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Universidade do Estado da Bahia
Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos - CEPAIA
Grupo de Pesquisa Firmina PÓS-COLONIALIDADE: Educação, História, Cultura e Ações Afirmativas
CONFERÊNCIA UNIVERSITÁRIA DE AÇÕES AFIRMATIVAS DA UNEB:
A Construção de um Programa Permanente
Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos
Largo do Carmo, 04 Centro Histórico – Salvador - BA
http://cepaia.webnode.pt
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Universidade do Estado da Bahia
Reitor Lourisvaldo Valentim da Silva
Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos – CEPAIA.
Diretor Wilson Roberto de Mattos
Elaboração: Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos – CEPAIA. Coordenação Geral Wilson Roberto de Mattos Coordenação Executiva Ivanilde Guedes de Mattos Organização:
Comissão Executiva Wilson Roberto de Mattos Cláudia Rocha da Silva Fernanda Santos Gomes Silvia Karla Dias Comissão Organizadora Wilson Roberto de Mattos Cláudia Rocha da Silva Ivanilde Guedes de Mattos Patrícia Carla Alves Pena Otto Vinícius Agra Figueiredo
Apoio Logístico Daiane dos Santos da Silva (bolsista CEPAIA) Dilmara Sales Saturnino Limoeiro (bolsista CEPAIA)
Evellin Silva Oliveira (bolsista CEPAIA) Isabelle Albuquerque Maciel Brasileiro (bolsista CEPAIA) Kize Aparecida Silva de Macedo (bolsista CEPAIA) Nilton Alves Cruz Tainan Guedes de Mattos Redação dos textos de referência Wilson Roberto de Mattos Celene Fonseca Cláudia Rocha da Silva Ivanilde Guedes de Mattos Otto Vinícius Agra Figueiredo Patrícia Carla Alves Pena Caroline Nepomuceno da Silva (bolsista CEPAIA) Isabelle Albuquerque Maciel Brasileiro (bolsista CEPAIA) Isail Cristina de Araújo Soares (bolsista CEPAIA)
Projeto gráfico: Tainan Guedes de Mattos
Diagramação: Isabelle Albuquerque Maciel Brasileiro (bolsista CEPAIA)
Apoios: Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros – AFROUNEB (Campus V) Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local- (Campus V) Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade- PPGEduc (Campus I)
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SUMÁRIO
Apresentação
Regimento
1.Texto Base I - Desigualdades raciais e as Ações Afirmativas na UNEB
2.Texto Base II - Povos indígenas do Brasil: história, lutas e perspectivas
3. Grupos Temáticos
3.1. Grupo Temático 01: Inserção Acadêmica I: Ações Afirmativas e Pesquisa
3.2. Grupo Temático 02: Inserção Acadêmica II: Ações Afirmativas e Ensino
3.3. Grupo Temático 03: Inserção Acadêmica III: Ações Afirmativas e Extensão
3.4. Grupo Temático 04: Ações Afirmativas e Financiamento
3.5. Grupo Temático 05: Ações Afirmativas, Permanência e Sucesso Acadêmico
3.6. Grupo Temático 06: Ações Afirmativas e Institucionalidade (Alocação
Institucional, Monitoramento e Avaliação
3.7. Grupo Temático 07: Ações Afirmativas e Articulação Interinstitucional
3.8. Grupo Temático 08: Ações Afirmativas e o Sistema de Cotas (aperfeiçoamento,
controle e acompanhamento)
3.9. Grupo Temático 09: Ações Afirmativas e Povos Indígenas
Referências Bibliográficas
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APRESENTAÇÃO
A Universidade do Estado da Bahia, desde o seu nascimento institucional,
configura-se, de fato, como uma universidade de Ações Afirmativas. Se considerarmos que
as Ações Afirmativas são políticas públicas voltadas para correção e reparação de
desigualdades sociais historicamente instituídas, a opção inicial da UNEB pelo formato da
multicampia que resultou na interiorização do ensino superior por todo o estado da Bahia
confere a ela esta meritória prerrogativa. Dessa forma, o pioneirismo da UNEB ao
implantar o sistema de cotas para grupos populacionais historicamente discriminados e
excluídos do ensino superior, indubitavelmente, foi uma decorrência salutar e necessária de
uma trajetória marcada pela opção em democratizar o acesso a esse nível de ensino.
Grande parte da população jovem do interior da Bahia não teria acesso à universidade se a
UNEB não tivesse feito a opção pelo formato multicampi.
Desde 2003 com a implantação efetiva do sistema de reserva de vagas aos
candidatos negros e, posteriormente, em 2008, com a extensão do sistema de reserva de
vagas para as populações indígenas, ambas decisões aprovadas através de Resoluções
específicas do Conselho Universitário nos anos de 2002 e 2007, respectivamente, a UNEB
vem, gradativamente, se empenhando em promover a institucionalização das condições de
permanência e sucesso dos seus estudantes ingressos através do sistema de cotas de forma
que eles tenham satisfatórias condições acadêmicas e econômico-sociais de se manterem
nos seus respectivos cursos e de terem um bom desempenho, até a integralização dos
mesmos. No entanto, mesmo reconhecido os méritos e os efeitos positivos resultantes
dessa ação universitária ela, isoladamente, não é forte o suficiente para promover uma
mudança mais profunda na cultura universitária, de um modo geral. Mudança essa voltada
para a ampliação da sua configuração democrática ao dar abrigo à diversidade e às
diferenças etnicorraciais que passam a compor o quadro de estudantes nos diversos
departamentos e cursos da universidade.
Observa-se a inexistência de uma perspectiva institucional capaz de congregar o
conjunto das atividades tidas como de ação afirmativa, na universidade, dando a elas uma
integralidade sistêmica e um formato programático. Na maioria das vezes as atividades são
desconexas e os seus efeitos bastante pontuais ocasionando uma dispersão de esforços, o
uso pouco racional dos escassos recursos disponíveis e, sobretudo, a não utilização
estratégica da potencialidade pioneira da UNEB no campo nacional e internacional das
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políticas de ação afirmativa. Essa forma dispersa de condução das Ações Afirmativas na
UNEB tem dificultado tanto o acesso às fontes de financiamento externos, quanto à
articulação interna das atividades de maneira a melhor planejá-las, acompanhar o seu
desenvolvimento e monitorar a sua execução. Dificulta também o necessário processo de
reunião e análise dos dados e informações disponíveis, bem como a avaliação dos seus
impactos e resultados de forma a aperfeiçoar o sistema, adequar o seu espectro conceitual,
adotar metodologias apropriadas e corrigir trajetórias, ampliando consideravelmente, o
número, a extensão e o significado dos benefícios e beneficiários já existentes.
Diante dessa realidade a proposta de realização da Conferência Universitária de
Ações Afirmativas da UNEB, aqui apresentada, visa reunir a comunidade universitária
em um processo democrático de discussão e elaboração de um Programa de Ações
Afirmativas (a ser, posteriormente, institucionalizado pelo Conselho Universitário) capaz
de referenciar e orientar todas as atividades de ação afirmativa na universidade de modo
sistêmico e articulado, otimizando os seus procedimentos e resultados.
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REGIMENTO DA 1ª CONFERÊNCIA UNIVERSITÁRIA DE AÇÕES AFIRMATIVAS DA UNEB: A Construção de um Programa Permanente
Capítulo I Da Conferência
Art. 1º. A 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB deverá ser convocada pelo Reitor da UNEB através de uma Portaria a ser publicada no Diário Oficial do Estado e reunir-se-á nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2011, na cidade de Salvador – Bahia. Será realizada pelo Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos – CEPAIA com o apoio do Grupo de Pesquisa FIRMINA Pós-Colonialidade: educação, história, cultura e Ações Afirmativas, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afro-brasileiros (AFROUNEB), do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Art. 2º. A 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB tem como finalidade convocar e reunir, institucionalmente, a comunidade universitária da UNEB com vistas à discussão e produção de uma proposta de Programa de Ações Afirmativas.
Capítulo II Das Atribuições
Art. 3º. São atribuições da 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB: I - Oportunizar à comunidade universitária um espaço institucional de discussões sobre as atividades de ação afirmativa realizadas na UNEB. II - Possibilitar à comunidade universitária da UNEB a oportunidade de produzir o seu próprio Programa de Ações Afirmativas. III - Criar subsídios para avaliação e aperfeiçoamento do Sistema de Cotas para negros e indígenas da UNEB. IV - Atualizar a comunidade universitária acerca das reflexões conceituais mais contemporâneas sobre as Políticas de Ação Afirmativa. V - Adotar como meta a transformação da UNEB em uma referência nacional e internacional de atividades de ensino, extensão, pesquisa, produção e difusão de conhecimento sobre as Ações Afirmativas no Brasil.
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VI - Contribuir para consolidar na UNEB uma cultura universitária que tenha como horizonte de suas ações a promoção da justiça social e da igualdade etnicorracial e de gênero na sociedade baiana e brasileira.
Capítulo III Dos(as) Participantes
Art. 4º São participantes da 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB: I - Todos os integrantes da comunidade universitária da UNEB (docentes, discentes e servidores técnico-administrativo). Parágrafo primeiro – Somente terão direito à voz e voto os integrantes da comunidade universitária que se credenciarem no período e na forma estabelecidas para tal, constituindo-se como delegados. Parágrafo segundo - A Comissão Organizadora da Conferência deverá custear as despesas de participação (transporte, hospedagem, alimentação, translado) a 03 (três) representantes de cada Departamento do Interior (01 professor, 01 estudante, 01 servidor, necessariamente).
Capítulo IV Do Funcionamento
Seção I Da Comissão Organizadora
Art. 5º Esta proposta de Regimento Interno deverá ser submetida à votação na Plenária Inicial. O Regimento aprovado normatizará o funcionamento da Conferência, disciplinando todos os procedimentos a ela vinculados. Art. 6º A Comissão Organizadora da Conferência deverá oferecer dois textos-bases sobre a temática geral que envolve as populações negras e indígenas, e deverá produzir um Texto-síntese que servirá como orientador da temática a ser trabalhada por cada GT. Esses textos deverão ser disponibilizados para todos os conferencistas e demais interessados, através das redes de internet e outros meios. Art. 7º A Comissão Organizadora da Conferência deverá reunir as propostas aprovadas em um Documento Final, anexar o Relatório da Conferência e encaminhar à Reitoria da UNEB com a solicitação de encaminhamento ao CONSU. Art. 8º A Comissão Organizadora deverá instituir uma equipe de relatores, responsáveis por recolher, organizar e encaminhar à coordenação, todas as propostas surgidas das discussões dos Grupos Temáticos. Art. 9º A Comissão Organizadora deverá compor uma memória da Conferência, composta de fotografias e gravações de todas as atividades.
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§ 1º Serão convidados (as) observadores (as) externos (as) que, ao final, farão um relatório crítico do evento expondo os acertos, os erros e sugerindo aperfeiçoamentos na organização das próximas Conferências.
Seção II
Da Organização
Art. 10º A Conferência será organizada por Grupos Temáticos (GT) que se reunirão, concomitantemente, para discussões e produção de um documento com as propostas relacionadas ao seu tema específico. Esse documento será entregue à Coordenação que o submeterá ao referendum da Plenária Final.
