construÇÃo da interdisciplinaridade no espaÇo complexo de ensino e pesquisa

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    C    O    N    S    T    R    U    Ç    Ã    O     D    A     I    N    T    E    R    D    I    S    C    I    P    L    I    N    A    R    I    D    A    D    E    N    O     E    S    P    A    Ç    O     C    O    M    P    L    E    X    O     D    E    E    N    S    I    N    O     E    P    E    S    Q    U    I    S    A       5       8       2    V  .    4    1    N  .    1    4    3    M    A    I    O    /    A    G    O  .    2    0    1    1    C    A    D    E    R    N    O    S    D    E    P    E    S    Q    U    I    S    A  RESUMO  Neste trabalho investigamos a constr ução de práticas interdisciplinares de ensino e  pesquisa com base na interlocução estabelecida entre inst ituições de ensino básico e superior . Apresentamos alguns atores de natureza humana e não humana, responsá- veis pela interação instaurada no espaço escolar , tomado como campo de pesquisa e caracterizado como complexo. Os resultados da pesquisa mostram que a assunção da complexidade constitutiva pode auxiliar na compreensão do funcionamento das si- tuações de ensino, evitando diagnósticos simplificados e precipitados, o que dificulta a resolução dos reais problemas em contextos de formação. PESQUISA PARTICIPANTE • PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO • INTERDISCIPLINARIDADE CONSTRUÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO ESPAÇO COMPLEXO DE ENSINO E PESQUISA WAGNER RODRIGUES SILVA

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CONSTRUO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO ESPAO COMPLEXO DE ENSINO E PESQUISA

CONSTRUO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO ESPAO COMPLEXO DE ENSINO E PESQUISAWAGNER RODRIGUES SILVA

RESUMO582 V.41 N.143 MAIO/AGO. 2011 CADERNOS DE PESQUISA

Neste trabalho investigamos a construo de prticas interdisciplinares de ensino e pesquisa com base na interlocuo estabelecida entre instituies de ensino bsico e superior. Apresentamos alguns atores de natureza humana e no humana, responsveis pela interao instaurada no espao escolar, tomado como campo de pesquisa e caracterizado como complexo. Os resultados da pesquisa mostram que a assuno da complexidade constitutiva pode auxiliar na compreenso do funcionamento das situaes de ensino, evitando diagnsticos simplificados e precipitados, o que dificulta a resoluo dos reais problemas em contextos de formao.PESQUISA PARTICIPANTE PLANEJAMENTO DA EDUCAO INTERDISCIPLINARIDADE

Wagner Rodrigues Silva

INTERDISCIPLINARITY CONSTRUCTION IN THE COMPLEX DOMAIN OF EDUCATION AND RESEARCHWAGNER RODRIGUES SILVA

ABSTRACTIn this paper, we investigate the construction of interdisciplinary practices of education and research based on the dialogue between primary schools and universities. We present some human and non-human agents responsible for the interaction established on school grounds, taken as a complex research field. The results show that the constitutive complexity assumption can be of help in understanding the functioning of teaching situations, avoiding simplified and precipitated diagnosis, which makes it difficult to solve the real problems in the teachers preparation contexts.PARTICIPATORY RESEARCH EDUCATIONAL PLANNING INTERSDISCIPLINARITY

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CONSTRUO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO ESPAO COMPLEXO DE ENSINO E PESQUISA

A

S CRISES ECONMICAS,

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conforme so noticiadas e debatidas plenamente pela imprensa ou, at mesmo, sentidas mais diretamente pelo poder de compra de qualquer cidado, ilustram o advento de uma sociedade mundial (santos, 2004a). Na esteira desse advento, instaura-se o fenmeno conhecido como globalizao, percebido, por exemplo, pelo surgimento de grandes empresas de alcance mundial, responsveis pela tentativa de padronizao de aes ou comportamentos na poltica econmica global. Nessa perspectiva, a noo de espao ganha uma dimenso mais complexa, alm de determinaes fsicas, informada por uma rede dinmica de relaes, econmicas, polticas, culturais, afetivas, dentre outras. As determinaes internacionais ou globais no fazem sucumbir a espacialidade, as fronteiras apenas so ampliadas, tornando-as instveis, mais fluidas e dinmicas. Analisando a crise ambiental em uma sociedade planetria, Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 88) fazem referncia globalizao como um fenmeno que contm ingredientes autodestrutivos, mas, ao mesmo tempo, contm tambm os ingredientes que podem mobilizar a humanidade para a busca de solues planetrias baseadas na necessidade de uma antropoltica. Os ingredientes autodestrutivos de que falam os autores remetem-nos ao funcionamento do novo capitalismo, a que se refere Japiassu (2006, p. 104-105). Para o autor, o mundo compreende globalizao como a submisso de todos s leis do comrcio (ao reino do comercial) e que se apresenta em toda parte como a negao do que deveramos entender por cultura. Preocupa-se exclusivamente com o lucro sempre renovado e com a busca incansvel e insacivel de rentabilidade. No defendemos aqui uma ordem global responsvel pela instaurao exclusiva

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de uma dinmica ou funcionamento homogneo para a sociedade, mas, nos prprios termos de Santos (2004, p. 339), esclarecemos que cada lugar , ao mesmo tempo, objeto de uma razo global e de uma razo local, convivendo dialeticamente. A caracterizao do espao ilustra o grande desafio lanado s cincias sociais no Sculo XXI, a saber, nas palavras de Japiassu (2006, p. 15): a contradio entre, de um lado, os problemas cada vez mais globais, interdependentes e planetrios (complexos), do outro, a persistncia de um modo de conhecimento ainda privilegiando os saberes disciplinarizados, fragmentados, parcelados e compartimentados1. A perspectiva pela qual o espao concebido por Santos (2004, 2004a) requer uma abordagem terica informada pelo dilogo entre inmeras disciplinas, caracterizando a geografia como um campo de estudos transdisciplinares, no qual se encontram articulados ou fundidos saberes em construo, de origens diversas, considerando-se a interao do homem e o meio. Essa interao deve ser capturada da forma mais ampla ou complexa possvel. A imagem das redes pode ser til para compreender a configurao dos objetos complexos de pesquisa. Essa imagem bastante utilizada em abordagens cientficas transdisciplinares, informadas pelo paradigma da complexidade2, o qual caracterizado pela flexibilidade na produo da metodologia e da teoria, constitutivas das atividades de pesquisa nas cincias sociais3 (santos, 2004; latour, 2001, 1994). Assim como a noo de espao assumida neste trabalho, as redes, formadas pela unio de fios, entrelaados por ns, so compostas por inmeros atores, de natureza humana e no humana, resultando numa construo hbrida. Esses atores so caracterizados por vivncias marcadas pela sociedade e histria de que fazem parte. Sobre esses atores, Latour (2001, p. 32) afirma que h tanto uma histria social das coisas quanto uma histria coisificada dos humanos. A discusso sobre essa noo de espao trazida baila neste trabalho nos til para repensarmos as aulas das diferentes disciplinas curriculares, no ensino bsico ou no ensino superior, alm dos limites de uma sala de aula, demarcada por quatro paredes; e, tambm, para exemplificarmos a demanda por uma abordagem do pensamento cientfico complexo que construa objetos de investigao de forma mais realista possvel em contextos de instruo formal. Procuramos responder a tais propsitos com a investigao dos desafios e conflitos enfrentados na prtica da pesquisa qualitativa, realizada no mbito de projeto de pesquisa4, no qual reconstitumos a prtica de investigao cientfica que se pretendia interdisciplinar, de carter participante. A pesquisa foi realizada em uma escola pblica municipal, na qual as atividades didticas eram orientadas pelo desafio da operacionalizao de projetos pedaggicos interdisciplinares, concebidos como viabilizadores de estratgias para inovao da prtica pedaggica institucional. Ampliando o escopo do projeto de pesquisa, tambm fomos levados a adotar o

