conf terra 2010 vol 3

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Giovanni Seabra Jos Antonio Novaes da Silva Ivo Thadeu Lira Mendona(organizadores)

A Conferncia da TerraAquecimento global, sociedade e biodiversidade

Volume III

Editora Universitria da UFPB Joo Pessoa - PB 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABAreitor

RMULO SOARES POLARIvice-reitora

MARIA YARA CAMPOS MATOS

EDITORA UNIVERSITRIAdiretor

JOS LUIZ DA SILVAvice-diretor

JOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHOsupervisor de editorao

ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

Capa: ric Seabra Editorao: Ivo Thadeu Lira Mendona E-mail: [email protected]

A Conferncia da Terra: Aquecimento global, sociedade e biodiversidade. Volume III / Giovanni de Farias Seabra, Jos Antonio Novaes da Silva, Ivo Thadeu Lira Mendona (organizadores). Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2010. 701 p.: il. ISBN: 978-85-7745-532-4 1. Meio Ambiente. 2. Mudanas climticas. 3. Educao ambiental. 4. Ecossistemas terrestres e aquticos. 5. Sade global. I. Seabra, Giovanni de Farias. II. Silva, Jos Antonio Novaes da. III. Mendona, Ivo Thadeu Lira. UFPB/BC

As opinies externadas nesta obra so de responsabilidade exclusiva dos seus autores. Todos os direitos desta edio reservados GS Consultoria Ambiental e Planejamento do Turismo Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito depsito legal

Sumrio

SUMRIO ..................................................................................................................................... 5 PREFCIO ................................................................................................................................... 9UM NOVO PASSO... .................................................................................... ERRO! INDICADOR NO DEFINIDO.

6. SOCIODIVERSIDADE: CONFLITOS E MOBILIZAO .............................................. 10A RELAO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NA TRADICAO AFRICANA BANTO............................11 SOCIA(BI)LIDADE E SOLIDARIEDADE EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA: PRTICAS PARA VIVER EM AMBIENTES HOSTIS ..................................................................................................................................17 CARACTERIZAO DOS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS DO MUNICPIO DE MOSSOR-RN .................25 OS DESAFIOS DA SADE AMBIENTAL DA ILHA DE DEUS, RECIFE-PE ........................................................31 REBATIMENTOS DO TURISMO NA POPULAO E MEIO AMBIENTE DO CABO DE SANTO AGOSTINHOPE ........................................................................................................................................................................36 VULNERABILIDADES E RESISTNCIAS EM CONTEXTOS DE TRANSFORMAES SOCIOAMBIENTAIS: A IMPLANTAO DE EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA DE ACELERAO DO CRESCIMENTO PAC NO CEAR .................................................................................................................................................42

7. PAISAGEM, TURISMO E BEM ESTAR ........................................................................... 48O ESPAO TURSTICO E A ESPECULAO IMOBILIARIA: O CASO DA ESPANHA E COMO APRENDER COM ESSA EXPERINCIA ................................................................................................................................49 TURISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL DE BASE LOCAL..............................................................54 A OFERTA DE ATRACES TURSTICAS NA EUROPA .....................................................................................60 CARACTERIZAO GEOGRFICA DO LITORAL SUL E SUDOESTE LUDOVICENSE....................................67 ECOTURISMO: ESTRATGIA DE CONSERVAO SOCIOAMBIENTAL? ........................................................73 ECOTURISMO EDUCATIVO DE BASE COMUNITRIA ......................................................................................81 GEOCONSERVAO E GEOTURISMO NO PARQUE NACIONAL DE SETE CIDADES (PI) .............................88 JARDIM BOTNICO DO RECIFE: DIVULGAO DO PATRIMNIO NATURAL, LAZER, EDUCAO AMBIENTAL E TURISMO .................................................................................................................................95 O GEOTURISMO NO CARIRI CEARENSE E O GEOPARK ARARIPE ................................................................ 103 PAISAGEM, TURISMO E BEM ESTAR ................................................................................................................ 110 PLANEJAMENTO E GESTO DE ROTEIROS TURSTICOS ALTERNATIVOS: O CASO DO CAMINHO LAGUNAR AL ............................................................................................................................................... 116 POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO ECOTURISMO NO PARQUE DOS MANGUEZAIS .................................................................................................................................................. 123 PSICOLOGIA AMBIENTAL, TURISMO E ECOTURISMO.................................................................................. 131 O TURISMO CULTURAL: UMA PROPOSTA DE GESTO DO APL DE SO CRISTVO E LARANJEIRAS SE ...................................................................................................................................................................... 142 ALTERAES DAS DINMICAS ECOLGICAS E SOCIAIS DERIVADAS DO TURISMO E DO LAZER NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE PERNAMBUCO, REGIO NORDESTE DO BRASIL ............................ 149 CARACTERIZAO E PROPOSTAS DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DO TURISMO RURAL .......... 155 DOS CONSERVADORES RURAIS AO TURISMO DE ELITE .............................................................................. 161

GESTO SUSTENTVEL NA HOTELARIA: AES E PRTICAS EM DOIS HOTIS DE JOO PESSOA- PB ........................................................................................................................................................................... 166 O TURISMO RURAL COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO PARA O PIAU ......... 173 O USO DA VEGETAO LOCAL EM PROJETOS DA PAISAGEM: OS JARDINS DE ROBERTO BURLE MARX NA CIDADE DE TERESINA, PIAU ................................................................................................................. 180 OS IMPACTOS SOCIOESPACIAIS OCASIONADO PELO TURSMO AOS AUTCTONES DA VILA DE PONTA NEGRA/RN ENTRE 1980 A 2009 ..................................................................................................................... 188 PAISAGEM DO TERRITORIO PIAUIENSE COMO ATRATIVO TURSTICO ..................................................... 194 PARTICIPAO E INTERAO DOS STAKEHOLDERS NA ATIVIDADE TURSTICA NO MUNICPIO DE MARECHAL DEODORO AL ......................................................................................................................... 199 POLTICAS PBLICAS VOLTADAS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS POUSADAS DE CHARME NO ESTADO DO CEAR........................................................................................................................................ 206 PRTICA DO ECOTURISMO E PROTEO AMBIENTAL: PARQUE ECOLGICO CACHOEIRA DO URUBU/ESPERANTINA/PIAU - BRASIL ....................................................................................................... 211 PRODUO ESPACIAL E O TURISMO: LITORAL LESTE DO CEAR (ESTUDO DE CASO) ......................... 216 SINALIZAO EM UNIDADE DE CONSERVAO: PARQUE ESTADUAL DA FONTE GRANDE, VITRIAES ...................................................................................................................................................................... 224 TURISMO, MEIO AMBIENTE E GESTO AMBIENTAL: O CASO DO PARQUE NACIONAL DO CATIMBAU ........................................................................................................................................................................... 231

8. AGROECOLOGIA, AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGCIOS .................... 238CUSTOS DA GERAO ELTRICA A PARTIR DE FONTES ALTERNATIVAS NA PEQUENA PRODUO RURAL NO NORDESTE DO BRASIL .............................................................................................................. 239 AGRICULTURA FAMILIAR, POLTICA PBLICA E TURISMO ........................................................................ 247 A IMPORTNCIA DA AGROINDSTRIA CANAVIEIRA FRENTE AOS DESAFIOS AMBIENTAIS: O CONTEXTO AGROAUCAREIRO SERGIPANO ............................................................................................ 251 A PECURIA E A QUESTO AMBIENTAL NO MUNICPIO DE ITAPETINGA, BAHIA BRASIL ................. 256 ADMINISTRAO RURAL: O AGRONEGCIO E A AGRICULTURA FAMILIAR COMO ESTRATGIA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL ........................................................................................................................ 264 AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL: TEORIA E CONCEITO ................................... 272 ALTERAES FUNDIRIAS NO SUDESTE DA BAHIA: O CASO DO PLANALTO DA CONQUISTA ............ 279 AVALIAO PARASITOLGICA EM ALFACES (Lactuca sativa L) COMERCIALIZADAS EM CAMPINA GRANDE, PB .................................................................................................................................................... 287 MONOCULTURA CANAVIEIRA: IMPACTOS AMBIENTAIS REFERENTES A ESSE PROCESSO PRODUTIVO NO MUNICPIO DE PEDRAS DE FOGO/PB .................................................................................................... 293 O COMPLEXO SOJA, SUAS FORMAS DE PRODUO: CONVENCIONAL, ORGNICO E TRANSGNICO . 300 DISCUSSO SOBRE A INTRODUO DO PROGRAMA DE BOAS PRTICAS AGRCOLAS EM PETROLINA (PE) E SUAS IMPLICAES AMBIENTAIS ................................................................................................... 308 IMPACTO DE UM BIODIGESTOR DOMICILIAR NA ECONOMIA DE EMISSES DE GASES DE EFEITO ESTUFA EM UMA PROPRIEDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR DO CARIRI PARAIBANO ................ 315 INDICADORES EMERGTICOS DE UM SISTEMA EXPERIMENTAL DE PRODUO DE GERGELIM ........ 322 O PROCESSO DE INTEGRAO DA REGIO DA GRANDE DOURADOS AO TERRITRIO NACIONAL . 327 PERFIL SCIO-AMBIENTAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES EM REAS DE CAATINGA NO SEMIRIDO PARAIBANO ............................................................................................................................... 334 PESCADORES ARTESANAIS DA PRAIA DA PENHA PB: UMA REALIDADE AMBIENTAL........................ 340 SOLUES AGROECOLGICAS PARA O MANEJO DE PRAGAS NAS LAVOURAS NA PERIFERIA DE JOO PESSOA PB .................................................................................................................................................... 347 A IMPORTNCIA DA AGROINDSTRIA CANAVIEIRA FRENTE AOS DESAFIOS AMBIENTAIS: O CONTEXTO AGROAUCAREIRO SERGIPANO ............................................................................................ 355 ADOO DE TCNICAS PARA CONVVIO NO SEMI-RIDO EM PROPRIEDADES RURAIS DO CURIMATA OCIDENTAL E SERID ORIENTAL DA PARABA ............................................................... 361 AGRICULTURA FAMILIAR EM REAS URBANAS: O CASO DAS HORTAS COMUNITRIAS DO BAIRRO ITARAR, TERESINA-PI ................................................................................................................................. 367