Seção III Dos Grupos Temáticos
Art. 11º As discussões de cada GT serão fomentadas com a leitura e discussão de um Texto Temático a ser distribuído, com antecedência, entre os conferencistas. Art. 12º Cada GT deverá contar com um coordenador e um relator. § 1º Sugere-se que esses documentos, bem como a importância e estrutura da Conferência sejam objetos de discussões preparatórias, organizadas nos Departamentos da UNEB. Art. 13º Cada Grupo Temático somente poderá apresentar à Coordenação um conjunto de, no mínimo 06 (seis) e no máximo 10 (dez) propostas aprovadas. Art. 14º As propostas deverão ser aprovadas, em primeira instância, no âmbito do GT. Art. 15º Somente serão levadas para discussão e votação destacada na Plenária Final, propostas inclusivas ou substitutivas (escritas), que tenham sido rejeitadas em votação nos GTs. Art. 16º Somente serão aceitas para discussão e votação destacada, as propostas inclusivas ou substitutivas encaminhadas pela Coordenação do GT. Art. 17º Cada GT somente poderá apresentar na Plenária Final, se for o caso, 02 (duas) propostas inclusivas e/ou substitutivas. Art. 18º Com exceção das propostas inclusivas ou substitutivas, as propostas aprovadas nos GTs apenas serão lidas na Plenária Final.
Seção IV Da Votação em Plenária
Art. 19º A votação final será geral e relativa ao bloco de propostas aprovadas em todos os GTs.
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Art. 20º A votação geral, final ocorrerá logo após a aprovação das propostas inclusivas e/ou substitutivas apresentadas pelas Coordenações dos GTs. Art. 21º Da votação em plenária não caberá em hipótese nenhuma, discussão sobre as propostas inclusivas e/ou substitutivas. Art. 22º Só poderão votar as propostas inclusivas e/ou substitutivas, os delegados credenciados.
Seção V Da Infra-estrutura
Art. 23º A Conferência será realizada nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2011, no Campus I da UNEB e serão utilizadas as dependências do Teatro UNEB, além de uma sala para a secretaria e, no mínimo, 09 salas de aula, no dia 30 de agosto de 2011, especificamente, para serem instalados os GTs. Art. 24º Será solicitado à UDO a instalação de um computador (preferencialmente lap-top) e um data-show para cada uma das salas que abrigarão os GTs.
Seção VI Das disposições gerais
Art. 25º Os casos omissos e/ou ocorrências não previstos nesse regimento serão resolvidos pela Comissão Organizadora.
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1. TEXTO BASE I
Desigualdades raciais e as Ações Afirmativas na UNEB
O texto que aqui apresentamos reúne um conjunto de informações e reflexões em
torno das Ações Afirmativas desenvolvidas pela Universidade do Estado da Bahia e tem
como função subsidiar as discussões e o trabalho de organização da I Conferência
Universitária de Ações Afirmativas da UNEB a ser realizada no período de 29 a 31 de
agosto de 2011.
Desde 2002 com a implantação do sistema de reserva de vagas aos candidatos
negros e, posteriormente, em 2007, com a extensão do sistema de reserva de vagas para as
populações indígenas, a UNEB tem desenvolvido essa modalidade de política de Ação
Afirmativa.
A reserva de vagas nas universidades para grupos populacionais discriminados,
popularmente conhecida como “cotas”, configura-se como uma modalidade específica de
um conjunto de políticas públicas corretora de desigualdades sociais setorizadas, batizadas
com o nome de Ações Afirmativas. Sendo assim, o início de qualquer discussão sobre
cotas para negros e/ou indígenas, seja nas universidades ou em qualquer outra instituição
onde a representação desses contingentes populacionais se mostre flagrantemente
desproporcional, comprometerá a avaliação adequada do seu significado, importância e
legitimidade, se não se ampliar o raio de observação e interpretação dessa medida
específica para além dos seus aspectos mais imediatos.
A título de exemplo, dentre as experiências já existentes, citamos a obrigatoriedade
constitucional da reserva de vagas para as mulheres nas inscrições de candidaturas dos
partidos políticos para as eleições dos poderes legislativos nacionais; a igualmente
constitucional reserva de vagas nos concursos para o Serviço Público Federal destinadas
aos portadores e portadoras de deficiência física; ou ainda, as iniciativas de algumas
empresas do setor privado, notadamente empresas multinacionais, que investem na
formação integral de jovens negros objetivando preparar profissionais para a futura
instituição da multirracialidade nos seus quadros de funcionários de alto nível imbuídas da
acertada confiança de que a diversidade etnicorracial é fator motivador de criatividade, de
inovação e de cumprimento da função social das empresas.
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Do ponto de vista dos objetivos corretores das Ações Afirmativas e da sua
adequação ao, digamos, espírito republicano promotor da igualdade e do bem estar de
todos, tanto os exemplos citados quanto as cotas para negros e indígenas nas universidades,
ou mesmo no serviço público, são equivalentes em termos da sua legitimidade social.
Embora não se deva hierarquizar os efeitos negativos - em grande parte, nefastos-
que quaisquer das desigualdades sociais produzem no interior dos segmentos populacionais
não hegemônicos ou subalternizados, os efeitos da desigualdade etnicorracial, incidindo,
negativamente, e de modo quase exclusivo, sobre as populações negras e indígenas,
merece destaque uma vez que essa desigualdade se reproduz em qualquer indicador social
que possamos isolar para uma avaliação comparativa em termos étnico-raciais, seja um
indicador social pontual, contemporâneo como, por exemplo, a posse de bens duráveis,
seja um indicador social disposto em um espectro histórico-temporal mais extenso como a
evolução da escolarização média do brasileiro ao longo do século XX (PAIXÃO, 2003;
HENRIQUES, 2001).
Ainda no que diz respeito à população negra especificamente, além dos indicadores
acima referidos, a desigualdade racial sentida na pele e já conhecida, desde há muito
tempo, por aqueles que experimentam os seus efeitos concretos confirmou-se
recentemente, através da divulgação de uma profusão de dados numéricos, cientificamente
colhidos, sistematizados e analisados por alguns dos mais respeitados institutos nacionais
de pesquisas econômicas e sociais, dentre eles o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, e o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgãos vinculados ao
Poder Público Federal. Isso sem falar em uma importante produção acadêmica que, pelo
menos desde a década de 1970, tem se especializado em estudar e denunciar as
desigualdades étnico-raciais no Brasil. (HASENBALG, 1979; HASENBALG e SILVA,
1991; ANDREWS, 1992; SILVA, 1995, 2001, 2003; PAIXÃO, 2003; QUEIROZ, 1999,
2000, 2002; HENRIQUES, 2001; SOARES, 2000)
Embora a ampla divulgação desses dados - inclusive, recentemente, através dos
meios de comunicação de massa-, nos desobrigue de reproduzi-los aqui, eles não nos
devem dispensar da necessidade de reafirmar a caracterização altamente discriminadora da
sociedade brasileira quando se comparam as condições sociais de vida e, em decorrência,
de oportunidades, entre as populações negras e indígenas, e a população de ascendência
européia. Para quem tiver interesse, basta uma rápida observação nesses números para
flagrar a indesculpável distância que separa esses dois grandes segmentos populacionais.
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Comparativamente, os pretos, pardos e indígenas apresentam os piores Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH), de escolaridade, de saúde, de emprego, de remuneração
salarial, de acesso à habitação digna e saneamento básico, além de outros itens que
compõem o quadro mínimo de direitos sociais básicos e de cidadania.
Quanto ao ensino superior e a desigualdade racial de acesso a ele, recentes
pesquisas vêem apontando uma histórica sub-representação relativa aos negros que
ocupam os bancos das universidades e faculdades brasileiras. Em 2002, dentre seis grandes
universidades públicas, a saber, UFRJ, UFPR, UFMA, UFBA, UnB e USP, o contingente
de estudantes pretos e pardos entre o total de estudantes era de apenas 17,21%1, proporção
esta quase três vezes inferior em relação à representação deste contingente populacional no
cômputo geral da população brasileira que, segundo os dados do Censo IBGE-2000, era de
45%. Se este número relativo a essas poucas universidades mencionadas já é suficiente
para caracterizar a desigualdade etnicorracial presente no ensino superior, as coisas pioram
quando observamos a baixíssima representatividade negra entre os professores de algumas
das principais universidades brasileiras. Carvalho (2009) com base em pesquisa
desenvolvida afirma que na Universidade de São Paulo - USP, dos 4.705 professores,
apenas 5 são negros, ou seja, 0,10%. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
UFRGS, entre 2.000 professores, 3 são negros, o que corresponde a 0,15%. Entre outras
grandes universidades brasileiras a exemplo da Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFRJ e Universidade de Brasília - UnB, a proporção de professores negros no
conjunto do corpo docente, em cada uma delas, não ultrapassa a casa de 1,0%2
No Brasil, pelo menos desde as décadas iniciais do século XIX - momento em que
aqui se instituíram os primeiros cursos superiores-, até os dias atuais, fazer faculdade,
como se diz popularmente, tem sido uma possibilidade mais ou menos segura de uma
formação profissional sólida e, conseqüentemente, uma rara oportunidade de construção de
uma existência pessoal e social minimamente digna. Portanto, de um modo geral, o acesso
ao ensino superior funciona, na sociedade brasileira, como um fator desencadeador de
desenvolvimento social e de expansão da cidadania na medida em que possibilita a
formação de individualidades independentes e relativamente autônomas. Não é 1 Dados mais detalhados sobre as cinco primeiras universidades mencionadas, ver QUEIROZ, 2002. Quanto à USP, consultar GUIMARÃES e PRANDI, 2002. Para compor essa porcentagem média, agregamos dados presentes nos dois estudos referidos. 2 FONTE: http://www.cedine.rj.gov.br/artigo04.asp (Consultada em 11/12/2009). Autor: José Jorge de Carvalho – UnB.
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improcedente afirmar que os efeitos sociais desse processo repercutem positivamente nos
âmbitos coletivos onde, necessariamente, se inserem as individualidades: a família, a
comunidade, a região, o estado e, no limite, a própria nação.
Sendo assim, em termos comparativos, a exclusão quase total de acesso da
população negra e indígena ao ensino superior configura-se não só como uma evidência
concreta do caráter racialmente discriminador da sociedade brasileira, mas também como
um poderoso e injustificável empecilho ao processo de desenvolvimento econômico e
social, de tal forma que esta exclusão deixa de ser apenas um problema a figurar na pauta
de lutas e reivindicações da população negra e indígena, através de seus movimentos
sociais, passando a ser um problema a ser enfrentado e solucionado pela sociedade, de um
modo geral, seja através das suas instituições representativas, seja através do próprio
Estado por meio da implementação imediata de políticas públicas setorizadas nomeadas de
ação afirmativa.
Pela posição estratégica que as universidades brasileiras ocupam como formadoras
de profissionais e produtoras de conhecimentos necessários ao desenvolvimento nacional,
depõe contra os mais elementares princípios lógicos, o fato de elas prescindirem dos
inumeráveis talentos, criatividades e competências que jazem latentes no interior de
contingentes populacionais que somados, segundo as estimativas oficiais, representam bem
mais que a metade da população brasileira e, de modo particular, na Bahia, mais de três
quartos.
A UNEB, e as universidades estaduais do Rio de Janeiro foram pioneiras na adoção
de uma política de ação afirmativa, no início, especificamente voltada à garantia de acesso
dos negros nos seus cursos de graduação e, no caso da UNEB, também nos seus cursos de
pós-graduação.
Embora esse pioneirismo tenha uma importância significativa, por ter contribuído
para ampliar o foro das discussões que desde algum tempo já se faziam sobre Ações
Afirmativas nas universidades e outras instâncias sociais, em especial, mas não
exclusivamente, na modalidade do sistema de cotas, há que se reconhecer que essa
demanda é tributária das lutas históricas por direitos empreendidas pelas populações negras
e indígenas, de um modo geral, sejam as inúmeras lutas por liberdades empreendidas pelos
africanos e seus primeiros descendentes brasileiros, durante o regime da escravidão
(MATTOS, 2001, 2003), sejam as lutas anti-racistas que se estendem até os dias atuais
através do Movimento Negro, ou ainda as lutas contemporâneas dos povos indígenas pela
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inclusão nos fóruns da cidadania nacional sem a perda das suas características culturais e
valores civilizatórios próprios.