1 Conforme Morin (2000, p. 95), at o incio do sculo XX quando ela entra em crise , a cincia clssica se fundamentou sobre quatro pilares da certeza que tm por causa e efeito dissolver a complexidade pela simplicidade: o princpio da ordem, o princpio de separao, o princpio de reduo, o carter absoluto da lgica dedutivoidentitria. 2 Os temas da complexidade e da transdisciplinaridade so inseparveis, remetem um ao outro. A raiz latina da palavra complexus significa aquilo que tecido conjuntamente, aquilo que se deve enlaar (Morin, 2007, p. 22). 3 A abordagem cientfica proposta, nesse caso, se ope ao paradigma positivista de cincia, o qual, por primar pela especializao de saberes, resultando na compartimentalizao disciplinar, est normalmente associado com o realismo. Para o programa epistemolgico positivista, admite-se que as cincias naturais e sociais devam e possam aplicar os mesmos princpios de coleta e de anlise de dados e que exista um mundo l fora (uma realidade externa) distinto das descries que possamos fazer dele (Flick, 2009, p. 79).

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4 Intitulado Construo da interdisciplinaridade em contextos institucionais de formao, desenvolvido na Universidade Federal do Tocantins UFT , de 2007 a 2009, e contou com auxlio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq.

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mtodo exploratrio, para compreender de que modo a abordagem interdisciplinar do ensino informa ou orienta os projetos pedaggicos e planos de aula produzidos em escolas da mesma rede pblica municipal de ensino a que pertence a escola pesquisada. Ao mencionarmos saberes a serem articulados ou fundidos na prtica cientfica transdisciplinar, referimo-nos a conhecimentos acadmicos compartilhados pela comunidade cientfica integrante do projeto de pesquisa implementado, professores pesquisadores e bolsistas de iniciao cientfica; e a conhecimentos manifestados por cidados comuns, integrantes da comunidade escolar, formada por professores, alunos e representantes da prpria comunidade em que se localiza a instituio de ensino. Durante a realizao dessa pesquisa, esforamo-nos para estabelecer uma interao menos assimtrica dos representantes das instituies de ensino bsico e das de ensino superior; procuramos escapar da imagem atribuda a linguistas do grupo de estudiosos refugiados em uma torre de marfim, conforme crtica apresentada por Rajagopalan, ao discutir a necessidade de democratizao da cincia lingustica, por meio de um dilogo mais estreito entre a disciplina e os denominados leigosdemonstram cada vez mais impacincia diante da recusa dos linguistas a compartilharem suas angstias sobre a integridade da lngua portuguesa e suas chances de enfrentar a invaso estrangeira e de sobreviver luta desigual com a lngua inglesa. Do ponto de vista dos leigos, os linguistas so um grupo de estudiosos que se refugiaram numa torre de marfim e se isolaram completamente dos anseios dos falantes comuns do idioma. (2003, P. 130)

PROPOSTA DE ENSINO E PESQUISA INTERDISCIPLINARAssumimos a noo de interdisciplinaridade como uma abordagem de ensino e de pesquisa586 V.41 N.143 MAIO/AGO. 2011 CADERNOS DE PESQUISA

suscetvel de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si, esta interao podendo ir da simples comunicao das idias at a interao mtua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organizao da pesquisa. (TEIXEIRA, 2007, P. 69)

Ainda conforme Teixeira, a abordagem interdisciplinar erigida procura responder a demandas criadas pela falncia de paradigmas investigativos configuradores da cincia moderna, a qual se caracteriza pela multiplicao de disciplinas, de departamentos e currculos acadmicos (2007, p. 61). Ainda, conforme o autor, os estudos sobre interdisciplinaridade

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surgem na dcada de 60, entre os telogos e fenomenlogos na busca de um sentido mais humano na educao (p. 58). Iniciamos a pesquisa focalizada sem uma definio fechada de mtodos ou percursos investigativos. Ao mesmo tempo em que procurvamos instaurar uma abordagem interdisciplinar, ensaivamos um passo um pouco mais alm. Esforvamo-nos tambm para alcanar a transdisciplinaridade como paradigma investigativo, ainda que tal iniciativa estivesse movida por um sonho ou por uma utopia, conforme caracterizaes recorrentes atribudas a essa abordagem por Japiassu:num mundo em que ningum mais parece entender ningum, torna-se imprescindvel que abandonemos a rotinizao e as falsas seguranas de que ainda se vangloriam nossas disciplinas isoladas e nos entreguemos ao sonho da aventura transdisciplinar concertativa apresentando-se como um meio de compensar as lacunas de um pensamento cientfico mutilado pela especializao e exigindo a restaurao de um pensamento globalizante em busca de unidade, por mais utpica que possa parecer. (2006, P. 17,grifos nossos)

A interdisciplinaridade, em sentido restrito, caracteriza-se pela utilizao de elementos ou recursos de duas ou mais disciplinas para a operacionalizao de um procedimento investigativo. A transdisciplinaridade se instaura quando uma disciplina consegue fecundar as abordagens de outra, privilegiando sua dependncia do contexto e assumindo o primado da inteligibilidade sistmica sobre a possibilidade analtica (JaPiassu, 2006, p. 44). Ainda que apresentadas tais definies, os esforos para conceituar interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade so pouco produtivos em meio s diversas definies complementares existentes. Empenhamo-nos para compreender o funcionamento ou a dinmica do paradigma inter/ transdisciplinar, o qual pode auxiliar na construo de objetos complexos de pesquisa e, consequentemente, na percepo de que o conhecimento est vinculado aos inmeros atores do espao geogrfico em que est inserido o cidado, resultando em possveis ganhos para a prtica pedaggica. Caracterstica do paradigma das cincias modernas, a compartimentalizao ou fragmentao de saberes so decorrentes das hiper/superespecializaes assumidas pelos adeptos da modernidade. Tal procedimento inviabiliza a compreenso de objetos ou questes de pesquisa, podendo resultar na simplificao dos fenmenos investigados. Sobre as limitaes criadas pela especializao excessiva, Teixeira esclarece quea hiperespecializao fez com que o aprofundamento de cada disciplina as conduzisse s fronteiras de outras disciplinas, suscitando uma interdisciplinaridade que ou criou novas disciplinas, ou

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transferiu mtodos de uma disciplina para outra, ou abriu corredores para o dilogo entre elas e para a resoluo de problemas.(2007, P. 70)

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4 Outra experincia institucional de desafio ao funcionamento engessado do espao universitrio foi a interrupo da criao de um curso de ps-graduao stricto sensu interdisciplinar, no nvel de mestrado, na UFT, Campus Universitrio de Araguana Camuar. O dilogo dos professores ocorria de forma bastante limitada, pois alguns deles resistiam a se distanciar um pouco da rea de formao original para construir uma fronteira mais harmnica entre disciplinas. O projeto do mestrado em Cincia da Educao consistia na reunio de pesquisadores de diferentes licenciaturas para formar profissionais que pudessem transitar de forma mais flexvel entre diferentes reas do conhecimento, compreendendo ou amenizando as demandas do ensino e da formao de professores das diferentes licenciaturas.