AGRICULTURA ORGNICA FAMILIAR: UMA ALTERNATIVA SUSTENTVEL NA CHCARA SANTA LUZIA EM ARAPIRACA, AL, BRASIL ............................................................................................................ 375 PERFIL SOCIOECONMICO E AMBIENTAL DE AGRICULTORES FAMILIARES DA COMUNIDADE STIO MACACOS, AREIA - PB................................................................................................................................... 382 PROPRIEDADE RURAL, CONSERVAO E POLTICAS AMBIENTAIS: O CASO NAS MESORREGIES CAMPO DAS VERTENTES E SUL/SUDOESTE DE MINAS GERAIS............................................................. 387 STIO GERANIUM: UMA FERRAMENTA PARA EDUCAO AMBIENTAL RURAL...................................... 394 SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NAS COMUNIDADES RURAIS: FATORES DE SUCESSO E INSUCESSO DA AGRICULTURA CIRCULAR FAMILIAR ............................................................................. 399

9. TECNOLOGIAS NO CONVENCIONAIS NA CONSTRUO .................................. 406A VIABILIDADE ECONMICA DO USO DO BAMBU E DA TERRA COMO SOLUO DE MORADIA PARA A POPULAO CARENTE DO CAMPO ............................................................................................................. 407 A CASA DE APOIO DO PROJETO CRESCER: FINALIZAO E PERSPECTIVAS............................................ 416

10. INFORMAO, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE AMBIENTAL ................ 424O PAPEL DA INFORMAO ARQUEOLGICA JUNTO AS AES DE DESENVOLVIMENTO: OS PROCESSOS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL ........................................................................................ 425

11. DIREITO AMBIENTAL: CENRIOS E PERSPECTIVAS ........................................... 441POLTICA ECONMICA E MATRIZ ENERGTICA SUSTENTVEL ................................................................ 442 A CRISE DO MEIO AMBIENTE ENTRE AS VRIAS AGENDAS CONTEMPORNEAS .................................. 451 A TICA UTILITARISTA DO SCIENTIFIC INDUSTRIALISM NA COMPENSAO DE DANOS AMBIENTAIS DECORRENTES DE DERRAMAMENTO DE PETRLEO .............................................................................. 458 AGENDA AMBIENTAL DA FCAP/UPE: EXEMPLO DE GESTO PARTICIPATIVA NUMA INSTITUIO DE ENSINO SUPERIOR.......................................................................................................................................... 463 ADIES PERCENTUAIS DO REJEITO FINO DA INDTRIA DE ROCHAS ORNAMENTAIS NA INDSTRIA CERMICA ....................................................................................................................................................... 472 ALGUNS ASPECTOS DAS QUESTES AMBIENTAIS: O DESAFIO DA SOCIEDADE CAPITALISTA PARA A SUSTENTABILIDADE ..................................................................................................................................... 480 ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS: UMA ABORDAGEM PS-MODERNA S TEORIAS DOS DIREITOS SUBJETIVOS .................................................................................................................................. 486 AUDITORIA AMBIENTAL: UM ESTUDO DE CASO EM JABOATO DOS GUARARAPES, PERNAMBUCOBRASIL ............................................................................................................................................................. 493 AVALIAO DA GUA RESIDURIA DO BAIRRO SEMINRIO NO MUNICPIO DO CRATO-CE POR MEIO DE UM REATOR (UASB) ................................................................................................................................. 498 CONDIES HIGINICO-SANITRIAS DE UMA COMUNIDADE LOCALIZADA NO MUNICPIO DE POCINHOS PB ............................................................................................................................................... 506 DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTVEL: O CASO DE EMPRESA QUE SE DESTACA NO SETOR DE BEBIDAS NO MDIO PARNABA PIAUIENSE .............................................................................................. 513 DESMISTIFICANDO O DISCURSO SUSTENTVEL NA EDUCAO .............................................................. 521 EDIFICAO SUSTENTVEL: SISTEMA DE CAPTAO DE GUAS PLUVIAIS, USO E REUSO DA GUA ........................................................................................................................................................................... 528 FOTOCATLISE: UMA FORMA ALTERNATIVA DE UTILIZAR A ENERGIA SOLAR PARA DESINFECO DE EFLUENTES SANITRIOS ........................................................................................................................ 534 IMPACTOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA MINERAO DE BRITA NO ESTADO DE PERNAMBUCO ... 542 IMPLEMENTAO DO ICMS SOCIOAMBIENTAL NO ESTADO DO CEAR: INSTRUMENTO NECESSRIO SUSTENTABILIDADE NOS MUNICPIOS .................................................................................................. 548 MEIO AMBIENTE E COOPERAO INTERNACIONAL: RESPONSABILIDADE E INDENIZAO NOS CASOS DE DERRAMAMENTO DE PETRLEO A NVEL INTERNACIONAL ............................................. 556

O BALANCED SCORECARD E A RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA: UMA NFASE NA VARIVEL MEIO AMBIENTAL...................................................................................................................... 563 O CONSUMO DO PETRLEO NO CENRIO DA ECONOMIA VERDE ............................................................. 572 O MITO DO DESENVOLVIMENTO E A POLTICA AMBIENTAL DO GRUPO DASS EM VITRIA DA CONQUISTA. .................................................................................................................................................... 580 INDSTRIA DO PETRLEO, GLOBALIZAO DOS MERCADOS E SOCIEDADE DE RISCO: ANSEIOS DE UM TURNING POINT NAS RELAES DE CONSUMO ................................................................................. 587 POLUENTES ATMOSFRICOS E OS MATERIAIS PTREOS............................................................................. 593 SOCIEDADE, CONSUMO E MEIO AMBIENTE: ALGUNS IMPASSES NO CAMINHO DA SUSTENTABILIDADE ..................................................................................................................................... 600 VERIFICAO DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANA (EIV) DE UM POSTO DE COMBUSTVEL NA CIDADE DO RECIFE - PE. ............................................................................................................................... 607 A INDSTRIA DO PETRLEO NAS INTERFACES COM OS TEMAS DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO. A CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA IBSEN... 613 BIODIESEL COMO FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA NA MATRIZ ENERGTICA BRASILEIRA .......... 621 CARACTERSTICAS GERAIS DO ATERRO SANITRIO DE GURUPITO: RECUPERAO DA REA........ 627 GERENCIAMENTO DE RESDUOS SLIDOS URBANOS: O CASO DO MUNICPIO DE ASS-RN ................ 633 GESTO AMBIENTAL, TICA E EDUCAO AMBIENTAL NAS ORGANIZAES ..................................... 641 GESTO E PLANEJAMENTO AMBIENTAL EM TERRENOS DE MARINHA .................................................... 647 JUSTIA AMBIENTAL: CRISE AMBIENTAL E LEGISLAO CORRELATA .................................................. 653 A NOVA FASE DO CAPITALISMO OU REMODELAMENTO DA EXPLORAO AO MEIO AMBIENTE?..... 657 LICENCIAMENTO AMBIENTAL COMO ESTRATGIA PARA CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE: AVALIAO COMPARATIVA DAS METODOLOGIAS PARA CLCULO DA COMPENSAO AMBIENTAL EMPREGADAS NO BRASIL ..................................................................................................... 663 O PLANETA AZUL DE AVATAR: CINEMA, REFLEXES E REALIDADES ..................................................... 670 PARQUE ELICO NA PRAIA DE CANOA QUEBRADA (CE): IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DA IMPLATAO .................................................................................................................................................. 677 PRINCPIO DA PRECAUO, MEIO AMBIENTE E TECNOLOGIA: ESTUDO COMPARADO BRASIL ALEMANHA ..................................................................................................................................................... 684 RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DA CERMICA VITRIA EM TANGAR-RN: UM ESTUDO DE CASO................................................................................................................................................................. 690 UTILIZAO DOS RESDUOS DA INDSTRIA MADEIREIRA NA FABRICAO DE CARVO VEGETAL NO MUNCIPIO DE SINOP-MT ....................................................................................................................... 698

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PrefcioUm novo passo...

A

quecimento global ou resfriamento do Planeta Terra? Estas indagaes fazem parte de um elenco de incertezas com que a humanidade se defronta diante da realidade ambiental do mundo atual, mais antropocntrico e menos holstico. As questes ambientais esto incorporadas no dia-a-dia das pessoas, invadindo as residncias, as escolas e os ambientes de trabalho, incidindo na estrutura e hbitos da sociedade humana, tornando-se tema de destaque em reunies de associaes intelectuais e cientficas. Os programas e aes ambientais so quase sempre sustentados pelas grandes corporaes empresariais e polticas, cuja sustentao reside no capital multinacional e nacional e estes, paradoxalmente, constituem os maiores poluidores. Esta situao cria incertezas no pensamento individual e coletivo, exigindo aes de conscientizao e mobilizao efetivas e livres da presso do capital. Somente assim teremos uma sociedade mais justa no Mundo ecologicamente correto. A Conferncia da Terra surge como um importante instrumento de conscientizao e mobilizao da populao, um movimento contnuo em prol da sade planetria. A Conferncia da Terra propicia a unio de todos convergindo na perspectiva, do bem estar dos outros seres, e no somente dos homens. De nada adianta estarmos ss no Planeta, sem a atmosfera e a biodiversidade que nos permitem viver. Na segunda edio, a Conferncia da Terra 2010 apresenta-se como mais uma oportunidade para representantes de instituies acadmicas, sociedade civil e organizada, bem como entidades governamentais e privadas reunirem-se com o objetivo de trazerem solues para a preservao do meio ambiente. Sob o tema Aquecimento global, sociedade e biodiversidade, damos um novo passo no intuito de despertar o censo crtico e instigar aes conservacionistas eficazes e livres das interferncias polticas e institucionais. A Conferncia da Terra, uma realizao da Universidade Federal da Paraba, com apoio de outras instituies, propiciou o acesso de todos os participantes ao que existe de mais novo, no tocante s experincias profissionais e acadmicas de centenas de pesquisadores e cidados evolvendo meio ambiente, mudanas climticas, educao ambiental, ecossistemas terrestres e aquticos e sade global.