Na UNEB, a adoção do sistema de cotas, afinado com o pressuposto da
legitimidade social acima exposto, mas, sobretudo, respaldado pelo seu princípio estrutural
de democratização do acesso ao ensino superior, guarda algumas especificidades que,
certamente, explicam o fato do seu compartilhado pioneirismo e também a razão do
sistema mencionado ter sido aprovado e implantado com relativa facilidade, pelo menos do
ponto de vista da sua tramitação interna.
Organizada de forma multicampi, a partir da reunião de algumas experiências
isoladas de educação superior na Bahia, a UNEB, hoje, decorridos mais de 25 anos da sua
criação, é composta por 29 Departamentos distribuídos entre 24 municípios baianos,
atendendo assim, a todas as microrregiões do Estado. Cabe registrar que desses 29
Departamentos, apenas 04 estão localizados na capital do Estado.
Essa forma de organização esta assentada na sua missão inicial de, através da
interiorização, contribuir para a democratização do acesso ao ensino superior,
possibilitando a formação profissional universitária àqueles cidadãos e cidadãs, baianos e
baianas cujas dificuldades de deslocamento ou transferência definitiva para os grandes
centros urbanos - locais onde se concentra a maior parte da oferta de cursos superiores-,
são enormes.
Um dos resultados positivos da missão institucional unebiana é a notória
diversidade que singulariza a composição da sua comunidade de estudantes, funcionários e
professores. Diferentes culturas, valores e concepções de mundo, advindos das mais
diversas regiões com seus respectivos modos de vida, de trabalho e de relações sociais,
configuram um rico e, igualmente diverso quadro de possibilidades de crescimento
acadêmico e social para a UNEB, assim como, de oferecimento de alternativas criativas
para o enfrentamento dos problemas que a contemporaneidade coloca não só para esta
instituição universitária, como também para todas as universidades brasileiras, de um
modo geral.
Além da diversidade dos inúmeros cursos oferecidos regularmente, contribui para a
consolidação da perspectiva de democratização acima mencionada, o desenvolvimento dos
chamados Projetos Especiais, tais como: Rede Uneb 2000, PROESP, Plataforma Freire,
Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena, Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária, Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas e,
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com implantação prevista para este ano de 2011, a Licenciatura em História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira. Através destes projetos especiais a instituição, em parceria com
as prefeituras locais, o Governo do Estado, o Governo Federal e Organizações Não
Governamentais, oferece cursos concentrados de licenciatura, diplomando professores
municipais do Ensino Fundamental I e II, ainda não graduados, atendendo também às
especificidades de formação de professores voltadas para demandas contemporâneas tanto
da legislação quanto dos próprios Movimentos Sociais.
Essas informações dão sustentação à afirmação de que a UNEB, pela sua estrutura
organizacional e pela forma peculiar como tem desenvolvido a educação superior na
Bahia, desde o início da sua criação, fundamenta-se nos princípios políticos e sociais que
recentemente convencionou-se chamar, Ações Afirmativas.
A estrutura organizacional multicampi que caracteriza a opção da UNEB pela
democratização/interiorização do ensino superior no Estado da Bahia seguramente
funcionou como pré-condição favorável ao surgimento de uma Política de Ação
Afirmativa tal qual o sistema de reserva de vagas para negros e indígenas.
Somando essa pré-condição aos inúmeros pronunciamentos públicos feitos, na
ocasião da implantação do sistema de cotas, pela então reitora e demais personagens
destacadas na universidade quanto à adequação e positividade da adoção pela UNEB de
uma Ação Afirmativa desta natureza, e ainda as provocações individuais cotidianas de
alguns militantes do Movimento Negro que compõem os quadros da universidade -
sobretudo professores-, para que essa possibilidade pudesse ser avaliada, não foi difícil às
instâncias superiores decisórias da UNEB avaliarem como bastante providencial a
indicação de um vereador da Câmara Municipal de Salvador solicitando ao Governo do
Estado que adotasse uma reserva de 20% das vagas do vestibular para candidatos negros
em todas as universidades estaduais da Bahia3.
A indicação da Câmara Municipal continha a recomendação de que todas as
universidades estaduais baianas adotassem a reserva de vagas para negros4. No entanto, o
Governo, à época, encaminhou a indicação para que a UNEB se pronunciasse.
3 A indicação, aprovada por unanimidade pela Câmara de Vereadores de Salvador foi encaminhada ao Governo do Estado. De lá seguiu para a Procuradoria Geral do Estado, em seguida, para a Secretaria da Educação do Estado sendo enviada, finalmente, a UNEB. 4 Além da UNEB, o Estado da Bahia conta com mais três universidades estaduais: Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS; Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB e Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC.
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Aproveitando a rara ocasião, a UNEB institui uma Comissão composta por dois
professores e um aluno5 encarregando-a de emitir um parecer sobre a indicação e formular
uma proposta a ser submetida ao Conselho Universitário.
De posse das discussões já acumuladas sobre o tema e dos dados disponíveis sobre
a desigualdade racial no acesso ao ensino superior, a comissão elaborou uma proposta
sumária de Resolução, estabelecendo no seu artigo 1º, a cota mínima de 40% para
candidatos negros oriundos da escola pública, no preenchimento das vagas relativas aos
cursos de graduação e pós-graduação oferecidos pela UNEB, seja na forma de vestibular
ou, no caso da pós-graduação, de qualquer outro processo seletivo.
Submetida a apreciação do Conselho Universitário em reunião ordinária realizada
em 18 de julho de 2002, a proposta de Resolução foi aprovada com 28 votos a favor e 03
abstenções. Por reivindicação dos Movimentos Indígenas e dos professores indigenistas da
UNEB, em 2007 foi aprovada outra Resolução em substituição a essa primeira, reiterando
a cota de 40% para candidatos auto-declarados negros e mais 5% para candidatos
indígenas.
Cremos ser importante observar um diferencial que singulariza o pioneirismo da
UNEB em relação ao das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Na UNEB, o sistema
de cotas, embora tenha sido provocado por uma iniciativa externa, organizou-se como uma
proposição da própria comunidade acadêmica que, através da Reitoria, da comissão
referida e do órgão deliberativo máximo da instituição, o CONSU, valeu-se do princípio da
autonomia universitária e independência dos seus fóruns decisórios internos para deliberar
sobre a matéria.
Ainda que tenha havido reivindicações legítimas do Movimento Negro baiano e de
setores majoritários da comunidade acadêmica para que a medida fosse aprovada, assim
como também houve manifestações contrárias motivadas, queremos crer, pela ignorância
de uma minoria acerca dos fundamentos que legitimam social e academicamente a medida,
podemos afirmar com segurança que não houve ingerência de nenhuma natureza na
decisão tomada pelo Conselho Universitário que agiu soberanamente.
Mesmo sendo sumárias, as Resoluções aprovadas, tanto a inicial quanto a
substitutiva, estabelecem os princípios de regulamentação do sistema: os itens da auto-
classificação racial, os requisitos para a inscrição e opção pelas cotas, os critérios gerais de 5 A comissão foi composta pelo estudante Osni Cardoso de Oliveira, pelo professor Valdélio dos Santos Silva, a quem coube a presidência da mesma e pelo professor Wilson Roberto de Mattos.
17
classificação às vagas oferecidas e, certamente o dispositivo mais importante que assegura,
institucionalmente, a continuidade e efetividade desta medida de Ação Afirmativa: a
obrigatoriedade da UNEB implementar um programa de apoio e acompanhamento para os
estudantes que ingressam nos seus cursos através do sistema de cotas.
Embora a primeira experiência seletiva a partir da edição da Resolução tenha se
dado na seleção de alunos especiais para o Mestrado em Educação e Contemporaneidade, o
concurso vestibular 2003 foi o momento inaugural de experimentação da medida na exata
dimensão da sua importância.
Até 2007 o processo iniciava-se com o preenchimento da ficha de inscrição ao
vestibular. Nessa ficha, além das informações comuns requeridas, os candidatos
encontravam espaço reservado para a auto-classificação racial, de acordo com os critérios
classificatórios cromáticos adotados pelo IBGE. Ou seja, o candidato se auto-classificava
entre as opções: branco, preto, pardo, indígena e amarelo. Atualmente, sob vigência da
nova Resolução os candidatos ao sistema de cotas, devem se auto-classificar a partir das
seguintes opções: negro, indígena, branco e amarelo. Somente os auto-classificados como
negros e indígenas podem, por opção, concorrerem, respectivamente, aos 40% e 5% das
vagas reservadas. Quanto aos indígenas há a necessidade de comprovação de
pertencimento a uma comunidade indígena reconhecida.
Evidentemente, não há a obrigatoriedade da auto-classificação, com exceção óbvia
daqueles que, também no próprio formulário, fazem a opção pelas cotas.
Uma outra especificidade dessa modalidade de Ação Afirmativa na UNEB é incluir
na mesma reserva de vagas um outro critério de habilitação conjugado com o
pertencimento etnicorracial, qual seja, a obrigatoriedade do candidato ter cursado o ensino
médio todo em escola pública. Isso é válido tanto para os negros quanto para os indígenas.
Sendo a equidade e promoção da igualdade de oportunidades, o objetivo de
qualquer política de Ação Afirmativa, essa conjugação de critérios de habilitação,
deliberadamente visa impedir que uma eventual concorrência desigual se estabeleça no
interior da disputa pelas vagas reservadas. Não é nenhuma novidade observar que no
Brasil, pelo menos das últimas décadas, a desigualdade de oportunidades de acesso ao
ensino superior está diretamente relacionada, - se não de forma exclusiva, ao menos de
forma determinante -, ao tipo de educação escolar fundamental e média pela qual passaram
os candidatos ao vestibular. Para sermos mais diretos, o objetivo é impedir que candidatos
negros e indígenas que tiveram a oportunidade, relativamente, privilegiada de estudar em
18
escolas privadas disputem as vagas reservadas pelo sistema de cotas com os candidatos
negros e indígenas que estudaram em escolas públicas. A desigualdade etnicorracial,
socialmente determinada, determina, por sua vez, uma desvantagem relativa que
caracteriza as possibilidades dos candidatos negros e indígenas ingressarem no ensino
superior.
Pode-se afirmar que o sistema de cotas garante o acesso grupal mínimo ao ensino
superior e esta é a principal característica a confirmar a sua necessidade e legitimidade
social. Mas se, de imediato, o sistema possibilita no acesso, transpor (parcialmente, porque
limitado ao quantum da cota) a barreira da desvantagem relativa, por outro lado, por si só,
ao menos no curto prazo, ele não consegue anular os fatores estruturais que determinam o
conteúdo dessa desvantagem, qual seja, a desigualdade etnicorracial básica, socialmente
determinada.
O sistema de cotas, como garantia de acesso grupal mínimo de negros e indígenas
ao ensino superior é importantíssimo, deve continuar e ser cada vez mais aperfeiçoado. No
entanto, ele deve compor e não apenas figurar pretensiosamente como alternativa única às
lutas mais amplas pela inclusão das populações negras e indígenas no âmbito ainda
restritíssimo e racialmente excludentes dos direitos sociais e de cidadania. Tais lutas, com
suas demandas históricas, devem, necessariamente, continuar. Nesse sentido cabe à
universidade - e, pela suas características históricas, à UNEB em particular -, a necessidade
e o dever de instituir um programa amplo de Ações Afirmativas, para além das cotas, com
o objetivo de transformar a cultura universitária sendo capaz de elevar a diversidade e a
diferença etnicorracial como o principal fundamento de enriquecimento da vida
universitária e, por extensão, da vida social cidadã para além dos muros da universidade.