As fronteiras ou bolhas disciplinares, responsveis pela organizao dos departamentos no espao universitrio, tornam compartimentadas e impedem o contato, a circulao e o dilogo com as outras disciplinas, freando os movimentos interdisciplinares e resistindo s novas teorias provenientes do exterior (JaPiassu, 2006, p. 34). Retomando as palavras de Teixeira, destacamos que, por consistir na troca de conceitos, teorias e mtodos entre as diferentes disciplinas, a abordagem interdisciplinar revoluciona a atual estrutura estanque da universidade. Prega-se a necessidade de interdisciplinaridade, mas os currculos, os programas de ensino, as unidades administrativas, as diretrizes polticas da instituio so o primeiro e maior obstculos sua realizao (2007, p. 72). O sintoma dessa departamentalizao pode ser evidenciado do momento de elaborao do projeto focalizado, at a etapa de operacionalizao em parceria com a escola de educao bsica. Num projeto idealizado como interdisciplinar, contvamos com seis pesquisadores, os quais representavam trs licenciaturas: Histria, Letras e Pedagogia. Da operacionalizao da proposta, apenas os trs pesquisadores do curso de Licenciatura em Letras permaneceram, representando seguintes reas dos estudos da linguagem: lingustica; lingustica aplicada e literatura. Tambm participaram diretamente das aulas ministradas na escola quatro bolsistas de iniciao cientfica, da Licenciatura em Letras4. Reflexo da formao e insero do pesquisador em um espao departamentalizado por disciplinas acadmicas, o comportamento dos docentes demonstra a incompreenso do que so trabalho e metodologia interdisciplinar, reforando uma perspectiva positivista ou conservadora de cincia. Situaes conflituosas, como as que vivenciamos na tentativa de estreitarmos nossas atividades investigativas na instituio de que fazemos parte, so comuns aos que experimentam o desafio da prtica interdisciplinar. Conforme salientam Almeida et al., ao analisarem situaes de conflito na construo da prtica de pesquisa em um programa de ps-graduao interdisciplinar, os pesquisadores mais resistentes interdisciplinaridade demonstram receio da perda de autonomia disciplinar. Os autores destacam ainda:uma falta de compreenso de que a interdisciplinaridade, enquanto princpio mediador de comunicao entre diferentes disciplinas, no ser jamais um elemento de reduo a um denominador comum, mas um elemento terico e metodolgico da diferena e da criatividade. (2004, P. 124)

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Durante a implementao do projeto de pesquisa, foram somadas como dificuldades, na implementao da pesquisa acadmica e do projeto pedaggico, a falta de representatividade dos pesquisadores de diferentes cursos acadmicos e de alguns professores das disciplinas curriculares, na escola de educao bsica, uma vez que esses ltimos optaram por no se integrarem proposta de trabalho interdisciplinar. Dadas essas ausncias, a abordagem interdisciplinar foi implementada com base no campo de estudos da linguagem. A abordagem idealizada, que seria resultado do trabalho cooperativo entre profissionais de diferentes disciplinas escolares e acadmicas, foi reduzida ao alcance do esforo e realizada pelos profissionais com formao bastante especfica. Disciplinas escolares como Geografia, Histria e Matemtica poderiam ser trabalhadas de forma mais produtiva, somando esforos de gegrafos, historiadores e matemticos. A resistncia interdisciplinaridade, tanto no mbito do ensino, quanto no da pesquisa, demonstra temor da perda do exclusivismo ou da autonomia. Esse temor um contrasenso, pois, conforme afirma Fazenda (2003, p. 26), uma atitude interdisciplinar respeita a autonomia de voo de cada um, pois acredita que o estabelecimento da marca do pesquisador, que o torna nico e lhe confere autonomia, est na forma como estabelece parceria. Igualmente, Trindade concebe a interdisciplinaridade comouma atitude de humildade diante dos limites do saber prprio e do prprio saber, sem deixar que ela se torne um limite; a atitude de espera diante do j estabelecido para que a dvida aparea e o novo germine; a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhec-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperao que conduz s parcerias, s trocas, aos encontros, mais das pessoas que das disciplinas, que propiciam as transformaes, razo de ser da interdisciplinaridade. Mais que um fazer, paixo por aprender, compartilhar e ir alm. (2008, P. 73)

A abordagem interdisciplinar foi assumida na investigao proposta sob os enfoques na pesquisa e no ensino, preservando na investigao os nichos de atuao da interdisciplinaridade escolar e da interdisciplinaridade cientfica, conforme terminologias utilizadas por Fazenda para realizar tal distino. A primeira resultado da utilizao de estratgias didticas visando favorecer o processo de aprendizagem de contedos programados, respeitando os saberes dos alunos e sua integrao (fazenda, 2008, p. 21). A segunda, por sua vez, resultado do trabalho cooperativo de pesquisadores de diferentes especialidades parada soluo de problemas complexos. A preservao da distino entre os enfoques na pesquisa e no ensino no elimina alguns pressupostos tericos que perpassam as duas perspectivas atribudas abordagem interdisciplinar. Na base dessas

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perspectivas, encontramos conhecimentos de diferentes origens interligados por redes tecidas com infindveis ns, restando ao trabalho epistemolgico cooperativo a captura ou visualizao dessas redes. Encontramos, ainda, fenmenos, questes ou problemas vistos em sua totalidade, evitando-se simplificaes geradas pela cegueira disciplinar (JaPiassu, 2006, p. 29 e p. 35). Tambm, nos termos de Japiassu, o interdisciplinar um ideal muito difcil de ser atingido. Onde se realiza melhor no terreno, quando a soluo de um problema o impe e quando especialistas de domnios diferentes se renem e se concertam para solucion-lo, ou seja, para dar-lhe uma resposta prtica (p. 50). No projeto de pesquisa focalizado, ao mesmo tempo em que nos interessava produzir metodologias de gerao e anlise de dados, informadas pela abordagem da interdisciplinaridade (Objetivo 1), tambm investigamos concepes de interdisciplinaridade que informaram alguns documentos oficiais (Objetivo 2), produzidos para orientar a prtica pedaggica na educao bsica; e a efetiva prtica de ensino realizada na escola campo de pesquisa (Objetivos 3, 4 e 5).QUADRO 1 OBJETIVOS DE PESQUISAObjetivos 1 Produzir metodologias de gerao e anlise de dados na perspectiva de pesquisa interdisciplinar Investigar os tipos e as formas de apresentao das noes de interdisciplinaridade em diretrizes ou orientaes curriculares que informam o trabalho dos professores nas escolas focalizadas Explicitar as estratgias e tticas mobilizadas pelos educadores para planejar e implementar aulas informadas pela abordagem da interdisciplinaridade em escolas da educao bsica Identificar as especificidades do trabalho interdisciplinar em diferentes disciplinas curriculares Identificar foras externas ao espao fsico da sala de aula, responsveis por conflitos e desvios em relao ao trabalho planejado Enfoques Pesquisa