Giovanni Seabra Ivo Thadeu Lira Mendona

6. Sociodiversidade: conflitos e mobilizao

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A RELAO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NA TRADICAO AFRICANA BANTOLuis Tomas DOMINGOS Prof. Dr. UEPB [email protected]

RESUMO Neste trabalho procuramos desenvolver a relao entre o homem e a natureza, a terra na tradio Africana-Banto. O Homna fricano, de uma meneira geral, estabelece relaes profundas com o Universo. E a ordem est na natureza, o homem se reconhece como parte da Natureza e, com todos os seres, forma uma totalidade. Tudo passa na ordem porque a natureza uma e nica. A estrutura de cada ser, sua organizao constituem uma unidade que parte total da unidade da natureza. Neste contexto subsiste o sistema da natureza e a ordem dos seres no Cosmos. A dimenso religiosa est sempre presente. E nesta dinmica de relaes que o Africano-Banto preserva: com o ser Supremo, Nzambi, (Deus), os espritos, os homens, os animais, os vegetais, os minerais, etc., para o seu equilibrio na Natureza. PALAVRAS-CHAVE:Homna fricano, Banto, Natureza, Universo, Relaes. INTRODUO O homem se liberta pela sua inteligencia e suas invenes diante das necessidades da vida. Ele sonha substituir por outras normas aquelas que foram impostas pela natureza. Na Grcia antiga, e em Roma por exemplo, a ascese estoiciana, foi praticada apenas por pequena minoria da populao. Os discpulos de Zeno, de Epicteto, de Marco Aurlio, foram sempre pouco numerosos. As revoltas sempre existiram, em vrias sociedades, contra os no-conformistas. Em todas as pocas, os hreticos foram queimados, assassinados, perseguidos, mortos e exilados, etc. At aos nossos dias de hoje, os inventores muitas vezes morrem na misria, os profetas so lapidados e alguns homens sbios tradicionais continuam no descrdito, em nome da dita cincia ocidentalizada. Na verdade, aqueles que obedecem s leis da vida, da natureza que implicam a queda da ordem existente no presente so, inevitavelmente, considerados pela sociedade moderna como tradicionalistas, supersticiosos. Eles so considerados como impostores como inimigos pela multido incitada por um punhado de medocres que vivem na iluso, em uma sabedoria corrupta e desenvolvem, em nome da cincia, as habilidades que servem os seus interesses particulares. Na realidade o fim real da existncia do homem na Cosmoviso africana est estabelecido no Universo e influenciado pela ordem dos seres na natureza. Esta finalidade independente dos desejos do homem, mesmo das suas aspiraes mais sublimes. Alguns homems do sentido sua existncia orientados pela condio da sua riqueza simblica, de sua famlia e pelas suas qualidades hereditrias, pelo poder religioso, acompanhados pelas doutrinas mitolgicas e filosficas, etc. Mas existe o parentesco original entre o homem e a natureza na frica. Um dos fundamentos da arte de viver do Africano a participao ou a comunho profunda com a Natureza. Podemos situar as diferenas entre a arte de viver dos Ocidentais, europeus e a arte de viver dos Africanos. Para o ocidental, de uma maneira geral, o projeto maior da vida dominar e transformar a natureza e obter o capital, o poder econmico todo custo, para ostentar e impor o seu status social na sociedade, mesmo sem os meios tcnicos necessrios. Todas as tentaivas especulativas da cincia europia atravs das tecnicas so produtos para ultrapassar a experincia da separao, para curar o homem do deslocamento, para abri-lo a um cu novo e uma terra nova, ao longo da sua trajetria na natureza. (Cf. BRUN, 1961, p. 298) Enquanto na concepo tradicional africana, o projeto maior da vida do homem encontrar o equilbrio, a harmonia entre o homem e a natureza. Mesmo engajado na obra moderna de transformao, sempre guarda certa dimenso da sua individualidade. E o obstculo ao desenvolvimento do homen africano tradicional sua desintegrao, a separao com a Natureza.

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a participao total da vida humana no tempo e espao: o munthu, ser humano participa da grande famlia que compreende os ancestrais, vivos e os que ho de vir no futuro. Qualquer que seja a estrutura da familia africana, muitas vezes complexa, e qualquer que seja a sua condio social, mesmo em profunda transformao, na frica, ela [a famlia] continua a ser o enraizamento e o refgio da pessoa face s adversidades da vida humana. O valor pode ser o mais original, no sentido da comunidade, solidariedade e comunho. Ser isolado, estar morto. Assim o Africano se v em harmonia com o prprio homem, com aqueles que esto vivos, com os que j partiram, os mortos. Neste contexto a religio tradicional africana destinada a manter as relaes com os ancestrais, as entidades que existem na natureza, os Orixs. A noo do espao e tempo importante para os Africanos. Trata-se do tempo oscilante (MAURIER, 1975, p.129). que junta sempre um pouco mais: um tempo relacional, participativo, em espiral que avana atravs de ciclos e ritos sem constituirem um ciclo. Um tempo ativo dinmico, integrando nos gestos novos, nas relaes novas; um tempo diversificado, complementar e cumulativo nas atividades dramticas da vida do homem e sua comunidade. Para os Africanos, os Bantos em particular, a vida no est para ser transformada em soluo, mas para ser vivida, intensamente, fora de todo o contexto do pecado original. O trabalho, o amor, a dana, os mortos-vivos, a palavra (o sopro dos ancestrais) so mensagens que o munthu, o homem africano banto confia a ele mesmo, no tempo e espao, para ser, estar e viver, apreciando, usufruindo subjetivamente e objetivamente a totalidade do Universo. A experincia do homem africano se apresenta como uma colaborao do homem com a natureza atravsz das snteses de todas as foras existentes no Cosmos. Desta forma o homem est reconciliado consigo mesmo, com sua histria, seus antepassados, sua linhagem, seus contemporneos tnicos e sua comunidade da aldeia. A experincia de separao, desintegrao, isolamento, rejeitada categoricamente na sua concepo. O homem fundamento de tudo e se localiza no centro da natureza e do Cosmos. Ele se torna Nzambi, deus. Ele no pode se separar dele mesmo nem dos outros elementos da natureza. O tempo do homem e a atividade humana se confundem, e so intimamente unidos. No h escatalogia para concluir o fim dos tempos na frica Negra tradicional. O tempo cclico. O tempo na frica tradicional carregado, pesado e cheio. Todo este tempo (tempo de circunciso, tempo de exciso, tempo de organizao de classe de idade, tempo de iniciao, etc. H uma relao estreita com as divindades dos pais. As datas do culto dos deuses se inscrevem tambm nos perodos das cerimnias religiosas de interesse geral. (BOUAH, 1964, p. 153.) Assim se encontra o tempo de homem, aquele da conquista de si mesmo, do seu direito existncia. Este tempo importante. Ele continua o referencial privilegiado da inteligncia, da doutrina dos Africanos Bantos sobre Deus, homem, e a natureza. Humanizar a dialtica de vida e retirar a sua perenidade constitui o fundamento da vocao do ser humano e constitui a aventura humana. Aqui, o mundo um deslocamento, e a vida o teatro deste deslocamento. O homem tem tendncia de caminhar, quase sempre, fora da sua prpria direo, ele se nega e foge de si mesmo. Esta caminhada acompanhada de um desejo, um esforo para sair da separao, do seu deslocamento, do seu desvio da rota do ciclo de vida humana. Enfim a vida humana constituda de rupturas permanentes, de um equilbrio instvel. E o homem age praticamente e constantemente no meio da natureza para conquistar a sua fora vital no espao-tempo da sua propria existncia. O pensamento negro-africano banto, continua a ser sensvel; cada vez os dados lexicais se encarregam dos fatos precisos. Pode se considerar o tempo quanto introduo da ordem nas sensaes , nas coisas e nos pensamentos. Na concepo global do mundo dos africanos, o tempo o lugar onde o homem age sem parar na sua luta contra o seu enfraquecimento e para o desenvolvimento e fortalecimento da sua energia vital. Tal a dimenso principal da religiosidade tradicional africana onde tempo o campo fechado e a trajetria na qual as foras negociam e se complementam na natureza, no Cosmos e para defender-se contra toda forma de reduo do seu ser; para reforar sua sade, sua

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forma fsica, etc. E este constitui o ideal dos individuos como a coletividade na frica. E esta concepo do munthu, (homem) incontestavelmente dinmica e ligada Natureza. Cada coisa tem o seu espao e seu tempo. Quando se respeita este principio, se refora seu ser; ele pode enfrentar o tempo descontnuo e viver plenamente dentro de toda diversidade na natureza. Enquanto ordem, o tempo a frmula abstrata de mudanas do Universo. Como tal, o progresso, evoluo, ainda o tempo: Tempo do futuro, tempo que est frente, marcado pelas intenes do presente. Sem o futuro no existiria, para o homem, o presente ativo. O tempo humano se apresenta sob forma de esforo, de inteno. O homem vive no tempo, em outras palavras, na relao de antecedente a consequente. O que o passado, faz parte ainda da ordem do tempo, da evoluo, da mudana. Na frica tradicional, o tempo compreendido como longnguo presente; o passado uma vez presente, longnguo, mtico, ancestral, histrico. Ele multiforme, pluridimensional. O estatuto de idoso, o mais velho, o chefe, atribudo queles que fizeram provas da experincia e da sabedoria. O sbio, maduro pelo tempo, transforma o mais velho da linhagem, dos cls, em chefe de etnia. Este homem do passado, quer dizer, o velho que conhece a vida e os homens de outros tempos. O passado confere autoridade quele que traz o pesoaa; o peso do tempo, da sabedoria e da gerao. Mesmo se os antepassados longnguos esto presentes no mundo dos vivos, o tempo deles pertencem uma estrutura, um outro nvel de temporalidade. O seu tempo Csmico, e dele dependem os bens aos quais pertencem periodicamente os anos, as estaes, os dias e as noites no percurso cclico. As principais etapas da vida (nascimento, iniciao, casamento, e morte) so separadas umas das outras pelos ritos de passagem e tem tempos distintos, como so tambm os tempos sociais ligados (plantio, caa, colheitas, etc.). O tempo cclico e o tempo mtico, o tempo ritual, o tempo ritmado pelas festas que renovam a vida da comunidade, da terra do grupo, o tempo de divinizao dos chefes e dos reis, o tempo de circunciso, de exorcismo, so apreendidos pelos smbolos e concretizados pelos atos, gestos e obras. Assim cada coisa tem o seu lugar e seu tempo. Quando se respeita este princpio, se refora a fora vital, do seu ser. Nesta lgica natural, pode se afrontar o tempo descontnuo e o viver plenamente em todas diversidades existentes na natureza. (MBITI, 1972, p.25) O universo no qual vive e morre o Africano Banto se compe de dois espaos ou modos distintos. Um escondido e invisvel: o mundo de todos os seres invisveis, espirituais; outro visvel e observvel: o mundo dos homens, dos animais, dos vegetais e de todo reino mineral. O homem se v em harmonia com aqueles que so vivos e com aqueles que partiram. E a religio tradicional africana constitui o fundamento desta relao entre os dois mundos: visvel e invisvel. Certos animais so totem, muitas vezes, em relao para uma determinada familia. Uma relao que se explica pela fraternidade e primogenitura do animal, ou pela associao dos animais mticos com os primeiros homens aos quais teriam transmitido a sabedoria. Na cosmogonia Africana, na vegetao se encontra o principio das rvores da vida, da fecundidade e da proteo. E nas grandes horas de existncia, os homens da religio tradicional africana respeitam profundamente a natureza. Eles se dirigem s florestas sagradas para realizar os ritos de passagem, de iniciao, etc. E as mulheres se aproximam destas florestas, das ervas, das plantas para efetivar a sua maternidade. E h uma relao particular dos homens com os minerais; pedras que possuem potenciais especiais. No desenvolvimento da vida concreta e normal, o conhecimento mtico do visvel engloba o conhecimento positivo, alis, o conhecimento mtico engloba o invisvel; os espritos e Deus. E por isso que se diz: as coisas e os seres no so obstaculos ao conhecimento de Deus; eles constituem, ao contrrio, os significantes, os indicios reveladores do divino. (ZAHAN, 1970, p. 30). Este conhecimento mtico do invisvel no puramente contemplativo: ativo, atuante e concreto. E elevado para a realizao integral do homem, para reforar o seu princpio vital. Como afirma Evans Pritchard: nenhum tema da antroplogia social to contestado quanto a telogia dos primitivos (EVANS- PRITCHARD, 1962, p. 162). Esta realidade advm do fato de