Nesse sentido, a avaliação a ser feita acerca da importância social das políticas de
Ação Afirmativa não deve limitar-se a tomar como referência apenas os seus efeitos
imediatos em relação ao sistema de cotas, mas deve sim considerar que em médio e longo
prazo, o esperado crescimento do número de profissionais negros e indígenas com
formação superior e, principalmente, a consciência cultural, universitária de que a
diversidade é o principal ativo civilizatório da contemporaneidade, irá, seguramente,
desencadear um efeito multiplicador de melhoria nas condições econômicas, sociais e
educacionais das famílias e comunidades que ainda hoje amargam como herança, tanto de
um lado quanto de outro, os efeitos nefastos do sistema escravista, do racismo histórico e
19
de exclusão sistemática das populações indígenas, bem como da persistente discriminação
etnicorracial contemporânea.
Anteriormente já fizemos referência a um dispositivo da Resolução n°196/2002
reiterado pela Resolução n°468/2007, responsabilizando a UNEB pelo apoio e
acompanhamento programático dos estudantes que ingressam nos seus cursos através do
sistema de cotas. Esse dispositivo normativo, além de garantir que o sistema seja avaliado
periodicamente através do acompanhamento da trajetória desses estudantes, sustenta
institucionalmente a concepção de que a própria universidade deve garantir condições
acadêmicas e econômico-sociais para que esses estudantes se formem efetivamente. Sendo
assim, através da proposição de um Programa de Ações Afirmativas específico, a
universidade objetiva antecipar-se na apresentação de medidas que anulem os efeitos de
eventuais problemas que dificultem ou impeçam esses estudantes de chegarem até o final
dos seus respectivos cursos, bem como incorporar efetivamente, a diversidade cultural e a
igualdade etnicorracial de tratamento, oportunidade e representação em todas as instâncias
e dimensões do seu funcionamento institucional.
No conjunto das suas características, o Programa de Ações Afirmativas que
resultará da Conferência a ser realizada, além de ocupar-se em garantir as condições acima
mencionadas, procurará, através de procedimentos e ações consensuais e
democraticamente instituídas, intervir na dinâmica acadêmica da UNEB de forma a fazer
com que, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, a questão etnicorracial e seus
desdobramentos constitutivos não figure apenas como um tema mais ou menos relevante a
ser tratado eventualmente em uma aula ou outra, ou em uma data comemorativa, mas seja
concebida como composição estrutural da cultura política da Universidade na sua
totalidade.
Se o sistema de cotas para negros e indígenas, na UNEB ou em outra universidade
brasileira, tem como meta equilibrar o acesso ao ensino superior na exata proporção da
composição etnicorracial dessas populações nos espaços territoriais onde os cursos são
oferecidos, o objetivo de um Programa de Ações Afirmativas, de um modo geral, nada
mais é do que um empenho deliberado e sistemático no processo de ampliação e
aperfeiçoamento da democracia e da cidadania.
Conhecedores que somos do arraigado racismo ainda presente na Bahia e no Brasil,
chegamos à conclusão de que o desejado final dessa modalidade de Ação Afirmativa, ou
20
seja, a realização completa dos seus objetivos, não depende da sua própria eficácia
intrínseca, mas da vontade política da sociedade baiana e brasileira - e a universidade tem
um papel decisivo nessa luta -, em acabar com o racismo, a discriminação e desigualdades
étnico-raciais, de uma vez por todas e definitivamente. Temos a convicção de que a
realização da I Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB será o passo
decisivo para que isso ocorra em um futuro mais breve do que imaginamos.
21
2. TEXTO BASE II
Povos indígenas do Brasil: história, lutas e perspectivas
Ao contrário do que se costumava pensar - antes da década de 1970 - os índios não
estão em vias de desaparecimento, atualmente, sua demografia é ascendente. Para além do
fenômeno da etnogênese, a taxa de natalidade é maior que a da população brasileira como
um todo; e existe hoje uma miríade de organizações indígenas que cuidam dos seus
interesses.
A necessidade de estudos e ações políticas especificamente voltados para os povos
indígenas se justifica pelo simples fato de que eles constituem um expressivo segmento da
população brasileira (734 mil pessoas, 0,4 % da população total Fonte: IBGE, censo de
2000); e, sobremaneira, pelo fato de ser um segmento simbolicamente importante para esta
população, na medida em que constitui uma das matrizes (genética e cultural) dela, de
algum modo, dando sentido ao país como integrante de um continente diferenciado dos
demais. É, portanto, necessário, ampliar os conhecimentos sobre esses povos, sua história,
cultura e línguas, de modo a traçar as características da ocupação do território e da cultura
brasileira. Além disso, esses estudos dão suporte à atuação do Estado junto a esses povos,
particularmente na identificação e delimitação de seus territórios, organização da educação,
saúde, desenvolvimento sustentável e renda, além de outras políticas públicas que
assegurem aos povos indígenas iguais direitos, oportunidades, formas de representação e
condições econômico-sociais.
Estudos sobre os povos indígenas no Brasil têm sido desenvolvidos desde o início
da colonização. As primeiras observações foram feitas por navegadores, administradores
coloniais, missionários, aventureiros e colonos (os chamados cronistas, séculos XVI e
XVII) que aqui estiveram, ou se estabeleceram, com a finalidade de conhecer o território,
povos e riquezas e estudar a melhor maneira de subsidiar a montagem do sistema colonial
e da dominação. A este grupo de “estudiosos” acrescentou-se, nos séculos XVIII e XIX os
naturalistas viajantes que realizaram estudos de botânica, zoologia, paisagismo e
geomorfologia, incluindo apreciações sobre os povos e culturas indígenas com as quais
entravam em contato. A finalidade ainda era de exploração da terra e de povos, de
arregimentação de populações para engrossar o processo civilizatório capitaneado pelos
22
europeus. Idéias evolucionistas e positivistas, do império da “razão” européia, davam o
tom e orientação filosófica a esse processo. A hegemonia da Europa como modelo a ser
seguido por todos, era tida como indiscutível e inarredável.
No século XIX, a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro na capital
federal e de instituições congêneres nos estados, ensejou a realização dos primeiros estudos
de caráter etnográfico ou etno-histórico sobre os povos indígenas, mas eles eram ainda
fortemente marcados pelo etnocentrismo e pelo nomeado, racismo científico. No século
XX, inicia-se um processo de mudança: o Estado brasileiro resolveu criar um órgão
específico para os assuntos indígenas (Serviço de Proteção aos Índios – SPI, 1910) que
produziu documentos burocráticos, ensaios e relatórios sobre esses povos. A concepção
fundamental, no entanto, continua com fortes traços conceituais de influência eurocêntrica.
Pretendia-se criar as condições para assimilar o mais rapidamente possível os povos
nativos à sociedade mais ampla. Acreditava-se que os povos indígenas estariam fadados ao
desaparecimento. O primeiro diretor do SPI foi o Marechal Rondon, descendente de índios
da região do Mato Grosso (Bororo, Terena e Guaná).
Essa política assimilacionista perdurou durante toda a primeira metade do século
XX, só vindo a ser questionada a partir da década de 1970, com a constituição das
primeiras organizações indígenas e da consolidação dos cursos universitários de sociologia
e antropologia. Organizações indigenistas, aliadas a alguns antropólogos e também a
missionários católicos (a exemplo do Conselho Indigenista Missionário/ CNBB), se
dedicaram a mediar conflitos entre a sociedade nacional, governo e índios. Dessa forma
produziram estudos, relatórios e documentos diversos. Parcerias entre indigenistas e
acadêmicos resultaram no estabelecimento de metas de estudos dos povos existentes em
cada estado da Federação, o que em grande parte foi alcançado. No caso da Bahia, por
exemplo, a Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAI juntamente com o Programa
de Pesquisas sobre os Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro- PINEB/ UFBA, lograram
realizar inúmeros estudos sobre os povos indígenas localizados no Estado.
Um marco nessa nova concepção sobre a questão indígena foi a Constituição de
1988. Índios, indigenistas e acadêmicos foram incansáveis na reabilitação dos índios como
sujeitos de direitos. Esse esforço resultou na introdução de dois artigos (art. 231 e art. 232)
centrados no reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições
e os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. No art. 67 é
dito que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a
23
partir da promulgação da Constituição”, o que até o momento não ocorreu de forma
satisfatória.
Outro marco foi a adesão do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em 2002 - em vigor desde 2003 e do qual o
Brasil é signatário -, que focaliza especialmente a autonomia a autodeterminação desses
povos.
Atualmente os estudos sobre os povos indígenas têm focalizado particularmente o
fenômeno da emergência étnica ou etnogênese, particularmente no Nordeste. O fenômeno
está relacionado ao reconhecimento dos direitos indígenas sobre o território e tratamento
diferenciado nos serviços educacionais, de saúde e outros. Ao que tudo indica grupos que
se mantiveram clandestinos durante séculos só agora julgaram oportuno vir à tona, e fazem
isto através da reivindicação de direitos garantidos na Constituição. Eles se denominam
“índios resistentes”; outra denominação é a de “índios ressurgidos”. O processo é de
reelaboração cultural. Tradições são reconhecidas, reconfiguradas e incorporadas como
atestadoras de indianidade.
Particularmente interessante neste processo foi o ressurgimento dos Tupinambá de
Olivença nos idos do ano 2000, marcando presença, inclusive, em Porto Seguro, nos
protestos contra as comemorações de 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Aquele foi
um momento especial, pois marcou uma ruptura em relação ao eurocentrismo através de
parceria histórica entre negros e índios. O evento, e toda a articulação em torno do
Movimento Brasil Outros 500: Resistência Indígena, Negra e Popular, seguramente, foi o
saldo político de maior significância desse encontro.
A Constituição 1988 ensejou também uma nova safra de estudos sobre os povos
indígenas: a elaboração de laudos ou relatórios antropológicos voltados para a delimitação
de áreas indígenas. Aos estudos de natureza eminentemente teórica, foi acrescentada uma
outra dimensão: antropologia aplicada. Foram muitos os trabalhos dessa natureza, com
suporte na interdisciplinaridade, estudos etno-históricos, arqueológicos e similares.
Saliente-se também que o estímulo à educação indígena tem resultado na formação
acadêmica de índios e estes têm se voltado para o estudo e reforço do protagonismo
indígena.
Hoje, ao lado de outras modalidades, a educação escolar indígena, como
modalidade específica nos sistemas educacionais brasileiros, já é uma realidade. Tal
realidade tem demandado, sobretudo, das universidades, um maior compromisso e
24
responsabilidade com a produção de conhecimentos, formação de pesquisadores e a
formação de professores capazes de darem conta, com satisfatoriedade, da eficácia e
adequação de funcionamento da nomeada educação escolar indígena.
Embora a UNEB já possua um curso de Licenciatura Intercultural Indígena e reúna
uma série de ações isoladas, tanto de pesquisa como de extensão, relacionadas aos povos
indígenas, bem como tenha institucionalizado um sistema de cotas para o ingresso de
índios nos seus cursos regulares de graduação e pós-graduação, se faz necessária a adoção
de Ações Afirmativas para os estudantes indígenas, bem como direcioná-las também para a
intervenção nas atividades acadêmicas visando adequá-las ao abrigo das demandas e
especificidades dos povos indígenas. Além disso, a inovação curricular neste sentido
contribuirá para que os demais estudantes e professores ampliem o seu arco de referências
no processo formativo, abrindo novas perspectivas relacionadas à construção de uma
verdadeira igualdade etnicorracial.
26
INSERÇÃO ACADÊMICA: AÇÕES AFIRMATIVAS E PESQUISA
A UNEB é uma instituição atenta à sua função social de promover a educação de
milhares de pessoas no estado da Bahia. Trazendo uma dinâmica inovadora e democrática
de integração educacional no ensino superior de jovens e adultos residentes no interior do
estado, pois possui um sistema de multicampia, sendo composta por 29 Departamentos
distribuídos entre 24 municípios baianos, atendendo assim, a todas as microrregiões do
Estado.