2

Ensino

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Ensino

4

Ensino

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Ensino

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A observao atenta dos objetivos expostos revela o desafio de investigar situaes de pesquisa e ensino, informadas por uma abordagem terica bastante dinmica, para a qual podemos eleger o carter processual da reconstruo de estratgias de pesquisa e ensino como seu principal atributo. A caracterizao da prtica de pesquisa interdisciplinar, apresentada por Teixeira, como desafio para a ps-graduao brasileira stricto sensu, ilustra tal dinamismo a que fazemos referncia em atividades de pesquisa e ensino do tipo discutido neste trabalho:a interdisciplinaridade muito mais um ponto de partida que de chegada. Ela no dada antecipadamente, por meio de regras, frmulas ou modelos, ela se constri a mltiplas mos, com um

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tempo de trabalho e uma dinmica de pesquisa essencialmente diferentes da pesquisa disciplinar. Isso se inicia no momento em que os pesquisadores definem uma problemtica comum, uma estratgia de pesquisa comum e uma rea geogrfica comum.(2007, P. 64)

As expectativas criadas em torno da abordagem interdisciplinar para responder s demandas instauradas no espao escolar so enormes, podendo ser fortalecidas pela prpria literatura especializada. Furlanetto, por exemplo, destaca que a interdisciplinaridadetem possibilitado romper com amarras construdas pelas rotinas tarefeiras que permeiam o trabalho escolar as quais obrigam o professor a repetir, a copiar e a fazer sempre igual , bem como desatar as amarras tericas que propem modelos impedindo-o de ser autor e pesquisador de sua prpria prtica. (2003, P. 88)

Conforme mostraremos, existem inmeros elementos que funcionam como foras dispersoras do planejamento realizando, dificultando o alcance de resultados produtivos do trabalho pedaggico idealizado. Essas foras provocam tenses e conflitos que continuam instaurando as referidas rotinas tarefeiras criticadas.

COMPOSIO DE OBJETOS COMPLEXOS DE INVESTIGAOA construo de objetos de investigao complexos requer bastante familiaridade dos pesquisadores com o espao de operacionalizao da pesquisa. A apropriao desse conhecimento de forma significativa s ocorre pela vivncia do espao de investigao. Para a operacionalizao desta pesquisa, o conhecimento significativo da dinmica na instituio de ensino bsico se justifica, inclusive, pela caracterizao desta investigao como de carter participante. Para esse tipo de pesquisa, de acordo com Brando,CADERNOS DE PESQUISA V.41 N.143 MAIO/AGO-. 2011 591

deve-se partir sempre da busca de unidade entre a teoria e a prtica, e construir e reconstruir a teoria a partir de uma sequncia de prticas refletidas criticamente. [] a pesquisa participante deve ser pensada como um momento dinmico de um processo de ao social popular. Ela se insere no fluxo dessa ao e deve ser exercida como algo integrado e tambm dinmico. As questes e os desafios surgidos ao longo de aes sociais definem a necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante. O processo e os resultados de uma pesquisa interferem nas prticas sociais e, de novo, seu curso levanta a necessidade e

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o momento da realizao de novas investigaes participativas.(BRANDO, 2006, P. 42)

Esse dinamismo da pesquisa participante complementa a concepo de mtodo para o pensamento complexo aqui assumido. Tambm coerente com a abordagem interdisciplinar para o ensino e para a pesquisa, com a qual trabalhamos na sua operacionalizao. Para Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 54), o pensamento complexo est animado por uma tenso permanente entre a aspirao a um saber no parcelado, no dividido, no reducionista e o reconhecimento do inacabado e incompleto de todo conhecimento. Ainda,a complexidade efetivamente a rede de eventos, aes, interaes, retroaes, determinaes, acasos que constituem nosso mundo fenomnico. A complexidade apresenta-se, assim, sob o aspecto perturbador da perplexidade, da desordem, da ambiguidade, da incerteza, ou seja, de tudo aquilo que se encontra do emaranhado, inextricvel. (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2003, P. 44)

Teoria e metodologia de pesquisa esto, tambm conforme os autores, intimamente relacionadas na perspectiva do pensamento complexo:a teoria no nada sem o mtodo, a teoria quase se confunde com o mtodo, ou melhor, teoria e mtodo so os dois componentes indispensveis do conhecimento complexo. (p. 24). [] o mtodo uma estratgia do sujeito que tambm se apoia em segmentos programados que so revistos em funo da dialgica entre estratgias e o prprio caminhar. (P. 28)

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A metodologia utilizada nesta pesquisa foi construda estrategicamente de modo paulatino: desde o momento do planejamento da proposta de pesquisa, at o instante final em que nos demos por satisfeitos com os resultados obtidos. Isso no significa que os questionamentos, passveis de produo diante do objeto de investigao, se esgotaram, afinal, como bem destacamos, o conhecimento inacabado, construdo continuamente. Com propsito de construir objetos complexos de investigao, novos dados foram gerados durante a operacionalizao das atividades de pesquisa. Conforme paradigma qualitativo aqui assumido, o objeto em estudo o fator determinante para a escolha de um mtodo, e no o contrrio (fliCk, 2009, p. 24). Para compreendermos melhor o percurso metodolgico construdo, criamos dois agrupamentos para os dados de pesquisa produzidos na investigao focalizada, o dos dados aproveitados e o dos dados produzidos. Procuramos representar tais agrupamentos:

FIGURA 1 GERAO DE DADOS

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No agrupamento dos dados aproveitados, encontram-se os registros que foram produzidos a partir materiais ou situaes existentes no espao escolar investigado. Independentemente da pesquisa operacionalizada, os alunos produzem anotaes nos cadernos; os professores produzem planos de aula, copiam exerccios didticos no quadro ou os distribuem em material impresso; aulas so ministradas, tornando-se passveis de ser registradas em diferentes mdias. Procuramos capturar tais materiais e situaes, sem descontextualiz-los da situao de ensino instaurada, afinal os objetos de investigao complexos no so reduzidos a simples variveis, mas sim representados em sua totalidade, dentro de seus contextos cotidianos (fliCk, 2009, p. 24). No agrupamento dos dados produzidos, encontram-se registros que no fazem parte das atividades escolares cotidianas, ou seja, so produtos de atividades realizadas especificamente para fins de gerao de dados para pesquisa. As situaes de trabalho em campo foram registradas mediante anotaes, feitas, principalmente, pelas bolsistas de iniciao cientfica5. Quando produzidas por alunos de graduao, em estgio supervisionado na instituio de ensino focalizada, essas notas passaram por uma atividade de retextualizao, transformando-se em relatos reflexivos constantes do relatrio de estgio. Exerccios didticos, produes escritas e planos de aula, produzidos por professores, em formao inicial, que realizaram estgio na escola pesquisada, tambm foram tomados como registro de pesquisa. Esses materiais compem os relatrios de estgio supervisionado. As aulas foram transcritas de gravaes em vdeo, ao passo que as entrevistas semiestruturadas foram transcritas de gravaes em udio. Nessa modalidade de entrevista, as questes permitem queo sujeito discorra e verbalize seus pensamentos, tendncias e reflexes sobre os temas apresentados. O questionamento mais profundo e, tambm, mais subjetivo, levando a um relacionamento