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que, aos olhos dos povos dessas religies tradicionais, o deus no realmente separado do homem, da sociedade (vivos e mortos), nem de natureza; mas no faz com que os homens se confundam com Deus, sobre o plano da experincia, com a entidade humana, com a sociedade ou com a natureza. Para compreender esta questo, preciso compreender o ponto de vista do homem africano banto. Para ele, no existe a revelao. Esta realidade no constitui nenhum problema. Se, com efeito, a unidade do mundo vivido como uma experincia primeira e evidente, a noo de um Deus fora ou abaixo do mundo, inconcebvel. Pois Deus est no mundo: Homem, Deus e Natureza se integram. Se o prprio homem unidade pela sua vida, se a vida ao mesmo tempo o unifica ao resto do Universo, natureza, ao mundo dos antepassados e a Deus, o homem se sente confrontado nas diversas experincias de sensao, de emoo, de criao, de sonho como sendo uma diversidade. (ELUNGU, p. 1987, p. 36.) Numa apreenso cosmolgica da viso tradicional Africana, na relao entre o homem e a natureza, o individuo no um sujeito abstrato, separado, independente das condies ecolgicas da sua existncia . O individuo no est separado das condies genealgicas e de seus pressupostos mticos, msticos, mgicos ou religiosos da terra. O ponto de partida desta apreenso a integrao do homem na natureza. A sua relao, ligao significa, simultaneamente, o apego, a interdependncia. A LIGAO ENTRE O HOMEM E A TERRA. O que carateriza especialmente essas relaes entre o homem e a terra, so traos vivos da existncia da ligao concreta e no utilitria da poro da terra dada. Esta ligao caracterizada pela indissociabilidade da interdependncia entre um e outro, a interdependncia reconhecida que se traduz pelas obrigaes recprocas. Uma relao vital apega o homem ao espao natural como a fonte de valores de subsistncia, transfigurada na Me Nutriz. volta da terra se organizam as hierarquias sociais. O mestre da terra encarna a relao entre os ancestrais e os vivos; ele assegura a reproduo da inscrio sobre o solo. O homem manifesta assim a preocupao permanente de conservar e de reforar seu pertencimento a um grupo transformando a herana material e espiritual que ele recebeu (BONTE, et IZARD, 1991, p. 705).. O estatudo da terra na viso da sociedade tradicional africana banto, obedece outras concepes diferentes da ocidental. A terra , portanto, a fonte da vida. E est diretamente ligada Criao, mesmo com a sua eventual imperfeio. Esta sacralizao da Terra implica a sua no apropriao como simples bem imobilirio. Para us-la e usufruie dela preciso, antes de tudo, fazer um rital de aliana com os guardies invisveis (os antepassados, gnios, orixs, inquices, etc.), pois, eles se encontram ligados natureza. O Ancestral fundador de uma comunidade, da aldeia considerado como aquele que estabeleceu a primeira aliana com as entidades divinas e tutelares da Terra. Esse Antepassado nascido da Terra pela mitologia considerado como fundador. Ele transmite sua funo de uma maneira hereditria aos possiveis chefes da terra que usufruem de certos poderes sobre os outros homens em funo da autoridade que detm sobre o solo. A relao entre a terra, a ordem e a fecundidade , muitas vezes atestada pela crena que a morte do chefe se acompanha de seca de Terra e esterilidade das mulheres. Podemos dizer que toda apreensso cosmolgica, sacralizante ou vitalista da terra nos Africanos induz uma relao de pertencimento do homem a seu meio ambiente natural, uma relao onde o meio nos aparece como sujeito e homem o atributo. A representao da Terra Mater implica que a terra viva. Ela tem esta caracterstica excepcional de engendrar e absorver as foras dadas de uma auto-renovao. Na concepo africana o homem participa da fora vital que

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o liga terra, fora que representada pelos gnios, espritos ou deuses que esto ligados terra e natureza. Esta existncia de relao que une a terra ao mundo invisvel e , no mundo visivel, ao homem e aos grupos sociais, impede a emergncia que nos familiar do conceito de direito real, direito de propriedade. Direto este sado da distino clara de que um direito no pode valer diretamente sobre uma coisa, muito menos sobre a terra. A terra irredutivel a uma objeto tendo em vista que a sua propriedade e utilizao dos seus frutos so organicamente ligados hierarquizao dos grupos sociais e aos estatutos que deles resultam. Os indivduos no podem considerar que os direitos fundirios provam o seu nivel de competncia e nem aleg-los mediante condies que um precedente titular fez quando do seu uso. Esta noo de direito de apropriao da terra ainda constitui um forte debate na frica. (Cf. Le ROY, E. - LE BRIS, E, 1982. pp.155-177) . Esta realidade pode constituir uma das diferenas entre a arte de viver dos europeus e a dos Africanos. Pois para o Ocidente um dos projetos maiores aquele de dominao e de transformao da natureza, mesmo se ele no possui os meios tcnicos nem as competncias para isso. A terra antes de ser um modo de subsistncia , segundo VERDIER, para o campons, uma maneira de ser e de viver, um modo de pensar e de agir: Em primeiro lugar, a terra a fonte da vida e a ligao que o homem estabelece com ela passa necessariamente pela mediao dos gnios e antepassados que possemi a sua potncia fecundante: bem vital, ela no pode ser apropriada como objeto, o homem deve fazer aliana com seus guardios invisveis. Em segundo lugar, o individuo no existe na sua singularidade isolado e abstrato, mas na sua participao em diferentes grupos, de parentesco e de aliana, de localidade e de vizinhana. As diversas funes que ele assume so refentse ao seu estatuto, que dizer, o conjunto de direitos e deveres recprocos correspondentes s diversas posies que ele ocupa. Em terceiro lugar, a terra um bem socializado em duplo sentido: sua valorizao cultural estabelece um ligao de dependncia entre a geraes passadas, presentes e futuras; sua explorao dev ser feita pelos membros dos grupos familiares e residenciais criando entre eles as ligaes de cooperao e de solidariedade. (VERDIER, 1986, p.9) A Terra para os Africanos antes de ser o espao do qual o homem se apropria, uma entidade espiritual na qual ele se encontra. Potncia indispensvel para a vida, ela o lugar vital que possui o homem, que nasceu da terra, e a ela retorna na morte. Neste sentido, a relao entre o homem e a terra est no plano cosmolgico, como a ligao entre a criana e seus genitores biolgicos. Portanto a posse da terra no ocupada implica em um ritual de fecundao, onde o primeiro ocupante deve obedecer s pontncias espirituais que residem nessa terra. E ele deve ser ao mesmo tempo um smbolo vivo da aliana religiosa com a terra como entidade espiritual e de unidade da comunidade territorial na tripla dimenso de responsabilidade: passado, presente e futuro. CONSIDERAES FINAIS Na tradio africana a natureza no algo definido ou indefenvel, como qualquer coisa autonma ou ainda menos independente. O homem no se ope originariamente e fundamentalmente a si mesmo, natureza, Deus. O homem tradicional Africano no procura objetivar a natureza: tudo que dado percebido primeiramente na sua pluridade, na sua diversidade e pela experincia sensivel de vida. A vida humana englobante. nessa experincia concreta da vida que pode se provar tudo aquilo que pode ser dado ao homem. A vida conceitual, a atividade de conceitualizao no ausente do plano dos dados concretos da experincia. E as lnguas ditas primitivas possuem expresses conceituais concretas dessa experincia. Por exemplo nas lnguas Africanas Bantas: munthu, significa, homem, ser humano : composto por nthu ( fora vital). O munthu, ser humano, tornou possivel a confluncia dos seres, no somente pela palavra que pode escutar, falar, e nomear, alm de dirigir a dana, a msica, mas tambm pela sua

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constituio como ser, pois ele realizado como encontro de todas as foras, alias, como sntese de todas as coisas. Em outras palavras, se trata de atualizar todas as potencialidades hereditrias do individuo e inserir na realidade csmica, natural; onde o indivduo torna-se realmente munthu ser humano na sua dimenso integral. Nesta lgica natural o homem se faz na conquista de unidade do seu ser, quer dizer, de equilbrio eficiente, dinmico, s vezes instvel com as energias csmicas. O poder de conhecimento que procura o homem tradicional Africano Banto, antes de tudo aquele que consiste na natureza dos seres: as foras destes dois mundos (visvel e invisvel), sobretudo o principio que os rege. Possuir o tal conhecimento permite ao homem explorar mais as foras do Universo, da natureza em funo do seu prprio desenvolnvimento integral, da sua propria libertao. Fazer da natureza um espao de residncia humana e de cultura, para viver de maneira durvel, harmoniosa e em equilbrio com a natureza, tal um dos sentidos profundos que muitos homens do campo africanos estabelecem como ltima meta. E deste modo que o homem dito tradicional age, centrando todos os seus esforos para se integrar na natuereza constituindo com ela uma nica e mesma experincia. BIBLIOGRAFIA BONTE, Pierre. IZARD, Michel. Dictionnaire de lethnologie et de LAnthropologie. Paris, P.U.F. 1991. BOUAH, Georges Niangoran: La division du temps et le calendrier rituel des peuples lagunaires de Cte-dIvoir. Paris: Institut dEthnologie. 1964 BRUN, Jean . Les conqutes de lhomme et la sparation ontologique. Paris, P.U.F., 1961. DOMINGOS, Luis Tomas. La question ethnique et la formation de lEtat -Nation au Mozambique : le cas des Senas de la Valle do Zambeze. ANRT. Universit de Lille 3. France. 2005. ELUNGU, P.E.A. Tradition africaine et rationalit moderne. Paris: LHarmattan. 1987. EVANS-PRITCHARD, E.E. Essays in Social Anthropology. London: Faber and Faber. 1962. JUNOD Henri Philippe A, Moeurs et Coutumes des Bantou, la vie dune tribu Sud-Africaine, (2 tomes), Payot, Paris, , 1936. KAGAME Alexis, La philosophie Bantou compar, Prsence Africaine, Paris, 1976. LE BRIS E., LE ROY E. MATHIEU P, (eds) Lappropriation de la terre en Afrique noire, manuel danalyse, de dcision et gestion foncires, Karthala, Paris, 1991. Le droit de terre en Afrique (ouvrage coll., prf. J. N. Hazard), Maisonneuve et Larose, Paris, 1971. Le ROY E, "Caractres des droits fonciers coutumiers", in Encyclopdie Juridique de lAfrique, V (Dakar , 1982) p. 39-47. Le ROY E., "Une doctrine foncire pour lAfrique rurale de lan 2000", LAvenir du Tier monde, Paris, P.U.F., col. Tiers Monde, 1991, pp. 193-211. Le ROY, E. - LE BRIS, E.. La question foncire en Afrique noire. Esquisse dune nouvelle problmatique de la question foncire en Afrique noire, JLP, 20 (1982). Pgs 155-177. MAURIER, Henri. Philosophie de lAfrique Noire. Bon: studia Instituti Anthropos. 1976 MBITI, John. Religions et philosophie africaine , trad. De langlais, Yaound, dit. Cl, 1972. OBENGA Thophile, Les Bantou: langues peuples civilisations, Prsence Africaine, Paris, 1985. SAVONNET, G. Paysans des savanes africaines et paysans du Nordeste brsilien in Socits paysannes du Tiers-Monde (d. C. Coquery-Vidrovitch), 1980. VERDIER, R. Systme foncier a la ville et dans le village. Paris. LHarmattan. 1986. ZAHAN, Dominique. Religion, spiritualit et pense africaines. Paris: Payot. 1970.