Seguindo este ideal de democratização do ensino superior na Bahia, a UNEB foi
uma das universidades pioneiras na adoção de uma Política de Ação Afirmativa,
especificamente voltada à garantia de acesso dos negros e índios nos seus cursos de
graduação e de Pós-Graduação. De acordo com a Resolução nº 196/2002, elaborada pelo
Conselho Universitário- CONSU- da UNEB foi deliberado no art. 2º, que do total de vagas
oferecidas em cada curso de graduação e de pós-graduação, reservar-se-ão 40% das vagas
para candidatos negros. Posteriormente através da Resolução 468/2007, o percentual de
5% das vagas oferecidas nos seus cursos é reservado para os indígenas.
Segundo a resolução 468/2007 no art. 8º, o Programa Permanente de Ações
Afirmativas da UNEB deverá organizar-se através de projetos e atividades que garantam a
permanência e o sucesso dos estudantes ingressos através do sistema de reserva de vagas, e
que promovam a diversidade e a igualdade etnicorracial em todas as ações desenvolvidas
pela Universidade.
Reconhecemos que uma das formas possíveis para promoção da diversidade e da
igualdade etnicorracial pode ser pela integração de pesquisas feitas por docentes sobre as
populações negras e indígenas de um modo geral. Reserva de vagas através de cotas,
reserva de bolsas para professores negros e indígenas através de editais de pesquisa, bolsas
de iniciação científica para cotistas, editais de financiamento para pesquisas relacionadas
às temáticas raciais e indígenas são efetivamente ações prioritárias para o fortalecimento de
redes de pesquisas negras e indígenas.
A Universidade do Estado da Bahia-UNEB quando da aprovação do sistema de
cotas para negros em 2003 foi pioneira nessa ação que incluiu as cotas para o ensino da
Pós-Graduação. Com isso, foi possível identificar o aumento considerável de negros
27
concorrendo às vagas oferecidas nos Programas de Pós Graduação em mestrado e
doutorado da instituição, conseqüentemente ampliando o acesso de negros e indígenas.
Constata-se, a partir de então há um crescente número de dissertações cujo objeto
de pesquisa apresenta recorte racial e indígena. Certamente, ainda há que se trabalhar
muito para que se desenvolvam pesquisas nesse campo, visto ser recente as oportunidades
de inclusão desses temas. Alguns programas de Pós-Graduação na sua estrutura curricular
definiram linhas temáticas para estudos afro-brasileiros e indígenas o que possibilita o
ingresso de estudantes/pesquisadores nessa área de pesquisa. No entanto, se faz necessário
criar dentro dos Programas de Pós- Graduação linhas de pesquisas vinculadas as
populações negras e indígenas, para que esse compromisso não se restrinja apenas aos
programas de educação e história, mas de todas as áreas de conhecimento (Humanas e
Exatas).
Com a aprovação da Lei nº 10.639 de 2003 e da Lei 11.645 de 2008 que tornou
obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Indígena nas
escolas de Educação Básica brasileiras, várias ações vêem sendo implementadas pelo
Ministério da Educação para a efetivação desses conteúdos. Dada a emergência, por novos
conteúdos a serem aplicados nas escolas, a elaboração de novos materiais didáticos,
formação de professores para atuarem com esses conteúdos, identificamos a urgência da
universidade através de seus pólos de pesquisa, criar e aperfeiçoar ações que possam dar
suporte para a implementação das referidas Leis. Dentre essas ações, podemos destacar a
necessidade do incentivo à criação de linhas de pesquisas com temas como racismo e anti-
racismo, Ações Afirmativas e direitos humanos, exclusão social, discriminação e
desigualdade etnicorracial nas instituições de educação e ensino, fomentando o debate e a
produção de conhecimento sobre estes temas.
A educação superior tem por finalidade, segundo o art. 43 da lei nº 9.394, de 1996,
incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive; promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; estimular o
conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais,
prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade; entre outros. Por isso, é papel da Universidade contribuir no âmbito da
28
pesquisa acadêmica, ampliando assim, a compreensão das questões envolvidas e subsidiar
a formulação de políticas públicas mais abrangentes e eficazes no quesito de Ações
Afirmativas, materializando princípios e concepções da Pluralidade Cultural. Os resultados
dessas pesquisas devem ser socializados tanto para a comunidade interna da universidade
quanto para a comunidade externa, pois podem contribuir para o desenvolvimento de
sociedades mais justas, igualitárias e democráticas.
Portanto deve-se fomentar e consolidar na UNEB, uma cultura universitária plural,
igualitária, anti-racista e representativa da diversidade etnicorracial que compõe a
sociedade baiana, através de projetos especiais que discutam questões de igualdade racial
fazendo valer direitos que se compreende por cidadania. Acreditamos que a
potencialização da UNEB no cenário da pesquisa cientifica atualmente é uma realidade, se
considerarmos a evolução com que a pesquisa ascendeu resultado do incentivo propiciado
pela Pró Reitoria de Pesquisa e Ensino da Pós Graduação –PPG a partir do ano de 2006,
quando a pesquisa passa por reformulações, tornando-se a pedra fundamental para
ascensão e respeitabilidade da UNEB às demais instituições tradicionais no campo
científico. Desde então, foram lançados vários editais de pesquisas internos para
professores, editais de bolsas de pesquisa para iniciação de pesquisa, o aumento de
candidaturas a editais externos tanto por professores como pelos estudantes da UNEB. Não
obstante, essa evolução ainda não apresenta dados suficientes de oportunidades de
pesquisas para as populações negra e indígena devido à realidade de carência de docentes
nos quadros da UNEB que desenvolvam pesquisas voltadas para esses povos, são poucos
os grupos de pesquisa com atividades co-relacionadas a esses temas, são poucos os
recursos destinados para a promoção desses grupos e para outras atividades afins.
Certamente, há uma demanda de pesquisa latente, que precisa encontrar, nos
diferentes setores da universidade, a ambiência e a estrutura necessárias para que haja uma
transformação da cultura universitária a partir do ingresso dos cotistas negros e indígenas.
Porque é a partir dessas Ações Afirmativas que será possível a derrubada das barreiras das
desigualdades raciais, construindo uma sociedade mais justa e democrática.
30
INSERÇÃO ACADÊMICA: AÇÕES AFIRMATIVAS E ENSINO
Transcorridos nove (09) anos de implementação do sistema de reservas de quarenta
por cento (40%) das vagas para negros e quatro (04) anos de ampliação do sistema de cotas
para inserção de cinco por cento (5%) das vagas destinadas às populações indígenas,
adotado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), faz-se necessário refletirmos
sobre os impactos dessas ações no que se refere à promoção da diversidade e igualdade
etnicorracial no ensino superior baiano.
Para tanto, é imprescindível que criemos subsídios para avaliação e
aperfeiçoamento do Sistema de Cotas para negros e indígenas da UNEB. Precisamos
identificar de que forma(s) a inserção e permanência desses segmentos historicamente
excluídos e sub-representados no ensino superior têm contribuído para transformação da
cultura e ambiência universitária. Precisamos investigar como essas transformações tem
impactado nos currículos acadêmicos dos diversos cursos de formação (graduação e pós-
graduação) promovidos por essa universidade.
É sabido que em algumas áreas e cursos ofertados pela UNEB já é possível
identificar ações e iniciativas que revelam indícios de mudança na ambiência e cultura
universitária. Essas iniciativas surgem em virtude da necessidade de novas composições
acadêmicas e curriculares capazes de atender às demandas de grupos historicamente
excluídos que, nesse momento ocupam vagas da universidade mediante reparação histórica
promovidas pelas políticas de ação afirmativa.
A inserção da disciplina intitulada História e cultura Afro-brasileira e Indígena no
currículo dos cursos de Pedagogia e das disciplinas Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira e Identidade Cultural dos cursos de Letras dos diversos
campi dessa universidade, representa uma ação importante para formação de professores
que possam fazer valer as determinações e diretrizes garantidas pela Lei 10.639/03 e Lei
11.645/08 que tornam obrigatório o ensino de História e Cultura Africana, Afro-Brasileira
e Indígena nos currículos da Educação Básica.
Para além da implementação das determinações estabelecidas pela Lei 10.639/03 e
pela Lei 11.645/08, a inserção dos referidos componentes curriculares tem possibilitado a
criação de espaços legítimos nas matrizes curriculares de cursos de formação de
professores capazes de fomentar discussões em torno das relações raciais na educação
31
brasileira que têm culminado em inúmeros trabalhos de conclusão de curso – TCC sobre a
temática, realizados também por estudantes cotistas.
Outra ação afirmativa adotada pela UNEB que merece destaque, por se tratar de
uma conquista inédita e de valor histórico para o estado, é a Licenciatura Intercultural
em Educação Escolar Indígena (Liceei) criada em 2007, mediante parceria entre a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), o Ministério da Educação (MEC) e 14
(quatorze) etnias indígenas.
Mais de 100 (cem) vagas do Liceei foram voltadas para índios de comunidades da
Bahia, sobretudo para aqueles que atuavam como educadores e gestores de escolas
indígenas no ano de 2008. Esse curso está vinculado aos departamentos de Educação
(DEDC) do Campus VIII (Paulo Afonso) e do Campus X (Teixeira de Freitas) da UNEB,
de modo que possa agregar as etnias regionalmente.
O Programa de Formação Inicial nos Estudos Africanos: História,
Antropologia e Literatura promovido pelo Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-
Americanos – Cepaia, como curso de aperfeiçoamento oferecido aos professores de
História da África e de Literatura Afro-Brasileira e Africana, em 2009, também se
converteu numa importante iniciativa dessa universidade no sentido de garantir uma
formação continuada e consistente aos docentes que se debruçam, muitas vezes num
esforço individual, sobre temáticas relacionadas à África e suas diásporas, bem como às
relações etnicorraciais na educação brasileira.
Vinculado ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(Parfor/Plataforma Freire) do Ministério da Educação (MEC) a UNEB inaugurou, em
fevereiro de 2011, a graduação inédita em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira,
oferecida no Campus V da universidade, na cidade de Santo Antônio de Jesus. A proposta
de implantação da licenciatura foi apresentada pelo Centro de Estudos dos Povos Afro-
Índio-Americanos – Cepaia e pelo grupo de pesquisa Firmina, vinculado ao referido
Centro.
A graduação em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira contribui para
aplicabilidade da Lei Federal 10.639/03. Essa licenciatura, com duração de três anos, tem o
objetivo de atender docentes que atuam na educação básica das redes municipais e estadual
da região cadastrada na Plataforma Freire.
Sem dúvida, as ações visibilizadas e descritas ratificam o pioneirismo atribuído à
Universidade do Estado da Bahia - UNEB pela adoção de projetos de reconhecimento e
32
valorização das populações negras e indígenas. Entretanto, as referidas ações parecem estar
circunscritas a uma determinada área de conhecimento. Trata-se de iniciativas restritas ao
campo da educação, mais especificamente às licenciaturas em História, Pedagogia e Letras.
Diante dessa constatação, precisamos pensar ações capazes de contemplar à
diversidade constituinte do espaço acadêmico em suas diversas e diferentes áreas e campos
de produção de conhecimento. É preciso pensar de que forma(s) os currículos das
Engenharias, da Nutrição, da Enfermagem, do Direito, da Educação Física, da Química, da
Biologia e da Matemática, dentre outros, podem contemplar problemáticas e anseios
específicos às populações negras e indígenas, de modo a provocar uma mudança
significativa e qualitativa da ambiência e cultura universitária.
34
INSERÇÃO ACADÊMICA: AÇÕES AFIRMATIVAS E EXTENSÃO
Ações Afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas
pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades
historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem
como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes
de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.
