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  • Artigos

    ContemporneaISSN: 2236-532X

    v. 4, n. 2 p. 507-530Jul.Dez. 2014

    Conscincia negra e socialismo: mobilizao racial e redes socialistas na trajetria de Hamilton Cardoso (1953-1999)

    Fbio Nogueira de Oliveira1

    Flavia Rios2

    Resumo: A gerao negra de 1970 central para entender a emergncia da mo-bilizao contra a ideologia da democracia racial durante a ditadura militar e seus desdobramentos no processo de democratizao. Em particular, a relao entre raa e classe foi a problemtica mais relevante para as jovens lideranas estudantis que afirmavam uma identidade racial ao mesmo tempo em que se aliavam s esquerdas polticas e s lutas contra o regime dos generais. Hamilton Cardoso figura emblemtica no contexto paulista, porque sua trajetria e suas redes polticas expressam as alianas entre o nascente movimento negro con-temporneo e o socialismo. Sua produo intelectual um esforo para promo-ver a conciliao entre a conscincia negra e a luta de classes.

    Palavras-chave: raa; classe; democratizao; intelectuais negros; Hamilton Cardoso.

    Black consciousness and socialism: racial mobilization and socialist net-works the trajectory of Hamilton Cardoso (1953-1999)

    1 Departamento de Cincias Humanas e Tecnolgicas Universidade Estadual da Bahia (UNEB) Seabra Brasil [email protected]

    2 Programa de Ps-Graduao em Sociologia - Universidade de So Paulo (USP) Bolsista FAPESP So Paulo Brasil [email protected]

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    Abstract: The black generation of the 1970s is central to understanding the emer-gence of mobilization against racial democracy as an ideology during the military dictatorship and its developments in the democratization process. In particular, the relationship between race and class was the most important issue for young black student leaders who claimed a racial identity while they allied themselves to the political left and the struggle against the regime of the generals. Hamilton Car-doso is emblematic figure in So Paulo context because its trajectory and political alliances between networks express the rising contemporary black movement and socialism. His intellectual output is an effort to promote reconciliation between black consciousness and class struggle.

    Keywords: race; class; democratization; black intellectuals; Hamilton Cardoso.

    I. Redes socialistas e mobilizao negra na resistncia ditadura militarEm sua gnese, fraes expressivas do movimento negro contemporneo

    formaram-se na frente de esquerda que fazia oposio ditadura durante os anos 1970 e incio dos anos 1980 (Gonzalez, 1982; Silva, 1994; Hanchard, 2001; Soares, 2012). Nas trajetrias de vida, nos relatos e nas pginas de jornais encon-tramos marcas significativas do tenso debate poltico desses tempos incertos, tingido pela retrica de classe e pela crtica negra dissonante. Aos registros his-tricos somam-se evidncias da constituio de uma identidade coletiva negra em contraste com o construto simblico e poltico da esquerda no Brasil. No processo de reorganizao das esquerdas no ps-luta armada, algumas organi-zaes, a exemplo da Liga Operria (que se tornou conhecida por Convergncia Socialista), foram relativamente permeveis influncia e ao de militantes negros que passaram a colocar a temtica racial na pauta das discusses e at em seu veculo de comunicao, no bojo da chamada imprensa alternativa.

    Dessa perspectiva, a trajetria do jornalista Hamilton Bernardes Cardoso (1953-1999) modelar para compreender essas relaes polticas entre redes so-cialistas e movimento negro. Intimamente ligado formao do Movimento Unificado Contra a Discriminao Racial (MUCDR), que posteriormente ficou conhecido como MNU (Movimento Negro Unificado), Hamilton era tambm militante e jornalista da Convergncia Socialista, uma das correntes polticas que fundou o Partido dos Trabalhadores (PT)3. Ele era, portanto, um mediador

    3 A Liga Operria (1972-78) foi fundada na Argentina por cinco exilados brasileiros liderados por Jorge Pinheiro, este j era trotskista por influncia de Mrio Pedrosa que conhecera no Chile. J na Argentina, Pinheiro conheceu Nahuel Moreno, fundador do PST (Partido Socialista dos Trabalhadores) e ligado

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    poltico tanto por transitar em diferentes espaos de engajamento como por fazer conexes entre redes de ativismo4.

    Em meados da dcada de 1970, o jovem negro e estudante de jornalismo Hamilton Bernardes Cardoso foi recrutado pela Liga Operria (1972-1978)5. Assim como ele, outros estudantes e militantes negros originrios das cama-das mdias e populares ingressaram nessa corrente trotskista6. O contato com grupos da esquerda socialista no perodo de censura e o fato de que muitas destas organizaes atuavam na clandestinidade permitiram a ativistas negros a mobilizao de uma estrutura de recursos para uma ao coletiva que no passasse exclusivamente pelas instituies e pelos grupos negros que existiam sob o regime ditatorial7.

    A atuao poltica no jornal Versus o exemplo mais bem acabado de uma aliana poltica entre esses ativistas negros e a esquerda poltica. Nele, a juven-tude negra organizada na Liga Operria inseriu a pauta racial no debate sobre a redemocratizao e se apresentou como ator coletivo organizado, com tradio prpria e altamente comprometida com as lutas de classes, o que significava, na prtica, vnculos fortes com a rede socialista.

    Em outubro de 1975 surge o jornal Versus, no mesmo ms em que foi divul-gado o escandaloso caso da morte do diretor de jornalismo da TV Cultura Vla-dimir Herzorg numa cela do DOI-Codi em So Paulo. O Versus era um projeto ambicioso que reunia vrios espectros da esquerda poltica e jornalistas crticos ao regime ditatorial. Tratou-se de um peridico paulista que por quase cinco anos comps a mirade da imprensa nanica (Kucinski, 2003)8. Em sua origem, o Versus era um jornal independente criado pelo jornalista Marcos Faerman

    Frao Bolchevique da IV Internacional. A Liga Operria formou seus primeiros ncleos em Santo Andr e na Escola de Sociologia e Poltica, em So Paulo; a partir de 1973, essa organizao clandestina ligou-se ao jornal Versus.

    4 Na literatura especializada em movimentos sociais, a figura mediadora, os brokers, central para enten-der como as redes polticas se entrelaam. Para mais detalhes, ver McAdam, Tarrow, Tilly, 2001.

    5 Segundo o depoimento de Ado Ventura, militante da Liga Operria, concedido a Flvia Rios em janeiro de 2011 no projeto Elite Poltica Negra no Brasil, pesquisa financiada pela FAPESP.

    6 A Liga Operria atuou no movimento estudantil paulistano adotando o nome de Proposta, na PUC/SP, e de Mobilizao, na USP. Estudantes universitrios negros como Hamilton Cardoso, Rafael Pinto e Milton Barbosa, que se tornariam fundadores do MNU, foram antes militantes da Liga Operria.

    7 Existiam entidades e grupos negros que atuavam nos limites da ditadura militar a exemplo do Aristocrata Clube, Casa da Cultura Afro-Brasileira, Grupo de Trabalho dos Profissionais Liberais Negros em So Paulo. Essas entidades foram fundamentais para a eleio, em 1966, de Adalberto Camargo Cmara Federal. Em 1968, Adalberto, como deputado federal, criou a Cmara de Comrcio Brasil-frica. Para mais informaes ver Santana, 2003: 517-555.