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SOCIA(BI)LIDADE E SOLIDARIEDADE EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA: PRTICAS PARA VIVER EM AMBIENTES HOSTIS1Edina ALCNTARA Doutoranda. Ps-graduao em Desenvolvimento Urbano (MDU), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) [email protected] Circe MONTEIRO Professora titular e orientadora. MDU/UFPE [email protected]

ABSTRACT Starting from the perspective of the gift proposed by Mauss and advocated by members of M.A.U.S.S., this article analyses the forms of socia(bi)lity and solidarity which the low-income population has been developing to meet the everyday experience of scarcity and the challenges posed by the environments where they live. Two spontaneous settlements and a low-income housing project were studied where inhabitants face daily risks and violence. In the spontaneous settlements, the urban infrastructure is precarious, and in the project inhabitants fear violence and deaths related to the drug trade, and are also separated from their former neighbours quite apart from losing opportunities for work, leisure and services which increases their feeling of not belonging there. Despite these unfavourable factors, there are still initiatives to maintain collective spaces people sweep them, plant flowers and plaster the entrances to the blocks and of socia(bi)lity, such as meeting to have a drink with friends and former neighbours on the landings and internal streets, or bingo. These are clear attempts to preserve former links and their associated community spirit. The layout of the spontaneous settlements, with their winding streets and closelyspaced houses, facilitates exchange and solidarity, which has become a resource essential to survival. Manifestations of solidarity were classified as follows: i) the urgency and seriousness of situations material aid, help in case of sickness/accident, emotional support in conflicts; ii) everyday solidarity watching someone's child, keeping an eye on their house, lending/giving food; iii) socia(bi)lity generating intimacy inviting someone for a meal, giving presents, inviting someone to have a coffee/beer. All interviewees said they helped people if asked. Analysing these initiatives of socia(bi)lity and solidarity in such hostile environments, a local organic form can be detected, the most sustainable way the inhabitants found to gain better living space in the city. However, these initiatives are inhibited in verticalised housing projects. KEYWORDS: socia(bi)lity, solidarity, hostile environments, low-income dwellings, favelas Resumo Este artigo analisa, sob a tica da ddiva, proposta por Mauss e defendida por membros do M.A.U.S.S., as formas de socia(bi)lidade e solidariedade que a populao de baixa renda vem desenvolvendo para enfrentar o cotidiano de escassez e as adversidades dos ambientes em que moram. Foram estudados dois assentamentos espontneos e um conjunto habitacional popular, em que os moradores convivem diariamente com risco e violncia. Nos dois primeiros pela infraestrutura urbana precria e neste ltimo convivem com o medo de violncia e mortes por o trfico de drogas. No conjunto habitacional, alm de perderem as oportunidades de trabalho, lazer e servios, foram separados dos antigos vizinhos, o que aumenta o sentimento de no-pertencimento do lugar. No entanto, mesmo com esses condicionantes desfavorveis, ocorrem iniciativas de1 O termo ambiente hostil faz referncia ao livro Quando o Ambiente Hostil, de Lcia Leito, mesmo que a autora no aborde a expresso pela tica da escassez, da necessidade e do risco como fazemos, mas usamos esta expresso com esta conotao, pois as localidades analisadas so ambientes, de forma distinta, hostis para moradia.

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cuidado dos espaos coletivos varrem, plantam e revestem a entrada dos blocos; e de socia(bi)lidade encontram-se para beber com amigos e antigos vizinhos nos corredores dos andares e ruas internas e fazem um bingo nos espaos coletivos e de circulao. Estas iniciativas demonstram tentativas de preservar antigos laos existentes e o esprito de comunidade. Nos assentamentos espontneos, a forma do assentamento, com ruas tortuosas e casas bem prximas, facilita a troca e a solidariedade, que passou a ser um recurso de sobrevivncia. As manifestaes de solidariedade foram classificadas segundo: i)urgncia e gravidade das situaes ajuda material, socorro por doena/acidente e apoio emocional em conflitos; ii)solidariedade no cotidiano tomar conta do filho, olhar a casa, emprstimo/doao de comida; iii)socia(bi)lidade de aproximao do outro oferecer comida, dar presente, convidar pra tomar caf/cerveja. Todos declararam que ajudavam quando algum pedia. Ao analisar as iniciativas de socia(bi)lidade e de solidariedade em ambientes to hostis, percebe-se uma forma orgnica localizada, mas sustentvel que os excludos encontraram para conquistar um espao de viver melhor na cidade. No entanto, nos conjuntos habitacionais verticais estas iniciativas so inibidas. PALAVRAS-CHAVES: socia(bi)lidade, solidariedade, ambientes hostis, habitaes de baixa renda, favelas INTRODUO Este artigo2 apresenta algumas reflexes e resultados da tese em finalizao no MDU Solidariedade e Ddiva em Comunidades de Baixa Renda: uma anlise destas manifestaes nas prticas cotidianas e na qualidade do ambiente. Analisamos luz da teoria da ddiva 3, proposta por Marcel Mauss e defendida por membros do Mouvement anti-utilitariste dans les sciences sociales (M.A.U.S.S.), as formas de socia(bi)lidade e solidariedade que a populao de baixa renda vem desenvolvendo para enfrentar o cotidiano de escassez e as adversidades dos ambientes em que moram. Foram analisados dois assentamentos espontneos Mulheres de Tejucupapo e Escorregou T Dentro, que alm das condies de insalubridade devido precria infra-estrutura urbana, no segundo convivem diariamente com risco de escorregamento no canal, tendo ocorrido vrios casos de acidentes com seqelas. A terceira localidade o Conjunto Abenoada por Deus, com blocos de quatro pavimentos, totalizando 428 apartamentos de dois quartos, que a populao recebeu devido remoo das palafitas que moravam s margens do Rio Capibaribe, na antiga Abenoada por Deus, no bairro da Torre, mas os moradores vivem com medo de estar e circular nas ruas internas e espaos coletivos devido violncia, por drogas. Ao analisar as manifestaes de socia(bi)lidade e solidariedade, em lugares com caractersticas e histria de ocupao to distintas, atravs das relaes e prticas cotidianas entre vizinhos e de cuidado com o lugar para viver nestes ambientes, pretendemos demonstrar a capacidade dos moradores de criar laos de socia(bi)lidade e de solidariedade em ambientes to hostis e adversos, como uma forma localizada, orgnica, mas sustentvel que os excludos encontraram para conquistar um espao de viver melhor na cidade. As iniciativas apresentadas foram resultado das visitas de campo, observao direta e entrevistas com roteiro. Foram entrevistadas 16 pessoas individualmente (moradores, lderes comunitrios e tcnicos) nas trs localidades e ouvidos 25 moradores em trs grupos focais (mulheres, jovens e crianas), estes apenas em Abenoada por Deus. A distino dos instrumentos de coleta se fez por os dois primeiros haverem sido tratados como casos exploratrios e o ltimo como estudo de caso na referida tese. Esta distino nos instrumentos de coleta adotados no prejudicou a anlise ora apresentadas, apenas trouxe maior profundidade s observaes realizadas em Abenoada por Deus.2 uma reedio aprofundada de um poster produzido para apresentao no I Seminrio Internacional ARCUS ambientes urbanos e urbanidades, realizado em Joo Pessoa de 17 a 19 de agosto de 2009, mas ainda no publicado inclusive nos anais do encontro. 3 Qualificamos de dom ou ddiva qualquer prestao de bem ou de servio, sem garantia de retorno, com vistas a criar, alimentar ou recriar os vnculos sociais. (GODBOUT; CAILL, 1999, p.29).