A UNEB, comprometida com a implantação das Ações Afirmativas, adotou o
sistema de reserva de cotas para negros e indígenas na graduação e na pós-graduação e tem
buscado formas de garantir a permanência desses estudantes na Universidade.
Além de ser função da Universidade proporcionar um ensino de qualidade e
promover o acesso desses estudantes à iniciação científica, consolidando a pesquisa, a
extensão universitária é uma forma de interação que deve existir entre a universidade e a
comunidade na qual está inserida.
Na medida em que a Universidade do Estado da Bahia cumpre um papel social
impresso no seu formato multicampia, acreditamos que uma política extensionista deve ser
uma espécie de ponte permanente entre a universidade e os diversos setores da sociedade
baiana.
Por meio da extensão, a universidade tem a oportunidade de levar, até a
comunidade, sobretudo às populações subalternizadas, os conhecimentos dos quais é
detentora, os novos conhecimentos produzidos através da pesquisa, e que deve dialogar
com o ensino, como também deve a universidade se abrir para receber o conhecimento que
é produzido fora dela estreitando assim a relação universidade/comunidade.
Baseada na concepção teórica dos Estudos Pós Coloniais que tem possibilitado na
contemporaneidade o pensar sobre “conhecimento” produzido fora dos cânones
acadêmicos, respeitando e valorizando culturas, flexibilizando através da oralidade o
conhecimento que está fora da universidade, referenciando novas metodologias de ensino e
práticas educativas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Trilhar por teorias não hegemônicas consiste em elaboração de currículos que
possam integrar em suas linhas formativas propostas pedagógicas que envolvam os seus
docentes e discentes em novas abordagens do trato com o conhecimento, favorecendo
35
desse modo um projeto de universidade pensada a partir de novos modelos e de novas
concepções que sejam a base de todos os cursos.
A extensão pensada a partir de uma realidade concreta pode fornecer subsídios para
o aprimoramento da estrutura e diretrizes da própria universidade na busca da qualidade;
Possibilita a comunidade universitária conhecer a problemática nacional e atuar na busca
de soluções plausíveis; Possibilidade de diagnosticar necessidades de pesquisas e outras
ações. Desse modo, os projetos de extensão desenvolvidos pela instituição deverão
inclusive promover ações para as comunidades negras e indígenas.
Consideramos que com a aprovação de um Programa de Ações Afirmativas na
UNEB a instituição deverá ter um ganho substancial em qualidade e excelência de
formação, democratizando o acesso das comunidades negras e indígenas na cultura
acadêmica à exemplo da extensão universitária que passará a ser desempenhada por toda a
universidade.
A aprovação de um Programa de Ações Afirmativas na UNEB almeja, como sua
mais relevante realização, implementar uma cultura universitária que “estenda-se por todas
as instâncias e dimensões que singularizam a identidade e normatizam o funcionamento da
nossa Universidade, e que seja capaz de reforçar a prática da coexistência democrática e
aprofundar a representatividade da sua pluralidade cultural e diversidade etnicorracial”.6
6 Ver Texto Base I.
37
AÇÕES AFIRMATIVAS E FINANCIAMENTO
É fato que o sistema de cotas como política de Ação Afirmativa tem como principal
característica a promoção do ingresso das populações historicamente discriminadas – no
caso da UNEB-, negros e indígenas, no ensino superior. Portanto, há uma preocupação
majoritária com as políticas de ingresso. Entretanto, em contrapartida, quase não há
preocupações mais sistematizadas com o financiamento das atividades de ação afirmativa
na universidade. Tanto isso é verdadeiro que a dimensão mais conhecida das políticas de
Ação Afirmativa nas universidades brasileiras diz respeito, quase tão somente, aos
variados formatos de ingresso. Cotas, bônus, notas adicionais nos vestibulares e mesmo
metas estabelecidas para o alcance da igualdade racial a partir dos mais variados
procedimentos, têm sido objeto de discussões, polêmicas, concordâncias e discordâncias.
No entanto as discussões têm sido bem menores quando se trata de pensar as formas de
garantir a permanência dos estudantes negros e indígenas que ingressam nas universidades
através de alguma modalidade de Ação Afirmativa como às acima especificadas.
Evidentemente, isso implica em financiamento, um tema não muito prazeroso de se tratar.
Não é demais observar que o objetivo precípuo e indeclinável de qualquer dessas
modalidades de Ação Afirmativa para o ingresso na universidade deve ser o sucesso do
estudante. Sucesso este traduzido não só na sua formação com qualidade, no prazo regular
do seu respectivo curso, mas também no aproveitamento máximo possível de tudo o que a
universidade pode oferecer ao estudante cotista e a todo e qualquer estudante, na sua tripla
dimensão, qual seja: o ensino, a pesquisa e a extensão. Afinal passar pela universidade sem
se envolver diretamente com as atividades acadêmicas que dão suporte e qualificam essa
passagem implica, quase sempre, em uma formação deficitária e incompleta, tanto do
ponto de vista profissional, quanto - o que não é menos importante -, do ponto de vista do
compromisso social posterior.
Garantir essas condições requer a adoção de políticas que interfiram positivamente
na estruturação dos currículos, concebido na sua integralidade, e, mais do que isso, implica
em tematizar uma das questões mais problemáticas das universidades públicas hoje, qual
seja a já mencionada questão do financiamento.
Nenhuma política de Ação Afirmativa, preocupada com o ingresso e permanência
de estudantes cotistas na universidade prescinde de financiamento. Afinal, o modelo
38
unebiano de ação afirmativa é marcado pelo ingresso de estudantes notoriamente de baixo
poder aquisitivo. Se a universidade, acertadamente, criou condições para que esse
estudante pudesse ingressar nos seus cursos, ela, como instituição pública, não pode deixar
de responsabilizar-se pela formulação de uma política específica de financiamento que
custeie as despesas regulares da vida acadêmica desses estudantes: transporte, alimentação,
material didático, assistência à saúde, residência estudantil, restaurante universitário etc.
Mais do que isso, no processo de construção dessa necessária política de financiamento das
Ações Afirmativas, deve-se reservar recursos orçamentários específicos e regulares para o
custeio e o investimento em um conjunto de atividades curriculares decorrentes da
implantação das Ações Afirmativas na universidade, a saber: promoção à realização e
participação em eventos, programas de bolsas de iniciação científica, aquisição de
bibliografia específica, formação complementar de professores, realização de pesquisas
específicas, mecanismos preparatórios para o ingresso e sucesso dos estudantes cotistas nos
Programas de Pós-Graduação e outras ações similares.
Além dos recursos orçamentários, a política de financiamento das Ações
Afirmativas na UNEB deve preocupar-se em aprimorar os mecanismos e qualificar pessoas
capazes de atraírem recursos de fontes externas a instituição. Há recursos disponíveis para
o desenvolvimento de atividades e projetos de Ação Afirmativa, em várias fontes de
financiamento governamentais e não-governamentais.
Por fim cabe reforçar a afirmação de que não haverá política de Ação Afirmativa
eficaz na UNEB e nem em qualquer outra universidade, sem uma política sistemática,
permanente e institucional, de financiamento. Concluímos com a convicção de que o
financiamento, seguramente, é o fator mais importante para o sucesso do Programa de
Ações Afirmativas na UNEB. Sem uma política de financiamento, jamais alcançaremos a
meta de promovermos a igualdade de oportunidades, de condições e de direitos para os
diversos estudantes que, atendendo ao nosso chamado, ingressam na nossa universidade
através do sistema de cotas.
40
AÇÕES AFIRMATIVAS, PERMANÊNCIA E SUCESSO ACADÊMICO
A UNEB tem se destacado no campo das Ações Afirmativas por seu pioneirismo na
implantação do sistema de cotas para negros na graduação e na pós-graduação. Além disso,
estabeleceu em 2007, através da Resolução 468/2007, o percentual de 5% das vagas
oferecidas nos seus cursos para indígenas. Passados quase nove anos da implantação das
cotas, a UNEB lidera o maior número de negros e indígenas formados na pós-graduação
pelo sistema de cotas, o que revela o acerto da medida no acesso à graduação e na pós-
graduação.
Isso contribui, ainda, para uma modificação significativa na estrutura da
Universidade, pois a implantação efetiva do sistema de cotas para negros na UNEB ocorre
em 2003, mesmo ano em que é sancionada a Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade
do ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira em todos os níveis de ensino.7
Anterior a promulgação da Lei 10639/03 a UNEB, através dos seus cursos de
formação de professores, já desenvolvia seminários temáticos para formação em Cultura
Afro-brasileira e Africana, dado o seu comprometimento com as populações negras. Com a
obrigatoriedade da lei foi inseridos componentes curriculares específicos visando o
atendimento da Lei 10.639/03, o que marca o compromisso desta instituição com as
políticas de Ação Afirmativa. Mais recentemente também tem se buscado a mesma
articulação para inserção de novos conteúdos que contemplem as populações indígenas.
Nessa conjuntura, além de garantir o ingresso das populações negras e indígenas na
graduação e na pós-graduação, a UNEB tem se preocupado em garantir a permanência
desses indivíduos por entender que o sucesso acadêmico depende, prioritariamente, de
condições favoráveis para a manutenção desses estudantes na Universidade.
Inclusive, o artigo 8° da Resolução 468/2007 publicada no D. O. de 16 de agosto de
2007, que aprova a reformulação no sistema de reservas de vagas para negros e indígenas e
dá outras providências apresenta como premissa que o Programa Permanente de Ações
Afirmativas da UNEB deverá organizar-se através de projetos e atividades que garantam a
permanência e o sucesso dos estudantes ingressos através do sistema de reserva de vagas, e
7 Estima-se que de 2003 até dezembro de 2010 aproximadamente 400.000 estudantes negros/afrodescendentes ingressaram no ensino superior do Brasil. Na UNEB, ingressaram 14.697 estudantes.
41
que promovam a diversidade e a igualdade etnicorracial em todas ações desenvolvidas pela
Universidade.
Para tanto, importantes ações que têm sido desenvolvidas devem se tornar
“permanentes” a exemplo do Programa PIBIC/Ações Afirmativas que disponibiliza 24
bolsas para estudantes cotistas da UNEB. Incluir como Programa de bolsas o edital lançado
pela Universidade referente ao processo bolsa auxílio 2011, cujo público alvo é,
prioritariamente, alunos dos cursos de graduação da modalidade presencial, ingressos pelo
sistema de Reserva de vagas para negros e indígenas. Para consolidação de um programa
de bolsas institucional é preciso incluir a pós-graduação no programa dada a condição de
dedicação exigida por esses programas e pela Capes. Contribuindo substancialmente para o
sucesso das Ações Afirmativas.
Com a aprovação do Programa de Ações Afirmativas na UNEB será possível
institucionalizar as ações que visem à permanência dos estudantes cotistas na
Universidade, para que não sejam somente ações isoladas ou pontuais. É preciso garantir
que estes estudantes tenham acesso às bolsas de IC (iniciação científica) e, dessa forma,
possam se manter na universidade e terem garantida a sua formação integral envolvendo o
ensino, a extensão e a pesquisa.
É preciso, ainda, contemplar os 29 departamentos da Universidade, ampliando,
assim, a possibilidade para os estudantes cotistas de todas as regiões atendidas pela UNEB.
Para tanto, é necessário fortalecer os grupos de pesquisa já existentes e incentivar a
formação de novos grupos, sensíveis às Ações Afirmativas, pois disso também depende a
consolidação dos projetos de permanência. Esse fortalecimento deve ocorrer, também,
através da captação de recursos pelos grupos de pesquisa e pelos órgãos da Universidade,
aptos para tal, a fim de consolidar o programa de Ações Afirmativas desta instituição,
ampliando as chances de sucesso acadêmico dos ingressos pelas cotas, revertendo para
além do espaço universitário uma transformação na realidade desses atores sociais.
