença nela. Quando o murmúrio desconexo da imortal o fez parar e voltar ao seu rosto. Encarando aqueles orbes intensos. — Eu jamais amei outra mulher dessa

forma. — Ele riu sobre o rosto dela. — Prove-me András... — Como quiser milady... As presas na sua carne e o sangue que

preencheu-lhe a boca, trazendo o imortal à flor da pele, para no segundo seguinte, invadi-la sem piedade ou trégua. Suores se misturavam aos cheiros. Perfumes de insensatez e luxúria, de corpos em exaustão. O gosto férreo embolava-se ao adocicado dos lábios. A pele contra o veludo. A paixão se sobrepunha à angústia. O desejo dominava o medo. Em segredo, os amantes imortais se consumiam;

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consumavam um sentimento a muito perdido. Resgatavam o amor adormecido, daquela forma irascível, sua verdadeira forma imortal. Seres cujos sangues respondiam a um único chamado... O chamado das presas; da caça e caçador... Do rubro sob os lençóis que os mantinham aquecidos enquanto lá fora o tempo parecia decantar em cinza e neve.

O vento sibilava entre as árvores da

floresta, com suas folhagens cobertas por orvalho, cujo perfume o rodeava. Ainda se lembrava de como encontrara Anna nos braços de Yuri. Ainda podia ouvi-la, chamando-o, ao seu encalço enquanto a força da imagem diante de seus olhos — a da traição — o impulsionava para longe. Não sabia como agir ou se portar na frente dos castanhos, estava ferido em seu orgulho; no sentimento que ainda não sabia como lidar.

A sua alma, não importava os clamores da alma aflita dela. Mal havia entendido o que se passava consigo mesmo, com seus valores e suas intenções, e ela o amaldiçoava a solidão de um sentimento sombrio como aquele, o ciúmes. Cerrou os punhos e olhos, respirou fundo e sorriu. Como era tolo, ainda que a eternidade já lhe pesasse nos ombros como uma companheira viciante.

O negro da noite começava a se dissolver nas matizes suaves da aurora eminente. O barulho de galhos sendo partidos, em sua

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direção, o colocou em alerta, já que o visitante não se importava em ocultar sua presença. Sentia-o as suas costas, contudo, era incapaz de lhe decifrar o cheiro, e isso lhe trazia uma cota de frustração e receio à mente. Como podia ter estado tão longe de algo que lhe era tão caro? De algo que lhe fizera falta por anos; que trouxera-lhe tomento e dor aos seus dias, tornando-o, muitas vezes, amargo e intransigente.

Carne de sua carne, sangue de seu sangue e, ainda assim, um desconhecido. — Por que não está lá dentro, com ela? —

Era uma pergunta interessante, de fato. Não era algo que ele quisesse entender, mas sim, um passo, mínimo, para colocá-lo numa posição sem escapatória.

Fitou a lua por instantes, que começava a se esvanecer, e voltou-se para ele. Os verdes nos castanhos, intensos. Já não parecia o mesmo rapaz que não desejava um pai; e, ele mesmo, não era mais o homem sem pressa de ser aceito como tal. A urgência dos anos passados na ausência de suas imagens desabava sobre ambos de forma aterradora, ainda que András tentasse contê-la. — Antes de lhe dizer qualquer coisa, diga-

me... — ele começou suave, desfazendo o contato dos olhos e rodeando Ighor, como se o analisasse friamente. Mentiras, seu coração estava a um passo do desespero; seu rosto era apenas uma máscara, a mesma de um

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Protettori em ação. — O que esperava de mim?

A surpresa estampou os castanhos, e as palavras pareciam duras demais para deixarem seus lábios. Ighor apenas fitava o homem diante de si, atônito. Há muito deixara de sonhar com um pai, de insistir que a mãe o procurasse; pois o tempo e a maturidade dos anos, o fizeram entender — cada dia mais — o risco que todos corriam. Aprendera a amar o pai à distância. Todavia, quando veio a notícia da chegada da herdeira de Vaslui, não houve como conter a decepção e o sentimento de vazio que o colheu. Não havia abdicado somente do pai; haviam sido excluídos de tudo.

Como poderia ser tão fácil, para ele, esquecer-se da mulher e do filho? Por outra em seu lugar, e no dele? Algum dia o pai realmente o amara, como Alena sempre o fizera acreditar? — Seu silêncio me diz que esperava mais...