5 Agradecemos a colaborao das bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica Pibic , que trabalharam conosco neste projeto: Elcia Tavares dos Santos (UFT); Elem Kssia Gomes, Geovana Dias Lima e Nadizenilda Sobrinho Rego (CNPq); e da voluntria Josefa Rodrigues dos Santos.

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recproco, muitas vezes, de confiabilidade. Frequentemente, elas dizem respeito a uma avaliao de crenas, sentimentos, valores, atitudes, razes e motivos acompanhados de fatos e comportamentos. (ROSA, ARNOLDI, 2006, P. 31)

Para todos os registros, mantivemos o mximo de sigilo, para evitar identificao dos participantes desta pesquisa. Subjacente aos objetivos desta investigao est o desejo de fortalecimento dos grupos que integraram a pesquisa, afinal a pesquisa participante deve ser praticada como um ato poltico claro e assumido (brando, 2006, p. 43). Os objetivos iniciais de pesquisa, bem como as questes investigativas que surgiram ao longo da sua operacionalizao, levaram-nos a gerar diferentes dados, bem como a recorrer a diversos instrumentos e metodologias de pesquisa. Agimos sempre no intuito de produzir respostas s questes emergentes ou formuladas. Essa dinmica descrita caracterstica da anlise qualitativa de pesquisa, cuja assuno no eliminou a possibilidade de utilizao do paradigma quantitativo, conforme pode ser evidenciado por Silva e Gomes (2007), que compararam os nmeros de escolas da rede pblica do municpio desta pesquisa e os nmeros de projetos pedaggicos e planos de aula coletados em visitas s instituies de ensino. Com esses dados, objetivvamos investigar a construo da abordagem interdisciplinar, que tem por objetivo a operacionalizao de uma prtica pedaggica mais produtiva em sala de aula. O baixo nmero de planos de aula disponibilizados, comparado quantidade de escolas e projetos pedaggicos coletados, fortalece a hiptese de que ainda bastante desafiador, para os professores, operacionalizar propostas inovadoras para o ensino, incluindo a prpria abordagem interdisciplinar sob anlise nesta pesquisa. Porm a anlise quantitativa no nos ofereceu instrumentos necessrios para caracterizar o tipo de abordagem investigada, restou-nos recorrer ao paradigma qualitativo de pesquisa. Conforme exposto por Morais e Neves (2007), ainda que retratados como paradigmas distintos e incompatveis em investigaes educacionais, as metodologias de anlise qualitativa e quantitativa dos dados podem ser usadas sequencialmente ou simultaneamente, em funo da natureza das questes de investigao que se pretendem levantar e dos dados que se pretendem obter. Os objetivos desta pesquisa, os quais se complexificaram no percurso investigativo, levaram-nos a utilizar a anlise qualitativa de forma muito mais significativa. Quando questionamos, por exemplo, a concepo de interdisciplinaridade que informara as aes didticas implementadas na operacionalizao do projeto pedaggico, precisamos confrontar diferentes dados de pesquisa, realizando o que se denomina na literatura especializada de cruzamento ou triangulao dos dados, conforme paradigma qualitativo de pesquisa (gonzaga, 2006; fliCk, 2009). Nas situaes de trabalho escolar vivenciadas, na instituio de ensino bsico focalizada, a interdisciplinaridade corresponde a estratgias

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didticas diferenciadas do trabalho pedaggico usualmente realizado em sala de aula, mantenedor de uma organizao curricular compartimentada. O exame dos dados permite-nos caracterizar a interdisciplinaridade mais facilmente pelos recursos didticos utilizados ou pelos resultados provocados ou reaes dos alunos, diante da tentativa de operacionalizao da abordagem interdisciplinar. O cruzamento de algumas passagens da entrevista realizada com professores e da transcrio de aula ministrada confirma o diagnstico mencionado.EXEMPLO 1Passagem 1 A interdisciplinaridade no possvel s atravs do texto. Alm do texto voc pode usar outras formas de trabalhar isso. Em cima de outra atividade, de matemtica, pode trabalhar portugus, histria, geografia; em cima de problemas, de figuras geomtricas, pode trabalhar outras disciplinas tambm. Ento no s o texto no, por exemplo, at com comida, prato tpico voc pode trabalhar vrias disciplinas tambm. (Entrevista 1) Passagem 2 O aluno no aceita, ainda ele quer separar uma disciplina da outra, diz no, matemtica se trabalha com nmeros e portugus , ento existe uma certa resistncia por parte de alguns. O contedo chama ateno para eles porque mais dinmico, uma coisa vivida no dia a dia, ento faz com que ele venha observar l fora aquele aprendizado que ele v l fora, ele pode aproveitar em sala de aula tambm. Por exemplo: porcentagem, muito trabalhada no comrcio, quando ele vai fazer uma compra tem um certo desconto, quando s vezes atrasa alguma prestao tem um certo juro em cima daquilo ali, ento um contedo que eles gostam de trabalhar isso a. (Entrevista 2)

Apesar das propagadas orientaes em diretrizes ou propostas curriculares sobre o uso do texto como unidade bsica de anlise em sala de aula (silva, 2009, 2009a), evitando o trabalho didtico em aulas de lngua materna com unidades lingusticas menores, como frases e palavras, na Passagem 1, o texto, juntamente com problemas, figuras geomtricas, comida, prato tpico, aparece como elemento novo no trabalho didtico, que se diz orientado pela abordagem interdisciplinar. Esses elementos funcionam como atores que podem motivar os alunos, tornar as aulas mais dinmicas, conforme mostra a Passagem 2, O contedo chama ateno para eles porque mais dinmico, uma coisa vivida no dia a dia. Esses recursos didticos so marcados por usos ou funcionamentos construdos em instncias no escolares, podendo valorizar os interesses dos alunos quando lhes so mais familiares. Essa motivao tambm pode ser justificada pela insero da novidade, o que desperta bastante curiosidade do alunado. Ao analisar a seleo textual e a prtica de produo escrita no projeto pedaggico interdisciplinar focalizado (silva, 2009, 2009a), observamos como a escolha de diferentes gneros textuais, pouco utilizados em aulas de lngua materna, como flderes, pginas de dirio e panfletos, podem contribuir para a produo escrita mais espontnea e criativa, minimizando a prtica da cpia escolar, que os alunos insistem em no abandonar. Os gneros textuais facilitaram a construo da abordagem interdisciplinar, pois funcionaram como espaos discursivos facilitadores da tematizao