    8 Entre 1964 e 1970, essa imprensa alternativa prosperou e deu origem a mais de 150 jornais e revistas (Bucchioni; Ogassawara, 2005: 95).

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    (1943-1999). Como parte da imprensa alternativa, o objetivo desse jornal era apresentar o pensamento de intelectuais de oposio ditadura militar num espectro amplo, de democratas liberais a socialistas revolucionrios.

    Marcos Faerman trabalhava no Jornal da Tarde quando criou o Versus. Era seu colega de redao o jornalista e escritor Oswaldo de Camargo, poeta ligado Associao Cultural do Negro, nos anos 1950 e 1960. Pressionado pela Liga Operria por causa da ausncia da temtica nacional e racial no Versus, o editor chefe do peridico convidou Oswaldo de Camargo para escrever sobre esses te-mas. Assim, em 1977 ele criou a seo Afro-Latino-Amrica no Versus, a qual foi formada por Oswaldo Camargo, Jamu Minka (poeta, fundador do grupo Quilombhoje e dos Cadernos Negros), Neusa Maria Pereira, Tnia Regina Pinto e Hamilton Cardoso (que usava o pseudnimo Ndacaray Zulu Nguxi).

    Esse cenrio complexo, formado por uma ampla gama de intelectuais de es-querda pertencentes a diversos matizes ideolgicos, mudou quando a Liga Ope-rria (1972-78) assumiu o controle do Versus. Essa estratgia de aparelhamento do jornal tinha dois objetivos. O primeiro era torn-lo uma tribuna das posies da Liga Operria e contribuir para ampliar seu raio de influncia entre intelec-tuais e setores do movimento social que emergiu no contexto ps-luta armada. O segundo era aproveitar-se da estrutura do jornal para organizar o trabalho poltico da organizao trotskista. Esse duplo objetivo fez que se desenvolvesse no Versus uma dualidade. Por um lado, a pretenso de manter o projeto original de Faerman, de um formato mais cultural, que privilegiasse o dilogo com inte-lectuais e polticos que estivessem em oposio ao regime militar. Por outro, seu papel de rgo oficioso da Convergncia Socialista (Kucinski, 2003).

    Quando Hamilton Cardoso tornou-se militante orgnico da Liga Operria, sua posio no Versus sofreu uma progressiva mudana: ele saiu da condio de colaborador da seo Afro-Latino-Amrica para a de editor do jornal9. O fato de ser alado do grupo de colaboradores ao conselho de direo foi interpretado por Oswaldo Camargo e Jamu Minka como uma interferncia da Liga Operria. Ambos se desligaram de Afro-Latino-Amrica e passaram a desenvolver ou-tros projetos jornalsticos e culturais10.

    9 Entre os meses de junho de 1978 at o fechamento do jornal no final de 1979, Hamilton Cardoso escreve para Afro-Latino-Amrica. Hamilton Cardoso s fez parte do grupo de colaboradores da Versus a partir do nmero 13 (agosto, 1977) e no nmero 15 (outubro/1977) passou a integrar o conselho de redao do jornal. Bernardo Kucinski afirma que a influncia da Liga Operria nos rumos do Versus comea em dezembro de 1977 (com a capa O Partido Socialista est nascendo) e se consolida em maro de 1978, quando a Liga toma definitivamente a direo do jornal (Kucinski, 2003: 249-68).

    10 Oswaldo Camargo funda o jornal Abertura. JamuMinka passa a colaborar com o Jornegro e com os Cadernos Negros.

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    Ao mesmo tempo, Hamilton Carsoso era altamente ligado s redes negras que se rearticulavam pelo pas afora. A oportunidade de publicizar as reivindi-caes de setores do movimento negro que estavam se reorganizando, a partir das pginas do Versus um dos mais bem-sucedidos empreendimentos da im-prensa alternativa , deveria parecer promissora. O Versus contava com uma estrutura profissional de redatores e jornalistas, alm de uma rede de distribui-o que abarcava as principais capitais brasileiras. De um jornal de intenes modestas, vendido de mo em mo, em pouco tempo o Versus passou a ser distribudo em bancas de jornal de So Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e ou-tras capitais. Em 1977, consolidou sua distribuio nacional e chegou a superar a marca dos 35 mil exemplares vendidos (Bucchioni; Ogassawara, 2005, apud Kucinski, 2003: 250). Ao longo de sua existncia, totalizou 34 edies entre os anos de 1975 e 1979.

    Dentro da perspectiva original deste jornal paulistano, a Afro-Latino-Am-rica tornou-se um espao da divulgao para intelectuais, lideranas e artis-tas negros como Abdias do Nascimento, Clvis Moura, Llia Gonzalez, Thereza Santos, Hlio Santos, Licnio Azevedo, o msico Lumumba e Antnio Carlos (Grupo Evoluo). Era, portanto, a tribuna de uma esquerda democrtica negra em clara oposio ao regime militar vigente.

    A trajetria da seo Afro-Latino-Amrica pode ser dividida em duas fases. A primeira, de sua formao (Versus, n. 12, julho 1977) at o nmero18, antes do surgimento do MUCDR (Movimento Unificado Contra a Discriminao Racial), com a predominncia da primeira coordenao formada por Osvaldo de Ca-margo; a segunda, do nmero19 em diante, em que a presena da Liga Operria (agora Movimento Convergncia Socialista) era mais forte, com o esvaziamento da seo, que na fase final foi basicamente escrita por militantes da organiza-o socialista (Hamilton Cardoso, Wanderlei Jos Maria, Neusa Maria Pereira, Maria Dulce Pinheiro Pinto, Jos Ado de Oliveira e Rafael Pinto, dentre ou-tros). Em outros termos, houve a passagem de uma esquerda negra democrti-ca para uma esquerda negra revolucionria. Nessa ltima vertente, Hamilton Cardoso seguramente a figura mais central para entender a trajetria desse grupo e suas relaes com a esquerda socialista, bem como com as organizaes negras do perodo.

    Neste sentido, preciso saber mais sobre o enraizamento de Hamilton Car-doso no mundo negro e o modo como manejava suas filiaes identitrias. An-tes de se tornar um jovem intelectual e revolucionrio de esquerda, Hamilton teve sua trajetria marcada por sua socializao nos espaos negros da capi-tal paulistana, entre o final da dcada de 1960 e o incio dos anos 1970. Esta

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    experincia o tornou o portador das reivindicaes de um tipo de protesto ne-gro que iria se organizar no final daquela dcada e desaguaria no Movimento Negro Unificado (MNU).