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2. O Problema e a Escolha das Localidades A proviso de moradias para populao de baixa renda ainda um tema que por mais que tenha sido estudado e debatido muito h por ser feito tanto em termos de polticas pblicas, como de estudos cientficos. So muitos os exemplos de remoes e relocaes de moradores de favelas e mais recentemente de palafitas para conjuntos de apartamentos que no atingem o principal objetivo: resolver o problema de moradia dos envolvidos no projeto. O alto ndice de repasse e aluguel dos apartamentos, a depredao e a insatisfao dos moradores com as solues so algumas das evidncias de problemas a serem equacionados. Muitas so as razes para o repasse: insuficincia de renda para poder pagar as contas de gua, luz e por vezes condomnio, que costumavam ser clandestinas, conseqentemente no tarifadas; a nova moradia normalmente est localizada em outro bairro em que usualmente j existem outros conjuntos habitacionais do mesmo padro, o que gera competio por trabalho, acesso a servios, entre outros, fazendo com que os novos moradores que chegam no novo conjunto habitacional sofram hostilizao da comunidade do entorno; perdem toda a rede de assistncia social (igreja, organizaes sociais, etc) de que dispunham na comunidade onde moravam anteriormente; a tipologia habitacional do apartamento inadequada e rejeitada pela populao de baixa renda que na sua grande maioria prefere a casa trrea como soluo habitacional; o projeto urbanstico, usualmente com ruas ortogonais e grandes corredores no preserva o formato de ruas tortuosas que havia na favela, que propiciava organicidade e particularidade ocupao e tambm oferecia segurana contra a entrada de estranhos ao local; a concorrncia por o trfico de drogas intensifica a violncia e a sensao de insegurana nos moradores. Buscando ilustrar as diferenas e semelhanas existentes entre as prticas de socia(bi)lidade e solidariedade de moradores de conjuntos habitacionais populares e assentamentos espontneos que estas manifestaes foram identificadas. Os assentamentos espontneos foram escolhidos por representarem a realidade e a tipologia de muitas favelas do Recife, em que a populao convive com a falta e aprecariedade de infra-estrutura urbana, em alguns casos em uma situao limite de risco dirio de acidentes, como em Escorregou T Dentro. O Conjunto Habitacional Abenoada por Deus um caso emblemtico do tipo de soluo habitacional verticalizada proposta por a Prefeitura do Recife, bem como por outras administraes locais do pas e de outras cidades do mundo. A justificativa desta soluo est fundamentada na exiguidade de terrenos disponveis para habitaes de baixa renda. No entanto, so inmeros os casos de insatisfao e rejeio desta soluo, como j referidos, que levam a modificaes na morfologia dos conjuntos como apontados em outros estudos (MONTEIRO, 2008; MONTEIRO, 2000; MARQUES et all, 1998; AMORIM, 2009; AMORIM, 2001) em um sinal claro de busca de se aproximar da realidade da antiga favela em que moravam. A soluo habitacional verticalizada adequada e sustentvel para a populao de baixa renda? Este artigo no pretende responder a esta questo, apenas avanar na discusso trazendo uma reflexo sobre o tema ao analisar as prticas de socia(bi)lidade e solidariedade observadas e declaradas pelos moradores nos diferentes habitats de moradia. ESCORREGOU T DENTRO um assentamento com cerca de 160 famlias que ocupou as margens do Canal de Afogados h cerca de 20 anos. As casa so bem exguas e muitas delas possuem apenas um vo. O acesso feito por uma faixa de circulao de cerca de 50 cm. A impossibilidade de consolidao da ocupao, tanto por impedimentos legais (no fazem parte nem da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) de Afogados, nem da ZEIS Mustardinha), como por limitaes tcnicas faz com que mesmo com todo este tempo de ocupao, a infra-estrutura urbana ainda seja bastante precria. A

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gua e a energia so clandestinas e a populao no paga pelo seu consumo. O esgoto e parte do lixo jogado no canal. As casas foram construdas sobre as vias marginais com a frente para o canal e os fundos para os muros laterais de cada margem. Os moradores aproveitaram o piso de paraleleppedo que revestia as vias marginais e as paredes do muro. Como a maioria conjugada, com apenas porta e janela voltadas para o canal, no h aberturas nas laterais e os ps direitos so muito baixos. Isso faz com que as condies de ventilao e iluminao sejam bastante precrias. A pouca luz e ventilao conseguida com telhas removveis temporariamente na cobertura, como fez uma moradora, ou nas aberturas frontais para o canal. Alm de conviver com o mau cheiro do canal e a insalubridade, os moradores tambm convivem com o risco dirio de escorregamento, o que gerou o nome da localidade. Muitos j caram, principalmente crianas e idosos, gerando muitos acidentes e com seqelas. Lepstopirose, hepatite e problemas respiratrios so algumas das doenas que acometeram os moradores. O canal atravessa toda a localidade e est presente e at determina o comportamento dos moradores. Nas brigas de casais, alguns ameaam jogar o outro no canal e por vezes estas ameaas tornam-se realidade. Os vizinhos apartam e defendem quem est em desvantagem na briga. No canal aparece de tudo, at corpos. No passado a localidade passou por violncia, por ser um local de passagem e vulnervel ao trfico de drogas. Mas este perodo de convivncia com tiros cruzados faz parte do passado. A configurao do assentamento, a proximidade das casas, a precria infra-estrutura existente, aliado ao risco e insalubridade oferecidos pelo canal tornam este ambiente bastante hostil moradia. ABENOADA POR DEUS O Conjunto Habitacional Abenoada por Deus formado por blocos de quatro pavimentos, tipo caixo num total de 428 apartamentos com dois quartos, que a populao no pagou e no participou da construo. Foram removidos das palafitas da antiga Abenoada por Deus, na Torre, margem do Rio Capibaribe, aps uma luta de 14 anos por moradia e passaram a morar nesses apartamentos em agosto de 2008. Depoimentos como agora temos conforto, mas no temos segurana, morar em apartamento muito difcil, a nossa vida agora um inferno so reveladores das dificuldades encontradas por os moradores pra se adaptarem nova moradia. No primeiro ms, o centro comunitrio foi depredado por jovens moradores, supostamente sob efeito de droga. Os moradores vivem com medo de estar e circular nas ruas internas e espaos coletivos, devido violncia e por trfico de drogas. No local onde moravam anteriormente havia toda uma rede de assistncia da igreja catlica, igrejas evanglicas e at budistas que distribuam cestas bsicas, sopa, e outras formas de ajuda bsica assistencial. Ao mudarem para os apartamentos praticamente perderam este suporte. Como uma populao extremamente pobre, com 73,09% com renda de 0 a 1 SM que antes no pagava gua, nem luz vai poder cumprir com as atuais obrigaes? Muitos deles voltam ao lugar onde moravam para continuar com o benefcio que tinham, mas como no moram mais naquela localidade terminam sem receber. Tm muito mais nus agora, no mudou a condio scioeconmica e perderam o suporte assistencial de que dispunham. As mudanas nos hbitos de moradia esto potencializando muitos conflitos. A conta dgua coletiva por bloco, ocasionando atrasos em alguns e cooperao em outros, pois alguns moradores terminam pagando por quem no pode. Quem no consegue manter o padro de vida no local est alugando ou vendendo os apartamentos. Alm de perderem as oportunidades de trabalho, lazer e servios anteriormente existentes, tambm foram separados dos vizinhos, o que aumenta o sentimento de nopertencimento do lugar. Uma entrevistada falou muito emocionada de como tinha saudade da sua casa anterior, qual ela chamava de manso e que foi construda durante cerca de seis anos. L ela tinha muitas plantas, jardim, quintal, animais e podia respirar. Outra moradora est tentando trocar o apartamento por uma casa, mas no consegue. Ela vive assustada, inclusive com fogos, pensando

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ser tiros, pois a filha brinca embaixo. Seu trabalho longe e se sente presa no apartamento. No tem coragem de sair de casa porque sente uma moleza, sai apenas para trabalhar e declara que no est feliz com o apartamento e que [...] preferia voltar pros ratos e pras baratas que no faz mal a ningum. Estes depoimentos so emblemticos do sentimento de inadequao que os moradores esto sentindo, mesmo com grandes ganhos em termos da qualidade da moradia. MULHERES DE TEJUCUPAPO A Ocupao Mulheres de Tejucupapo foi uma iniciativa do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), e ocorreu em maio de 2006 e conta hoje com cerca de 260 casas. Por ser uma ocupao espontnea, no h uma tipologia habitacional definida para as casas. A ocupao se deu sem seguir um padro urbanstico definido e a infra-estrutura urbana praticamente inexistente. Existem apenas dois poos para abastecimento dgua da populao e os esgotos correm a cu aberto ou vo para alguma fossa negra existente, ou um crrego prximo. O projeto da prefeitura de construir 224 apartamentos, com de 40,71 m2 cada, em blocos com quatro pavimentos, semelhante a Abenoada por Deus. Este nmero no vai atender a presente demanda e foge ao atual padro e tipologia de casa trrea, alm de toda uma srie de hbitos culturais relativos vivncia em condomnios que tero que ser incorporados para que haja apropriao do espao em que moram. A atual forma de ruas estreitas e sinuosas, com casas bem pequenas com predominncia de papelo, plstico ou madeira favorece a proximidade e manifestaes de ddiva e solidariedade no cotidiano, mas estas prticas iro continuar quando os apartamentos forem construdos? PRTICAS PARA ENFRENTAR AS CARNCIAS SCIO-AMBIENTAIS No entanto, mesmo com os condicionantes scio-ambientais desfavorveis socia(bi)lidade e solidariedade, principalmente nos casos de Abenoada por Deus e Escorregou T Dentro, h demonstraes de criatividade dos moradores nas solues para lidar com os problemas e carncias do cotidiano, tanto noque se refere socia(bi)lidade e solidariedade entre eles como no cuidado dos espaos coletivos. ESCORREGOU T DENTRO A ocupao j se carateriza desde o incio pelo aproveitamento de estruturas existentes como elementos na construo da casa como o piso de paraleleppedo que revestia as vias marginais e as paredes do muro que limitam os terrenos limtrofes; Por as casas serem conjugadas, a pouca luz e ventilao foi conseguida com telhas removveis temporariamente na cobertura, ou com exguas aberturas frontais; A criatividade dos moradores para conviver com a falta e precariedade de infra-estrutura leva-os a utilizar os recursos existentes, como o corrimo da ponte para estender roupas: No temos lavanderia, lavamos no cho, no temos varal, usamos a ponte. (lder comunitria); Outros moradores ampliaram a parte da frente da casa sobre o canal como em uma palafita e utilizam como rea de servio para banho, lavagem e secagem de roupas; A exigidade das dimenses de algumas casas, faz com que os vizinhos disponibilizem suas cozinhas para quem no possui; H quem leve o filho do vizinho para o mdico, olham a casa, olham as crianas; H doao de comida quando precisam; Fazem cota para ajudar um enterro, para as mes comprarem algo para os filhos presos; Foram realizados cursos de bijuteria com sementes, educao digital, recepo matrimonial e garon, por inciativa da liderana local; Esporadicamente eles recebem alguma assistncia, como a distribuio de cestas bsicas no final do ano e em dias comemorativos. Por um perodo, havia um sopo nas quartas-feiras noite;