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de assuntos de interesse dos alunos, aqui denominados contedo auxiliar. O flder facilita a discusso sobre assuntos relativos aos cuidados com a sade, ao passo que a pgina de dirio pode facilitar a discusso sobre o ser humano e o meio em que vive. Ambos os assuntos orientaram as temticas do trabalho didtico nos bimestres letivos da instituio. Apesar da motivao, a prtica didtica diferenciada tambm pode causar estranhamento ou resistncia por parte do aluno, que no reconhece os contedos disciplinares propriamente ditos da tradio do ensino: ele no aceita ainda ele quer separar uma disciplina da outra, diz no, matemtica se trabalha com nmeros e portugus , ento existe uma certa resistncia por parte de alguns. Alm do temor da novidade, essa reao provocada se justifica pela ausncia de uma negociao prvia, ou produo coletiva de um projeto interdisciplinar, compreendendo, principalmente, a participao do corpo discente, que, normalmente, conforme os dados desta pesquisa, deixado margem. Insistimos em afirmar que espao complexo da sala de aula corresponde a uma rede dinmica de atores de naturezas distintas humana e no humana , que provocam aes e retroaes, contribuindo ou no para a instaurao da abordagem didtica idealizada. Os no-humanos so atores fixos, como os mobilirios dispostos e os recursos didticos mobilizados para dinamizar e, ao mesmo tempo, organizar minimamente a aula. Os humanos so atores fluidos, professores e alunos que interagem com interesses individuais e compartilhados. Esses diferentes atores provocam diferentes aes reciprocamente, resultando no embaralhamento de fios componentes da rede complexa, no espao escolar. De acordo com Latour, a dupla humano/no humano feita com o seguinte propsito:permitir ao coletivo reunir um maior nmero de actantes no mesmo mundo. O jogo est aberto. A lista dos no-humanos que tomam parte da ao se amplia. A lista dos humanos que tomam parte na sua recepo, igualmente. No precisamos mais defender o sujeito contra a reificao; defender o objeto contra a construo social. As coisas no ameaam os sujeitos. A construo so-

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cial no enfraquece mais os objetos. (2004, P. 149)

O trecho exemplifica o dinamismo das aulas e a motivao dos alunos como resultados produtivos da prtica interdisciplinar que se quer instaurar. Esse resultado produzido pelo uso de materiais de apoio didtico e textos que trazem ou instauram discusses sobre assuntos de interesse dos alunos, pois so recursos caractersticos do contexto vivido por eles. Esses resultados preliminares so fortalecidos quando cruzamos as entrevistas com as prprias aulas ministradas, ambas transcritas para fins de anlise cientfica. Reproduzimos adiante a transcrio de um momento de uma aula, representativo das tentativas de operacionalizao do tra-

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balho interdisciplinar realizado na escola, principalmente, sob regncia das bolsistas de iniciao cientfica, as quais, na ocasio, tambm realizavam atividades do estgio curricular obrigatrio da Licenciatura em Letras que cursavam. No exemplo 3, a interao entre professora e alunos retoma o contedo disciplinar propriamente dito, classe gramatical dos substantivos, trabalhado numa aula anterior de Lngua Portuguesa, bem como a temtica da dengue como contedo auxiliar por meio do gnero cartaz. Questionamentos so realizados aos alunos para retomar a classe gramatical dos substantivos como contedo disciplinar trabalhado em aula anterior (turnos 1 e 3). Os alunos apenas conseguem se aproximar da resposta, o que leva a professora a dizer a resposta (turno 9). Retomado o contedo disciplinar, a professora consegue preparar os alunos para uma atividade dinmica6 em que era necessrio um conhecimento prvio sobre a classe gramatical dos substantivos.EXEMPLO 2Turnos 1 Atores Estagiria 1 Falas // dengue no Rio de janeiro, n? E ns vimos alm do, do contexto que era dengue, ns vimos uma outra coisa. Qu que ns vimos? Uma classe gramatical. Qual foi essa classe gramatical que ns trabalhamos? Uma classe gramatical que ns que vocs circularam todas as palavras que vocs acreditavam que fosse, qual foi a classe gramatical? Podem falar vocs sabem. todos contra a dengue? ((pergunta levantando a folha que contm o texto)) h, isso, aquele texto! ((levantando o polegar para o aluno)) Lembra qual foi a classe gramatical? Pchii! ((gesticula para chamar a ateno de um aluno)) Lembram qual foi? ((direciona a pergunta a um aluno)) Qual foi a classe? Pchii! Qual foi a classe que ns trabalhamos? classe de fala. ((rudos de conversas dos alunos)) num sei!

6 Essa atividade corresponde a um jogo com fichas fixadas no quadro. Com os textos dos cartazes virados para o quadro, os alunos escolhiam trs fichas para relacionar imagem de rtulos, nome do produto e atributo do produto. Escolhidas as fichas corretas, os alunos marcavam pontos, motivando-os a participar da aula. Com a atividade, foi possvel revisar a classe dos substantivos e iniciar o trabalho com os adjetivos.

2

Aluno 1:

3

Estagiria 1:

4 5 6 7 8

Aluno 2 Estagiria 1 Aluno 2: Estagiria 1 Aluno 3:

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classe gramatical dos? nmeros! ((resposta, provavelmente induzida pelo fato de Estagiria 2 expor no quadro uma coluna enumerada)) no, nmeros, no! SUBSTANTIVOS! Ns trabalhamos os SUBSTANTIVOS! Todo mundo lembra? Ns trabalhamos qual classe gramatical? SUBSTANTIVOS! E qual foi uma palavra que vocs nomearam como substantivo de um texto? dengue.(cont.)

9

Estagiria 1

10

Aluno 4

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(cont.)

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

Estagiria 1 Alunos 5 e 6 Estagiria 1: Alunos: Estagiria 1 Aluno 4: Estagiria 1 Aluno 5: Aluno 7: Estagiria 1: Alunos Estagiria 1

dengue. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. gua. gua. clima tropical? clima tropical. chuva. aedes egypti. aedes egypti. chuva. chuva. Vocs trabalharam ento a classe gramatical o qu? Qual ? SUBSTANTIVO! Ns vamos d continuidade a essa classe gramatical. Que o SUBSTANTIVO? Que o substantivo? Ns trouxemos hoje pra vocs uma DINMICA! ()(Transcrio de aula)

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A professora solicita exemplos de substantivos no texto sobre a dengue, utilizado para focalizar o contedo auxiliar (turno 9). Alm da motivao em sala de aula, as respostas apresentadas pelos alunos (turnos 10 a 22) demonstram que assuntos familiares e de interesse dos alunos podem contribuir para o aprendizado discente, assim como uma prtica pedaggica mais dinmica. O trabalho interdisciplinar por meio de temticas parece ser um caminho encontrado pelos professores; o risco, porm, est na mera justaposio ou sobreposio dos aqui denominados contedos disciplinar e auxiliar, sem alguma articulao significativa entre eles. Em alguns momentos da operacionalizao do projeto interdisciplinar focalizado nesta pesquisa, encontramo-nos tendenciosos a transformar o trabalho interdisciplinar em discusso de temticas em diferentes disciplinas, em aulas reservadas para tal propsito, sem articulao entre diferentes contedos de ensino. Selecionados pela prtica pedaggica fragmentada ou compartimentada, os contedos disciplinares da tradio do ensino parecem intocveis.