— Forçou um sorriso que seus lábios insistiam em romper, furiosamente. No fundo, odiava-se. — Não posso culpá-lo, nem ser insensível ao que sente. Entendo cada linha de angústia e raiva que sua mente traça a cada minuto que passa comigo. — Ninguém jamais lhe dissera que era tão difícil. Ighor não era uma criança como Pietro, mesmo que estivesse numa posição muito similar a de Edmund, não poderia dizer o mesmo de Alena e Ighor. Ela

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jamais amara outro homem e o que vira em suas memórias, fora justamente o que o levara até ali, em busca de ar. Frèderick sempre tratara Ighor com frieza; o garoto era a prova viva de que Alena amava outro. Mesmo que a tocasse dia e noite, que a forçasse aos seus caprichos mais insanos... Nunca obteve dela, amor. A impotência comprometeu seus sentidos. Fê-lo falsear ao concluir: — Minha eternidade seria pouco para lhe pedir desculpas... Eu nem sei como lhe chamar. Ighor é tão simples, e filho me parece tão absurdo... — Ousou dar mais um passo, mas suas pernas não o permitiram. — Ainda me lembro de quando falava comigo, dentro de sua mãe. Sua voz, seus pedidos. Penso que sua irmã nunca vá ter minha presença também, e me pergunto que tipo de pai eu fui... Eu sou. A imortalidade é mais cruel que a humanidade que carregamos não nos dá escolha, a partir do momento em que escolhemos um caminho a seguir. Uma redenção pode se apresentar como o fio de uma navalha, afiado e frio. — No início, eu o amei. — Os verdes se

voltaram brilhantes para o rapaz. — Eu o endeusava. Você representava tudo que eu queria ser. A sua integridade me fazia questionar o quanto escondia, sob ela, o que te fazia sofrer. — O jovem engasgou sob um céu salpicado de laranja. — Eu vibrava cada vez que Carl chegava irritado com uma

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derrota para você. Isso me dava a certeza de que, além estar vivo, amava meu pai como deveria. Era o homem mais maravilhoso que existia e... queria muito dizer a ele, que a sua ausência fazia de mim, um homem mais forte. — Não pareceu ter notado que os olhos verdes marejaram como os seus próprios. — Era a perspectiva de chamá-lo um dia de pai, que me dava força para suportar cada dia que via minha mãe ser humilhada. Ela pode parecer forte, mas... — Seus nervos travaram. — Quando matou Frèdrick, ela chorou. Não por ele, mas por nós. Foi a primeira vez que a vi chorar, e eu o idolatrei ainda mais, se é que isso é possível. — Ighor... — optou incerto, dando um passo

em sua direção, que subitamente contido. — A segunda vez que ela chorou, foi

quando soube da Alena... E eu o odiei. — As lágrimas escorreram por fim. Livres por suas bochechas sem que András pudesse secá-las. — Não queria mais chamá-lo de pai, ou sequer ser parecido com você. Eu podia suportar a distância, mas uma família toda no nosso lugar? — Sob a luz de um novo dia, András viu o corpo do filho tremer. — Era eu, o menino que tinha que estar em seus braços! Não o filho de outro homem! Eu tinha feito tudo certo!

O que havia para ser dito? Dizer que o amava não era suficiente. Nem mesmo

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quando se imaginava ouvindo as palavras, não lhe pareciam justas. — Não o salvei por mim... Salvei-o por ela.

Sabe o quanto ela te ama? Silêncio. — Por isso estou te perguntando de novo,

por que não está com ela? — Ighor concluiu. Os olhos verdes do louro o fitavam

intensamente. — Não escolhi ser ausente, mas optei por

uma segunda chance com alguém que fizesse lembrar-me dela todos os segundos, e ao invés de ser ela a me deixar, eu a deixei primeiro. — Virou algum tipo de esporte, para você?

Essa Elise, não me parece uma má pessoa e estava grávida. Sabe que sairia bem dessa, como saiu das outras vezes... Por que se deixou pegar? — rebateu.

András sorriu, correndo a mão nos cabelos. — Vamos lá — alfinetou-o. Ainda que não

fosse dessa forma que quisesse se aproximar do filho, chegara a hora de se impor. — Você me conhece melhor que muitos, tem me observado há muito tempo, Ighor. E foi justamente por saber como penso que quis ajudá-la, que alimentou a esperança de ambos em me encontrar e o trouxe a mim. — Você não é o homem que eu pensava —

retrucou irritado. As lágrimas voltaram aos seus olhos.