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Obervou-se muitos exemplos de cuidado com a esttica das casas no uso de rejeitos cermicos e em solues criativas para conviver com o pouco espao e condies de que dispem. ABENOADA POR DEUS So realizadas celebraes coletivas nas festas juninas, natal e carnaval e nos dias das mes, pais e das crianas; o conjunto tambm tem decorao nas festas juninas e os moradores criaram um bloco de carnaval; H demonstraes de cuidado com alguns jardins e canteiros coletivos (plantio, poda e aguao); Alguns moradores varrem, lavam e revestem com sobras e rejeitos cermicos a entrada de alguns blocos; Uma senhora varre sistematicamente as vias de circulao e espaos coletivos em troca de algum trocado, que algumas vezes recebe, outras no4; O isolamento dos apartamentos so compensados por encontros regados a cerveja nos corredores dos andares; Foi criado um bingo que ocorre quase diariamente e rene jovens, adultos e crianas em um momento ldico mais coletivo; A separao dos antigos vizinhos minimizada nos finais de semana quando se renem em momentos de sociabilidade para tomar cerveja; Como a gua coletiva para cada bloco, alguns moradores pagam pelos que no podem, o que tem gerado constrangimento, ressentimento e conflito em alguns casos; A solidariedade dos jovens e das crianas est muito associada relao de amizade e/ou proximidade; A solidariedade dos adultos est mais associada urgncia e gravidade da necessidade do outro ou em atividades do dia a dia como tomar conta dos filhos, mencionado por as mulheres; Circunstancialmente, so realizadas cotas para judar algum morador que se encontra em dificuldade (comprar gs, cesta bsica, entre outros); O sentimento de comunidade e a socia(bi)lidade e a solidariedade eram mais intensos nas antigas palafitas. Estas iniciativas no so vistas nos conjuntos habitacionais de classe mdia e revela tentativas de preservar os antigos laos existentes e o esprito de comunidade; e so indicativos de que, apesar das caractersticas de produo do habitat e do individualismo egosta, os moradores tambm so capazes de manifestar solidariedade. MULHERES DE TEJUCUPAPO Socorro em casos de acidentes e at com salvamento da vida; Os moradores emprestam e usam os eletrodomsticos uns dos outros; H doao e emprstimo de alimentos para cozinhar e para provar a comida j cozinhada; Vizinhos olham os filhos e a casa de quem precisa; O cuidado e sentimento de pertencimento ao lugar observado no cuidado com as plantas na frente de algumas casas; A existncia de vrios catadores de reciclveis, favorece a catao, o aproveitamento, o reuso e a reciclagem de objetos e mveis que so recuperados ou transformados para uso ou decorao; A existncia de trs grupos polticos que atuam na localidade estimula a disputa entre as lideranas comunitrias na promoo de melhorias para o bairro; algumas vezes estas disputas provocam conflitos, outras vezes ampliam as melhorias conquistadas, porque cada grupo busca realizar mais conquistas e trazer mais melhorias para o bairro. Esta forma de ddiva entre lderes possui caractersticas da ddiva agonstica, observada por Mauss no Ensaio.4 Esta pessoa foi mencionda nas entrevistas individuais e nos trs grupos focais, as crianas e jovens defenderam muito ela e demonstraram respeito e reconehcimento ao trabalho que ela realiza no local e que muitas vezes no remunerada por isso.

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4. Categorias de Solidariedade Encontradas De maneira geral, as manifestaes de solidariedade identificadas foram classificadas segundo: Urgncia e gravidade das situaes ajuda material, socorro por doena/acidente e apoio emocional em conflitos; Solidariedade no cotidiano tomar conta do filho, olhar a casa, emprstimo/doao de comida, cotas para atender uma necessidade circunstancial; Sociabilidade de aproximao do outro/boa vizinhana oferecer comida, dar presente, convidar pra tomar caf/cerveja. (ALCNTARA, 2009) CONSIDERAES FINAIS Os resultados encontrados nas trs localidades sinalizam para a existncia de distintas formas de manifestao de solidariedade no cotidiano de assentamentos de baixa renda. Expresses de solidariedade esto estruturadas na ajuda-mtua em que aquele que recebia a ajuda, retribua em um momento posterior, numa clara evidncia da obrigao tripartite de darreceber-retribuir existente no sistema da ddiva. Solidariedade e ddiva permeiam as relaes entre os moradores, que passou a ser um recurso poderoso para enfrentar as dificuldades cotidianas de viver nessas localidades. A configurao do assentamento parece ser um fator que pode facilitar ou inibir expresses de solidariedade e de sociabilidade. Os assentamentos espontneos e horizontais parecem facilitar a interao e ocorrncia dessas manifestaes, devido forma do assentamento, com casas bem prximas, mais do que os conjuntos habitacionais verticais em que os moradores sentem-se fechados e segregados dentro dos apartamentos. Em Abenoada por Deus a maioria dos entrevistados declararam se sentir mais comunidade nas antigas palafitas, onde as prticas de socia(bi)lidade e solidariedade eram mais intensas do que no atual conjunto habitacional, mesmo que gostem do conforto do apartamento. A perspectiva de ter a casa prpria um dos poucos aspectos positivos mencionados. As lideranas comunitrias potencialmente estimulam e do exemplos de solidariedade e de ddiva. A ao deles tem por base a ddiva agonstica, a ddiva de rivalidade, observada por Marcel Mauss no Ensaio sobre a Ddiva, entre os chefes das sociedades tradicionais, em que o poder e o respeito de um chefe estava associado ao montante de doao que ele realizasse. Mais doao, mais poder e reconhecimento. (MAUSS, 2003) Prticas de solidariedade e ddiva promovem coeso social. Os fatores motivadores para estas prticas incluem: religiosidade; compromisso e engajamento poltico-social; compromisso humanstico; generosidade pessoal por educao; relao de parentesco e amizade; reconhecimento; expectativa de gratido; generosidade associada ao prazer individual e do outro e vontade de se aproximar do outro. (ALCNTARA, 2009) O conhecimento em maior profundidade destas manifestaes pode ajudar na formulao de polticas pblicas locais que procurem fortalecer as prticas solidrias e a ddiva existentes entre os moradores de baixa renda como um recurso a ser potencializado, diferentemente do que ocorre em alguns projetos onde as prticas de solidariedade existentes podem ser desmanteladas por projetos inadequados s necessidades da populao. REFERNCIAS ALCNTARA, Edina. Memorial de Qualificao de Tese. Solidariedade e Ddiva em Comunidades de Baixa Renda: uma anlise destas manifestaes nas prticas cotidianas e na qualidade do ambiente. Ps-graduao em Desenvolvimento Urbano. UFPE, 2009 AMORIM, L.; LOUREIRO, C. Uma figueira pode dar rosas? Um estudo sobre as transformaes em conjuntos populares. Arquitextos (So Paulo), So Paulo, v. 09, n. Fevereiro, p. e53, 2001. AMORIM, L.; LOUREIRO, C. Can Fig Trees Bud Roses?. In: Fernando Lara. (Org.). Global apartments: studies in housing homogeneity. 1 ed. Ann Arbor: Studio Tor-University of Michigan/Lulu.com, 2009, v. , p. 42-60.

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CAILL, Alain. O Dom entre interesse e desinteressamento. In: MARTINS, Paulo H.; CAMPOS, Roberta. Bivar. C. Polifonia do Dom (orgs.). Recife: Ed. Universitria da UFPE, 2006. GODBOUT, Jacques T.; CAILL, Alain. O Esprito da Ddiva. Tradutor Patrice Charles F. X. Wuillaume Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1999. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Ensaio sobre a Ddiva: forma e razo da troca nas sociedades arcaicas. So Paulo, Cosac e Naify, 2003. MONTEIRO, C. M. G. Enclaves, Condominiums, and Favelas: Where Are they in Brazil?. City and Community, v. 7, p. 378-383, 2008 MARQUES, S.; LOUREIRO, C.; MONTEIRO, C. M. G. Conjuntos Habitacionais: Sucessos e Falhas da Ambio Social do Movimento Moderno. In: NUTAU 98, 1998, So Paulo. Anais do NUTAU 98. Sao Paulo, 1998 MONTEIRO, C. M. G. Virando pelo Avesso: Transformaes no espao de conjuntos habitacionais. In: IV Seminario de Historia da Cidade e do Urbanismo, 2000, Natal. Anais do IV Seminario de Historia da Cidade e do urbanismo, 2000

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CARACTERIZAO DOS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS DO MUNICPIO DE MOSSOR-RNHozana Raquel de Medeiros GARCIA. Graduando em Gesto Ambiental - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN Rua: Prof. Antnio Campos, s/n Costa e Silva Mossor RN CEP: 59600-610. [email protected] Mrcia Regina Farias da SILVA. Dra.em Ecologia Aplicada, pela Universidade de So Paulo USP. Profa. do Departamento de Gesto Ambiental/FACEM/UERN. [email protected]

ABSTRACT This study aims to identify the main environmental problems of the neighborhoods: Alto de So Manoel, Boa Vista, Alto da Conceio, Abolio IV, Santa Delmira and Belo Horizonte, the city of Mossor, to identify areas that need special attention and grants for planning, land management and the formulation of public policies in areas: social and environmental. As a methodology for data collection was formed study groups during the course Urban Environmental Management, taught in the course of Bachelor of Environmental Management UERN. These groups were responsible for identifying the environmental problems of pre-defined neighborhoods. Therefore, we applied semi-structured questionnaires with open questions and closed during the month of August 2009. Then in December 2009 and February 2010 were conducted on-site observation and photographic records of the districts. It was observed that the municipality of Rio Grande do Norte environmental degradation can be seen in various ways, are among the key: the open sewers, the inadequate disposal of solid waste, violence, and the deficiency of the Society of Water and Sewers of the Rio Grande do Norte (CAERN), to meet the demand for concerts in your pipes, water quality and supply. The quantification of data and checking them on the spot showed that there is a deficiency in the infrastructure of the city of Mossor, from a disorderly and accelerated growth which are common to other urban centers of Brazil. This finding points to the need to think of a more effective urban planning through the formulation of public policies aimed at mitigating the problems in the social and environmental issues, and provide the population a better quality of life. KEYWORDS: Environmental planning, public policy and urban issues. RESUMO Este trabalho tem por objetivo identificar os principais problemas socioambientais dos bairros: Alto de So Manoel, Boa Vista, Alto da Conceio, Abolio IV, Santa Delmira e Belo Horizonte, no municpio de Mossor, visando identificar as reas que necessitam de ateno especial e fornecer subsdios para o planejamento, gesto do territrio e a formulao de polticas pblicas nos mbitos: social e ambiental. Como procedimento metodolgico para a coleta de dados formou-se grupos de estudo, durante a disciplina Gesto Ambiental Urbana, ministrada no curso de Bacharelado em Gesto Ambiental da UERN. Tais grupos ficaram responsveis por identificarem a problemtica socioambiental dos bairros pr-definidos. Para tanto foram aplicados questionrios semi-estruturados com perguntas abertas e fechadas, durante o ms de agosto de 2009. J nos meses de dezembro de 2009 e fevereiro de 2010 foram realizadas observaes in loco e registros fotogrficos dos bairros. Observou-se que no municpio de Mossor a degradao socioambiental pode ser constatada de vrias formas, entre as principais esto: os esgotos a cu aberto; a deposio inadequada de resduos slidos; a violncia; e a deficincia da Companhia de guas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN), em atender a demanda de concertos nas suas tubulaes, de qualidade da gua e de abastecimento. A quantificao de alguns dados e a verificao dos mesmos in loco mostraram que h uma deficincia na infra-estrutura do municpio de Mossor, proveniente de um crescimento desordenado e acelerado que so comuns aos demais centros urbanos do Brasil.