DESAFIOS NO TRABALHO DO PROFESSORConcebemos o planejamento escolar apenas como um dos atores que interferem na dinmica escolar. Tentando capturar alguns fios componentes da complexa rede investigada, salientamos que esse prprio planejamento, por sua vez, informado por inmeros atores sociais que o determinam. difcil precisar a quantidade desses atores mobilizados. Compreendemos aqui o projeto pedaggico interdisciplinar como um espao discursivo que viabiliza parcialmente a captura da rede mencionada. Planejados para orientar a prtica pedaggica do professor, o projeto pedaggico, por sua

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vez, informado por propostas ou diretrizes curriculares, programas de formao do professor e por prticas rotineiras da instituio de ensino, alm das expectativas dos educadores e dos prprios alunos, conforme tentamos ilustrar na figura 2:FIGURA 2 REDE DE PLANEJAMENTO PEDAGGICO

O funcionamento da rede que tentamos reproduzir por meio da figura 2 pode ser mais bem compreendido juntamente com a anlise atenta das passagens das falas dos professores sobre o planejamento pedaggico (Ex. 4). Na passagem 1, o aluno considerado ator principal do planejamento pedaggico: os temas que vo chamar ateno, atrair os alunos/ pra trabalhar em cima da dificuldade do aluno. A escolha da temtica7 a ser trabalhada no bimestre letivo condicionada ao interesse ou necessidade do discente, motivando-o a participar de forma mais significativa das aulas.EXEMPLO 3Passagem 1 Geralmente a gente procura os temas que vo chamar ateno, atrair os alunos. Em cima disso fazemos o projeto. E a gente procura usar o projeto pra trabalhar em cima da dificuldade do aluno. [] Esses planejamentos so produzidos no incio do ano, todos os professores voltam uma semana antes do incio das aulas para planejar todas as temticas do ano e a tambm vem o fluxo da diretoria regional de ensino pra gente trabalhar no decorrer do ano, quais os contedos que agente deve trabalhar durante o ano letivo. (Entrevista 1) Passagem 2 Geralmente a gente costuma trabalhar em cima do GESTAR e do PRA LER. Ento a metodologia utilizada a do GESTAR. Ela trabalha em cima da interdisciplinaridade, ela busca em primeiro lugar um atrativo maior para os alunos, para a aula. Uma aula diferente, que no a rotineira. A gente procura fazer diferente, como, por exemplo, se voc vai trabalhar a produo de texto, com certeza voc no vai chegar e dizer produza esse texto. (Entrevista 1)(cont.)

7 As temticas correspondem a assuntos trabalhados em resposta s demandas mais imediatas do contexto sociocultural dos alunos. As temticas selecionadas se confundem com os temas transversais (tica; sade; meio ambiente; orientao sexual; pluralidade cultural; trabalho; consumo), propostos a partir da dcada de 90 pelo governo federal, para contribuir com a renovao da prtica de ensino vigente. So trabalhados conjuntamente aos contedos disciplinares (Brasil, 1998).

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(cont.)

Passagem 3 Alm da culminncia, para expor o que os alunos aprenderam, tem a avaliao da secretaria. Na verdade o projeto dividido em etapas, bimestral, cada bimestre a cada etapa, como se fossa a construo de um grande projeto. Assim a gente avalia, tenta analisar como os alunos se saram, se realmente teve algum mrito, se gente conseguiu atingir algum ponto do projeto. Nos dias pedaggicos, tambm eles tocam nesses assuntos do projeto. (Entrevista 1)

Na escola pesquisada, o planejamento feito antes do incio do ano letivo. Alm do trabalho com temticas ou temas transversais, outra orientao oficial interfere diretamente no planejamento pedaggico, a saber: fluxo de aula (a tambm vem o fluxo da diretoria regional de ensino pra gente trabalhar no decorrer do ano). Conforme esclarecemos num outro momento desta pesquisa (silva, gomes, 2007), esse documento foi proposto pela Secretaria Municipal da Educao, para nortear a produo de projetos pedaggicos e de planos de aula, elaborados na rede pblica municipal de educao. composto por contedos e habilidades organizados por disciplinas escolares, procurando-se estabelecer minimamente algumas articulaes entre os contedos propostos para as diferentes disciplinas. Ainda analisando o exemplo 4, mais precisamente na passagem 2, so mencionados dois programas de formao de professores, propostos pelo governo federal, em cima do GESTAR e do PRA LER, como documentos norteadores de uma proposta pedaggica interdisciplinar capaz de tornar as aulas mais atrativas. Esse atrativo maior almejado com base em tal proposta corresponde ruptura com o tradicional e com o cotidiano tarefeiro escolar, pressuposto na prtica interdisciplinar, conforme destaca Trindade. Ainda, segundo o autor,o professor interdisciplinar percorre as regies fronteirias flexveis onde o eu convive com o outro sem abrir mo de suas caractersticas, possibilitando a interdependncia, o compartilhamento, o encontro, o dilogo e as transformaes. Esse o movimento da interdisciplinaridade caracterizada por atitude ante o conhecimento. (2008, P. 82)

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Na mesma passagem da entrevista, apresentada uma metodologia diferenciada para trabalhar a produo textual, a qual proposta a partir da exemplificao prvia do gnero discursivo solicitado como produo textual, voc vai citar exemplos de texto, mostrar como o aluno pode proceder com o texto, para depois pedir pra que ele produza o texto, evitando-se, portanto, o comando para produo de algum gnero ainda no trabalhado previamente. A passagem 3 ilustra as prticas rotineiras construdas na dinmica do cotidiano institucional, como a organizao do projeto pedaggico em etapas bimestrais, e apresentao do conhecimento produzido a cada