    II. Identidade, espaos e culturas negras em So PauloSo Paulo a capital do protesto negro moderno. A cidade paulista tornou-

    -se palco de diversas expresses de negritude desde as primeiras dcadas do sculo XX, com o surgimento e a difuso da imprensa negra tradicional ve-culo de comunicao e organizao dos filhos e netos de escravos e libertos que migraram de diferentes partes do pas e do interior do estado para a cidade at a constituio de uma entidade poltica expressiva, a Frente Negra Brasileira (FNB), nos anos 1930, que promoveu e canalizou as reivindicaes das camadas negras em processo de diferenciao na urbe que sediou a modernizao do pas (Fernandes, 1964; Andrews, 1991; Domingues, 2007).

    Os espaos de sociabilidade dos negros compreendiam o permetro do cen-tro da cidade de So Paulo, especialmente na rea que vai do largo do Arouche praa da Liberdade. Florestan Fernandes e Roger Bastide (1955), quando rea-lizaram o estudo de relaes raciais para a Unesco, na dcada de 1950, aponta-ram a rua Direita e seu entorno como local de footing dos trabalhadores negros durante os finais de semana11. Tambm Paulo Duarte, um dos fundadores da Universidade de So Paulo, em uma srie de artigos que escreveu no jornal O Estado de S.Paulo sobre Negros no Brasil, registrou os conflitos e dilemas dos brancos diante da presena dos negros na rea central:

    Os comcios de todas as noites na praa do Patriarca e as concentraes tam-bm noite de negros agressivos ou embriagados na rua Direita e na praa da S, os botequins do centro onde os negros se embriagam, j esto provo-cando protestos, justssimos protestos, at pela imprensa, pois no possvel uma cidade como So Paulo ficar merc de hordas grosseiras e malcriadas, prontas a se desencadearem contra qualquer branco, homem ou mulher, des-de que um gesto involuntrio, um olhar mesmo, possa ser mal interpretado por esses grupos brutais e violentos. (OESP, 17 abril 1947: 6).

    Uma jovem pesquisadora baiana que veio para So Paulo estudar na Escola Livre de Sociologia e Poltica, no incio dos anos 1950, relatou que se espan-tou ao ver tantos negros reunidos nos fins de tarde na rua 24 de Maro. L,

    11

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    segundo ela, era um espao de lazer predominante masculino e negro. Lugar tido como perigoso, o qual as moas de bem deveriam evitar12. Nos anos 1970, esta cartografia negra ainda era notvel, no obstante a formao de novos es-paos de entretenimento e confraternizao na esteira do fenmeno black soul. Esse territrio de sociabilidade foi basilar para que entrassem em cena smbo-los de orgulho racial, os quais se inseriram no repertrio de ao coletiva na metrpole (Hanchard, 2001).

    Esses espaos, todavia, eram heterogneos. Neles se entrecruzaram diferen-tes formas de identidade negra que expressavam diferenas religiosas, de status e de classes sociais (estratos mdios, intelectuais, artistas, proletrios e traba-lhadores informais). Historicamente, havia no centro de So Paulo diferentes formas de expresso cultural e poltica: das tradicionais s de protesto. Por um lado, havia a Igreja Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos, localizada no largo do Paissandu, onde tambm se encontrava uma forte irmandade religiosa, alm do monumento em homenagem Me Preta13. Nesse espao, tradicional-mente, eram feitos eventos pblicos referentes ao centenrio da Abolio, em que lideranas negras, autoridades pblicas do estado e religiosas proferiam discursos comemorativos ao 13 de Maio14. Por outro lado, havia outros espaos culturais e recreativos, como a Escola de Samba Vai Vai, no bairro do Bexiga, e o clube Paulistano da Glria, na Liberdade15. Em concorrncia com a tradio nacional, chegavam, durante a dcada de 1970, novas formas e novos smbolos de negritude internacionalizados, os quais eram mais atraentes experincia sociocultural da juventude negra. Assim, as primeiras equipes de som, como a Zimbbue16, passaram a trabalhar com black soul e encontraram abrigo em clubes como o Coimbra, na avenida Ipiranga.

    Por sua vez, a cidade tambm tinha gestado organizaes com feies de protesto, como a j citada Frente Negra Brasileira (1931-1937), a Associao Cul-tural do Negro (1956-1978), o Centro de Cultura Negra (1971-1978) e o Movi-mento Negro Unificado (1978). Este ltimo, o MNU, imps cidade uma nova linguagem do protesto, apropriando-se politicamente dos espaos de footing negros que se estendiam do teatro at o viaduto do Ch. Note-se que o referido

    12 Relato pblico da professora Josildeth Gomes Consorte numa defesa de doutorado na USP, no dia 5 de novembro de 2013. Para mais detalhes sobre a trajetria de Consorte, ver Cadernos de Campo, So Paulo, n. 18, 2009, p. 1-352.

    13 Sobre o processo de reconhecimento e projeo do referido monumento, ver Siegel, 2007: 315-376.14 Ver notcia intitulada Todas as homenagens pela abolio (FSP, 14/5/ 1971).15 A respeito da presena negra nos carnavais paulistanos, ver Simson, 1989. Sobre a Escola de Samba Vai

    Vai ver Soares, 1999.16 Sobre os clubes blacks e os empreendimentos negros de entretenimento, ver Felix, 1999.

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    movimento chegou s ruas, nas escadarias do teatro Municipal, portando um discurso radical que confrontava a autoimagem difundida pelo nacionalismo poltico do regime autoritrio. O protesto, atente-se, realizou-se num contexto de forte mobilizao social, estudantil e sindical e sob a ameaa de represso militar17. Hamilton transitou por todos esses espaos desde a adolescncia e foi um dos ativistas centrais para a formao do movimento negro contemporneo.

    Filho de Onofre Cardoso, msico de orquestra, e de Deolinda Bernardes Cardoso, Hamilton nasceu em Catanduva, no noroeste paulista, no dia 10 de julho de 195318. Embora tenha nascido no interior do estado, Hamilton Bernar-des Cardoso chegou capital ainda na tenra infncia, tendo frequentado escolas pblicas na cidade at que seus pais decidiram encaminhar os dois filhos mais velhos para um seminrio do interior de So Paulo. Desta forma, parte significa-tiva de sua escolarizao se deu sob os preceitos da educao religiosa19.

    No ano de 1968 ele fazia os estudos secundrios no Instituto de Educao Ca-etano de Campos, na praa de Repblica20. Aos domingos, a praa da Repblica j era o espao da feira hippie na dcada de 1970: um ponto de encontro obriga-trio para pintores, escultores, artesos, jornalistas e intelectuais como Solano Trindade, Ciro Nascimento, Aristides Barbosa, Odacir de Matos e Oswaldo de Camargo. Nesse perodo, assim como outros estudantes de sua gerao, Hamil-ton passou a frequentar os teatros Vereda e de Arena, cineclubes e cinemas de arte, como o cine Bijou, na praa Roosevelt. Divertiu-se nos agitados bailes do clube Coimbra, participou de atividades culturais e reunies polticas em tradi-cionais clubes negros ou na casa de intelectuais e antigos militantes; enfim, inte-grou-se completamente ao universo diversificado da cultura negra paulistana.