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— Não, você tentou, com todas as suas forças, me odiar. E quase conseguiu — pausou com dificuldade. — Mas você aprendeu a me amar a muito mais tempo, a me querer como pai... Assim como eu sempre o quis. Sempre procurei você. — Viu-o desviar os castanhos de si. — É melhor guardar suas desculpas para

ela. — Ela já me perdoou — András disse baixo.

— Como você mesmo disse, sua mãe parece forte, mas...

O barulho de metal correndo a bainha de couro rasgou o ar junto ao movimento de András, interceptando a investida da espada do filho. — Não é só a aparência, foi a força dela

que nos manteve unidos, mesmo que distantes... — murmurou. — O que achou que eu diria? Que poria em questão a mulher que sua mãe é? A mulher que nunca deixou meus pensamentos? — Baixou a espada e atirou-a ao chão enquanto investia seu corpo na direção dele. Os olhos castanhos acompanhavam seus movimentos sem recuar. — Eu chorei a sua perda antes de poder te chamar de filho... Acredita mesmo que posso não te amar mais do que supõe que ame Pietro? — Não quero sua compaixão, não estou

implorando seu amor — sugeriu inseguro. — Mas eu estou implorando pelo seu...

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Um brilho escuro cruzou o olhar de Ighor e o fez verter a ponta de sua espada ao chão. — Passei tempo demais sem ele. —

Estendeu-lhe a mão numa oferta. — Mas acho que temos que aprender juntos, a superar tudo pelo que passamos... Então, estou voltando para Vaslui, não quer me dar essa oportunidade? — Não tenho certeza de que seria uma boa

ideia... — soou baixo e escondido. — Vaslui é sua por direito, não é algo que

um Valuescu abra mão por qualquer motivo. Está no seu sangue, assim como no de sua mãe. E foi essa certeza que te moveu até agora — Será mesmo? — Havia um tom de

derrota que András não gostara. — Não finja que não o sente nas veias, que

não deseja estar lá mais que qualquer coisa. Eu daria tudo para nunca tê-los abandonado ou a Vaslui. — Talvez eu não seja com você... —

Cedeu-lhe um meio sorriso, o filho. — É mais parecido comigo do que imagina,

e não será negando o que corre em suas veias, que deixará de pertencer a Vaslui. Embora eu entenda seu receio... — Deu-lhe às costas. — Você não me conhece nada — retrucou

sério. András deixou um meio sorriso nos lábios,

florescer, e voltou-se sério para Ighor:

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— Então voltará comigo e me deixará tentar ser ocupar meu lugar de direito. Assim como fará o mesmo, ao seu.

O rapaz suspirou pesadamente. — Por que isso, de repente, se tornou tão

importante para você? — Porque é o que você quer, ainda que

conteste, e porque é importante para mim, mais que qualquer coisa. — Você tem uma filha esperando-o lá. Verdes nos castanhos. — E um novo pedido de desculpas, porque

fui ausente da vida dela também, ainda que por um tempo menor — pausou. — Não posso mudar o que fiz Ighor. Não posso fingir que Ania não existe, mas sou capaz de admitir que preciso de vocês ao meu lado. — Eu poderei ir embora, caso não me

adapte ao que você quer? — Os olhos castanhos voltaram-se ao chão e András sentiu uma angústia infinita invadir-lhe a alma. — Vai respeitar minha decisão? — Não está sendo muito exigente? —

salientou, cogitando uma ironia que o afligia. — É a minha condição. — Uma linha fina de

sorriso moldou-se ao rosto do rapaz, atenuando a expressão séria de outrora.

Talvez o mesmo receio dominasse ambos. Recuou. — Condição aceita. — Uma vez mais

estendeu-lhe a mão, mas desta vez, Ighor a reteve na sua, selando seu destino.

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As mãos escorregaram para longe do aperto, assim que András tomou o caminho de volta para casa de Nona. Era apenas o início do longo caminho em direção a Vaslui. Um caminho que se estendia muito além do físico, e que lhe parecia mais tortuoso que todas as montanhas dos Cárpatos. Um caminho que o levaria ao coração de seu filho.