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Essa constatao aponta para a necessidade de se pensar em um planejamento urbano mais eficaz, atravs das formulaes das polticas pblicas, que vise mitigao dos problemas no mbito social e ambiental, e proporcione a populao uma melhor qualidade de vida. PALAVRAS-CHAVES: Planejamento ambiental, Polticas pblicas e Problemas urbanos. INTRODUO A populao humana desde seu surgimento no planeta Terra vem desenvolvendo suas atividades em uma perspectiva de sobrevivncia assustadora ao longo dos anos. Cada vez mais o ser humano vem alterando a natureza e modificando seu equilbrio de um modo insustentvel, pois utilizam de forma agressiva os recursos naturais sem pensar no que restar para as futuras geraes usufrurem, por muitas vezes possurem um pensamento equivocado que a natureza renovvel, e que, portanto se encarregar de se recompor para manter a manuteno da vida humana. Com o advento da industrializao, os sistemas de explorao dos recursos ganharam abrangncias maiores, bem como a gerao de problemas ambientais de nveis devastadores, na qual se encontra a mais conhecida de todas as catstrofes: o acidente Chernobyl (1986). Alm desse ocorreram tambm acidentes como o de Seveso (1976), Bhopal (1984), Minamata (1956), dentre outros. Esses acontecimentos mostram as conseqncias do uso inadequado dos recursos naturais, e dos materiais qumicos que em muitos casos possuem um potencial de destruio incalculvel. Esse fator torna-se mais grave quando seus resduos so descartados na natureza sem nenhum controle ou precauo, ou quando so realizados testes que iro custar vida de milhares de pessoas e at de uma humanidade inteira. (DUPUY, 2007). Com vista s catstrofes naturais e os acidentes provocados pelo o uso e manuseio inadequado dos recursos, que reside preocupao de Ulrich Beck, autor da teoria da sociedade de risco; com base nessa teoria Dupuy (2007) relatar as inseguranas oferecidas pelo modelo divergente da economia, chamando ateno em especial ao modelo de produo de energia nuclear, pois um acidente j ocorreu quando j se acreditava ser uma produo altamente segura. Assim, quem ir garantir para a sociedade a possibilidade de no acontecer mais algo desse tipo? Se a mesma percia que avaliou antes o sistema e denominou seguro veio depois a falhar, quem ir assegura a humanidade de uma nova catstrofe do tipo da Chernobyl venha a ocorrer ou at mesmo outra? o que o autor denomina de sociedade de risco, onde nada pode ser previsto e nem calculado, deixando a populao em um estado de insegurana constante. A problemtica ambiental envolve todos os acidentes que de certa forma atingiram no s os seres humanos, mais tambm o meio ambiente, onde muitos deles deixaram conseqncias graves para o planeta e seus seres vivos. Impulsionados pelos descasos de acidentes indstrias promovidos por um conjunto de erros entre eles o humano, alimentou o surgimento de diversos movimentos sociais que visavam uma melhor qualidade de vida para os presentes e futuras geraes. Assim, foram desencadeadas nas proximidades da dcada de 1970 as primeiras Conferncias para a formao planeta melhor, mais justo e igualitrio para sua populao. Ocorrendo nesse perodo uma maior cobrana advinda da populao quanto s indstrias, alegando o direito de uma ambiente ecologicamente equilibrado e sem descasos ambientais, decorrentes de erros humanos. Cabe ressaltar que a problemtica ambiental mais abrangente que os acidentes industriais, que serviram de alerta para a sociedade. Ela mais ampla e compreende fenmenos como: chuvas cidas, inverso trmica, ilhas de calor, advindas da dos diversos tipos de poluio que seja de corpos hdricos, sonora ou visual, so problemas que podem ser observados nos permetros urbanos. Por um lado a problemtica ambiental tornou-se uma preocupao constante nos estudos urbanos e por outro lado, no perodo contemporneo de suma importncia tambm, estudar os aspectos sociais que cerca as grandes cidades de modo a compreender quais so as suas relaes com os problemas ambientais, bem como contribuem e se defendem as diferentes classes sociais inseridos nesse contexto.

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Os problemas sociais das grandes cidades segundo Souza (2007) e Veyret (2007) emergem de dois conjuntos principais que so: a pobreza, gerada pelo modelo capitalista industrial que no espao urbano possui caractersticas prprias como formao de favelas, moradias em reas ribeirinhas ou encostas, trfico acentuado de droga, prostituio de menores, conflitos sociais com a polcia quer seja de traficantes quer seja de uma manifestao da sociedade civil, ou seja, violncia extrema como um cenrio de guerra muitas vezes presenciado em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e So Paulo. O outro ponto na qual se referem os autores a segregao residencial que parte do pressuposto da delimitao espacial de ocupao de reas mais propicia a moradias seguras e outras onde a insegurana notria, onde so encontrados os indivduos que possuem um poder aquisitivo inferior aos demais da sociedade, se pondo desse modo margem da mesma, se sujeitando as mazelas dos riscos ambientais e sociais. J os que possuem uma renda favorvel a sua sobrevivncia nos centros urbanos, possui tambm o poder de escolha de suas moradias e empoem barreiras que distanciam a sociedade, mais ainda evidenciando as marcas da segregao residencial, a exemplo desses locais de moradia daqueles que na sociedade atual possui o poder de escolha so: os condomnios fechado, os apartamentos, as casas com esquemas de segurana, dentre outros meios. Na perspectiva de Carlos (2001) o uso produtivo do espao, ser determinado pelas caractersticas do processo de produo do capital. Isso significa que a segregao residencial que separa ricos de pobres ocorre em uma perspectiva monetria como j foi comentado acima. A autora explica que, a diviso residencial das grandes cidades da seguinte forma, o centro ou as reas centrais, passa a serem deterioradas por alguns estabelecimentos como casas noturnas, penses, hotis de segunda classe, zonas de prostituio, centros comerciais, etc., fazendo com que esses indivduos da sociedade de escolha, busquem outros ambientes mais afastados da catica zona central. Nessa perspectiva, a presente investigao est integrada a um projeto maior intitulado: Mapa Social: Territrio e Desigualdade - FASE II, financiada pela FAPERN/CNPq edital: 04/2007, desenvolvido por pesquisadores do Ncleo de Estudos Socioambientais e Territoriais NESAT/UERN, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e a Pontifcia Universidade Catlica PUC/RJ. A proposta desta investigao busca dentre outros objetivos: compreender a questo socioambiental, no mbito do desenvolvimento regional de municpios de mdio porte, mas com forte dinmica econmica e urbana como Mossor-RN, com vista ao entendimento das desigualdades sociais e das vulnerabilidades socioambiental do seu territrio. Para responder tal objetivo fazem-se necessrio realizar uma caracterizao dos principais problemas urbanos do municpio de Mossor, visando diagnosticar as reas que necessitam de ateno especial, para se propor medidas que venham a mitigar as conseqncias da problemtica socioambiental e fornecer subsdios para o planejamento, a gesto territorial e a formulao de polticas pblicas nos mbitos: social e ambiental. O processo de urbanizao de uma cidade s compreendido quando se investiga o seu passado, dessa forma para entender o processo de urbanizao ocorrido em Mossor-RN necessrio conhecer a sua histria, para depois nortear os caminhos de sua formao. Com o objetivo de entender como os fatos desencadearam e contriburam para os atuais problemas ambientais e sociais locais. METODOLOGIA A cidade de Mossor, unidade emprica de referncia da presente pesquisa localiza-se no estado do Rio Grande do Norte-RN, e possui aproximadamente 240 mil habitantes, portanto, uma cidade de mdio porte apontada como segunda maior do Estado. Sua economia est atrelada ao trip da produo salineira, da agroindstria e do petrleo, sendo inclusive grande contribuinte que rende ao estado o ttulo de maior produtor de petrleo em terra do pas, assim como o sal marinho e a fruticultura irrigada que gera ao RN o maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita.

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O desenvolvimento do projeto: Caracterizao Socioambiental do Municpio de MossorRN teve incio com a coleta de dados desenvolvida a partir de uma parceria com os alunos do curso de Bacharelado em Gesto Ambiental da UERN, Campus Central, durante a disciplina Gesto Ambiental Urbana. Estes foram divididos em grupos que ficaram responsveis por identificarem a problemtica socioambiental de bairros pr-definidos de Mossor. Para tanto os grupos se encarregaram da aplicao de questionrios semi-estruturados com perguntas abertas e fechadas, bem como pela a realizao de registros fotogrficos. A finalidade da referida coleta foi gerar um banco de dados com informaes referentes s variveis sociais e ambientais dos bairros estudados. Como critrio para escolha dos bairros considerou-se aqueles que apresentavam um quadro maior de problemas dentro dos aspectos de interesse da investigao. Dessa forma, a primeira visita ao campo foi realizada nos bairros: Alto de So Manoel, Alto da Conceio, Santa Delmira, Belo Horizonte, Abolio IV e Boa Vista, durante o ms de agosto de 2009. Os dados coletados por meio dos questionrios semi-estruturados com perguntas abertas e fechadas, com um total de 164 moradores dos bairros analisados e do diagnstico realizado pelos alunos foram inseridos em um software estatstico (SPSS verso 16) no perodo de setembro a novembro de 2009. Para se obter um melhor desempenho com o programa foi realizado um curso de capacitao, no laboratrio do Ncleo de Estudo Socioambiental e Territorial (NESAT), destinado aos alunos e professores interessados em desenvolver trabalhos com fundamentao quantitativa. A segunda visita aos bairros acorreu no ms de dezembro de 2009, com o propsito de verificar in loco os dados coletados na primeira visita. Assim, foi realizado um segundo registro fotogrfico das reas, bem como foram realizadas entrevistas informais com os moradores. As observaes realizadas in loco e os depoimentos dos moradores locais foram registrados em caderno de campo. RESULTADO E DISCUSSES Observou-se que no municpio de Mossor a degradao socioambiental pode ser constatada de vrias formas, entre as principais esto: os esgotos a cu aberto, devido falta de saneamento; a deposio inadequada de resduos slidos provenientes da construo civil e domstica, em terrenos baldios e canteiros pblicos; alm da constatao in loco de focos de queimadas irregulares desses resduos; o elevado ndice de violncia nos referidos bairros estudados; e a deficincia da Companhia de guas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN), em atender a demanda de concertos nas suas tubulaes de abastecimento de gua, deixando a desejar quanto qualidade de sua gua fornecida e seu abastecimento. No que se refere ao esgoto cu nos bairros pesquisados, observou-se atravs dos questionrios que apenas 21,95% dos moradores afirmaram existir em todo o bairro o sistema de esgoto sanitrio, esse indicador mostra a existncia de um dficit na rede sanitria. E a mesma pode acarretar srios problemas