    Um dos centros de politizao da questo negra em So Paulo foi construdo na parceria entre o socilogo e msico Eduardo de Oliveira e Oliveira (1923-1980) e a atriz comunista Thereza Santos (1930-2012)21. O encontro dos dois ati-vistas resultou na fundao do Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), cujo objetivo era contrapor-se s entidades negras da cidade, as quais, aos seus olhos,

    17 Ver depoimento de Amaury Pereira e Milton Barbosa em Alberti; Pereira, 2007. Ademais, vale a pena ler o artigo seminal de Llia Gonzalez (1982): O movimento negro na ltima dcada.

    18 Segundo depoimento de sua primeira esposa Dulce Maria Pereira em Hamilton Cardoso. Disponvel em :>. Acesso: 20 de fevereiro de 2014.

    19 Para mais detalhes sobre a vida de Hamilton Cardoso, ver Flavio Carrana, Hamilton Cardoso: militante, intelectual e jornalista. So Paulo. No Prelo.

    20 Entrevista de Thereza Santos concedida a Fbio Nogueira em 10 de outubro de 2005.21 Para anlise mais detalhada do projeto teatral de Thereza Santos e Eduardo de Oliveira e Oliveira, ver

    Rios, 2014.

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    eram demasiadamente culturalistas, entendidas poca como pouco politiza-das22. Em 1971, Hamilton Cardoso fez parte do grupo de atores que encenaram a pea E agora falamos ns, escrita e montada por Eduardo de Oliveira e Oliveira e Thereza Santos23. Atravs desse teatro negro de protesto, Hamilton, com 18 anos, engajou-se na mobilizao poltica e assumiu uma identidade negra.

    No circuito frequentado por Hamilton e seus colegas, a poesia de protesto tinha seu lugar especial. Hamilton declamava poesias, cantava msicas africa-nas e teve o seu primeiro contato com o protesto poltico negro (Cardoso, 1979: 45). Sete anos mais tarde, no poema Vontade, sob o pseudnimo africano de Zulu Nguxi, publicado em Afro-Latino-Amrica, ainda fazia referncia a este momento de iniciao poltica24. Acompanhando o que era praticado por ou-tros jovens negros, Hamilton Cardoso declamou poesias de autores africanos engajados na luta contra o colonialismo portugus e chegou a produzir uma coletnea de poemas impressos em mimegrafo25. Para Domcio Proena Filho (2004: 161-193), entre as dcadas de 1960 e 1970 emerge uma potica negra mais

    engajada, a partir da formao de grupos de escritores negros que tm como matria principal a construo de uma identidade com forte vinculao aos va-lores e s tradies culturais africanos. Na cidade de So Paulo, o principal gru-po foi o Quilombhoje, surgido em 198026, cuja formao deveu-se ao poeta Cuti (Lus Silva) e ao advogado Hugo Ferreira, que em 1978 reuniam-se no Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). Eles resolveram lanar uma pequena coletnea de poemas chamada Cadernos negros. Nesse peridico literrio, Hamilton parti-cipou com a publicao de poemas e crnicas que oscilam entre a sensualidade e os discursos polticos anticapitalista e antirracista (Cardoso, 1980; 1981)27.

    Essa rede, marcada pela produo cultural, por associaes tradicionais e clubes, mantinha na capital paulista a sociabilidade negra, assim como gestava discursos crticos s relaes raciais. Nesses espaos havia a percepo de que

    22 A esse respeito digno de nota o texto de Silva, 2012.23 24 Cardoso, 1977: 33.25 Em 1977, Hamilton fez circular Negrice 1 Iniciao, uma pequena coletnea de poemas mimeografada, de

    Cuti (Lus Silva), JamuMinka, Oswaldo de Camargo, do poeta moambicano Jos Craveirinha (1922-2003) e poemas de sua prpria autoria sob o pseudnimo de Ndacaray Zulu Nguxi. Esta publicao, no entanto, nas palavras de Hamilton tinha como objetivo aproximar as pessoas mais envolvidas com o circuito cultu-ral negro da Liga Operria. Ver entrevista de Hamilton Cardoso concedida a Maria Erclia do Nascimento em 1984 (in: Flavio Carrana, Hamilton Cardoso: militante, intelectual e jornalista. So Paulo (No Prelo).

    26 No Rio de Janeiro e em Salvador temos um fenmeno similar com a formao, respectivamente, do Negrcia, Poesia e Arte do Crioulo, em1982; e do grupo Gens (Grupo de Escritores Negros de Salvador), em 1985.

    27 So os poemas 30, maio, Cadernos Negros, n. 3, 1980; A revoluo dos sonhos: macumba, revoluo e cachaa, Cadernos Negros, n. 4, 1981.

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    o racismo era uma experincia comum vivenciada pelas famlias, pelos grupos e pelos indivduos que viviam na cidade. Hamilton Cardoso, nesses percursos, relacionou-se tanto com lideranas negras mais prximas do espectro conser-vador28 como com os segmentos mais liberais e de esquerda.

    III. Revoluo, Raa e Classe: um pensamento negro socialista em formaoO objetivo desta seo desenvolver o pensamento de Hamilton em contraste

    com alguns intelectuais negros da poca. Para isso, procuraremos seus pontos de aproximao e distanciamento com Clvis Moura, Abdias do Nascimento e, ainda, com Thereza Santos e Llia Gonzalez. Devido ao carter disperso dos textos e ar-tigos de Hamilton escritos, na maioria das vezes, luz da conjuntura cambiante do processo de redemocratizao , optamos por analis-los a partir de seus con-textos e objetivos polticos especficos, reconstruindo o pensamento do jornalista no leito do intricado jogo de relaes e conflitos polticos do qual emergiu.

    Em So Paulo, onde predominou uma experincia histrica de associao do negro em torno da raa (Buttler, 1992), vicejou de forma mais consistente o ncleo marxista do Movimento Negro Unificado, a partir do Ncleo Negro So-cialista e do grupo Deciso. Isso significa que a superao do racismo s poderia ocorrer com a ruptura da ordem racial e de suas estruturas de poder, porque eram percebidas e vividas como tais29. Desta forma, para a seo paulistana do MNU, a questo cultural no era central para a construo poltica; tratava-se, na verdade, de um meio para acessar a comunidade negra.

    28 Destaque-se a figura do deputado federal Adalberto de Camargo, de quem Hamilton Recebeu uma bolsa para estudar na Faculdade Csper Lbero. Para mais detalhes sobre Camargo, ver Valente, 1982.