42
GRUPO TEMÁTICO 06:
AÇÕES AFIRMATIVAS E INSTITUCIONALIDADE (ALOCAÇÃO INSTITUCIONAL, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO)
43
AÇÕES AFIRMATIVAS E INSTITUCIONALIDADE (ALOCAÇÃO INSTITUCIONAL, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO)
As Políticas de Ação Afirmativa compõem na contemporaneidade as chamadas
políticas de identidade, ou seja, aquelas políticas que visam ações específicas para grupos
sociais alijados do processo de inclusão social e com um histórico comprovado de
discriminação. Essas políticas podem ser compreendidas também como a reivindicação
desses grupos no sentido de terem suas especificidades e diferenças culturais reconhecidas
e legitimadas na cultura nacional dos Estados-Nação modernos.
A UNEB - Universidade do Estado da Bahia foi a primeira universidade pública do
país a adotar, de forma autônoma, as políticas de cotas para o ingresso no Ensino Superior
nos cursos de graduação e de pós-graduação, vale ressaltar. A partir de Resoluções
específicas aprovadas nos anos de 2002 e 2007 no Conselho Superior Universitário -
CONSU, a UNEB aprovou a reserva de vagas para estudantes negros e indígenas,
respectivamente. Decisão importantíssima no sentido de ampliar o acesso ao Ensino
Superior por esses grupos historicamente subalternizados, além de promover a diversidade
cultural e etnicorracial dentro dos muros da universidade. Mas, até então, essa mesma
universidade não tem um Programa de Ações Afirmativas organizado e solidificado
institucionalmente. O que dificulta a alocação institucional das ações, o monitoramento, a
ampliação e principalmente a avaliação dessas políticas.
Desde a implantação do sistema de cotas, a UNEB tem acumulado experiências
exitosas de Ações Afirmativas em diferentes campos. Podemos apontar o Projeto
AFROUNEB que congregou um conjunto de ações nas dimensões do ensino, da pesquisa e
da extensão que se configuraram em Ações Afirmativas envolvendo diretamente
estudantes e professores. Esse conjunto de ações teve como princípio orientador as
determinações da Lei 10.639/03 que torna obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana nos ensinos Fundamental e Médio e o Parecer CNE/CP 0003/2004
que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana. Essas ações se constituíram em movimentos de pesquisas,
produção de material didático-pedagógico e cursos de formação continuada de professores
das redes públicas que atuam no Ensino Fundamental, desenvolvidos na época pelo
Campus V da UNEB em Santo Antônio de Jesus.
44
Entre os anos de 2007 e 2008 foi realizado em todos os campi da UNEB o
Seminário Temático História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Programa UPT –
Universidade para Todos. Atingindo os alunos (pré-vestibulandos) do Programa e também
os da graduação, apesar da curta carga horária, essa ação conseguiu atingir um público
significativo. No entanto essa ação não teve continuidade causando uma lacuna muito
grande no processo de afirmação desses estudantes que ampliaram seus conhecimentos
sobre o ser negro8 no Brasil e a importância do Sistema de Cotas para ingresso no ensino
superior.
Durante o ano de 2009 o CEPAIA promoveu um curso avançado de formação em
Introdução aos Estudos Africanos: história, antropologia e literatura. Esse curso foi
oferecido aos professores da UNEB que trabalham com as temáticas de História da África,
Pluralidade Cultural e Literatura Afro-brasileira e Africana, além dos pesquisadores
ligados ao próprio Centro. Em 2010 foi concluída a pesquisa Os egressos do sistema de
cotas da UNEB desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa FIRMINA Pós-Colonialidade, a
pesquisa contou com financiamento do CNPQ. Outras pesquisas têm sido realizadas como
a do Projeto Negras Lembranças, desenvolvida pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Africanos e Afro-Brasileiros – AFROUNEB do Departamento de Ciências Humanas do
Campus V – UNEB.
Há Linhas de Pesquisa que concentram trabalhos relacionados às temáticas afro-
brasileiras em diferentes dimensões, como a Linha 1: Processos Civilizatórios – educação,
memória e pluralidade cultural do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade e a Linha Experiências das Populações Negras na Abolição e Pós-
Escravidão do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. As pesquisas
ligadas a essas Linhas têm dado importantes contribuições ao campo da educação e da
historiografia baiana, no sentido de desvendarem problemáticas muito caras na história e
na atualidade das populações negras em nosso estado.
Bolsas de Iniciação Científica também têm sido concedidas a estudantes cotistas
por editais específicos. Essas bolsas representam uma contribuição importantíssima à
formação acadêmica desses estudantes, além de ser também uma iniciativa que garante a
permanência deles na universidade. Esses programas de bolsas precisam ser ampliados
progressivamente para atingir cada vez mais um maior número de estudantes.
8 Durante o período que aconteceram os seminários temáticos ainda não havia sido aprovada a cotas para os indígenas.
45
Muitas outras Ações Afirmativas foram e continuam sendo implantadas pela
UNEB, a despeito de não se ter um Programa de Ações Afirmativas aprovado em CONSU.
Pelas experiências da universidade e pela multiplicidade de ações em diferentes frentes e
esferas institucionais, apontamos a importância da imediata institucionalidade das Ações
Afirmativas na UNEB numa determinada instância. É notório que o conjunto das Ações
Afirmativas desenvolvidas pela UNEB não refletem uma cultura universitária sistemática,
mas de ações pontuais em determinados espaços. Não sendo possível mensurar essas
ações; visibilizar dentro e fora da instituição, divulgar como referência teórica e
metodológica, subsidiar políticas governamentais, estaduais e municipais o que fortaleceria
a UNEB junto a sociedade de modo de geral.
Acreditamos que se a universidade implantar um setor que congregue as diversas
dimensões que envolvem as Ações Afirmativas, a comunidade acadêmica oriunda do
sistema de cotas estará respaldada institucionalmente, a universidade terá um canal
importante para as relações de intercâmbios, parcerias e trocas com outras instituições
dentro e fora do Brasil, gerando outras potencialidades interessantes para o ensino,
pesquisa e extensão tematizando as populações negras e indígenas. Como toda política
implementada as Ações Afirmativas desenvolvidas na UNEB, são também ações passíveis
de avaliações periódicas a fim de aprimorar, corrigir e multiplicar suas ações.
Nesse sentido, para um bom monitoramento e avaliação das Ações Afirmativas da
UNEB, se faz necessário, além de se institucionalizar o Programa Permanente de Ações
Afirmativas, definir que lugar dentro da universidade este programa estará locado,
legitimando e referenciando as Ações Afirmativas da UNEB.
47
AÇÕES AFIRMATIVAS E ARTICULAÇÃO INTERINSTITUCIONAL
A aprovação da Resolução que estabelece a cota mínima de 40% das vagas para
candidatos afrodescendentes oriundos da escola pública em janeiro de 2002 foi sem dúvida
um marco histórico para o debate sobre as relações raciais e os desafios enfrentados por
um contingente de maioria negra no campo da educação formal. Considerando que no
Estado da Bahia os negros representam 75% (IBGE) da população, a aprovação da referida
Resolução criou condições e oportunidade para essa parcela da população vislumbrar o
acesso ao ensino superior gratuito.
No mesmo ano em que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ
implantou o sistema de reserva de vagas, a UNEB foi a primeira universidade a implantar o
sistema de cotas para negros no Brasil de forma autônoma. O que se objetivou com essa
ação foi a ampliação da democratização do acesso ao ensino superior. No início,
especificamente voltada à garantia de acesso dos negros aos seus cursos de graduação e, no
caso da UNEB, também aos seus cursos de pós-graduação.
Organizada de forma multicampi, a partir da reunião de algumas experiências
isoladas de educação superior na Bahia, a UNEB, hoje, decorridos mais de 20 anos da sua
criação, é composta por 29 Departamentos distribuídos entre 24 municípios baianos,
atendendo assim, a todas as microrregiões do Estado.
Essa forma de organização está assentada na sua missão inicial de, através da
interiorização, contribuir para a democratização do acesso ao ensino superior,
possibilitando a formação profissional universitária àqueles cidadãos e cidadãs baianos de
outras regiões do estado. Essa missão assumida pela UNEB tem contribuído
significativamente para o desenvolvimento (social, político, econômico e cultural) dessas
outras localidades através da realização de pesquisas e estudos em torno de problemáticas
específicas dessas outras baianidades que constituem nosso estado.
Outro resultado positivo da missão institucional unebiana é a notória diversidade
que singulariza a composição da sua comunidade de estudantes, funcionários e professores.
Diferentes culturas, valores e concepções de mundo, advindos das mais diversas regiões
com seus respectivos modos de vida, de trabalho e de relações sociais, configuram um rico
e, igualmente diverso quadro de possibilidades de crescimento acadêmico e social para a
UNEB, assim como, de oferecimento de alternativas criativas para o enfrentamento dos
48
problemas que a contemporaneidade coloca não só para esta instituição universitária, como
também para todas as universidades brasileiras, de um modo geral.
Essas informações objetivam caracterizar o fato de que a UNEB, pela sua estrutura
organizacional e pela forma como tem desenvolvido a educação superior na Bahia, desde o
início da sua criação, no início da década de 80, fundamenta-se nos princípios políticos e
sociais que recentemente convencionou-se chamar, Ações Afirmativas.
Hoje passados nove anos da aprovação da Resolução que tornou a UNEB uma
referência no sistema de cotas no Brasil, tendo em vista que essa política de Ação
Afirmativa incluiu, em 2003, através do primeiro vestibular com cotas, 1.532 jovens
negros no ensino superior, sentimos a necessidade de refletir sobre seus impactos na vida e
dinâmica dessa universidade e pensar/construir coletivamente ações para que o processo de
superação das desigualdades mediante democratização de oportunidades e direitos tenha
continuidade.
Acreditamos que a presente Conferência poderá contribuir não só para a análise
qualitativa sobre o ingresso, permanência e desempenho dos cotistas, mas também para
oportunizar momentos de reflexão sobre o universo acadêmico pós-implantação do sistema
de cotas, mediante publicização de resultados de estudos e pesquisas em torno de impactos
das Ações Afirmativas na dinâmica e cultura universitária, bem como na vida do sujeito,
visando o aperfeiçoamento dessas ações de modo a garantir que o objetivo de reparação
histórica devida a seguimentos sociais historicamente excluídos e sub-representados no
espaço universitário seja alcançado.
Entretanto, é válido ressaltar que, apesar do pioneirismo da UNEB ter uma
importância significativa, por ter contribuído para ampliar as discussões que desde algum
tempo já se faziam sobre Ações Afirmativas nas universidades e outras instâncias sociais,
em especial, mas não exclusivamente, na modalidade do sistema de cotas, há que se
reconhecer que vivemos um momento de esvaziamento das discussões em torno das Ações
Afirmativas. Uma espécie de solapamento dessa pauta nas lutas protagonizadas pelos
movimentos sociais, bem como nos debates em torno das políticas públicas. É como se a
garantia de acesso resolvesse o problema da sub-representação de segmentos sociais
excluídos, o que não demandaria a manutenção da luta pela garantia de seus direitos.
Na Bahia 06 (seis) universidades (dentre elas, quatro estaduais e duas federais)
adotaram o sistema de reserva de vagas em vestibulares posteriores a resolução aprovada
na UNEB, em 2003. Mas, quantas parcerias foram realizadas entre essas instituições? O
49
que singulariza o sistema de cotas adotado por cada uma delas? Está em curso alguma
avaliação dos impactos das Ações Afirmativas protagonizadas por essas seis universidades
baianas? O que podemos compartilhar? Como compartilhar aspectos positivos e negativos
dessas experiências? Será possível pensar na construção de Ações Afirmativas mediante
articulação interinstitucional? Como podemos estreitar essas experiências e construir ações
articuladas cujo impacto se torne mais visível para a sociedade?