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bimestre nas atividades de culminncia. Em cada etapa bimestral, uma temtica trabalhada dentro do projeto. Ao final de cada bimestre, os alunos apresentam algumas atividades desenvolvidas nas culminncias, quando a comunidade escolar se reunia no ptio da instituio para compartilhar as experincias. Ao analisar os Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa (brasil, 1999, 1998), Silva e Pinto (2009) assinalam que a interdisciplinaridade unicamente orientada pelos temas transversais, sem haver indicaes para um dilogo mais efetivo com as disciplinas tradicionais do currculo. Essa ausncia de orientao parece ser preenchida pelos professores, por meio da seleo textual, com temticas especficas, como elemento medidor do contedo auxiliar, o qual deve perpassar o trabalho dos contedos disciplinares tradicionais, em todas as disciplinas curriculares. Ainda conforme os autores, a interdisciplinaridade tambm aparece no documento em que o tratamento fragmentado dado aos contedos de Lngua Portuguesa, dividindo-se a disciplina em aulas de Gramtica, Literatura e Redao, criticado. Existem inmeros outros fatores que restringem a operacionalizao dos projetos pedaggicos interdisciplinares de forma cooperativa pelos professores responsveis pelas disciplinas escolares. Nas passagens das falas dos professores, em resposta a entrevistas estruturadas, podemos observar a ausncia de tempo dos professores do ensino bsico para realizarem pesquisa que possam auxili-los no trabalho interdisciplinar diferenciado que pretendem realizar. Num outro momento desta pesquisa (silva, 2009a, p. 35), notamos a ausncia de materiais e recursos financeiros, assim como a falta de tempo, para que o professor possa atuar como um agente de letramento, considerando que, na qualidade desse, o professor responsvel pela insero ou familiarizao do aluno em atividades estabilizadas diversas envolvendo o uso da lngua escrita. Nas palavras de Kleiman,um agente de letramento um agente social e, como tal, conhecedor dos meios, fraquezas e foras dos membros do grupo e de suas prticas locais, mobilizador de seus saberes e experincias, seus modos de fazer (inclusive o uso de lideranas dentro do grupo), para realizar as atividades visadas: ir, e vir, localizar, arrecadar, brincar, jogar, pesquisar. (2006, P. 87).

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EXEMPLO 4Passagem 1 [] pra gente a dificuldade maior principalmente voc ter o tempo de t procurando novos temas, novos contedos pra gente trabalhar, usar no dia-a-dia. A gente tem uma sobrecarga de trabalho muito grande e o nosso tempo para fazer pesquisa, modificar as formas de aula, nem sempre a gente tem esse tempo. Mas a gente procura fazer o mximo possvel, ta situado o mximo pra procurar a cada dia modificar as formas de aula de nossos alunos. A partir do momento que a gente tivesse mais tempo para pesquisar, preparar as aulas com certeza teria uma forma melhor de aplicar as aulas. Mesmo porque a gente tem uma sobrecarga de trabalho maior pra poder, o salrio se voc trabalha 20 horas ele vai ser desproporcional pra voc sobreviver. (Entrevista n. 1) Passagem 2 Olha ns temos tentado recuperar esses alunos, s que como eu j falei no tem como assim em sala de aula, teria que ter um momento especfico pra isso a e no tem, a janelinha que tem o qu? planejar, planejar. No tem tempo devido a carga horria, ns temos 20 aulas, carga horria de 20 horas, dessas 20, 5 planejamento, eu j acho pouco. Deveria ter algum para recuperar esses alunos com dificuldade. (Entrevista n.2)

8 Alguns professores realizam dupla jornada de servio na rede pblica municipal e estadual de ensino; outros possuem, por exemplo, 40 horas em escolas estaduais e 20 horas em escolas municipais.

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No exemplo 5, as formas nominais tempo e momento, so recorrentes nas falas dos professores. Sobre essas formas nominais, incidem principalmente predicaes compostas pelas formas adverbiais de negao no e nem, que expressam a ausncia de tempo para planejar, ministrar aulas de recuperao para alunos com dificuldade no aprendizado e pesquisar materiais para aulas diferenciadas. Ao mencionar o tempo como impedimento para operacionalizar as atividades interdisciplinares, os professores tambm procuram apresentar solues possveis para minimizar o entrave instaurado, como o maior esforo para desempenhar a funo, e o prprio tempo, agora, mais extenso. Tais solues so sinalizadas pelos seguintes marcadores de organizao textual: mas e a partir do momento (com dupla marcao). A reduo das 40 horas de servio ou mais8 para 20 horas tambm cogitada como possvel soluo, porm, tal possibilidade descartada porque a remunerao pela menor hora trabalhada no permite o sustento necessrio para manuteno da vida do profissional. Ainda no mbito do projeto de pesquisa, Silva e Gomes (2007), ao analisarem algumas entrevistas estruturadas concedidas por professores, destacam a falta de cooperao entre os professores como fora dispersora da efetivao do trabalho interdisciplinar na escola. O dilogo entre professores precisa ser estreitado para que haja cooperao no trabalho pedaggico que se quer interdisciplinar. Nos termos utilizados por Fazenda (2008, p. 22), esse trabalho requer um outro tipo de profissional com novas caractersticas. A integrao de que tambm fala Fazenda (2008, p. 22) deve envolver no s os professores, mas inclusive os alunos, os quais, normalmente, so deixados margem do processo. A invisibilizao dos alunos observada nos diferentes recortes investigativos realizados, durante a operacionalizao do projeto de pesquisa focalizado, pois o trabalho

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cooperativo entre os professores cobrado, mas os alunos, j esquecidos na instituio de ensino, no so lembrados pelos pesquisadores.

CONSIDERAES FINAISA literatura especializada apresenta inmeras concepes de interdisciplinaridade, cada qual com algumas particularidades. Nesta investigao, preocupamo-nos em analisar o que se compreende por essa abordagem na instituio de ensino pesquisada, sem necessariamente procurar concepo semelhante da literatura de referncia ou enquadrar foradamente as atividades escolares ao proposto por essa literatura. Interessava apenas compreender o tipo de trabalho realizado, o qual, por sua vez, era considerado interdisciplinar pela comunidade escolar. Os resultados deste estudo no devem ser generalizados para qualquer atividade pedaggica orientada por projetos pedaggicos interdisciplinares, mas podem servir de parmetro ou referncia para o caminho a ser percorrido por instituies de ensino bsico. Consideradas as restries na operacionalizao desta pesquisa participante, o trabalho didtico com textos diversos foi a principal estratgia utilizada para articular algum contedo comum entre as disciplinas curriculares. Esse contedo compartilhado foi o contedo auxiliar (temticas ou assuntos do cotidiano de interesse dos alunos), conforme denominao utilizada nesta pesquisa, permanecendo o contedo disciplinar propriamente dito praticamente intocvel. Quase que todas as atividades propostas foram elaboradas sob a perspectiva do profissional formado em Letras, pois a equipe do projeto foi reduzida e os professores da escola que participaram mais diretamente tambm tinham a mesma formao. Portanto, realizamos uma abordagem interdisciplinar bastante tendenciosa, informada por pressupostos terico-metodolgicos dos estudos aplicados da linguagem. Os diferentes instrumentos de gerao de dados impulsionaram a configurao de um percurso metodolgico dinmico, construdo durante o desenvolvimento da pesquisa. Auxiliaram a concepo do espao escolar complexo, composto por atores de natureza diferente, evitando a simplificao de resultados ou a precipitao da atribuio da responsabilidade por resultados insatisfatrios a atores individuais, como professores ou familiares discentes.

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Wagner Rodrigues Silva

WAGNER RODRIGUES SILVA Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Letras, professor da Graduao em Letras, responsvel pelas disciplinas de Estgio Supervisionado em Lngua Portuguesa, da Universidade Federal do Tocantins Campus de Araguana e Bolsista Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico. [email protected]; [email protected]

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Recebido em: OUTUBRO 2009 | Aprovado para publicao em: FEVEREIRO 2010