    29 O artigo focaliza a cidade de So Paulo, mas necessrio dizer que durante os anos 70 h uma srie de acontecimentos e iniciativas de grupos negros que sinalizam positivamente acerca da retomada da mobi-lizao do movimento negro brasileiro. Em 1970, no Rio Grande do Sul, forma-se o grupo Palmares que, em 1974, prope como a data nacional dos afro-brasileiros o 20 de novembro (dia da morte de Zumbi dos Palmares), em contraposio ao 13 de maio. O poeta gacho, Oliveira Silveira, publicara, em 21 de novembro de 1971, no jornal Correio do Povo, o artigo A Epopeia de Palmares. Palmares A Guerra dos Escravos, de Dcio Freitas, publicado no Brasil, em portugus, em 1973. Em Belo Horizonte, a Sociedade Jos do Patrocnio retoma as suas atividades. No Rio de Janeiro, a Sociedade de Intercmbio Brasil-frica (SINBA) e o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) desempenham um impor-tante papel na aglutinao do movimento negro fluminense. Ainda no Rio, em 1976, Llia Gonzalez abre o curso de Cultura Negra, na Escola de Artes Visuais, no momento em que aumenta o intercmbio entre as organizaes negras do Rio e de So Paulo. Em Salvador, em 1974, surge a Sociedade Cultural Bloco Afro Il Aiy. Em So Paulo, durante os anos 70, tanto na capital como no interior, temos o Cecan

    Centro de Cultura e Arte Negra, Associao Cultural Brasil Jovem, o GTPLUN Grupo de Profissionais Liberais Negros, a Cmara de Comrcio Afro-Brasileira, os jornais Abertura, Capoeira, Jornegro, Afro-Latino-Amrica, alm, evidentemente, do Ncleo Negro Socialista, entre outros.

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    Por isso, nos primeiros escritos de Hamilton Cardoso a questo cultural no tinha centralidade para pensar a ao coletiva, como houve no pensamento de Abdias do Nascimento com o TEN, ou mesmo com o quilombismo; ou no de Llia Gonzalez, em suas relaes profcuas com a escola de Samba Quilombo, li-derada por Candeia no Rio de Janeiro, ou mesmo com o Il Iiy na Bahia, ambas as organizaes tidas pela autora como formas legtimas e constituintes do mo-vimento negro contemporneo. Note-se, ainda, a trajetria de Thereza Santos, que via na arte, especialmente no teatro, uma fonte de transformao cultural; alm do carnaval, que era tambm espao de atuao da atriz carioca desde o final da dcada de 195030.

    Diferentemente deles, em seus primeiros escritos Hamilton Cardoso expe uma certa desconfiana da possibilidade de transformao social atravs da cul-tura. At mesmo porque as formas culturais existentes na cidade de So Paulo, embora apresentassem resistncia aos padres dominantes, encontravam-se demasiadamente acomodadas, posto que viviam exclusivamente para o mundo de sociabilidade do negro, sem estratgias eficientes para a superao coletiva do racismo no plano mais amplo da sociedade. Ademais, era particularmen-te cara ao pensamento socialista de Hamilton a defesa do direito diferena, uma vez que, para uma ruptura radical, a reivindicao por igualdade deveria ser o centro da luta negra brasileira.

    O significado do marxismo em seu pensamento reflete-se tambm na narra-tiva que construiu sobre a formao do Movimento Negro Unificado31. Segundo Hamilton Cardoso, o MNU foi gestado no interior da Liga Operria, tendncia trotskista que crescia na frica do Sul e em Guin-Bissau e que teve grande peso poltico nos Estados Unidos nas dcadas de 1950 e 1960. Nos anos 1970, no Brasil, estudantes negros da USP, da Unicamp e da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) foram arregimentados por essa corrente socialista (Cardoso, 1989; Santos, 2008).

    Outro aspecto relevante que o pensamento marxista com o qual dialogava preferencialmente era um contraponto s teses etapistas que foram hegemni-cas no Partido Comunista Brasileiro (PCB) at o golpe militar de 1964. As teses

    pecebistas desse perodo no davam espao para um processo de reivindica-o autnoma dos negros, subsumindo suas reivindicaes luta de classes32.

    30 Ver Semog e Nascimento, 2006; Almada, 2010; Gonzalez, 1982; Santos, 2008.31 Essa verso encontrou eco em trabalhos acadmicos como os de Gevanilda Santos (1992) e de Claudete

    Soares (2012).32 Uma anlise mais acurada sobre a questo racial e o PCB, especialmente no que toca aos documentos

    partidrios, ver Chadarevian, 2006; 2012.

  • 518 Conscincia negra e socialismo: mobilizao racial e redes socialistas...

    Durante a ditadura militar (1964-1984) houve inmeras iniciativas que reviram as bases do pensamento marxista oficial do PCB e abriram espao a leituras dissidentes do marxismo, a exemplo do pensamento de Caio Prado Junior, Flo-restan Fernandes, Otvio Ianni e Clvis Moura33.

    Desta maneira, Hamilton Cardoso procurou fundir o marxismo de pensa-dores como Florestan Fernandes, Otvio Ianni e Clvis Moura s reivindicaes em linguagem tnica predominantes a partir dos anos 1970, vinculando-se a um grupo de intelectuais negros que pensaram a conscincia negra como fer-ramenta para a ao coletiva. Foi com base nessa heterodoxia marxista, a par-tir da qual se articulavam analiticamente o problema racial e o problema das classes sociais no pas, sem tornar o primeiro mero epifenmeno do segundo, que Hamilton Cardoso estabeleceu as bases de seu pensamento, inescapavel-mente atrelado prxis poltica. Por outro lado, como recebeu treinamento na imprensa alternativa, sendo Marcos Faerman seu principal mestre, Hamilton aprendeu o jornalismo literrio, isto , uma escrita crtica da realidade social que ao mesmo tempo valia-se da esttica literria em sua forma. Com efeito, Hamilton sempre que pde evitou a escrita panfletria tpica da corrente pol-tica a que esteve ligado.

    De modo geral, podemos dizer que a produo de Hamilton Cardoso pode ser dividida da seguinte maneira: 1) artigos de opinio, reportagem e entrevis-tas realizadas para a imprensa alternativa (especialmente Versus, Jornais Negros e Teoria e Debate); 2) escritos para a grande imprensa (em particular, Folha de S.Paulo, para quem trabalhou durante a dcada de 1980); e 3) produo em revistas acadmicas (a exemplo da revista Lua Nova). Percorrer o fio condutor desse pensamento nossa estratgia para capturar os posicionamentos de Ha-milton Cardoso diante do espectro mais amplo dos intelectuais negros no con-texto da democratizao.

    Comecemos com a produo no Versus, por ser este o espao de formao intelectual, poltico e profissional do jovem Hamilton. Na coluna Afro-Latino-

    -Amrica tem-se uma tribuna a partir da qual ele se dirige tanto aos ativistas negros como aos socialistas brancos e dirigentes da Liga Operria. Ademais, como o jornal era escrito para um pblico amplo, Hamilton tambm visava a atingir a massa estudantil, jovem, de classe mdia e at operrios, que liam o peridico naquela ocasio. Os artigos escritos por Hamilton Cardoso no Ver-sus, entre junho de 1978 e abril de 1979, podem ser divididos em trs grupos: o

    33 Sobre a trajetria intelectual e o pensamento de Clvis Moura ver: Oliveira, 2009; Mesquita, 2002.

  • v.4, n.2 Fbio Nogueira de Oliveira Flavia Rios 519

    primeiro, que denominamos jornalismo literrio34; o segundo, dedicado cul-tura negra35; e finalmente o terceiro, que analisa o movimento negro36.