As referidas questões que parecem pulular nossas reflexões em torno das políticas
de Ação Afirmativa adotadas pelas universidades baianas devem ser problematizadas entre
os membros integrantes do Grupo de Trabalho 7 - Ações Afirmativas e Articulação
Interinstitucional com o propósito de fomentar o debate entre os presentes visando a
construção de alternativas coletivas, fruto de propostas mais articuladas entre entidades e
instituições que comungam a defesa das Ações Afirmativas.
50
GRUPO TEMÁTICO 08:
AÇÕES AFIRMATIVAS E O SISTEMA DE COTAS (APERFEIÇOAMENTO, CONTROLE E ACOMPANHAMENTO)
51
AÇÕES AFIRMATIVAS E O SISTEMA DE COTAS (APERFEIÇOAMENTO, CONTROLE E ACOMPANHAMENTO)
As políticas de Ações Afirmativas desenvolvidas pela Universidade do Estado da
Bahia vêm desempenhando importante papel na sociedade baiana, especificamente no que
tange a inclusão das populações afro-brasileiras no sistema educacional de nível superior.
Tendo implantado o sistema de cotas no ano de 20029, para o vestibular de 2003, a
instituição deu um grande salto no sentido da justiça social e igualdade de direitos no
Estado da Bahia, este de forma autônoma.
O sistema de cotas da UNEB é hoje, na Bahia, o maior programa de inclusão sócio-
educacional que existe. Desde a implantação deste sistema, a instituição tem dado
oportunidade de acesso à parcela da população, historicamente excluída pelos poderes
públicos e pela sociedade de um modo geral. Em termos de reparação sócio-racial, esta
política em especial tem alcançado uma dimensão muito importante para o
desenvolvimento político, econômico e social do Estado da Bahia10, entre outras questões,
uma vez que o programa dá condições de igual oportunidade educacional para diferentes
camadas sociais em diversas regiões do Estado.
No ano de 2007, a UNEB teve o privilégio de formar sua primeira turma de
estudantes que ingressaram pelo sistema de cotas, mostrando a toda sociedade baiana o
sucesso de sua experiência com o sistema e o valor deste para a promoção da igualdade
sócio-racial no contexto da globalização. Contexto este que requer das pessoas uma maior
qualificação e formação acadêmica. A UNEB demonstrou, portanto, que suas políticas de
Ações Afirmativas, sobretudo o sistema de cotas para estudantes afro-brasileiros, não é só
possível, mas imprescindível para uma sociedade que visa solidificar-se e construir bases
sólidas para um futuro mais justo e igualitário. Nesse mesmo ano de 200711 foi aprovada
pelo CONSU a inclusão das populações indígenas no sistema de cotas da UNEB, do total
de vagas oferecidas em cada curso de graduação e de pós-graduação, reservar-se-ão vagas
nas seguintes proporções: 40% para candidatos negros e 5% para candidatos indígenas.
9 Resolução N.º 196/2002. Publicada no Diário Oficial de 25-07-2002, p. 21. Que estabelece e aprova o Sistema de Cotas para população afro-descendente, no preenchimento de vagas relativas aos cursos de graduação e pós-graduação. 10 A UNEB possui 29 Departamentos sediados na capital baiana e em 24 centros regionais de médio e grande porte, nos quais tem desenvolvido projetos de pesquisa e extensão, através de convênios e parcerias com órgãos governamentais, iniciativa privada, contando também com a participação das comunidades locais. 11 Resolução n.º 468/2007 Publicada no D.O.E. de 16-08-2007, pág. 14
52
A avaliação do Sistema de Cotas da UNEB, leva em consideração a atual
conjuntura em que se encontram os debates acerca das políticas de Ações Afirmativas
desenvolvidas pela instituição propondo, portanto, avanços não só nas discussões em torno
da temática, como também na busca do aperfeiçoamento do sistema dada a realidade de
ingresso dos novos candidatos optantes pelas cotas. É urgente não somente discutir o
sucesso de um sistema pioneiro implantado por uma universidade pública do estado, e um
dos pioneiros no Brasil, mas também discutir as fragilidades do sistema que tem
viabilizado o ingresso de estudantes não-negros e não-indígenas, aumentando
significativamente a concorrência de cotistas nos cursos de alto prestígio social oferecidos
pela instituição. Essa situação põe em risco a legitimidade enquanto política pública de
inclusão e afirmação de parte significativa dessas populações historicamente excluídas de
participarem da educação de nível superior.
O sistema de cotas é uma das ações propostas no universo das Ações Afirmativas,
fruto de lutas históricas travadas pelo movimento social negro e posteriormente pelas
comunidades indígenas que reivindica e reivindicam frente ao Estado, políticas de inclusão
no combate ao racismo, bem como a promoção da equidade educacional para esses
sujeitos. Desse modo, não podemos permitir que o sistema seja burlado pela elite
dominante que vêm matriculando seus filhos nos Institutos Federais (IFBA), nos Colégios
Militares (CMS) e também nas melhores escolas públicas a fim de garantir o acesso pelo
sistema de cotas nas Universidades Públicas Federais e Estaduais do Estado da Bahia.
Ações Afirmativas visam eliminar as discriminações e injustiças edificadas ao
longo dos séculos. O objetivo primeiro é a promoção da equidade educacional, pois não
podemos falar em democracia se perduram as desigualdades entre a população, sejam elas
de cunho social, econômico, político, cultural ou racial e de oportunismos. O fato é que se
faz necessária a existência de critérios mais rigorosos nos formulários de inscrição do
vestibular, implantação de um sistema de controle no ato da matrícula a título de inibir a
inscrição dos candidatos não-negros e não-indígenas ao sistema de cotas, ainda, punir com
rigor àqueles cujas informações dadas na inscrição não se verificarem como verídicas
posteriormente.
Assim, o sistema de cotas nas universidades poderá promover o acesso das
populações efetivamente desfavorecidas e discriminadas socialmente. À medida que isso
acontece, as representações dessa população poderão ser mais bem evidenciadas. Quanto
ao acompanhamento, cabe aos departamentos implementar projetos extensionistas e de
53
pesquisa que envolva os estudantes nas rotinas acadêmicas através de bolsas de monitoria
promovendo não só a permanência desses estudantes, mas estrategicamente acompanhando
o desenvolvimento formativo com responsabilidade e compromisso étnico-social.
55
AÇÕES AFIRMATIVAS E POVOS INDÍGENAS
Os povos indígenas constituem um expressivo segmento da população brasileira
(734 mil pessoas, 0,4 % da população total Fonte: IBGE, censo de 2000); e ao contrário do
que se costumava pensar - antes da década de 1970 - os índios não estão em vias de
desaparecimento, atualmente, sua demografia é ascendente. Para além do fenômeno da
etnogênese, a taxa de natalidade é maior que a da população brasileira como um todo; e
existe hoje uma miríade de organizações indígenas que cuidam dos seus interesses.
Pelo fato de ser um segmento simbolicamente importante para o nosso país, na
medida em que constitui uma das nossas matrizes (genética e cultural), é necessário,
ampliar os conhecimentos sobre esses povos, sua história, cultura e línguas, de modo a
traçar as características da ocupação do território e da cultura brasileira.
A Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAI, no caso da Bahia, juntamente
com o Programa de Pesquisas sobre os Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro- PINEB/
UFBA, lograram realizar inúmeros estudos sobre os povos indígenas localizados no
Estado.
Um marco nessa nova concepção sobre a questão indígena foi a Constituição de
1988. Índios, indigenistas e acadêmicos foram incansáveis na reabilitação dos índios como
sujeitos de direitos. Esse esforço resultou na introdução de dois artigos (art. 231 e art. 232)
centrados no reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições
e os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. No art. 67 é
dito que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a
partir da promulgação da Constituição”, o que até o momento não ocorreu de forma
satisfatória.
Outro marco foi a adesão do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em 2002 - em vigor desde 2003 e do qual o
Brasil é signatário - que focaliza especialmente a autonomia a autodeterminação desses
povos.
Atualmente os estudos sobre os povos indígenas têm focalizado particularmente o
fenômeno da emergência étnica ou etnogênese, particularmente no nordeste. O fenômeno
está relacionado ao reconhecimento dos direitos indígenas sobre o território e tratamento
diferenciado nos serviços educacionais, de saúde e outros. Ao que tudo indica grupos que
se mantiveram clandestinos durante séculos só agora julgaram oportuno vir à tona, e fazem
56
isto através da reivindicação de direitos garantidos na Constituição. Eles se denominam
“índios resistentes”; outra denominação é a de “índios ressurgidos”. O processo é de
reelaboração cultural. Tradições são reconhecidas, reconfiguradas e incorporadas como
atestadoras de indianidade.
Particularmente interessante neste processo foi o ressurgimento dos Tupinambá de
Olivença nos idos do ano 2000, marcando presença, inclusive, em Porto Seguro, nos
protestos contra as comemorações de 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Aquele foi
um momento especial, pois marcou uma ruptura em relação ao eurocentrismo através de
parceria histórica entre negros e índios. O evento, e toda a articulação em torno do
Movimento Brasil Outros 500: Resistência Indígena, Negra e Popular, seguramente, foi o
saldo político de maior significância desse encontro.
Há, segundo dados da Anaí (Associação Nacional de Ação Indigenista),
atualmente, 15 diferentes povos indígenas habitando comunidades e territórios específicos,
na Bahia, com população próxima aos 40 mil indivíduos, vivendo em pelo menos 33
territórios, em 27 municípios e cerca de cem comunidades locais.
Hoje, ao lado de outras modalidades, a educação escolar indígena, como
modalidade específica nos sistemas educacionais brasileiros, já é uma realidade. Tal
realidade tem demandado, sobretudo, das universidades, um maior compromisso e
responsabilidade com a produção de conhecimentos, formação de pesquisadores e a
formação de professores capazes de darem conta, com satisfatoriedade, da eficácia e
adequação de funcionamento da nomeada educação escolar indígena.
Dada esta conjuntura, a UNEB, em 2007, incluiu no seu sistema de cotas 5% de
vagas para candidatos indígenas do total oferecido nos cursos de graduação e pós-
graduação, através da Resolução 468/2007, publicada no D. O. E. de 16/08/2007.
Além disso, a UNEB é pioneira na oferta do curso de Licenciatura Intercultural em
Educação Escolar Indígena (Liceei). Esta licenciatura oferece 108 vagas semestrais para
índios de comunidades da Bahia, sobretudo para aqueles que atuam como educadores ou
gestores de escolas indígenas.
Ambas as ações reafirmam o compromisso da UNEB com as Ações Afirmativas e
com a importância destas para a reversão do quadro de desigualdades nos quais se
encontram as populações subalternizadas, a exemplo dos povos indígenas.
57
Contudo, dada a multicampia da UNEB, é preciso pensar como distribuir o
percentual de vagas, haja vista a maior ou menor presença de demanda indígena nas
regiões onde estão localizados os Campi da UNEB.
Para tanto, é preciso elaborar estratégias de acompanhamento e avaliação das ações
do sistema de reserva de vagas no tocante aos povos indígenas e propor alterações no
currículo dos cursos de graduação da UNEB a fim de que a Lei 11.645/2008 seja
implantada satisfatoriamente.
Para tanto é necessário que os docentes da UNEB com experiência em programas
de educação indígena sejam convidados a partilhar as suas experiências e a propor
alternativas viáveis para que as ações direcionadas aos indígenas sejam efetivadas, seja no
âmbito do ensino, da pesquisa, como da extensão. Além disso, há de se pensar na
permanência do estudante indígena na universidade, através de programas de bolsas
específicos para tal, bem como na criação e consolidação de grupos e núcleos de pesquisa e
extensão voltados para a temática indígena, através dos programas de pós-graduação e do
Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos (CEPAIA).
58
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