    De uma maneira geral, os artigos assinados por Hamilton em Afro-Latino--Amrica so uma tentativa de atingir as massas e no ficar exclusivamente centrado em grupos fechados de discusso. Para isso, procura articular a mobi-lizao negra s lutas internacionais como as dos direitos civis, s resistncias dos Black Panthers, ou mesmo a do outro lado do continente africano, com suas lutas de independncia. Socialismo e marxismo eram referncias da gerao de ativismo de Hamilton Cardoso para fazer anlise de conjuntura, processo poltico e de estrutura de ao. Um ponto a mais deve ser acrescido: Hamilton Cardoso defendia, sim, um movimento negro autnomo, contudo, em sua viso, mais do que afirmar uma identidade negra, esse movimento deveria construir uma base ampla antirracista. Isto , a mobilizao negra no deveria ser exclu-sivamente de negros, mas de grupos oprimidos racialmente e com bases amplas de organizaes que lutavam contra a opresso e a discriminao37.

    Nesse sentido, a interpretao de Hamilton foi a de que o seu grupo de ativismo teve papel decisivo para os contornos que assumiu o ato de fundao do MUCDR nas escadarias do Teatro Municipal em So Paulo. Assim, em de 18 de junho de 1978, reuniram-se o CECAN, o grupo Afro-Latino-Amrica, a Associao Cultural Brasil Jovem, os jornais Abertura e Capoeira, a Cmara de Comrcio Afro-Brasileira, que definiram a formao de um Movimento Uni-ficado Contra a Discriminao Racial (MUCDR). De acordo com Hamilton, o objetivo do MUCDR no era em princpio um projeto para aglutinar basica-mente pessoas de esquerda. Ao contrrio, a ideia original era reunir um am-plo espectro de posies de todos os setores, incluindo polticos mais direita, como Adalberto Camargo.

    34 So eles Cerimnias para o assassinato de um negro (n. 21, junho-julho 1978) em que descreve toda a liturgia em torno do assassinato de Robson da Luz, no 44 Distrito Policial em Guaianazes, SP; Cafund: as manias dos reis e a resposta do escravo (n. 24, setembro 1978), em que narra, com riqueza de fatos e de-talhes, o incidente que resultou no assassinato de Dito Souza, capataz de Fouad Elias Marum, em disputa de terras com integrantes da comunidade quilombola do Cafund; Cala boca Macaco! (n. 24, setembro 1978) no qual se atm ao incidente de abuso de autoridade por parte de policiais militares em relao a ele e aos integrantes do grupo Afro-Latino-Amrica; e As razes de Teresa Santos (n. 28, janeiro 1979), em que fala de seu reencontro com a artista e militante negra recm-chegada do continente africano.

    35 Em Cartaz Histrias da noite de SP, seus personagens: os msicos negros desta cidade (n. 26, novembro 1978), em que passa em revista a situao dos msicos negros em So Paulo; Luta, histria e festa (n. 24, janeiro 1979), em que faz um arrazoado sobre as atividades culturais do 1 Festival Comunitrio Negro Zumbi, ocorrido em 1978, em Araraquara.

    36 Alguns pontinhos (n. 21, junho-julho 1978), E agora? (n. 23, julho-agosto 1978), Carta aos irmos da dis-pora (n. 28, janeiro 1979), Movimento Negro Histria (n. 29, fevereiro 1979).

    37 Cardoso, 1978.

  • 520 Conscincia negra e socialismo: mobilizao racial e redes socialistas...

    O ato de 7 de julho de 1978 contou com o apoio e a presena de militantes de associaes negras do Rio de Janeiro, alm de moes de apoio do Rio Gran-de do Sul, de Minas Gerais e da Bahia. Em 8 de julho foi realizada reunio de avaliao do ato, e no dia 23 de julho, na sede da Associao Crist Beneficn-cia, em So Paulo, foi realizada a 1 Assembleia de Organizao e Estruturao Mnima do MUCDR, com a presena de representantes de Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais. Nessa reunio, a palavra negro foi includa na sigla, que passou de Movimento Unificado Contra a Discriminao Racial (MUCDR) para Movimento Negro Unificado Contra a Discriminao Racial (MNUCDR). Cer-tamente, a mudana de rumos no estava de acordo com a concepo de Hamil-ton Cardoso, para quem o movimento deveria unificar foras sociais contra o racismo e no o restringir a um nico segmento social.

    Se Hamilton imaginava o MUCDR como uma frente antirracista que articu-laria, inclusive, setores no negros em luta contra a discriminao racial, essa proposta entraria em contradio com o racialismo que predominou no MNU em seus primeiros anos e a forte mobilizao por linha de cor dos setores de uma classe mdia ascendente no perodo. Mesmo assim, Hamilton manteve-

    -se no movimento e preservou a possibilidade objetiva de uma aliana entre o movimento negro e as demais organizaes da sociedade civil, com destaque para a influncia dos grupos da esquerda revolucionria (com predominncia de brancos em sua composio). Contudo, a aliana do movimento negro com estes grupos no se deu pelo abandono do racialismo pela composio de uma frente antirracista, de carter amplo e genrico. Ela ocorreu, sobretudo, no de-bate sobre o sentido da democracia e da participao poltica no contexto de transio da ditadura para um Estado democrtico de direito.

    Nesse processo, Hamilton esteve intimamente envolvido com a militncia an-tirracista. At por isso, a relao dele e do Ncleo Negro Socialista com a Liga Operria (agora, Convergncia Socialista) foi gradativamente se desgastando, pois

    a gente exigiu que organizao [a Convergncia Socialista] definisse uma poltica da organizao, de antirracismo. Que a gente pudesse se pautar por tal orientao. Na medida em que a organizao no definiu uma poltica antirracista o ncleo comeou se desfazer. Saiu um daqui, outro dali, essa coisa toda, mas o ncleo no conjunto tambm no definiu uma poltica an-tirracista prpria, nem deixou um documento para sair da organizao [...] (entrevista Hamilton Cardoso, 1989)38.

    38 Entrevista de Hamilton Cardoso concedida a Gevanilda Santos em 1989 (Flavio Carrana, Hamilton Cardoso: militante, intelectual e jornalista, So Paulo, no prelo).

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    Essa tenso na Convergncia Socialista foi jogada para o interior do Par-tido dos Trabalhadores, organizao poltica que absorveu diversas correntes de esquerda, inclusive a Liga Operria. Sob a rbita do PT, Hamilton escrevia na revista Teoria e Debate, estabelecendo dilogo com o partido no sentido de sensibilizar seus militantes e dirigentes acerca da relevncia do problema racial para o entendimento da realidade brasileira. Da mesma forma, notvel seu en-gajamento social em abrir espao para temas e intelectuais negros nas pginas do Jornal Folha de S.Paulo, empresa onde trabalhou nos anos 1980.

    Entre 1987 e 1988, no entremeio das mobilizaes do Centenrio da Aboli-o, Hamilton publicaria dois textos que so emblemticos de seu pensamento e se concentram num ajuste de contas com a experincia do movimento negro dos ltimos dez anos (datando-o da fundao do MNU em 1978). O primeiro,

    Limites do confronto racial e aspectos da experincia negra no Brasil refle-xes publicado em Movimentos sociais na transio democrtica (1987). O texto trata inicialmente da importncia das novas imagens criadas pelo negro brasileiro no processo de democratizao e destaca a emergncia de um pensa-mento negro radical ou de uma ideologia negra, dos quais seriam seus prin-cipais expoentes, no campo intelectual, Abdias do Nascimento, Llia Gonzalez e Joel Rufino dos Santos. Para Hamilton Cardoso cabe analisar a possibilidade dos negros luz destas novas imagens de subverter as representaes tra-dicionais de que portador. A este processo Hamilton chama subverso negra (aqui fazendo uma relao direta com a forma como a ditadura classificava seus adversrios polticos). Com isso, guarda especial importncia o reconhecimen-to de Zumbi dos Palmares como heri nacional. Segundo Hamilton,

    O reconhecimento da condio de heri de Zumbi, o subversivo negro por excelncia, e a recuperao parcial da multiplicidade humana das imagens dos negros refletem um momento sinttico e nico na histria do Brasil. o momento da legitimao das lutas antirracistas, que remontam (Moura, s/d) [] fase abolicionista. Mais do que isto, legitimam o prprio negro, en-quanto sujeito e agente da luta pela cidadania, ou seja, um indivduo que no precisa despojar-se de sua condio racial, de sua histria nacional nem de suas tradies culturais para aspirar a direitos na sociedade (Car-doso, 1987: 84).

    Dez anos depois dos acontecimentos que levaram fundao do MNU, Hamil-ton Cardoso faz referncia subverso no mais em termos da ruptura violenta da ordem, de carter revolucionrio, mas da construo de um lugar dentro do contexto de redemocratizao em que os negros possam reivindicar direitos sem

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    aderir s formas tradicionais (de carter populista) de integrao no imaginrio nacional. Outra inflexo ocorre no texto de Hamilton ao introduzir sub-repticia-mente o debate sobre a oposio entre cultura popular e cultura de elite. A questo cultural passa a ter maior centralidade para entender o carter do confronto ra-cial brasileiro e, por extenso, a singularidade do racismo em nosso pas. Muito prximo do pensamento de Guerreiro Ramos nos anos 1950 (Ramos, 1995)39, Ha-milton classifica o branco brasileiro como um branco de segunda classe ou um

    branco fora do lugar. A legitimidade do poder branco no Brasil foi contestada pelo carter postio da europeidade nos trpicos e abriu espao para formas de resistncia do negro, atravs da cultura, que conseguiu transformar tradies cul-turais africanas em tradies de carter nacional. Segundo Hamilton,

    A questo do confronto cultural entre negros e brancos e suas consequn-cias para a definio da vida e da cultura, alm da poltica brasileira, no deve ser analisada apenas do ponto de vista orgnico, ou seja, de quantos negros e quantos brancos so adeptos do candombl, das escolas de samba, dos afoxs e outras formas no europeias de cultura. O problema crucial encontra-se na definio do prprio modo de ser brasileiro, que, hoje, por mais branco que possa ser, quando visto pelo europeu (o verdadeiro branco, o puro, o legtimo, como se costuma dizer ironicamente entre os negros), visto como um branco fora de lugar (Cardoso, 1987: 89).

    Um ponto marcante nas reflexes do autor so as diferenas raciais no inte-rior da classe operria. Considerando os estudos sobre a formao da sociedade de classes (Fernandes, 1964) e as pesquisas de Hasenbalg (1979), Hamilton Car-doso recoloca o argumento sartriano (1968) referente ao privilgio branco. O que seria na opinio do jornalista um fator de diviso da classe trabalhadora e de arrefecimento das energias combativas dos movimentos operrios. O conflito racial aparece aqui como um elemento catalisador e de consequente radicaliza-o do protesto poltico organizado pelos trabalhadores no incio do sculo XX.

    Em resposta a esses desencontros no interior da classe operria que se fez necessria a formao de um movimento poltico autnomo. Para Hamilton, a formao do movimento negro brasileiro no processo de redemocratizao es-teve associada ao que Rufino (Santos, 1985) sugeriu acerca da mobilidade social ascendente de setores da populao negra no perodo do milagre econmico (1969-1973). No final dos anos 1970, com a recesso e o colapso do modelo de-senvolvimentista da ditadura militar, os setores sociais brancos pauperizados

    39 Em especial do ensaio Patologia social do branco brasileiro, publicado nos anos 1950 (Ramos, 1995: 215-240).

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    da classe trabalhadora passaram a questionar a legitimidade do modelo polti-co vigente e a reivindicar direitos sociais e liberdades democrticas. O projeto de Brasil potncia dos militares levou a uma internacionalizao da indstria cultural e emergncia de novos gostos, hbitos de consumo e padres de com-portamento, vistos com esgar por setores da elite e das classes mdias. Essa a explicao para a popularizao do rock entre as classes mdias brancas e setores brancos da classe trabalhadora e do soul entre os trabalhadores negros. Ambos seriam manifestaes culturais que expressariam diferentes condies de classe e de raa. Para Hamilton Cardoso,

    O soul, apesar de todo o desdm que mereceu por parte dos intelectuais brancos brasileiros, com a cabea na Europa e o estmago no Brasil, aca-bou sendo a ponta (sic) atravs da qual a juventude proletria e filha dos novos proletrios negros, assim como o rock, dos proletrios e proletari-zados brancos, romperam com o isolamento imposto ao branco brasileiro (Cardoso, 1987: 100).

    A partir disso, o movimento negro brasileiro da dcada de 1970 comporia uma rede de mobilizao antiditadura que redefiniria o que se entende por de-mocracia. Ela no apenas acesso a direitos dentro de uma perspectiva uni-versalista, mas a afirmao de uma identidade racial e cultural, do direito diferena, compreenso que criou condies favorveis afirmao de elites negras40. Este processo, que Hamilton chama de subverso negra, no teria em si um carter revolucionrio ou de lutas de massas. Seu alcance democrtico seria limitado se se restringisse ampliao pura e simples das oportunidades raciais entre as elites e entre os proletrios nas estruturas atuais (Cardoso, 1987: 101). Dessa maneira, a radicalidade do projeto democrtico inscrita na subver-so negra estaria em modificar o poder branco (em ltima instncia, um poder de classe) e o carter autoritrio da sociedade brasileira (Cardoso, 1987: 101). O limite, para ele, seria o da cooptao das elites negras pela estrutura de poder. Nesse ponto, o pensamento do autor est em perfeita sintonia com o pensa-mento dos Panteras Negras e o movimento Black Power. Em particular, com a figura de Huey Newton que Hamilton Cardoso se assemelha no tocante sua trajetria e tambm em termos de idealismo poltico41.

    40 Hamilton Cardoso define como o papel das elites negras estabelecer cabeas de ponte dentro das es-truturas de poder ideolgicas, econmicas e intelectuais do chamado o mundo dos brancos, segundo Florestan Fernandes, e que, na verdade, so as estruturas de poder da sociedade (Cardoso, 1987: 101).

    41 Para mais detalhes sobre o pensamento de Huey P. Newton, ver Bloom, Martin Jr., 2013.

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    Em Histria recente: dez anos de movimento negro, publicado na revista Teoria & Debate, do Partido dos Trabalhadores (PT), faz um acerto de contas com os processos que levaram fundao do MNU em 1978. Por um lado, enfa-tiza as limitaes das organizaes negras tradicionais e seu papel de acomoda-o social; por outro, critica a dificuldade das esquerdas polticas de assumir de forma mais contundente a luta antirracista. A contradio racial do perodo

    que teve forte expresso no movimento cultural do black soul foi interpretada como smbolo de alienao e subdesenvolvimento negro, tanto por parte da sociedade como por setores da esquerda em oposio ao regime militar. Desta maneira, Hamilton muda de interpretao e apresenta o argumento de que a unificao das foras antirracistas que deu origem ao Movimento Negro Unifi-cado (MNU) tem como principal mvel o nacionalismo negro, e no as mobili-zaes classistas que caracterizaram o perodo. Para Hamilton, o fortalecimento deste nacionalismo negro se deve ao fato de:

    [...] a maior parte das lideranas da sociedade civil, principalmente dos se-tores de esquerda, liberais e social-democratas, marginalizavam, em suas anlises, fatores culturais e polticos do colonialismo, entre eles o privilgio da branquitude. Fechavam os olhos expanso e ocupao territorial, por meio da distribuio de privilgios raciais maiores ou menores, mas a todos os integrantes dos povos brancos. Ou seja, o fato de a sociedade europeizan-te reservar, em detrimento dos povos nativos, mais direitos econmicos e de cidadania para os brancos, smbolos nacionais da expanso das burguesias europeias nos territrios no europeus (Cardoso, 1987, s/n).

    Esta premissa faz que Hamilton propugne uma reviso crtica do pensa-mento de esquerda e dos mores que balizaram a mobilizao social e poltica durante o processo de democratizao. Ele tanto chama a ateno para os vnculos entre tortura contra presos polticos e adversrios ao regime dita-torial com sua prtica contra presos comuns, majoritariamente negros, algo corriqueiro nas detenes em nosso pas e que passou a ganhar espao na agenda poltica do movimento negro contemporneo. Tambm faz referncia s diferentes formas de integrao de negros e brancos na sociedade de clas-ses, colocando a existncia de uma tradio poltica negra (diferente da bran-ca) que est ancorada na experincia dos quilombos e das rebelies durante o perodo escravista. Porm, o centro de suas indagaes se orienta para os vn-culos existentes entre modelo de desenvolvimento (com suas diferenciaes regionais), internacionalizao do capital e comunidades tnicas. A pergunta

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    sinuosa de Hamilton Cardoso indica isso: ser que existem conexes tnicas no processo de formao da interdependncia brasileira ao capital externo? (Cardoso, 1987, s/n).

    Com efeito, passados os anos, Hamilton Cardoso rev alguns de seus po-sicionamentos e passa a valorizar mais o elemento cultural como forma de transformao da sociedade. Contudo, aumenta seu ceticismo e seu desen-canto com as esquerdas polticas por conta de seus reducionismos de classe e da baixa permeabilidade para as reivindicaes de cunho racial. De outro lado, a mobilizao negra, que comeou nos anos 1970 mais afinada com o espectro ideolgico marxista, tornou-se ainda mais complexa e passou a encampar maior diversidade de perspectivas, as quais iam do comunitaris-mo ao liberalismo, embora ainda mantivesse grupos polticos de tradio socialista. Certamente, para Hamilton Cardoso, que tinha na utopia revolu-cionria o seu horizonte, confrontar-se com o curso histrico real, em que a unidade entre raa e classe em favor de uma revoluo no era, a curto prazo, uma dimenso tangvel no Brasil, parece ter sido motivo de grande frustra-o. Entretanto, se no fosse sua morte prematura, Hamilton Cardoso teria visto a aliana entre o binmio raa e classe na pauta pblica brasileira no despertar do sculo XXI com as chamadas aes afirmativas no ensino su-perior. No seria uma confluncia com fins revolucionrios, mas um projeto concreto de reforma social.

    IV. Consideraes finaisNeste artigo analisamos por meio da trajetria de Hamilton Cardoso a arti-

    culao entre a mobilizao racial negra e as redes socialistas, em particular os grupos clandestinos em oposio ditadura militar que se vincularam, na se-gunda metade da dcada de 1970, experincia de ativistas negros. Tendo isso em vista, defendemos que o pensamento de Hamilton Cardoso foi gestado no entremeio da organizao partidria e do movimento social.

    Hamilton Cardoso esteve fortemente inserido num conjunto de insti-tuies culturais, redes e articulaes polticas que tinham como referncia prioritria a questo racial e contribuam, assim, para uma pauta poltica es-pecfica da comunidade negra. A relao das esquerdas que se reorganizavam no ps-luta armada com a mobilizao racial por parte de organizaes como o Movimento Negro Unificado (MNU) era ambivalente, mesmo no caso da Convergncia Socialista, que foi relativamente mais aberta s reivindicaes dos negros naquele perodo. Se por um lado a mobilizao negra questionava

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    o regime ditatorial e denunciava o mito da democracia racial, por outro as reivindicaes do movimento negro questionavam o pressuposto da univer-salidade da luta de classes. Ou seja, um pensamento poltico formado nos interstcios de raa e classe foi o grande desafio intelectual que Hamilton Car-doso tomou para si. Portanto, essas duas matrizes intelectuais e polticas mar-caram decisivamente seu pensamento.

    A trajetria e o pensamento de Hamilton Cardoso encontram semelhanas com Huey Newton, theoric-practioner, fundador do movimento Black Power42. Assim como o ativista norte-americano, o brasileiro veio de camadas negativa-mente privilegiadas e depois do ingresso na universidade passou a incorporar teorias marxistas aliando-as s lutas negras. Em ambos, a proposta de uma ao coletiva radical, que rompesse com a acomodao da comunidade negra, fator marcante em seus escritos. E, por fim, tanto em Huey como em Hamilton h a preocupao com as camadas populares e trabalhadoras negras, esteio funda-mental para a formao de uma luta revolucionria.

    A morte precoce de Hamilton Cardoso, que encerrou a prpria vida com apenas 47 anos, fez que seus escritos ficassem esquecidos nos registros histri-cos do perodo da redemocratizao do Brasil. Mas, certamente, os estudiosos que desejarem investigar a relao entre as esquerdas polticas e o movimento negro no Brasil tero que se haver com a trajetria e a produo intelectual des-se que foi um dos ativistas mais cerebrinos e engajados na formao da mobili-zao negra contempornea.

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    Recebido em: 22/02/2014Aprovado em: 31/06/2014

    Como citar este artigo:OLIVEIRA, Fbio Nogueira de; RIOS, Flavia. Conscincia negra e socialismo: mobi-

    lizao racial e redes socialistas na trajetria de Hamilton Cardoso (1953-1999). Contempornea Revista de Sociologia da UFSCar. So Carlos, v. 4, n. 2, jul-dez 2014, pp. 507-530.